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O Tempo e o Modo

os seus leitores?

Porém, para além da constatação desta transformação, que é perceptível a nível global, importa ter presente o património que representou a imprensa escrita no decurso dos anos, o qual consubstancia valores que não podem ser ultrapassados. Na verdade, ao longo de décadas, que não de séculos, a imprensa tradicional acolheu a denominada

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“tradição da responsabilidade cívica”, constituindo um pilar essencial da vida democrática. Os media não foram somente um instrumento de divulgação da informação, mas, também, deram corpo às diferentes visões na forma de construção da sociedade, permitindo a existência de um debate amplo, próprio das democracias baseadas na igualdade. Os jornais, na sua função de “informação crítica” e de criação de uma “atmosfera de debate”, foram, e continuam a ser, um dos elementos fundamentais na construção de uma sociedade livre e consciente.

O papel de “watchdogs” da democracia, tantas vezes assumido, é insubstituível.

Importa, ainda, ter presente a tarefa fundamental que a imprensa escrita desempenha na contribuição para a socialização de grande parte da comunidade em que se insere. Através da mesma transpõem-

JOSÉ SANTOS CABRAL*

“Ao longo de décadas, que não de séculos, a imprensa tradicional acolheu a denominada “tradição da responsabilidade cívica”, constituindo um pilar essencial da vida democrática”

-se os limites apertados do tempo e espaço e alcançam-se outros universos. O começo da construção da “aldeia global” só existiu a partir do momento em que nos começou a chegar em tempo a notícia vinda de outras paragens.

Afirmado como verdadeiro “quarto poder” a imprensa ganha uma outra dimensão quando se assume como instrumento do “interesse público”. Fazendo apelo a um modelo de “esfera pública”, importa a afirmação do valor próprio da notícia impressa que não pode ser tratada como um mero produto, igual a tantos outro. A mesma permite, não só a divulgação da informação e a incorporação das diferentes perspectivas sobre as temáticas difundidas, como, também, a construção de um debate plural e crítico próprio das democracias.

A afirmação da necessidade de uma imprensa que corporize o interesse público numa informação objectiva não pode deixar de chamar à colação a forma como se faz muito do jornalismo que hoje prolifera, nascido na imediatez do momento, sem conteúdo nem forma. Na verdade, é fundamental a diferença ente o jornalismo feito de notícias “pret a porter”, elaboradas ao saber do momento para logo desaparecerem, e o jornalismo de investigação. Em última análise são duas formas de jornalismo que se situam nos antípodas. O primeiro procura desenvolver um vendaval de emoções e reacções extremas, que se dissolvem de imediato na quimera do tempo, enquanto o segundo responsabiliza-se por notícias que são fruto de um trabalho empenhado em desenvolver a informação de forma objectiva e contextualizada no espaço e no tempo.

Muito para além do gosto que nos dá o folhear do jornal, parando onde devemos parar para pensar e, inclusive, guardando a notícia que importa reter, estamos em crer que o contributo que ao longo dos anos foi dado pelo jornalismo e pela imprensa tradicional não resulta de meras circunstâncias que dependam do tempo e da sorte, mas são valores perenes que importa preservar.

É evidente que é necessário um esforço de adaptação da denominada imprensa escrita, bem patente em jornais de referência. Porém, tal esforço adaptativo só terá um real significado se tiver por fundamento a existência de um serviço público de informação, fundamento de uma verdadeira democratização no acesso à informação livre e esclarecida.

(*) Juiz Conselheiro jubilado e presidente da Comissão Diocesana de Coimbra Justiça e Paz

QUINTA-FEIRA, 27 DE ABRIL 2023

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