DISTRIBUIÇÃO GRATUITA PARA ESCOLAS PÚBLICAS E ASSOCIAÇÕES
Mar/Abr de 2009
Ano 4/no. 1 - R$1,00
Informativo da Sociedade Canoa de Tolda e do Baixo São Francisco
Fotos: via Paulo Paes Andrade
E QUEM, AFINAL, PILOTA OS DESTINOS DESSE RIO? pag.7 Abelhas nativas: alternativa de renda e contribuindo para a preservação. pag.3 Primeiro cartaz da coleção “Embarcações Tradicionais do Baixo São Francisco” pags.4/5 A canoa Luzitânia, finalmente, reconhecida como patrimônio nacional pag.8 ¨...agora é pra matar...é o mata...num bastava o Xingó, meu abençoado...mais uma barragem nessa margem de rio...pois é o mata...e ainda a tal da transposição...é prá acabá de secar...prá gente beber água de cacimba...mas, com fé em Deus, o homem não faz a obra não... só tem mais 2 anos, e isso é coisa para 10, 12, 15 anos... e quem entrar num vai bolir nisso, não...mas, cê sabe...os poderoso Tonho do Bardo, canoeiro são os homem de gravata...¨
A MARGEM - Mar/Abr 2009
Em breve não restará grande coisa. Em Nossa Sra. de Lourdes, SE, as capoeiras de mata nativa, onde temos os derradeiros exemplares de pau d`arco do agreste do Baixo São Francisco (em SE) estão cada vez menores, mais isoladas. Vemos hoje grandes áreas que ainda são ou já foram pastagens indevidas ou mal aproveitadas, onde a erosão vem completando a ação do homem e do gado. E os pés de pau floridos, tão bonitos, distantes, aguardando a hora final da pancada do machado.
Expediente COORDENAÇÃO PROJETO JORNAL A MARGEM Carlos Eduardo Ribeiro Junior REDAÇÃO E REVISÃO: Carlos Eduardo Ribeiro Junior, Paulo Paes de Andrade CONCEPÇÃO GRÁFICA: Canoa de Tolda CORRESPONDENTES: Danieire F. de Medeiros, Antonio Felix Neto APOIO DE SEDE: Daiane Fausto dos Santos IMPRESSÃO: Inforgraph, Gráfica e Editora TIRAGEM: 3.000 exemplares O informativo A Margem é uma iniciativa da Sociedade Canoa de Tolda. Cartas, sugestões, contribuições de interesse das questões do São Francisco são bem vindas - podendo ou não ter publicação integral. A reprodução de textos e imagens é permitida e incentivada, desde que sejam citados a fonte e o autor. Artigos com autoria não exprimem necessariamente a posição da editoria, da entidade ou do Projeto A Margem. Canoa de Tolda - Sociedade Socioambiental do Baixo São Francisco CNPJ 02.597.836/0001-40 Sede - R. Jackson Figueiredo, 09 - Mercado - 49995-000 Brejo Grande SE Tel/Fax (79) 3366 1246 Alagoas - R. Mestre Francelino, 255 - Centro - 57210-000 Piaçabuçu AL Tel (82) 3552 1570 End. eletr.l canoadetolda@canoadetolda.org.br e ygara@ygara.arq.br Internet www.canoadetolda.org.br
UM PROJETO
Apoio Cultural CANOA DE TOLDA SOCIEDADE SÓCIO-AMBIENTAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO
Foto: Carlos E. Ribeiro Jr.
A questão da APA - Área de Proteção Ambienta da Foz do São Francisco continua relegada ao fundoda gaveta pelo governo de Sergipe. Cresce a pressão especulativa na região de Brejo Grande e Pacatuba, sem qualquer reação preventiva por parte do poder público. Da mesma forma, o MMA - Ministério do Meio Ambiente não se pronuncia: o projeto da APA federal (elaborado pelo IBAMA) está arquivado em Brasília. Enquanto isso, temos uma área de preservação permanente (manguezais, remanescentes de mata atlântica, dunas) entregue a diversas atividades altamente impactantes: exploração/transporte de petróleo e criação de camarões em escala.
A foto da capa Esta bela foto, que aparenta ser antiga, na verdade é de 2007, pelo colega da Canoa, Paulo Andrade. Foi a bordo da Luzitânia, em sua viagem de apresentação, durante uma manobra difícil, que é a passagem dos panos, nas pedras, já acima do Entremontes. O piloto é o amigo S. Aurélio de Janjão, de Piranhas, hoje o responsável pela canoa Piranhas, antiga Daniella, do finado Zé Pezão, adquirida pela Prefeitura Municipal de Piranhas. A foto dá a deixa para o artigo especial desta edição. Seu Aurélio conhece o que pilota, e sabe para onde vai e a melhor carreira. Mas, o que dizer dos pilotos dos destinos do rio São Francisco?
No porto da Marinha, em Brejo Grande, permanece o impasse provocado pelo início da construção de um cais destinado às operações de embarcações de turismo. Obra (de acordo com a placa do governo federal) a ser feita com verba do MTur - Ministério do Turismo. Valor: R$184. 848,04. Na placa não há prazo da obra, dados da licitação, empresa e engenheiro responsáveis. Pois. Os trabalhos estão paralisados, após os conflitos de uso do local terem surgido com o surgimento da construção. O espaço, pouco, tem usos diversos pela comunidade: porto de pesca, lavagem de roupas, manutenção de embarcações de trabalho, captação de água, lazer e banho das pessoas, lavagem (irregular) de veículos, animais, vísceras de animais para a feira, embarque/desembarque de pessoas e veículos nas embarcações e balsas de travessia para Alagoas, etc. A obra foi iniciada sem realização de audiênias públicas para a discussão do projeto com a comunidade. Esta, mais uma vez, fica sem a indispensável participação nas decisões de uso de dinheiro público em iniciativas que influenciam o viver de cada dia.
No início do ano passado, o Estado de Sergipe alardeou mais uma solução para o aperreio sócio-econômico do Baixo São Francisco: o incentivo à criação de búfalos - isso mesmo, o búfalo - na região da foz. É interessante lembrar, que mesmo completamente irregular, há uma APA Estadual, que deveria proteger a zona de preservação permanente. Ainda: o búfalo é uma espécie animal exótica - não é nativa -, tem comportamento difícil, é altamente destrutivo, pisoteia o solo, devasta a mata. Podemos compará-lo a um trator vivo, que exige espaços enormes, inexistentes na foz. No Amapá há sérios problemas com esta atividade, com danos ambientais alarmantes. A EMBRAPA daquele estado está preocupada. Do ponto de vista sócio-econômico, não são disponíveis argumentos coerentes que justifiquem a sustentabilidade da bubalinocultura (criação de búfalos) na região. Recentemente o governo de Alagoas anunciou o projeto de uma estrada margeando o São Francisco, entre Penedo e Piranhas. É algo para ser discutido, e muito, antes de qualquer decisão definitiva, com todas as comunidades ribeirinhas. São sedes de municípios e povoados que ficarão com o acesso livre, expostos a situações como em tantos outros lugares do Brasil: especulação imobiliária, povo do local indo para periferias, aumento da violência, insuficiência ainda maior de estruturas básicas (saneamento, saúde, tratamento de lixo, água potável), e a sobrecarga de uso dos recursos naturais. Se hoje os municípios do Baixo (em Sergipe e Alagoas) não fornecem adequadamente os serviços mínimos para a população local, imaginemos a situação com mais gente chegando de fora. Em Brejo Grande e mesmo Piaçabuçu, na foz, vemos hoje a influência negativa da ponte Aracaju/Barra dos Coqueiros, já prevista há muitos e muitos anos. Ganham as construtoras.
Fotos: Carlos E. Ribeiro Jr.
Foto: Carlos E. Ribeiro Jr.
Pronto. Cá estamos nós aqui da margem, de novo com o nosso informativo, mas agora de forma definitiva, impressa, para que possamos distribui-lo gratuitamente para escolas públicas e comunidades do beiço do rio. Não foi fácil, é vero, mas está saindo. A nossa intenção é tratar de temas do interesse das pessoas aqui do Baixo, como Meio Ambiente, Cidadania, Cultura e Saúde Pública, entre os principais. Não podemos, por enquanto, falar de tudo, mas com calma esperamos que o A Margem cresça e seja útil. Este projeto foi feito através do MinC - Ministério da Cultura, pela Lei Rouanet, de incentivo a iniciativas culturais. O que significa que outras associações, entidades, grupos culturais, tanto aqui do Baixo São Francisco como de outras brenhas do Brasil, podem e devem ir atrás de oportunidades semelhantes. É pensar bem no projeto, com princípio, meio e fim óia a questão da contabilidade, coisa séria - e apresentar ao MinC, dentro dos formulários próprios. Quem sabe o Baixo São Francisco não produz uma aparição de bons projetos que valorizem esse lugar? Pois. Gostaríamos também, desde já, de deixar aberto o espaço para que as pessoas interessadas possam se manifestar. Escrevam, ora com artigos, sugestões, críticas e idéias ora denúncias sobre problemas de nossa região. São participações que podem contribuir para a melhoria do A Margem. Desta forma estaremos todos, também, possibilitando mais uma forma de comunicação entre as pessoas aqui no Baixo São Francisco.
Foto: Carlos E. Ribeiro Jr.
FARÓIS
Prosa com o leitor
Foto: João Zinclar
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A MARGEM - Mar/Abr 2009
ABELHAS NATIVAS, PRESERVAÇÃO E RENDA
CT E as nativas, quais são? FZ Há um grupo que todos conhecem, são as abelhas sem ferrão: arapuá, jandaíra, uruçu, mandassaia, jataí, mirim, etc. Elas vivem em colônias, produzem mel e cera e a maioria faz seus ninhos em troncos. São exploradas há tempos pela população. CT Esta exploração é equilibrada, sustentável? FZ No Nordeste temos o meleiro, que acha a colônia na mata, colhe o mel, destruindo a colméia.
CT Para o meleiro seria economicamente viável colher de forma sustentável? FZ O trabalho do meleiro, em geral, reforça a renda, sendo ocasional e cada vez mais raro, porque estas abelhas estão desaparecendo. Além disso, a baixa qualidade do mel e a impossibilidade de comprovar uma origem reduzem o preço do produto. O ideal seria criar as abelhas em caixas (formando o melipoário). Como são abelhas mansas, é possível criar perto das casas, junto de gente, ao contrário do que acontece com a africanizada, que é braba. CT A região do baixo São Francisco tem potencial para desenvolver essa atividade? FZ Essas abelhas ocorrem de forma geral em todo o país, com diferentes espécies em cada região. Por exemplo, na mata, próximo à foz do São Francisco,devem existir várias espécies que não ocorrem na caatinga. Assim, para favorecer a sua conservação, é interessante que as pessoas busquem criar as que ocorrem ou já ocorreram na região. Importante: para manter as abelhas e garantir a produção de mel devese ter plantas que forneçam néctar e pólen. Áreas com florestas nativas são em geral boas para as abelhas, e também plantas frutíferas e de jardim. CT A atividade do meleiro ajuda no processo de redução das populações de abelhas nativas? FZ Não há ainda uma avaliação sobre isso. A destruição das matas pode ser mais importante do que a ação dos meleiros. A preocupação das pessoas com a preservação de insetos é pequena. Elas muitas vezes não os conhecem e pensam que eles se multipllicam
rápido, se espalham facilmente. Mas as abelhas nativas sem ferrão são um caso especial, a conservação é mais difícil do que a de muitos mamíferos. Há pelo menos três razões para isso: a)Uma colônia tem muitas abelhas, mas só uma se reproduz, a rainha. b)Uma nova colônia deste grupo de abelhas só se forma a menos de 300 m de distância da colônia original, o que significa uma dispersão muita lenta. Zonas de desmatamento e falta de abrigos para as novas colônias podem criar um isolamento de áreas e uma vez exterminada uma determinada espécie numa área, ela não pode voltar vinda de uma área mais distante. Por isso, a re-colonização pode ser muito difícil e algumas vezes impossível. c)Muitas espécies destas abelhas precisam de ocos de árvores para fazer seus ninhos, é preciso que exitam árvores velhas. Uma floresta recuperada com 30 ou 40 anos pode ainda ser inabitável para muitas espécies!
Prof. Fernando Zanella O Prof. Fernando Zanella é docente da Unidade Acadêmica de Ciências Biológicas do Centro de Saúde e Tecnologia Rural da UFCG, em Patos, PB. Doutor em Entomologia pela USP-Ribeirão Preto, coordena o Laboratório de Ecologia e Biogeografia de Insetos da Caatinga, e tem trabalhado com sistemática, ecologia e biogeografia de abelhas, especialmente da Caatinga. O grupo de pesquisa que participa inclui os Profs. Clemens Schlindwein (UFPE) e Celso Martins (UFPB) e colaboradores, tem várias propostas de manejo, que podem ser obtidas pelo e-mail (fcvzanella@gmail.com) ou escrevendo para Prof. Zanella, UACB/UFCG, CP 64, CEP 58700-970, Patos, PB.
Fotos: via Fernando Zanella
Canoa de Tolda Das abelhas que estão por aí nas caatingas e em outras áreas, o que é brasileiro e o que é introduzido? Fernando Zanella Na caatinga a espécie de abelha mais abundante é introduzida, a Apis mellifera, conhecida como europa, italiana, africana, que é a abelha que todo mundo tem como referência. Esta abelha deveria ser chamada africanizada, porque é uma mistura de sub-espécies de abelhas da Europa com uma sub-espécie africana, introduzida no Brasil há muitos anos. Foi acidentalmente liberada, e cruzou com as que já estavam aqui, gerando as atuais linhagens de Apis. Na caatinga e nos campos abertos, 50% das abelhas podem ser da africanizada, mas numa mata fechada e úmida, como as da Amazônia, por exemplo, elas não se estabelecem.
CT Por que esta técnica não alcança os meleiros? FZ Há iniciativas de extensão rural em várias partes do país, mas tímidas. As EMATER e órgãos equivalentes nos estados estão muito enfraquecidos e o repasse desta e de outras tecnologias é pequeno.
entrevista com o prof. Fernando Zanella
VEJA MAIS SOBRE ABELHAS NATIVAS NA INTERNET: www.webbee.org.br/jandaira/ www.abelhaebonsai.com.br/abelhas/ www.projetoabelhasnativas.org/ www.rts.org.br/publicacoes/arquivos/cartilha_manejo.pdf A entrevista completa em www.canoadetolda.org.br
ENQUANTO ISSO, NOS SERTÕES DO BAIXO SÃO FRANCISCO... A terra torrada em Nossa Sra. de Lourdes, SE, não é uma exceção, é a regra do trato do solo nas bandas de SE e AL Foto: Carlos Eduardo Ribeiro Jr./Mar 08
As ilustrações das abelhas nativas no artigo não estão na escala natural.
Faz algum tempo, sobretudo no alto sertão alagoano aqui do Baixo, a apicultura vem crescendo. Hoje, naquela região, há um bem sucedido Arranjo Produtivo Local de Apicultura (APL) organizado pelo SEBRAE e estado. Porém a atividade na região é voltada apenas para a conhecida abelha “europa”, que não é nativa destas bandas. Pois. E as abelhas nativas, onde ficam nesta história? Atrás de conhecimento, fomos bater na Paraíba, atrás do Prof. Fernando Zanella, da UFCG - Universidade Federal de Campina Grande, que nos deu informações interessantes tanto para o pessoal da apicultura, quanto para todos que vêem a importância da preservação de nosso patrimônio natural.
CT Daria para evitar esta destruição? FZ Sim, há técnicas para isso, mas os meleiros não as conhecem ou não as praticam.
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Andar pelos sertões de Alagoas e Sergipe nos faz, a todo o instante, deparar com cenas como esta da foto de fundo. Brocar, arrancar os tocos, “limpar” o terreno, queimar... É o processo mais comum de se preparar a terra. E no sentido, tantas e tantas perguntas: como pode um cidadão tratar a terra de tal maneira? O que ele espera com isso? Onde estão os órgãos de fiscalização (município, estado, governo federal)? Até quanto isto se repetirá? Sobrará algo para as gerações futuras? Permanece a prática secular da troca da vegeta-
ção nativa, que é vista como algo nocivo, que desvaloriza a terra. Para a grande maioria dos proprietários, terreno bom é terreno limpo, pelado. Como disse o Prof. Zanella, na entrevista acima, técnicas de uso sustentáveis da natureza ou não são empregadas ou não chegam a maior parte de nossos interiores. No caso particular do Baixo São Francisco, é visível o avanço das áreas em processo de desertificação. Como o extrativismo vegetal (sobretudo madeira e carvão) é parte da economia de várias comunidades mais pobres, a recuperação ambi-
Fonte complementar do artigo: Revista Manuelzão/no. 43/ quadro pág. 06 - autor: Humberto Santos
ambiental é também um problema sócio-econômico, além de socioambiental. Trata-se de uma situação grave, pois ela atinge os fundos das margens do rio, a parte que não se vê, porém da maior importância, pois ali está a maioria dos afluentes (intermitentes) do Baixo São Francisco. Podemos julgar, pelas paisagens desoladoras, nos “fundos” do Baixo, que aqui também faltam as indispensáveis políticas públicas para um futuro de fato melhor, farto, para a nossa região.
CANOA DE TOLDA
Foto: Carlos Eduardo Ribeiro
Canoa de Tolda/2009
SOCIEDADE SÓCIO-AMBIENTAL DO BAIXO SÃO FRANCISCO
“LUZITÂNIA” canoa de tolda de 200 sacos
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A MARGEM - Mar/Abr 2009
Com as mudanças de vida, também a arte naval tradicional perde seu valor e razão de existir No final do ano passado foi-se o amigo Mestre Nivaldo, que foi um dos principais personagens da recuperação da canoa Luzitânia. O velho Nivaldo Lessa era da Ilha do Ferro, povoado acima de Pão de Açúcar, AL, tendo já feito serviços em embarcações ao longo de todo o Baixo São Francisco. Onde tinha obra, lá ia o homem: juntava os ferros no caixão, um saco com poucas coisas, uma chaleira, panela, prato de flandres, colher, faca, se enfiava em seu bote e viajava para seu destino. No caso da Luzitânia, não foi de outra forma. O tempo que a canoa passou no Mato da Onça, lá estava o mestre, vivendo a bordo, mas em terra. Após a inundação do local em 2005 - com abertura das comportas de Xingó, o que obrigou a mudança do estaleiro para Brejo Grande, lá veio Mestre Nivaldo, para finalizar sua derradeira grande obra. Diferentemente do costume de guardar os segredos de sua arte, a carpintaria naval do Baixo São Francisco, o mestre dividiu sua sabedoria durante toda a obra da canoa - por coincidência, esta canoa já pertencera ao tio de M. Nivaldo, o conhecido Luiz Martins, da Ilha do Ferro. Pois. O Mestre ia contando suas experiências, os detalhes de cada
Pela boca da noite, a canoa ainda no estaleiro do Mato da Onça, lá no sertão, era a hora que pescadores que subiam para a Boca do Saco davam uma parada, fazer uma hora, escutar o Mestre. O homem raramente se alterava. Mesmo quando gente que sem ter o que fazer, vinha curiar o seu trabalho: “...Nivardo, se essa canoa fosse minha...tá, tô que eu não abria ela mais uns dois parmos...mas Nivardo, não assentava melhor se você viesse mais com essa embonação acolá naquela caverna...?” E Mestre Nivaldo, olhava, fazia cantar a enxó, ou o macête, e deixava o infeliz gastar a saliva. Mais tarde, já desafogado, sem ninguém por perto, dava as suas lições. Esculhambando, mas mangando do sujeito. Era bom ouvi-lo, não havia quem não achasse graça. Em tantas de suas prosas, longas, que deixavam todos muito atentos, contava: ...¨ onde tinha trabalho, seja de rio abaixo, seja de rio arriba, ajeitava o caixão com os ferro, e ia... num tinha mau tempo, domingo, feriado...só voltava pra casa com o serviço terminado...ficava por ali mesmo, no beiço do rio...fazia uma latada por riba da canoa...tinha um fogo, botava um feijão, u-
para Antero, lá em Penedo...” Além de carpinteiro naval, Mestre Nivaldo também era escultor tor de santos e bichos e o que desse vontade, nas horas fora de estaleiro. Só com seus ferros, o acabamento que dava na madeira era dos melhores, chegava a luzir. E seguindo sua prosa: ...”e ferramentata era a enxó, martelo, goiva, formão, o serrote, e tinha o machado, prá desdrobrá a madeira...hoje carpinteiro quer tudo na máquina...naquele tempo era abrir furo pra cavilha de meia, de cinco oitavo, no pranchão de três, quatro polegada, caverna de braúna...tudo na mão, no trado...haja sebo pra fazer o furo...a tora do pau era aberta no serrotão...vupo, vupo...quero ver hoje um carpinteiro encarar um serviço deste...inda
ma charque...um café...assava um piau, pilombeta, uma xira gorda, uma criação que se arranjava...ia se vivendo...pense como era bom. Trabalhei muito nos Escuriais, pra Tonho Carmelo, pai dos menino lá da balsa de Piaçabuçu, na Jordânia...também pra Tonho Caboco, da Oriente, em Traipu...o povo conhece ele por Tonho da Lancha, que foi vendida
mais um cabra novo...aí é que não aguenta a peleja não...era lenha, viu...mais era arte que hoje já não se faz, de canoa rombeada...agora ,é tudo na táboa e pense num trabalho feio, tudo quadrado, torto...¨ Mestre Nivaldo tinha a fama de macio, demoroso. Mas, como se diz, trabalho bom, durativo, com acabamento, tem o seu tempo certo de ser.
Foto: Carlos Eduardo Ribeiro Jr.
Silenciou a enxó de Mestre Nivaldo, mas sua arte fica
Foto: Carlos E. Ribeiro Jr.
BIGORNAS - arte e tradição naval
peça que era recuperada, feita novamente, e instalada na embarcação. A convivência com este homem foi coisa rara e inesquecível: além do conhecimento de seu ofício, Mestre Nivaldo, sujeito andejo, de rio de cima e de baixo, era grande contador de histórias, com muito senso de humor. Pilhéria, pulha, era com ele, que animava as noites de conversa, de junto ao foguinho do estaleiro. Os cavacos de madeira eram juntados, no final do dia, iam para o fogo do café e alumiavam ao de redor da canoa. O Mestre ali, enrolando o cigarro, entre um assunto e outro, nós esperando a história.
E não tem carga, quem vai querer fazer o movimento em canoa? É perdido. Após as grandes barragens, com as mudanças no modo de vida da região, pouco a pouco, sem carga para transportar, as grandes canoas foram sendo desativadas. Ao mesmo tempo, além da economia localem crise, havia a concorrência do transporte rodoviário, pela abertura de novas rodagens e pistas. Algumas canoas, em tentativa de sobrevida da parte de seus proprietários, foram levadas para o rio de cima, onde foram acabar seu tempo. Assim, gradativamente a canoa deixou de ser um objeto de necessidade, o que atingiu, também, as pessoas que viviam em torno da atividade: canoeiros, proeiros, vergueiros, calafates, calungas e, claro, os mestres carpinteiros navais. Não podemos esquecer, que para a construção naval (e para as caldeiras tanto dos vapores que faziam as linhas na margem como das locomotivas que ligavam Piranhas a Petrolandia), as madeiras boas (braúna, cedros, paus d´arco, etc.) foram eliminadas das matas do Baixo São Francisco. Fora estacas para cercas, dormentes, e construção em geral.
A técnica da construção naval tradicional teve que se adaptar às mudanças: as embarcações feitas com casco rombeado (onde há o uso de peças curvas, cavadas na enxó, chamadas na corrente, cavernas lavradas a partir de raízes de braúnas), foram substituídas por outras feitas com tábuas de madeira vinda de fora. Esta nova forma de construção é vista hoje com mais força na região da praia (de Penedo abaixo), onde as matas foram as primeiras a desapacer. E, sem uso de canoas, sem madeira para construi-las, a arte dos mestres também foi-se indo. Não tinha mais serventia. Poucos foram os filhos destes artistas que seguiram o belo ofício - mas sem futuro - de seus pais. Da geração de Mestre Nivaldo, que viveu a época de ouro do Baixo São Francisco, são poucos os que restam, como Pedro de Aristides (faz panos, em Penedo), Luis Carlos (carpinteiro, em Traipu), Avelardo (no Mato da Onça), Mestre Adail (na ilha do Acrim, na praia),M. Lula (ferreiro de forja e fogo, em Piaçabuçu), por exemplo, que ainda nos dão o testemunho desta grande arte que se vai. Fica toda esta história apenas no sentido de quem viveu.
Bolina de canoa de tolda - foto: Carlos Eduardo Ribeiro Jr.
Foto: Marcia Almeida de Melo
Foi lenha. E Mestre Nivaldo garantiu: eu acabo essa canoa. E aí está.
A MARGEM - Mar/Abr 2009
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PAULO PAES DE ANDRADE - Prof. da UFPE CARLOS EDUARDO RIBEIRO JR. - Sociedade Canoa de Tolda
Esta pergunta a gente se faz toda vez que alguma coisa anormal acontece nas águas do baixo São Francisco. E tem havido um pouco de tudo: pouca água (a regra), muita água que vem de repente (algumas vezes), o rio que sobe e desce todo dia, fins de semana quase sem água, enfim um rio que parece não estar mais sujeito às vontades da Natureza. Que alguém comanda esse rio está bem claro, mas quem tem esse poder? E por que desta forma?
O rio não é mais liberto É preciso primeiro lembrar que o rio não corre mais livre na calha, da nascente lá em Minas até a foz. Ele está barrado em vários lugares, a começar ainda lá em cima, pela represa de Três Marias (no rio das Velhas, afluente do São Francisco) seguida, já no sub-médio São Francisco, pela gigantesca represa de Sobradinho e por várias outras. A última é Xingó. De todas estas represas a que mais influencia o regime de vazão do rio (a quantidade de água que corre) é a represa de Sobradinho, seguida de Itaparica. Mas Xingó também faz parte dessa história. Primeiro vamos olhar Sobradinho, a barragem que segura a água que vem das nascentes do São Francisco e da maior parte dos afluentes perenes,
Janeiro de 2008: mas que peste fizeram com a água do rio?! A geração de energia durante 2007 foi ótima, as vazões em Xingó chegaram a 4.000 m3/s, o que pode ser muita água numa época normal de seca, como junho e julho. Ao final do ano o reservatório de Sobradinho estava quase seco, e ainda assim as águas corriam a rodo pelas turbinas. Mas as chuvas de fim de ano em Minas e na Bahia não vieram. O Mundo estava na fase climática chamada La Niña. Sobradinho secou. A CHESF solicita à ANA para diminuir a vazão do rio a um valor ainda abaixo do mínimo autorizado por lei. Em plena época das cheias naturais, da piracema. O IBAMA, consultado pela ANA, autorizou. E o rio correu, no início de 2008, tal um fiapo de água no baixo São Francisco. Foi um desastre, mas os relatórios oficiais não admitem. A reação veio de Petrolina a praia, atrás de responsáveis pela calamidade. O primeiro, em geral, é o mais próximo: a CHESF. Procurada por vários prejudicados, afirmou que atendia ao ONS, que tudo calculara. Que a única alternativa era segurar a água. E, se o IBAMA disse sim, não era um problema ambiental. Ou seja, a CHESF, que vinha pilotando, agora apenas obedecia instruções. O próximo culpado seria o ONS, que alegou ter calculado tudo em função de estatísticas e de equações estabelecidas por outras instituições. A ANA, criticada por ter autorizado a redução da vazão para valores abaixo do mínimo, alegou a geração de energia como prioridade: evitar o apagão. Quanto ao IBAMA, emitiu a autorização, deu no que vimos e nunca foi responsabilizado. Nesta análise não há responsáveis. E o rio corre como bem se sabe. Foto: Via CBHSF/2008
ao contrário dos que estão mais perto do Baixo São Francisco. As chuvas no alto da bacia começam perto de novembro e vão até abril. Era quando o rio tinha suas cheias. Agora, a água fica presa lá em Sobradinho e quando muito, no final deste período, se a represa enche, as comportas são abertas e a água verte pelo vertedouro, dando uma cheia curta e algumas vezes imprevista. O rio que corre neste período de fartura de águas e naqueles de seca é fruto da vazão de água que passa nas turbinas para gerar energia elétrica. Se é necessária mais energia, acionam mais turbinas que deixam passar mais água. Se não precisam, fecham mesmo, e o rio seca. Há um limite desta quantidade de água mínima, imposto pelo IBAMA. Ou, provavelmente, o caso seria bem pior, a exemplo de como o meio ambiente é tratado ainda hoje em nosso país. Itaparica funciona também assim, mas guarda menos água e seu poder de regular as cheias é muito menor. Se vem trovoada no sertão pernambucano, a água que chega de repente em Itaparica enche a barragem ligeiro. Daí, uma vez ou outra termos cheia repentina na época das chuvas no sertão, o que já aconteceu em 2003, 2004 e 2005. E Xingó? A represa tem um reservatório pequeno e quase toda a água que chega tem que sair. Mas a operação da hidrelétrica de Xingó tem uma influência importante no baixo São Francisco: faz o “respirar”, encher nos dias de semana, secar no final de semana, subir durante o dia, secar pela noite, apenas para gerar energia, sem que se veja preocupação com a erosão grave que este movimento da água causa, e nem aos problemas que traz aos beiradeiros.
Uma ruma de pilotos e um leme só: essa carreira leva para onde? Então vamos esclarecer: e quem comanda o sobe e desce, neste segura e larga, na operação das barragens? Há três personagens prinpais nesta novela, onde o final feliz é um só: gerar energia elétrica, a qualquer custo, sobrando a pior parte da conta para as comunidades do Baixo São Francisco. Quem são os três? Primeiro, a CHESF, já conhecida, que opera diretamente as barragens. É ela que comanda, diariamente, as manobras das comportas. Depois o ONS, sigla que significa Operador Nacional do Sistema (elétrico), que é responsável pela operação integrada de todas as usinas geradoras de eletricidade do país. Este órgão calcula o melhor aproveitamento das águas (acumuladas nas barragens) para gerar energia, e informa isso às operadoras das usinas, como a CHESF. E por fim a ANA, que significa Agência Nacional de Águas, e que em princípio deveria cuidar do uso correto das águas para os vários fins que conhecemos: navegação, irrigação, abastecimento humano e animal, laser e geração de energia, quando existirem hidrelétricas na bacia. E há ainda um quarto piloto, o IBAMA, que deveria cuidar para que os três primeiros não prejudiquem o ambiente enquanto fazem uso das águas. Uma coisa deve ficar bem clara: todos os pilotos citados são todos órgãos do Governo Federal. Então, afinal, quem manda no rio? A CHESF, a ANA ou o ONS? Quando está tudo bem e sem reclamações, é tudo beleza: A CHESF toca a peleja do abre e fecha. O ONS, por sua vez, calcula as necessi-
dades de energia e as operadnoras das barragens (as geradoras) executam para atender ao órgão. E por fim a ANA que dá o tom da música, porque ela gerencia o uso variado das águas, que é mais amplo e mais complexo do que apenas abrir e fechar comportas. E tem o IBAMA, que ameaça com multas, se algo compromete o meio ambiente. E se alguma coisa sai errado? Vejam um exemplo concreto no quadro da primeira coluna. Sim, o ONS calcula o melhor uso das as águas para gerar energia, e como as geradoras devem se comportar. Mas estas podem, e devem, informar restrições de uso, ou seja, quando a água começa a ser um problema além da geração de energia. Em 2007 a CHESF não se manifestou a este respeito, pelo contrário: com a situação no limite propôs a redução da vazão para valores abaixo do mínimo permitido. O IBAMA e a própria ANA, aceitaram a proposta da CHESF. Porém, o ONS tinha a responsabilidade de prever, considerando La Niña, que as chuvas seriam poucas na sub-bacia do Médio São Francisco. Nem só de estatísticas vive o planejador: a realidade do clima tem que ser considerada. Foi erro grave, com graves consequências. O ONS espera que as geradoras indiquem os limites para este uso, mas não poderia ouvir outras fontes? Por lei, não. Mas onde fica o bom senso? É certo que a ANA só supervisiona, mas poderia ser mais atuante, de forma mais coerente defender os outros usuários e seu patrimônio coletivo: a água. O que se vê, contudo, é uma total dependência ao ONS. Por fim o IBAMA deveria (é sua obrigação básica), mesmo por lei, restringir a farra da água mas, lamentavelmente dá-nos o pior exemplo: atropela uma regra, e assina embaixo. Como os outros órgãos seguindo fielmente a visão que o governo federal tem de nossa região. Um grande descaso e desconhecimento da realidade local.
E as pessoas da margem entram onde, nessa canoa? Infelizmente as comunidades ribeirinhas ficam fora do processo da gestão das águas do rio. O Governo Federal e os pilotos já citados aqui dizem que não. Alegam que através do CBHSF - Comitê da Bacia Hidrográfica do São Francisco a sociedade civil está presente no comando dos destinos do rio. Vamos lembrar que o CBHSF, criado pelo Governo Federal, formado por vários setores da sociedade em geral, tem como membros uma parte boa do próprio Governo. E, além disso não tem poder de decisões. É uma entidade apenas consultiva, e freqüentemente ignorada pelos pilotos, como na decisão de diminuir as águas do rio. Indo mais longe: o CBHSF não tem personalidade jurídica (não tem o famoso CNPJ, bem conhecido cobrado quando fazemos uma associação de moradores, por exemplo) e não pode, se for o caso, fazer uma ação judicial contra a transposição do São Francisco. Aliás, não pode comprar uma garrafa de água mineral na bodega do povoado: não tem recursos para tanto. Quem libera a verba é a ANA, já apresentada com os outros pilotos no artigo. Os ditos, quando questionados sobre a completa falta de contato e diálogo dos órgãos com as comunidades ribeirinhas, apreciam de mencionar que o melhor fórum de debates é o CBHSF. Por que seria, perguntamos a vocês? De fato, a intenção fica desassombrada: nenhum dos três órgãos tem um escritório e pessoal aqui na margem, para atendimento ao povo do Baixo,e muito menos um telefone 0800 para contatos, reclamações, e, quem sabe um dia, elogios. Ficam todos arranchados em Brasília ou no Recife, onde são as sedes dos órgãos. Para as pessoas aqui da margem restam as visões dos sobrevôos (”visitas”, no falar dos técnicos) dos aviões, dos helicópteros... E, como bem diz Seu João Isidoro, sentado em sua calçada: “pense num andar cabuloso deste tal helicope...isso é lá movimento de povo de bem...que avoa por aí e num fala com o povo...”
Imagens: Arquivos Canoa de Tolda
Quem pilota os destinos desse rio?
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A MARGEM - Mar/Abr 2009
Já está operacional, em Brejo Grande, SE, o Rio de Baixo - Centro de Audiovisual (CEAV) do Baixo São Francisco, projeto implantado pela Canoa de Tolda através do MinC - Ministério da Cultura, pela Lei Rouanet de incentivo à cultura. A idéia do projeto surgiu ainda em 1998, quando sentimos a necessidade urgente de registrar em filmes e gravações, o dia-a-dia das pessoas da margem do
Baixo São Francisco. Naquele ano teve início a preparação de nosso primeiro documentário, o ”Na Veia do Rio”, que viria a ser rodado em 2001, dirigido pela colega Ana Rieper. Neste projeto sentimos dificuldade por não dispormos de nosso equipamento para a produção (as filmagens), e para a pós-produção (a montagem do filme). Parte do material foi alugada, significando custos elevados. Para fazer a montagem do filme, conseguiu-se parceria com uma produtora no Rio de Janeiro, situação que nem sempre seria possível no futuro. Era importante termos independência. Em 2004, através do edital do DOCTV I, realizamos “O Rio das Mulheres - Pelo Olhar de Ivaneide”. Mais uma vez, usou-se equipamento alugado. Para a edição, foi possível mais uma parceria com uma produtora em Aracaju. Foi menos difícil, mas ainda não era o ideal. Finalmente, em 2008, conseguimos aprovar o projeto Rio de Baixo - CEAV do Baixo São Francisco no MinC, e assim obter o patrocínio (pela Lei Rouanet, de isenção fiscal para o patrocinador) que garantiria os recursos para o projeto, que tinha como objetivos: 1- a aquisição de equipamentos e acessórios de produção digital
em HDV (câmeras e acessórios para a produção de vídeos em alta definição; 2- a aquisição e montagem de equipamentos e acessórios para a pós-produção (computadores, monitores e programas específicos para a edição de filmes em alta definição); 3- a melhoria das estruturas físicas do local de funcionamento do Rio de Baixo (sala da ilha de edição e escritório de apoio ao CEAV). O Rio de Baixo é mais um projeto integrado a outras iniciativas. Assim, com os filmes produzidos pelo CEAV, poderemos fortalecer as exibições do Cine Beira Rio - Cinema Itinerante do Baixo São Francisco, que por sua vez utiliza a canoa Luzitânia (apoiada hoje pelo Projeto Luzitânia, também através da Lei Rouanet). O Rio de Baixo também fornece imagens e material documental para este jornal, e possibilita a estrutura de monitoramento socioambiental do Baixo São Francisco. A estrutura disponível hoje em Brejo Grande é semelhante a de boas produtoras em grandes centros do Brasil, e se encontra aberta a parcerias com outras entidades.
Pelas carreiras do Baixo São Francisco com o documentário “De Barra a Barra” Não podia ser melhor: o Rio de Baixo possibilitou a filmagem do documentário “De Barra a Barra - Pelas Carreiras do Sentido Deixado”, realizada em novembro e dezembro passados. É um projeto realizado através do edital nacional do DOCTV, do MinC Ministério da Cultura, através da TV Cultura e TV Aperipê, em Sergipe. Este novo filme trata de uma viagem a bordo da canoa Luzitânia, da foz do São Francisco ao sertão, nas pedras, pilotada por S. Aurélio de Janjão, de Piranhas. Nas paradas, a prosa na popa da canoa vai acontecendo: S. Eduardo Tamborim, Hélcio Jacaré, S. Valdemar, causos de quando Lampião andava na canoa, e muito mais. O “De Barra a Barra” já está quase pronto para lançamento através do Cine Beira Rio, nos povoados de Sergipe e Alagoas, sempre a bordo da Luzitânia.
Foto: Paulo Paes de Andrade
Luzitânia: reconhecida como patrimônio nacional Após cerca de oito anos de espera, desde a entrada da documentação no IPHAN - Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional - finalmente, em setembro de 2008, a canoa de tolda Luzi tânia foi notificada como patrimônio cultural e histórico do país. O reconheci-
imento pelo IPHAN, um órgão do MinC - Ministério da Cultura, é álgo inédito, pois através da Luzitânia, uma embarcação de trabalho, feita por gente simples da margem, temos um pouco mais de atenção voltada para a nossa região. Como um dos dois últimos exemplares navegando da tradicional canoa de tolda, a Luzitânia, fielmente restaurada (pelo do Projeto Canoa de Tolda) ao longo de quase dez anos, é um bom exemplo do que talvez seja um dos mais fortes símbolos afetivos e culturais do Baixo São Francisco. Apesar das transformações irreversíveis que esta região sofreu, provocadas principalmente pela regularização do rio, que liquidou com a navegação de longo curso aqui no Baixo, a canoa aí está. O tombamento da Luzitânia, que é o nome desta qualificação do I-
PHAN, significa que a canoa fica, oficialmente, na lista de bens culturais nacionais, sem contudo qualquer impedimento para que permaneça navegando no Baixo São Francisco. Como há quase cem anos, quando foi construída, a Luzitânia está na margem, descendo e subindo com sua carga atual: projetos culturais, pesquisas e acompanhamento da situação do rio, passageiros viajando pelo Projeto Rota das Canoas, dentre várias atividades. E olha aí: podemos considerar que a Luzitânia é um elemento remanescente ativo do cangaço. Os estudos efetuados na bibliografia do tema confirmam todos os depoimentos sobre o uso da canoa por Lampião e seus cabras. Isso não é coisa pouca. Pelo fundo dessa canoa muita água passou, assim como parte da história do Baixo São Francisco.
Imagem da produção do documentário De Barra a Barra - série DOCTV - Foto: Paulo Andrade
Vida e história do rio virando filme