Conflitos por terra e água no alto solimões envolvendo povos e comunidades tradicionais

Page 1

f r o n t e i r a s /a r t i g o s convivem os seguintes povos indígenas: Tikuna, Kokama, Kambeba, Kulina, Kanamari, Katukina, Mayoruna, Miranha e Cayxana. Nesta configuração, percebe‑se, pela quantidade de cidades e pela diversidade de grupos indígenas, que a divisão territorial aos moldes do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística – IBGE é pouco expressiva, quando se tenta entender a complexa relação socioespacial no contexto fronteiriço. Reginaldo Conceição da Silva Importa destacar que a demarcação e criação de terras indígenas – TI, sob responsabilidade da Funai, nessas unidades espaciais, s múltiplos usos dos recursos florestais e hídricos e não foi suficiente para assegurar‑lhes o direito de uso do território, a variedade de agentes sociais evidenciam a comenquanto espaço de uso tradicional. Há conflitos com interesses plexidade dos fenômenos associados à sociodiverque pretendem usurpar as terras indígenas. Há conflitos que negam sidade amazônica e as estratégias diferenciadas de os direitos constitucionais e a ocupação tradicional, contrariando povos tradicionais face a seus direitos territoriais. também o que estabelece o Decreto 6.040 de fevereiro de 2007, que As oposições a estes usos, por interesses que pressionam o mercado determina a Política Nacional de Desenvolvimento Sustentável dos de terras, evidenciam os inúmeros conflitos sociais por acesso a terras Povos e Comunidades Tradicionais – PNPCT. (3) e água, que dispõem as comunidades tradicionais num cenário de Uma datação desses conflitos pode ser registrada com a ocorrênincertezas face ao futuro. cia do chamado “Massacre do Capacete”, perpetrado por madeireiNa mesorregião do Alto Solimões, na fronteira tríplice Braros e registrado pelo Máguta‑CDPAS (Centro de Documentação e sil, Colômbia e Peru, as tensões sociais têm aumentado, devido Pesquisa do Alto Solimões) na publicação de 1988 intitulada “A láà intensificaçao da ação ilegal de madeireiros, grima Tikuna é uma só” (4): “Viemos comunicar grileiros, garimpeiros, empresas mineradoras e que hoje, 28 de março de 1988, às 12 horas do dia, pescadores comerciais envolvendo terras tradinós reunidos entre 4 comunidades, na localidade Há cionalmente ocupadas por indígenas, ribeirinhos Ticuna São Leopoldo no Amazonas, município conflitos com e comunidades agroextrativistas. de Benjamin Constant, na casa do Ticuna Aseliainteresses que Este texto visa um breve mapeamento dos conres Flores Salvador, aconteceu uma grande tristeflitos por terra e água, no Alto Solimões, no estado za entre nós. Que 20 homens armados, homens pretendem do Amazonas. Para tal, utilizamos dados secundácivilizados armados com espingardas calibre 16, usurpar as rios extraídos dos Informativos da Comissão Pasrifles, revólver e metralhadora ameaçaram nós. terras toral da Terra – CPT – 2011 (1), e de informações Com esta ameaça, eles mataram em adulindígenas obtidas nos órgãos públicos, localizados na cidade tos e crianças 11 pessoas. E 22 ficaram feridas. de Tabatinga, como a Fundação Nacional do Índio As comunidades que estavam reunidas são: (Funai), no período de 2009 a 2012, bem como de S.Leopoldo, Novo Porto Lima, Bom Pastor e observações de campo. Porto Espiritual.” (Carta–relatório escrita na Aldeia de Novo Porto Acerca da Amazônia Ocidental, escreve Becker (2): “é forte a Lima, na noite do massacre, antes da chegada da Funai e da Polícia presença de populações indígenas, caboclas e de forças militares”. A Federal, pelo professor Ticuna dessa localidade, Santo Cruz Mariaautora continua “A região é também marcada pela vulnerabilidade no Clemente ou Pucuracu). das fronteiras políticas com Colômbia, Peru e Bolívia”. Cabe‑nos Uma outra ocorrência, que difere da anterior por estar referida a chamar a atenção para o fato de que a mesorregião do Alto Solimões, tensões entre comunidades tradicionais, foi registrada, dez anos deabrange terras tradicionalmente ocupadas justapostas aos territópois, por Carvalho (5) (2010, p.47 – 48), na homologação de Terras rios colombiano e peruano, cujas populações indígenas e ribeirinhas Indígenas do Vale do Javari, em 1998, no município de Atalaia do perpassam as jurisdições territoriais e políticas. Norte. Segundo o autor foi instituída “uma das maiores reservas No tocante às características sociais e espaciais do Alto Solimões, da Amazônia, beneficiando várias etnias indígenas; entretanto, os Becker reitera que: agricultores ribeirinhos, remanescentes de antigos soldados da bor“Apresenta e maior diversidade cultural e étnica, decorrente racha, tiveram de deixar suas terras, casas e demais benfeitorias”, tal da convivência de três nacionalidades na fronteira política com o medida desencadeou uma tensão, que perdura até os dias de hoje. Peru e a Colômbia, onde é forte a mobilidade espacial em torno E, continua o autor, “apenas uma pequena parte dos ribeirinhos de Tabatinga e Letícia. Ademais, as populações ribeirinhas e extrarecebeu indenização do governo”. tivistas são significativas e os núcleos urbanos relativamente mais Ao serem compelidos a deixarem essas terras, segundo Carvanumerosos” (2). lho (5) (2010,p. 175) “um dos maiores deslocamentos humanos Quanto à sua composição, a mesorregião é composta dos munido estado do Amazonas”, aproximadamente seiscentos ribeirinhos cípios: Tabatinga, Benjamin Constant, São Paulo de Olivença Ataforam fixar‑se na cidade de Tabatinga, fronteira entre Brasil‑Colaia do Norte, Santo Antônio do Iça, Amaturá, Tonantins, nos quais lômbia‑Peru.

Conflitos por terra e água no Alto Solimões envolvendo povos e comunidades tradicionais.

O

34

4_NT_SBPC_41_p21a47.indd 34

1/11/13 5:01 PM


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.