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Informação nas mãos - ou na ponta dos dedos?

Lembro-me de, em criança, ler o jornal que os meus pais compravam e depois explorar com alegria os suplementos (às vezes vários num mesmo jornal) com diferentes formatos, tamanhos e estilos. Entretanto, o digital tomou conta do mundo, e este está agora inteiramente disponível no nosso bolso graças aos ‘smartphones’. Que lugar resta para a notícia impressa? Faz sentido ir a um quiosque comprar uma edição em papel? Para quê atravancar a casa com um molho de papel que perde actualidade daí a uns dias (ou horas, dependendo das notícias)? E as árvores vitimadas para imprimir aquelas notícias? E o transtorno de andar com um maço volumoso atrás quando poderia apenas ver tudo no telemóvel? E porquê ter de ver a informação organizada segundo o que pensou um editor e não segundo aquilo que me dá mais jeito?

Vamos por partes, começando pela produção. Um estudo finlandês concluiu que o ciclo de vida de um jornal em papel produz o equivalente a um quilómetro de viagem de carro. Embora tratando-se de um valor meramente indicativo (depende do carro, do trajecto e do jornal…) é ao menos um ponto de partida para reflexão sobre como todos os nossos gestos têm impacto no ambiente. Mas e uma hora passada a navegar no ‘smartphone’? A utilização de ‘smartphones’ e a navegação na internet pode ser surpreendentemente poluente. Na verdade, três horas de utilização de um ‘smartphone’ equivalem, grosso modo, a andar um quilómetro de carro. O mesmo é dizer: se gosta mesmo do seu jornal e de o ler com atenção ou revisitar artigos, a versão em papel pode até ser a mais ecológica. Impressionante, não?

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Passando à aquisição, ir ao quiosque ou papelaria não tem de ser visto como um transtorno. Em sociedades cada vez mais envelhecidas, manter o contacto pessoal está a tornar-se um activo tão valioso que na Holanda já foram inventadas as “caixas lentas” de supermercado, devidamente identificadas como tal, onde os clientes são atendidas por um empregado disponível para, sem pressa, conversar durante e no fim do processo de compra. Já para não referir que para as pessoas mais sedentárias ir comprar o jornal pode ser o incentivo que falta para sair de casa, hábito muito saudável mas que por vezes fica esquecido enquanto se saltita de um ecrã para outro.

Passando à fase de fim de ciclo, vale a pena lembrar que o papel do jornal continua a ser um interessante artigo multiusos. Entre utilizá-lo para fazer uma bricolage decorativa, para proteger o chão quando se engraxam os sapatos ou para embrulhar presentes com um toque de originalidade, há umas quantas coisas que se podem fazer antes de desistir dessa multifacetada matéria-prima doméstica. E, se o engenho e a arte a tanto não ajudarem, é ao menos reconfortante saber que o jornal é facilmente reciclável, ao contrário da maior parte dos nossos ecrãs.

Detalhes à parte, o mais importante é sem dúvida a forma como usamos o jornal impresso para nos informarmos. E se o digital é cómodo e rápido, estudos mostram que várias pessoas referem as notícias em papel como mais confiáveis do que as digitais. Porquê esta sensação?

Puro preconceito a favor do papel? Sim e não. Seguramente haverá algum efeito psicológico: algo que é tangível, em que podemos agarrar, que podemos sentir e – porque não – amassar ou rasgar, inspirará porventura um sentimento de maior correspondência à realidade física que conhecemos. Mas há um outro factor, que nada tem de psicológico: a palavra em papel é a palavra dita, assente e cristalizada. Já na internet, a palavra de agora pode ser trocada daqui a pouco ou desaparecer amanhã.

Cada vez mais os jornais em formato digital vão submergindo num mundo de “actualizações ao minuto”, notícias corrigidas, notícias editadas, notícias que às vezes parecem ter levado sumiço ou que pelo menos se tornaram difíceis de encontrar. Claro que um jornal em papel também se actualiza ou corrige – na publicação seguinte, dando conta de novos desenvolvimentos ou de um erro. Mas, para o bem e para o mal, não tem a instabilidade das notícias publicadas na Internet.

Há ainda razões relacionadas com a forma como apreendemos aquilo que lemos. A ciência tem mostrado que aquilo que se lê em papel perdura mais na nossa memória do que a informação que nos chega através de um ecrã. Será que é esse relativo estado de intermitência do ecrã que leva o nosso cérebro a encarar o que dali vem como uma coisa fugaz, talvez menos merecedora de atenção – e, quem sabe por isso, menos merecedora de crédito?

Tudo isto são razões sobejas para eu achar que os jornais em papel continuam justificadíssimos. Poderíamos ainda falar da importância que os jornais impressos têm para as pessoas info-excluídas, ou da vantagem de cultivar a serenidade e abrandar a vertigem moderna dos acompanhamentos ao minuto, mas há uma razão em especial que me parece particularmente ponderosa: a forma como a internet se ajusta à medida dos nossos desejos, também ao nível da informação. Se nos detemos num determinado tipo de notícias, logo os algoritmos por trás da apresentação da informação nos presenteiam com mais do que nos interessa. Se há temas que não nos chamam a atenção, eles vão progressivamente deixando de nos ser servidos, contribuindo para nos alhear daquilo que à partida não nos mobiliza. É certo que os jornais apresentados em formato “pdf” ficam imunes a essas dinâmicas, mas hoje em dia a maior parte das páginas de jornais digitais têm um formato que se ajusta em função das nossas pesquisas. Prático, não é? Sim, tanto quanto perigoso. Cada pessoa vê o mundo cada vez mais à sua maneira e fica convencida, mesmo que inconscientemente, que todos os demais vêem a mesma coisa, num afunilamento progressivo de perspectivas. Assim, paradoxalmente, embora tenhamos o mundo inteiro ao alcance, é a nossa visão do mundo que acaba por ficar reduzida. É muito saboroso para mim ler um jornal em papel e deparar-me com umas quantas páginas totalmente dedicadas a um tema que me é absolutamente novo e sobre o qual nada pesquisei e nada sei. Se estivesse a navegar

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