III ENCONTRO LATINOAMERICANO CIÊNCIAS SOCIAIS E BARRAGENS III ENCUENTRO LATINOAMERICANO CIENCIAS SOCIALES Y REPRESAS 30 de novembro a 3 de dezembro de 2010, Belém, Pará , Brasil
Sessão Temática: Planejamento, processos decisórios e estruturas institucionais
Título do Trabalho: Conflitos de uso de água em torno da barragem de Mirorós no semi-árido baiano.
Maurício Gonçalves Lima – Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ Janaina Novaes Sobrinho – Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ Débora Ingrid Rocha – Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ Maurício Cardoso Nascimento - Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ Luiz Henrique Pinheiro - Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ
CONFLITOS DE USO DE ÁGUA EM TORNO DA BARRAGEM DE MIRORÓS NO SEMI-ÁRIDO BAIANO. LIMA, M. G¹., Sobrinho, J.N¹., ROCHA, D.I¹., NASCIMENTO, M.C.¹, PINHEIRO, L.H. (1) - Instituto de Gestão das Águas e Clima- INGÁ- Bahia - Brasil
Resumo A Barragem Manoel Novaes (Açude de Mirorós), construída no início dos anos 80, sob o leito do Rio Verde, povoado de Mirorós (Ibipeba), região semi-árida, no centro-norte do Estado da Bahia, teve sua finalidade inicial à instalação de perímetro irrigado, trazendo uma nova dinâmica econômica à região. No entanto, na década de 90, com início do uso da água para abastecimento humano em vários municípios vizinhos, diversos conflitos de uso de água surgiram, envolvendo os dois principais usos da água e os pequenos agricultores nas áreas de várzeas do rio. Nos últimos 12 anos, devido aos baixos níveis pluviométricos, houve uma constantemente diminuição do volume do reservatório, que atualmente se encontra em situação crítica, gerando insegurança quanto ao futuro do perímetro irrigado, da capacidade de atender o abastecimento público dos municípios e dos agricultores e pecuaristas que dependem diretamente da disponibilidade de água no rio Verde. Diante da gravidade da situação hídrica e dos conflitos estabelecidos, o Instituto de Gestão das Águas e Clima (INGÁ) da Bahia realizou em 2010 o cadastramento de usuários de recursos hídricos para que, a partir das informações coletadas em campo, pudessem contribuir na resolução dos conflitos, juntamente com o Comitê de Bacia Hidrográfica e a Agência Nacional de Águas (ANA). O cadastro de usuários de água é uma ferramenta bastante importante na gestão dos recursos hídricos, levantando informações fundamentais para tomada de decisão. Palavras-chave: Resolução de conflitos, recursos hídricos e semi-árido.
1. Introdução A Barragem Manoel Novaes (Açude de Mirorós), foi construída no início dos anos 80 sob o leito do Rio Verde, entre os municípios de Ibipeba e Gentio do Ouro, nas proximidades do povoado de Mirorós, região semi-árida, no centro-norte do Estado da Bahia. Sua finalidade inicial foi para a instalação do perímetro irrigado em Mirorós, trazendo uma nova dinâmica econômica à região, tendo como cultivo principal a banana. No entanto, com a implantação do sistema abastecimento de água para diversos municípios da região, muitos conflitos de uso de água vêm se arrastando há anos envolvendo os vários usuários da água da barragem e atingindo diretamente os pequenos agricultores das áreas de várzea do rio, a jusante da mesma. Diante do baixo volume hídrico do açude e conseqüentemente do rio a sua jusante, a comunidade de Mirorós, os irrigantes do perímetro e os 15 municípios que 2
são abastecidos pelo açude, têm vivenciado nos últimos tempos graves conflitos de uso da água. Há uma forte disputa entre estes, sendo que, a comunidade composta por 3.775 habitantes (IBGE, 2007), reivindica o direito a água, justificando que o volume liberado não tem permitido a manutenção da vazão constante no leito do rio, causando conflitos de uso de água entre eles e a conseqüente diminuição ou eliminação de áreas plantadas. O Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Mirorós – DIPIM reivindica o aumento de água para as suas áreas plantadas e a Embasa (Empresa Baiana de Abastecimento de Água e Saneamento) que busca assegurar o que é prioritário por lei: a água para abastecimento público para os municípios da região. (Lei 9.433/97 art. 1º inciso III). Essa disputa pela água tem chamado atenção dos órgãos gestores. A Agência Nacional de Águas – ANA é responsável pela gestão da água do açude, enquanto o Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ, responsável pela gestão das águas do rio a montante e a jusante do Açude. Além do Comitê da Bacia Hidrográfica do Verde-Jacaré, que é a primeira instância para solução dos conflitos de uso de água segundo a legislação das águas. A fim de conhecer as demandas, características e finalidades dos usos da água do rio pelos pequenos agricultores a jusante da barragem, considerando que são os mais frágeis nesta disputa, o INGÁ realizou cadastramento de usuários em junho de 2010, quando foi possível aprofundar no entendimento e busca de soluções para o conflito. Assim, o objetivo deste trabalho é fazer uma análise dos dados levantados pelo cadastramento dos usuários de água ao longo do rio Verde, e das intervenções realizadas por diferentes órgãos, principalmente dos órgãos gestores dos recursos hídricos, seja a nível federal através da ANA e a nível estadual através do INGÁ do estado da Bahia, além da participação do Comitê das bacias hidrográficas dos rios Verde e Jacaré, e toda a comunidade do distrito rural de Mirorós, na busca por soluções para os conflitos de uso.
2. Gestão das águas e conflitos de uso O modelo sistêmico de integração participativa é atualmente adotado para gestão das águas no país, que está associada à criação de uma estrutura sistêmica, na forma de matriz institucional de gerenciamento, responsável pela implementação de funções gerenciais específicas, apoiando-se numa estrutura com três principais 3
mecanismos: planejamento estratégico por bacia hidrográfica, a tomada de decisão por deliberação e negociação, e a adoção de instrumentos legais e financeiros (Christofidis, 2001). Esse modelo de gestão encontra-se contemplado da Lei 9.433 de 1997 que instituiu a Política Nacional de Recursos Hídricos, dando seqüência às orientações da Constituição Federal de 1988, reconhecendo as águas como bens da União, quando ultrapassam os limites dos Estados, e bens destes quando contidas dentro dos seus territórios incluindo também as águas subterrâneas. Porém, excluindo aquelas águas armazenadas decorrente de obras federais, a exemplo das barragens construídas pela União. Segundo Christofidis (2001), passou então a ocorrer o duplo domínio da água em bacias hidrográficas de rios de domínio federal, ocasionando a principal dificuldade para o sistema nacional de gerenciamento, que levaria a exigir ações coordenadas e harmônicas da União e das Unidades da Federação. O autor cita ainda que outro aspecto de importância foi a ressalva sobre o domínio das águas das Unidades da Federação, no caso das obras da União que não foi objeto de lei e constitui-se em importante ponto de discórdia para o gerenciamento de águas, em especial na região Nordeste, em decorrência da construção de barragens por entidades federais. A barragem de Mirorós exemplifica bem esta situação, que requer a intervenção dos órgãos gestores de recursos hídricos da união, a ANA (Agência Nacional de Águas) e estadual, o INGÁ (instituto de Gestão das Águas e Clima), a fim de superar as dificuldades na gestão das águas na região semi-árida. A Bahia foi um dos Estados da nação precursor na aprovação de lei das águas, tendo inicialmente desde 1995 sua primeira legislação, modificada em 2006 e novamente em 2009, com a atual Lei 11.612, que dispõe sobre a Política Estadual de Recursos Hídricos (PERH). A referida lei contém os fundamentos da Lei Nacional, mas também com importantes avanços inovadores, com destaque para integração com as políticas de meio ambiente e fortalecimento da gestão participativa, através de Sistema de Gerenciamento de Recursos Hídricos, constituído pelo órgão gestor, Conselho Estadual de Recursos Hídricos e Comitês e Agências de bacia hidrográfica (INGÁ, 2009). Os Comitês de bacia hidrográfica, compostos por representantes dos usuários de águas, poder público e sociedade civil têm papel fundamental na gestão das águas por materializar a gestão participativa na bacia e também, entre outras atribuições, ser a primeira instância de resolução de conflitos de uso de água. No 4
entanto nenhum instrumento legal regulamenta essa ação e, caso as disputas não sejam definitivamente resolvidas, os recursos seguem o procedimento normal, levando a causa a Justiça comum (Oliveira, 2004). Segundo Nardini (2005), podemos reconhecer ao menos três tipologias de conflitos: •
Entre objetivos: conservar um ecossistema fluvial em bom estado e satisfazer a demanda de irrigação são objetivos claramente em conflitos, porque o primeiro requer uma vazão suficiente no leito do rio, enquanto o segundo quer apropriar-se.
•
Entre detentores de interesse (stakeholder): pessoas, grupos ou organização que são motivadas por um interesse do tipo econômico ou não.
•
Entre grupos sociais: como exemplo, residente ou usuário de montante (relacionado a dado local de um rio) versus aquele de jusante; geração atual, verso aquela futura; uma nação versus outra.
O conflito ora estabelecido em Mirorós situa-se entre grupos sociais distintos e forças bastante diferenciadas, de natureza e soluções complexas. Porém, nas situações de conflitos, a prática do INGÁ, tem sido a de compreender a natureza e as características do conflito, através de cadastramento de usuários e análise dos resultados e resolução junto ao Comitê da bacia onde se situa a questão, buscando sempre uma ampla participação dos envolvidos no problema e atores sociais que podem auxiliar na resolução, orientados pela sustentabilidade ambiental e pela justiça social. Desta forma há um empenho para que o Comitê possa cumprir seu papel na solução de conflitos de uso de água. Nardini (2005) comenta que não existe um critério unânime e universal, compartilhado para confrontar os conflitos, também porque são focalizados sobre um sistema de juízo de valores intrinsecamente subjetivo e mutável no tempo. A via mais desejável em um contexto democrático, só pode ser aquela do diálogo e da negociação com a inevitável busca de um compromisso entre as partes. O INGÁ possui também, grandes responsabilidades na solução de conflitos, por ser o órgão gestor e regulador dos usos de água no estado. A solução dos conflitos via comitê de bacia, tem exigido esforços do órgão, a fim estabelecer de fato a gestão participativa das águas, baseado nos princípios da política de gestão das águas, compartilhando seu poder decisório em um colegiado com diferenças e interesses diversos.
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2.1 O Cadastro de Usuários de Recursos Hídricos O reconhecimento dos usos múltiplos como um dos princípios da gestão dos recursos hídricos tem a necessidade de se evitarem ou se eliminarem os conflitos pela água entre esses usos. Por isso mesmo, o conhecimento das principais características de cada um dos usos dos recursos hídricos passa a constituir condição essencial para a análise das alternativas de gerenciamento das vazões pleiteadas pelos vários usuários da água (Carrera-Fernandez & Garrido, 2002). A Lei 11.612/09, em seu artigo 52, inciso VII, confere ao INGÁ, a competência de elaborar e atualizar os cadastros estaduais de usuários de recursos hídricos, das organizações civis de recursos hídricos e das obras de infra-estrutura hídrica. O cadastro é uma ferramenta bastante útil por levantar informações precisas sobre as condições de usos da água, colhendo informações detalhadas diretamente com o usuário de água, sobre a quantidade, regime, finalidade, identificando conflitos e necessidades das comunidades, além de proporcionar a regularização dos usuários de água. Os níveis de preservação e degradação do manancial são também registrados através da observação direta dos técnicos, ampliando o conteúdo e importância das informações. As experiências e conhecimentos adquiridos podem ainda serem úteis para gestão das águas de outras localidade e bacias. As informações do cadastro são disponibilizadas para outros órgãos e entidades para usos nos mais variados fins. O sistema de informação de recursos hídricos, um dos vários instrumentos de gestão, tem no cadastramento de usuários uma importante ferramenta de levantamento de dados, que cada vez mais é utilizado em situações de conflitos. Seus dados são úteis para fundamentar decisões, fortalecendo a gestão participativa, desempenhada pelo comitê de bacia e baseada no dialogo com a sociedade, o que contribui também para o avanço institucional, historicamente atuando sob a égide do comando e controle, isto é, em normatizações e fiscalização.
3. O Conflito de água em Mirorós Os irrigantes do perímetro irrigado estão sob a supervisão da CODEVASF (Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco) através do DIPIM (Distrito de Irrigação do Perímetro Irrigado de Mirorós), cultivando uma área de 2.133ha com plantios de banana, além de pinha, goiaba e coco, num total de 120 pequenas e médias propriedades rurais. A população dos municípios atendidos com 6
abastecimento de água, conta com a EMBASA para defender seus interesses e a legislação que define o uso humano como prioritário (Lei 9.433/97). Enquanto que os agricultores das áreas de várzea, a jusante da barragem, têm sofrido ano a ano sem nenhuma representação que os apóie, forçando-os a abandonarem seus cultivos, pois a vazão liberada para o rio Verde, não permite mais sustentar uma agricultura permanente, como os mesmos realizavam anteriormente, ou ainda limitarem seus rebanhos. A barragem de Mirorós tem sua operação executada pela CODEVASF baseada em regras de operação e quantidade de água captada, definida e outorgada pela ANA. Tendo setor de irrigação, seu principal usuário, utilizando 2/3 da vazão disponível. Em meados da década de 90, orientada por decisões fundamentalmente populistas e por necessidade de garantir água de melhor qualidade aos municípios vizinhos que utilizavam água de poços artesianos, de baixa qualidade, que no semiárido em geral são alta de salinidade, iniciou-se a implantação de adução para 15 municípios da região com fins de abastecimento humano. A partir de então a barragem passou a atender essas demandas crescentes da agricultura irrigada e do abastecimento público, impondo uma pressão enorme sobre uma condição tão frágil de disponibilidade de água, em uma região com alto grau de secas e estiagens. Nos últimos 12 anos, devido aos baixos níveis pluviométricos, houve uma constantemente diminuição do volume do açude de Mirorós, que atualmente se encontra em situação crítica, gerando insegurança quanto ao futuro do perímetro irrigado, da capacidade de atender o abastecimento público dos municípios e dos agricultores e pecuaristas que dependem diretamente da disponibilidade de água no rio Verde a jusante da barragem. O reservatório que tem dentre seus objetivos a perenização do rio, não tem conseguido fazê-lo há anos, tendo agora a situação agravada com a proposta de diminuição da vazão liberada devido ao baixo nível do reservatório, o que trará certamente conseqüências maiores àqueles que dependem diretamente das águas liberadas pela barragem, no caso os pequenos agricultores. Diante da gravidade da situação hídrica da barragem e dos conflitos estabelecidos, a Agência Nacional de Águas (ANA), responsável legal pela gestão de águas reservadas por barragens federais, em acordo com o Instituto de Gestão das Águas e Clima – INGÁ, órgão gestor de recursos hídricos do estado da Bahia, decidiu-se pela realização do cadastro de usuários de recursos hídricos ao longo do 7
rio, após a barragem, para identificar pela primeira vez, as necessidades de água dos pequenos agricultores do rio Verde, e a partir das informações coletadas em campo, os conflitos de uso de água possam ser sanados de forma adequada. O cadastro de usuários de água é um método bastante importante na gestão dos recursos hídricos, levantando informações fundamentais para tomada de decisões e disponibilizando-as para toda sociedade através dos Sistemas de informações de recursos hídricos, um dos vários instrumentos da Política da Nacional dos Recursos Hídricos, estabelecidas pela Lei 9.433 de 1997.
4. Cadastramento de usuários no rio Verde a jusante da barragem de Mirorós 4.1 Período e localização da área O cadastramento foi executado no mês de Maio de 2010, no Rio Verde a jusante da barragem Manoel Novais, abrangendo os municípios de Ibipeba e Gentio do Ouro em um trecho de aproximadamente 24 km de rio.
Figura 01: Mapa de Localização da Barragem de Mirorós
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Sua bacia hidrográfica está situada entre os meridianos de 41°30’ e 42°30’ de longitude oeste e os paralelos 10°00’ e 12°00’ de latitude sul. Pertencente ao Território de Identidade de Irecê (divisão político-administrativa do estado da Bahia), na área de abrangência da bacia hidrográfica dos Rios Verde-Jacaré, Região de Planejamento e Gestão de Água (RPGA) na divisão hidrográfica da Bahia número XVIII, no centro-norte baiano. O clima semi-árido predomina em 83% da área, com chuvas anuais da ordem de 600 mm, no alto das bacias dos rios Verde e Jacaré, junto ao limite sudoeste, o clima varia para o tipo subúmido a seco, com chuvas anuais na faixa de 700 mm (INGÁ, 2010).
4.2 Metodologia de trabalho O trabalho foi conduzido por técnicos da Coordenação de Cadastro (COCAD) da Diretoria de Regulação (DIR) junto a técnicos da Unidade Regional Irecê do INGÁ. O cadastro de usuários de recursos hídricos foi realizado de forma censitária, onde foram realizadas visitas às propriedades rurais para identificação “in loco” dos usos, tipos de sistemas de irrigação, características da captação, cultura e áreas plantadas, proprietário, coordenadas geográficas através de GPS, entre outras informações presentes no formulário de cadastro. Também foram feitos registros fotográficos para ampliar o levantamento dos dados e realizar avaliações futuras.
Figura 02: Barragem Manoel Novais – Mirorós
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5. Resultados e Discussões 5.1 Identificação em campo No cadastramento, foram identificadas em campo 50 propriedades que utilizam as águas do rio Verde para diversas atividades, incluindo agrícolas e pecuárias, de pequeno e médio porte de exploração, incluindo ainda o uso doméstico e lazer. Os dados coletados demonstraram que os agricultores cadastrados que utilizam as águas do rio tiveram que abandonar suas áreas ou diminuí-las
consideravelmente.
Foram
observadas
ainda
que
as
técnicas
inadequadas de cultivo e manejo do solo da propriedade são bastante utilizadas, devido os mesmos não contar com nenhuma assistência técnica agrícola. O que agrava ainda mais os problemas de disponibilidade de água, de degradação ambiental e que acaba gerando maiores conflitos, até mesmo físicos, pela disputa por água, são as construções de pequenas barragens rudimentares, obstruindo o canal e desviando o leito do rio. No entanto, acordos formais de períodos de usos de água entre os mesmos foram verificados. A vazão liberada constantemente pela barragem, denominada de vazão remanescente do rio, forma uma lagoa ao pé da barragem, possuindo ai duas saídas, canal A e B, que vão margear ou atravessar várias propriedades, até se encontrarem formando um único canal fluvial a aproximadamente a 6 km da saída da lagoa. Pode-se constatar uma freqüente disputa que é feita pela água entre agricultores situados nas áreas dos dois canais na saída da lagoa. Em que agricultores do canal A, à esquerda, limitam a saída de água para o canal B, à direita, para favorecer suas áreas e vice-versa. Situação esta que pode ser geradora de sérios conflitos, como os mesmos anunciam. Contudo, a proposta de diminuição da vazão remanescente pela ANA, pode agravar esta situação. (Figura 02). As áreas próximas à barragem (aproximadamente 3 km) são caracterizadas por minifúndios, com pequenas áreas agrícolas e/ou pequeno plantel de animais, exclusivamente bovinos. Esses pequenos proprietários relataram que plantavam áreas bem maiores das que cultivam hoje ou abandonaram os plantios devido à diminuição da vazão em que o rio se encontra nos últimos anos. Foi constatado que muitos usuários utilizam método de irrigação inadequado, infiltração por sulcos, que geram grande desperdício em uma situação estabelecida de escassez de água.
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Figura 03: Limitação da saída de água no canal B
Figura 04: Aspecto do rio atravessando uma propriedade
A partir dos 3 km a jusante da barragem, as áreas são mais extensas, muitas abrangendo ambos os lados do rio, algumas com mais de 1.000 ha, onde predominam a exploração pecuária de bovinos e também de caprinos (Figuras 06 e 07), que tem o rio, basicamente como fonte de dessedentação dos animais. Outras criações foram observadas, mas de menor porte a exemplo de aves como patos e galinhas, além de suínos e eqüinos.
Figura 05: Criação de caprinos.
Figura 06: Criação de bovinos.
Estas áreas possuem ainda um bom nível de preservação da vegetação nativa e da mata ciliar (Figura 07). A fauna também é bastante diversa com a presença de várias espécies entre as quais: tartarugas, jacaré, galinha d'água, siris, cobras, pássaros, etc. (Figura 08). A biodiversidade encontrada na região é outra componente ameaçada com a diminuição da vazão de água no leito do rio.
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Figura 07: Exemplo de mata ciliar preservada.
Figura 08: Espécie de tartaruga de água doce.
A construção de vários pequenos barramentos, a fim de formar uma acumulação para captação ou elevação para retirada de água por bombeamento ou para simples inundação ou irrigação por sulco aumenta as perdas de águas pela evaporação e retém a água em épocas secas. A manutenção da vazão do rio, mesmo com a contribuição de pequenos afluentes próximos ao trecho trabalhado não possibilita a permanência de água corrente, estando com o leito seco aos 25 km da barragem no período do cadastramento.
Figura 09: Pequenos barramentos ao longo do rio Verde: 1) madeira com lona, 2) terra e 3) pedra
Percorrendo toda a área ao longo rio e da barragem foram constatados várias questões que influenciam a disponibilidade de água em Mirorós, a exemplo dos problemas decorrentes da redução do nível do lago da barragem com a falta de chuvas e a pressão sobre o volume acumulado; a mudança no regime do rio, sem mais inundar as áreas marginais que permitiam a agricultura de sequeiro; a gestão fragmentada dos recursos hídricos que privilegia um setor sem análise dos impactos sobre os outros, e a baixa tecnologia de uso da água e solo, que agrava ainda mais a situação dos pequenos agricultores. 12
O contato com a população local e agricultores durante o período de cadastramento, também permitiu perceber as inquietações da comunidade. Houveram coleta de várias informações, além daquelas contidas na ficha de cadastro, o que possibilitou uma compreensão melhor da trajetória histórica que a comunidade tem vivenciado com a implantação da barragem e as mudanças ao longo do tempo. Inicialmente, a comunidade tinha expectativa de melhoria de condições de vida à época da construção da barragem e hoje se vêem obrigados a abandonarem suas terras.
5.2 Estimativas de consumo de água dos usuários cadastrados O uso destinado ao abastecimento humano é de 7,5 m³/dia, considerando-se que cada habitante consome em média, 150 l/dia. O cálculo da população foi feito computando-se apenas a quantidade de pessoas que utilizam água do rio para consumo humano, pois a maioria das pessoas utiliza, em suas residências, água do sistema de abastecimento. Os usos destinados ao abastecimento animal é de 143,2 m³/dia, considerandose que há 2.864 unidades animal e que cada unidade animal consome 50 L/dia. A demanda hídrica estimada para a área plantada de 153,4 ha, é de 12.000 m³/dia. Esta estimativa foi baseada no mês de maior demanda de água pelas culturas (agosto). Por não haver dados da precipitação efetiva para a região, considerou-se a mesma como sendo igual à precipitação média. O consumo hídrico, somando-se todos os usos é de 12.150,7 m³/dia, ou seja, 140,6 L/s. O que em tese daria para atender as demandas, já que a vazão atualmente liberada é de 180l/s. Entretanto, com a proposta da ANA de se chegar a 50% deste valor, isto é 90l/s, o atendimento atual não poderá ser mais suprido, causando mais problemas aos usuários diretos do rio Verde e a sobrevivência das espécies da flora e fauna dependentes de suas águas.
5.3 Manifestação da comunidade durante período do cadastramento A comunidade de Mirorós, composta por 3.775 habitantes (IBGE, 2007), sabendo da presença do INGÁ, organizou uma reunião para relatar as dificuldades e incertezas quanto à situação e a sobrevivência do rio Verde. A comunidade salientou que o volume liberado pela barragem como vazão de regularização do rio não tem permitido a manutenção de vazão constante no leito do 13
rio, causando conflitos de uso de água com diminuição ou eliminação de áreas plantadas. Denunciaram o abandono a que estão submetidos e a prioridade que é dada ao abastecimento das cidades e do perímetro irrigado.
Figura 10: Platéia da reunião.
Figura 11: Membro da comunidade participando das discussões.
A reunião teve ampla participação da comunidade, contando com a presença de 190 pessoas. A comunidade solicitou o encaminhamento da ata de reunião ao Comitê de bacia dos Rios Verde e Jacaré, para uma maior compreensão do problema.
5.4 Sugestões do INGÁ a partir dos dados do cadastramento Algumas sugestões nos relatórios de cadastramento foram apresentadas para contribuir no debate que se segue na busca de soluções, como: proporcionar assistência técnica agrícola para os pequenos agricultores, nos moldes do já existente aos irrigantes do perímetro; criação de um programa de conservação de água e solo, incluindo capacitações e sensibilização ambiental como vista a minimizar a degradação do rio, a proteção do solo agrícola para favorecer a partir daí a infiltração de água que pode contribuir também para o aumento da vazão, conjuntamente com a readequação de estradas rurais para funcionarem como locais de infiltração de água; e por fim a criação de linhas de crédito voltada para produção agrícola e a substituição dos métodos inadequados de irrigação. Esse trabalho 14
poderia ser desenvolvido de forma parceira entre o CODEVASF e o INGÁ; Diante das manifestações da comunidade questionando a vazão remanescente liberada para a jusante do rio Verde, a mesma recomendou que a ANA em conjunto ao Comitê de Bacia dos rios Verdes e Jacaré, a EMBASA e o DIPIM que realizassem visita de campo à comunidade e coletivamente reavaliassem a vazão liberada para a jusante e os usos atuais. Foi sugerida também, uma análise com realização de cadastramento de usuários de água e avaliação ambiental na bacia de contribuição da barragem, com objetivo de avaliar os riscos, como desmatamentos, morte de nascentes, usos inadequados, etc. que podem está afetando a vida útil da barragem e inviabilizar os usos que dela dependem, além de auxiliar na adoção de medidas para evitar a escassez e preservar a bacia de contribuição. Parcerias entre o INGA, ANA e CODEVASF podem facilitar a efetivação destas atividades. Os relatórios foram enviados a vários órgãos e entidades para servirem de base de informação para que pudessem auxiliar na tomada de decisão e intervenção na área do conflito, principalmente relacionados aos pequenos agricultores.
5.5 Encaminhamentos a partir dos resultados do Cadastro As informações geradas pela realização do cadastro estão sendo utilizadas pelos órgãos gestores de água (ANA e INGÁ) e também pelo Comitê da Bacia hidrográfica do rio Verde, que tem discutido amplamente em suas reuniões a fim de buscar soluções para os conflitos existentes que atingem a todos, porém de forma diferenciada. Os irrigantes que vêem seus bananais ameaçados já providenciaram a perfuração de poços. Para evitar o desabastecimento de água dos municípios que dependem da água da barragem já iniciaram os projetos para construção de adutora que irá trazer água do rio São Francisco. Quanto aos pequenos agricultores foi decidido em plenária do Comitê da Bacia dos Rios Verde e Jacaré que dois poços seriam perfurados pela CERB (Companhia de Engenharia Ambiental da Bahia) para atender as necessidades da comunidade ribeirinha. No entanto ainda não foi definido como funcionará o uso da água destes poços. Por decisão da CODEVASF, o perímetro irrigado manterá sua área atual, já que não possui oferta de água para sua expansão, apesar do desejo de muitos agricultores e terrenos propícios para esse fim. O controle de irrigação para evitar perdas e diminuição do tempo de irrigação também está sendo posto em prática 15
pelos técnicos que acompanham o perímetro com objetivo de diminuir a demanda por água da barragem, por ser a irrigação a principal demandante.
6. Conclusões O cadastro de usuários contribuiu para compreensão dos problemas enfrentados pela comunidade, além de identificar as reais demandas de água pelo levantamento das atividades produtivas. Os resultados serviram para expor a situação dos pequenos produtores nunca antes compreendida como setor importante na gestão da barragem. O direito ao acesso à água pela comunidade de Mirorós é legítimo como está garantido na lei das águas. No entanto a fragilidade organizacional da comunidade e falta de políticas integradas de gestão das águas fazem com que situações como esta não sejam individuais e sim comuns em toda região semi-árida, onde a disputa por água é sempre grande. Muitas barragens que foram construídas nas décadas passadas na região do semi-árido, não tiveram em seus projetos a preocupação com atendimento aos usos múltiplos e preservação ambiental, como agora é preconizado pela atual legislação de recursos hídricos. A gestão de recursos hídricos é de natureza complexa, pois tem a água como elemento principal, no entanto não se tem controle sobre os fenômenos naturais, no caso as chuvas. O que torna a gestão no semi-árido muito mais desafiador em atingir os objetivos de garantir atendimento a todas as demandas e sustentabilidade no uso da água. O
princípio
da
gestão
participativa
das
águas
estabelece
alicerces
fundamentais para que as decisões que envolvem os usos dos recursos hídricos possam ser decididas com a ampla participação dos envolvidos e orientados pela melhor beneficio à sociedade e ao meio ambiente, evitando que as decisões políticas superem as demais. Um modelo de gestão das águas no semi-árido tem grandes dificuldades de serem eficientes, por que a demanda pelo crescimento tanto econômico, quanto populacional, exercem grandes pressões sobre as escassas fontes de águas. Um modelo com menor margem de risco pode ser possível apenas com o compromisso de vários setores da sociedade, onde serão estabelecidos deveres e direitos na divisão das águas, com planejamentos de longo prazo. O fortalecimento do Comitê Verde-Jacaré, quantos outros da região semi-árida, 16
representa uma grande oportunidade de inserção freqüente na pauta de discussão dos interesses dos setores menos privilegiados e que tem sofrido os maiores danos pela fragilidade da gestão e da disponibilidade de água no semi-árido. A necessidade de gestão compartilhada das águas armazenadas por obras federais é outro desafio da gestão pelos órgãos gestores na região semi-árida, as decisões precisam considerar aspectos e usos das águas do rio a montante e a jusante, a fim de tornar a gestão eficiente. Soluções isoladas ou apenas com aumento das disponibilidades de água não parecem ter grande efetividade para os pequenos agricultores, quando várias necessidades estão presentes como de investimentos, técnica e organizacional. A gestão integrada dos recursos hídricos, entendendo a gestão como um sistema pode auxiliar na superação dos graves problemas vivenciados pela comunidade. A aplicação dos instrumentos e ferramentas de gestão de recursos hídricos, como o cadastro de usuários podem auxiliar no entendimento e resolução dos conflitos de uso de água.
7. Bibliografia Carrera-Fernandez, J. Garrido, R. Economia dos Recursos Hídricos. Salvador: Edufba, 2002. 458p. Christofidis, D. Olhares sobre a Política de Recursos Hídricos no Brasil: O caso da Bacia do rio São Francisco. Brasília: Universidade de Brasília, Centro de Desenvolvimento Sustentável, 2001. 432p. (Tese de Doutorado em Gestão e Política Ambiental ; CDS). INGÁ – Instituto de Gestão das Águas e Clima. Legislação das Águas: Bahia/INGÁ – Salvador (BA), 2009. 322p. Nardini, A. Decidere l’Ambiente con l’Approccio Partecipato. Centro Italiano per La Riqualificazione Fluviale (CIRF). Venezia, Itália. 2005. Oliveira, C. M. Tribunal de Água de Florianópolis: Alternativa para Resolução de Conflitos? In: Bacias Hidrográficas: diversas abordagens em pesquisa/ Org. Espínola, E. L.G. & Schalch, V. – São Carlos: Rima. 2004. Site: www.inga.ba.gov.br, consultado em 28/10/2010.
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