MEMÓRIAS DA GUERRA EM TEMPOS DE PAZ
MÃES, IRMÃS, AMIGAS, ESPOSAS E NAMORADAS A ANGÚSTIA DA GUERRA COLONIAL A guerra colonial decorreu entre 1961 e 1974. Iniciada em Angola em 1961, estendeu-se à Guiné em 1963 e a Moçambique em 1964, vindo só a terminar após o 25 de abril de 1974. Nestes anos, os jovens portugueses sofreram a agonia da guerra colonial. Muitos emigraram clandestinamente, e os que ficavam tinham de cumprir o serviço militar obrigatório de três a quatro anos, com mobilização para uma guerra que a maioria não compreendia. Para além dos mortos, feridos e mutilados, de ambos os lados, há as consequências físicas e psicológicas com influência na atualidade, nas suas vidas e dos seus familiares. Houve algumas enfermeiras paraquedistas que estiveram presentes nas antigas colónias, mas à parte das mulheres que acompanharam os esposos, aquelas que ficaram em suas casas viveram momentos de grande angústia. Recordam os momentos da partida dos familiares e também a convivência diária com as memórias que estes trouxeram para dentro das suas casas e vidas em comum. Os soldados partiam deixando para trás a família e amigos, alguns deixaram as esposas grávidas e só vieram a conhecer os seus filhos passados os 3 anos de comissão. Os raros contactos com a família faziam-se apenas por cartas, os aerogramas. A historiadora Teresa Fonseca recolheu o testemunho de Florinda Margarida Concórdia Anes. “Ainda antes do 25 de Abril, sofri muito também por causa da guerra nas colónias. Cheguei a ter ao mesmo tempo os dois filhos mais velhos no Ultramar, um em Angola e outro na Guiné. Ainda conservo os aerogramas que eles me escreveram. Quando o meu neto mais velho nasceu, o meu filho do meio, que estava na Guiné, dizia que nunca ia conhecer o filho, porque onde estava os tiros eram tantos, que não acreditava que saísse de lá com vida. Então, juntei o dinheiro para a viagem e paguei-lhe a vinda a Portugal. Quando regressou já esteve lá pouco tempo, porque, entretanto, deu-se o 25 de Abril. Nesse dia o meu marido chegou a casa assustado, a dizer que havia uma revolução, mas não sabíamos mais nada. Mas o 25 de Abril acabou por mudar tudo na minha vida. Os meus filhos vieram do Ultramar e o mais novo já não chegou a ir, porque a guerra acabou.” 1 No 20º aniversário da criação da Universidade Sénior do Grupo dos Amigos de Montemor-o- Novo, Teresa Fonseca reuniu o relato dos alunos. Nos relatos femininos damo-nos conta que algumas mulheres tinham simultaneamente diferentes familiares em vários continentes. “Os três irmãos de Maria Alice Vieira estiveram, o mais velho na Índia, o do meio em Timor e o mais novo em Angola, como paraquedista. E o marido de Idalina Cantanhede, apesar de já ser 1 FONSECA, Teresa (Coord.), A Memória das Mulheres. Montemor-o-Novo em tempo de ditadura, Lisboa, Colibri, 2007, pág.42
casado, cumpriu a maior parte dos seus quase quatro anos de serviço militar em Moçambique.” 2 Segundo os testemunhos da Universidade Sénior podemos também verificar que algumas mulheres acompanharam os maridos para os territórios africanos. “Os oficiais milicianos, como auferiam um vencimento mais elevado, casavam frequentemente antes do serviço militar ou a meio da comissão e levavam consigo para o ultramar as jovens esposas. Foi o que sucedeu com Maria Teresa Fonseca e com outras suas colegas de Faculdade. Oito meses após o início da comissão militar em Moçambique o seu noivo Jorge veio, em agosto de 1971, passar um mês de férias a Portugal para casar e levá-la para Nampula, em cujo liceu cumpriu o seu segundo ano de serviço como professora.” 3 Maria do Céu recorda a despedida de um primo “com as mães e mulheres a chorar”, com “os lenços brancos a dizerem adeus” 4, ignorando se os seus familiares voltavam e em que condições. Ermelinda Lourenço, Ciborro, a escrever carta para enviar a Caetano Lourenço (1º Cabo, Batalhão de Caçadores, 2ª Companhia de Caçadores, Exército, Guiné, 1972-1974) 18-07-73 Queridinho é com prova de amizade que te envio este meu foto. Adeus beijinhos, aqui estou te a escrever. Na Ermida de Nossa Senhora da Visitação, de Montemor-o-Novo, pode-se observar uma grande coleção de ex-votos, com fotografias de militares da região, da guerra de 1914-18 e da guerra colonial de 1961-1974. São ofertas votivas ao Santuário como forma de pedir a salvaguarda dos familiares ou como agradecimento por estes terem regressado vivos da guerra. As mulheres, crianças e familiares que ficaram em Montemor-o-Novo acabaram também por sentir os efeitos da guerra de forma direta, convivendo até à atualidade com os militares e as suas memórias e vivendo, à época, momentos de angústia imensuráveis. 2 FONSECA, Teresa (Coord.), Histórias de vida no Portugal do século XX: estudantes da Universidade Sénior do Grupo dos Amigos de Montemor-o-Novo - 1a ed. - Lisboa: Colibri, 2018, pág.100 3 Idem, ibidem, pág. 100 4 Idem, ibidem, pág. 102
MONTEMOR-O-NOVO - -
TERRA DE abril