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Jornais (impressos) têm futuro?

Vivemos tempos complexos e perigosos. Em especial, aqueles que continuam a acreditar na democracia como o menos mau dos regimes devem mesmo temer pelo futuro dos seus filhos e netos.

Células do regime democrático, os partidos políticos (tradicionais) não conseguem captar as preocupações de mais e mais cidadãos que, no silêncio do voto, acabam por legitimar pelo voto populistas e extremistas, de esquerda e de direita. A democracia (ocidental) prefere os mecanismos da participação directa (v.g. orçamentos participativos, referendos, Conselhos Consultivos, consultas públicas, etc…) à representação (pelos escolhidos em eleições). A sedução da transparência e da participação - qualquer processo decisório encontra-se claramente na net e todos podem dar contributos - encanta a Sociedade Civil mas, no fundo, apenas reforça a governança dos grandes lobbies e aprofunda o fosso entre ricos e pobres. O apelo sexy e sub-reptício à democracia ateniense como modelo alternativo à valorização do representante (político) não reforça seguramente a cidadania e impede uma globalização justa e regulada.

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Também ao nível do quarto poder, assistimos a esta realidade perigosa de desvalorização da representação, rectius do papel de intermediação desempenhado pelos órgãos de comunicação (tradicional). Os media clássicos, cão de guarda da democracia, também se encontram em crise, preteridos pelo denominado jornalismo de cidadão, pelas redes sociais em que cada um pode directamente, sem qualquer intermediação (de jornalistas, códigos deontológicos ou outras regulações bem definidas), participar… com os conhecidos perigos para os direitos e liberdades, associados aos valores democráticos.

Pressuposta a necessidade imperiosa e urgente da revalorização do papel (representativo) de intermediário dos media, tendemos a preferir, no respeitante aos jornais, a leitura em suporte de papel. Trata-se, admitimos, de opção conservadora, a mostrar que já não somos assim tão jovens.

No entanto, em geral e objectivamente, reconhecemos virtudes na versão impressa dos jornais. Não nos deixamos atemorizar por radicalismos ambientais nem nos deslumbramos (em excesso, pelo menos) com o maravilhoso novo mundo digital, lembrando, por exemplo e de modo preocupado, a elevada infoexclusão ainda hoje reinante no nosso país.

“Os media clássicos, cão de guarda da democracia, também se encontram em crise, preteridos pelo denominado jornalismo de cidadão, pelas redes sociais em que cada um pode directamente, sem qualquer intermediação (de jornalistas, códigos deontológicos ou outras regulações bem definidas), participar… com os conhecidos perigos para os direitos e liberdades, associados aos valores democráticos”.

Cientes de que a pandemia apressou e tornou irreversíveis muitas (e excelentes!) oportunidades que a digitalização oferece, não podemos, porém, deixar de notar, paradigmaticamente, que grandes empresas como a JP Morgan começam a regressar ao modelo pré-Covid, por exemplo em matéria de trabalho remoto, ao aperceberem-se de que as lideranças afinal “têm de ser visíveis no terreno, têm de se encontrar presencialmente com os clientes”. Prenúncio de um novo/velho futuro?

Pessoalmente, será incontornável ler cada vez mais em suporte digital… mas continuarei, seguramente, a não dispensar o desfolhar da versão impressa dos jornais que a mantenham. E, antevejo e desejo, continuar a visitar a minha avó Alice, de 94 anos, na aldeia de Vilamar, de sorriso rasgado a ler o jornal, com as mãos sujas da tinta deste.

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