Aspec Geo. Baixo S. Fco

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ASSOCIAÇÃO

DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

Avulso N.O 5

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ASPECTOS GEOGRÁFICOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO

A.G.B. c

SÃO PAULO 1962

Brasil

.


ASPECTOS

GEOGRテ:ICOS

DO BAIXO Sテグ FRA

CISCO

Relatテウrio apresentado por CARLOS AUGUSTO DE FIGUEIREDO MONTEIRO orientador das pesquisas de campo realizadas durante a XVII Assemblテゥia Geral (Penedo, Alagoas - julho de 1962).


I APRESENTAÇÃO Este trabalho é o resultado das pesquisas de campo efetuadas quando da realização da XVII Assembléia Geral da ASSOCIAÇÃO DOS GEóGRAFOS BRASILEIROS (AoGoBo), em julho de 1962, na cidade alagoana de PENEDO o Aceitando o honroso convite do colega e amigo Manuel Correia de Andrade, então Presidente da Instituição, tivemos o prazer de contar com uma brilhante equipe de geógrafos, constituindo um grupo de trabalho de campo dentro do mais sadio e entusiasta espírito agebeano, e cujos membros foram os seguintes: Sócios efetivos Caio Prado Júnior, Dora de Amarante Romariz e Maria Conceição Vicente de Carvalho (de São Paulo); Orlando Valverde (da Guanabara) e Teresa Cardoso da Silva (da Bahia) o Sócios cooperadores - Antônio Campos (do Rio Grande do Norte); Doralice Costa, StelIa Macedo e Stella Mulatinho (de Pemambuco ) ; Maria do Carmo Barbosa, Maria de Lourdes Barreto e Yara Maria Teixeira (de Sergipe); Lilia Leal de Souza (da Bahia); Ignez de Morais Costa e Salomão Turnowsky (da Guanabara); Eduardo Ramos, Eli Píccolo, Gil Toledo, Lea Goldenstein, Manoel de Souza, Marina Salgado, Neusa Cunha, Olga Cruz e Pedro DaI Rio (de São Paulo) o Durante os dias 8, 9, 10 e 11 daquele mês procuramos cobrir o máximo da área do Baixo São Francisco, da cidade sergipana de PROPRIA' até a foz o O itinerário percorrido (Figo I) abrangeu trajetos fluviais, em lanchas, e terrestres, em viaturas variadas o Estes últimos foram, a bem dizer, condicionados pelo estado de tráfego das rodovias, seriamente prejudicado pelas intensas chuvas que desabaram sôbre aquela área antes e durante a realização do trabalho de campo o Muitas vêzes, contrariando os interêsses da pesquisa, fomos obrigados a limitar o campo das observações lineares retomando pelo mesmo caminho o


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BRASILEIROS

Geral - PENEDO - 1962

GEÓGRAFOS

Pesquisa: BAIXO

Assembléia

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XVII

ASSOCIACÃO

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11

Se as condições meteoroló icas foram adversas, as de relações humanas, em compensação, foram as mais lisonjeiras, compensando a marcha dos trabalhos, Fomos merecedores da melhor atenção e solicitude por parte das autoridades públicas, quer na COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO quer nas PREFEITURAS E CÂMARAS MUNICIPAIS, e da mais franca hospitalidade por parte dos proprietários e trabalhadores rurais e habitantes das cidades que percorremos, Ao amável e simpático povo do Baixo São Francisco devemos, pois, a realização dêste trabalho a quem dedicamos como reconhecimento e com os nossos melhores agradecimentos, Sob tais condi ões de possihi 'dade de circula -_o o trabalho da equipe não pôde ser rigidamente planejado e orientado, Não houve, a rigor, uma divisão de responsabilidade em grupos ou sub-equipes uma vez que, de acôrdo com o problema enfrentado em face à circulação, a equipe se subdividia em função dos veículos disponíveis por trajetos diferentes, Sem que isto implique em desmerecimento para qualquer dos membros da equipe, todos, êles realizando importantes tarefas em diferentes setores, será de justiça ressaltar a importância da colaboração prestada pelos colegas Teresa Cardoso da Silva, na coordenação de sínteses arciais no concernente ltOS fatos, do quadra.najural, e Orlando Valverde naquela dos fatos humanos; O presente relatório é, antes de tudo, um trabalho da equipe, Além de nossa colaboração pessoal como membro da equipe, coube-nos a tarefa de co dena ão dos elementos cali idos.na.pes uisa de cam1m. e sua cor:porifica ão neste relatório, Lembrando ainda, com a mais viva clareza, as críticas, sugestões e encômios com que nos honraram colegas agebeanos e assistentes da Sessão Ordinária em que fizemos a apresentação oral e preliminar do Relatório na Assembléia de Penedo, sentimo-nos na obrigação, agora que o trabalho é entregue à impressão, de defini-lo em têrmos bem precisos, Sem que nos movesse nenhum desejo de menosprezar o exaustivo ~balbo_indiYidlli!! dos memb da.iequipe, com suas valiosas observa ões, análises, coletas de dados, iILquéritos minuciosos, etc. desejamos enquadrar neste trabalho a essência dos f geográficos, em suas combina ões e interações, di§. osto em unidades estruturadas segundo3a hierarquização no complexo geográfico que nos


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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

foi dado analisar e compatíveis com a natureza mesma do trabalho realizado. Não hesitamos em dar aos fatos humanos o destaque que lhes é devido na contextura geográfica do Baixo São Francisco, embora nossas cogitações pessoais iestejam mais voltadas para aquêles .do domínio físico ou natural. Não pretendemos fazer "análise geo-, morfológica" nem "análise agrária" nem qualquer outra análíse es e~ sob certo ângulo do domínio geográfico. Dêste modo, muitas das observações feitas, e documentação~letada, foram deixadas de lado quando as consideramos supérfluas em relação ao objetivo básico dêste trabalho. O que não invalida a possibilidade de qualquer desenvolvimento e publicação posterior de certos fatos por parte de membros da equipe. Pelo contrário, seda mesmo de todo interêsse que à esta visão de síntes se viessem juntar ~pectos analíticos sob forma de artigos, comunicações, notas, etc. Por outro lado insistimos em definir êste trabalho como um "relatório". Quisemos apresentar tão somente os resultados do trabalho de campo e, deliberadamente, não foi consultada bibliografia especial sôbre a área em estudo. Os d dos e~ementos coletad fora do cam o restringem-se ao bsolutamente imprescindível para a comreensão de fatos específicos que escapam ao âmbito da observação direta, tais como os dados climáticos e fluviométricos, além da utiJ!:zação normal de cartas topográficas, _geológicas, pedológiçgg e geomorfoló icas existentes. As . ustra õ do trabalho foram por nós elaboradas. na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Rio Claro, com a colaboração de nossa assistente Professôra Olga Cruz, membro da equipe, e com o concurso dos desenhistas do Departamento de Geografia daquela Faculdade, Srs. Neveo João Bello e Fernando Sérgio Benevenuto. Temos a agradecer a gentil colaboração prestada pela aluna do quarto ano, Srta. Margarida Maria Penteado, na revisão destas notas. A ~CLÍQ1Qgráfi ,que valoriza sobremodo o relatório, é devida às seleções que nos foram enviadas por Caio Prado Júnior, Olga Cruz e Dora de Amarante Romariz. Os nossos especiais agradecimentos a êstes membros da equipe que, gentilmente atenderam nosso pedido, enviando aquela documentação no prazo solicitado.


AVULSO

N.o

5

13

Ao entregar êste trabalho à publicação não o fazemos com a pretensão de ter realizado u'a monografia sôbre o Baixo São Francisco. Teremos alcançado nosso objetivo se êste relatório fôr considerado como um subsíd· o conhecimento eográfico da uela arcela do "rio da unidade nacional".


II

o

QUADRO NATURAL

E A OCUPAÇÃO HUMANA

Quem percorre o Vale do ão Francisco no seu baixo curso encontra nas várzeas arrozeiras, que se alongam por ambas as margens, o fato mais caracterí· Oco_da uela I1ai a Se entre Piranhas e Pão de Açúcar elas são es rádicas, sua freqüência aumenta progressivamente daí para jusante, de forma a dominar o vale de Propriá até a foz ~o

o

medida que nos vamos inteirando dos elemen esta paisagem, se nos vai apresentando uma série de fatos eo ráficos cujas combinaçõ!s se estruturam num om lexo de problemas a excitar a curiosidade e a pesquisa À

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Se já as correIa ões dos diferentes elementos do quadro n~ural e a uêles de u ão h ana se revestem de grande interêsse, êste cresce mais ainda quando se focalizam as rela ões mútuas entre os ~iferentes tipos de ocupação, até que se atinge um clímax, quando se nos afigura o roblema do ró rio Homem, ante o fôr o des endid u r alho e o baixo nível de vida em ue se encontra o

Tôda esta roblemática cuja análise rofunda exigina uma ex~ão maior no tem o e no eSQ~o do que aquela que nos foi possível realizar, no que concerne aos seus caracteres 'básico~ aparece com uma clareza~ristalina o

AS COMBINAÇÕES DOS FATOS E SUA HIERARQUIZAÇAO NO COMPLEXO GEOGRÁFICO

A rimeira combina ão é aquela que se verifica entre os ~mes fluvial e pluvial, que, pela sua própria naturegg, escapa à ~


AVULSO

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5

serva ão direta no cam o uma vez que sua real rs ectiva eoráfica é a de sucessão habitual. Nossa presença em pleno . ve o de 1962 _ano em que uma atividade intensa e recoce da Frente Polar já vinha açoitando o Brasil Meridional e Sudeste com fortes ondas de frio, serviu para que verificássemos o a área estudo. Chuvas intensas desde o início d , haviam deixado suas marcas sen paisa~, danificando as estradas .á deficientes e atra alhando o ritmo habitual da cultura do arroz. CHUVAS

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Fig. II

Excusado será nos alongarmos sôbre a infelizmente infalível e já proverbial falta de bons dado luviométrica em nosso país. Um feliz acaso, entretanto, possibilitou-nos o' ensejo de confrontar aquêles dados referentes a u'a mesma localidade, num mesmo período. Embora êste compreenda apenas um decênio, oferece a vantagem de não ser muito recuado no tempo e sobretudo coincidente. A cidade sergipana de Propriá, pela sua ~ição no baixo c~ do São Franci.sco, serve bem aos ropósitos de caracterização geral daquela combinação. Do onto de vista pJuviométrico ela reflete Q. aspecto básico, uma vez que as chuvas diminuem sensivelmente do litoral ara o sertão. A Fig. II ilustra gràficamente êste fenômeno


CORRELAçÕES ENTRE OS REGIMES FLUVIAL

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pelo confronto daquela localidade com as de Penedo, mais .-Qara o litoral, e funhas em pleno sertão. Do onto de vista fluviométrico também oferece a vantagem de não estar sujeita à interferência da maré dinâmica, que se faz sentir a JIlontante da foz, até Penedo. Tendo por base os dados de alturas máximas do níyel do rio e os ~ pluviométricos daquela cidade ambos em ex ressões mensais e refere.!!t~s ao período de 1949 a 1958, procuramos representar, gràficamente (Fig. IU), as relações dêste binômio (1). Tanto no re ime fluvial e muito especialmente no pluv.Lal, o fa~característico é a irregularidade. Por esta razão preferimos confrontar, naquele decênio, os índiceS mensais máximos e mínimos e, em §llbstituição à média (que se percebe fàcilmente entre os extremos), o tamos elo confronto de dois anos contrastantes. Quanto às variações anua~do nível do rio pode-se notar que o eríodo da cheiaje inicia em novembro e alcança o seu máximo em mar o decíínando até _maio Daí inicia-se o período de vasante atingindo o mínimo em Setembro. Deve-se notar, entretanto, que se o nível atingido em março de 1949 foi de 7,07 m, no mesmo mês em 1953 foi de apenas 2,62 m. No caso das chuvas, tal é a .sua\ irregularidade que fomos forçados .a usar uma escala logarítmica a fim de não. mascarar êste fato fundamental. Se considerarmos o período chuvoso como sendo aquêle abrangendo os meses cujo índice mensal médio é superior a 60 mm (para usar um critério habitualmente usado), êle compreende o período de abril a agôsto, sendo maio o mês mais freqüentemente chuvoso. Entretanto, se o índice dêste mês foi de 465,3 mm no ano de 1957, no ano anterior atingiu apenas 63,9 mm. No período sêco esta irregularidade é ainda mais sensivelmente notada. A decala em entre o eríodo das cheias do rio .•... e o eríoob chuvoso do Baixo SãO-Era.ncis.cn é a base mesma da com reensão da atual ais agem numanizada . As águas do grande rio avolumamse e extravasam de seu leito com a chegada, naturalmente atrasada,

1

(1) -

Os dados fluviométricos nos foram gentilmente cedidos na sede da COMISSÃO DO VALE DO SÃO FRANCISCO no Rio de Janeiro, enquanto os pluviométricos foram coletados na publicação: ANDRÉA, Raimundo - Pluoiometria no Polígono das Sêcas - M.V.O.P. - D.N.O.C.S. 4.° Distrito - Bahia, 1960, pág. 151.


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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS

BRASILEffiOS

da onda de montante. As águas abundantes do seu curso superior, graças à longa trajetória pelo médio curso, de gradiente fraco e submetido à grande perda por evaporação, chegam ao baixo curso em atraso mas um tanto dinamizadas após a travessia de Paulo Afonso. No momento mesmo em que seu declínio seria fatal neste trecho, começam a se intensificar as chuvas da área que são de outono e inverno e têm sua gênese ligada à propagação litorânea da Frente Polar. Os anos mais chuvosos são aqueles em que a atividade das massas polares se intensifica desde o outono e se prolonga pelo inverno numa emissão mais contínua e em ritmo mais cerrado de ondas de frio, como é o caso daquele de 1957 e êste próprio de 1962. Na primavera' e verão as chuvas se reduzem ao caráter ocasional daquelas possibilitadas pela ocorrência de calhas induzidas do grande anticiclone do Atlântico Sul (Fonte da Tropical Atlântica) perpendicular ou obliquamente ao litoral, restando, o mais das vêzes sob o impacto sêco dos alísios de SE. O se undo as ecto de combina ões diz respeito às relações do rio no uadro eomorfológico a fim de que possamos compreender sua artici a ão de indivíduo hidroló ico um tanto aló eno à área na elabora ão das unidades morfogenéticas do quadro natural. Ao considerarmos a estrutura eoló ica do vale sanfranciscano no seu baixo curso, e mais especificamente no trecho entre Propriá e sua foz, notamos que o rio atravessa, em sua direção geral de NW-SE, três randes unidades que respondem, em grande parte, pela ~ên~e e articulações das unidades geomorfoló .cas que se individualizam nesta área. Apresentamos estas grandes unidades geológicas num esquema (Fig. IV) feito à base de um Esbôço Geológico do Sudeste de Alagoas e Nordeste de Sergipe, original da Petrobrás (2). (2) -

Êste esbôço, que foi gentilmente cedido por um geólogo da Petrobrás à Teresa Cardoso da Silva, orientadora dos estudos geomorfológicos em nossa equipe, consiste de uma cartograma básico na escala de 1: 250.000, em cópia heliográfica, sôbre o qual se acham assinaladas as diferentes formações e séries geológicas em lápis de côr. Êste fato nos impede de fazer uma citação mais precisa daquela fonte. Trata-se de um subsídio de grande valia pois que aquela instituição, através de sua equipe de geólogos, vem fazendo uma tevisão completa nos estudos geológicos da área. Pareceu-nos de imensa valia utilizar neste trabalho êstes resultados mais atualizados. Nossos agradecimentos ao fornecedor do precioso dado cujo nome, infelizmente, nos escapou.


AVULSO

N.o

5

19

Até à altura de Propriá o rio percorre terrenos do embasamen..1.0arqueano aos quais, nos seus limites orientais, se associam intimamente, enclaves de séries e formações paleozói~. Daí para leste, enquanto seu leito atinge rochas daquela unidade, limitando-se entretanto a apresentar ramentos espaçados ao longo de suas margens, o vale se desenvolve su erim osto a terrenos m~sozóicos mais especificamente em variadas formações cretáceas (K) e terciárias, que a elas se superpõem. Este pacote não mui~s êsso e suavemente inclinado em direção ao mar mergulha, um pouco a jusante de Penedo-Neópolis, sob terrenos uaternários (Oa ) de fácies variados. Em seu trabalho linear de su erimposi ao à borda do escudo acote sedimentar em estrutur~on~ ue o recoa açãoJin ão Francisco e seus tributários, com a comlementação dos rocessos areolares envolvidos nos sistemas morfoclimáticos atual e de um assado róximo, criaram ao longo destas três andes unidades morfoestruturais uma ''unidade'' morfoclimática que nelas estabelece um elo importante: o rosário de várzeas marginai~. Esta , entretanto, apresentam molduras difere em cada uma das unidades estruturais. Seu encaixamento na borda arqueopaleozóica, bem como no pacote cretáceo-terciário oferece uma dualidade de aspecto de vertentes, consoante mesmo ao caráter do modelado sôbre as diferentes estruturas e sua evolução no tempo e no espaço. Na primeira, o limite oferecido pela linha do horizonte é um alinhamento rochoso esculpido em colinas altas, ao pé das quais se degradam outras, escalonadas em níveis menores, até que se chega ao domínio da várzea. No segundo elas se emolduram ara par festões e colinas suaves, ora em formas monoclinais embrionárias esculpidas nas formações cretáceas e terminam encimadas pela linha plana dos tabuleiros, gerados pelos terrenos terciários , Já no domínio das terrenos quatemários, sôbre os quais elas se estendem, o aspecto de "vertentes" desaparece, cedendo lugar a uma quase imperceptível transição marcada, mais ou menos nitidamente, apenas por rupturas de declive entre as aluviões da várzea e os terrenos arenosos que as circundam.


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22

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

ESQUEMA GERAL DAS RELAÇÕES ENTRE O QUADRO NATURAL E A OCUPAÇÃO HUMANA UNIDADES MORFOESTRUTURAIS (Base de Caracterização do Quadro Natural) NA BORDA DO ESCUDO PRÉ-CAMBRIANO

VÁRZEAS

VERTENTES DAS VÁRZEAS

TABULEIROS

FEIÇÕES

LITORÂNEAS

TIPOS EFETIVOS DE OCUPAÇÃq HUMANA

LAVOURA DO ARROZ

NO CAPEAl\1ENTO CRETÁCEO E TERCIÁRIO Ilbas e Bancos LAVOURA DO Fluviais ARROZ NAS FORMAÇÕES QUA- Acumulações TERNÁRIAS marginais ca- LAVOURA DO ALUVIAIS pcando terARROZ renos arenosos litorâneos NA BORDA DO ESCUDO PRÉ-CAMBRIANO

Extrativas

Pecuária

Lavoura

de Subsistência

Pequenas Lavouras merciais (Algodão) Fruticultura

PECUÁRIA

FAIXAS DE CORDÕES LITORÂNEOS À RETA- CULTURA GUARDA DA COSTA DO cOCO LENÇÓIS DUNÁRIOS LAVOURA ACUMlJLAÇÕES DO VASOSAS ARROZ PRAIAS

Atividades

PECUÁRIA

1'<0 CAPEAl\1ENTO CRETÁCÉO E TERCIÁRIO FORMAS MONOCLINAIS DOS TERRENOS CRETÁCEOS FORMAS HOR!ZONTAIS DO CAPF.AMENTO TERCJÁRIO

Pecuária Lavoura de Subsistência Pequenas Lavouras Comerciais (Algodão) Fruticultura Pesca em Caldeirões e Canais Lavoura de Subsistência

Atividades

Extrativas

Pecuária Atividades

Extrativas

Pesca Exploração PESCA

do Sal

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AVULSO

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5

23

Procuramos representar, num esquema geomorfológico (Fig. V) estas diferentes unidades g~orfológicas aí hierar uizada não com um ob'etivo de análise eomorfológica em si mesma, mas com vista ao complexo geográfico geral do Baixo São Francisco (3). A ANÁLISE

DO

COMPLEXO

EM

SUAS

UNIDADES

As várzeas e a cultura do arroz - As várzeas, que em ambas as margens se dispõem paralela e às vêzes perpendicular ou obliquamente ao rio principal, não são uniformes. Em cada uma das unidades estruturais assumem diferentes feições, embora persistam os caracteres básicos. Na maioria dos casos (sem que isto implique em compromisso com a extensão espacial das mesmas) são constituídas de diferentes elementos: inicialmente destaca-se o dique marginal do rio - localmente designado "combro" (4). E' o resultado do mecanismo de deposição sub-aquática dos sedimentos fluviais transportados pelo rio, através do lençol de extravasamento lateral na ocasião das enchentes. Enquanto progrediu tal acumulação marginal a área alagadiça periférica do rio principal foi sendo completada pelos processos específicos dos seus tributários diretos e suas rêdes de drenagem, de tal modo que o "combro" constitui atualmente uma faixa estreita a salvo das inundações habituais e só excepcionalmente é atingida, em enchentes catastróficas. O enchimento anual das várzeas faz-se por meio da penetração da lâmina de extravasamento ao longo do tributário, que passou a constituir, assim, uma espécie de válvula num siste(3) -

(4) -

Êste esquema, por nós organizado com a valiosa colaboração de alga Cruz, visou articular, num quadro geral de síntese, as observações lineares realizadas no campo pela equipe dentro da área em estudo. Para a localização e extensão dos fatos geomorfológicos valemo-nos dos seguintes elementos: a) Fôlha ARACAJÚ (SC - 24 - SE - 2) da Carta do Brasil 1: 250.000, do Conselho Nacional de Geografia; b) o esbôço geológico atrás mencionado; c) Fôlhas Foz, Penedo e Propriá da carta de 1:25.000 da C.V.S.F. resultantes da redução da carta de 1:5.000 levantada pelos Serviços Aerofotogramétricos Cruzeiro do Sul Ltda. em 1950; e finalmente: d) Interpretação Aerofotogramétrica realizada pelo C.N.G. e publicada na Geografia do Brasil, VoI. Il l Série A GRANDES REGIÕES MEIO 'aRTE E 'aRDESTE Biblioteca Geográfica Brasileira - IBGE - C.N.G. - 1962, em encarte às páginas 48-49. Corruptela do vocábulo vernáculo "Cômoro", monte de' areia, usado em outras áreas brasileiras no seu verdadeiro sentido, como por exemplo no litoral catarinense em relação às dunas.


24

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

ma de vasos comunicantes: é o canal ou sangradouro da várzea. Tanto mais extensa a área de aplainamento marginal ao rio e tanto mais ramificada a rêde de drenagem nela comprometida, tanto mais complexa será a várzea. Com o abaixamento do nível do rio verifica-se um lento retôrno das águas ao rio principal, uma vez que a hierarquização granulométrica do mecanismo de deposição dos sedimentos criou um gradiente contrário, embora fraco. Êste suave declive constitui a várzea propriamente dita. A intensificação das chuvas no momento exato em que as águas do rio começam a abaixar e se iniciaria o retômo, graças à drenagem tributária e ao escoamento em lençol pelas vertentes, assegura o abastecimento dágua nas várzeas, mantendo-as por mais tempo como verdadeiras lagoas. Considere-se ainda que, a perda normal por evaporação, nesta superfície às vêzes extensa mas sempre rasa, já que as chuvas ocorrem do outono para o inverno, se vê sensivelmente diminuída. A atuação humana, embora por processos ainda bastante rudimentares, controla o esvaziamento das lagoas, condicionando-as à marcha do cultivo do arroz até que, ajudadas pela evaporação subseqüentemente mais acentuada, reduzemse à porção mais central, designada como "caldeirão". Constituem assim as várzeas ou lagoas o domínio da cultura do arroz que se apresenta no vale como produto comercial de primeira importância. A êle pode juntar-se, nos domínios das várzeas, alguma outra lavoura, ou mesmo a pecuária, mas em caráter essencialmente secundário e na dependência dêle. A pesca nos caldeirões completa o quadro geral de utilização humana das várzeas. Os "combros" apresentam uma extensão espacial variada, o que serve a estabelecer certas diferenças entre as várzeas. De modo geral, variam ao longo do rio de acôrdo com o traçado dêste, na dependência da concavidade ou convexidade das margens. Ora apresentam-se unos e bastante longos, ora mais reduzidos e, não raro desdobrados. Outras vêzes soldam-se uns aos outros, em margens acentuadamente convexas, ao ponto de formar, não mais uma linha, porém uma faixa elevada. De modo geral, diminuem consideràvelmente ao penetrar o rio nos terrenos quaternários, onde, em certos trechos (Foto 3), passa a solapar ativamente as margens. Nas proximidades da foz, parcialmente devido ao ritmo das marés, desaparecem totalmente os "combros".


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Foto 1 - Vista parcial da grande várzea de Propriá, nas proximidades daquela cidade. No primeiro plano nota-se a suave inclinação que conduz do "combro" ao interior da várzea. Esta aparece ao meio, enquanto ac fundo se nota a moldura colinosa do sistema de várzeas ramificadas do emba samento. Foto: Caio Prado Júnior.

Foto 2 Na grande várzea de Propriá o homem intervém no sentido de controlar a extensão das águas no interior da mesma e condicioná-Ias 't cultura do arroz. Nas proximidades de Cedro de São João, esta foto, apanhada do nível inferior de colinas sôbre o qual se assenta aquela localidade, mostra um dique artificial. A várzea arrozeira fica além do mesmo. Foto: Caio Prado Júnior.


AVULSO

N.n

5

27

As várzeas mais típicas, peja sua freqüência, são aquelas que se desenvolvem paralelamente ao rio nos domínios dos terrenos cretáceos. Podemos citar, dentre várias outros exemplos, àquelas, da Jandaíra, Pindoba, Nova, Valentim (margem sergipana) e da Porta, Cangote,

Sobrado,

Morro

Vermelho

(margem

alagoana).

A peque-

na várzea da Lagoa do Morro, a leste de Propriá, pelas suas dimensões reduzidas, serviu-nos a esquematizar os elementos fundamentais da várzea, na Fig. VI. Outras,

graças ao desenvolvimento

da drenagem

em suas adap-

tações à estrutura, destacam-se quanto à sua extensão. A grande várzea de Propriá, a oeste daquela cidade e a da ltiuba, a leste de Pôrto Real do Colégio constituem belos exemplos nos domínios do embasamento . A de ltiuba, localizada no próprio contacto, é menor que aquela de Propriá. Esta, favorecida pela ramificação da drenagem e pelo caráter mais impermeável das rochas do arqueano, desdobra-se em várzeas menores criando um verdadeiro sistema (5). Baseados em um relatório de estudos de solos das duas várzeas realizado pela Companhia Hidrobrasileira para a C. V . S . F. e que tivemos o ensejo de consultar graças à colaboração eficiente que prestou à equipe o engenheiro residente daquela instituição em Penedo, podemos anexar aqui algumas conclusões que servem a comprovar os argumentos apresentados sôbre a gênese das várzeas. Os solos de textura mais grosseira, pelo seu caráter arenoso, são encontrados próximos ao rio São Francisco. Seguindo daí para o interior da várzea sucedem-se solos de textura argilosa, inicialmente com 45 a 60% de partículas inferiores a 0,001 mm, cedendo lugar a outros de textura mais fina. ~stes, que constituem a quase totalidade das várzeas propriamente ditas, possuem sempre teor de areia inferior a 10%, apenas entre 15 a 35% de limo, contra 80 a 85% de partículas inferiores a 0,00 1 rnm . São na realidade argilas muito pesadas. O caráter aluvial dêstes solos e sua renovação anuW fazem com que, no interior das várzeas não ocorram fenômenos de salinização. (5) -

Estas duas várzeas são as que vêm atualmente merecendo maiores atenções sob formas de estudos e bcnfeitorias técnicas por parte da C.V.S.F. A de Propriá conta com cêrca de 1.800 ba enquanto a da Itiuba com 1.630.


Foto 3 - Aspecto da ação de solapamento marginal do São Francisco nos terrenos quaternários. Esta foto apanhada à margem sergipana, entre Piaçabuçu e Ilha das Flôres, mostra aquele fenômeno pelos seus reflexos num coqueiral à beira rio. Foto: Olga Cruz.

Foto 4 - Várzea do Marituba. Enquanto na encosta do cordão arenoso de sua margem direita se observa o plantio de bananeiras, mandioca, batata e feijão, a várzea, mostrando sinais da ação das chuvas recentes, é ocupada por arrozais sujeitos às imprevisíveis inundações. Foto: Dora Romariz.


AVULSO

ASPECTO DE

DA

VARZEAS

INTERVENCAO ARROZEIRAS

N.o

5

29

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NA

ELABORAÇÃO

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Fig. VII

Copivoru

Coqueiros lençol

arenoso

com


Foto 5 - Aspecto da várzea nas proximidades da foz. Esta foto foi tomada na Fazenda Capivara, de costas ao São Francisco, sôbre um dique artificial de argila, perpendicularmente ao qual se desenvolvem as "marinhas" (esquerda da foto) separando os campc s inundados. Ao fundo percebe-se a sede da Fazenda. Salientando-se entre o renque de coqueiros, vê-se a tôrre, em ruínas, do antigo engenho de açúcar. Uma relíquia da atividade canavieira abandonada no início dêste século na propriedade. Foto: Olga Cruz.

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Foto 6 - A leste da sede da Fazenda Capivara, sob um renque de coqueiros, no limite da várzea à beira do São Francisco, estende-se uma série de casebres de famílias de meeiros da propriedade, em sua maioria ali residentes. No primeiro plano, o arrozal já crescido. Foto: Olga Cruz.


AVULSO N."

5

31

A várzea alagoana do Boacica apresenta um desenvolvimentoexcepcional em comprimento, uma vez que ao seu curso inferior em meio aos terrenos cretáceos e represado por um extenso "combro" que o obriga a migrar sua foz alguns quilômetros, se junta o seu trecho superior, desenvolvido em pleno contacto com o embasamento. Neste trecho, a montante de Igreja Nova, parece ter influído sobremodo o jôgo da tectônica antiga do embasamento, a cuja estrutura quebrante teria se adaptado a drenagem atual. Na margem sergipana, aquela do Cotinguiba (ou do Peixe Gordo) apresenta um considerável desenvolvimento subseqüente nas formações cretáceas. No domínio dos terrenos quatemários destacam-se aquelas doBetume (Serpige) e Perucaba (Alagoas) alonga das no contacto com os terrenos terciários. A várzea alagoana do Marituba apresentase como a mais' extensa do quatemário, desenvolvendo-se entre Iaixas de cordões litorâneos. Sua ocupação humana é incipiente e a cultura de arroz, que nela se vem aos poucos praticando, está à mercê das irregularidades do rio e das chuvas. Desembocando aquêle tributário num trecho em que principia u'a margem côncava da última grande curva do rio e sem a existência de "combro" a várzea se vê alagada, à menor variação do leito do rio. Nas proximidades da foz as águas das enchentes e o ritmo da maré fazem com que o rio deposite suas aluviões sôbre o substratum arenoso da faixa de cordões litorâneos. A inexistência de "combro" obriga o homem a suprir a falta daquela forma natural com a construção de diques de argila, para o aproveitamento da várzea na cultura do arroz. E' o que acontece na Fazenda Capivara, cujas terras se estendem à margem sergipana do São Francisco entre o rio Paraúna (ou Brejão) e o canal Parapuca, ao longo dos quais se continuam os diques artificiais (Fig. VII).

As vertentes das várzeas e o conflito pecuária x agricultura de subsistência e sua repercussão na cultura do arroz - Nos domínios do embasâmento arqueano e seus enclaves paleozóicos, já que a evolução do modelado reentalhou a pretérita superfície de erosão fossilizada pela cobertura cretáceo-terciária, produziu-se um tipo de borda em depressão periférica, cujo traço característico é a readaptação da drenagem à complexa estrutura do embasamento .


32

ASSOCIAÇÃO

DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

o relêvo elaborado pelo modelado epigênico desenvolvido no curso da exumação daquela superfície apresenta-se, atualmente, hierarquizado numa série de colinas que se alongam em direções subseqüentes à velha estrutura o A influência da erosão diferencial é bastante sensível na gênese das formas, correspondendo os alinhamentos de colinas às rochas mais resistentes - gnaisses, notadamente - enquanto os vales aproveitaram as faixas de menor resistência - micaxistos (xistos sericitosos) o Nos seus limites orientais, notam-se ainda as inclusões de quartzitos e arenitos dos terrenos metamorfizados (Série Itabaiana), arenitos e folhelhos paleozóicos (Batinga) o E' o que se observa, por exemplo, seguindo o alinhamento utilizado pela rodovia e linha férrea vindos da cidade de Propriá (6) o Ao lado das influências estruturais há evidências de participação importante de variações esculturais poligenéticas o Observa-se a existência de níveis embutidos de colinas no contôrno das várzeas o Estes níveis degradam-se de 120-100, 70-50 e 30-20 metros de altitude o A existência de capas de seixos rolados e heterométricos de quartzo, que se nota sôbre êstes níveis é outro fato que sugere esta suposição o Ao longo do trajeto que realizamos entre Propriá e o povoado de Papel tivemos ocasião de registrar a ocorrência dêstes seixos no alto do espigão, antes de Bananeiras, e nas proximidades de Papel o Os esquemas da Figo VIII procuram ilustrar o aspecto geral <Ia moldura colinosa da grande várzea de Propriá, mostrando a articulação dos diferentes níveis, bem como exibir as características da topografia nos domínios das colinas médias e altas o Em ambas, as vertentes íngremes contrastam com o fundo colmatado e chato dos vales o Na Figo IX focalizando o sítio do povoado de Telha, na margem ocidental da mesma várzea, pode-se ter uma idéia do aspecto das colinas inferiores e sua articulação com a várzea e as colinas médias o <6) -

Na localidade de Bananeiras observou-se o afloramento de um arenito muito perturbado por dobras (com mergulhos locais do pacote a 45°) em cujo contacto com o embasa~ento arqueano aflorava o lençol freático, produzindo uma interessante fonte Esta é aproveitada por aquêle povoado no aprovisionamento de água potável, havendo mesmo um pequeno tanque de cimento para acumulação da água aflorante , O arenito tem um caráter poroso, com inclusões de lentes argilosas com sinais de oxidação de ferro o

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A

MOLDURA

COLlNOSA

A

OESTE

DAS

DE

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PROPRIÁ

(Embasamento) .EsbÕc;os tomados

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N

A

Articulação (Meio

do

Vórzea

caminho

com

entre

os

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3

níveis

e

Bananeiras)

de

colinas

NNE

·8

Aspecto

topogrófico

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Colinas

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Aspecto

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Foto

7 -

Aspecto

da

várzea à beira do rio Paraúna, limite ocidental Fazenda Capivara. Foto: Diga Cruz.

Foto 8 - O dique artificial de argila, à margem do Paraúna. O mesmo é acompanhado por um renque de coqueiros ai plantados. Foto: Olga Cruz.

da


Foto 9 - Às margens do Paraúna, a exemplo do que ocorre no rio principal, as aningas destacam-se no complexo de vegetação hidrófita, embelezando a paisagem. Foto:

OIga Cruz.

Foto 10 - Às margens do Parapuca, canal do delta do São Francisco e limite oriental da Fazenda Capivara, sôbre os depósitos vasosos, a construção dos diques de argila permite a cultura do arroz até bem próximo do mar. No primeiro plano, a várzea arrozeira já no período do corte. o último, vê-se a vegetação de mangues associada à vasa. Foto: Olga Cruz.


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FONTE

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38

ASSOCIAÇÃO

DOS

GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

Este telão de fundo que completa a paisagem das várzeas, pelo próprio contraste que oferece com elas, é designado pelos habitantes do vale como "terras altas". Em sua ocupação está ausente a cultura do arroz. Verifica-se ali, atualmente, um sério conflito entre a pecuária, em expansão, e a tradicional agricultura de subsistência. O aspecto geral de pequenas roças em meio as capoeiras e outras formas de degradação da primitiva mata que revestia as vertentes, vem sendo, em ritmo acelerado, substituído por pastos plantados. A agricultura de subsistência, que não encontra ainda possibilidades de estabelecimento nas várzeas - domínio do arroz, e na superfície arenosa dos tabuleiros, vê-se progressivamente reduzida na área, pela expansão da pecuária. Se talvez aquela, praticada comumente em declives fortes nas vertentes das colinas, já contribuísse a fomentar problemas de erosão dos solos nesta unidade, a segunda já deixa ver claramente os seus efeitos na aceleração do processo erosivo . No esquema C. da Fig. VIII tentamos mostrar a ausência completa de revestimento de matas ou capoeiras, já que foram substituídas por pastos plantados. Nestas altas colinas, cujas vertentes para os vales nelas encaixados (7) são bastante íngremes, o pisoteio do gado no manto residual de meteorização e solos associados (que não constituem um conjunto espêsso), principia a produzir ravinamentos, que tendem a aumentar em ritmo crescente. No sistema morfoclimático atual as chuvas concentram-se num dado período do ano e o fazem em caráter intenso (8). O escoamento superficial (overflow), de certo considerável sob tais circunstâncias, deve sobrecarregar os vales que, apesar de chatos e de fraco gradiente, lançam subitamente nas várzeas sua descarga líquida e sólida. Considerando-se ainda que a irregularidade das chuvas é um fato fundamental não é de estranhar que enchentes inesperadas das várzeas, de vez em quando, prejudiquem seriamente o andamento normal da cultura do arroz (9). (7) (8) -

No local considerado o encaixamento é superior a 100 m. Infelizmente não dispomos de dados diários de pluviosidade para ilus. trar o raciocínio. (9) - Durante a exposição preliminar oral do relatório na Assembléia de Penedo um dos proprietários presentes indagou de soluções para tais prejuízos a que se vem sujeitos freqüentemente os que lidam com o arroz.


AVULSO N."

5

39

Os solos, no domínio das vertentes das várzeas, formam com estas um outro contraste. Enquanto nas várzeas os solos, por sua .gênese aluvial, são tipicamente argilosos, aqui nas vertentes, consoante a natureza das rochas e o sistema morfoclimático atual (caracterizado pela existência de uma estação sêca bem definida) apresentam-se frouxos e arenosos. O relatório dos estudos de solos nas várzeas de Propriá e ltiúba, atrás referido, acentua um fato extremamente importante. Os únicos sinais de salinização de solos revelados nestes estudos foram registrados no domínio das terras altas, junto às cabeceiras dos cursos dágua que demandam as várzeas e à gênese dos quais se relacionou a ação do underjlow no período sêco. Nos domínios do capeamento sedimentar as vertentes das várzeas apresentam, graças à própria natureza litológica, alguns pontos de diferença com aquelas do embasamento, embora persistam alguns caracteres de base. A erosão regressiva das cabeceiras concentra-se nos bordos dos tabuleiros constituídos pelos terrenos da formação Barreiras, os quais, no seu recuo, deixaram à sua frente alguns lóbulos e formas testemunhas, enquanto as vertentes propriamente ditas são esculpidas nas diferentes formações cretáceas. As diferenças litológicas do pacote, já que êste compreende uma alternância de arenitos e calcários variados, deixam perceber sinais nas vertentes através de rupturas de declive. O destaque é, entretanto, limitado pela falta de grande contraste de resistência aos processos erosivos oferecida pelas rochas do pacote. No caso das várzeas paralelamente desenvolvidas ao longo do São Francisco, anichadas entre êste e o topo dos tabuleiros, as vertentes são mais íngremes. Quanto àquelas de desenvolvimento mais perpendicular, e mais abertas à disseção, as vertentes são mais suaves e decompostas. As várzeas da Pindoba (Fig. XI) e da Itiúba (Fig. X) fornecem bons exemplos do primeiro e segundo caso (10).

(10) -

Como se percebe é um fato advindo apenas em parte às características de clima e relêvo e mais diretamente ocasionado pelo mau uso da terra e da falta de consideração às relações entre os diferentes tipos oe ocupação humana nos elementos de um mesmo quadro natural. Na várzea da Pindoba a curva de nível de 100 metros poderá a grosso modo, ser considerada como contacto entre o cretáceo e a Formação Barreiras. Na Fig. X está representada a vertente oriental e próxima


40

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

Além disto a estrutura responde também pelo caráter de tendência geral a vertentes côncavas aqui no capeamento sedimentar enquanto naquelas do embasamento a tendência maior é para a convexidade. Não se exclui, aqui, a possibilidade de certos níveis de colinas, esculpidas nos esporões que se projetam para o rio vindos da base dos tabuleiros, estarem associados a variações no ritmo de esculturação . Há mesmo uma certa concordância entre êstes níveis e aquêles das colinas do embasamento. As limitações de nossas observações diretas no campo, não permitindo estabelecer uma dissociação entre os fatos de ordem estrutural e escultural, nos impedem de considerações mais seguras. Quanto à ocupação humana das "terras altas" no domínio sedimentar não se observam diferenças daquelas do embasamento. Talvez os problemas de solos e ritmo atual de erosão se apresentem sob outra faceta, em virtude do caráter permeável de suas rochas. e conseqüente ampliação do "underflow". Os tabuleiros e a pecuária - Litolõgicamente a Formação Barreiras é constituída por u'a massa confusa de areias misturadas com argilas, sem apresentar leitos definidos, tomando o aspecto geral de um arenito de coloração e consistência variável, segundo cimentação heterogênea, ora silicosa, ora limonítica. Os seus contactos com os terrenos cretáceos subjacentes fazem admitir uma certa discordância, uma vez que êstes deveriam constituir uma superfície irregular pelo trabalho da erosão, quando os sedimentos terciários se lhe superpuseram. Notam-se no contacto (às vêzes) leitos de seixos, deixando supor transporte torrencial. Os processos erosivos lobularam esta capa arenítica em uma série de formas tabulares de extensão variada. Nos seus contactos com os terrenos quatemários a leste, mantém-se ainda com uma certa continuidade, formando vastos tabuleiros de bordos festonados que se aproximam bastante do rio São Francisco, à retaguarda de Neópolis e Penedo. Para o oeste, em direção à depressão, foram reduzidos a lóbulos menores e formas-testemunho, em meio às vertendo São Francisco, da várzea da Itiúba. Note-se o aspecto mais degradado (curva de nível de 50 m.) uma vez que a borda do tabuleiro está mais recuada.


Foto 11 Aspecto característico da paisagem da superfície dos tabuleiros. Foto obtida naquele atravessado pela estrada Propriá-Neópolis. ote-se a topografia suave e a cobertura vegetal peculiar, destacando-se no primeiro plano o capim agreste. Foto: Caio Prado J únior.

Foto 12 Outro aspecto da vegetação do tabule.ro . Em meio ao capim agreste desenvolvem-se manchas de arbustos e pequenas árvores, destacandose o cajuí. Foto nas proximidades de eópolis. Foto: Dora Romari>:.


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ASSOCIAÇÃO

DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

tes elaboradas nos terrenos cretáceos. Por vêzes, estas formas reliquiais já apresentam uma cobertura terciária bem delgada. O grande tabuleiro, à margem direita do São Francisco foi observado pela equipe, quando do percurso pela estrada Propriá-Neópolis (Fig. I). Deixando o domínio das várzeas e chegando ao tabuleiro nota-se que a cobertura vegetal alia-se às diferenças topográficas, ressaltando ainda mais o contraste entre as vertentes e a superfície do tabuleiro. Enquanto naquelas ainda se notam alguns resquícios degradados da primitiva mata que as recobria, ao alcançar-se a superfície do tabuleiro ela se apresenta de modo bem diferente. Em meio a um tapete de gramíneas - capim "agreste" destacam-se manchas, grosseiramente circulares, de arbustos e pequenas árvores, salientando-se o "cajuí". Embora a físionomia apresente unia gama variada de arranjos, êste aspecto geral de "parque" predomina neste grande tabuleiro (Fotos 11 e 12). Seguindo-se pela estrada Penedo-Piaçabuçu, após galgar o esporão cretáceo, que serve de sítio à primeira cidade, atinge-se o topo do grande tabuleiro da margem esquerda, que' se continua até o vale do Perucaba, onde surgem os primeiros lençóis arenosos quatemários. O aspecto da vegetação, se não é idêntico, não difere muito daquele do tabuleiro anterior. Algumas observações morfológicas na superfície dêstes tabuleiros nos levam a admitir que sua superfície não é estrutural. O primeiro fato é aquêle oferecido à observação pelo espêsso acúmulo de seixos, que se observa nos arredores da cidade de Neópolis. Trata-se de um pacote de seixos, com predominância absoluta de quartzo e uma complementação de quartzito, sugerindo um tipo de transporte torrencial e cuja base do depósito faz bisel com colinas esculpidas nos terrenos da Formação Barreiras e nos terrenos cretáceos. No tabuleiro em frente, à retaguarda de Penedo, notou-se também a presença dêstes seixos, mas aí, devido à premência de tempo não nos detivemos na sua observação (11). Outro fato é a presença de vestígios de uma crosta ferruginosa no topo dos tabuleiros. Esta, como veremos a seguir, ocorre tam(11) -

Em ambos os casos, como se vê, êstes depósitos se encontram bem próximos ao rÍ'O São Francisco. Seria necessário uma análise que permitisse u'a melhor extensão do fenômeno, o que não seria possível naque momento.


AVULSO

N.o

5

43

bém sôbre os lóbulos de tabuleiros, à vanguarda de seus bordos. Aí a espessura dos terrenos terciários é consideràvelmente reduzida. Se esta crosta, pelo seu desmantelamento atual por obra da erosão, puder ser interpretada como reliquial e a continuação de sua ocorrência para oeste confirmar um corte em bisei sôbre as diferentes unidades estruturais, ela poderá ser interpretada com um reflexo do sistema morfoclimático, empenhado na elaboração daquela superfície de aplainamento. A combinação dêstes dois fatos permitiria a admissão de uma superfície de erosão post-Barreiras (12) a qual estaria atualmente em vias de desaparecimento por obra da erosão. Deixando em suspenso estas cogitações de ordem geomorfológica, sem dúvida muito interessantes, mas às quais a análise realizada no campo é insuficiente, passemos à ocupação humana que completa a visão geográfica geral da área em estudo e com a qual êstes detalhes não têm uma relação muito íntima. Os tabuleiros representam, de modo geral, uma espécie de vazio demográfico no Baixo São Francisco. As habitações fazem falta completa. De quando em quando, ao longo das estradas que os atravessam, um rebanho de gado bovino apascentando no capim agreste, deixa depreender sua utilização pela pecuária. Em verdade êstes pastos naturais, no inverno, recebem rebanhos, que, assim completam o seu raio de ação além dos pastos artificiais das vertentes. Muito esporàdicamente, e nas proximidades de sua borda, perto das estradas, os tabuleiros deixam ver vestígios de atividade agrícola que se resumem a pequenos roçados de mandioca. Pequenas atividades de extração de madeira e coleta de frutos completam o quadro geral de seu aproveitamento humano. Utilizada, assim, pela pecuária esta unidade morfológica não . <oferece atualmente, nenhum atrativo para a ocupação agrícola e se destaca, tanto mais no quadro natural, por não apresentar conflitos com outras unidades do mesmo. As pequenas formas tabulares, que se notam à frente dos verdadeiros tabuleiros são, a bem dizer, verdadeiras ilhas daquela unidade, em meio ao domínio das vertentes e pequenas formas escul{12) -

Se é certo que a Formação Barreiras, é do plíoceno, questão deverá ser provàvelmente neógena.

a superfície

em


Foto 13 - Aspecto da "cuesta incipiente" observada da estrada entre Alagoinha e Igreja Nova. O topo é constituído por terrenos da Formação Barreiras coroados por uma crosta ferruginosa, enquanto a parte inferior se quebra em suaves ruturas de declive, produzidas pelas diferentes camadas do pacote de sedimentos cretáceos. Foto: Dora Romaríz

Foto 14 - Grupo couro. Êste grupo descia do tabuleiro, noso quaternário

de vaqueiros com sua montaria e típica vestimenta de foi encontrado próximo à várzea do Marituba, quando vindo de uma vistoria no gado . Note-se o terreno arebem próximo ao contado com a Formação Barreiras. Foto: Dora Romariz.


AVULSO N.o

pidas nos terrenos cretáceos, no de sua ocupação humana.

tanto

5

45

no sentido

morfológico

quanto

O mais das vêzes, trata-se de uma pequena forma alongada, que se prolonga até à beira das várzeas. Tal é o caso daquela, na periferia da várzea da Itiúba, assinalada no esquema na Fig. VI. Âs vêzes, é um lóbulo de tabuleiro de forma bastante recortada como aquela que ocorre entre as várzeas da Itiúba e do Boacica , A forma

que assume

maior

destaque,

pela

sua originalidade, para no Esquema Geomorfológico

é aquela, que se termina em escarpa voltada para a depressão, os lados da Igreja (Fig. V) (13).

Nova,

e assinalada

Parte da equipe teve oportunidade de observá-Ia, quando do trajeto rodoviário de Penedo à Igreja Nova, após a localidade de Alagoinha (Foto 13). Trata-se de uma forma nitidamente monoclinal e guardando o aspecto de "cuesta". Sua cornija é constituída pela crosta ferruginosa, à superfície de uma delgada capa de arenito Barreiras. Se relacionarmos esta crosta com os outros vestígios observados na superfície dos tabuleiros à sua retaguarda e, sendo válida a suposição de que ela representa o testemunho da superfície post-Barreiras, talvez possamos sugerir uma interpretação para esta curiosa forma de relêvo. A crosta ferruginosa teria introduzido na estratigrafia um contraste de resistência das camadas à erosão, que não era oferecido originalmente pelo depósito terciário, mais espêsso, e o pacote de rochas cretáceas subjacentes. Estes fatôres, completados por condições locais de mergulho suave das camadas teria possibilitado à drenagem, liderada pelo Boacica na sua acomodação à estrutura, a gênese desta' "cuesta incipiente" (14).

As feições litorâneas e a pluralidade de utilização netrar o São Francisco nos terrenos quaternários a jusante nedo-Neópolis, não é possível dissociar o vale, do complexo (13) -

(14) -

Ao pede Pemorfo-

A extensão desta pequena escarpa, atravessada pelo Boacica, no referido esquema, foi possibilitada pela Interpretação Aerofotogramétrica do C.N.G. já citada. Este têrmo, utilizado pelo grande geólogo brasileiro que foi MORAES REGO em relação à Depressão paulista, parece aplicar-se muito bem neste caso.


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ASSOCIAÇÃO

DOS

GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

lógico litorâneo, no qual se inclui. Graças à precariedade dos limites entre terras e águas produzidas no decorrer do próprio quaternário, o quadro litorâneo sanfranciscano desdobra-se em uma série de feições morfológicas, cuja origem ora se prende ao trabalho do próprio rio, ora ao trabalho do mar. Neste vasto conjunto, quer pela sua variedade, quer pela quase imperceptível transição topográfica de uma feição à outra, as observações geomorfológicas exigiriam u'a meticulosidade, à qual não se poderia ajustar nossa rápida passagem. As variações de limites da linha de costa chamam a atenção logo de início. Quem, pelo tabuleiro, vem de Penedo em demanda de Piaçabuçu, ao chegar ao rio Perucaba, depara com a primeira faixa de cordões litorâneos e tem ocasião de observar um interessante contacto geológico e geomorfológico. Aí, a vertente esculpida nó contacto mesmo dos arenitos terciários e cretáceos, está coberta por um caos de blocos de crosta ferruginosa e de seixos heterométricos de quartzo (que afloram no corte da estrada). Além da presença das areias marinhas junto ao Perucaba nota-se, no contacto com estas, que os seixos de quartzo apresentam sinais de retrabalhamento, notadamente em sua fase de calibre menor, que se apresenta visivelmente achatado. Se as evidências de ação marinha se resumem a sedimentos é que as possíveis formas (falésias?) foram desmanteladas pelos mecanismos sub-aéreos posteriores, inclusive os atuais que continuam solapando a borda da crosta no tabuleiro. A partir daí a ação do rio principal neste acumular de aluviões em várzeas, ilhas e bancos movediços, juntou-se à ação do mar. Esta se manifesta notadamente pela soldagem de cordões litorâneos que, consoante o avanço do rio, se foram dispondo em arcos, formando uma verdadeira sucessão de restingas (Fig. V). Às margens do rio, e perpendicularmente a êle, desenvolvemse as várzeas já analisadas, dentre as quais destaca-se a do Marituba. À medida que nos aproximamos da atual linha da costa entre os últimos cordões de restinga e a praia atual, a drenagem complica-se e passa a apresentar canais paralelos àquela, como é o caso do Parapuca, no lado sergipano. .


AVULSO N.o

5

47

Ao longo dêstes canais, desenvolvem-se acumulações vasosas ressaltadas pela presença da vegetação de mangues (Foto 10), que contrastam na cobertura vegetal com aquela das restingas. Aí, em meio a uma grande variedade, destacam-se cactáceas e cajueiros. À retaguarda da praia atual, altos lençóis de dunas vivas, ao sabor dos alísios de sudeste, avançam para o interior. Este quadro litorâneo geral, considerando o avanço do rio e sua contribuição aluvial e a complementação inegável da ação marinha, pode ser considerado como um delta elaborado em forma de cúspide. Um delta bastante original onde não falta mesmo uma certa feição estuarina, em grande parte devida à acentuada fIutuação do débito anual do rio. Se a maré salina, de maior destaque no pe~ ríodo da vazante afeta mais diretamente a sua foz ( 15), a maré dinâmica propaga-se bem mais a montante. Pelas informações que tivemos, Penedo pode ser considerado o seu limite de penetração. Neste quadro complexo as variadas feições morfológicas oferecem diferentes possibilidades de ocupação e exploração econômica. À cultura do arroz, que também aí se faz presente nas várzeas e mesmo na periferia de canais vasosos, juntam-se vários tipos de utilização do solo. Dentre as formas de uso da terra, pela sua extensão espacial e caráter mais efetivo de ocupação humana, destaca-se das demais a cultura do côco da praia ou da Bahia (Cocos nucijera) . A variedade de habitats ecológicos intensifica a atividade de pesca, notadamente nos rios e canais do delta. O complexo fitogeográfico litorâneo possibilita atividades extrativas e de coleta. Uma pequena área salineira, à margem do "riacho das Cacimbas" (um canal associado ao sistema do Parapuca) é aí também encontrada', Não falta mesmo, para completar o quadro, a extração mineral . Se bem que a condição atualmente mais característica seja a de prospecção do petróleo, desenvolvida ativamente pela Petrobrás atra-

(15) -

Infelizmente não bá bons dados de observação das marés em disponibilidade. Lembramos, entretanto, que, pelo menos as marés equinoxiais. .de setembro, que coincidem com a vazante do rio devem ter uma penetração sensível. (Vide Fig. nn.


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ASSOCIAÇÃO

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GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

vés de numerosas perfurações e sondagem no pacote subjacente, já existem alguns poços com pequena produção (16). Dentro desta gama variada de atividades, apesar da coleta de observações e dados pela equipe, somos. obrigados, por motivos óbvios, a considerar em maior destaque a cultura do côco. Os demais tipos serão considerados apenas em suas relações dentro do complexo geográfico do Baixo São Francisco.

,(16) -

Os habitantes de Piaçabuçu orgulham-se atualmente de já ser aquele município alagoano, produtor de petróleo. Um dos poços por nós visitados, não muito distante da cidade, em meio aos coqueirais, registrava uma produção de 25 barris diários. (PIA-IO).


lU CONTRIBUIÇÕES À ESTRUTURAÇÃO DOS FATOS AGRÁRIOS O uso da terra no Baixo São Francisco é tipicamente ~cola e sôbre esta atividade assenta-se a economia do vale. As atividades industriárias resumem-se, a bem dizer, àquelas de beneficiamento. de produtos agrícolas. Quanto àquelas de manufatura são perfeitamente secundárias no quadro geográfico. A indústria textil, por exemplo, com certo destaque em Neópolis-Penedo é ligada ao quadro geográfico apenas pela mão-de-obra mobilizada, uma vez que, tanto quanto à matéria prima, tanto quanto ao consumo da produção, é alógena ao quadro geográfico em análise. Nosso trabalho de reconhecimento geográfico procurou sondar, na medida do possível, os elementos que nos permitissem uma caracterização geral da estrutura agrária. E' evidente que, neste particular, nossa contribuição não poderia ser completa. Os elementos referentes aos sistemas agrícolas, a distribuição do homem no espaço geográfico, os regimes de trabalho nas atividades agrícolas puderam ser razoàvelmente analisados, graças aos resultados de observação direta, coleta de documentação fotográfica e vários inquéritos cuidadosamente confrontados. A morfologia agrária, requerendo dados precisos sôbre a malha fundiária teve, forçosamente, que nos escapar. Cumpre esclarecer, portanto, que êste capítulo oferece subsídio de análise à síntese geral do problema. OS SISTEMAS

AGRíCOLAS

Não restam dúvidas de que a cultura do arroz representa o primeiro fato na hierarquização das atividades humanas no Baixo São Francisco. Por suas relações, quer na articulação dos elementos do quadro morfológico quer nos tratos agrícolas, a agricultura de subsistência e a pecuária, se aproximam de certo modo a ela, cons-


50

ASSOCIAÇÃO

DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

tituindo assim um trinômio cuja análise deve ser feita concornitante e comparativamente. Já o cultivo do côco, definido realmente nos terrenos arenosos. do litoral e pela sua própria condição de cultura permanente, mantém-se relativamente à parte das demais atividades. Outros tipos de agricultura existentes na área, tais como aquêles de caráter comercial complementar (algodão, mamona, e frutas. como banana e manga) só aparecerão aqui quando em têrmos de relação com os tipos básicos. O arroz - No domínio das várzeas, onde os elementos topográficos e o ritmo anual das enchentes e das chuvas se associam admiràvelmente, estende-se a cultura do arroz , A variedade de arroz mais cultivada atualmente no Baixo São Francisco é a chamada "cana roxa", que produz um tipo de grão agulhado mas torto, proveniente, ao que parece, dos Estados Unidos, onde é conhecido como "Texas". A introdução desta variedade foi iniciativa do Serviço de Fomento Agrícola do Ministério da Agricultura, há cêrca de nove anos. Anteriormente cultivava-se o 'chatinho", de grão arredondado. O plantio das sementes é feito em viveiros adredemente preparados e nos quais se aplica adubo orgânico e mineral. Os viveiros. ou sementeiras, de modo geral, são instalados acima do nível das enchentes, sôbre os flancos do "combro" ou na base da encosta das colinas. O preparo das sementeiras verifica-se em março, quando as várzeas estão inundadas pelas enchentes do rio e antes do início das chuvas (Fig. lII). Vinte e cinco a trinta e cinco dias após o plantio faz-se o transplante para a várzea. Para esta fase espera-se que as águas do rio tenham baixado e se iniciem as chuvas. Esta operação é geralmente feita pelas mulheres, ajudadas pelos filhos pequenos de ambos os. sexos (17). Preparam-se aí pequenos feixes de mudas, de uns dez (17)

-

Graças

ao fato

de têrmos percorrido em quatro dias o vale, de Propriá parte devido à intensidade excepcional das chuvas dêste ano, nos foi possível coletar U}:IIa boa documentação fotográfica das diferentes fases do cultivo do arroz. Embora em locais diferentes conseguimos uma seqüência completa, a qual é mostrada nas fotos 15 a 25.

à sua foz, e em maior


Foto 15 -

Arranque de mudas de arrcz na sementeira para subseqüente plantio na várzea. Foto tomada na Várzea Cabo Verde. Foto: Caio Prado J únior.

Foto 16 - Outro aspecto do arranque de mudas na sementeira, êste tomado na Fazenda Capivara. Em destaque no primeiro plano os pequenos molhes aí chamados "calungas". Foto: Olga Cruz.


Foto 17 - As crianças também participam ativamente arroz. Tarefa de arranque de mudas na sementeira num co antes da chegada à Fazenda Cabo Verde. Note-secontendo o lmôço. Foto:

Foto

18 -

Em plena

tarefa

do transplante

nos tratos agrícolas do flagrante colhido pouà esquerda, uma cesta Dora

Rornariz .

do arroz na várzea do Cotinguiba. Foto: Caio Prado Júnior.


AVULSO N.o

5

53

centímetros de diâmetro, os quais são designados "bodes", a montante de Ilha das Flôres e "calungas" daí para a foz. Enquanto baixam as águas das várzeas, é arado e gradeado o solo e são preparados os diques, para a retenção das águas. Isto é conseguido graças ao emprêgo de técnicas rudimentares. Constróem-se barragens toscas, perpendicularmente aos canais afluentes, geralmente dragados pela Comissão do Vale do São Francisco (C.V.S.F.) (Foto 2). Entre duas paredes de alvenaria, construídas às vêzes como suporte de um pontilhão, veda-se a passagem da água por meio de tábuas horizontais empilhadas, apoiadas nos extremos por hastes de ferro ("portas d'água" ou ''bombas''). A medida que vai progredindo o transplante, vão-se retirando as tábuas para baixar gradualmente o nível das águas na várzea. Em terras ainda não beneficiadas pela C.V.S.F. adota-se um sistema ainda mais primitivo, semelhante ao dos pequenos açudes do sertão: uma barragem de argila, cuja altura se diminui aos poucos, segundo a conveniência. Desta forma é o arroz transplantado em faixas concêntricas, marcadas na paisagem pelas linhas de acumulação de argila e resul.. tado da limpeza do solo, que são chamadas ''\marinhas''. Estas faixas progridem para o interior mais deprimido da várzea. Mas nunca se "fecha a lagoa"; deixa-se sempre o "caldeirão" que funciona como viveiro de peixes (Fig. VI). O transplante é um serviço árduo praticado pelas mulheres e crianças que, das sete da manhã às quatro da tarde, com água pelos tornozelos e feixes de mudas à cabeça, trabalham o tempo todo. O empirismo dos processos de retenção, a instabilidade pluvial e ação das enxurradas nas vertentes atrapalha muitas vêzes a marcha normal do plantio do arroz obrigando à "repicagem". Perde-se o arroz plantado e inicia-se pacientemente de nôvo. Três meses após o plantio inicia-se a colheita. Graças ao ciclo evolutivo rápido do arroz, plantio e colheita podem ocorrer concomitantemente (Fig. Hl) . Nos tratos culturais do arroz os homens intervêm no preparo da terra e depois na colheita, bateção e transporte do arroz. Têm êstes, entretanto, um calendário de trabalho ativo porquanto na entre-safra, que se estende de dezembro a março, ocupam-se de outros serviços nas propriedades. Pesca, trabalhos nas roças, construção e reparos dos diques e outros serviços.


54

ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

Já as mulheres e crianças concentram-se em trabalhos domésticos e pequenas atividades artesanais (bordados, fabrico de rêdes. de pescar, cerâmica, esteiras, chapéus, etc.). Alguns proprietários fazem plantar algodão, feijão ou mandioca após a colheita do arroz na várzea. Sempre produtos de rápida colheita, e isto mesmo em caso de ter sido plantado cedo o arroz, e de não ter havido atraso com "repicagens", a fim de que êstes produtos sejam colhidos antes da enchente das várzeas. Mais comumente deixam os donos da terra que o gado dos tabuleiros e vertentes paste na palhada dos arrozais. Por conseguinte pode-se dizer que o arroz é a monocultura das várzeas. O caráter esporádico desta associação não chega a representar uma "rotação de culturas". A maioria dos produtores de arroz não tem interêsse em beneficiá-lo . Apenas alguns grandes proprietários encontram vantagens em adquirir máquinas de beneficiamento, acumulando, assim, os lucros de maquinista. As usinas de beneficiamento tendem a se concentrar nos centros urbanos. Assim, depois de ensacado, o arroz é vendido aos comerciantes e transportado às máquinas de beneficiarnento. O transporte predominante é o. fluvial, utilizando especialmente as "canoas de toldo" do São Francisco (Foto 25) . Embora êstes aspectos do sistema agrícola do arroz possam ser estendidos à grande maioria da área estudada, merece considerações especiais o "arroz da praia". Trata-se daquele cultivado nas várzeas próximas da foz, isto é, a jusante de Piaçabuçu. Já vimos que ali a inexistência de "combros" faz com que a intervenção do homem seja mais efetiva (Fig. VII). Os diques de argila são construídos a partir da beira-rio e também perpendicular e paralelamente àquele, criando condições especiais de retenção da água. Esta é devida exclusivamente ao São Francisco e seus grandes afluentes no quaternário, e às chuvas, uma vez que as condições de drenagem em sua moldura arenosa são bem diversas daquelas das vertentes (18). (18) -

Nossas observações do arroz da praia, são devidas à demorada visita que fizemos à Fazenda Capivara, entre o Paraúna e o Parapuca, na margem sergipana.


Foto

19 -

Flagrante

do corte

do arroz colhido Piaçabuçu.

na várzea Foto:

Foto

20 -

Outro

aspecto

da colheita

junto

Dera

à cidade de

Rcmariz.

do arroz no mesmo local. Foto: Dora Romariz.


Foto 21 -

Foto 22 -

Mesmo local -

Transportando o arroz já cortado, para o galpão. Foto: Dora Romariz.

No galpão, aí denomínado "mombaça", o arroz é despejado em montes para que se faça a "bateção". Foto: Dora Romariz.


Foto 23 -

A "bateção" do arroz. Dois homens batem, alternadamente, com longos bastões, a fim de separar os grãos da espiga. Foto: Dora Romariz.

Foto 24 - Depois de batido o arroz, faz-se a "cessação" (sacode- se a lata contra a direção do vento) e por êste primitivo processo separa-se a palha dos grãos. Foto: Dora Romariz.


58

ASSOCIAÇÃO

DOS

GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

Um outro aspecto de diferenciação é aquêle que diz respeito ao preparo do terreno para o transplante das mudas o Ali as condições ecológicas especiais criam um maior desenvolvimento da vegetação, um complexo hidrófito em que se destacam aningas, juncos, bredos, etc o Assim, o trabalho de limpeza do terreno, antes da aração e gradeamento exige maiores cuidados o Após o corte, o tapete de vegetais abatidos é deixado sôbre o terreno inundado, num período de oito a quinze dias para "azedar", numa espécie de aproveitamento de adubação o Após êste prazo se faz a limpa, retirando a palha para as ''marinhas'' o As sementeiras são ali localizadas à retaguarda das arrozeiras, no limite dos terrenos arenosos, ao pé dos renques de coqueiros plantados o Muitas vêzes há sementeiras que se localizam logo atrás do dique da beira-rio, numa medida de pre<caução, pois, se aquelas são atacadas por alguma praga, inundam:se as mesmas o O aspecto mais interessante, é, entretanto, aquele que concerne ao aproveitamento do fluxo das marés o Já em plena vazante do rio e início do período sêco, as marés equinoxiais se fazem sentir na foz (Vide Figo 111) o Na ocasião da maré montante as "bombas" são abertas e a água penetra nos arrozais, não sendo, entretanto, retidas, saindo livremente na vazante da maré o Neste época do ano a evaporação já é bem intensa, tendendo a ressecar o manto argiloso que se deposita com a cheia do rio o A entrada e saída da água, segundo o fluxo e refluxo da maré, impede o fendilhamento da argila e o conseqüente trincamento das raízes do arroz o Não se faz a retenção com receio da salinização o Embora. se ignore o teor de sais da água do rio penetrado pela maré, sabe-se ·que naquela época elas são "salobras" o Vê-se assim o quanto seria importante um estudo da maré salina na foz do São Francisco o Se o teor salino das águas do rio não fôsse prejudicial, poder-se-ia, talvez, estender a cultura do arroz de praia pelo ano todo o De qualquer modo, segundo informações colhidas na Fazenda Capivara, pode-se estender o plantio do arroz até agôsto, enquanto a montante esta fase se encerra em julho o Se não o fazem atualmente é devido a horda de pássaros, que provenientes do sertão, chegam ao litoral no início da sêca, danificando as plantações o Tão numerosos e variados são aquêles que os processos rotineiros (espantalhos. espan-


Foto

25 -

Embarque

5

AVULSO

N.()

do arroz

ensacado Foto:

59

na Fazenda Caio Prado

Betume. JĂşnior.


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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

tadores e até mesmo foguetes) são impotentes a tangê-los dos arrozais. Poderia parecer injustificável esta preocupação com uma área relativamente pequena em relação ao conjunto do Baixo São Francisco. Lembramos entretanto que, além dêstes interessantes aspectos do sistema agrícola, o "arroz da praia" tem maior cotação no mercado, uma vez que é considerado de maior resistência ao "polimento" durante o processo de beneficiamento. Diz-se que êle "quebra" menos. E' muito variável o rendimento da produção rizícola dependendo da qualidade dos solos das várzeas e das circunstâncias de disponibilidade e contrôle das águas. Pode-se, entretanto, estimar o rendimento médio em cinco a seis "alqueires alagoanos" (1.~00 a 1.400 Kg.) por "tarefa" (19). O preço do alqueire de arroz em casca, no início da safra de 1962 era de Cr$ 3.500,00 mas na ocasião de nossa visita atingia o valor excepcional de Cr$ 9.500,00. A agricultura de subsistência - As tradicionais roças e roçados estão em franco processo de retração e assumem atualmente pouco destaque na paisagem do Baixo São Francisco. Sem condições nos solos arenosos dos tabuleiros, vem sendo rechassadas das vertentes, outrora cobertas de matas, pela pecuária em expansão. Atualmente sua presença é mais notada ao longo da faixa estreita dos "combros". No alto dêstes, sítio preferido pelos estabelecimentos humanos, verifica-se o cultivo de fruteiras, enquanto os pequenos roçados se estendem pela suave vertente que conduz ao interior da várzea. Manga, jaca, banana e coco são as frutas mais cultivadas. Esta última aumenta de importância a jusante de Penedo. Nas "terras altas" a fruticultura também é praticada. especialmente em tôrno dos estabelecimentos humanos. O cultivo da banana tem grande desenvolvimento nas ravinas e especialmente no fundo chato dos vales que atravessam as colinas. (19) -

A unidade de área no Baixo São Francisco é a "tarefa" que equivale a 0,3025 hectares. A unidade de compra e venda do arroz em casca é o "alqueíre" que nas Alagoas equivale a quatro sacos de sessenta quilos. O alqueire sergipano equivale ao dôbro daquele.


AVULSO N.o

5

61

Também as roças estão na dependência das chuvas regionais e seu plantio, após a queimada e limpa do terreno, verifica-se no início do período chuvoso. Nelas são plantados principalmente milho, mandioca e feijão, em consorciações. O arroz pràticamente está fora do domínio das roças, especialmente nas "terras altas". Sua cultura no Baixo São Francisco é tipicamente na qualidade de arroz "de brejo". O de terra enxuta ou sequeiro, que ali é chamado "de roça" ou "de cova", é tão raro que só pudemosobservá-lo uma única vez, perto de Igreja Nova, consorciado ao milho. A pecuária Esta atividade, muito antiga no vale do São Francisco e a: qual se deveu mesmo o seu povoamento, vem atravessando atualmente uma fase de expansão no baixo curso.

E' sabido que a decadência da lavoura canavieira naquele trecho do litoral nordestino, vem cedendo lugar à pecuária. Durante nosso trajeto terrestre em demanda de Penedo tivemos ocasião de observar que a tradicional paisagem canavieira de Sergipe está em via de desaparecimento. Se nas onduladas colinas adornadas pelos coqueiros ainda estão presentes os velhos engenhos e pequenas usinas; o verde dos canaviais foi grandemente substituído pelo das pastagens. No Baixo São Francisco a pecuária ocupa o topo dos tabuleiros, onde os rebanhos pastam durante o inverno, quando viceja o capim agreste; desce para as vertentes das várzeas, onde os pastos plantados fazem desaparecer as capoeiras e os roçados; procura as margens do rio, utilizando-se dos "combros" e espraiando-se mesmo no interior das várzeas após a colheita do arroz; dirige-se para o litoral aproveitando as manchas de gramíneas que, sob os coqueirais, se desenvolvem nos cordões arenosos; e atinge mesmo o pasto . mais pobre dos terrenos próximos ao mar em meio às cactáceas e cajuais. A pecuária que ali se encontra, sob forma de cria ou engorda do gado bovino destina-se ao corte. Além daqueles dos criadores do vale, rebanhos oriundos do sertão baiano, via Propriá, são adquiridos para engorda antes de ser enviados aos mercados regionais especialmente àquele do Recife.


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GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

Nas "terras altas", as áreas ocupadas por antigas roças são substituídas por pastos plantados com capim "angolão" e "sempre verde". A falta de cuidados especiais com os mesmos faz com que os rebanhos se estendam por quase todo aquêle domínio. Uma vez que os pastos vão sendo atacados pelo desenvolvimento de ervas, em especial o mata-pasto, os rebanhos passam a outros recém-plantados. Nos pastos artificiais o rendimento médio é de duas e meia tarefas por rês. Tal é o sistema observado na maioria dos casos e registrado em Itiúba, Morro Vermelho, Saúde, Betume. Nesta última por exemplo, a totalidade da área de terras altas está ocupa.da atualmente por pastos. As condições da pecuária no domínio dos tabuleiros, são bem menos favoráveis. O seu aproveitamento verifica-se sobretudo no inverno e os pastos nativos de capim-agreste oferecem um rendimento médio de quatro e meia a seis tarefas por rês. De Neópolis para jusante, terminando os ta.buleiros e as vertentes, a presença do gado nos domínios da várzea faz-se mais notada. Além do aproveitamento da várzea propriamente dita, após a colheita do arroz, nota-se mesmo a presença dos rebanhos sôbre os "combros". Os terrenos arenosos quaternários que circundam as várzeas oferecem dois tipos de utilização pelos rebanhos: de um lado manchas de gramíneas, que na periferia das várzeas e ainda sôbre os terrenos arenosos mais interiores se encontram circundando pequenas e efêmeras acumulações de águas pluviais. Por outro lado os próprios terrenos mais próximos do mar, possuindo no seu complexo vegetal espécies utilizáveis pelo gado, embora com condições mais favoráveis no período chuvoso, são também visitados pelo gado. Aquelas do primeiro tipo, em razão do seu caráter salino, são consideradas, apesar de sua pequena extensão, de muito bom proveito para a engorda. Por esta razão pode-se ver os rebanhos sob os coqueirais. Os rebanhos bovinos encontrados no Baixo São Francisco, em analogia com aquêles do sertão, do qual muitas vêzes são oriundos, apresenta um certo "raceamento", notadamente Guzerat e Indu Brasil. O valor da rês vendida para o abate, em julho dêste ano, girava entre Cr$ 2.000,00 a Cr$ 2.500,00 a arrôba, variando o pêso médio da rês entre dez e quinze arrôbas.


AVULSO

N.o

5

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A pecuana vem sendo considerada pelos proprietários de terra do Baixo São Francisco, como atividade mais rendosa que a lavoura do arroz, principalmente por não estar sujeita aos imprevistos que afetam o cultivo daquele produto comercial. Não é de admirar, portanto, que a mesma, praticada em molde extensivo, esteja em franca expansão. Este fato implica numa conseqüência da maior importância, tal seja a da redução drástica das áreas disponíveis para a lavoura de subsistência. Toma-se cada vez mais difícil para os trabalhadores rurais conseguirem um pedaço de terra para os seus roçados. Isto reduz severamente o seu salário real, uma vez que são obrigados a comprar, pelo menos a farinha de mandioca e o feijão. A primeira, que constitui a base mesma da alimentação regional, no decorrer dêste último ano passou de Cr$ 200,00 a Cr$ 1.000,00 o "salamim" (20). No povoado de Santa Cruz, por exemplo, fecharam-se duas casas de farinha por falta de matéria prima. A cultura do côco - Se os coqueiros, com seu porte elegante, dispostos sôbre os combros, enfeitam as margens do São Francisco desde Propriá, só a jusante de Penedo êles começam a se intensificar na paisagem, estendendo-se pelos terrenos arenosos, culminando já próximo da foz, à altura de Piaçabuçu. A partir de 1940 a exploração econômica daquele fruto deixou de ter caráter esporádico, para se firmar como cultura comercial. definida em propriedades especializadas. Os solos arenosos das faixas de restingas são propícios ao cultivo do Cocos nuciiera e tanto maior o teor de salinidade melhor o seu desenvolvimento. Tanto assim que os coqueiros plantados na própria praia frutificam dentro de quatro a cinco anos, enquanto mais para o interior o fazem entre oito a dez anos. Mas sôbre os cordões arenosos à retaguarda da atual costa é que êles são cultivados em maior extensão de área. Aí são plantados numa média de vinte e cinco coqueiros por tarefa, já que se guarda um espaçamento de cêrca de dez metros, de coqueiro a coqueiro. Atualmente verifica-se mesmo uma tendência a estender a cultura do côco, mesmo às. (20) -

O "salamirn" ou 8 Kg.

é u'a medida

usada

na região

e que equivale

a 10 litros.


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DOS GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

áreas inundáveis, que não são ocupadas pela cultura do arroz. Os coqueiros são plantados sôbre pequenos troncos de cône de argila, chamados "mundurús", que os mantêm, enquanto pequenos, a salvo das inundações. Depois de crescidos são indiferentes a elas. A formação de um coqueiral pode ser direta ou indireta. No primeiro caso planta-se a semente na cova definitiva; no segundo preparam-se viveiros de sementes selecionadas (os cocos maiores, de maior quantidade de água são as melhores sementes) transportando-as, três meses após, para as covas ou mundurús. Na plantação direta o êxito do plantio é de cêrca de sessenta por cento. O período de crescimento e frutificação varia, como foi visto, segundo o teor de salinidade do terreno. A partir daí o coqueiral garante quatro colheitas anuais, já. que, em princípio, cada coqueiro lança uma palma e um cacho por mês. A duração dos coqueirais é variável. Um coqueiro poderia, em condições normais, ter uma duração média de 60 a 80 anos, o que não ocorre em virtude das pragas que o atacam. Estas pragas são muito variadas, notando-se vários tipos de brocas (do ôlho, do tronco, do pé), besouros e especialmente o "Manoel Vermelho", um nematódio que causa grandes danos. Assim é necessário um trabalho de substituição dos coqueiros mais velhos atacados pelas pragas. Nos coqueirais mais antigos, de cêrca de trinta anos, faz-se mesmo nova plantação intercalada à antiga para que não sofra interrupção. As colheitas anuais são, na realidade, fases em que estas ati. vidades são mais intensas. Havendo coqueiros de diferentes idades, e com a' produtividade elevada dos mesmos, há uma coleta de côcos pelo ano todo. Na colheita propriamente dita são mobilizados trabalhadores que oferecem uma gama muito variada e pitoresca de tipos humanos: a) o subidor ou trepador que, com ou sem "peia", abate os cachos de coco perfazendo u'a média diária de 100 pés'; b) o apanhador ou ajuntador que, no mais das vêzes, trata-se de um rapazola que, montado em um animal, fisga os cocos do chão, colocando-os num "caçoá", para depois juntá-los num dado lugar, a céu aberto, onde se amontoam. O monte ou "ruma" de côcos é denominado a "serra"; c) o descascador que com ajuda de uma faca ou, mais freqüentemente, de uma enxada de cabo curto, separa as sementes de cas-


AVULSO N.o

5

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-ca , Um descascador experiente pode perfazer u'a média de 1 500 a 2 000 côcos por dia.

A produção amontoada nas "serras" é, em seguida, transportada para os armazéns ou fábrica de beneficiamento. Este transporte é feito de modos variados: lombo de burros, carro-de-boi, carros puxados por tratores ou mesmo caminhões. Após a "tiragem" procede-se a "limpa" dos coqueirais, juntan.do as palmas sêcas e fibras que foram abatidas pelo subidor e queimando-as a seguir; bem como faz-se a capina das ervas crescidas. 'Como o adubo orgânico ou químico não é pràticamente utilizado, juntam-se as cinzas e o mato cortado ao pé dos coqueiros. Se considerarmos que a média de produção de um coqueiro é .de quarenta côcos e cada tarefa possui em média vinte e cinco co-queiros, pode-se estimar a produção média anual em mil côcos por tarefa. Durante nossa visita o preço do milheiro de côcos era de 11.000,00 a Cr$ 13.000,00. Assim, no litoral sanfranciscano a cultura do côco é encarada como atividade mais lucrativa que o arroz, passando a categoria de :principal produto na economia local.

c-s

A IMPLANTAÇÃO

HUMANA

NA PAISAGEM

RURAL

Os núcleos de povoação rural e urbana no Baixo São Francisco mostram-se, quanto à sua posição, intimamente associados ao .grande rio. Aquêles da povoação rural (21) mantêm-se predominantemente ligados às várzeas, quer à beira-rio, quer na base das vertentes a cavaleiro das várzeas. Diminuindo consideràvelmente nas vertentes tornam-se muito raros nos tabuleiros. A expressão fisionômica da implantação humana na paisagem rural, contrariando a regra mais usual no Brasil, apresenta-se sob um tipo de "habitat" concentrado. Uma habitação isolada, ou um par delas, que às vêzes se ob-serva do rio às suas margens, poderiam levar a supor uma disper-são. Às vêzes significam apenas abrigos de embarcações em pequenos ancoradouros. Embora sejam numerosos os núcleos à beira-rio, ,(21)

-<

Empregamos aqui o têrmo "povoação" no sentido vernáculo de resultado do povoamento; a expressão estática daquela ação dinâmica.


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ASSOCIAÇÃO

DOS

GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

quando se percorrem as estradas do vale observa-se mais nitidamente o caráter de aglomeração. Assim os ''povoados'' são os núcleos básicos da povoação. Os sítios preferidos para sua instalação são os "combros" e a base das vertentes. A atração do rio, ligada à maior facilidade de transporte; a proteção contra as inundações periódicas; a ocupação agrícola integral das várzeas; as irregularidades topográficas e o ocupação pastoril das vertentes, além da falta de atração exercida pelos tabuleiros, podem ser considerados os fatôres fundamentais para a explicação de tal preferência. Estes povoados constituem-se bàsicamente de habitações de trabalhadores rurais que se deslocam diàriamente para as lides agrícolas, às vêzes, à grande distância. Dali saem de manhã cêdo e regressam à tardinha após o trabalho desenvolvido nos arrozais, nos roçados ou com os rebanhos. Quando por êles se passa em plena fase de atividade agrícola, como aconteceu durante nossa visita, oferecem um aspecto quase vazio e silencioso. O comércio, nestes núcleos, resume-se às formas mais elementares: uma a quatro pequenas vendas de escasso sortimento dos gêneros mais necessários. Todos dispõem de Igreja ou Capela mas o serviço religioso é extremamente irregular. Não apre-sentam sinais de assistência médico-hospitalar e apenas a patrulha do Serviço Nacional de Endemias Rurais (setor malária especialmente) faz sentir que não é absoluta a míngua de assistência sanitária. Em geral existe uma "escola" de aspecto tão humilde quanto o das habitações e constituída quase sempre, de uma classe apenas. Enfim, uma triste escolinha onde as poucas crianças que escapam ao trabalho agrícola aprendem quase que apenas a assinar o nome e cuja professôra, muitas vêzes, também trabalha nos arrozais. O tipo de habitação predominante é a "casa de sopapo" (Foto 29). E' uma constante que se continua mesmo em boa parte das cidades de categoria mais elevada, como Penedo e Propriá. No mais das vêzes a habitação apresenta-se de pequenas dimensões, sem revestimento, piso de terra batida, e composta de dois a três cômodos completamente desprovidos de mobília. As rêdes de dormir e alguns bancos toscos são os sinais de "confôrto". Embora haja um número abundante de casas de telhas é bastante considerável a cober-


Foto

26 -

Expressão

do "habitat" rural aglcmerado, Santa Cruz é um típico povoado-rua. Foto: Caio Prado J únior.

Foto 27 Mussuípe, como o povoado Propriá-Neópclis, na periferia das várzeas,

anterior está ao longo da estrada e guarda o mesmo aspecto em rua. Feto: Dera Rornariz .


Foto 28 - Aspecto do povoado alagoano de Retiro, na estrada PenedoPiaçabuçu. A foto apresenta um núcleo, tipicamente em rua, uma vez que, a dois quilômetros dêste existe outro, mais próximo do Marituba, e de forma compacta. Foto: Dora Romariz.

Foto 29 -

Aspecto das habitações à periferia de Cedro de São João. Foto: Caio Prado Júnior.


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tura de palha, ora de arroz, ora de coqueiro. São indícios de um nível menos baixo a fachada caiada ou feita de tijolos, sendo raras as casas de alvenaria. A iluminação é quase sempre à base de querozene ou velas. Morfolõgicamente êstes povoados apresentam aspectos variados. E' muito comum, principalmente entre os núcleos mais elementares, o traço linear. Os povoados sergipanos de Santa Cruz e Mussuipe (Fotos 26 e 27) oferecem bons exemplos dêste tipo de traçado. Naqueles que têm por sítio a faixa dos "combros" também é comum a forma linear, como se pode observar nos povoados de Morro Vermelho (Fig. XI) Betume e Ponta Mufina (Fig. XII). Coincidindo, muitas vêzes, com o traçado das estradas e caminhos, apresentam as habitações dispostas em ambas as margens numa forma de povoado-rua. Também é freqüente a forma compacta dos povoados, num traçado irregular. Muitas vêzes, neste tipo de forma, observa-se uma grande concentração de habitações complementada por prolongamentos lineares. Telha (Fig. IX), Itiúba e Carnaíba (Fig. X) e Pindoba (Fig. XI) são exemplos dêste tipo. O povoado de Telha apresenta uma grande concentração de habitações de trabalhadores rurais, situada sôbre o nível inferior das colinas em tôrno da grande várzea de Propriá. A aglomeração do povoado, em traçado irregular, acrescido por aquela outra da Fazenda Santiago, mostra bem o contraste de povoação entre a base das vertentes e a várzea, domínio exclusivo dos arrozais. Carnaiba e Itiúba, em analogia de sítio com o povoado anterior, estão à borda oriental da grande várzea de Itiúba . O povoado homônimo tem um sítio misto uma vez que tem sua parte principal assentada sôbre uma pequena colina esculpida num esporão da vertente que chega até o rio São Francisco e se continua sôbre o "combro". Na primeira encontram-se a Igreja, o cemitério e três das quatro pequenas vendas; as casas aí localizadas têm quintais mais curtos que os daquelas que se encontram sôbre o "combro". Estes últimos apresentam-se como pequenos roçados. Os habitantes do povoado em sua maioria estão ligados à cultura do arroz. O povoado de Carnaíba, que se atingiu subindo o riacho da ltiúba, apresenta-se como um aglomerado bem maior de casas, estenden-


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do-se irregularmente sôbre terrenos cretáceos. Possui de uma classe. Apesar de pecto denota um nível de

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colinas, à base da vertente modelada em duas capelas, três vendas e duas escolas maior que o povoado anterior, seu asvida mais baixo.

Na Fig. XI estão representados o grande povoado de Pindoba, em Sergipe, e os pequenos de Morro Vermelho e Bomba" nas Alagoas. O primeiro, a cavaleiro da várzea homônima, é um bom exemplo de povoado de forma compacta e traçado irregularizado por componentes lineares; na margem oposta do São Francisco, alongam-se sôbre o "combro" os dois pequenos povoados em forma linear. Morro Vermelho, conta com vinte e oito casas cujas frentes estão voltadas para o rio; uma igreja, duas vendas e uma escola de uma classe. Seus habitantes são trabalhadores rurais: as mulheres e crianças trabalhando na pequena várzea (cêrca de quinze tarefas) que fica imediatamente à retaguarda do "combro", enquanto os homens, além de sua participação naquela lavoura, dedicam-se ao plantio de roças nas vertentes. Ainda existem em tôrno daquela localidade algumas áreas de capoeiras disponíveis, reservando-se os capoeirões mais altos à transformação direta em pastos. Betume e Ponta Mujina (Fig. XlI) são típicos povoados lineares sôbre os "combros". Retiro (Foto 28) apresenta-se desdobrado em dois núcleos um de forma compacta e outro linear. Neste último percebe-se que sua forma é devida à influência da estrada Penedo-Piaçabuçu, ao longo da qual êle se estende como uma rua. Além dêstes povoados as sedes de fazendas constituem, de certo modo, outra expressão de núcleos de povoação, pois, com freqüência, junta-se à "casa da fazenda" um bom número de habitações de trabalhadores, assumindo também uma forma de concentração. (Foto 6). As casas de fazenda não têm estilo uniforme. As mais alntigas guardam aspectos tradicionais das primitivas fazendas de gado que povoaram a região. Trata-se, em geral, de uma casa ampla e baixa, de largos beirais ora recobrindo em alpendre a parte fronteira e também as laterais. Outras sedes tiveram sua construção modernizada revelando mau gôsto arquitetônico. Em ambos os casos há inclusão de elernen 03 de confôrto concordante com certa evolução da


Fig. XI


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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

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mentalidade dos fazendeiros, os quais em tudo se assimilam aos tipos citadinos. Enquanto ligado à posição próxima ao rio São Francisco, e ao trinômio básico do uso da terra (lavoura do arroz, de subsistência e pecuária) o "habitat" no Baixo São Francisco apresenta-se concentrado. Uma ligeira exceção no "habitat" ocorre já nos domínios do litoral, associado à paisagem dos coqueirais. Nos estabelecimentos de cultura do coco, onde há separações de propriedades com cêrcas de arame, existe a casa do administrador. Assim, nas áreas de coqueirais, em meio a estabelecimentos' de tamanho variado (embora as propriedades sejam médias e grandes) existem habitações dispersas. O fato é tanto mais notado por destoar da habitual concentração observada no Baixo São Francisco. Não temos receio de que um aprofundamento da análise do "habitat" feito em estudo sistemático, contrarie esta característica geral por nós conferida à área em estudo. E' possível que, à medida que nos afastemos do vale ocorram outros tipos. No lado sergipano os povoados de Bananeiras e Papel, ainda no domínio das vertentes das várzeas, foram nossas incursões mais afastadas do rio. Ambos são minúsculos povoados nos quais observa-se uma natural diminuição da atividade dos seus habitantes na lavoura do arroz. No primeiro, ao lado de roçados de produtos de subsistência destaca-se o cultivo da banana bem expresso no topônimo; no segundo, nota-se que a pecuária já reduziu de muito a agricultura de subsistência. No lado alagoano, nosso maior afastamento foi até Igreja Nova: aí a continuidade da paisagem é assegurada, até seis léguas do rio principal, através da várzea do Boacica, até que a perenidade da lagoa dos Currais faz parar a cultura do arroz. CARACTERES

GERAIS DA R1!:DE FUNDIÁRIA, REGIMES E RELAÇÕES DE PRODUÇÃO

DE TRABALHO

As características das habitações rurais e o primarismo dos povoados refletem o baixo nível de vida da população rural do Baixo São Francisco, mercê de uma grande desproporção entre o trabalho desenvolvido e o rendimento obtido.


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Quando se aborda o fato da divisão das terras constata-se a predominância dos grandes proprietários enquanto a grande massa de trabalhadores rurais não dispõe de terra própria. Carecendo a análise da rêde fundiária, em nosso trabalho, de dados mais concretos, uma vez que não dispomos de dados cadastrais, preferimos nos referir a "grandes proprietários". O sentido é o de posse de grandes áreas de terras, que não implicam em continuidade no espaço geográfico, uma vez que um grande proprietário pode dispor de vários "estabecimentos agrícolas" (fazendas) descontínuos. Segundo as informações colhidas o maior proprietário de terras no Baixo São Francisco detém cêrca de 40.000 tarefas das quais 3.000 só em várzeas arrozeiras. As várzeas, cuja importância avulta pelo fato da maioria da população rural estar ligada à cultura do arroz, com muita freqüência têm suas terras divididas entre proprietários cuja área oscila entre 800 a 1.000 tarefas. Em têrmos de várzea e cultura do arroz, esta posse representa, sem dúvida, um latifúndio (22). As pequenas propriedades, e mesmo médias, são muito pouco observadas. Não há uma relação entre a extensão da várzea e a sua divisão fundiária. Uma grande ou pequena várzea pode pertencer a um único proprietário como pode estar dividida. A grande várzea de Itiúba, por exemplo, tem sua melhor parte dividida entre apenas quatro proprietários (800 a 1000 tarefas cada) enquanto a periferia (cêrca de 25 % da várzea) é mais dividida. Das várzeas visitadas aquela que apresenta maior divisão é a do Gotinguiba (ou Peixe Gordo) e ainda assim, apenas 50% de sua área está em mãos de pequenos e médios proprietários. Aliás esta foi a única várzea em que se encontraram proprietários de algumas poucas tarefas (2 a 5). Mesmo assim, na base dos depoimentos locais, vem se verificando uma tendência à concentração de terras em seguida ao surto arrozeiro dos últimos anos. Em Betume, nos domínios da planície litorânea, (22)

-

Fazemos questão de deixar bem claro êsse conceito, o qual, além de ser considerado especificamente na área em estudo, assume variações de acõrdo com a unidade morfológica em que se encontra e sobretudo com o tipo de uso da terra. Assim, por exemplo, o que é "grande propriedade" para a cultura do arroz no domínio das várzeas não ~ absolutamente válido para a pecuária extensiva, nos domínios das vertentes e tabuleiros.


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a concentração de terras em favor de um proprietário atinge a culminância. Ali as terras pertencem a um proprietário cujas terras, abrangendo as diferentes unidades, expressam-se em seis grandes "estabelecimentos" (23). A grande massa de trabalhadores rurais tem o seu sustento condicionado a regimes de trabalho variados, os quais cumpre analisar. Devido à maior importância da cultura do arroz, flue implica em emprêgo de maior mão-de-obra, analisaremos os sistemas nela empregados e as relações de produção ora vigentes. Somente nas raras pequenas propriedades de algumas tarefas é que o possuidor da terra realiza, pessoalmente, a exploração, trabalhando com sua família. Na grande maioria dos casos vigora o regime da meação. Uma família de tamanho médio teria, a rigor, a possibilidade de trabalhar cinco tarefas de arroz. Devido à abundância de mão-de-obra disponível, a parcela concedida a cada meeiro é, em regra, muito menor. Na grande várzea de Propriá a média observada é de três a quatro tarefas; em Colégio, Itiúba, Morro Vermelho foram encontradas médias menores, isto é, duas tarefas apenas. No regime de meação adotado cabe ao proprietário preparar a sub-estrutura da produção, a saber: construir e conservar os diques de retenção de água; preparar por sua conta o terreno do plantio (limpeza, aração e gradeação); 'encarregar-se da sementeira ou viveiro de mudas, fornecendo, na ocasião do transplante, os ''bodes'' ou "calungas" aos meeiros. Todos êsses trabalhos preliminares são prestados pelos trabalhadores na qualidade de diaristas, recebendo em tôrno de Cr$ 150,00, diária esta que excepcionalmente, quando há grande aperto de serviço, pode ir até Cr$ 300,00. Às vêzes o serviço é realizado por tarefa, quando o trabalhador pode apurar importâncias maiores. Este trabalho assalariado é, em boa parte, fornecido aos grandes proprietários por moradores sujeitos à "condição". Isto significa que o morador é obri(23) -

Fazendas Betume, Tapera, Tiririca, Flor do Cêrca de dois terços das terras do município tencem a êste proprietário.

Brejo, Porteiras e Belição. sergipano de Neópolis per-


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gado a fornecer ao proprietário dois a três dias de trabalho por semana, embora remunerados, em troca do direito de ocupar parcela do grande domínio. A partir do transplante das mudas para o arrozal começa o trabalho do meeiro com sua família. Durante o plantio trabalham mulheres e crianças até que na colheita voltam a intervir os homens. Eventualmente um meeiro que obteve um número maior de tarefas emprega diaristas e mesmo, excepcionalmnte, subempreita a meação dando a meia de sua parte. No decorrer do plantio o meeiro vai sendo financiado pelo proprietário com adiantamentos, que são efetuados na base do trabalho realizado. Como se viu anteriormente a produção do arroz por unidade de área é muito variável. No fim da colheita o meeiro pode ter, se tudo correr bem, u'a média de cinco a seis alqueires (alagoanes) por tarefa. Teõricamente a produção deve ser dividida em duas partes iguais. A situação de fato é bem diferente. O desconto do débito assumido pelo meeiro com o proprietário, através dos adiantamentos, é realizado em arroz que, para êsse fim, é avaliado em preço de 20 a 30% a menos que o valor do mercado. Sôbre o débito assumido é, muitas vêzes, acrescido "prêmio" extorsivo (24). Além disto o meeiro é obrigado a vender ao proprietário o seu próprio quinhão de arroz e isto sempre na base inferior ao preço do mercado. Apesar de perfeitamente conscientes do esbulho de que são vítimas os trabalhadores rurais vêm-se obrigados a sujeitar-se a êle a fim de obter novos contratos de meação . Se, por exemplo, o meeiro recusar-se a vender ao proprietário o arroz que lhe coube, perderá qualquer possibilidade de novos contratos nos anos subse(24) -

"Prêmio" é a expressão arcaica equivalente a juro. Entre outros casos de cobrança de prêmio alto, registrou-se o caso de um meeiro Que tendo assumido um débito com adiantamentos, de Cr$ 3.750,00 pagou por êsse débito a quantia de Cr$ 5.000,00 o que representa um acréscimo de 33,3% sôbre o principal. Tanto mais estranha a situação se considerarmos que o proprietário é financiado pelo Banco do Brasil na base de 6% ao ano.


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qüentes. Será considerado mau elemento e nenhum proprietário o quererá empregar. Só lhe resta emigrar. No que concerne à agricultura de subsistência o regime empregado é o arrendamento. As terras mais fracas são arrendadas na base de Cr$ 1.000,00 por tarefa e aquelas melhores a Cr$ 1.500,00. Mas estas são atualmente bastante limitadas. O interêsse pela transformação das mesmas em pastos é atualmente tão grande que alguns proprietários cedem de graça algumas tarefas com a condição de lhe serem devolvidas, após a colheita, plantadas de capim "sempre verde" ou "angolão". No domínio das terras altas e tabuleiros, atualmente ocupados pela pecuária extensiva, o caráter latifundiário é ainda mais acentuado. Na pecuária os trabalhadores nela implicados, na quase totalidade dos casos, O fazem em regimes de assalariado. Os proprietários pagam aos vaqueiros um salário cuja média é de Cr$ 2.500,00 por semana. A tendência atual é para a generalização dêste sistema, pois mesmo no caso da cria, o antigo sistema de sorte (1 bezerro em 4) vem sendo abolido. Vemos assim que a atividade arrozeira, que representa a base do sustento da maioria dos trabalhadores rurais do Baixo São Francisco, lhes oferece um rendimento muito baixo. A dificuldde crescente de obtenção de terras para lavoura de subsistência implica, como já foi mencionado, em um abaixamento no seu salário real. A pecuária, no molde extensivo em que é praticada, não necessita de mão-de-obra abundante. Existe assim uma condição geral de sub-emprêgo, contra a qual procura o trabalhador complementar por diversos meios igualmente pouco rendosos. Muitas vêzes é tentada, de permeio com os roçados de subsistência, a cultura do algodão. Faz-se assim necessário arrendar, nas terras altas, as já escassas tarefas para estabelecer uma roça daquele produto comercial (25). O rendimento da cultura do algodão nas "terras altas" é de cêrca de dez arrôbas (ou 150 kg.) por tarefa, o que representa ao preço dêste ano Cr$ 6.000,00. Quando plantado na várzea o rendimento médio é bem maior, su(25) -

A base do arrendamento para a lavoura do algodão é a mesma da agricultura de subsistência, isto é, Cr$ 1.000,00 por tarefa ou gratuita à condição de devolver em forma de pasto ,


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bindo entre 20 a 30 arrôbas por tarefa, mas neste caso é feito na entre-safra do arroz, por iniciativa do proprietário, recebendo o trabalhador a terça da produção. A pesca do rio principal e nas lagoas é outra forma de complementação. No segundo caso temos uma atividade reservada ao proprietário das terras e aos trabalhadores nelas radicados . E' comum que o proprietário permita aos seus trabalhadores a prática da pesca nos afluentes e canais, no decorrer do ano, colhendo-se em geral peixe miúdo e camarões. Aliás peixe e camarão sêco com farinha de man~ioca é a base mesma da alimentação dos trabalhadores. Os proprietários conservam os caldeirões das várzeas como viveiros de peixes e na ocasião em que a lagoa está para "fechar" promovem êles uma grande pescaria. Nesta obtêm peixe graúdo e apuram, em alguns casos, milhares de cruzeiros. São relativamente poucos os habitantes que se dedicam exclusivamente à pesca no grande rio, a qual mantém assim o caráter predominante de subsistência. Embora existam ao longo do São Francisco algumas colônias de pesca, como por exemplo em Penedo (Z12) e Piaçabuçu (Z-2I) , a pesca comercial é muito reduzida. A colônia de Piaçabuçu conta apenas com trinta associados. Quando se considera a mobilização de capital requerida para a aquisição de implementos pesqueiros compreende-se fàcilmente, por que apenas muito poucos a ela se dedicam (26). A cultura do côco no litoral, pela sua qualidade de cultura permanente, oferece regimes de trabalho variados e a número reduzido de trabalhadores. Durante os períodos de colheita é mobilizado um número considerável de trabalhadores sob o regime assalariado, variando os salários segundo a tarefa executada. Um "subidor" ganha na base de Cr$ 5,00 a 8,00 por coqueiro; um "apanhador" recebe diária na base de Cr$ 200,00; e finalmente o "descascador" aufere Cr$ 600,00 por milheiro descascado. Como elemento permanente os coqueirais mantêm uma espécie de encarregado, em geral um "afilhado" ou protegido do proprietá(26) -

Basta lembrar que uma canoa de jaqueira ou vinhático orça em tôrno de Cr$ 30.000,00 e que para o fabrico de uma rêde ("caceia") são necessários só de fios entre Cr$ 15.000,00 (de tucum) e Cr$ 17500.00 (de nylon) .


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rio, que ali reside com sua família. De certo modo é um diarista uma vez que, por dia de trabalho efetivo, aplicado na limpa, queima, conserto de cêrcas, etc. recebe por volta de Cr$ 200,00. Além disto encarrega-se de juntar os frutos caídos durante os períodos compreendidos entre as colheitas, recebendo a meia desta parte da produção. E', sem dúvida, uma condição algo melhor do que aquela de um trabalhador dos arrozais, mas aplicada a uma minoria insignificante no conjunto da área do Baixo São Francisco.


IV CARACTERES GERAIS DA RÊDE URBANA A HIERARQUIZAÇÃO

DAS CIDADES

E A FUNÇÃO

COMERCIAL

As terras do Baixo São Francisco compreendidas no trecho estudado pertencem, administrativamente, a nove municípios. A margem sergipana sucedem-se àqueles de Cedro de São João, Propriá, Neópolis, Ilha das Flôres e Brejo Grande, enquanto à margem ala.goana, seguem-se em igual sentido Pôrto Real do Colégio, Igreja Nova, Penedo e Piaçabuçu (Fig. I). As cidades, sedes destas unidades administrativas, com exceção de Cedro de São João e Igreja Nova, situadas na base das vertentes, localizam-se às margens do São Francisco, o que reflete, bem, a importância daquela via fluvial no povoamento Tanto pela concentração populacional (Quadro abaixo) e especialmente quanto às suas funções, apenas Penedo, Propriá, Neópolis e Piaçabuçu podem ser considerados, a rigor, centros urbanos. As demais gozam dos foros de cidades apenas do ponto de vista administrativo uma vez que no quadro geral da povoação consDADOS DE POPULAÇÃO DOS MUNICÍPIOS DO BAIXO SÃO FRANCISCO NO TRECHO ESTUDADO, SEGUNDO OS RESULTADOS PRELIMINARES DO CENSO DE 1960 MUNICÍPIOS

POPULAÇÃO TOTAL

URBANA

RURAL

15.526 18.813 25.379 9.677

3.656 3.184 17.084 4.864

11.870 15.629 8.295 4.813

7.674 20.716 15.693 5.630 8.085

5.306 15.947 7.356 2.556 2.014

2.368 4.769 8.337 3.074 6.071

Alagoas:

Pôrto Real -ío Colégio Igreja Nova Penedo Piaçabuçu Sergipe: Cedro de São João Propriá Neópolis Ilha das Flôres Brejo Grande


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tituem-se como grandes povoados rurais, destacando-se apenas daqueles núcleos mais elementares. Do mesmo modo que êstes representam o papel de residência de trabalhadores rurais, em aglomerações bem maiores, a função comercial elementar. isto é, de abastecimento da população em gêneros de primeira necessidade apresenta uma ampliação proporcional ao número de habitantes; as indústrias de beneficiamento de produtos agrícolas se vêm limitadas em virtude da concorrência dos centros urbanos maiores, que lideram o comércio daqueles produtos; apenas a função administrativa, em suma, destaca-se como função inexistente nos povoados elementares. Igreja Nova, por exemplo, situada sôbre colinas à margem da várzea do Boacica, é um grande povoado cujos habitantes trabalham, em sua maioria, nos arrozais das várzeas. Apenas uma pequena área do seu centro possui ruas calçadas, apresentando ali casas de alvenaria de melhor aspecto. A maior parte constitui-se de uma aglomeração de forma compacta de casas de barro socado, cobertas de telhas, na maior parte. A atividade comercial é muito reduzida, e existem apenas duas máquinas de beneficiamento de arroz, já que duas outras estão paralisadas, em virtude da concorrência dos maquinistas de Penedo. Cedro de São João, no lado sergipano, apresenta caracteres muit? próximos a est~ "cidade" alagoana, '~~~do a s~ rnelhança do SItiO. ilha: das Flores (Foto 33) e BreJO ,\vande, a. margem sergipana do São Francisco, são também povoados rurais, tendo como sítios os 'combros" e como atividade da população a'Cul-tura do arroz. A cidade de Penedo, mereceu um estudo especial e minucioso realizado por um dos quatro grupos de pesquisa, o qual foi orientado pela geógrafa Lysia Maria Cavalcanti Bernardes. Na exposição oral e preliminar do relatório daquela equipe, com o brilhantismo que lhe é peculiar, aquela ilustre geógrafa, fêz u'a magnífica caracterização dos problemas urbanos de Penedo. Pela sua posição próxima, e sobretudo pelas relações mútuas devidas em grande parte à indústria textil, a cidade sergipana de Neópolis também mereceu a atenção daquela equipe. Em nosso estudo linear não seria possível realizar tarefa semelhante em relação aos outros centros urbanos do trecho percorrido, motivo pelo qual atemo-nos aos seus caracteres básicos.


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A jusante de Penedo, destaca-se a cidade alagoana de Piaçabuçu, que desempenha, entre outras funções elementares, aquela de centrodo comércio do côco. Suas origens, remontam ao século XVII, evoluindo em tômo de um pequeno povoado do qual um patrimônio religioso (27) viria ampliar. Tem como sítio uma faixa de cordões arenosos, ladeada por duas pequenas várzeas, ao longo da qual se desenvolve a cidade, perpendicularmente ao rio São Francisco (Foto 34). Além da função comercial de abastecimento das populações vizinhas e de função educacional e sanitária bem incipiente destaca-se realmente como centro do comércio do côco. Enquanto as máquinas de beneficiamento do arroz se resumem a três, a cidade conta com sete armazéns de côco. Êstes adquirem a produção da zona e encarregam-se de sua exportação. Além dos mercados regionais, interior de Alagoas, Sergipe e o sertão de Pemambuco, o principal destino da produção é a Guanabara. O escoamento é feito principalmente por caminhões, uma vez que a morosidade do serviço ferroviário e a inexistência quase completa de transporte marítimo assim o determinam (28). Além dos armazéns há uma indústria de transformação daquele produto. Sua origem é relativamente recente (1952) e surgiu da necessidade de aproveitamento do excedente da produção que, muitas vêzes, era atirada ao rio. Trata-se de um estabelecimento que além de farinha obtém óleo, bôrra, copra e casquinha utilizando a própria casca como combustível. Não resta dúvida de que se trata de uma iniciativa de grande importância para a economia local (29) uma vez que os frutos destinados à exportação são apenas os de primeira qualidade, isto é, os maiores e mais pesados. A fábrica aproveita apenas os frutos de segunda (tamanho menor) e terceira (estragados) qua(27)

-

(28)

-

(29) -

Piaçabuçu tem sua origem ligada a um patrimônio religioso, o de São Francisco de Borja, por doação de uma gleba pelo Capitão Antônio Castelo Branco (1772) ao santo de sua devoção. Foi erigida a vila em 1882 e a cidade em 1939. A qualidade de produto perecível daquele fruto faz com que se utilize o transporte rodoviário, embora o frete por caminhão seja o mais caro. No ano corrente o preço cobrado oscilava entre Cr$ 8,00 e 9,50 o Kg. Um caminhão carregado perfaz cêrca de 10 toneladas. Poder-se-á aquilatar sua importância pela comparação dos dados do valor da produção em 1957 e 1962:


Foto

Foto

31 -

30 -

Propriá:

Vista

do pôrto. Foto: Caio Prado

Júnior.

Beira-rio em Propriá, vendo-se máquinas de beneficiamento arroz, tendo à frente montes de cascas jogadas ao rio. Foto: Dora Romariz.

de


Foto 32 Vista parcial da cidade de Penedo com um trecho de seu pôrto à direita. Na outra margem do rio vêem-se: à esquerda, a cidade de Neópolis e, à direita, a fábrica de tecidos. Foto: Dora Romariz

Foto

33 -

Ilha

das Flôres.

Pequena

cidade à margem sergipana. Foto: Caio Prado j únior


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Iidade . Do ponto de vista da mão-de-obra, em virtude mesmo do seu caráter ainda rudimentar, ela mobiliza apenas cêrca de uma dúzia de operários. A montante de Penedo, a cidade sergipana, de Propriá, favorecida pelo sistema ferroviário, é um centro urbano de destaque. Possui com aquela principal cidade alagoana, uma semelhança de sítio urbano, que se reflete em sua morfologia. Como Penedo, está situada num ponto em que o rio se estreita; tem como elemento básico do sítio um alinhamento estrutural do embasamento pré-cambriano, enquanto Penedo se desenvolve sôbre um esporão esculpido em rocha calcárea do capeamento cretáceo. Propriá é dos mais antigos núcleos de' povoamento do baixo curso do São Francisco (1558). O núcleo inicial - o Encapelado de Santo Antônio do Urubu de Baixo - erigia-se no topo daquela colina, descendo posteriormente à beira do rio sôbre uma colina menor, onde se ehcontra a atual igreja matriz, prolongando-se pelo "combro" à beira, do rio. O crescimento posterior da cidade exigiu o atêrro da pequena lagoa de João Bahia (1919), e atualmente, expande-se pela vertente ocidental do espigão. Apresenta um traçado irregular e em sua morfologia é sensível à influência da topografia do sítio. Na sua periferia, têm 'grande desenvolvimento as habitações pobres de trabalhadores de arroz da grande várzea. Segundo informações colhidas, a maior parte da população atual é constituída de elementos de fora (cêrca de 80%). As funções atuais da cidade explicam em parte esta atração exercida sôbre o excedente da mão-de-obra rural. Propriá é um centro comercial importante no Baixo São Francisco. Além de pôrto fluvial, é favorecida pelas linhas férreas que atingem o vale. Desde 1915 que os trilhos da atual Rêde de Viação

PRODUTOS Oleo Farinha Bôrra Copra e casquinha

UNIDADE

Valor da Produção 1957

Tambor Caixa Tambor Saco

30 kg.

5.000,00 861,00 575,00 26,00

(Cr$) 1962 16.000,00 3.300,00 3.000,00 3.100.00


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BRASILEIROS

Leste Brasileiro chegaram àquela cidade. No final da década de quarenta atingia a fronteira cidade de Pôrto Real do Colégio a Rêde Ferroviária do Nordeste. Antes do advento da estrada de ferro, Propriá era. um pôrto fluvial sem importância, enquanto Penedo liderava a navegação e o comércio no Baixo São Francisco. Sua função comercial caracterizava-se como pequeno entreposto, entre os produtos do litoral e do sertão. Mesmo as ligações com a capital de Sergipe eram preferencialmente feitas pelo rio e pelo mar. Os produtos do sertão descidos através do rio e desembarcados naquele pôrto, na época da vasante do rio, seguiam em tropas de burros, via Maroim (12 léguas) e de lá em barcaças através do sistema fluvial do Ganhomoroba, pelo canal de Pamonga, até atingir o rio Sergipe. Pode-se considerar assim que o florescimento comercial de Propriá é posterior à ferrovia. Atualmente desempenha o papel de centro comercial que pode ser focalizado sob êstes principais aspectos. Além do abastecimento da zona rural que lhe é imediata, dispondo para isto de 232 estabelecimentos comerciais (incluindo bares), ampliou suas relações no intercâmbio com o sertão. Dentre os produtos que lhe são enviados destaca-se o sal, recebido notadamente de Mossoró. Desempenha o papel de distribuidor do gado oriundo do sertão, contando o seu pôrto com uma balsa para travessia dos rebanhos. Representa ainda o papel de centro financeiro da produção agrícola do vale: ao lado do Banco do Brasil (30) possui mais quatro estabelecimentos de crédito. Além disto é um dos centros do comércio do arroz, dividindo esta atividade com a cidade de Penedo. Esta atividade é desempenhada (30)

-

A título de informação e comparação com dados similares de Penedo, acrescentamos aqui os dados gentilmente fornecidos pela Carteira de Crédito do Banco do Brasil nos dois últimos semestres:

FI ANCIAMENTOS

li:M

3 !-12-61

(Cr$)

EM 30-6-62

(Cr$)

Aaricolas

117.000,00

218000,00

Pecuários

135.000,00

172.000,00

Indústria

do arroz

90.000,00

I

NIHIL


Foto 35 - Pitoresco aspecto de beira-rio, ao entardecer, em Piaçabuçu: de permeio às embarcações que chegam, lava-se roupa ou faz-se o aprovisionamento de água. Foto: Dora Romarí+.

uma várzea arroz eira .

Foto: Dora Romariz.

Foto 34 _ Vista panorâmica parcial de Piaçabuçu, colhida da tôrre da igreja. Note-se no último plano: o rio São Francisco, à direita; os coqueirais que se alongam perper.dicularme nte ao rio na faixa de cordões arenosos; c na extrema esquerda


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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

pelos maquinistas, isto é, os proprietários de máquinas de beneficiamento. Estes adquirem o produto dos lavradores que, em sua maioria, não se ocupam daquela atividade. Muitas vêzes o produto é apanhado nas próprias fazendas, em caminhões, mas a precariedade das estradas faz com que o transporte fluvial seja ainda O mais importante. As canoas de toldo (Foto 25) têm a capacidade para cêrca de 500 sacos de 60 kg. (31) e desempenham importante papel na coleta do produto aos centros comerciais. Propriá dispõe de doze máquinas de beneficiamento de arroz. Se considerarmos que Penedo tem igual número poderemos talvez admitir que o comércio e beneficiamento do arroz nas duas cidades têm importância equivalente. A maquinaria, anteriormente adquirida no estrangeiro vem sendo atualmente importada do parque nacipnal, principalmente de São Paulo (32). A produção rizícola do Baixo São Francisco está mais intimamente ligada aos mercados da Bahia e especialmente do Recife. Além do transporte rodoviário, o escoamento da produção pelas rodovias é grande. Propriá e Pôrto Real do Colégio recebem as cargas do produto e, pelas ferrovias, as expedem para a Bahia e para o Nordeste respectivamente. Nos mercados nordestinos, para além de Pemambuco a produção rizícola do Baixo São Francisco vai cedendo lugar à produção maranhense. As solicitações para o sul do país, assumem maiores proporções quando há falta de abastecimento das zonas produtoras do Brasil Meridional e Centro Oeste. Quando isto acontece, como ocorreu êste ano, o arroz do Baixo São Francisco, alcança muito bom preço. Além do beneficíamento do arroz, a atividade industrial de Propriá abrange outros setores de transformação de produtos vege-

{J (31)

-

(32)

-

Pode-se ter uma idéia do preço do frete, segundo a distância, pelos seguintes dados colhidos em Piaçabuçu: - Dali para Penedo - Cr$ 20,00; para Propriá - Cr$ 25,00 a Cr$ 30,00, Um alqueire (240 kg.) de arroz em casca, após o beneficiamento, dá u'a média de dez arrôbas (150 kg) de 'arroz limpo. Para cada centena de sacos obtêm-se três a quatro sacos de quirera (xerém); obtendo-se, ainda, 600 a 700 kg. de farelo, isto é, mistura de casca e pó de arroz, o qual é vendido como forragem ao preço de Cr$ 15,00 o quilo.


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tais, pequenas manufaturas e uma fábrica de tecidos (33). Esta última mobiliza cêrca de quatrocentos operários. A função administrativa da cidade ultrapassa os foros do município uma vez que é sede de distrito da C. V. S. F. A R~DE URBANA E SEUS PROBLEMAS

Os problemas urbanos do Baixo São Francisco transcendem, de muito ao âmbito do nosso trabalho. Não só teríamos que fazer uma análise mais profunda das cidades, como também estender o raio de ação do estudo, subindo o vale pelo menos até Piranhas. Os conflitos de funções que se esboçam entre as cidades podem ser compreendidos, até certo ponto, pelo simples fato de pertencerem elas a unidades diferentes da Federação. Para a melhor compreensão dos problemas atuais de Penedo seria necessário uma definição precisa das funções de Propriá, o que demandaria um estudo urbano desta cidade, pelo menos equivalente ao daquela. Além disto a compreensão funcional de Propriá exige, por certo, uma visão ampla dos centros urbanos a montante (34). Apesar destas limitações depreende-se que os problemas urbanos mantêm uma íntima e lógica relação com a rêde de transportes, o que se reflete bem no caso de Penedo e Propriá. A navegação a vela no São Francisco, beneficiada pelo livre curso dos ventos litorâneos no seu baixo curso, continua a desempenhar o seu importante papel na vida econômica do vale. O sistema rodoviário mantém-se homogeneamente precário, pelo menos em todo o trecho por nós percorrido. Pode-se mesmo aquilatar o alcance desta afirmativa através do nosso itinerário (Fig. I): êle representa aquilo que é possível realizar na época das chuvas. Apesar de tôdas as suas deficiências, as ferrovias, atingindo o vale na altura de Propriá-Colégio, respondem pelo inegável surto de desenvolvimento (33) -

(34) -

2 fábricas de óleos (caroço de algodão e mamona), 2 de farinha de milho, 2 serrarias, 1 fábrica de sabão e 1 de colchões. O Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Fiação e Tecelagem de Propriá conta com 287 associados. A propósito: um estudo de rêde urbana, nos moldes daqueles que o Conselho Nacional de Geografia vem realizando atualmente no Sudeste Brasileiro, seria de grande proveito aos planejamentos futuros no Baixo São Francisco.


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ASSOCIAÇÃO

DOS

GEÓGRAFOS

BRASILEIROS

..que vem tendo aquela cidade sergipana. A decadência, senão a quase extinção, da navegação marítima que subia o São Francisco até o Pôrto de Penedo, explica, em boa parte, a atual decadência do mesmo. A futura construção da ponte! sôbre o São Francisco em Propriá, irá estabelecer não só a ligação do eixo ferroviário como também o rodoviário, uma vez que o traçado da BR 11 incide naquele mesmo ponto (35). Por outro lado, tôdas as cidades, ressentem-se dos problemas da vida rural, uma vez que abrigam em sua estrutura urbana significativas parcelas de trabalhadores dos campos, ligados à vida agrícola, em nível de vida dos mais baixos. As atividades urbanas, não estando em condições de aproveitar-lhes o trabalho, fazem com que aqueles se mantenham em posição de marginalidade, agravando os _problemas sociais das cidades.

,(35) -

Um fato que demonstra a importância atual de Propriá na ligação entre o Nordeste e o Sul do país é a exístência de um pôsto-hospedaria do I. N. I. C. em virtude do grande trânsito de emigrantes nordestinos por aquela cidade.


v CONCLUSÕES GERAIS E ALGUMAS SUGESTÕES Do nosso estudo, em que pesem suas limitações, podemos chegar fàcilmente a uma grande conclusão. O complexo geográfico do Baixo São Francisco oferece, pelo desdobramento e variedade do quadro natural, diferentes possibilidades de afirmação dos seus habitantes. Às solicitações do meio o homem tem respondido, eloqüentemente, com o seu trabalho, o qual, apesar de baseado em processos empíricos e não excluindo alguns erros, apresenta-se entrosado àquelas possibilidades. Sem dúvida os problemas geográficos que se nos apresentam na área, incluem a necessidade de aprimoramento técnico no uso da terra" mas sua maior parcela, e exatamente nos aspectos mais graves, não repousa em têrmos de relação do homem com o meio natural. São problemas que assentam suas bases no próprio homem, mercê de poderosos fatôres da organização social, os quais se refletem sensívelmente na estrutura econômica. E' inegável, e de justiça, constatar que a Comissão do Vale do São Francisco tem introduzido melhoramentos substanciais. Bastaria citar, em favor desta afirmativa, as obras de dragagem de rios e canais das várzeas, construção de portas d'água, aluguel de maquinária agrícola, assistência agronômica, construção de cais nas cidades (o de Propriá, por exemplo), etc. Todos êles, como vemos, atinentes à melhor adaptação do homem ao meio natural. Õbviamente lhe tem escapado aqueles de âmbito da estrutura social. Como geógrafos, sabemos bem dos entraves à ação dos órgãos de planejamento em nosso país, a cujo trabalho muitas vêzes, ou quase sempre, se elevam injunções político-administrativas mais poderosas (36). (36) -

As obras de planejamento regional entre nós, por melhor estruturadas e bem intencionadas que sejam, tem tido sua execução determinada realmente pelo poder legislativo, quando da votação da lei orçamentária, na qual se envolvem aspectos políticos partidários e da administração dos diferentes Estados.


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ASSOCIAÇÃO DOS GEÓGRAFOS BRASILEIROS

No momento atual, em que novas perspectivas se abrem no campo dos planejamentos regionais, e que, especificamente no ordeste, está sendo focalizado sob o prisma de desenvolvimento econômico (SUDENE) parece-nos, de bom alvitre, apresentar aqui algumas sugestões. Baseados no próprio contexto metodológico e espírito filosófico da ciência geográfica, e compreendendo perfeitamente os limites entre o ato político de delinear as normas gerais de orientação e o de execução, que cabe aos órgãos técnico-administrativos, encarregados de ampliar e executar aquelas normas, colocamo-nos na posição de sugerir. Tanto mais que, no seu escopo, estas sugestões não se comprometem com vagas e remotas reformas ou revisões agrárias, mas tão sõmente a medidas de urgência, visando soerguer os níveis de vida da grande massa de trabalhadores rurais e evitar uma séria crise social. Parece-nos suficientemente claro que a simples introdução de melhoramentos técnicos no uso da terra será inóqua se não Iôr modificada a estrutura social vigente. Bstes melhoramentos, até agora, só tem trazido reais e diretos benefícios aos grandes proprietários de terras. A progressão dêstes, na lavoura do arroz, por exemplo, capacitando-a a u'a mecanização mais intensa, acarretaria a liberação de mão-de-obra, e agravaria a miséria dos trabalhadores pelo desemprêgo. Por outro lado, a retração da mesma implicaria em igual conseqüência. A) - Considerando que a lavoura do arroz, tão bem identificada com as várzeas, representa o papel de maior mobilizadora de mão-de-obra rural, seria portanto recomendável que se a ampliasse: Existindo ainda em disponibilidade amplas várzeas não cultivadas, (notadamente as do Marituba, Curral do Meio, a próxima à Igreja Nova e outras); e que estas, em virtude da falta de adaptação técnica àquela lavoura, ainda não foram açambarcadas pelos latifúndios, poder-se-ia adaptá-Ias àquele mister e desapropriando-as, transformá-Ias em lotes, num plano geral de colonização. 1.0) -

2.°) - As próprias várzeas já cultivadas, ampliadas por processos aperfeiçoados de irrigação, e subordinada ao plano geral de colonização anterior, poderiam contribuir ao desafogo da mão-deobra.


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Poder-se-ia, ao lado dos proprietários atuais, fazer surgir pequenos proprietários, contribuindo assim para a valorização do homem rural, enjeitado das leis trabalhistas. B) - Por outro lado, as obras de revalorização e assistência agronômica deveriam ser estendidas ao domínio das vertentes e dos tabuleiros, procurando dar-lhes um aproveitamento mais racional e visando encontrar uma situação de equilíbrio entre a pecuária e a agricultura, melhorando-lhes os sistemas atuais. Trata-se da tarefa mais difícil que a anterior mas não impossível. O brilhante exemplo da Colônia Pindorama (37), mostrou ser possível o estabelecimento de colônias agrícolas em terras de "chãs" e tabuleiros e comprovou que os nossos caboclos, quando orientados tecnicamente e organizados em cooperativas, podem ascender econômica e socialmente, dedicando-se a culturas comerciais em moldes intensivos. C) - Além disto, dentro das possibilidades do meio e da disponibilidade de mão-de-obra existente, com o desenvolvimento da energia e dos transportes, poder-se-ia pensar também em fomentar indústrias ainda que rudimentares de início. Aquela que nos parece mais viável, quer pela abundância de matéria prima, quer pelo seu aproveitamento na própria região, seria a do pescado. A pesca no rio e nas lagoas poderia deixar o seu aspecto puramente de subsistência e ampliar-se comercialmente. Sabe-se que atualmente o próprio comércio do peixe fresco no vale é prejudicado pela dificuldade de gêlo para o seu transporte às cidades maiores. O peixe miúdo, que é salgado e vendido no sertão também se vê em dificuldades pelo próprio comércio do sal no vale. A êste propósito seria de grande alcance uma melhor atenção à área salineira do riacho das Cacimbas. O sal ali obtido, em condições muito rudimentares sobe o vale em canoas, sendo colocado nos portos a preço superior àquele dos parques salineiros do Rio Grande do Norte (38). (37) -

Um grupo de membros de nossa equipe teve a oportunidade, após a conclusão do trabalho de campo na área em estudo, de visitar aquela colônia agrícola alagoana, ficando bem impressionada com os resultados ali obtidos. (38) -< Em inquéritos com pescadores em fazendas e colônias de pesca, tivemos referência de um fato bastante expressivo. O sal utilizado na salga do peixe destinado ao sertão era adquirido no ano passado de partidas provenientes de Mossoró que ali chegavam ao preço de Cr$ 350,00 o saco de 60 kg. (sal moído). TO ano corrente, após a inundação das salinas do parque potiguar, foram os pescadores forçados a adquirir o sal grosso


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BRASILEIROS

Estas sugestões são condizentes com o tipo de trabalho que realizamos, isto é, de um simples reconhecimento geográfico. Estudos mais profundos, evidentemente, poderiam dar lugar a várias outras sugestões à consideração dos administradores. A situação atual no Baixo São Francisco é de causar apreensões. A triste situação dos trabalhadores rurais, que transcende ao domínio dos campos e se projeta sensivelmente na vida das cidades, é fruto da usura e do açambarcamento das terras pelos latifundiários: a falta de terras para lavouras de subsistência vem se agravando sobremodo. Enfim, a abundante oferta de mão-de-obra, nos padrões vigentes, é colocada em condição de sub-emprêgo e em nível de vida sub-humana. Faz-se mister que os órgãos competentes lancem mão de medidas urgentes a fim de preservar a paz social. Reconhecemos que, infelizmente, o caso do Baixo São Francisco não é o único. Em nossos encontros anuais pelas diferentes regiões brasileiras, nós os geógrafos da A. G. R., temos encontrado, muitas vêzes, desajustamentos sérios os quais, mesmo predominando no Nordeste, são superados pelo que ora focalizamos. Como geógrafos procuramos servir a nossa Pátria fazendo uso da nossa ciência, visando tão somente a verdade, único objetivo compatível com o espírito científico. Como sêres humanos sentimo-nos tristes de defrontarmo-nos com realidades às vêzes bem duras de suportar, mas com esperança e otimismo em que os poderes públicos procurem solucionar os problemas de nossa Pátria dentro de um clima de paz e ordem social. Após a memorável Assembléia de Penedo, como acontece ao fim de cada reunião anual da A. G. B., saímos de lá sentindo-nos cada vez mais brasileiros e cônscios dos nossos problemas. Unindo nossas Iôrças no ideal supremo do bem-estar da coletividade brasileira, deveríamos nós técnicos, os planejadores e políticos, procurar realmente dar uma solução aos problemas atuais do Baixo São Francisco, a fim de que o nosso decantado rio da "unidade" não se destacasse tanto dentro do quadro, infelizmente grande, da "miséria" nacional. das Cacimbas ao preço de Cr$ 380,00. Segundo informações de um salineiro das Cacimbas residente em Piaçabuçu, as salinas daquela área sergipana, pelo fato de não ser devolvida a "água-mãe", os cristalizadores são interrompidos no seu funcionamento, mesmo na época da safra, o que prejudica a produção.


ÍNDICE

I II -

APRESENTAÇÃO.............................................. O QUADRO NATURAL

9

E A OCUPAÇÃO HUMANA

As combinações dos fatos e sua hierarquização gráfico

14

no complexo geo14

A análise do complexo em suas unidades As várzeas e a cultura

do arroz

23 _. . . . . .

23

As vertentes das várzeas e o conflito pecuária X agricultura de subsistência e sua repercussão na cultura do arroz

31

Os tabuleiros e a pecuária

.

As feições litorâneas e a pluralidade de utilização III -

CONTRIBUIÇÕES

À ESTRUTURA

45

DOS FATOS AGRÁRIOS

..

Os sistemas agrícolas

50

A agricultura

de subsistência

60

A pecuária

61

A cultura

do côco

A implantação

humana

63

na paisagem rural

Caracteres gerais da rêde fundiária, de produção CARACTERES A hierarquização

V -

49 49

O arroz

IV -

40

GERAIS DA R~DE

regimes de trabalho

65 e relações 73

URBANA

das cidades e a função comercial

80 80

A rêde urbana e seus problemas

89

CONCLUSÕES

91

GERAIS E ALGUMAS SUGESTÕES


SUMÁRIO I

II

Apresentação. O quadro natural e a ocupação humana. As combinações dos fatos e sua hierarquização no complexo geográfico. A análise do complexo em suas unidades. As várzeas e a cultura do arroz. As vertentes das várzeas e o conflito pecuária X agricultura de subsistência e sua repercussão na cultura do arroz. Os tabuleiros e a pecuária. As feições litorâneas e a pluralidade de utilização

IIJ -

Contribuições à estruturação dos fatos agrários. Os sistemas agrícolas. O arroz. A agricultura de subsistência. A pecuária. A cultura do côco. A implantação humana na paisagem rural. Caracteres gerais da rêde fundiária, regimes de trabalho e relações de produção.

IV -

Caracteres gerais da rêde urbana. A hierarquização das cidades e a função comercial. A rêde urbana e seus problemas.

V -

Conclusões gerais e algumas sugestões.


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