Um exemplo de Cachoeirinha

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:: TRANSPLANTE

Brasil bate recorde de transplantes Somente no primeiro semestre de 2010 foram 2.367 procedimentos, número 16,4% maior que o registrado em igual período de 2009, segundo o Ministério da Saúde Em 1964 foi realizado o primeiro transplante de órgão no Brasil, que deu início a uma nova era na medicina brasileira. Quase meio século depois do primeiro procedimento, realizado na cidade do Rio de Janeiro, o país bateu o recorde de transplantes. Somente no primeiro semestre de 2010 foram 2.367 procedimentos, número 16,4% maior que o registrado em igual período de 2009, segundo o Ministério da Saúde. Para a entidade, o aumento pode ser atribuído à melhor capacitação dos profissionais do setor. O Estado de São Paulo continua liderando o ranking, com 52% de todas as ocorrências. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, juntos, têm outros 20%. Enquanto isso, Amazonas e Rondônia não tiveram nenhum órgão transplantado. Goiás, que anteriormente tinha sido apontado pelo ministério com ausência de transplantes, informou que ao menos 258 transplantes de córnea, medula óssea e coração foram realizados nos primeiros

seis meses de 2010. Os procedimentos que envolvem o rim foram os mais frequentes, contabilizando mais da metade dos casos, um aumento de 21% se comparado ao ano passado. Em seguida, o fígado teve 663 ocorrências, com aumento de 36%. Já o coração teve um caso a menos na comparação com 2009. O número total de transplantes desse órgão foi de 99. Para o Ministério da Saúde, a capacitação de equipes para a manutenção de pacientes em casos de morte encefálica e a criação de organizações de procura de órgãos foram fundamentais para esse aumento no número de transplantes. A quantidade de doadores também subiu. No primeiro semestre somaram 963, um aumento de 17%. Com essa evolução, o Brasil atingiu a média de 10,06 doadores por milhão de habitantes. O número ainda é muito inferior ao observado em países desenvolvidos, como a Espanha, que tem

cerca de 35 doadores por milhão de pessoas. O Estado de São Paulo tem a melhor média brasileira (22,7 doadores por milhão). O Brasil possui hoje um dos maiores programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. Com 548 estabelecimentos de saúde e 1.376 equipes médicas autorizados a realizar os procedimentos, o Sistema Nacional de Transplantes está presente em 25 Estados do país, por meio das Centrais Estaduais de Transplantes. Como ser um doador Para ser um doador, não é necessário fazer nenhum documento por escrito. Basta que a sua família esteja ciente da sua vontade. Assim, quando for constatada a morte encefálica do paciente, uma ou mais partes do corpo que estiverem em condições de serem aproveitadas poderão ajudar a salvar a vida de outras pessoas. Lembre-se que alguns órgãos podem ser doados em vida. São eles: parte do fígado, um dos rins e parte da medula óssea.

O exemplo de Cachoeirinha "Cheguei a chorar na beira da praia", conta Cláudio Carlos Ramos, ao lembrar-se da primeira vez que jogou futebol com os filhos depois do transplante. Há dois meses de completar três anos da cirurgia, Seco, como gosta de ser chamado, conta sobre sua experiência de superação, coragem e fé. Com apenas 15 anos, a pressão alta já fazia parte de sua vida. "Sabe como é guri novo. Eu não me cuidava, usava cigarro, álcool... Nem queria saber de pressão alta. Imagina convencer um guri de 15 anos a ir num médico. Difícil né?", conta Seco. Com 35 anos, as carteiras de cigarro eram suas companheiras. Cláudio chegou a fumar de duas a três por dia. Foi aí que aconteceu o primeiro enfarte. Depois dele, vieram outros quatro. Seco chegou a procurar di16 | setembro de 2010 |

versos tratamentos. Fez cinco pontes de safena, duas mamárias, três stents e até tentou células tronco, mas nada funcionou. "Os tratamentos só aliviavam os sintomas, mas eu continuava enfartando", conta Cláudio, que foi o quarto gaúcho a testar células tronco. Depois de tentar de tudo, os médicos avisaram que a única solução para seu caso seria o transplante. "Nessa época, só 17% do meu coração estava funcionando e ele estava crescendo muito. Antes que um paciente seja encaminhado para transplante, todos os tratamentos devem ser testados e foi assim que aconteceu comigo", explica. Seco entrou para a fila de transplantes em maio de 2007, aos 45 anos. Pela gravi-

dade da sua doença, precisou entrar na fila nacional como um dos primeiros da lista. Católico e muito conhecido na comunidade, recebeu orações dos amigos e familiares, que iniciaram então uma bonita campanha. Toda a semana, os fieis rezavam pela sua recuperação e para que conseguisse logo um coração para o transplante. Em setembro de 2007, mais de 700 pessoas se reuniram e promoveram um abraço ao Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, com o apoio da Prefeitura de Cachoeirinha. Durante a espera pelo novo coração, Cláudio teve de ficar internado no hospital. "Os médicos me davam uma medicação para dilatar as veias do coração, já que ele não tinha mais força para bombear sangue para todo o corpo. Porém, uma preocupação que eles tinham era de que as


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Brasil bate recorde de transplantes Somente no primeiro semestre de 2010 foram 2.367 procedimentos, número 16,4% maior que o registrado em igual período de 2009, segundo o Ministério da Saúde Em 1964 foi realizado o primeiro transplante de órgão no Brasil, que deu início a uma nova era na medicina brasileira. Quase meio século depois do primeiro procedimento, realizado na cidade do Rio de Janeiro, o país bateu o recorde de transplantes. Somente no primeiro semestre de 2010 foram 2.367 procedimentos, número 16,4% maior que o registrado em igual período de 2009, segundo o Ministério da Saúde. Para a entidade, o aumento pode ser atribuído à melhor capacitação dos profissionais do setor. O Estado de São Paulo continua liderando o ranking, com 52% de todas as ocorrências. Minas Gerais, Rio Grande do Sul e Santa Catarina, juntos, têm outros 20%. Enquanto isso, Amazonas e Rondônia não tiveram nenhum órgão transplantado. Goiás, que anteriormente tinha sido apontado pelo ministério com ausência de transplantes, informou que ao menos 258 transplantes de córnea, medula óssea e coração foram realizados nos primeiros

seis meses de 2010. Os procedimentos que envolvem o rim foram os mais frequentes, contabilizando mais da metade dos casos, um aumento de 21% se comparado ao ano passado. Em seguida, o fígado teve 663 ocorrências, com aumento de 36%. Já o coração teve um caso a menos na comparação com 2009. O número total de transplantes desse órgão foi de 99. Para o Ministério da Saúde, a capacitação de equipes para a manutenção de pacientes em casos de morte encefálica e a criação de organizações de procura de órgãos foram fundamentais para esse aumento no número de transplantes. A quantidade de doadores também subiu. No primeiro semestre somaram 963, um aumento de 17%. Com essa evolução, o Brasil atingiu a média de 10,06 doadores por milhão de habitantes. O número ainda é muito inferior ao observado em países desenvolvidos, como a Espanha, que tem

cerca de 35 doadores por milhão de pessoas. O Estado de São Paulo tem a melhor média brasileira (22,7 doadores por milhão). O Brasil possui hoje um dos maiores programas públicos de transplantes de órgãos e tecidos do mundo. Com 548 estabelecimentos de saúde e 1.376 equipes médicas autorizados a realizar os procedimentos, o Sistema Nacional de Transplantes está presente em 25 Estados do país, por meio das Centrais Estaduais de Transplantes. Como ser um doador Para ser um doador, não é necessário fazer nenhum documento por escrito. Basta que a sua família esteja ciente da sua vontade. Assim, quando for constatada a morte encefálica do paciente, uma ou mais partes do corpo que estiverem em condições de serem aproveitadas poderão ajudar a salvar a vida de outras pessoas. Lembre-se que alguns órgãos podem ser doados em vida. São eles: parte do fígado, um dos rins e parte da medula óssea.

O exemplo de Cachoeirinha "Cheguei a chorar na beira da praia", conta Cláudio Carlos Ramos, ao lembrar-se da primeira vez que jogou futebol com os filhos depois do transplante. Há dois meses de completar três anos da cirurgia, Seco, como gosta de ser chamado, conta sobre sua experiência de superação, coragem e fé. Com apenas 15 anos, a pressão alta já fazia parte de sua vida. "Sabe como é guri novo. Eu não me cuidava, usava cigarro, álcool... Nem queria saber de pressão alta. Imagina convencer um guri de 15 anos a ir num médico. Difícil né?", conta Seco. Com 35 anos, as carteiras de cigarro eram suas companheiras. Cláudio chegou a fumar de duas a três por dia. Foi aí que aconteceu o primeiro enfarte. Depois dele, vieram outros quatro. Seco chegou a procurar di16 | setembro de 2010 |

versos tratamentos. Fez cinco pontes de safena, duas mamárias, três stents e até tentou células tronco, mas nada funcionou. "Os tratamentos só aliviavam os sintomas, mas eu continuava enfartando", conta Cláudio, que foi o quarto gaúcho a testar células tronco. Depois de tentar de tudo, os médicos avisaram que a única solução para seu caso seria o transplante. "Nessa época, só 17% do meu coração estava funcionando e ele estava crescendo muito. Antes que um paciente seja encaminhado para transplante, todos os tratamentos devem ser testados e foi assim que aconteceu comigo", explica. Seco entrou para a fila de transplantes em maio de 2007, aos 45 anos. Pela gravi-

dade da sua doença, precisou entrar na fila nacional como um dos primeiros da lista. Católico e muito conhecido na comunidade, recebeu orações dos amigos e familiares, que iniciaram então uma bonita campanha. Toda a semana, os fieis rezavam pela sua recuperação e para que conseguisse logo um coração para o transplante. Em setembro de 2007, mais de 700 pessoas se reuniram e promoveram um abraço ao Instituto de Cardiologia de Porto Alegre, com o apoio da Prefeitura de Cachoeirinha. Durante a espera pelo novo coração, Cláudio teve de ficar internado no hospital. "Os médicos me davam uma medicação para dilatar as veias do coração, já que ele não tinha mais força para bombear sangue para todo o corpo. Porém, uma preocupação que eles tinham era de que as


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Rodrigo Viegas

“Meu sonho é dar um beijo na mãe desse guri e visitar o túmulo dele. Pra mim ele é um anjo que apareceu na minha vida” Cláudio Carlos Ramos - “Seco” veias do cérebro também se dilatassem e eu ficasse com alguma sequela, por isso tive de aguardar o transplante internado no hospital", conta Seco. No dia 2 de novembro de 2007, um padre, amigo de Cláudio, disse que o coração dele estava chegando. Entre os dias 5 e 6, Seco recebeu a notícia de que o órgão havia chegado ao instituto, mas ele já não servia mais. Na mesma noite, um segundo coração chegou para ser transplantado. Era de um rapaz de 20 anos que havia falecido em um acidente de carro horas antes. Praticamente todos os órgãos dele foram aproveitados, exceto os pulmões. O coração é o que hoje bate no peito de Cláudio. Seco é mesmo um vencedor. Para se ter uma ideia, outras cinco pessoas fizeram a cirurgia na mesma época que ele. Infelizmente, nenhuma sobreviveu. Além disso, uma pessoa que precisa de transplante tem praticamente 25% de chance de vida. Por isso é que o transplante não é considerado a cura, mas sim um tratamento. "Assim como algumas pessoas não resistem, outras podem viver por muito tempo. Tenho um amigo que fez o transplante de coração há 21 anos e hoje está muito bem", conta Seco. Mas de onde veio toda essa força e coragem? "Da família e da fé", ele responderá rapidamente. Para ele, a religião e a esposa foram fundamentais na sua caminhada. "Elisamara foi quem levantou a campanha. Ela foi chamada várias vezes pelos médicos que, desacreditados, informavam que eu não teria mais muito tempo de vida, mas dei a volta na morte e voltei. E a fé também foi muito importante nessa trajetória". Em fevereiro de 2008, Seco deixou o hospital. Até hoje ele não conhece a família do doador. Por opção, os pais do jovem preferiram não conhecer a pessoa que receberia o órgão. Mas Cláudio não desiste: "meu sonho é dar um beijo na mãe desse guri e visitar o

Depois de três anos do transplante de coração, Seco tem uma vida normal

túmulo dele. Pra mim ele é um anjo que apareceu na minha vida". Cláudio soube dar valor e hoje aproveita muito esses 25% de chance que a vida lhe deu, jogando bola com os filhos, por exemplo. Mas a vida também deu a ele uma missão: fazer com que mais pessoas consigam ter a chance que ele teve. Como? Através de campanhas de doação de órgãos. Atualmente, Seco dá palestras e está na 4ª campanha do Movimento de Casais Jovens (MCJ) da Igreja São Vicente de Paulo, de Cachoeirinha. A campanha já entrou para o calendário do MCJ e acontece todo ano com entrega de panfletos, faixas e com os participantes visitando diversos lugares. O prefeito de Cachoeirinha, Vicente Pires, também auxiliou nessa conscientização. Através de lei assinada por ele, todos os impressos da prefeitura devem vir com a logomarca da campanha. "As pessoas precisam saber que não é difícil nem burocrático doar órgãos. É só avisar a família", explica Cláudio.

cerá o novo coração como um órgão estranho. Por isso, durante o primeiro ano do transplante precisou usar máscara para evitar doenças. "Hoje eu tenho a imunidade de uma criança de 9 meses", conta. Além disso, sintomas como tremores, náusea e cansaço o incomodaram no primeiro ano. "O remédio estava me dando microrrejeições e todos os sintomas anteriores ao transplante. Aí conversei com o médico e trocamos a medicação". Hoje, Seco tem uma vida normal e está liberado para atividades físicas. "Sou uma prova viva de que os transplantes dão certo", finaliza.

Depois de quase três anos, Seco precisa tomar medicação para baixar sua imunidade e evitar a rejeição, ou seu organismo reconhe| setembro de 2010 | 17


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