PEQUENAS CRÓNICAS MEMÓRIAS DA GUERRA EM TEMPOS DE PAZ - Caetano Lourenço

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PEQUENAS CRÓNICAS MEMÓRIAS DA GUERRA EM TEMPOS DE PAZ Caetano Lourenço 1º Cabo, Guiné, 1972-74 Caetano Lourenço nasceu a 16 de novembro de 1951, no Ciborro. Assentou praça em Beja e depois veio para Évora. Foi mobilizado para a Guiné em setembro de 72, onde ficou até 74. Foi 1º Cabo do Exército de Infantaria, Batalhão de Caçadores, 2ª Companhia de Caçadores. Mandei-me de uma viatura abaixo numa emboscada. Tenho os dados aí no Caderno Militar, está lá um Louvor, levei um Louvor por isso. Estava sempre na linha da frente com os meus chefes e caímos mesmo ali na frente. Depois a tática é, nos primeiros tiros bumba, chão com ele. Eu e todos os outros, assim pelo chão abaixo. Usava essas tais ditas granadas. Aquilo arranjou-se ali um tiroteio, uma coisa louca. Milhares de tiros que passaram por cima da gente. E pronto, tive... eu não sou de violências, mas naquela altura não tive outra solução. E então bati aquela zona toda da frente com essas tais ditas granadas. A verdade é que eles se calaram. Houve ali uma pausa, não sei, devem ter caído algumas próximas deles e eles recuaram. Enfim, foi a maneira de eu safar a rapaziada porque estávamos todos mesmo na frente. E logo aí caímos quase praticamente num campo de minas. Tivemos sorte que saltámos antes de chegar lá. Nessa altura houve uma viatura que foi atingida e ardeu, incendiou-se e os colegas lá dentro lá conseguiram sair mas já os tiros tinham acabado praticamente. Tivemos que reagir assim dessa maneira. E foi a situação pior que eu tive foi essa. É tudo coisas que a gente não esquece. Às vezes lembra-me. A mulher já me tem chateado a cabeça: É pá poças, nunca mais te esqueceste disto. Eu gosto de ver aquelas minhas fotografias que tenho e às vezes vou recordar muita coisa. Olha, os colegas de equipa. Aqui está este, olha aquele. Passados estes anos todos, eu começo a pensar que eles afinal até tinham razão. Eles tinham razão. Aquilo era deles. Acabou-se. Não queriam lá a gente. Para a gente era bom a gente nem sequer ter lá aparecido. Mas pronto, fomos obrigados a ir. Fomos obrigados. Quando foi o 25 de Abril estava lá de guarda a essas tais ditas máquinas. Estávamos lá a dormir quando o outro grupo que nos veio render, nós saímos e depois o


outro grupo ficava lá durante o dia, é que nos falaram do golpe de Estado cá em Portugal. Ninguém foi acreditar. Isto deve ser alguma brincadeira. Mas enfim, ficámos assim na dúvida. Só depois, quando chegámos ao aquartelamento, é que percebemos que tinha havido de facto qualquer coisa. Pronto, isto agora com certeza que vão haver aqui alterações. Vamos aguardar os acontecimentos para ver o que vai acontecer mais. Mesmo assim ainda fomos atacados já depois disso. Haviam grupos no interior que tinham ordens lá das chefias, se calhar ainda não tinham recebido a informação a tempo, mesmo assim ainda mandaram umas cacetadas para a gente, nesse tal dito destacamento que fomos nós que fizemos também, em Poliback. Ermelinda, as cartas faziam parte. Uns não tinham namoradas, tinham madrinha de guerra. E partilhávamos assim, através de correspondência. Elas cá, a gente lá. E lá íamos sempre sabendo uns dos outros, uns mais que outros. Outros nem sabiam escrever, mas enfim, tinham ajuda dos companheiros. Aquilo era uma família, como talvez não haja hoje. Era uma família, dependíamos todos uns dos outros, só nós. E quando algum tinha algum problema a gente notava logo que havia aí alguma diferença, e a gente tentávamos abordar a pessoa e enfim acalmar. Era assim naquele tempo. Às vezes havia a morte de um familiar cá, e a pessoa lá ressentia-se. (testemunho de Caetano Lourenço, CMMN, 2021)

MONTEMOR-O-NOVO - -

TERRA DE abril


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