Faróis da costa nordestina: olhares geográficos e históricos

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIÊNCIAS EXATAS E DA NATUREZA – CCEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

Gustavo César Ojeda Baez

Faróis da costa nordestina: olhares geográficos e históricos sobre os faróis marítimos no nordeste brasileiro.

João Pessoa 2010

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UNIVERSIDADE FEDERAL DA PARAÍBA - UFPB CENTRO DE CIENCIAS EXATAS E DA NATUREZA – CCEN PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM GEOGRAFIA

Gustavo César Ojeda Baez

Faróis da costa nordestina: olhares geográficos e históricos sobre os faróis marítimos no nordeste brasileiro.

Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Geografia da Universidade Federal da Paraíba (PPGG/UFPB), como parte dos requisitos para obtenção do título de mestre em Geografia.

Orientador: Professor Dr. Raimundo Barroso Cordeiro Junior

João Pessoa - 2010

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B142f

Baez, Gustavo César Ojeda. Faróis da Costa Nordestina: olhares geográficos e históricos sobre os Faróis Marítimos no Nordeste Brasileiro/, Gustavo César Ojeda Baez. – João Pessoa, 2010. 129f. Orientador: Raimundo Barroso Cordeiro Junior. Dissertação (Mestrado) – UFPb - CCEN 1. Geografia – Faróis Marítimos. 2. Litoral Nordestino. 3. Patrimônios Materiais – Costa Brasileira.

UFPb/BC

CDU: 913 (043)

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“Faróis da costa nordestina: olhares geográficos e históricos sobre os faróis marítimos no nordeste brasileiro” por Gustavo César Ojeda Baez

Dissertação de Mestrado apresentada ao Corpo Docente do Programa de Pós-Graduação em Geografia do CCEN - UFPB, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Geografia.

Área de Concentração: Território, Trabalho e Ambiente Aprovada por: Prof. Dr. Raimundo Barroso Junior Orientador

Prof. Dr. Cristiano Wellington Noberto Ramalho Examinador externo

Profa. Dra. Maria Franco Garcia Examinadora interna

Prof. Dr. Carlos Augusto de Amorim Cardoso Suplente

Universidade Federal da Paraíba Centro de Ciências Exatas e da Natureza Programa de Pós Graduação em Geografia Curso de Mestrado em Geografia

Junho de 2010

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AGRADECIMENTOS

Agradeço primeiramente ao desejo inteligente do Ser imanifesto que um dia movimentou o vazio e fez com que tudo existisse, inclusive eu. Obrigado. À minha mãe querida, Elva Rosário que me ensinou o amor, a paciência e tudo mais que as mães ensinam. Ao meu pai amado, Juan Julio Baez que dedicou sua vida para o sustento de nossa família, por muitos e muitos anos. Aos meus irmãos Rafa e Edu, aquele abraço irmanos! À Lucinha com quem aprendo todos os dias o que é o amor. Muito obrigado por tudo querida! A todos os amigos que já passaram pela minha vida. Valeu galera! À Bernadete pela ajuda na leitura do texto, pelas dicas e pela ajuda na vida. À Lulu, pelo Note Book fundamental para terminar esse trabalho. Ao meu Orientador Raimundo Barroso que aceitou o desafio de me orientar, sempre aberto as novas idéias, mas com os pés no chão na hora de qualificar os estudos. Agradeço muito pela orientação e pela amizade sincera. À Professora Maria Franco Garcia, pelos toques, conversas e indicações decisivas para a melhoria de meu trabalho. Gracias! Ao Professor Pedro, meu vizinho de bairro, pelas dicas de cartografia e pela amizade sempre com a mão estendida para o abraço. Ao Professor Cristiano Ramalho que expandiu minha visão sobre a costa brasileira. Ao Professor Carlos Augusto pela riqueza nos apontamentos e pelas boas conversas nas viagens de campo. Ao mar em toda sua beleza, que me trouxe inspiração para este trabalho, saúde para viver melhor, e contemplação para entender minha pequenez.

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RESUMO

Esta dissertação tem como objetivo central analisar as transformações verificadas nos usos sociais dos faróis marítimos do litoral nordestino do Brasil. Objetivamos desenvolver abordagens geográficas e históricas para compreender melhor como estes monumentos tem sido utilizados na atualidade, dentro das novas demandas sociais vigentes no início do século XXI. Para realizar a análise organizamos uma retrospectiva histórica sobre a ocupação e uso dos espaços costeiros do Brasil, juntamente com estudos teóricos referentes à categoria de território, fundamental para nossas discussões. Enfatizamos que além da pesquisa documental, nosso estudo foi composto por pesquisas de campo, onde pudemos observar as interações entre as populações locais e os faróis. Entendemos que esta pesquisa se justificou na medida em que contribuiu para organizar um conhecimento cientifico sobre o tema, gerando subsídios teóricos para re-interpretar os faróis enquanto monumentos costeiros e patrimônios materiais do Brasil. Por fim, pudemos constatar que além de patrimônios matérias, os faróis podem ser interpretados como patrimônios culturais de populações que vivem na costa brasileira.

Palavras-chave: Faróis marítimos; Territórios; Comunidades Tradicionais.

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ABSTRACT This dissertation is aimed to analyze the changes observed in the social uses of lighthouses along the northeast coast of Brazil. We aim to develop geographical and historical approaches to better understand how these monuments have been used at present, within the new social demands were at the beginning of the XXI century. To perform the analysis we organized a historical retrospective on the occupation and use of coastal areas of Brazil, along with theoretical studies concerning the category of territory, fundamental to our discussions. We emphasize that, in addition to desk research, our study consisted of field research, where we could observe the interactions between local people and the headlights. We believe that this research was justified as it helped to organize a scientific knowledge on the subject, generating theoretical support to re-interpret the headlights while coastal monuments and heritage materials from Brazil. Finally, we found that besides material wealth, the lamps can be interpreted as cultural heritages of people living on the Brazilian coast.

Keywords: Lighthouses; Territories; Traditional Communities

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INDICE DE FIGURAS E MAPAS

Figura. 1: Mapa temático de faróis................................................................................................. 5 Figura. 2: Reprodução da Carta Geographica de Projecção Esphérica da Nova Lusitânia ou America Portugueza e Estado do Brasil ..........................................................................................................27 Figura. 3: Mapa das Cortes de 1749............................................................................................... 29 Figura. 4: Mapa do Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães de 1586.................................................................................................................................................... 33 Figura. 5: Gravura da Vila Nova da Fortaleza de Na. Senhora Da Assunção da Capitania do Ceará.................................................................................................................................................. 35 Figura. 6: Planta da Fortaleza de Na. Senhora Da Assunção........................................................36 Figura. 7: Representação da Planta da Fortaleza dos Reis Magos da Cidade de Natal............ 37 Figura. 8: Mapa manuscrito detalhado da Bahia de Todos os Santos...................................38 Figura. 9: Representação pitoresca da Baía de Guanabara.......................................................... 39 Figura. 10: Gravura da vista da região onde se instalou a cidade de Belém do Pará..................40 Figura. 11: Planta Topográfica de Santos de 1815......................................................................... 42 Figura. 12: Mapa da Baía de Todos os Santos.................................................................................42 Figura. 13: Réplica do marco do descobrimento fixada na Praia do marco (RN).......................47 Figura. 14: Litografia de 1882.......................................................................................................... 62 Figura. 15: Detalhe do símbolo da Coroa Portuguesa................................................................... 65 Figura. 16: Selo comemorativo do aniversário da cidade de Salvador da Bahia.........................66 Figura. 17: Folheto de informações turísticas..................................................................................67 Figura. 18: Folheto de informações históricas............................................................................... 67 Figura. 19: Aspectos da visitação turística e arquitetura do Farol da Barra.............................. 68 Figura. 20: Aspecto da visitação turística no Farol do Calcanhar (RN)...................................... 70 Figura. 21: Aspecto marcante do Farol do Calcanhar................................................................... 73 Figura. 22: Residência destinada aos faroleiros e familiares......................................................... 74 Figura. 23: Destaque para as dimensões monumentais do farol.................................................... 74 Figura. 24: Vista do alto do Farol do Calcanhar..............................................................................75 Figura. 25: Aspecto marcante da vista panorâmica........................................................................ 77 Figura. 26: Aspecto da sinalização no início da rodovia BR 101....................................................78

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Figura. 27: Paisagem costeira do Cabo de Bacopari..................................................................... 79 Figura. 28: Paisagem do porto da Baía Formosa........................................................................... 80 Figura. 29: Mapa do Cabo de Bacophary a indicação do Pharol do Bacopary.......................... 81 Figura. 30: Placa de sinalização turística....................................................................................... 82 Figura. 31: Exemplo atual de uso dado farol do Bacopari............................................................82 Figura. 32: Aspecto da entrada da área militar do farol de Natal............................................... 84 Figura. 33: Aspecto externo da área militar do farol de Natal..................................................... 85 Figura. 34: Aspecto do bairro Mãe Luiza........................................................................................85 Figura. 35: Faroleiro de Natal em frente à placa de identificação do farol................................. 86 Figura. 36: Aspecto da vila residêncial destinada para os faroleiros........................................... 87 Figura. 37: Farol do Cabo Branco................................................................................................... 89 Figura. 38: Aspecto do artesanato feito em madeira...................................................................... 90 Figura. 39: Aspecto da jangada típica do litoral nordestino.......................................................... 92 Figura. 40: Farol da Pedra Seca....................................................................................................... 93 Figura. 41: Aspecto do Farol Santo Agostinho............................................................................... 94 Figura. 42: Farol da Pedra Seca...................................................................................................... 100 Figura. 43: Aspecto da praia de Calhetas...................................................................................... 108 Figura. 44: Vista frontal da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré de 1597...................................109 Figura. 45: Ruínas do antigo farol do Cabo de Santo Agostinho................................................ 110 Figura. 46: Aspecto do mirante construído nos arredores das ruínas........................................ 111 Figura. 47: Vista da área externa e casa do segurança patrimonial do farol do Cabo...............112 Figura. 48: Placa de identificação do Farol Santo Agostinho....................................................... 112 Figura. 49: Aspecto visual do Farol de Olinda................................................................................115

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SUMÁRIO Introdução..................................................................................................................1 Capítulo 1 - Sobre a visão clássica de território em Ratzel e outras abordagens contemporâneas.........................................................................................................11

Capítulo 2 – Fortificações e Faróis na formação do território nacional brasileiro: Um estado para a Metrópole........................................................................................23 2.1 Conhecer e Cartografar o território colonial........................................................25 2.2 Fortificar...................................................................................................................31 2.3 A simbologia das fortalezas na costa brasileira .................................................44 2.4 Povoar.......................................................................................................................49

Capítulo 3 - Os faróis do Império e da República: sinalizando um novo estado..............................................................................................................................58 3.1 Farol da Barra – o início da história da sinalização náutica no Brasil...............61

Capítulo 4 - Farol na paisagem costeira do nordeste: Novas funções sociais no século XXI .....................................................................................................................70 4.1.O Farol e seus lugares. Visitas aos faróis e comunidades do entorno. 4.1.1 Farol do Calcanhar..............................................................................................73 4.1.2 Farol do Bacopari................................................................................................79 4.1.3 Farol de Mãe Luiza – Natal.................................................................................84 4.1.4 Farol do Cabo Branco..........................................................................................89 4.1.5 Farol da Pedra Seca.............................................................................................93 4.1.6 Farol do Cabo de Santo Agostinho ....................................................................94

Capítulo 5 - Territórios da pesca: estudo de caso do Farol da Pedra Seca (PB), pesca e comunidade tradicional em Ponta de Mato 5.1 Estudo de caso do Farol da Pedra Seca (PB), pesca e comunidade tradicional em Ponta de Mato........................................................................................................96 5.2 Considerações sobre a cultura do povo do mar: territórios e patrimônio cultural pesqueiro ......................................................................................................105

Considerações Finais.............................................................................................116 Referências Bibliográficas...................................................................................118 Anexo – Autorização do Comitê de Ética................................................................123

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(O Farol - Anita Malfatti)

O homem do mar ĂŠ quem mais sabe sobre a felicidade de avistar um farol. É como rever um amigo. Na costa deste nosso Brasil continental existem centenas desses amigos feitos de luz, aço, concreto e madeira, guiando aqueles que vivem no mar. Ney Dantas

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Introdução: O Farol como objeto de auxílio à navegação.

Objeto singular, representativo da relação ancestral que liga os homens ao mar. Os faróis, para alem de sua aparência, mostram em sua essência uma junção, uma união entre idéia e matéria. A idéia é proteger o homem das forças da natureza. E a matéria, cumprindo esse devir, ergue-se imponente à altura de sua demanda. Numa relação antiga que remonta à navegação do mar Mediterrâneo, em tempos anteriores à chamada era Cristã, os faróis também podiam ser vistos como produtos de uma interação entre o mar e o fogo primordial, a marca dos humanos. Ou ainda, podem ser interpretados como marcas da “eterna luta” humana contra as forças da natureza – luta essa, que, travada fora dos limites da terra firme, ganha novos contornos e se agiganta em odisséias compostas por “monstros” e deuses chefiados por Netuno. Os faróis, enquanto guardiões dos mares, têm uma história bastante antiga e podemos iniciar nossas observações sobre o tema com os navegantes que partiam do continente europeu e de seus arredores rumo ao mar Mediterrâneo. Nesse resgate, buscando a origem dos faróis, regressamos ao tempo das primeiras navegações, e utilizamos de início partes da obra Luzes do Novo Mundo: História dos Faróis Brasileiros. Nesta obra Ney Dantas1(textos) e Ricardo Siqueira (fotos) organizam importantes estudos sobre esse tipo específico de sinalizador marítimo, que o autor chama de “Reis Brancos”. Em trecho intitulado Origem dos Faróis temos uma breve, mas rica apresentação da história mediterrânea vinculada à navegação:

Quando os primeiros habitantes das povoações litorâneas se lançaram ao mar, por curiosidade ou necessidade, foram adotando referencias em terra à medida que se iam afastando, para poder 1

Ney Dantas é farologista e membro da Academia de Artes, Ciências e Letras da Ilha de Paquetá. Como profissional da Marinha é Capitão de Mar-e-Guerra da Reserva da Marinha, tendo aperfeiçoado seus conhecimentos em Hidrografia e Navegação ao longo de anos de dedicação ao serviço de faróis do Brasil. É também autor de livros técnicos sobre o tema da Sinalização Náutica e constitui-se assim como autor de referência para nossos estudos dada a escassez de bibliografia sobre o assunto. Juntamente com Ricardo Siqueira (fotografias) compõe uma dupla de autores (de textos e imagens) fundamental nessa área. Este último desde 1995 vem se dedicando à edição de livros de arte. Sobre a elaboração da obra que é referência central nesta dissertação consta na folha de rosto da notável publicação que “Para concluir este livro, consumiu 2 anos de trabalho, percorreu o litoral brasileiro do cabo Orange ao arroio Chuí, alcançou 102 faróis e faroletes e produziu um arquivo de 3.000 fotos, das quais 280 são aqui mostradas.” (SIQUEIRA, 2002, contra-capa)

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retornar com segurança. Durante o dia, observaram as feições notáveis da costa, como elevações, baías, cabos, ilhas etc. Como essas observações eram impossíveis à noite, pensaram em acender fogueiras, primeiro no chão, depois sobre montes de pedras ou em bacias sobre torres de madeira. Amigos e parentes ficavam em vigília, mantendo o fogo vivo. As fogueiras, porém, eram vulneráveis à chuva e ao vento. Para protegê-las, ergueram-se paredes e tetos de pedras, o que resultou em primitivas lanternas. Surgiram assim, os ancestrais dos faróis. (DANTAS, 2002, p.15)

Assim inicia-se a sinalização costeira nos litorais europeus. Essa prática, segundo Dantas, foi se aperfeiçoando ao longo dos séculos e podemos encontrar os primeiros registros sobre os sinais luminosos nos relatos sobre a torre de Alexandria construída no século terceiro antes de Cristo. Localizada na boca mais ocidental do Rio Nilo, em ponto estratégico para as rotas comerciais que já aconteciam entre o Oriente Médio, o norte da África e a Europa, a cidade fundada por Alexandre Magno no ano de 332 a.C. transformara-se em um importante centro comercial, tendo destaque como potência naval daquela época. Segundo o autor, “Foi um dos portos mais ricos do mundo antigo e a capital intelectual do Mediterrâneo Oriental.” (DANTAS, 2002, p.15) A origem etimológica do nome farol pode ser explicada tendo por base a escolha do local para sua construção. O primeiro local escolhido foi a ilha de Pharos presente na porção ocidental do delta do Nilo. A partir dessa construção2, todas as demais torres que se destinassem a auxiliar a navegação passariam a se chamar de pharol. A definição técnica para o farol pode ser encontrada em publicações da Marinha do Brasil publicadas pelo setor da Diretoria de Hidrografia e Navegação, em trechos que tratam dos auxílios à navegação e sinalização náutica, e em obras variadas sobre o tema navegação. Construímos a nossa definição a partir das obras disponíveis nos arquivos da Marinha e com base no livro de referência sobre o assunto, Navegar é Fácil, de Geraldo Luis Miranda de Barros, publicado em 2006. Assim, podemos definir farol como um objeto que tem por função servir de sinal ou de sinalizador náutico capaz de emitir luz com características regulares perceptíveis à impressão visual. Os faróis podem ser classificados de acordo com suas funções mais específicas recebendo nomes de: faroletes, rádio-farol e aero-farol. Para auxiliar a navegação marítima os faróis de 2

Sobre a obra de construção do Pharol de Alexandria, Dantas (2002) explica que o arquiteto Sostratos ficou encarregado de construir uma torre retangular de pedra revestida com mármore, que se elevava a cerca de 120 metros do nível do mar. No topo, com acesso por rampas ou degraus internos, mantinha-se acesa uma fogueira cuja luz à noite e sua fumaça durante o dia podiam ser vistas a 22 milhas náuticas, cerca de 40 Km.

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aproximação, de cabotagem e de aterragem são os tipos mais usados. Outra definição similar pode ser encontrada na obra Faróis da Solidão de Trevisam (1988). Segundo este autor:

Farol é toda armação, torre ou coluna, construída na costa ou ao largo, tendo na sua parte superior um aparelho capaz de emitir luz com alcance de dez ou mais milhas, servindo tanto à navegação de alto mar, como a de cabotagem [...] se constituindo no principal instrumento de auxilio à navegação.(TREVISAM et alii, 1988, p.05)

Na atualidade podemos conceber o farol como o objeto construído para a sinalização náutica e auxílio da navegação, que é composto basicamente por uma torre com uma lanterna em seu alto. Essa lanterna ao longo dos tempos foi ganhando sofisticação e tendo suas estruturas básicas alteradas. De início, os sinais luminosos eram obtidos graças às chamas de fogueiras, e depois de algum tempo, passam a ser obtidos a partir de mechas de lampião que arderam, por muitos e muitos anos, alimentadas por óleos de baleias. Não pretendemos nesta dissertação nos aprofundar sobre os detalhes técnicos do aperfeiçoamento dos aparelhos óticos3. Basta dizer que este processo se estendeu por vários séculos, e que posteriormente em 1822 o engenheiro francês Jean Auguste Fresnel desenvolveu um sistema de prismas geométricos que concentravam a luz em um único facho aumentando em muito a eficiência e o alcance luminoso desses sistemas. No caso brasileiro, a história dos faróis se inicia justamente após esse lampejo tecnológico, em época que remonta ao final do período Colonial e início do período Imperial que se inicia na primeira década do século XIX, após 1808. A construção dos faróis neste período, conforme analisaremos, esteve vinculada ao processo de consolidação territorial brasileiro que aconteceu a partir da faixa costeira. A estrutura dos capítulos de nossa dissertação segue, em certa medida, este processo histórico e geográfico de formação do território nacional e sua relação com os faróis. Temos assim, no primeiro capítulo, uma formulação teórica a respeito do conceito de território, e considerações sobre como este território se desenvolve de acordo com uma lógica colonial – voltado para um território exterior, a metrópole portuguesa. No segundo capítulo, temos uma análise do desenvolvimento territorial brasileiro na colônia, centrado nas ações de cartografia, fortificação e povoamento da 3

Cf . BARROS, 2006

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costa brasileira. Apresentaremos a seguir uma análise mais detalhada da relação do território nacional com os faróis construídos no período Imperial. A exceção a esse processo de sinalização da costa, que aconteceu sobretudo no século XIX, é o caso do Farol da Barra localizado na Baía de Todos os Santos, Estado da Bahia, que teve o equipamento luminoso já instalado no início do século XVIII. Sobre o citado farol, o mais antigo do país, aprofundaremos nossa análise no segundo capítulo. Já no terceiro e quarto capítulos, vamos abordar diretamente o conjunto de faróis selecionados para nossa pesquisa, buscando traçar um panorama atual sobre estes sinalizadores, e suas novas funções sociais no início do século XXI. No quinto e último capítulo apresentaremos considerações sobre a cultura das populações tradicionais que utilizam os faróis para a pesca, constituindo um patrimônio cultural pesqueiro em torno dos monumentos. Encerrando o texto apresentaremos nossas considerações finais. Os objetos centrais de nossa pesquisa – os faróis marítimos - estão localizados no extenso litoral nordestino. Sobre essa região, Jorge Couto (1995) apresenta uma boa definição que apresentaremos a seguir:

O litoral nordestino – que vai da foz do Parnaíba à Bahia de todos os Santos – reúne duas parcelas distintas: a costa semi-árida, que se estende do Parnaíba até ao cabo de São Roque (Rio Grande do Norte), onde a intensa ondulação deposita grandes quantidades de areia no litoral que o clima quente e o vento forte secam quase instantaneamente, formando enormes dunas que chegam a atingir 30m de altura; na costa nordeste oriental, abrangendo a faixa dos 5 graus aos 13 graus sul, existe um significativo grau de humidade, sendo marcada pelo aparecimento nas proximidades da orla marítima, de paredões escarpados designados por barreiras podendo alcançar 150m de altura. (COUTO, 1995, p. 27)

Neste imenso litoral descrito por Couto foram sendo fixados os monumentos que estudamos. Tratavam-se, literalmente, de reflexos desses avanços tecnológicos que se acumularam e floresceram principalmente a partir do século XVIII. No início do século XIX temos a instalação de vários faróis sinalizando a costa brasileira e consolidando o território do novo país que se tornara independente. O recorte espacial escolhido para nossos estudos limitou-se à alguns pontos da região nordeste. Estudamos especificamente alguns faróis que se encontram entre os municípios de Salvador, estado da Bahia, e de Touros no Rio Grande do Norte. A seguir apresentamos mapa temático que indica alguns dos faróis da região nordestina e nosso recorte espacial para pesquisa:

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Figura.1: Mapa temático de faróis, onde podemos visualizar os limites de nossa pesquisa entre o Farol do Calcanhar (RN) e o Farol da Barra (BA). A fim de obter melhor visualização dos objetos pesquisados, inserimos algumas alterações no formato e tamanho das letras utilizadas pelo autor. Fonte: SIQUEIRA, 1997, p.84.

Devido à enorme extensão dessa faixa costeira e devido às limitações financeiras para a realização da pesquisa de campo, optamos por escolher um elenco de faróis que julgamos mais importantes e representativos para esse estudo. Alguns dos faróis foram selecionados tendo em vista seu valor histórico, como nos casos do Farol da Barra (BA), Farol do Cabo de Santo Agostinho (PE), e Farol de Natal (RN). Esses monumentos ajudam a reconstruir, dentro de nossa visão, aspectos da história da ocupação, povoamento e manutenção do território nacional.

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Já os demais faróis de nossa pesquisa, foram selecionados em virtude dos seguintes fatores: em primeiro lugar devido a sua proximidade com nossa sede de pesquisas (UFPB). Em segundo, por sua beleza cênica. Em terceiro lugar, este elenco de faróis foi selecionado devido a sua importância nos dias atuais vinculada à atividades de lazer e turismo. E, em quarto lugar, destacamos como fator de escolha, a sua importância como instrumento de trabalho para os pescadores tradicionais das microregiões visitadas, que continuam a utilizar estes sinalizadores marítimos nas suas entradas ao mar. Segue a lista completa dos faróis visitados nas pesquisas de campo: ☼ Farol da Barra (primeira década do século XVIII, reinaugurado em 1839): o mais antigo das Américas. Localizado no Morro do Padrão, entrada da Baía de Todos os Santos, cidade de Salvador, estado da Bahia. ☼ Farol do Cabo de Santo Agostinho (1883): localizado no município do Cabo de Santo Agostinho, pertencente à Região Metropolitana do Recife, estado de Pernambuco. ☼ Farol do Cabo Branco (1972): construído no alto da falésia do Cabo Branco, dentro da área urbana da cidade de João Pessoa, estado da Paraíba. ☼ Farol da Pedra Seca (1873): localizado na foz do Rio Paraíba do Norte, município de Cabedelo. ☼ Farol do Bacopari (final do século XIX, reinaugurado em 1943): construído nos arredores da pequena cidade de Baía Formosa, município do litoral sul do estado do Rio Grande do Norte. ☼ Farol de Natal (1951): também chamado de farol de Mãe Luiza. Localizado dentro da área urbana da cidade de Natal e em meio à comunidade tradicional de pescadores. ☼ Farol do Calcanhar (1912): o maior das Américas. Localizado no município de Touros, estado do Rio Grande do Norte, exatamente na extremidade norte da rodovia BR 101.

Ressaltamos que os faróis apresentados nesta lista foram os sinalizadores visitados em pesquisas de campo realizadas ao longo de nossos estudos, e que além destes faróis, visitamos outros pontos da costa a fim de complementar nossos dados e reflexões. Dessa maneira, adiantamos aos nossos leitores que realizamos pesquisas complementares nos faróis da Pedra Seca (PB), o primeiro farol construído no Estado 6


da Paraíba, encomendado pelo engenheiro Zózimo Barroso no ano de 1869, sinalizador de aproximação construído sobre pedras e arrecifes na desembocadura do Rio Paraíba do Norte. Além deste, o farol do Cabo de São Roque (RN), ponto mais próximo da costa africana, também foi visitado. Outros faróis complementares em nossos estudos, sobre os quais realizamos apenas pesquisa bibliográfica, foram os faróis de Maceió e de Sergipe. A descrição e pesquisa histórica sobre estes faróis foram realizadas tendo como base documentos da Marinha do Brasil e obras sobre o tema. Concentramos nossas observações sobre as obras Luzes do Novo Mundo (2002) , Lista de Faróis da Marinha (1997), Cartas Náuticas, e outros documentos e textos coletados nas Capitanias dos Portos da Paraíba,4 e nos Arquivos da Biblioteca e Mapoteca da Marinha, localizados na cidade do Rio de Janeiro. Para estudar as interações dos faróis com a consolidação de um território nacional, e para compreender melhor os usos dados a estes equipamentos na atualidade, elaboramos um caminho metodológico de análises comparativas. Buscamos recuperar os usos antigos dos faróis, no final do período colonial e majoritariamente no período Imperial e Republicano, elencando um conjunto de faróis que julgamos significativos para nossa pesquisa. Após recuperar as histórias de formação desses monumentos vinculadas à defesa do território nacional e a organização da circulação marítima5, comparamos estes usos antigos com os usos mais recentes que observamos durante nossas pesquisas de campo. Assim, a análise comparativa se estabelece primeiro num formato diacrônico, ou seja, comparamos os objetos e seus usos em momentos históricos diferentes. Num segundo momento, a comparação é sincrônica, isto é: a comparação é feita entre diferentes objetos num mesmo momento histórico, vale dizer, no intervalo de realização da pesquisa, que se estendeu entre os anos de 2008 e 2010. Comparamos, sincronicamente, os usos variados dados a esses objetos selecionados nas diferentes localidades. Para coletar e analisar os dados obtidos em campo, nosso trabalho foi organizado em torno de uma metodologia antropológica, ou seja, adotamos um procedimento de 4

Para aprofundar os estudos sobre os sinalizadores náuticos podemos consultar a obra de referência da Marinha sobre este assunto intitulada, Historia da Sinalização Náutica Brasileira de Ney Dantas publicada em 2000. 5 Na maioria dos casos estudados os faróis compõe um conjunto de sinalização e defesa da costa juntamente com as fortalezas portuguesas.

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observação participante nas nossas visitas, procurando deixar o mais descontraído possível, a população de estudo, composta de pescadores e dois faroleiros. O principal instrumento metodológico para a coleta de dados foi a entrevista semi-estruturada. Nessas entrevistas realizadas nas localidades próximas aos faróis, abordamos diretamente mestres de pesca e funcionários das Capitanias dos Portos encarregados da manutenção dos sinalizadores. Devido a nossa experiência anterior adquirida em outras pesquisas de campo realizadas dentro do curso de Ciências Sociais6, especialmente nas disciplinas de pesquisa antropológica, notamos que a organização das atividades de campo, neste formato informal, garante mais legitimidade e imparcialidade para as respostas obtidas. Procuramos nos “misturar” aos entrevistados, realizando visitas às localidades como turistas normais, e, quando considerávamos necessário, nos identificávamos como pesquisador da Universidade Federal da Paraíba. A identificação prévia foi feita, principalmente, quando travamos os diálogos com os faroleiros. Na maioria dos casos em que interagimos com os pescadores e com outros informantes mantivemos nosso anonimato. Ressaltamos que em momento algum usamos de formalidades, ou gravadores para registrar nossos diálogos. O caderno de campo, a máquina fotográfica e uma caneta foram nossos principais materiais de pesquisa nesses momentos. Após as visitas, recuperávamos as conversas e registrávamos anotações em nosso caderno de campo, destacando dados significativos, dados indiciários, que tinham marcado nossa memória como informações essenciais da cultura litorânea. Essa maneira de realizar a pesquisa de campo e de analisar os dados obtidos é respaldada pelo método indiciário encaminhado por Carlo Ginzburg (1989). O modo de fazer pesquisa proposto pelo autor, permite que o cientista social desempenhe uma prática investigativa, examinando os pormenores de um objeto. A ação desempenhada, pelo cientista, dentro desta metodologia, deve, literalmente, ir atrás dos indícios sociais e históricos presentes nos monumentos. Verifica-se também, a sutileza nas falas e nas formas de ser, própria da cultura humana. Trata-se, portanto, de penetrar em coisas concretas, em fatos sociais, em formações territoriais, através da análise de elementos pouco notados ou despercebidos pelo olhar do leigo. Ou ainda, realizar uma pesquisa

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Em trabalho de conclusão de curso referente a formação em Ciências Sociais, tivemos a oportunidade de realizar pesquisas de campo no interior da Floresta Nacional do Tapajós (Pará), com comunidades de ribeirinhos e indígenas que habitam nesta unidade de conservação. Cf. BAEZ, 2006.

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científica, sob a luz do método indiciário, seria concentrar a visão do observador sobre os dados marginais, sobre as pistas que nossos informantes podem dar a respeito de um determinado assunto.(GINZURG, 1989). No nosso estudo, aproveitando essa abertura metodológica aprovada por Ginzburg, realizamos uma pesquisa, justamente, sobre as pistas, sobre os indícios, que nos permitem compor uma explicação interpretativa sobre as alterações das funções sociais que os faróis adquirem na atualidade. Esse método que analisa minúcias nas falas dos informantes, pode ser compreendido também como uma variação do método dedutivo, onde poucos dados servem de referência para expandir uma idéia e gerar, por fim, uma teoria ou uma hipótese explicativa sobre um determinado assunto. Logo, através do uso da metodologia comparativa e do método indiciário, pretendemos elucidar as diferentes funções sociais, governamentais e histórico-culturais atribuídas a esses sinalizadores marítimos. E ainda, como estas atribuições se transformam ao longo da história brasileira. Notaremos que, devido às alterações sociais, econômicas e às mudanças tecnológicas em vigor no início do século XXI, o uso e a apropriação dos ambientes costeiros se alteram seguindo as novas necessidades de lazer e de consumo. A tecnologia dos faróis, no entanto, não deixa de ser utilizada, mas passa a ser associada, em parceria, com outras tecnologias mais recentes como o GPS7. De outro lado, sabemos que as transformações tecnológicas não atingiram igualmente todos os setores sociais, e assim, pescadores artesanais que não dispõem de instrumentos avançados para localização e navegação, revelaram-se usuários fiéis dos faróis,

retomando e

aproveitando-se dessa tecnologia. Entendemos que esse tipo de pesquisa, que envolve conhecimentos e análises geográficas, históricas e antropológicas, se justifica na medida em que propomos a construção de um conhecimento multidisciplinar sobre este tema. No decorrer de nossas pesquisas, notamos a escassez de estudos acadêmicos que relacionassem diretamente estes monumentos históricos com a dinâmica social atual e com a história da formação territorial brasileira. A maioria dos documentos referentes aos faróis está disponível em arquivos, bibliotecas e publicações de origem militar, não sendo assim difundidas e analisadas num contexto acadêmico. Desse modo, acreditamos que nossa pesquisa pode

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GPS, sigla que significa Global Positioning System. Barros (2006) define como “Sistema de radionavegação mundial formado por uma constelação de 24 satélites que ocupam orbitas circulares a 10.900 milhas náuticas de altura.” (BARROS, 2006, p.399)

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evidenciar as qualidades e atributos de faróis antes encobertos. Procuramos, desta forma, organizar um conhecimento que reconheça a importância dos faróis como monumentos históricos e culturais significativos para a história e a geografia brasileira. Por fim, este estudo pode ser incluído e justificado num movimento maior de revalorização dos patrimônios materiais que ocorre em vários países do mundo. A respeito dessa tendência na pesquisa científica sobre os patrimônios ultramarinos portugueses, Lourenço Conceição Gomes (2006) escreve:

Actualmente há uma grande preocupação dos estados do mundo inteiro em relação aos seus bens patrimoniais, mas a verdade é que esse interesse só pode ser concretizado se forem promovidos estudos visando estabelecer a relação entre tais monumentos e a historia de seus habitantes, aferindo em que medida possam ter importância para a afirmação da identidade dos respectivos povos. (GOMES, 2006, p.169)

Ressaltamos que estas construções concebidas dentro de uma lógica militar, hoje fazem parte da cultura e da paisagem litorânea brasileira compondo um patrimônio paisagístico na faixa costeira. No Brasil, essa preocupação do Estado com seus patrimônios materiais e suas consecutivas medidas de estudo, preservação e recuperação, poderão ser concretizadas, no nosso entender, com base em estudos dessa mesma ordem. Dessa forma, considerando que os faróis e seus respectivos conjuntos arquitetônicos, como as fortalezas, aglomeram características históricas, configurações eminentemente geográficas, e usos culturais, estabelecemos como meta para nossa pesquisa a construção de um conhecimento que contemplasse esses três campos do saber.

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Capítulo 1 Sobre a visão clássica de território em Ratzel e outras abordagens contemporâneas.

Para tratar do conceito de território, que será amplamente usado ao longo de nossa dissertação, usaremos como referencial teórico a obra Abordagens e concepções sobre território, escrita por Marcos Aurélio Saquet (2007). Nesta obra, o autor desenvolve uma rica apresentação e discussão sobre a trajetória do conceito de território, passando por considerações que vão desde os textos antigos de Platão - A República e Pólis -, passando pelos textos clássicos do século XIX, e chegando até autores contemporâneos do século XX. A partir da obra de Saquet (2007) pretendemos organizar um elenco de autores e abordagens que de alguma maneira se relacionam diretamente com o tema de nossa pesquisa. Desde a parte inicial de sua obra, o autor ressalta que o estudo de conceitos como o de território - não é uma tarefa simples, pois envolve, muitas vezes, uma série de autores e diversos campos do saber em sua análise. Seguindo os apontamentos propostos por autores como Gilles Deleuze (1976) e Felix Guatarri (1972), Saquet (2007) afirma que “não há conceitos simples” e, para estudar a história dos conceitos, precisamos observar e entender as interações de um conceito com outros conceitos complementares. No nosso caso estamos estudando especificamente o conceito de território associado a outros dois conceitos complementares: o de lugar e o de paisagem. No caso do conceito de lugar pretendemos usar essa categoria para abordar as atribuições dadas aos faróis em suas realidades locais, em suas comunidades. Já no caso da categoria de paisagem o uso desta categoria se dará em função da análise de alguns aspectos imagéticos da paisagem litorânea. Escolhemos o território como conceito central, pois entendemos que nosso objeto de estudo - os faróis da costa nordestina, estão diretamente relacionados com a formação e consolidação do território nacional brasileiro. Dessa forma, importa compreender a relação entre esses objetos materiais e o território, revelando as relações de poder que estariam por trás de suas constituições. Este tema será aprofundado nos capítulos seguintes.

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Como ponto de partida para nossas reflexões teóricas, devemos considerar o território como um conceito complexo, devido ao fato deste conceito passar por muitas metamorfoses ao longo da história do pensamento geográfico. Alem de ser discutido por diferentes correntes do pensamento cientifico, o conceito, segundo Saquet (2007), pode se substantivar tanto na mente, ao nível do pensamento, como um território pensado ou projetado, quanto na matéria, como no caso da demarcação física do território de um dado Estado Nacional. Para elucidar melhor essas considerações iniciais, vamos retomar a obra citada, seguindo o esquema didático e cronológico proposto pelo autor, ressaltando que selecionamos as partes e os autores que mais se aproximam de nossa discussão. Isto é, selecionamos os autores que abordam o território na sua relação mais direta com o Estado Nação. Inicialmente Saquet apresenta uma introdução ao tema território mostrando como este assunto já vinha sendo analisado em textos desde a Grécia antiga como nos clássicos de Platão. No entanto, para os estudos geográficos que estamos realizando podemos iniciar nossas discussões a partir das reflexões elaboradas por autores do século XVI, dentre os quais, destacaremos Niccolo Machiavelli (1469-1527), célebre autor da obra O Príncipe. Na visão de Saquet (2007), as idéias expostas em O Príncipe1 influenciaram ideologicamente a formação dos estados nacionais europeus e foram transpostas para os processos de colonização do Novo Mundo. As grandes navegações e a dominação de novas áreas constituiriam para o autor um ponto decisivo para formarse uma nova concepção sobre os territórios dos estados europeus, que naquele momento, encontravam-se em franca expansão. Estas porções anexadas do espaço seriam vistas, pelas elites dominantes e estados nacionais, como novos territórios para dominação e exploração econômica das metrópoles européias. Segundo Saquet (2007), “O território passa a ser compreendido para além de abrigo, ou seja, como um receptáculo de investimentos econômicos feitos por pessoas.” (SAQUET, 2007, p. 27)

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Dentre as idéias centrais expostas na obra de Machiavelli (2006) temos a evidência do poder como relação de dominação que se expressa através do uso racional da força. A ocupação, apropriação e administração de áreas, tributos, costumes, leis e línguas são preocupações que o administrador, o Príncipe, deve ter na sua atenção, para obter êxito em suas ações político-militares. A obra faz uma descrição detalhada sobre as formas, a constituição, os modos de conquista e o governo que os principados deveriam ter para se sustentarem. A novidade principal naquele momento histórico era o fato desses principados novos poderem ser anexados, rompendo-se assim toda uma tradição cristalizada da ordem social que ligava o poder com a força e a vontade divina, representados pela Igreja Católica. Basicamente Machiavelli ensina como conquistar os territórios-principados e manter-se no poder. (SAQUET, 2007, p.28)

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Mais adiante o autor vai ressaltar que além dos investimentos pessoais, são os investimentos e ações estatais, os que merecem uma análise mais detalhada por parte dos pensadores, devido a seus marcantes efeitos sobre um determinado espaço. Outro aspecto interessante ressaltado pelo autor é a verificação da presença das concepções propostas por Machiavelli (2006) nas ações dos governos europeus. “Para Maquiavel o território é uma área controlada e fortificada que deve ser defendida e mantida sob domínio. O poder é exercido, na apropriação e dominação.” (SAQUET, 2007, p. 28) Se observarmos o início do processo de ocupação e formação territorial da colônia no Brasil, poderemos notar que estas concepções de controle e fortificação foram transportadas por colonizadores e grupamentos militares portugueses para a costa brasileira2. Podemos observar ainda que, ao longo da linha litorânea, o poder português foi cristalizando-se em fortalezas e outras fortificações para demonstrar seu domínio sobre o novo território conquistado. Sendo assim, podemos concluir que as concepções de Machiavel se constituíram como um dos referenciais mais importantes para a reflexão sobre o Estado e suas atribuições no período colonial. Como um precursor da teoria do Estado, o autor aponta com clareza como deveriam operar os governos dominadores e mantenedores de novos territórios anexados. Essa proposta de ação dominadora e controladora de territórios serviu de base para discussões futuras sobre a ação dos Estados Nacionais em suas vertentes colonialistas e imperialistas. Antes de seguir pela cronologia do texto, vamos fazer uma pequena ressalva para esclarecer que Saquet (2007) propõe uma separação cronológica para estudar um elenco de autores bastante numeroso. Encontramos em sua obra autores clássicos da Geografia, como Friedrich Ratzel, que fazem parte de um contexto histórico mais específico, respondendo a questões referentes ao expansionismo tardio da Alemanha no início do século XX. A maioria dos autores analisados posteriormente por Saquet (2007) - como Jean Gottman (1947, 1952, 1975), Claude Raffestin (1976, 1978, 1981, 1993) e Robert Sack (1980, 1986, 1992), e os autores brasileiros Milton Santos (1977, 1988, 1996, 1999, 2000), Manuel Correia de Andrade (1994, 1995) e Roberto Lobato Correa (1994) fazem parte de momentos históricos contemporâneos, realizando novas discussões dentro do pensamento geográfico na segunda metade do século XX. Não podemos 2

A este respeito ver PRADO JR, Caio. Formação do Brasil Contemporâneo. São Paulo. Brasiliense, 1996.

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deixar de lembrar que cada autor analisado vai corresponder a sua época de produção científica, e que assim, o conceito de território também vai sendo moldado de acordo com essas temporalidades. Assim, na abordagem de Saquet vão sendo agrupados conjuntos de autores que desenvolvem uma temática próxima, e, que de alguma forma, produzem suas concepções dentro de um mesmo intervalo de tempo. Ou seja, o autor organiza seu texto, cronologicamente, tendo como base as décadas da segunda metade do século passado. Ele indica, com ênfase, que as mudanças sociais, econômicas e culturais que ocorriam em escala global3 eram os fatores determinantes de elaboração de novas abordagens sobre o conceito de território, pois colocavam os cientistas diante de novos questionamentos sobre a relação do homem com o espaço terrestre. As mudanças políticas, econômicas, tecnológicas e sociais, decorrentes das duas guerras mundiais e do novo imperialismo, afetaram a própria relação dos homens com seus espaços. Dessas mudanças abruptas teria resultado um ambiente de profundos questionamentos que são transferidos para a esfera acadêmica. Assim, o conhecimento científico produzido nesse período também passa a expressar novas abordagens sobre o conceito de território. Desta forma, os desafios impostos pela complexidade da vida social, aliados a todas as mudanças elencadas anteriormente, fizeram com que o tema território emergisse novamente com grande força argumentativa e explicativa em muitos textos e estudos científicos no período pós-guerras. A questão central poderia ser traduzida pela seguinte indagação: como as ciências poderiam responder a mudanças territoriais e sociais de tamanho porte e rapidez? Para o autor de Abordagens e concepções sobre território fez-se necessária uma nova interação entre os diversos campos do saber científico e uma retomada, por parte dos autores contemporâneos, de textos clássicos que discutiam anteriormente esta temática. Assim procederam geógrafos, sociólogos, economistas e filósofos nas suas construções na segunda metade do século XX. Sobretudo nas décadas de 1960 e 1970 temos a configuração de três tendências majoritárias de debates em torno do tema território.

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Sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial verifica-se uma reconfiguração dos mapas de Estados Nacionais, principalmente na Europa, em virtude de tratados internacionais. ( SAQUET, 2007)

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A primeira linha de debates seria aquela desenvolvida por autores que discutiam a própria metodologia científica da geografia aliada às discussões geopolíticas que envolviam principalmente o papel do Estado Nação na organização da vida social. Para isso, a maioria dos autores levantados por Saquet (2007) retomam os textos clássicos da geografia positivista. Os principais autores destacados por Saquet são Jean Gottmann, re-formulando o território a partir de elementos históricos e a partir de uma psicologia social, e Claude Raffestin, que discute o papel do Estado Nação, extrapolando a sua análise para os campos da economia e da cultura. Na segunda linha teremos uma abordagem eminentemente marxista e econômico-cultural. Segundo estas abordagens, as forças produtivas e relações de produção aparecem “criando” territórios e novas territorialidades, transformando naturezas, e gerando, muitas vezes, conflitos culturais devido à expansão homogeneizante do modo de produção capitalista. Dentro desta linha destacamos os autores brasileiros como Manuel Correia de Andrade, Milton Santos e Caio Prado Junior como grandes colaboradores nos estudos sobre a formação do Brasil. Na terceira linha temos estudos mais recentes englobando a discussão cultural, política e econômica, e ainda acrescentando a preocupação ambiental. Vale ressaltar que nas últimas décadas do século XX as mudanças climáticas e o agravamento das desigualdades sociais, criam um ambiente intelectual favorável para uma revisão generalizada sobre os posicionamentos políticos dos cientistas. Desta forma, esse grupo de autores é marcado por um posicionamento frente a estas questões sócio-ambientais que se reproduzem em escala global. Nesta linha podemos elencar Giuseppe Dematteis e Robert Sack como importantes autores que pensam a relação entre procedimento cientifico e ação política. Desse modo podemos observar três grandes linhas de discussões e debates que se sucedem no tempo histórico, aglomerando autores preocupados com os problemas de sua época. Após esta breve apresentação das três principais linhas de reflexões teóricas sobre a questão do território, devemos destacar que, no contexto de nossa pesquisa, onde o território é abordado em relação direta com o Estado Nação, a abordagem de maior relevância conceitual seria aquela chamada de geopolítica.4 Sabemos que na atualidade o tema território pode ser discutido em termos para além do Estado Nação, 4

Mais tarde, em meados do século XX, podemos constatar que essa vertente geopolítica de estudos sobre território também recebeu o nome de vertente clássica da Geografia.

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mas resolvemos nos centrar neste binômio, Estado e território, para clarificar a função dos faróis neste processo de formação territorial. Seguindo assim, dentro da abordagem clássica de território, vamos ressaltar inicialmente as contribuições do pioneiro da geografia do homem, Friedrich Ratzel. Segundo Saquet, este autor foi fundamental para a constituição de uma discussão mais elaborada sobre a relação entre territórios e estados nacionais. Desde o século XVI as questões envolvendo o poder estatal e as alterações no espaço dominado vinham “saltando” das esferas militares e se avolumando num amontoado de informações ainda pouco elaboradas por uma ciência em fase de formação, a Geografia. Faltava, segundo Saquet, uma organização científica sobre o tema, uma teoria, com leis universais, que explicassem a soberania da forma de organização estatal sobre as demais formas de organização social. Como e por que os Estados Nacionais deveriam dominar a esfera da organização social e expandir seus territórios? Fica assim evidente que a relação entre os conceitos de Estado, Nação e território deveria se configurar como o cerne conceitual para a explicação das alterações da vida social sobre a superfície do globo terrestre. Neste contexto, Ratzel (1882) utiliza a expressão espaço vital5 como área dominada, delimitada, defendida e alterada de acordo com as demandas dos estados nacionais. Mesmo se remontarmos a autores anteriores a Ratzel, como no caso de Maquiavel, podemos notar com clareza que a relação estado e território já vinha se configurando como condição essencial para a organização da vida humana. Segundo Saquet, o ponto fundamental para impulsionar uma retomada acentuada na discussão sobre território, tanto por parte de autores clássicos como Maquiavel, no século XVI, e posteriormente por Ratzel, no século XIX,

é o processo que se

convencionou chamar de descobrimento do Novo Mundo. Foram, assim, os povos navegadores expansionistas, portugueses, espanhóis, holandeses, ingleses e franceses, que promoveram o desenho mental e factual de um Novo Mundo composto por novos territórios. Esses povos mudariam decisivamente os mapas da terra, principalmente a partir do Tratado de Tordesilhas de 1494. Explica Saquet (2007) que neste período “O território é experimentado para alem de habitat do homem, como receptáculo de suas

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Na concepção ratzeliana o espaço vital pode ser entendido como a área necessária ou suficiente da superfície terrestre, incluindo-se mares e áreas fluviais, voltada para a produção e reprodução das relações sociais e materiais fundamentais a vida humana. (MORAES, 1990, p.23)

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atividades econômicas, principalmente, no decorrer dos séculos XVII e XVIII.” (SAQUET, 2007, p. 28) Dentro dessa lógica de expansão dos estados europeus, temos o Brasil como um exemplo de novo território – a grande colônia portuguesa, um Imenso Portugal6 em construção – descoberto para a dominação e exploração da metrópole. Seria assim, um novo mundo de recursos naturais e humanos pronto para ser desvendado e explorado economicamente pelos portugueses. De acordo com descrição cronológica de Saquet podemos notar que, somente após três séculos de processos de colonialismo pelo mundo afora, é na Alemanha que se configura um contexto histórico específico para a germinação de um novo debate sobre os territórios. De maneira sui generis, o Estado alemão entrava no início do século XX sendo uma potência industrial, de montante superior à própria Inglaterra, mas sem a posse de colônias, o que faria dela um grande estado sem corpo, vale dizer, um grande e poderoso Estado sem espaço para sua expansão. Essa condição de grande potência econômica sem um território de expansão dá origem ao chamado processo de expansionismo tardio da Alemanha, que entra nas disputas pelas colônias européias na África, num momento em que os territórios africanos já haviam sido partilhados pelo próprio Otto Von Bismarck7. A partir daí temos a escalada de ações que redundariam na primeira grande guerra, e posteriormente, na Segunda Guerra Mundial.8 Em virtude deste processo histórico vivido pelos alemães entre o final do século XIX e início do século XX, o tema do expansionismo e da dominação de novas áreas passa a ser freqüente, senão exaustivo, nos debates políticos e científicos naquele país. Seguindo essa mentalidade, um grupo especial de autores representado, sobretudo, por Alejandro de Humboldt, como um precursor, que escreve sobre o tema em período anterior a Karl Ritter e Friedrich Ratzel. Este grupo de autores retém essa problemática espacial em suas discussões e inicia, no século XIX, um novo campo de longos debates sobre o expansionismo alemão. Especificamente para nossa pesquisa, Ratzel e Humboldt são os autores que mais nos interessam nessa discussão. 6

Expressão de Chico Buarque de Holanda, que serve de título a uma obra de ensaios sobre a história do Brasil. Cf, MELLO, 2002. 7 Otton Von Bismarck (1815- 1898) foi o chanceler de ferro da Alemanha. Nomeado Primeiro Ministro da Prússia em 1862, desempenhou funções diplomáticas ajundando a compor um complexo sistema de alianças, destinado a conseguir o isolamento internacional da França e a realçar o papel da Alemanha, mas foi pelo uso da força, exemplificas pelas anexações dos territórios da Alsácia e Lorena, que ficou mais conhecido. (FONSECA, 2006) 8 Cf .HOBSBAWM, 2007

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No caso de Humboldt, o Estado alemão deveria conhecer e esquadrinhar o espaço terrestre para programar e implementar com êxito sua ação expansionista. Para isso, o autor promove uma série de aventuras fantásticas composta de viagens científicas e filosóficas pelo Novo Mundo, Filipinas, Argélia, Egito, Marrocos e Europa Ibérica e Itália.9 Todas as investidas deveriam organizar conhecimentos sobre as possibilidades de riquezas naturais e humanas a serem conquistadas pela potência em questão. Essas viagens viriam ajudar a compor, mais tarde, uma obra clássica do positivismo geográfico alemão, a saber: O Kosmos (1845-1862). Sem adentrar nas possíveis críticas ideológicas e políticas que recaem sobre as motivações para tais ações de investigação do espaço, podemos dizer, que essa aventura classificatória do Kosmos serviu de base para a consolidação de um conhecimento científico positivista e naturalizante dos territórios. Estes eram entendidos, grosso modo, como áreas fornecedoras de recursos humanos e naturais sem indagações mais elaboradas sobre sua constituição histórica, por exemplo. Observando, e agora nos aprofundando sobre as contribuições de Ratzel para este período do pensamento geográfico, notamos que este autor apresenta no decorrer de sua vasta obra uma preocupação central: a necessidade de expansão do Estado Alemão. Sendo assim, ele elabora uma abordagem geopolítica onde o território significa, antes de mais nada, área de recursos naturais, ou ainda, área provedora de solos, de águas e de climas necessários e indispensáveis à produção agrícola humana. O autor da Antropogeografia elabora, ainda dentro da perspectiva de Saquet (2007), uma concepção de natureza exterior ao homem. A natureza seria para Ratzel a área externa ao homem, passível de dominação. E essa condição de externalidade condicionaria o homem num movimento de expansão natural pela busca de seus espaços vitais. Para realizar essa expansão no espaço natural seria necessária uma organização social mais elaborada, onde as necessidades de um povo fossem contempladas. Esse organismo de expansão mais elaborado ficou conhecido pelo nome Estado Nacional. Logo, dentro desta abordagem, o Estado, e seu movimento vital de expansão, também vão sendo naturalizados e justificados através de uma construção teórica muito 9

Sobre as viagens fantásticas realizadas por Humboldt e outros viajantes do século XVIII e XIX podemos encontrar importantes reflexões presentes nos textos Del Orinoco al Amazonas:Viaje a las regiones equinocciales Del Nuevo Continente e Quadros da Natureza ambos escritos de Humboldt (2005), e outros textos de comentadores como O fantasma de Humboldt, de Helferich (2005), e ainda o artigo elaborado por Bosque e Ortega (1995) intitulado Alejandro de Humboldt (1769-1859).

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bem elaborada. O Estado configura-se, desse modo, como a sede do poder social e como o lócus, por excelência, de controle desse poder social. Vale ressaltar que nessa argumentação, o estado e a natureza são elementos constantes e compõem o núcleo duro da discussão conceitual sobre o território. Segundo o autor da Antropogeografia:

Pode-se, portanto aceitar como regra que uma grande parte dos progressos da civilização são obtidos mediante um desfrute mais perspicaz das condições naturais, e que neste sentido esses progressos estabelecem uma relação mais estreita entre povo e território. Pode-se dizer ainda, em um sentido mais geral, que a civilização traz consigo o fortalecimento de uma ligação mais intima entre a comunidade e o solo que a recebe. E mais: A sociedade que consideramos, seja grande ou pequena, desejará sempre manter, sobretudo a posse do território sobre o qual e graças ao qual ela vive. Quando esta sociedade se organiza com esse objetivo, ela se transforma em Estado.(RATZEL 1990, Apud, SAQUET, 2007, p.72-73)

A partir dessa colocação podemos concluir que, para Ratzel, o território somente se constitui a partir do momento em que um grupo social se organiza em meio a um espaço que considera vital. Esse território deveria ser defendido, dentro de uma mentalidade européia, estabelecendo-se limites e fronteiras bem definidas. Saltando para os próprios escritos de Ratzel destacamos duas leituras que julgamos fundamentais para o aprofundamento sobre a categoria em questão. No livro Ratzel (1990), escrito por Antonio Carlos Robert Moraes, podemos recuperar trechos reproduzidos diretamente das obras clássicas do autor alemão. Centramos nossa atenção sobre algumas partes da Geografia do Homem presentes na Antropogeografia, texto de 1914, onde Ratzel apresenta no terceiro capítulo, intitulado “O povo e seu território”, as bases de seu pensamento para a constituição de um território estatal. Ele ressalta que, mesmo em formas sociais menos elaboradas do que o Estado, como as famílias e as aldeias, o controle do espaço efetivado pela formação de um território é essencial à sobrevivência de um povo. Logo, seguindo as próprias palavras do autor, concordamos que com a afirmação de que mesmo “a sociedade mais simples só pode ser concebida junto com o território que lhe pertence.” (MORAES, 1990, p. 73) Como nossa pesquisa trata, especificamente, da relação dos faróis com a formação territorial do estado brasileiro, buscamos centrar nossa atenção nas ações do Estado Português referente a este processo. Ainda no terceiro capítulo, em parágrafo intitulado “O Estado e a proteção do território”, temos aquilo que podemos chamar de os fundamentos da visão geopolítica de Ratzel. Numa construção eloqüente o autor vai 19


elencando todas as atribuições que o Estado adquire na formação e consolidação de um dado território. Cabe a ele desde a defesa ou proteção da área e a manutenção de um espaço vital para a reprodução social das famílias ou clãs. Nas palavras do autor:

A tarefa do Estado continua sendo em ultima análise apenas uma: a da proteção. O Estado protege o território contra as violações vindas de fora, que poderiam reduzi-lo. Naqueles países que alcançaram o apogeu do desenvolvimento político, servem a esse objetivo não só as fronteiras e as disposições para a defesa destas. (MORAES, 1990, p. 76)

Para finalizar sua argumentação a favor do expansionismo estatal em capítulo denominado “ O território e o Estado”, Ratzel destaca que o avanço e o incremento de novas áreas seriam uma manifestação natural do crescimento dos povos de uma dada área. Quando avança para além da gen10 o incremento do território não pode ser considerado senão como incremento do Estado. Quanto mais gens se ligam entre si com o objetivo de ataque ou de defesa, a nova unidade que se forma não é senão um Estado[...] Depois de assim formada, esta unidade vai crescendo gradativamente até alcançar a amplitude dos impérios mundiais, que se estendem por continentes inteiros. (MORAES,1990, p. 77 )

Enfim, o que podemos notar e destacar da obra de Ratzel é sua preocupação decisiva em afirmar e justificar a necessidade expansionista do Estado e sua necessidade de defesa decorrente dessa organização. Características estas que marcaram, de forma geral, as teorias políticas construídas pelas elites européias, e que iriam redundar, mais tarde, em ações militaristas e expansionistas dos estados imperialistas.

***

Notamos, dentro dessa concepção do território estatal, que a visão militarista de defesa consta como elemento central. A necessidade de proteção consolida-se como uma marca dos estados europeus, e, como veremos a seguir foi um dado marcante nos processos de colonização portuguesa ocorridos na América do Sul. Tal preocupação 10

Termo usado na obra de Ratzel que significa agrupamento familiar primeiro, primordial ou clã onde se fundamentam as relações de parentesco e reciprocidade entre os homens.

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com a defesa tornou-se visível nas fortificações que se multiplicaram pela costa nordestina. Podemos adiantar para os nossos leitores que fortes, fortalezas e faróis localizados entre Salvador, Recife e Natal, foram inicialmente construídos, tendo-se em vista, a segurança da navegação naquele litoral recortado por arrecifes. Notadamente observaremos que os monumentos foram erguidos devido à necessidade de segurança para a circulação de mercadorias, ameaçadas rotineiramente por ataques de corsários, o que demandava uma vigília maior na costa do Brasil. Podemos afirmar que a principal rota de circulação econômica no período colonial da história brasileira, passava pelos litorais nordestinos, o que causou a prematura instalação destes sistemas de segurança e sinalização nestes territórios. Com relação ao processo de formação territorial da nação brasileira que se desenrolou por mais de três séculos, vamos adotar uma divisão básica da historiografia brasileira e compreendê-lo em dois intervalos históricos, que se convencionaram chamar de período Colonial (1500 –1822), e período Imperial (1822-1889). Para tratar inicialmente do período Colonial resolvemos buscar como fontes uma bibliografia sedimentada que tratava especificamente do processo de produção do território nacional. Para os períodos da Colônia , do Império, e até para o inicio da República no Brasil (após 1889), quando temos a formação e a consolidação do território brasileiro, o conceito de território de Ratzel oferece uma perspectiva de explicação adequada. Tratase, justamente, da história de um território nacional, o brasileiro, que se forma como um incremento de outro Estado, o português. Autores importantes da historiografia do Brasil, como Caio Prado Júnior, partem desta perspectiva para construir uma história do território brasileiro. Já para os períodos posteriores da República, que se iniciam no século XX e percorrem o século XXI, as explicações de Ratzel perderiam sua força explicativa. As novas categorias territoriais, ou novas territorialidades necessitam de outras ferramentas e metodologias científicas para sua compreensão. Neste intuito, de compreender os períodos posteriores da República no Brasil, e explicar especificamente a dinâmica social dos faróis vinculada às questões territoriais, buscamos nos referenciar em autores contemporâneos da geografia e de outras ciências humanas que trabalham com estas territorialidades. Destacamos as contribuições de Milton Santos (1988), e Maldonado

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(1993) que revitalizam a discussão territorial, transportando-a para os parâmetros atuais de nossa sociedade.

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Capítulo 2 Fortificações e faróis na formação do território nacional brasileiro: Um Estado para a metrópole.

Iam de cabo em cabo nomeando Baías promontórios enseadas: Encostas e praias surgiam Como sendo chamadas

E as coisas mergulhadas no sem-nome Da sua própria ausência regressadas Uma por uma ao seu nome respondiam Como sendo criadas. (Sophia de Mello Breyner Adresen)11

De início podemos afirmar que o período colonial da história brasileira foi atravessado por diversos conflitos e por tantas perdas e gastos para a Coroa Portuguesa, que se fez necessária uma estratégia mais elaborada e eficiente para estabelecer um território colonial. Essa estratégia, desenvolvida pelos portugueses ao longo de três séculos de colonização, pode ser resumida em três pilares básicos: conhecer, defender e povoar o território. O conhecimento, neste momento, adquire o sentido de cartografar e descrever o território em relatos, cartas ou descrições de viagens. A defesa inclui uma série de estratégias militares, das quais, a mais visível, é a construção de fortes e fortalezas. Por fim, o povoamento do território marca a consolidação do processo de colonização. Esses três elementos são de interesse para nossa pesquisa, na medida em que estão presentes no litoral nordestino, e na medida em que a construção dos faróis passa a ser uma conseqüência e um aprimoramento destas estratégias. Certamente existem inúmeras linhas de abordagem para tratar sobre este assunto, e foram criadas também diversas teorias sobre tais processos. Pretendemos ressaltar em nossa pesquisa os olhares e reflexões de historiadores e geógrafos sem dispensar o olhar 11

ANDRESEN, 2001

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de outras ciĂŞncias. Desse modo, contamos nos estudos a seguir com textos de arquitetos e militares que, cada um a sua maneira, desvelam o que sucedeu neste solo conquistado pelos portugueses Ă custa de muita engenhosidade e astĂşcia.

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2.1 Conhecer e Cartografar o território colonial.

Para analisar este processo de conhecimento da costa, e sua tradução em mapas, selecionamos o artigo de Beatriz Piccolotto Siqueira Bueno (2004), intitulado “A produção de um território chamado Brasil”, texto publicado na coletânea Laboratório do Mundo: idéias e saberes do século XVIII. Neste texto, a autora discute um importante legado das ciências iluministas em formação no século XVIII, a Cartografia. Como uma condensação de variados saberes, conhecimentos matemáticos, físicos, astrofísicos e geográficos, a Cartografia das partes do globo produzida neste período abarcava uma gama enorme de saberes até então dispersos em “ciências”, como bem aponta a autora. Especificamente, a habilidade desenvolvida por notáveis matemáticos e astrofísicos, navegadores e clérigos, lusitanos, em sua maioria, davam a possibilidade histórica de cálculo mais preciso para operações de aferimento da latitude e da longitude. A elaboração de mapas mais precisos exerceu um peso político decisivo na organização dos estados nacionais europeus, e pode-se dizer que esse desenvolvimento científico foi diretamente proporcional à definição dos territórios destes estados. Além disso, a confecção de mapas também ajudou a organizar as respectivas conquistas dos países coloniais no Novo Mundo. As conquistas ultramarinas e os conflitos recorrentes pela manutenção destas áreas demandavam a confecção de mapas cada vez mais detalhados, com limites e fronteiras cada vez mais claros, para que se evitassem novos e custosos confrontos entre as nações colonialistas. Numa rica construção textual, Bueno (2004) aponta para sua concepção de território, destacando que este se diferencia do espaço propriamente dito. Em suas palavras:

O território com contornos e limites precisos é uma construção histórica, produto da ação humana. Categoria aparentemente universal, falsamente natural, o território não tem nada de espontâneo. Para alem das fronteiras naturais, a fronteira política é sempre uma linha abstrata e convencionada por alguns. Tal como os animais se apropriam da natureza definindo “territórios”, os homens “dilatam as suas conquistas”, apropriam-se do espaço, percorrendo-o, conhecendo-o, nomeando-o e mapeando-o.”(BUENO, 2004, p. 229)

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Segundo a autora, esse ato de mapear novas áreas poderia ser traduzido por outros verbos, que expressariam essa mesma ação de outra maneira. Isto é, ao mapear, o homem domesticava, submetia, conquistava, controlava e contradizia ordens da natureza. Em outras palavras, ao produzir um mapa, os homens tentam primeiro: representar uma natureza ilimitada e descontínua num plano limitado e contínuo que é a carta topográfica. E, em segundo lugar: na produção da carta tenta-se viabilizar a compreensão de vastas áreas que até então eram inapreensíveis ao intelecto humano. Cartografar pode ser visto, assim, como um processo de dar nome ao “sem nome”. Produzir referenciais humanos para um espaço até então “desumanizado”. O exemplo de carta produzido pelo “século das luzes” é a Carta Geographica de Projecção Esphérica da Nova Lusitânia ou America Portugueza e Estado do Brasil de 1797.

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Figura. 2: Reprodução da Carta Geographica de Projecção Esphérica da Nova Lusitânia ou America Portugueza e Estado do Brasil de 1797. Fonte: BUENO, 2004, p.228.

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Nesta carta, Antonio Pires da Silva Pontes de Leme (1797), astrônomo e geógrafo brasileiro com formação pela Universidade de Coimbra, apresenta de forma surpreendente, uma síntese do longo processo histórico de definições das fronteiras portuguesas em relação às áreas espanholas. Continua a autora:

O país ali representado é o Brasil de além Tordesilhas, com uma rede de caminhos, capelas, freguesias, vilas, cidades e fortificações que funcionaram como chaves de um território, cuja “produção” foi resultado de um enorme investimento estratégico minuciosamente arquitetado pela coroa portugueza. (BUENO, 2004, p. 230)

Ou seja, o que se apresenta no mapa é um retrato desse processo intenso de formação territorial e disputas colonialistas, no qual as nações mais desenvolvidas na ciência cartográfica passavam de uma cultura da latitude para uma cultura da longitude. A expansão dos territórios portugueses para a direção oeste já indicava, através da citada carta, esse avanço científico-tecnológico. Segundo Bueno, foi somente no final do século XVIII que o cálculo das distâncias no eixo leste-oeste se configurou de fato com mais segurança. Esse cálculo permitira ao ultramar português adentrar ao continente, adentrar ao Sertão12. Em 1750, com a divulgação do Mapa das Cortes13 e a assinatura o Tratado de Madri, o antigo Tratado de Tordesilhas de 1494 deixa de vigorar, e como podemos observar, deixa de constar nas representações cartográficas produzidas naquele período. Vale lembrar que o Mapa das Cortes já vinha sendo elaborado e redefinido, pelas cortes portuguesa e espanhola, desde 1746. As documentações históricas sobre os tratados políticos da época atestam pelo menos duas versões do mesmo mapa, concluídas e enviadas a Madri no ano de 1749. (FERREIRA, 2007). A seguir reproduzimos uma versão do Mapa Primitivo de Lisboa de 1749, executado por ordem do Ministro espanhol, ainda dentro da fase de negociações políticas.

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Sobre a definição de Sertão este termo aparece em vasta bibliografia. O vocábulo português de origem latina designa basicamente as regiões apartadas do mar onde a sociedades humanas se organizam sem a presença de um estado centralizador e de outras instituições típicas do processo civilizador que caracteriza as sociedades ocidentais. (BUENO, 2004, p.229) 13 Cf . FERREIRA, 2007; COSTA, 2004.

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Figura. 3: Mapa das Cortes de 1749. Fonte: COSTA, 2004, p. 30

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Concluímos assim que as cartas apresentadas condensam acordos políticos e uma tradição científica que estava em franca ascensão desde o século XVI, e que teria se intensificado entre os séculos XVII e XVIII. Os dados de longitude foram obtidos por métodos desenvolvidos principalmente no final do século XVIII, e incluíam observações astronômicas, medições da costa e do novo continente a oeste. Os matemáticos, e demais ilustrados, utilizando-se de “antigos” instrumentos de navegação, adaptaram e reinventaram esses objetos para os cálculos terrestres. Um dos principais inventos que influenciou o avanço dessa tecnologia geográfica foi a criação do relógio cronômetro feito por Jonh Harrison em 1770. A contagem mais precisa das horas sem as enormes distorções que os deslocamentos provocavam, e o registro dos minutos e segundos, davam base para cálculos mais avançados sobre as distâncias no sentido leste-oeste. Desse modo, podemos afirmar que os colonizadores portugueses, herdeiros dessa tradição, puderam adentrar com mais astúcia na América desconhecida e efetivar, a duras penas, um processo de expansão e povoamento singular na história das nações. Mais precisamente, a partir de 1803 com a publicação das Efemérides Astronômicas pela Sociedade Real Marítima, juntamente com as Taboas para o cálculo da longitude geográfica14 de José Monteiro da Rocha, é que os conhecimentos para o cálculo das longitudes se padronizaram. Após essas publicações, estudiosos e práticos envolvidos nos processos de ocupação e mapeamento das novas áreas adotaram métodos comuns para o cálculo de tais localizações. Logo, os mapas confeccionados após este período passam a ganhar “características científicas” e, com maior credibilidade, passam a ser reconhecidos por outros geógrafos, sobretudo espanhóis, franceses e holandeses diretamente envolvidos nas disputas em áreas coloniais. Assim, somente no alvorecer do século XIX temos a consolidação de um conhecimento cartográfico científico. Esse conhecimento eminentemente geográfico estende-se para as longitudes dos oceanos. E, como conseqüência direta, as cartas náuticas tornam-se mais precisas nesse momento histórico. Isso assegura um volume maior de navegação na costa dos territórios americanos, e torna cada vez mais essenciais medidas de sinalização náutica nesses territórios. A abertura dos portos da colônia para o comércio com as “nações amigas” em 1808, é mais um fato histórico que determina a necessidade de controle e sinalização náutica no litoral brasileiro. 14

Cf . BUENO, 2004, p. 232

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2.2 Fortificar

Seguindo os elementos de consolidação do território brasileiro citados acima, temos a construção de várias fortalezas localizadas em pontos estratégicos da costa, que representavam desde o início da colonização uma tentativa de afirmação do poder português. Com relação às estratégias de fortificação, detivemos nossa atenção sobre o artigo intitulado “Fortificações Portuguesas na Cartografia Manuscrita”, escrito por Arnaldo Manuel de Medeiros Ferreira (2006), Major-General do Exército Português. O artigo se constitui numa rica seleção de mapas manuscritos e gravuras de grande interesse para nossa pesquisa. Podemos notar na apresentação de seus mapas que determinados locais, ou vilas da costa, vão se constituindo ao longo dos séculos como pontos de defesa e controle das autoridades militares. Dentro de seu texto o autor também ressalta uma obra que ganha destaque progressivo nas ações de mapeamento da costa brasileira. Trata-se do Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães. Este texto é considerado por muitos historiadores e estudiosos do tema, como a primeira cartografia da costa brasileira. O roteiro teria sido escrito entre os anos de 1573 e 1578 por Luís Teixeira a mando do Governador Luis de Brito de Almeida. 15 Assim, devemos notar que no texto citado já temos uma primeira descrição da costa brasileira assinalando os principais acidentes geográficos e os perigos para os navegantes que viriam a vasculhar nosso litoral. Ou seja, temos já no século XVI, uma preocupação com a observação e demarcação de sinais na costa brasileira. Com base nesta descrição, os navegantes lusitanos vão “cabotando”, atracando, ocupando e conquistando territórios de um litoral “coalhado de índios” e agruras naturais. E, para resistir em tal ambiente inóspito, eram necessárias verdadeiras estruturas fortificadas, as fortalezas. Voltando nossa atenção novamente para o texto do Major-General, Arnaldo Ferreira, temos um elenco de documentos provenientes dos arquivos e das bibliotecas portuguesas que demonstram a importância dessas fortificações para o processo de ocupação, povoamento e mapeamento do território brasileiro em formação.

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Cf. COSTA, 1988, p.3

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O autor militar inicia sua apresentação afirmando que nos mapas mais antigos do Brasil, que datam do início do século XVI, não constam quaisquer fortificações. Exemplo disto, é o famoso Mapa do Brasil que acompanha o Roteiro de todos os sinais (1988).

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Figura. 4: Mapa do Roteiro de todos os sinais, conhecimentos, fundos, baixos, alturas, e derrotas que há na costa do Brasil desde o cabo de Santo Agostinho até ao estreito de Fernão de Magalhães de 1586. Fonte: COSTA, 2004, p. 26.

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No mapa citado não encontrarmos a presença das fortificações. Esse dado não surpreende, pois, segundo o autor, nesse período, início do século XVI, contávamos apenas com fortificações efêmeras. As primeiras “armadas” erguidas pelos ocupantes da costa constituíam-se como pequenas fortificações, muitas vezes compostas por estruturas de madeira chamadas paliçadas e “pau-a-pique”, uma espécie de construção rústica feita de barro, cal e madeira trançada. Algumas apresentavam na sua base um solo de “terra-batida” e baixos muros de pedra, às vezes circundados por valas. Todas essas construções iniciais seriam de curta duração, já que, na natureza bravia dos trópicos, elas se deterioravam com relativa rapidez. Segundo o Major, apenas no período conhecido por União Ibérica (1580- 1640) é que houve um incremento das fortificações no Brasil devido à “necessidade de defender as principais povoações dos ataques de forças inimigas e das acções dos corsários que infestavam os mares e litorais brasileiros. (FERREIRA, 2006, p.04) Logo aparecem, no inicio do século XVII, as pioneiras iconografias e descrições dos complexos fortificados, dentre as quais se destaca a Relação das Praças e Fortes do Brasil, de 1609, organizada pelo também militar Sargento-Mor, Diogo Campos Moreno. O fato histórico marcante no período subseqüente levantado por Ferreira é a assinatura do Tratado de Madri em 13 de janeiro de 1750, onde se procurava delimitar mais claramente os domínios das coroas portuguesa e espanhola. Esse tratado exerceu, segundo o autor, um “peso histórico e político” decisivo para os contornos do que viria a compor o território Brasil. Sobre o tratado, aponta Ferreira:

Teve por finalidade o estabelecimento de “novos limites” entre os domínios de Portugal e Espanha na America do Sul, sendo relevante o trabalho das “comissões” compostas por geógrafos, astrônomos, matemáticos, engenheiros, e desenhadores, visando a escolha das “balizas naturais” da linha de demarcação que subistituía a de Tordesilhas, contexto em que as fortificações tiveram papel de realce” (FERREIRA, 2006, p.4)

Portanto, a partir do citado tratado temos uma preocupação maior das autoridades portuguesas para com as fortalezas. Elas passariam a representar a demarcação estabelecida neste acordo e deveriam “cumprir” a função de defensoras do território colonial. Como exemplos de importantes fortalezas edificadas após o Tratado de Madrid, temos a construção da fortaleza de N. Sra de Macapá e do Forte do Príncipe da Beira, às margens do rio Guaporé, demarcando pontos estratégicos na fronteira interior do Brasil.O autor segue com uma apresentação dos principais mapas e desenhos

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que retratam a costa e os rios do Brasil. Muitas gravuras apresentam uma notável qualidade artística que remonta a junção estreita que havia naquele período entre as Artes e a Cartografia – habilidade que mais tarde iria se tornar um componente da ciência geográfica. Selecionamos as cartas da região nordeste e outras que nos chamaram a atenção, justamente por revelarem a riqueza e o cuidado que os desenhistas tinham com o seu ofício e por indicarem localidades de interesse para nossos estudos. Recuperando a cartografia temática apresentada por Ferreira (2006), iniciamos nossa breve exposição com a gravura intitulada “Vila Nova da Fortaleza de Na. Sra. Da Assunção da Capitania do Ceará” de 1730.

Figura. 5: gravura que representa as primeiras ocupações humanas na Vila Nova da Fortaleza de Na. Senhora Da Assunção da Capitania do Ceará. Fonte: FERREIRA, 2006, p.18

Temos no canto direito superior da gravura a representação da fortificação e do povoamento que deu início e ajudou a erguer a primeira vila do Ceará, chamada de Vila de São José de Riba-Mar. Notamos assim, que o “germe” da cidade, hoje conhecida por

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Fortaleza, era de fato uma fortificação tradicional portuguesa como observamos na seguinte planta:

Figura. 6: Planta da Fortaleza de Na. Senhora Da Assunção. Fonte: FERREIRA, 2006, p.19

Detalhando nossa visão para a planta do prédio, vamos notar uma elaborada estrutura de defesa desenvolvida pelos “arquitetos” portugueses. Mais adiante pretendemos demonstrar como esta estrutura, ou este padrão arquitetônico, se repetiu, marcando a presença da coroa portuguesa nas praças de guerra ao longo da costa. Outra imagem de importância para nossa pesquisa é a “Planta da Fortaleza dos Reis Magos” de meados do século XVII.

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Figura. 7: representação da Planta da Fortaleza dos Reis Magos da Cidade de Natal. Fonte: FERREIRA, 2006, p.22

Podemos notar novamente o formato característico, em forma de estrela, das praças armadas. Mais adiante vamos nos aprofundar sobre esta fortificação com o auxílio de outro artigo que trata especificamente deste monumento histórico. Seguimos pelas cartas, e apresentamos o importante “Mapa da Bahia de Todos os Santos e cidade de São Salvador”, de 1759:

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Figura. 8: mapa manuscrito detalhado da Bahia de Todos os Santos. Fonte: FERREIRA, 2006, p. 26

No plano da Bahia de Todos os Santos temos uma clara noção do grau de desenvolvimento e elaboração que as cartas náuticas vinham ganhando no século XVIII. O mapa, visto com o auxílio de lupas, pode revelar, com detalhes impressionantes, o contorno de pequenas baías, enseadas e rios que desaguavam no recôncavo baiano. Finalmente, inserimos parte da cartografia manuscrita sobre a Baía de Guanabara intitulada “Planta da Barra do Rio de Janeiro”, de 1761.

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Figura. 9: representação pitoresca da Baía de Guanabara, com suas formas marcantes na paisagem litorânea. Fonte: FERREIRA, 2006, p. 28

De acordo com a imagem apresentada podemos notar que a formação peculiar da Baía de Guanabara, em formato de “boca”, fazia ressaltar com facilidade os pontos de ocupação e vigia da citada reentrância. Assim, desde as gravuras mais antigas temos a presença das fortificações assinaladas nos mapas, indicando a presença constante dos portugueses naquela promissora baía. Resumidamente podemos captar desse notável elenco de mapas selecionado pelo Major a sua riqueza imagética e, por que não, artística. Novamente ressaltamos que a precisão descritiva dos desenhistas dos territórios em questão indicava um processo de refinamento gradativo da cartografia ocorrido neste período. Ainda sobre a riqueza imagética das obras, destacamos mais três mapas que apresentaremos a seguir. No primeiro caso, temos o mapa do “Plano do Pará”, sem data definida.

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Figura. 10: gravura da vista da região onde se instalou a cidade de Belém do Pará. Fonte: FERREIRA, 2006, p. 12

Mesmo sem a datação precisa da obra, destacamos a capacidade ilustrativa do desenhista que parece “elevar sua percepção do espaço” para um plano superior ao da superfície terrestre. Assim, nesta perspectiva elevada, o autor da obra retrata na saída do Rio Guamá a região ocupada pelo Forte do Presépio e o início da ocupação onde hoje é a cidade de Belém. Num misto de exercício intelectual e artístico o autor da obra parece sobrevoar a região numa época em que ainda não podíamos contar com as aeronaves. Salta assim aos nossos olhos a percepção aguçada que estes desenhistas possuíam. Essas habilidades mentais, isto é, o deslocamento do plano de desenho e os cuidados com a escala e proporção do terreno, indicam a qualidade dos trabalhos desenvolvidos pelas mãos dos desenhistas, precursores dos futuros cartógrafos. As duas últimas imagens que 40


selecionamos deverão ser apresentadas em seqüência para uma melhor percepção de suas qualidades. Tratam-se de duas imagens da Baía de Santos produzidas em épocas diferentes, a primeira de 1815 e a segunda, produto do século XX. Primeiro segue a imagem do século XIX:

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Figura. 11: Planta Topográfica de Santos de 1815. Fonte: FERREIRA, 2006, p. 36

Figura. 12: mapa da Baía de Todos os Santos com base em foto de satélite disponível no arquivo Victor Hugo Mori do IPHAN de São Paulo. Fonte: FERREIRA, 2006, p. 36

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Colocadas em comparação, as imagens revelam como o cartógrafo do século XIX usou de rigor na construção de sua carta, pois as proporções e escalas do desenho coincidem, de forma muito próxima, às escalas captadas pelos instrumentos do século XX. O desenho apresenta assim uma semelhança surpreendente em relação à imagem de satélite colhida posteriormente.

***

Completamos assim, nossas considerações a respeito desse artigo reconhecendo seu valor histórico ao selecionar e recuperar uma cartografia temática bastante valiosa para nossos estudos e para uma apreciação cartográfica sobre a costa brasileira. Essa cartografia temática centrada nas fortificações ajuda a revalorizar estes prédios e monumentos como patrimônios históricos brasileiros. Percebemos que em muitos casos as fortificações deram início à formação de vilas que se tornaram cidades importantes, muitas vezes capitais de nosso litoral.

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2.3 A simbologia das fortalezas na costa brasileira

Especificamente para discutir o valor simbólico que as fortificações carregam ao longo de séculos, vamos recuperar as contribuições presentes no artigo de Lourenço Conceição Gomes (2006), intitulado “O valor simbólico das fortalezas reais de S. Filipe da Ribeira Grande de Cabo Verde e dos Três Reis Magos do Natal no Brasil”. Neste texto encontramos elementos argumentativos importantes para ressaltar, justamente, o caráter simbólico das fortalezas. Esta simbologia, mais adiante, poderá também ser relacionada aos elementos de sinalização da costa, como os faróis. O autor centra suas reflexões na análise de dois casos específicos de fortificações reais. Uma encontra-se na ilha do Cabo Verde e a outra é a Fortaleza dos Reis Magos, à qual já fizemos referência anterior, localizada na orla da cidade de Natal (RN). Aponta o autor que estas obras arquitetônicas fazem parte do patrimônio cultural material do ultramar português e que elas são elementos que podem ajudar na reconstituição de uma história do Oceano Atlântico, que está relacionada tanto a portugueses quanto brasileiros. No caso brasileiro, podemos afirmar que a fortaleza de Natal se constitui como parte da paisagem litorânea e, por assim dizer, constitui parte da cultura do litoral potiguara. O monumento identifica a própria cidade de Natal, sendo representado em muitos cartões postais da atualidade. A fortaleza dos Três Reis Magos encerra, portanto, uma identidade para aquela urbanidade. Logo, podemos supor que a herança material guardada nestas construções, juntamente com faróis que viriam a ser instalados em suas proximidades, apresenta valor significativo, servindo como símbolo da dominação portuguesa. Com os devidos estudos históricos e geográficos, esses valores, simbólicos, culturais e históricos, podem emergir da materialidade e passar para o campo das idéias. Segundo o autor, o valor dessas construções pode ser considerado inestimável para os geógrafos e historiadores, na medida em que re-apresentam o passado dos homens e das instituições que atuaram naqueles espaços. Retornando aos estudos de caso, observamos que os sistemas fortificados se desenvolviam em situações dramáticas de fixação ou em locais onde se davam surtos de atividade comercial. Em teoria, a intensificação da atividade econômica geraria lucros que dependiam de mais segurança para sua circulação sem pilhagens. Enfim, uma 44


suposta situação de insegurança, devida a uma circulação maior de valores, era um dos motivos destacados pelo autor para se “erguer” uma fortificação. A situação insegura descrita no texto faz referência direta aos constantes ataques feitos pelos navios corsários europeus nos mares do Oceano Atlântico, sendo compostos principalmente de piratas franceses, ingleses e holandeses. Para exemplificar esse processo, o texto encaminha a abordagem do caso da ilha do Cabo Verde, onde no início de sua ocupação, devido ao isolamento da ilha e à baixa atividade comercial não se fazia necessária uma fortificação. Sobre a situação social da ilha escreve o autor: “Esses homens vindos da Algarve e do Alentejo, juntamente com alguns pretos livres, sustentados pelo trabalho de milhares de escravos, ergueram aquele que viria a tornar-se o centro de um comercio florescente de grande interesse.” (GOMES, 2006, p. 161) Com o passar dos anos e com o conseqüente aumento da circulação naval no Oceano Atlântico, um entreposto marítimo estratégico, tanto para a travessia do oceano como para a cabotagem na costa da África, ganharia destaque. Temos, assim, uma mudança significativa na ordem social da ilha de Cabo Verde: “O rápido crescimento da urbe principalmente a partir de 1533 leva a que os portugueses decidam elevar a Vila à categoria de Cidade e erigir a sede do bispado abrangendo não só Cabo Verde, mas também terras da Guiné.” (GOMES, 2006, p. 162.) Continua o autor recuperando os acontecimentos e o processo social que ocorrera na segunda metade do século XVI. Vemos na descrição que a movimentação econômica oriunda do tráfico de mercadorias gerou bens e fez com que a Ribeira Grande se tornasse um alvo apetecível. Sem um sistema de defesa eficaz, entrepostos comerciais como estes se tornavam muito vulneráveis. Assim as fortalezas vão ganhando importância cada vez maior na organização das cidades costeiras. Essa teoria que acabamos de expor, que articula aumento da atividade econômica e fortificação, pode ser transportada para o caso brasileiro, e pode ser ainda mais justificada, pela presença dos índios encontrados em todo nosso litoral. Para o caso da Capitania do Rio Grande do Norte, tínhamos em vigência o Tratado de Tordesilhas que garantia à Coroa Portuguesa as terras da orla marítima que se encontrassem naquelas coordenadas, entre 4 graus e 40 minutos na direção Sul e 6 graus e 30 minutos na direção oeste, na faixa abaixo da linha equinocial. Estas coordenadas incluíam justamente a área onde se encontram, hoje, a cidade de Natal e boa parte do estado do Rio Grande do Norte. O autor descreve o conhecido processo de descobrimento do Brasil e em particular ressalta a primeira expedição de 45


reconhecimento das novas terras de 1501, chefiada por Gaspar Lemos e Américo Vespúcio.

A expedição de 1501 chegou às proximidades do cabo de S. Roque, rumou para o sul e foi batizando os acidentes da costa Brasileira: Cabo de S. Agostinho, Rio S. Francisco, Baia de Todos os Santos, Rio de Janeiro, Angra dos Reis até a Canadéia. Na Praia do litoral do Rio Grande do Norte foi abicado o marco primeiro sob a forma de padrão “com brasão d’armas inconfundível” ainda existe desafiando os séculos, como patrimônio brasileiro. De acordo com a literatura consultada, o dia 17 de Agosto desse ano de 1501 ficou consagrado à comemoração da descoberta marítima do Rio Grande do Norte. (GOMES, 2006, p.163)

Em pesquisa de campo realizada no mês agosto de 2009 pudemos registrar e visitar o citado marco do descobrimento. Estudos mais recentes indicam que o primeiro ponto de aproximação e atracagem, como bem indica a citação anterior, não se deu exatamente no ponto onde hoje se encontra a cidade de Natal. Como consta do relato, o primeiro local avistado é o cabo de São Roque que fica deslocado ao norte daquela região. Alguns autores afirmam que o primeiro ponto de parada ocorrera nesta área. Essas descrições correspondem, mais precisamente, ao município de Touros, onde fica a praia que conhecida com Praia do marco.

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Figura. 13: Réplica do marco do descobrimento fixada na Praia do marco, município de Touros (RN). Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Vale ressaltar a importância deste marco como um símbolo material das primeiras incursões portuguesas na costa nordestina. Com este marco, tem início o processo de demarcação e sinalização costeira - processo este que se desdobra até o desenvolvimento dos faróis. A partir deste fato histórico, ou seja, a fixação do marco no ano de 1501, o chamado Rio Grande do Norte, hoje conhecido como Rio Potengi, passa a ser considerado o “ponto convergente dos navegadores d’além mar, especialmente dos piratas.” (GOMES, 2006, p. 163) Assim, temos a configuração de um panorama de insegurança na costa brasileira desde o início de sua exploração. Como notamos, o Brasil foi “acossado” inicialmente pelos piratas franceses e, em conseqüência dessas pressões, a coroa portuguesa fez chegar à foz do Rio Potengi uma expedição composta por navegadores experientes, capitães, comandantes e jesuítas. Esse grupamento teria função de dar início efetivo à conquista, expulsando os pretensiosos franceses que já se miscigenavam com os nativos, como consta nos relatos históricos do próprio Frei Vicente Salvador, componente da expedição. Logo, podemos concordar com o autor do artigo, e afirmar que no início do período colonial houve um montante de esforços visando expulsar os elementos 47


invasores dos novos territórios. Essas ações se revestiram de um caráter militar e resultaram, quase sempre, no estabelecimento de um forte ou fortaleza.

No caso do Rio Grande do Norte este viria não só a ser edificado como também a constituir o núcleo de povoamento da região. A fortificação foi iniciada na manhã do dia 6 de janeiro de 1598, dia de Reis e por isso, recebeu o nome de Forte dos Três Reis Magos, a que os cronistas coloniais chamavam fortaleza dos três reis magos ou Santos Reis. Com a construção desse Forte, a setecentos e cinqüenta metros da barra do Rio Grande, dá-se a oficialização da conquista portuguesa [...] e nas palavras de Luiz da Câmara Cascudo, ‘o Forte dos Reis Magos foi a marca, a barreira extrema dos portugueses no norte do Brasil’. (GOMES, 2006, p. 164).

O que veremos a seguir no desenrolar do século XVI e no início do século XVII será uma repetição dessa empreitada militar que envolve a construção de fortificações em diversos pontos da costa. Cada uma com sua configuração ou motivo singular. Mas todas organizadas para defender o território dos ataques invasores e indígenas. Assim, o caso singular da ocupação do litoral da Paraíba, especificamente da barra do rio Paraíba, segue esta lógica comum. A construção do Forte de Cabedelo no ano de 1568, que após reformas receberia o nome Fortaleza de Santa Catarina (1634), insere-se num contexto similar de expulsão dos franceses, índios potiguaras, e mais tarde holandeses da região onde seria edificada a Vila de Nossa Senhora das Neves.

*** No decorrer deste sub-capítulo, buscamos apresentar as fortificações como elementos centrais do processo de criação do território brasileiro. Tais elementos servirão mais tarde, literalmente de base para os faróis de navegação. Com a implementação de faróis nas fortalezas, processo que tem início no século XVIII com a construção e reforma do Farol da Barra no forte de Santo Antônio (Bahia), temos uma nova função para a fortaleza: além de defender e demarcar o território, ela servirá também para sinalizar a linha da costa.

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2.4 Povoar

Com relação ao processo de povoamento que aconteceu após os importantes avanços na cartografia e na fortificação da costa, selecionamos o texto de Caio Prado Junior para servir de base às nossas considerações. Em sua celebre obra Formação do Brasil Contemporâneo, publicada em 1942, o autor desenvolve capítulos considerados como referenciais para a compreensão do processo histórico de ocupação, povoamento e formação territorial do Brasil. Nessa obra, Caio Prado se debruça sobre o período que vai do fim do período Colonial até o momento de transição para o Império, período considerado fundamental para a compreensão do Brasil contemporâneo que se forma na República. Justamente nesse momento teríamos uma síntese da obra colonial e o começo da formação de uma nação com características particulares. Nos capítulos seguintes de nossa dissertação iremos nos concentrar inicialmente nesse momento de transição da colônia para o Império. Afinal, é neste período que temos a criação de um organismo estatal brasileiro responsável por várias funções, entre elas a administração da navegação nos mares. Assim, segundo Caio Prado, ao observamos a colônia em seus momento finais, no fim do século XVIII e início do XIX, podemos ter uma síntese de sua função. Esta síntese, o autor nos apresenta já na parte introdutória de seu texto, no trecho intitulado O Sentido da Colonização. Na seguinte passagem, temos uma explanação clara sobre suas concepções a respeito deste processo:

Em suma e no essencial, todos os grandes acontecimentos desta era, que se convencionou com razão chamar dos ‘descobrimentos’, articulam-se num conjunto que não é senão um capítulo da história do comércio europeu. (PRADO JR, 1996, p.22)

A visão econômica comercial elaborada por Caio Prado revela neste trecho sua formação marcadamente marxista. Ao explicar que os movimentos econômicos e sociais desenvolvidos neste território têm como causa principal a atividade econômica européia, reforça-se a idéia de que um modo de produção é, por assim dizer, a força motriz transformadora desses novos territórios. Uma das teses defendidas por Caio Prado é a de que o sistema de colonização desenvolvido nas colônias portuguesas, em particular no Brasil, tinha ocorrido de

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maneira singular, pois o território aqui ocupado apresentava condições naturais e sociais também peculiares. Era necessário povoar e organizar a produção econômica para que aquelas capitanias dessem algum lucro à metrópole. No início do processo de colonização, os produtos economicamente exploráveis, como Pau-Brasil, revelaram-se após algumas décadas, pouco lucrativos e de coleta cada vez mais dificultosa. Afinal, após o desmatamento da costa, era necessário adentrar cada vez mais a oeste em busca de florestas mais densas, o que redundava num perigo cada vez maior de ataques indígenas para os comerciantes europeus. Ou seja, como diria Caio Prado, a “feição” variada do território impunha muitas vezes práticas antigas, extrativistas, que traziam pouca remuneração a Coroa Portuguesa. Na corrida econômica colonialista, Portugal, em relação à Espanha, apresentava um desempenho desalentador, pois a nação concorrente já tinha, desde o início, encontrado o mineral símbolo da riqueza naquele período histórico: o ouro. Esse metal precioso, juntamente com as minas de prata descobertas onde hoje se localizam o México e o Peru, aguçava a vontade e a necessidade dos portugueses por mais retorno econômico da nova colônia tropical.

Na maior extensão da America ficou-se a principio exclusivamente nas madeiras, nas peles, na pesca; e a ocupação dos territórios, seus progressos e flutuações, subordinam-se por muito tempo ao maior ou menor sucesso daquelas atividades. Viria depois, em substituição, uma base econômica mais estável, mais ampla: seria a agricultura. (PRADO JR, 1996, p.25)

Nosso intuito neste breve estudo sobre a formação territorial brasileira não é entrar nos pormenores da colonização portuguesa no território que viria a compor o Brasil. Mas, podemos afirmar, de maneira geral, que plantação em larga escala da cana de açúcar, usando força de trabalho escrava e feita em enormes latifúndios, dominou a paisagem costeira e a produção econômica no Brasil colonial. A vasta empresa açucareira explorou, e explora até os dias atuais os solos, as águas e o clima, que se mostrou completamente próprio ao plantio dessa espécie vegetal trazida das Índias pelos navegadores portugueses. Segundo o autor, esse modo de produção econômica, centrada na produção do açúcar, se configura como o sentido central e determinante de nossa formação enquanto uma nação. Em suas palavras:

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Se vamos à essência da nossa formação, veremos que na realidade nos constituímos para fornecer açúcar, tabaco, alguns outros gêneros; mais tarde ouro e diamantes; depois algodão, e em seguida café para o comercio europeu. Nada mais que isto. É com tal objetivo, objetivo exterior, voltado para fora do país e sem atenção a considerações que não fossem o interesses daquele comercio, que se organizarão a sociedade e a economia brasileira(...) Este inicio, cujo o caráter se manterá dominante através dos três séculos que vão até o momento em que ora abordamos a historia brasileira se gravará profunda e totalmente nas feições e na vida do país. (PRADO JR, 1996, p.31-32)

Obviamente, a produção econômica do açúcar desenvolvido no Brasil colonial e nos períodos decorrentes demandou variadas atividades econômicas “acessórias” para que ela mesma pudesse existir. Temos, assim, o incremento de atividades paralelas como a criação de gado no sertão nordestino, principalmente no estado do Piauí, e o plantio de outras culturas agrícolas que davam base de subsistência à população da colônia. Mas, o que nos interessa notar com relação ao trecho citado acima, é que, segundo os argumentos de Caio Prado, a mesma lógica de formação territorial permanece constante desde a Colônia, se estendendo até o Império, e mesmo na República quando temos a ascensão da produção do café. Estes sistemas de grandes lavouras configuram a formação de um território voltado para fora de si mesmo. Da mesma forma, Ratzel desenvolve no texto citado em capítulo anterior esse processo de organização de territórios anexados em virtude das necessidades expansionistas dos estados europeus. Por outro lado, na visão do historiador, embora o território brasileiro tenha sido organizado para fora de si mesmo, resulta desse processo a formação de um estado nacional politicamente independente. A formação dessas produções econômicas deu, segundo Caio Prado, um caráter mais estável, mais permanente e mais orgânico a uma sociedade que se revelaria aos poucos, e que teria seu despertar no início do século XIX:

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O início do séc. XIX não se assinala para nós unicamente por estes acontecimentos relevantes que são a transferência da sede da monarquia portuguesa para o Brasil e os atos preparatórios da emancipação política do país. Ele marca uma etapa decisiva em nossa evolução e inicia em todos os terrenos, social, político e econômico, uma fase nova. Debaixo daqueles acontecimentos que se passam na superfície, elaboram-se processos complexos de que eles não foram senão o fermento propulsor, e, na maior parte dos casos, apenas a expressão externa. Para o historiador, bem como para qualquer um que procure compreender o Brasil, inclusive o de nossos dias, o momento é decisivo. (PRADO JR, 1996, p. 9)

Devemos, portanto considerar que o início do século XIX marca o ponto de partida para uma história do Brasil enquanto nação. A vinda da família real, dentro desta visão historiográfica, não é a causa da formação de um território nacional Brasileiro. É, na verdade, resultado de um processo histórico de formação que se desenrola ao longo de três séculos, apesar de uma lógica eminentemente exportadora, onde o Brasil cumpria apenas sua parte num pacto colonial. Assim, é ponto pacífico na historiografia brasileira considerar que o Brasil, enquanto nação, deve ser pensado a partir do início do século XIX. Nesse período, temos a consolidação de um organismo social, estatal, e territorial distinto. Outro apontamento importante que o autor nos oferece, diz respeito à extensão que a colônia brasileira ocupava, sendo implementada numa área imensa, mas com uma população reduzida. De fato, o Brasil não pertencia ainda aos portugueses. O famoso Tratado de Tordesilhas (1494) e o posterior Tratado de Madrid (1750) outorgavam a posse das terras aos soberanos portugueses e seus sucessores, mas na realidade dos fatos, ainda estávamos por empreitar uma das mais fecundas obras de povoamento da história humana. Sobre essa obra de povoamento, Caio Prado aponta: “Obra considerável e fator básico da grandeza futura do Brasil: mas, ao mesmo tempo, ônus tremendo que pesará sobre a colônia e depois sobre a nação.” (PRADO JR, 1996, p.37) A dispersão do povoamento, devido a essa característica demográfica do processo de colonização brasileiro e devido a sua configuração territorial “natural” de tamanho continental, faziam com que a ocupação em diversos pontos isolados da costa se organizasse em torno de uma fisionomia marcadamente militar. Apesar da divisão em capitanias, e do posterior fracasso desse sistema, com todos os problemas, os portugueses tiveram a garantia e a posse efetiva do território ao longo do litoral graças ao processo de fortificação que permitia a vigia e o povoamento do território litorâneo.

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Ainda sobre os processos de ocupação, formação, e expansão dos complexos econômicos nordestinos, coletamos valiosos apontamentos presentes na obra Formação Econômica do Brasil, de Celso Furtado (2000[1951]). Deste texto aproveitamos as considerações que o autor constrói a respeito dos fluxos de renda e crescimento populacional, que a região nordestina apresentou em função de suas atividades econômicas, fundadas basicamente na economia açucareira e na pecuária. Furtado também ressalta a quase total imutabilidade deste sistema econômico-social que perduraria, funcionando nesse formato por vários séculos. Nas suas palavras, “que possibilidade efetiva de expansão e evolução estrutural apresentava esse sistema econômico base da ocupação do território brasileiro?” (FURTADO, 2000, p.51) Mais adiante em seu texto o autor responde a sua própria indagação:

Como quer que seja, o crescimento foi considerável – particularmente se observamos o ponto de vista da colônia – e persistiu durante todo um século. Contudo esse crescimento se realizava sem que houvesse modificações sensíveis na estrutura do sistema econômico [...] Não havia, portanto, nenhuma possibilidade de que o crescimento com base no impulso externo originasse um processo de desenvolvimento de autopropulsão. O crescimento em extensão possibilitava a ocupação de grandes áreas, nas quais se ia concentrando uma população relativamente densa. Entretanto, o mecanismo da economia, que não permitia uma articulação direta entre os sistemas de produção e de consumo, anulava as vantagens desse crescimento demográfico como elemento dinâmico do desenvolvimento econômico. (FURTADO, 2000, p.55)

A visão de Celso Furtado sobre o processo de expansão econômica e territorial que ocorreu na região norte e nordeste do país, colabora com a nossa análise sobre o processo. Mesmo tendo a posse legal das terras tropicais, o ultramar português não controlava devidamente o território colonial, pois não havia estabelecido uma rede administrativa de controle nas partes formadoras deste território. Num exemplo de comparação, o território português seria um grande corpo sem órgãos articulados. A constatação de que a população e a economia cresciam na colônia não repercutia numa crescente organização territorial. Ao contrário, aponta o economista, em muitas regiões do norte e nordeste, tivemos uma espécie de atrofiamento da economia, manifestando-se em surtos maiores ou menores de retração das atividades econômicas, o que acabava por desarticular socialmente ainda mais essas regiões. Segundo o autor:

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Tudo indica que no longo período, que se estende do ultimo quartel do século XVII aos começos do século XIX, a economia nordestina sofreu um lento processo de atrofiamento, no sentido de que a renda real per capita de sua população declinou secularrmente. (FURTADO, 2000, p.65)

Tendo como pressupostos, tanto esta desarticulação econômica e social entre as localidades nordestinas, e a decorrente ausência de organização política, poderíamos esperar algum tipo de ação por parte dos responsáveis pelo território. Assim, em resposta a esse panorâma de desorganização da colônia, agiram os portugueses. Tomando o modo operante militarista de uso e ocupação do espaço, foram armados, conquistando, fortificando e guardando aqueles postos que julgavam fundamentais para a salva-guarda do território colonial. Entretanto, como aponta Furtado, estes postos não se mostraram suficientemente seguros, pois no decorrer do século XVII, e em parte do XVIII, as invasões holandesas terminaram por revelar a fragilidade dos sistemas de defesa portugueses. “Nesta etapa os prejuízos são bem maiores para Portugal que para o Brasil, teatro das operações de guerra.” (FURTADO, 2000, p.67) Em períodos finais do século XVII, aponta Furtado, a rentabilidade da colônia portuguesa cai vertiginosamente, e percebendo a fragilidade e vulnerabilidade do território em questão, os ataques de holandeses, franceses e ingleses se intensificaram em toda a linha que desce das Antilhas até o nordeste brasileiro. Vendo ameaçada a posse efetiva da sua colônia, afirma o autor:

Aos portugueses coube defesa da parte dessa linha ao sul da foz do Amazonas. Dessa forma, foi defendendo as terras, que os portugueses se fixaram na foz do grande rio, posição-chave para o fácil controle de toda a imensa bacia. A experiência havia já demonstrado que a simples defesa militar sem a efetiva ocupação da terra era, a longo prazo, operação infrutífera, seja porque os demais povos não reconheciam direito senão sobre as terras efetivamente ocupadas, seja porque, na ausência de bases permanentes, em terra, as operações de defesa se tornavam muito mais onerosas. (FURTADO, 2000, p.68)

Portanto, analisando a realidade interna econômica daquele período, e observando os fatores externos, que se traduziam em ataques constantes à economia açucareira, podemos entender porque as ações de fortificação e sinalização portuguesa da costa, marcaram com tanta intensidade a fisionomia da costa brasileira.

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Continuando neste tema das fortificações, associado ao povoamento, vamos acrescentar a nossas reflexões, algumas considerações que julgamos relevantes para explicar como e porque se deu este processo na faixa costeira. Além da nação portuguesa, é importante ressaltar que outras nações disputaram a “ferro e fogo” vários pontos de nossa costa. A partir das informações e mensagens documentadas pelos escrivães que estavam a bordo das expedições de ocupação e reconhecimento do litoral do Brasil, formou-se um arcabouço de conhecimentos territoriais que circularam por diversos países europeus. O conhecimento da rota de Cabral foi consolidado nos primeiros anos do século XVI, e já neste mesmo período, tivemos a presença de outros navegantes, além dos lusitanos, atestada por diversos documentos históricos. Portugueses, espanhóis, holandeses e franceses competiram acirradamente pela posse e domínio de trechos dos territórios recém-descobertos. Chegou-se ao ponto de podermos nomear verdadeiras regiões onde o domínio, de fato, ficou “nas mãos” de outras nações16. Esse foi o caso da Ilha de São Luis, que já no século XVI passa a ser chamada de “França Equinocial”, e recebera este nome em homenagem ao Rei daquela nação. Esta dominação inicial dos franceses se repete em outros trechos da costa, como na Paraíba, e tem como característica comum o estabelecimento de “bons relacionamentos” com grupos indígenas. Tais índios, muitas vezes passam a ser aliados deste povo na luta contra os portugueses. Outro caso notório de invasão da colônia portuguesa é a dominação das capitanias de Pernambuco e Itamaracá pelos Holandeses, que se estabelecem na cidade do Recife. Em meados do século XVII temos o período em que estes territórios passam a ser administrados pelo Príncipe Maurício de Nassau, chegando a se desenvolver ali, por mais de vinte anos, uma dinâmica própria de organização colonial. Podemos, de um lado, interpretar hoje essas dominações momentâneas como fatores enriquecedores na formação da cultura brasileira. Com tantas influências podemos considerar que essas ocupações acabaram por gerar uma miscigenação cultural singular na história da humanidade. De outro lado, pelo viés de organização e manutenção do Estado Português, essas investidas foram interpretadas como grandes ameaças à soberania de sua colônia, e como fatores que intensificaram essa militarização dos núcleos da costa.

16

Cf . MELLO, 1996; CASCUDO, 2003

55


Até o final do século XVIII e início do século XIX, temos a manutenção desta fisionomia do povoamento brasileiro, disperso em núcleos isolados e fortificados, distribuídos ao longo de um litoral imenso. Fora esse padrão comum, a feição local de cada parte do litoral determinou um tipo de ocupação mais específica. Caio Prado (2000[1942]) ainda indica como as serras, os rios, e os acidentes naturais vão interferindo na escolha dos locais para a instalação das vilas. As pequenas elevações ao longo da costa, sobretudo na foz dos rios, eram locais privilegiados para a construção das fortalezas. Em muitos casos eram formações elevadas, “mirantes naturais”, onde a movimentação marítima poderia ser vigiada. Outro argumento de destaque, apresentado por vários autores, é a interferência dos índios como motivo contundente para o erguimento das fortificações. Considerando o período que vai até o final do século XIX, podemos afirmar que os índios ainda precisavam ser acossados para os mato. Dessa forma, podemos concluir que, o isolamento dos núcleos, a dureza da natureza, e a hostilidade dos índios gentios, compõem um quadro de “calamidade” que justifica a persistência da militarização da costa em diversos pontos. Dentro dessa teoria, os núcleos de povoamento, as pequenas vilas só poderiam se estabelecer com a garantia de uma fortaleza de amparo.

***

Com base nesse tripé cartografia,

fortificação

e

povoamento

temos

a

configuração de uma tecnologia portuguesa de formação de territórios. Essa tecnologia foi desenvolvida e estudada principalmente a partir das ações anteriores de ocupação nas ilhas do Atlântico, África, Índia e China. Ou seja, a formação do território brasileiro corresponde ao uso de técnicas que já vinham sendo sedimentadas e aperfeiçoadas a partir de outros processos coloniais. No entanto, podemos apontar que essa tecnologia ganha contornos peculiares no caso da faixa costeira brasileira. Assim, acreditamos que através de estudos históricos e geográficos podemos evidenciar a importância dos faróis nesse processo de formação territorial, e, em função disso, poderemos observar que tais monumentos costeiros se constituem como patrimônios materiais e culturais do Brasil Segundo o IPHAN (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional), o patrimônio cultural não se restringe apenas a imóveis oficiais isolados, igrejas ou palácios, mas na sua concepção contemporânea, se estende a imóveis particulares, 56


trechos urbanos e até ambientes naturais de importância paisagística, passando por imagens, mobiliário, utensílios e outros bens móveis. Já os patrimônios matérias podem ser compostos por um conjunto de bens culturais classificados segundo sua natureza, dentro de uma divisão que consta nos quatro Livros do Tombo: arqueológico, paisagístico e etnográfico; histórico; belas artes; e das artes aplicadas. Os patrimônios materiais, por sua vez, estão divididos em bens imóveis, como os núcleos urbanos, sítios arqueológicos e paisagísticos e bens individuais; documentais,

e

móveis

como

bibliográficos,

coleções

arqueológicas,

arquivísticos,

acervos

videográficos,

museológicos,

fotográficos

e

cinematográficos. 17.

17

Informações obtidas através do site: www.iphan.gov.br. Acesso em 23/03/2010.

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Capítulo 3 Os faróis do Império e da República: sinalizando um novo estado

Com a vinda da família real portuguesa para o Brasil, fugindo do embargo continental imposto por Napoleão em 1807, temos uma verdadeira transformação nas estruturas sociais, econômicas e estatais do Brasil. Sobre a transferência da corte e seu corpo de funcionários, e sobre os futuros desdobramentos na vida brasileira, Bueno (2003) destaca:

Agora na luminosa manhã de 8 de março de 1808, mais de dez mil nobres exilados se preparavam para por novamente os pés em terra e iniciar não só um novo período para a Historia de Portugal, mas, principalmente, uma nova era para o Brasil. Pelos treze anos que se seguiram, D. João VI e sua corte viveram no Rio de Janeiro: de inicio fugindo do avanço incontido de Napoleão; depois, tentando se esquivar do jugo britânico. Dias antes do desembarque no Rio, o Brasil já começava a se livrar dos grilhões coloniais. Em breve, seria um reino unido a Portugal. A seguir, um país independente. (BUENO, 2003, p.134)

Neste intervalo, entre o inicio do século XIX e o começo do século XX, a sinalização náutica passa a ser um elemento privilegiado de demarcação e demonstração da presença do Estado no território. E, neste contexto, os faróis passam a formar uma identidade na paisagem litorânea brasileira. Essa identidade litorânea vai se constituir num período análogo ao da própria constituição da chamada identidade nacional brasileira. Muitos historiadores abordam este tema, considerando que, entre o Império e o início do período republicano, temos um arcabouço de idéias e ações que buscam consolidar uma imagem do Brasil em diversos campos1. Como exemplo desse processo de formação de uma identidade nacional brasileira, efetivada na criação de entidades governamentais, administrativas e científicas, temos a criação do Banco do Brasil, a organização do Jardim Botânico na cidade do Rio de Janeiro, a formação da Escola de Marinha e da Escola de Agronomia, todas na capital sul fluminense. E, além destas, várias outras entidades serão criadas e terão fundamental importância para formar uma fisionomia de modernidade para o estado brasileiro. Em artigo recente publicado pela editora do Museu Nacional (RJ), Afonso Carlos Marques de Santos (2008) amplia nossa percepção sobre as significativas implicações históricas que a vinda da família real traria ao Brasil: 1

Cf. REIS, J. C. As Identidades do Brasil. 8. ed. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2006.

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Nesta cidade do Rio de Janeiro, onde fixou a sua Corte, passou não só a criar todos os estabelecimentos públicos indispensáveis ao decoro, e majestade da sua Coroa, mas também os necessários, e úteis para o bem, e prosperidade dos seus vassalos nesta parte do Novo Mundo[...]Sua alteza Real criou os régios tribunais do Desembargo do Paço, da Mesa, da Consciência e ordens, do Conselho da Fazenda, do supremo Conselho Militar, e de Justiça, criou mais a Casa de Suplicação do Brasil, a Junta do Comércio e outras juntas administrativas, como a do Arsenal Real do Exercito, da Academia Militar, etc.;[...]fundou o Banco do Brasil; mandou abrir estradas pelo interior do sertão até o Pará. (SANTOS, 2008, p.30) Tais ações estruturantes ocorreram no primeiro e no segundo império, quando o processo de organização estatal e construção de faróis também se intensificam. (SANTOS, 2008, p.29)

Nesse contexto, ainda na primeira metade do século XIX, temos a criação de uma Junta de Navegação, ação governamental inicial que indicava cuidados maiores com a atividade mercante e com a segurança da navegação na costa do Brasil. Esta, e outras ações de organização da atividade marítima, se desdobrariam posteriormente na organização das Capitanias dos Portos do Brasil que ocorreu em 14 de agosto de 1845. Estas novas instituições seriam responsáveis pela organização e sinalização marítimas nas províncias. Segundo consta na página oficial do sítio eletrônico da Marinha do Brasil: O Decreto nº 358 - de 14 de agosto de 1845 Autoriza o Governo a estabelecer Capitanias de Portos nas Províncias marítimas do Império. Hei por bem Sancionar e Mandar que se execute a seguinte Resolução da Assembléia Geral Legislativa. Art. 1º - O Governo é autorizado a estabelecer uma Capitania do Porto em cada Província marítima do Império, onde semelhante estabelecimento parecer necessário. § 1º - Cada Capitania deverá compor-se de um Chefe Oficial Superior da Armada, com o título de Capitão dos Portos, que perceberá vencimentos e mais vantagens de embarcado em navio de guerra, e de um Secretário, que terá o ordenado de quatrocentos mil réis § 2º - Nas Províncias, onde houver Arsenal de Marinha, servirá de Capitão dos Portos o respectivo Inspetor, e de Secretário um dos Empregados do Arsenal. Tanto um como outro poderão ter uma gratificação, que não exceda a quatrocentos mil réis. Art. 2º - Compete ao Capitão dos Portos: 1º - a polícia naval do Porto, e seus ancoradouros, na forma dos Regulamentos que organizar o Governo, e bem assim o melhoramento e conservação do mesmo Porto; 2º - a inspeção e administração dos faróis, Barcas de Socorros, Balizas, Bóias e Barcas de escavação; 3º - a matrícula da gente do mar e das tripulações empregadas na navegação e (tráfego) do Porto e das Costas, praticagem destas e das Barras. (Marinha do

Brasil, 2009)

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Uma das atribuições claras dadas aos novos Capitães dos Portos era a inspeção e administração dos faróis, das barcas de socorros e escavação, e de outros sinalizadores naúticos. Ou seja, temos aqui a apresentação de um novo setor da administração pública voltada para os trabalhos junto ao mar. Mais adiante abordaremos separadamente a profissão de faroleiro derivada dessas atribuições de inspeção e administração de faróis encaminhadas a cada uma das províncias. A política imperial de organização e controle do ambiente costeiro realizada através da instalação de faróis é, na verdade, uma continuação e uma transformação da política militar anterior de defesa da costa que ocorrera através da construção de fortificações2 e por meio de numerosas batalhas marítimas3. Neste processo de criação de um estado nacional autônomo, as estruturas administrativas e operacionais do corpo estatal que se formavam no Brasil, foram ganhando cada vez mais elementos funcionais e procedimentos burocráticos, que correspondiam ao modelo da antiga e onerosa burocracia portuguesa. Dentro deste emaranhado de ações governamentais que visavam formar uma nova organização para o Estado brasileiro, podemos notar uma atenção especial dada para as questões de navegação marítima. Afinal, esta atividade correspondia à principal forma de circulação e comércio entre o Brasil e a Europa, além de ser a forma de comunicação mais ágil entre as principais cidades de seu território costeiro. Os cuidados com as normas de segurança para navegação e uma maior atenção para sinalização náutica se configuram assim como metas para organizar e modernizar o trânsito naval e a atividade comercial decorrente. Logo, a construção de faróis, neste período, teve um peso relevante nas ações estatais e deixou marcas indeléveis na paisagem costeira do Brasil como veremos a seguir.

2 3

Cf . NORONHA, 1982; SERAPHICO, 1983; RODRIGUES, 1986. Cf . SOARES, 1978.

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3.1 Farol da Barra: o início da história da sinalização náutica no Brasil

Vamos começar nossa trajetória sobre a cultura de faróis na costa do Brasil recuperando a história particular do Forte de Santo Antônio da Barra localizado na cidade de Salvador, que viria a ser a primeira sede da coroa portuguesa quando de sua transferência. A passagem da família Real pela cidade de Salvador se deu de forma sucinta, no entanto essa passagem teve importância fundamental para as modificações na organização da navegação na costa brasileira. De acordo com trecho do documento original de Registro da Abertura dos Portos, datado de 29 de janeiro de 1808:

Na Breve estada da família real na Bahia – pouco mais de um mês – o regente proclamou o primeiro ato em terras brasileiras, de conseqüências imediatas e duradouras. Por meio de um único decreto, D. João abriu os portos para a navegação das nações amigas, eliminando um oneroso fardo colonial e, na prática, dando o primeiro passo para a enorme expansão comercial que se seguiu [...]. Com ele, iniciou-se um período em que os portos de Pernambuco, Bahia e Rio de Janeiro passaram a receber um número cada vez maior de embarcações estrangeiras trazendo mercadorias diferenciadas e imigrantes. (TOSTES, 2008, p. 79)

Observando as conseqüências diretas da abertura dos Portos para vida social brasileira poderemos notar que este ato se configura como um fator decisivo para as atividades de navegação. Observando o caso da sinalização náutica veremos que após a instalação da família real no Rio de Janeiro, o ritmo de construção dos faróis se intensifica. Os monumentos brancos vão sendo “fincados” pela linha da costa, sobretudo nos estados onde a circulação marítima e comercial era mais intensa.

61


Figura. 14: Litografia de 1882 onde podemos notar o adensamento no numero de farĂłis construĂ­dos ao longo da costa nordestina durante a segunda metade do sĂŠculo XIX no Brasil. Fonte: SIQUEIRA, 2002, p. 99

62


A corte real e sua comitiva mais próxima contavam com cerca de 350 pessoas como indica o texto do historiador Eduardo Bueno (2003). No entanto, outros relatos sobre o tema indicam que a comitiva real, juntamente com suas armadas de escolta e demais navegadores mercantes, formavam um contingente muito maior. Segundo artigo apresentado por Vilar (2008), “Estima-se em 15 mil o numero de viajantes que no ano de 1808 desembarcou no Rio de Janeiro, cidade que à época contava cerca de 60 mil habitantes.”(VILAR, 2008, p.13) Os diversos relatos, gravuras e representações da época registram informações sobre cidade de Salvador, na Bahia dos séculos XVIII e XIX, retratando uma cidade com crescente atividade econômica, centralizando as atividades exportadoras de uma grande faixa costeira do território brasileiro4. Tratava-se da sede da administração colonial, mas mesmo assim, as condições sociais, de habitação e o clima, marcadamente tropical, para os padrões europeus lembravam, segundo a mentalidade portuguesa da época, os portos mais tórridos da África. Apesar da arquitetura notável de muitos edifícios presentes na cidade de Salvador, esta cidade não fora escolhida para sediar a coroa portuguesa e toda sua comitiva. Retrocedendo um pouco mais na cronologia da cidade, em relatos mais antigos, como do navegante inglês Cecil Willian Dampier, de meados do século XVII, são reveladas as preocupações, sobretudo dos Governadores das Províncias, para com a manutenção das fortificações e com os encalhes freqüentes na entrada da Baía de Todos os Santos. Neste período, século XVII, o Forte de Santo Antônio da Barra passou por uma série de reformas5, já que suas paredes de cal e pedras, e outras estruturas, se encontravam deterioradas pela maresia. Tais obras já iam adiantadas, quando um fato histórico, o Naufrágio do Galeão Português Sacramento em 1668, com centenas de pessoas a bordo, incluindo o General Correia da Silva dirigente da Companhia Geral de Comércio do Brasil, determinou a urgência na instalação de um farol de sinalização na entrada da citada baía.

4 5

Cf. CAMPOS, 1940; FERREZ, 1988 Cf. DANTAS, 2002, p.21

63


A construção da torre do Farol de Santo Antonio foi concluída nos primeiros anos do século XVIII. Era descrita, então, como ‘um torreão quadrangular de altura meã, encimado por uma sorte de quiosque lateralmente envidraçado, no qual arderiam à noite, um ou mais lampiões avantajados, alimentados por óleo de baleia’ (DANTAS, 2002, p.21)

Assim notamos que, em período anterior à instalação do Império, o Forte de Santo Antônio da Barra já vinha ganhando importância na história nacional e adquiriu, já nos primeiros anos do século XVIII, um novo sistema luminoso acoplado ao seu corpo. Portanto, ainda na Colônia, inicia-se a história dos faróis brasileiros. Com o verdadeiro pavor causado pelo citado naufrágio, acelera-se a tomada de decisões por parte do Governador da Província da Bahia no sentido da sinalização de sua barra. Na farta literatura portuguesa sobre as navegações vamos notar uma estreita relação entre os relatos de viagens marítimas e os faróis que vão surgindo ao longo da costa brasileira como verdadeiros amigos dos navegantes. Os variados relatos de viagens bem sucedidas e naufrágios, ou “derrotas”, na história da navegação portuguesa, formam uma mentalidade, uma memória trágicomarítima portuguesa descrita em diversos textos e documentos da época6. Sobre esse processo, onde uma cultura material de navegação gera uma literatura vasta dos naufrágios e, por sua vez, um imaginário acerca do mar, temos como fonte importante de reflexões o Livro dos Naufrágios: Ensaios sobre História trágico-marítima, onde Ângela Madeira (2005) expõe uma interessante tese. Segundo a autora os próprios integrantes da comitiva Real traziam em suas mentalidades uma cultura do medo do mar. A urgência por uma modernização nas atividades de navegação era, portanto, uma questão central para receber a nobreza com segurança e conferir ares de modernidade ao Brasil, que no século XIX se tornaria a sede da Metrópole. Sobre este processo escreve Ney Dantas (2002):

Logo após a transferência da Família Real Portuguesa ao Brasil, D. João VI procurou montar no Rio de Janeiro uma estrutura governamental semelhante à da metrópole que deixara para trás. Dentre os organismos criados, constava a Junta de Comércio, Agricultura, Fábricas e Navegação, à qual os Presidentes das Províncias encaminhavam seus pedidos para a construção de faróis. (DANTAS, 2002. p.21)

6

Cf . MADEIRA, 2005; PESSOA, 1978.

64


Ou seja, dentro deste contexto mais amplo de ações governamentais que buscavam criar um moderno Estado brasileiro, temos as diretrizes para a construção dos faróis na faixa costeira. Sobre a finalização do processo de re-construção do já citado Farol da Barra, temos um bom resumo apresentado por Dantas na obra Luzes do Novo Mundo: A inauguração do novo farol foi marcada para 2 de dezembro de 1839, em homenagem ao dia do nascimento de D. Pedro II. A torre, de 22 metros de altura, possuía no inicio um aparelho luminoso catóptrico de 1ª ordem, mantido até hoje, porém com máquina de rotação elétrica. O facho luminoso exibe a cada rotação, luzes branca e vermelha que podem ser avistadas a 38 milhas náuticas de distância. ( DANTAS, 2002, p.23)

Como podemos notar, a história e a importância do Farol da Barra e de seu conjunto arquitetônico vinham se avolumando ao longo dos séculos. Pela sua construção prematura em relação aos demais faróis brasileiros, ele atesta transformações e processos sociais que perpassaram longos intervalos da história brasileira registrando marcas do tempo das colônias, alterações dos tempos imperiais e sendo referência marcante para a cidade de Salvador nos dias atuais.

Figura. 15: Detalhe do símbolo da Coroa Portuguesa na entrada do Farol da Barra. Julho de 2009. Autoria: Gustavo Baez

65


Gostaríamos de apontar para nossos leitores que, na atualidade, o Farol da Barra, cosntruído sobre o histórico Forte de Santo Antonio da Barra, constitui-se como um dos patrimônios paisagísticos mais famosos de Salvador . O cartão postal da cidade retrata o passado histórico da cidade como importante porto do Brasil. A localização geográfica estratégica, na entrada da Baía de Todos os Santos, atesta por fim, o cuidado das autoridades luso-brasileiras para com a vigília neste importante centro comercial, e nas palavras de Dantas, “o Farol de Santo Antonio da Barra é o mais antigo do Brasil e o primeiro do continente americano. Está localizado no bairro da Barra, um dos pontos turísticos mais visitados da cidade de Salvador.” ( DANTAS, 2002, p. 21) Apresentamos a seguir uma representação artística e governamental do citado farol para exemplificar sua importância histórica e cultural adquirida ao longo de séculos:

Figura. 16: Selo comemorativo do aniversário da cidade de Salvador na Bahia. Fonte: SIQUEIRA, 2002, p. 21

O selo comemorativo produzido em março de 1999 comemora o aniversário de 450 anos da cidade de Salvador e indica justamente essa marca histórica do Farol da Barra para a identidade baiana. A imagem eternizada no selo é centralizada pelo farol e ao seu lado aparecem outros dois patrimônios históricos formadores da identidade daquela cidade. No canto direito da imagem temos a Igreja de Nosso Senhor do Bonfim e, no canto esquerdo da figura, o Elevador Lacerda outro importante monumento que liga as cidades alta e baixa da capital soteropolitana. Desse modo, temos nesta imagem um exemplo claro de re-valorização do farol como patrimônio histórico-cultural de uma cidade. O farol representado desta forma serve, enfim, a nossos propósitos de pesquisa, e a impressão do selo, nos assegura uma elevação do farol ao nível de patrimônio da

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cultura e da paisagem costeira brasileira. Vemos a seguir panfletos turísticos que exemplificam bem este processo de apropriação cultural que o monumento recebeu:

Figura. 17: Folheto de informações históricas distribuído aos visitantes do Farol da Barra. Fonte: Museu Náutico da Bahia e Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia(2009)

Figura. 18: Folheto de informações históricas destacando o farol como símbolo da cultura baiana. Fonte: Museu Náutico da Bahia e Secretaria de Cultura e Turismo do Estado da Bahia(2009)

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Finalmente a respeito deste notável monumento da Bahia, e por que não dizer, patrimônio do povo brasileiro, podemos afirmar que sua marca é ser o pioneiro, e sua qualidade ter testemunhado e gravado em suas paredes, nos documentos correlatos e nas suas estruturas arquitetônicas, o passar dos anos com seus processos diferentes sociais. Através de sua permanência silenciosa fitando os mares, os navegantes e a própria cidade em expansão temos, no conjunto dos prédios, forte e farol, verdadeiros testemunhos e aglomerados de tempos históricos distintos, que se organizam como camadas de tempo que se sobrepõem aos objetos. (SANTOS, 1994, pp. 64-98)

Figura. 19: Aspectos da visitação turística e arquitetura do Farol da Barra. Julho de 2009. Autoria: Gustavo Baez

A partir desse fato histórico, a inauguração imperial do Farol da Barra (1839), vamos definir e recortar nosso intervalo histórico para a análise e estudo do tema faróis. Sendo assim, concentraremos nossos estudos sobre os sinalizadores costeiros que foram construídos após a criação da Junta de Navegação, e após a proclamação dos Decretos Imperiais referentes a essas ações. (DANTAS, 2002, p. 23) Assim, outros faróis importantes construídos no nordeste, seguindo esta mesma orientação, são os seguintes: Farol de Recife, construído entre 1817 e 1822, Farol de 68


Fortaleza (Mucuripe), construído entre 1827 e 1846, Farol da Pedra Seca, o primeiro da Paraíba, construído entre os anos de 1869 e 1873, Farol de Sergipe de 1885, e o Farol de Maceió de 1856. A história dos faróis brasileiros tem um período de grande desenvolvimento durante o império, e segue sofrendo incrementos durante os primeiros anos do século XX e na primeira República. Durante o Estado Novo7 (1937-1945), a preocupação com a cartografia da costa brasileira se acentua. Em pesquisa de campo realizada nos arquivos da Marinha na cidade do Rio de Janeiro, pudemos constatar a produção de importantes cartas neste momento histórico, quando Getúlio Vargas determinava as regras de organização do Estado Nacional brasileiro, em relação a um contexto histórico marcado pela Segunda Guerra Mundial. O Brasil, por meio de suas instituições políticas e governamentais deveria demonstrar com obras visíveis o controle sobre seu espaço, sobretudo sobre seus limites territoriais

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Notadamente, seguindo a mesma orientação dos interesses metropolitanos externos, os faróis garantiram, ainda no período colonial, o trânsito comercial exportador no Oceano Atlântico, firmando o controle da costa brasileira em mãos portuguesas. No intervalo posterior chamado de Império, os monumentos fortalecem a imagem do Brasil como um Estado em formação. Na República, os faróis passam a simbolizar a modernização eminente e necessária da máquina estatal brasileira, principalmente nos setores da navegação e do comércio marítimos, importantes fontes de renda para a nação que viria a crescer. Todos os faróis que apresentaremos a seguir são, em primeira instância, conseqüências ou reflexos, dessas ações estatais encaminhadas no início do século XIX. Em segunda instância, são objetos transformados pelos novos usos que os homens e as instituições implementam nas ações cotidianas do século XXI.

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Estado Novo é o nome dado para o regime político fundado por Getúlio Vargas. Apresentou como marcas o autoritarismo, o nacionalismo, a censura política e dos meios de comunicação, o populismo e o alinhamento político com as ditaduras nazi-fascistas. (BUENO, 2003, p. 328)

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Capitulo 4 Farol na paisagem costeira do nordeste: Novas funções sociais dos sinalizadores marítimos no século XXI

Apresentaremos a seguir um elenco de faróis que selecionamos para nossas pesquisas de campo. Nas atividades realizadas nas localidades dos faróis, vale dizer, nos municípios escolhidos, buscamos aglomerar mais elementos explicativos sobre a história e a localização geográfica daqueles monumentos. Observamos e registramos os aspectos imagéticos ou arquitetônicos dos monumentos, que em muitos casos, compõem um patrimônio paisagístico na costa brasileira. Além disso, a descoberta de uma utilização renovada dada aos faróis, foi um dos resultados centrais das nossas pesquisas de campo. No decorrer dos procedimentos de investigação pudemos notar e pretendemos demonstrar, como estes objetos ganharam novas atribuições sociais8 e funcionais para sua existência.

Figura. 20: Aspecto da visitação turística no Farol do Calcanhar (RN). Aos domingos, à partir das 14:00h, grupos de visitantes sobem as escadarias do maior farol das Américas. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

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A expressão novas atribuições sociais ou novos usos sociais (grifo nosso) que aparece no decorrer deste capítulo dizem respeito a uma conotação construída pelo autor da dissertação. Na sua interpretação os faróis ganham novos usos sociais quando são usados como objetos de contemplação da costa, como no caso das associações com o turismo. Já no caso dos pescadores artesanais podemos entender o uso dos faróis e de outros referenciais costeiros para a marcação dos territórios marítimos, como um uso antigo ou ancestral, realizado tradicionalmente por essas populações.

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A foto do Farol do Calcanhar produzida num dia de visitas exemplifica com clareza, como os faróis, destinados anteriormente aos grandes navios do comércio imperial e colonial, passam, na atualidade, a ganhar novas funções sociais. Eles passam a atender, principalmente, às pequenas embarcações de pescadores artesanais e ao incremento da atividade do turismo nessas áreas. Destacamos ainda que ao longo de nossas pesquisas de campo um elemento humano foi ganhando importância crescente dentro de nossas observações. A figura do faroleiro, funcionário destacado pela Capitania dos Portos, foi se mostrando presente em alguns dos monumentos visitados. Notamos que a maioria dos faróis não conta com este profissional, pois os sistemas luminosos foram automatizados. Mesmo assim, coletamos alguns relatos orais de faroleiros em Natal (RN) e Touros(RN). Escutamos ainda um caseiro que reside atualmente no Cabo de Santo Agostinho (PE), cumprindo a função de segurança e mantenedor do patrimônio militar. Por meio da coleta e apresentação desses relatos, pretendemos compreender como os faróis vêm sendo utilizados na atualidade. Privilegiamos estes relatos por entender que estas pessoas podem atestar, com mais detalhes, as alterações de uso que os monumentos apresentam ao longo das últimas décadas. São observadores privilegiados dos faróis, que no nosso entendimento, fornecem indícios válidos para nossa pesquisa, pois têm na sua rotina de trabalho os sinalizadores como elementos centrais. Assim tentaremos verificar, a partir do ponto de vista desses trabalhadores, como se alterou o uso dos faróis? Como eles observaram essas mudanças? Antes de iniciar a apresentação e descrição dos faróis visitados em campo, vamos prestar breves esclarecimentos sobre como foram realizadas tais atividades. Fomos às pesquisas de campo e encontramos em todas as localidades um clima notável de acolhimento, muito favorável às conversas. O sentimento que emergia das visitas e entrevistas era o de que estávamos ali realizando uma ação “rara”, devido à escolha do tema, e bastante interessante para os entrevistados.

Para alguns dos

jangadeiros do bairro da Penha, localizado no município de João Pessoa, próximo ao Farol do Cabo Branco, estávamos escutando aquele povo do mar como que pela primeira vez. Tratava-se de um fato notável, quase inédito, para aquele tipo de população acostumada mais a viver no silêncio e no anonimato social. A novidade positiva, justamente, foi notar esse aspecto: dar voz aos pescadores e faroleiros foi um gratificante resultado de nossa pesquisa, pois estávamos tomando

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contato com formas de conhecimento tradicional e com trabalhadores pouco conhecidos e valorizados na sociedade atual. O saber dos jangadeiros ao descrever suas entradas ao mar, associado ao conhecimento das correntes e dos ventos e a localização provável dos cardumes e das áreas de pesca mais rentáveis, indicavam que estávamos diante de homens com conhecimentos elaborados sobre aqueles ambientes costeiros. Resgatar, organizar e ajudar a preservar estes conhecimentos tão valiosos para os estudos e ações de preservação dos ambientes costeiros, aos poucos, foi se configurando como mais um dos resultados significativos de nossa pesquisa. Adentramos a seguir nas visitas de campo, onde por meio dos registros fotográficos, buscamos dar mais visibilidade sobre os monumentos estudados. Como resultados obtidos dessas pesquisas de campo, produzimos também um conjunto de comentários sobre os sinalizadores, e suas localidades, sempre relacionando as nossas considerações com a dinâmica social, isto é, com a utilização mais recente que estes objetos tem tido nos últimos anos. Cada um dos faróis visitados recebeu também uma descrição básica sobre seus componentes físicos e sobre sua localização geográfica no território nacional.

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4.1. O Farol e seus lugares: visitas aos faróis e as comunidades do entorno 4.1.1 Farol do Calcanhar

Figura. 21: Aspecto marcante do Farol do Calcanhar: seu tamanho monumental. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Localização: Touros (RN) – Latitude : 05 09’, 6 S Longitude 035 29’, 2 W Alcance luminoso: 38 milhas náuticas (61,16 Km) Descrição Básica: Inaugurado em 21 de dezembro de 1912, aparelho automatizado eletrificado modelo PRDA-51, com cuba de mercúrio e aparelho lenticular de 375mm instalados posteriormente em 1943. É o maior farol das Américas em funcionamento com 62 metros de altura na sua torre. (grifo nosso)

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Figura.22: Residência destinada aos faroleiros e familiares nos arredores do Farol do Calcanhar. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Figura.23: Destaque para as dimensões monumentais do farol. No seu topo vemos um visitante apoiado no parapeito da alça de observação e podemos perceber a relação de proporção entre o tamanho do topo do prédio e a altura de uma pessoa. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

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Durante nossa pesquisa de campo no Farol do Calcanhar, realizada em agosto de 2009, pudemos acompanhar grupos de turistas em visita ao farol, e observar a disposição dos mesmos para enfrentar uma escadaria com mais de 300 degraus. No topo, descortina-se uma vista excepcional do litoral do Rio Grande do Norte.

Figura. 24: Vista do alto do Farol do Calcanhar e presença do faroleiro Marcos da Costa (nome fictício) observando o mar. Além do trabalho de manutenção no aparelho óptico, esses funcionários acompanham os visitantes na subida da torre. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Tendo a bela vista do litoral potiguar como cenário, pudemos estabelecer uma conversa descontraída com o faroleiro, que preferimos identificar com nome fictício de Marcos da Costa, a fim de manter seu anonimato. Este funcionário da Marinha esclareceu uma série de questões a respeito do farol e suas utilidades na contemporaneidade. Segundo seu relato, os faróis de aterragem, em parceria com outros faróis de cabotagem localizados em alto mar, servem, na atualidade, principalmente para orientar as pequenas embarcações de pescadores e jangadeiros que exploram o litoral nordestino. Além dessa informação o faroleiro destacou, especificamente, que aquele farol servia para receber e lançar os últimos sinais de localização, emitidos em terra, para as aeronaves que sobrevoam o Oceano Atlântico rumo a Europa, pois o sistema é dotado de radar de localização. Outro aspecto ressaltado pelo funcionário foi o alcance das investidas marítimas realizadas pelos pescadores. Segundo Marcos, as pequenas embarcações adentram ao mar, chegando a se afastar da costa, numa distância

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de aproximadamente 40 milhas náuticas, cerca de 60 quilômetros (informação verbal)9, justamente o alcance luminoso do referido farol. Segundo o faroleiro de plantão:

Nesta distância da costa a gente encontra um grande banco de corais, banco do cação, onde o volume de pescado é bastante grande, e a lagosta também pode ser coletada. Esse pessoal aí [os jangadeiros] são os que usam mais esse farol. Eles entram lá nos corais de cação só na vela, e ficam às vezes três ou quatro dias catando lagosta. (Marcos da Costa, 37 anos, faroleiro de Touros)

Através desta fala, e por meio dos outros relatos que coletamos desse informante, podemos afirmar que os pescadores tradicionais da região de Touros valemse do Farol do Calcanhar para garantir sua subsistência. Ao utilizar o monumento como garantia de referência para navegação à noite, eles incluem o farol na sua lista de objetos de apoio ao trabalho. Aqueles que dispõem de rádio a bordo podem, em caso de emergência, podem emitir sinais que são recebidos pela torre. Desse modo, o Farol do Calcanhar serve de base para as atividades de navegação e pesca, auxiliando muitas vezes as embarcações que se encontram em perigo de naufrágio devido a problemas mecânicos. Esse tipo de utilização do farol como amparo de segurança vinculado às pequenas embarcações, tem crescido nos últimos anos, pois a costa potiguar vêm se destacando como importante pólo de produção de lagostas, que são coletadas em alto mar.

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Com relação ao Conselho de Ética da Universidade Federal da Paraíba, órgão que regulamenta e autoriza a pesquisa científica com seres humanos, fomos inicialmente orientados a apresentar os relatos das pessoas pesquisadas indicando no texto que se tratavam de informações verbais, seguindo assim os padrões mínimos exigidos pela Associação Brasileira de Normas Técnicas para apresentação de informação oral. Como se trata de uma pesquisa eminentemente geográfica, que não tem nos seres humanos seu objeto central de pesquisa, entendemos que os relatos podem ser apresentados neste formato, sem comprometer a privacidade, a autoria da informação e a integridade de nossos entrevistados. Mesmo assim, demos entrada no pedido de autorização de pesquisa e publicação de dados referentes a seres humanos, seguindo a recomendação formal de nosso orientador.

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Figura. 25: Aspecto marcante da vista panorâmica que se tem do alto do Farol do Calcanhar, com detalhe das jangadas ao mar. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

O uso turístico ainda pouco organizado das instalações do farol é outro ponto levantado pelo funcionário. Segundo o faroleiro, a visitação tem aumentado ao longo dos anos, chegando a contar com mais de 300 visitantes por dia, nos finais de semana. Entretanto, não há nenhum tipo de aproveitamento financeiro vinculado a esta visitação. A maioria dos visitantes deste farol, segundo ele, é composta por turistas de outros estados, que visitam o Rio Grande do Norte, e tem interesse por aspectos históricos da região. Segundo seu relato:

Não temos uma banquinha que vende lembranças do farol, ou coisa parecida. E o pessoal de Touros pouco fala do farol.”(Marcos da Costa, 37 anos, faroleiro de Touros)”.

Por fim, destacamos que o Farol do Calcanhar serviu como marco para a definição do traçado da rodovia BR 101, que liga os estados da costa brasileira entre o Rio Grande do Norte e o Rio Grande do Sul. Justamente, neste marco costeiro temos o início desta importante rodovia que corta o país no eixo norte-sul, sendo assim, o farol também utilizado como marco territorial para a construção desta rodovia durante o regime militar brasileiro.

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Figura. 26: Aspecto da sinalização no início da rodovia BR 101 fixada a poucos metros do farol. Agosto de 2009. Autoria: Gustavo Baez

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4.1.2 Farol do Bacopari

Figura. 27: Paisagem costeira do Cabo de Bacopari com presença marcante do farol. Julho de 2008. Autoria: Gustavo Baez

Localização: Baía Formosa (RN) Latitude : 06 22’,47 S Longitude 34 59’,53 W Alcance luminoso: 30 milhas náuticas (48,28 Km) Dês Descrição básica : Aparelho de luz automatizado eletrificado modelo PRDA-51, com cuba de mercúrio e aparelho lenticular de 375mm instalados em 1943.

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O Farol do Cabo do Bacopari não dispõe de faroleiro, mas revelou-se após as pesquisas de campo, realizadas entre os anos de 2008 e 2009, de grande importância para toda a localidade da Baía Formosa, principalmente no que diz respeito à atividade da pesca e do turismo na região. Por tratar-se de um dos pólos pesqueiros mais tradicionais deste litoral, este tem na pesca da Albacora e do Robalo, uma de suas principais fontes de renda. Para os pescadores a sinalização do farol é considerada como referência fundamental para a navegação dos embarcados naquele porto. (informação verbal)10 Além desta importância vinculada à pesca, este farol também apresenta uma importância histórica para a região. O sinalizador já constava em mapas do início do século XX, como veremos na reprodução da página a seguir:

Figura. 28: Paisagem do porto da Baia Formosa com as embarcações atracadas. Dezembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

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A percepção de que o farol é fundamental para a navegação naquela comunidade foi obtida em meio a diversas conversas informais que estabelecemos com os pescadores. Seguimos parte de suas rotinas de trabalho, e nos horários de lazer, que se davam, quase sempre, nas mesas dos bares, conseguíamos bons relatos sobre o tema.

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Figura. 29: No quadrante direito inferior da figura, podemos ver acima do Cabo de Bacophary a indicação do Pharol do Bacopary. Fonte: GRADY, 1927. Mapoteca da Marinha - Rio de Janeiro. Outubro de 2009. Autoria da foto: Gustavo Baez

Nas pesquisas de campo realizadas na região em Julho de 2008 e no final de 2009, pudemos constatar que uma das atribuições mais importantes deste sinalizador na atualidade é o incremento da atividade turística naquela localidade.

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Figura. 30: Placa de sinalização turística evidenciando o uso do farol para fins de lazer. Dezembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

O farol do Bacupari pode ser encontrado em diversos roteiros de turismo na região11, e se configura como uma parada obrigatória para os tradicionais passeios de bugue.

Figura. 31: Exemplo atual de uso dado farol do Bacopari, sendo apresentado como atrativo turístico nos roteiros de passeios de bugue. Dezembro de 2008. Autoria: Gustavo Baez

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A respeito do farol como elemento dos roteiros de turismo ver o site oficial de turismo do Rio Grande do Norte, onde o farol aparece como parte importante dos roteiros de visitação à Baía Formosa: http://www.brasil-natal.com.br/setur_servicos_buggyturismo.php. Acesso em 18/10/2009

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Segundo o motorista do veiculo, de apelido “Salsicha”, que nos conduziu em passeio turístico partindo da Baía Formosa em direção à praia do Sagi, o farol virou um ponto de referência para os passeios. Muitos turistas aproveitam este marco que se destaca no perfil retilíneo do litoral para fazer ali fotografias e contemplar a paisagem como notamos na imagem anterior.

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4.1.3 Farol de Mãe Luiza - Natal.

Figura. 32: Aspecto da entrada da área militar do farol de Natal. Conhecido também pelo nome de Mãe Luiza que faz referência a comunidade de pescadores instalada nos seus arredores. Janeiro de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Localização: Natal (RN) - Latitude : 05 47’,7 S Longitude 35 11’,13 W Alcance luminoso: 39 milhas náuticas (62,76 Km) Descrição básica:Inaugurado em 15 de agosto de 1951. Apesar da tecnologia recente para construção do farol este é um dos monumentos que ainda dispõe de faroleiros para sua manutenção.

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Nas visitas de campo realizadas ao Farol de Natal entre os anos de 2008 e 2010, coletamos informações singulares sobre a relação deste monumento com a sociedade local. O Farol de Mãe Luiza, como indicado na placa de sinalização turística que vemos em frente ao portão de entrada da área militar, está localizado em meio a uma comunidade tradicional de pescadores.

Figura. 33: Aspecto externo da área militar do farol de Natal. Setembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Essa comunidade, originalmente formada por pescadores, hoje se configura num bairro, chamado de Mãe Luiza. Na próxima fotografia temos uma vista parcial da localidade:

Figura. 34: Aspecto do bairro Mãe Luiza. Janeiro de 2010. Autoria: Gustavo Baez

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A região tem sido considerada pelos próprios moradores e pela mídia local como uma comunidade com graves carências sociais e violenta. Sabemos que esta marginalização das populações mais desprovidas remonta a tempos coloniais da história brasileira. Não nos interessa, neste momento, analisar tais contextos sociais sobre o entorno do citado farol. No entanto, os relatos do próprio faroleiro, identificado como Manoel dos Santos, nome fictício12, atestam essa realidade local.

Figura. 35: Faroleiro de Natal em frente à placa de identificação do farol. Janeiro de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Em visita realizada no mês de janeiro de 2010 obtivemos as seguintes considerações deste funcionário recém transferido da cidade do Rio de Janeiro:

O pessoal aqui de Natal quase nem vem visitar o farol por causa do bairro, dizem que é violento aqui. Eu falo pro meus amigos daqui que eu to trabalhando lá em Mãe Luiza e eles falam, você tá doido! Quem vem mais são os turistas de fora, até minha família do Rio de Janeiro ficou sabendo que eu trabalhava aqui e ficava ligando pra saber se estava tudo bem no começo. (Manoel do Santos, 29 anos, faroleiro)

Analisando a fala de Manoel constatamos que o bairro de Mãe Luiza realmente não detém uma boa reputação na atualidade. Nas conversas informais que travamos com moradores da cidade de Natal notamos que este conceito sobre o bairro se deve principalmente ao tráfico de drogas que supostamente ocorre na área e que costumeiramente é noticiado nos telejornais locais. 12

A pedido do faroleiro mantivemos seu nome em sigilo.

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Outro dado interessante foi notar que a figura mítica do velho faroleiro, que permanece muitos anos no mesmo farol, naquele caso, não tinha correlação com a realidade pesquisada. O Faroleiro que nos recebeu era um oficial jovem, recém transferido da Capitania dos Portos do Rio de Janeiro, e que por esses atributos, nos forneceu uma visão desmistificada sobre a sua profissão. Nas suas palavras:

Hoje em dia você faz o curso pra faroleiro, se for aprovado pode trabalhar onde quiser. Pouca gente quer essa profissão por achar solitária, chata. Eu to aqui numa boa! Aqui é bonito, muito arejado, e pra quem vem do Rio é muito tranqüilo. (Manoel do Santos, 29 anos, faroleiro)

A seguir podemos observar o ambiente da área militar, a qual o faroleiro faz referência:

Figura. 36: Aspecto da vila residencial destinada para os faroleiros e seus familiares. Janeiro de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Saindo das questões sociais que envolvem o bairro onde se localiza o Farol de Natal, Manoel nos informou que apesar dos numerosos atrativos turísticos da cidade de Natal, o farol é bastante visitado nos finais de semana. A visitação ao prédio é permitida somente aos domingos no período da tarde. Nesse intervalo, em finais de semana sem

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ocorrência de feriados, o número de visitantes varia entre 30 e 50 pessoas. Já nos finais de semana, com ocorrência feriados, este número ultrapassa facilmente uma centena de visitantes (informação verbal). Esta freqüência na visitação fez com que fosse proibida a subida da torre por motivos de segurança. Segundo Manoel, os aparelhos que compõe o farol são muito caros e delicados, e naquele prédio, estão dispostos numa área de fácil acesso aos visitantes. Qualquer dano ao equipamento óptico poderia comprometer seriamente a navegação naquele litoral, fato que comprometeria perigosamente o deslocamento de embarcações ao Porto de Natal, área de abrangência daquele farol. Esta justificativa para a proibição de acesso ao farol se mostra coerente com os avisos contundentes que pudemos ler na entrada da parte baixa do farol, onde consta o livro de visitantes. Nesta sala, além das fotos de outros faróis do estado, podemos ler os avisos e mapas da costa de Natal. A advertência que mais nos chamou a atenção, reproduzimos a seguir:

Recomenda-se aos navegantes a máxima atenção e cautela quando navegando próximo à costa do litoral nordeste, principalmente no período noturno, devido a grande concentração de barcos pesqueiros em atividade. (Marinha do Brasil, placa de advertência aos navegantes fixada no Farol de Natal)

Essa advertência serve de base para nossas considerações finais sobre este monumento. A constatação da importância atual que o citado farol tem para a navegação da costa de Natal atualiza seu papel como sinalizador marítimo fundamental para circulação das pequenas e grandes embarcações naquele litoral de águas notadamente agitadas. A característica destacada na placa de advertência, isto é, a presença marcante de embarcações pesqueiras que circulam ao longo do litoral, se repete em todos os postos que visitamos ao longo de nossa pesquisa. Esta constatação, reafirma a importância atualizada dos faróis para a navegação nas várias localidades estudadas. No caso especifico de Natal, concluímos que os grandes barcos que se aproximam do porto, devem utilizar o farol, não só como auxílio visual, que marca a costa, mas também, como sinal de alerta, de advertência, propriamente dito, para a presença das pequenas embarcações pesqueiras que circulam no litoral nordestino.

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4.1.4 Farol do Cabo Branco.

Figura. 37: Farol do Cabo Branco, com seu formato atípico. Dezembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Localização: João Pessoa (PB) - Latitude: 07 08’,96 S Longitude 34 47’,77 W Alcance luminoso: 27 milhas náuticas (43,45 Km) Descrição básica: Construído em 1972, seu formato triangular simboliza a planta do sisal típica da região nordeste. O design foi elaborado dentro de uma lógica militar e pretendia demonstrar um estado em fase de modernização.

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O Farol do Cabo Branco é hoje um dos principais atrativos dos passeios turísticos da capital paraibana. Recentemente, esta atividade turística ao seu redor ganhou força com a construção da Estação Ciência, Cultura e Arte, obra projetada pelo arquiteto Oscar Niemeyer, inaugurada em outubro de 2008. Assim, o farol, juntamente com a Estação Ciência, formam um importante complexo turístico. Este farol, ao contrário dos outros visitados, possui uma pequena estrutura comercial ao seu redor para receber esta visitação, dispondo de bancas de artesanato onde são vendidas lembranças que reproduzem o farol em miniatura. Este processo de transformação do elemento de sinalização em objeto de arte pode ser reconhecido como um aspecto peculiar que este farol assume na dinâmica local.

Figura. 38: Aspecto do artesanato feito em madeira e vendido nas “banquinhas” ao lado do farol. Dezembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Observando os artesanatos que são produzidos com a forma triangular característica do farol, e percebendo a intensa visitação semanal que ocorre neste monumento, bem representada pelas filas de ônibus de turismo que estacionam nos seus arredores, podemos considerar que, este objeto de sinalização náutica passa agora, no início deste século, a ser reconhecido, principalmente pelos atores sociais vinculados ao turismo, como um símbolo da própria cidade de João Pessoa.

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Além disso, o fato do farol estar construído sobre a barreira do Cabo Branco, ponto mais oriental das Américas, torna este local um ponto de visitação bastante disputado nos finais de semana devido a sua importância geográfica. No entanto, apesar de seu reconhecido como um monumento turístico da cidade, notamos, através das pesquisas de campo, que o Farol do Cabo Branco não perdeu sua atribuição de sinalização, essencial às comunidades de pescadores. Particularmente na comunidade da Penha, bairro localizado ao sul do farol, conseguimos coletar relatos dos pescadores que atestam o uso do farol como importante referencial para a localização da barreira e para avisar que a área de corais está se aproximando. Nas visitas que realizamos a esta comunidade, entre os anos de 2008 e 2010, tivemos o privilégio de participar de algumas puxadas de rede. Infelizmente não pudemos registrar por meio de fotografias essas atividades. As nossas mãos encontravam-se ocupadas, justamente, puxando as cordas que formavam as redes de arrasto para beira da praia. Em meio ao trabalho, quando parávamos para descansar e retomar o fôlego, eu tentava encaminhar algumas questões bastante simples para não incomodar o trabalho, e nem retirar a atenção daquela empreitada coletiva, que juntava cerca de 15 homens a beira-mar. Eu perguntava coisas do tipo: e aquele farol, o povo daqui, vocês, usam bastante? A resposta do mestre de pesca identificado como Everaldo, nome fictício, vinha da seguinte forma:

Quem usa mais o farol é os que vão pra fora. Eu tô pescando mais aqui pra dentro, não uso não. (Everaldo, 52 anos, mestre de pesca)

Ainda em meio ao trabalho eu tentava coletar informações sobre o tipo de pescado que era descarregado naquela comunidade, e se aquela produção poderia ser vinculada ao uso do farol. Seu Everaldo, aos poucos, foi se abrindo ao diálogo e a conversa forneceu mais alguns relatos sobre a produção pesqueira na Penha, nas suas palavras:

Quem tá ficando mais velho, que nem eu, fica aqui pra beira, só no comando do arrasto e pegando o peixe dos mais novo que agüenta sair pro mar toda semana. Os peixe de fora [Garoupa, Xaréu, Pescada Amarela, Agulhão Branco] nóis pega e repassa. Se chega a noite precisa do farol, de dia é mais fácil chegá na beira. (Everaldo, 52 anos, mestre de pesca)

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A ponta do Cabo Branco, juntamente com a praia da Penha, localizam-se numa região protegida por uma faixa de corais que dificulta a navegação. Portanto, a presença do farol, de acordo com os pescadores, é imprescindível para guiar as embarcações que chegam muitas vezes na madrugada trazendo boa parte da produção pesqueira vendida na cidade de João Pessoa. Finalizamos nossa apresentação sobre o Farol do Cabo Branco e comunidade de pescadores da Penha, com uma foto emblemática da embarcação típica do nordeste brasileiro. A jangada auxilia a pesca em diversas situações. Seja no mar de dentro, antes das linhas de arrecifes, seja no mar de fora, para além dos arrecifes, ela serve para a pesca e também para o desembarque do pescado que chega nas embarcações maiores.

Figura. 39: Aspecto da jangada típica do litoral nordestino. Detalhe do nome dado à embarcação que denota a tradição da pesca passada de pai para filho. Dezembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

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4.1.5

Farol da Pedra Seca

Figura. 40: Farol da Pedra Seca. Fonte: SIQUEIRA, 2002, p. 113

Localização: Cabedelo (PB) - Latitude: 06, 57’, 3 S Longitude: 34 49’, 3 W Alcance luminoso: 16 milhas náuticas (25,6 Km) Descrição básica: Encomendado em 1869, foi inaugurado no ano de 1873. Foi o primeiro farol a ser construído no litoral paraibano. Conta com aparelho automático, modelo AGA, de acetileno. Localizado na foz do Rio Paraíba e na entrada do Porto de Cabedelo.

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4.1.6

Farol do Cabo de Santo Agostinho

Figura. 41: Aspecto do Farol Santo Agostinho. Dezembro de 2009. Autoria: Gustavo Baez

Localização: Cabo de Santo Agostinho (PE) - Latitude: 08 21’, 09 S Longitude 34 56’, 84 W Alcance luminoso: 22 milhas náuticas (35,2 Km) Descrição básica: Inaugurado em 1883, substitui o antigo farol do Cabo.

Os resultados das pesquisas de campo e as considerações feitas sobre o Farol da Pedra Seca e sobre o Farol do Cabo Agostinho (PE), últimos pontos de nossas visitas de campo, serão apresentados no decorrer do próximo capítulo, pois estes objetos revelaram contribuições decisivas para a compreensão dos faróis enquanto elementos culturais nas comunidades de pescadores tradicionais.

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Além desse aspecto, as localidades e comunidades dos respectivos faróis já haviam sido estudadas por outros autores, que analisavam, justamente, a cultura tradicional dos pescadores nordestinos e sua relação com os territórios costeiros. Desse modo, pudemos associar os dados obtidos nas nossas pesquisas de campo com as contribuições que estes autores já haviam elaborado sobre o assunto. Em suma, construímos um panorama explicativo sobre como os faróis se relacionam com a cultura dos pescadores tradicionais, configurando-se enquanto parte do patrimônio material pesqueiro na costa brasileira.

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Capítulo 5 Territórios da pesca e do turismo

5.1 Estudo de caso do Farol da Pedra Seca (PB): pesca e comunidade tradicional em Ponta de Mato

Para aprofundarmos a discussão sobre o farol e suas novas funções sociais verificadas no início do século XXI, coletamos valiosos apontamentos presentes na obra Mestres e Mares: espaço e indivisão na pesca marítima, escrito por Simone Carneiro Maldonado (1993). Neste estudo temos a apresentação dos resultados de extensa pesquisa realizada pela autora, centrada sobretudo na cultura e no modo de ser dos pescadores tradicionais do litoral nordestino. Basicamente, a autora encaminha um debate sobre a relação sócio-ambiental que pescadores estabelecem com a realidade espacial da costa nordestina, e com os ambientes marinhos, na construção de um modo de vida sustentado pelo trabalho da pesca. Para o estudo das relações de produção pesqueira, e, para reapresentar as investigações antropológicas experimentadas nas pesquisas de campo, a autora constrói um rico conjunto de reflexões. Seu texto aborda os meandros das relações sociais dos pescadores, adentrando nas relações familiares, nas relações de parentesco e em outras relações sociais de trabalho. Seja no ambiente marinho, ou no ambiente terrestre, os pescadores, de forma geral, revelaram-se diretamente envolvidos com a observância atenta dos fluxos naturais, estabelecendo assim, uma relação intensa com os ambientes marinhos orientada, sobretudo, para a busca da subsistência material. Ao tratar de um processo de formação territorial específico, derivado dessa relação direta e necessária com o meio ambiente natural, a autora constitui uma ferramenta metodológica e explicativa fundamental para seus estudos, denominada de marcação. Na visão da autora este termo traduz uma ação prática essencial para existência dos pescadores. Basicamente, a marcação faz referência direta ao processo de criação e demarcação de territórios de pesca, fundamentais tanto para a sobrevivência material, como para a existência cultural das comunidades pesqueiras. Maldonado (1993) direciona suas reflexões para uma abordagem eminentemente geográfica quando discute a questão territorial envolvida no trabalho da pesca. Nessa junção sofisticada, que se utiliza tanto de conhecimentos geográficos, sociológicos, como de procedimentos antropológicos, temos um exemplo de enfoque 96


multidisciplinar bastante interessante como proposta de análise renovada e atualizada para a categoria território. Se conjugarmos as observações de campo que realizamos ao longo de nossa pesquisa, com a análise desenvolvida por Maldonado, poderemos notar, com clareza, que, em muitas comunidades de pescadores tradicionais a marcação se manifesta como prática cultural comum na formação de territórios pesqueiros e, como reforça a autora, “A marcação é uma das instâncias em que se constrói, se expressa e se atualiza a territorialidade dos pescadores.” (MALDONADO, 1993, p. 97)

Essa prática social, argumenta a autora, acaba por fundamentar o próprio modo de vida do pescador e representa diretamente as necessidades materiais destes grupos que vivem e dependem do contato direto com o mar, fornecedor de recursos. De forma resumida, podemos afirmar que o conhecimento tradicional sobre os espaço marítimos, a observância do funcionamento dos fenômenos naturais, como marés, ventos, coloração das águas, épocas de reprodução dos peixes, são dimensões formadoras da identidade de um pescador. Este conjunto de conhecimentos, formador desta identidade, é comumente atribuído aos chamados mestres de pesca. Sobre a capacidade de marcar um território pesqueiro, atribuído ao mestre de pesca, Maldonado aponta:

Para tal [o processo de marcação] ele [mestre-pescador] inscreve, em marcos de terra as milhas marítimas desses roteiros e sobretudo expressa a sua capacidade de localizar no mar indiviso e móvel, os fenômenos, as espécies e o relevo. Porque no seu âmbito geográfico, a marcação se inscreve na articulação do relevo marítimo com o relevo terrestre, de maneira que os lugares em mar alto correspondem a lugares em terra. (MALDONADO, 1993, p. 128)

Podemos observar que a autora enfatiza como parte fundamental desta identidade pesqueira, tanto o conhecimento dos espaços marítimos, representado e organizado materialmente na marcação dos pesqueiros, como também, a fixação de pontos de referência na costa, em lugares de terra firme. Dentro desta visão, podemos perceber que o processo de formação territorial dos bancos de pesca1- que são áreas ricas em pescado devido a seus atributos naturais de 1

Bancos de pesca, bancos de pesca, pesqueiros, pedras, morada de peixe. Todas essas expressões fazem referência a territórios de pesca no litoral nordestino. Muitos pesqueiros são formações naturais, geralmente pedras que aglomeram vida marinha. Mas há também pesqueiros não naturais, como navios

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localização e constituição física da plataforma continental2- constitui parte significativa do processo de construção da identidade do mestre pescador.

Definida de modo objetivo, a marcação é o sistema de descoberta e uso de bancos de peixes, é o acesso aos recursos marinhos mediante o conhecimento dos pesqueiros, das rotas, dos lugares. (MALDONADO, 1993, p. 127)

Ao atestar seus conhecimentos do meio marinho e sua capacidade de orientação a partir da marcação, o mestre de pesca é reconhecido como dominador dessa arte de marcar um meio ambiente tão móvel, indivisível e fluido como o mar. Associada a essa habilidade espacial de marcar o território marítimo, a capacidade de interpretar as linguagens da natureza, lendo as movimentações das correntes marítimas, orientando-se pelo soprar dos ventos, seguindo as fases da Lua, dão ao mestre o arcabouço necessário para cumprir suas funções práticas sobre a embarcação. Socialmente, essas habilidades destacadas do mestre garantem seu o reconhecimento e o respeito na comunidade. Somado a este processo de territorialização dos ambientes marinhos, o uso de sinais fixos na costa, como os faróis e outros marcos terrestres, asseguram ao mestre de pesca, um domínio quase total sobre seu ambiente de trabalho. Nessa interface, entre marcação e fixação de pontos de referência na costa, adentramos em outra parte fundamental para a análise da marcação como processo de formação territorial, a saber, a utilização dos marcos na terra firme. Autores importantes que estudam especificamente a pesca no Brasil, como Antonio Carlos Diegues,3 afirmam que este traço cultural é um elemento universal à pesca. Segundo Maldonado, são sofisticados sistemas de orientação construídos pela cognição dos pescadores que formam a marcação. Na nossa visão são sistemas de pensar o espaço marítimo a partir dos sinais inscritos na natureza, nas paisagens da terra. Notadamente esse processo de territorialização dos mares usa também, marcas humanas como monumentos, faróis, e outras construções. naufragados, diques, piers, destroços, e outras construções humanas que abandonadas no ambiente marinho servem de casa para algas, crustáceos, e finalmente, peixes. (MALDONADO, 1993; RAMALHO, 2006) 2 Plataforma Continental, grosso modo é a designação dada à margem dos continentes que está submersa pelas águas do oceano. Do ponto de vista jurídico a plataforma continental de um Estado costeiro compreende o leito e o subsolo das áreas submarinas que se estendem além do seu mar territorial, em todo prolongamento e extensão do território terrestre, até ao bordo exterior da margem continental [talude continental], ou até a distância de 200 milhas marítimas. (SOUZA, 1999, p. 80) 3 Cf . DIEGUES, 2004.

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Segundo relatos colhidos pela autora em suas pesquisas de campo realizadas na localidade de Ponta de Mato, município de Cabedelo, litoral da Paraíba, podemos observar que dentro da lógica da pesca o ato de marcar o mar esta diretamente relacionado com o de marcar a terra:

Como me foi dito por um Mestre de Ponta de Mato, ‘todos caminhos de mar tem seus caminhozinho de terra.’ (MALDONADO, 1993, p.108)

A fala do pescador, identificado como Pedrinho, indica que a prática de orientarse no mar tendo como pontos de referência objetos fixos na terra, faz parte do conhecimento náutico e da capacidade de orientação, essenciais no acesso ao mar e à construção da territorialidade dos pescadores. Assim podemos concluir que, a capacidade cognitiva de orientação e deslocamento no ambientes marinhos, formadora da identidade pesqueira, pode ser diretamente associada ao conhecimento dos marcos em terra. Por conseqüência, a identidade cultural pesqueira pode ser associada ao uso e a existência de faróis, encontrados na composição de muitas comunidades existentes em variados pontos da costa nordestina.4 No caso da Ponta do Mato, mais conhecida como ponta de Cabedelo, área onde também realizamos pesquisas de campo, além de orientar os pontos de pesca, o Farol da Pedra Seca indicava para os homens do mar as vias seguras para a circulação marítima. O farol da Pedra Seca se constitui como um marco de grande valia para navegação já que é utilizado pelos pescadores locais até mesmo durante o dia, como referencial para entrada e saída na desembocadura do rio Paraíba. (informação verbal)5 Na fotografia que apresentamos a seguir notamos a característica marcante do farol localizado em meio ao mar, numa região de arrecifes e pedras.

4

Na obra Luzes do Novo Mundo, Ney Dantas (2002) seleciona e apresenta mais de 45 faróis distribuídos pela costa brasileira, dos quais, vinte e dois (22), cerca de 50%, encontram-se construídos em áreas próximas a comunidades de pescadores tradicionais. A partir desses dados, podemos entender que, em porcentagem considerável das comunidades estudadas por Dantas, os faróis estiveram vinculados ou serviram de base para a fixação das comunidades de pescadores, que se beneficiaram destes monumentos úteis na pratica da pesca. (DANTAS, 2002) 5 Testemunhos informais de pescadores e funcionários da Capitania dos Portos da Paraíba, coletados nas visitas de campo, realizadas entre os anos de 2008-2010, revelam que o farol é instrumento indispensável para navegação na foz do rio Paraíba.

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Figura. 42: Farol da Pedra Seca. Autoria: Aluisio Trindade. Disponível em: www. panoramio.com/photo/10556821. Acesso em: 12/03/2010.3

Sobre este farol, Maldonado, traz em seu trabalho o seguinte depoimento de pescador: “Quando a maré tiver lavando o Farol da Pedra Seca a gente já sabe pra onde virar o bote” (MALDONADO, 1993, p.111) Devido a sua localização num banco de corais e rochas situadas no limiar do mar de fora, o Farol da Pedra Seca serve também como indicador das correntes marítimas que enchem e vazam na foz do rio Paraíba. Ou seja, o farol não tem utilidade para os pescadores apenas enquanto sinalizador luminoso: a própria edificação, construída em meio ao mar, serve como indicador das marés, sendo um ponto de referência diurno para a movimentação das embarcações e para a marcação do território na desembocadura do rio. Como se trata de uma região onde observamos a presença de arrecifes, característica que se repete ao longo de boa parte da costa nordestina, a ultrapassagem destas formações em direção ao alto-mar torna-se difícil e arriscada, o que demanda uma série de conhecimentos sobre o local e técnicas de deslocamento criadas pelos 100


pescadores. Nessa realidade costeira, o farol tem uma colaboração decisiva, indicando os pontos de passagem viáveis num dado momento de maré.

A possibilidade de uma travessia segura na saída da laguna de Ponta de Mato depende também dessa capacidade de orientação e de identificação da dinâmica ecológica local, porque há momentos propícios para ultrapassar as pedras pelas ‘barretas’, geralmente na maré alta, que é preciso conhecer para poder ‘marcar’. Passados os arrecifes, os barcos saem à demanda dos diversos mares. (MALDONADO, 1993, p.112)

Logo, a atividade da pesca e a formação de roteiros de navegação, dependem diretamente de marcadores terrestres para ocorrer. Essa dependência se acentua quando abordamos especificamente pescadores simples que enfrentam o mar em pequenos barcos e em jangadas com propulsão eólica, desprovidas de instrumentos mais avançados de localização no espaço. Desse modo, podemos assumir que o farol, usado dentro dessas relações sociais, pode ser entendido como instrumento de apoio ao trabalho, como componente de segurança indispensável para a pesca, e ainda, como demarcador de uma territorialidade marítima que, literalmente, flutua em marcadores aquáticos e em marcadores terrestres. A análise de uma territorialidade marítima centrada no trabalho da pesca, pode assim nos propiciar a possibilidade de ampliarmos nossas percepções e reflexões sobre novos usos que os sinalizadores assumem nessas relações sociais. Considerando as novas possibilidades de interpretação sobre o processo de formação de territórios pesqueiros, podemos expandir nossa abrangência explicativa sobre a própria categoria de território. Transportando a categoria territorial para um contexto histórico mais recente, onde os limites nacionais não têm a preponderância decisiva na delimitação e organização de uma área de interesse, o território assume novas formas e se configura a partir de outras demandas sociais. Nessa abordagem contemporânea, onde a formação territorial se desenvolve basicamente em função da pesca, pode-se compreender os territórios pesqueiros como um conjunto de processos e mecanismos sociais pelos quais grupos de atores sociais, no caso os pescadores tradicionais, estabelecem, mantém e defendem o usufruto, ou a posse de espaços fundamentais para o seu trabalho.

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Tomando por base os ambientes marítimos percebemos que os territórios pesqueiros são constituídos e valorizados pelos pescadores a partir de seus potenciais de oferta de recursos naturais como peixes, lagostas e camarões. Nessa dimensão material da pesca, os territórios correspondem a realidades geográficas concretas, correspondem, portanto, a recursos naturais em potencial para a exploração. Numa outra dimensão, vivenciada socialmente pelos pescadores, também podemos observar e entender essas territorialidades da pesca como representações sociais que se manifestam através de relações de trabalho, de poder e de dominação. Assim, quando estudamos territórios de pesca, estamos nos aproximando de uma territorialidade, aparentemente flutuante e móvel, mas singular. Afinal, um dado território pesqueiro é detalhadamente demarcado de acordo com os interesses, com as necessidades materiais e com as possibilidades de atuação dos agentes, pescadores, envolvidos. A especificidade notável dessa formação territorial, fundada no ato da marcação, também pode ser atribuída à natureza da área demarcada. Por se tratar de um ambiente aquático marinho, as relações sociais e de trabalho e de produção se particularizam na medida das necessidades e limitações que este tipo de ambiente impõe. O fato de o trabalho do pescador não se desenvolver em terras firmes, isto é, em terras cercadas, onde temos a propriedade privada dos meios de produção organizando majoritariamente a vida social, altera profundamente as relações de trabalho do pescador com o meio ambiente e com seu ambiente social. Emergem, dessa realidade marinha, um conjunto de práticas, condutas e representações que reforçam o trabalho coletivo e a dependência entre os membros da família ou da parentela6. A interdependência ou solidariedade social pode ser considerada como característica cultural representativa dessas comunidades, fortemente entrelaçadas nas relações de trabalho que existem entre os pescadores. Desse modo, a propriedade privada perde sua hegemonia sobre as relações de trabalho, e nas vilas dos homens do mar, o que se pode observar é um panorama de sociedade onde o trabalho, a vida social e as representações espaciais são partilhadas de forma intensa.

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Sobre as relações de parentesco e amizade presentes na pesca artesanal, Ramalho (2006) explica que a parentela é a extensão das relações de parentesco que aglutinam amigos próximos, vizinhos e compadres na formação de grupos de pesca. A pesca artesanal tem como característica essencial a mão de obra não assalariada e o trabalho coletivo que depende necessariamente dessa parentela. (RAMALHO, 2006, pp. 24-133)

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Mesmo com as disputas internas, esperadas nos processos de competição, a solidariedade entre pescadores é uma marca cultural de destaque que observamos nos campos de pesquisa e nos relatos apresentados por diversos estudiosos da área. Se centrarmos nossa análise sobre as relações de trabalho, notaremos que não é sobre o individualismo, típico das relações de trabalho assalariadas, que estes atores sociais se organizam. Ao contrário, sem a interação entre parceiros, amigos de pescaria, e parentela, a própria prática da pesca se tornaria inviável, tanto do ponto de vista físicomaterial, como do ponto de vista cultural. A puxada de rede, procedimento observado em boa parte das comunidades visitadas, atesta o caráter coletivo do trabalho na pesca. São nessas comunidades de pescadores, onde a partilha do trabalho e da vida social se manifestam num ethos pescador7 , isto é num modo de ser, de agir e de pensar próprio dos pescadores, que se formam os lugares sociais que nos interessam diretamente. Verificamos que na totalidade das comunidades visitadas em nossas pesquisas de campo, os faróis são considerados como objetos sociais úteis à comunidade. Ou seja, os faróis compõem parte dessa paisagem social, configurando-se enquanto característica imagética desse patrimônio cultural pesqueiro. São portanto, elementos formadores de lugares sociais onde os monumentos deixam de ser apenas prédios, objetos fixos, e passam a ser elementos funcionais, parte integrante da vida social dos homens do mar. Esse é, para nossos estudos, mais um aspecto revelador sobre os novos usos sociais atribuídos aos faróis no contexto social da pesca. Observando-os desta perspectiva, pode-se notar que os faróis servem para criar novas territorialidades no ambiente costeiro aglomerando culturas e comunidades inteiras ao seu redor. Para nossa pesquisa, considerando ambas perspectivas, a de marcos fundadores ou a de monumentos aglutinadores de uma comunidade tradicional, verificamos que, nas duas situações sociais, a presença dos faróis gera, na percepção dos moradores, um sentimento de pertencimento, um elo de ligação afetiva com aquela territorialidade. Ao se apropriarem dos faróis como objetos de apoio ao trabalho, como elementos da cultura 7

Ethos é um conceito elaborado pelo sociólogo Max Weber, dentro de sua obra mais famosa intitulada A ética protestante e o espírito do capitalismo, publicada em 1904. O ethos pode ser compreendido, grosso modo, como uma característica, ou um conjunto de características sociais, visíveis, perceptíveis e, portanto, passíveis de estudo pelo cientista social. Para estudar um ethos o cientista deve selecionar um tipo ideal social que pretende estudar. Por exemplo, pode selecionar um tipo ideal vinculado ao trabalho como o camponês, o proletário, o pescador, ou outra categoria de ser social, vinculada a etnia como os índios tupinambá, por exemplo. Ou seja, o tipo ideal encerra alguma característica intrínseca no seu modo de ser. Assim, o que a expressão ethos designa é, notadamente, um modo de ser, de agir e de pensar, característico de um grupo social. (WEBER, 1967)

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e da paisagem local, os pescadores acabam territorializando aquele objeto, transformando-o em parte da sua cultura material.

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5.2. Considerações sobre a cultura do povo do mar: territórios e patrimônio cultural pesqueiro

Para finalizar o debate sobre a interação dos faróis com a cultura e o modo de ser dos pescadores nordestinos adotaremos os apontamentos presentes na obra Ah esse povo do mar, escrita por Cristiano Wellington Noberto Ramalho (2006). Nesta obra, o autor nos apresenta uma contribuição importante para o entendimento da paisagem litorânea na qual estão incluídos os faróis: a noção de patrimônio cultural pesqueiro. O autor encaminha uma reflexão profunda sobre a cultura dos pescadores artesanais nordestinos centrando sua atenção sobre duas localidades da costa pernambucana: a comunidade pesqueira de Itapissuma, município localizado na zona norte da região metropolitana do Recife, e o pólo de pescadores de Suape, pertencente ao município do Cabo de Santo Agostinho, extremo sul da faixa litorânea da região metropolitana do Recife8. O patrimônio cultural pesqueiro presente nessas comunidades vai sendo revelado pelo autor através de uma análise detalhada das falas coletadas nas visitas de campo. Os aspectos singulares que esta cultura litorânea encerra nas populações locais e nos respectivos territórios, vão sendo esclarecidos a partir das representações que essas populações fornecem oralmente sobre seu modo de vida. Os pescadores artesanais, como ele nomeia, têm seu modo de ser organizado em torno da pesca estaurina e marítima, sendo essas modalidades de pesca desenvolvidas de acordo com as características físicas que cada localidade proporciona. Para nossa reflexão, aproveitamos principalmente as considerações que o autor elabora sobre os aspectos sociais e culturais que estes grupos desenvolvem nas suas relações diretas com o espaço costeiro. Observamos, notadamente, como estes grupos mantém seu modo de ser, seja pela herança patrimonial da tradição, seja pela prática da vida cotidiana. Indicamos, na nossa leitura, que este autor, a maneira de Maldonado, destaca também a solidariedade social como aspecto típico das comunidades pesqueira e imprescindível ao trabalho da pesca. A natureza do trabalho coletivo presente nas comunidades pesqueiras é bem exemplificado na seguinte passagem:

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Cf., RAMALHO, 2006, p. 22

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As equipes de pescaria são, de fato, grupos de amigos, compadres e parentes que fazem parte das embarcações e de seus espaços de trabalho, de convivência e partilha, tornando-se unidades produtivas essenciais para continuidade da pesca. (RAMALHO, 2006, p. 138-

139) A segunda marca social que caracteriza culturalmente esses grupos é a prática da marcação dos territórios pesqueiros como condição necessária da prática produtiva.

Dentre as particularidades do modo de vida pesqueiro, o sistema de marcação do espaço aquático, que é inerente à pescaria artesanal, confere singularidade à forma como os pescadores apropriam-se desse recurso ecológico. (RAMALHO, 2006, p. 152)

Ramalho aponta que diretamente decorrente deste processo de territorialização dos ambientes marinhos, temos o uso dos marcos em terra como características significativas dessa cultura marítima. Para mapear os espaços marítimos os pescadores realizam operações mentais sofisticadas. Os sinais presentes na costa, as construções humanas e os faróis, como nós atestamos nas visitas a campo, podem ser considerados objetos de referência para a construção dos mapas mentais do mar. Coletamos alguns relatos presentes na obra de Ramalho, que representam essa relação entre marcadores terrestres e marcadores marítimos. São falas de pescadores que julgamos bastante explicativas desse interessante processo de formação de territórios no mar que tem como base os marcos da terra:

A marcação é pelas terras. Você vê um morro aqui. Então, a pedra [ponto de pesca] é aqui. Aí você diz: é esse morro aqui pegando com esse. Aí sai botando nome dos morros, são muitas marcas. Pra pescar mesmo, é pelas marcas na terra. (Alberis de Paula, 47 anos, pescador de Suape) (RAMALHO, 2006, p. 152)

Derivado da relação entre terra e mar, observada claramente na fala do pescador Alberis, podemos supor uma relação direta entre pescador e farol como objeto de trabalho. Após reconhecer os faróis como elementos efetivos para a realização da marcação dos ambientes costeiros, podemos somar a essas considerações, nossas observações de campo, e associar estes objetos patrimoniais a um processo de caracterização imagética de algumas comunidades pesqueiras.

Esse processo de

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incorporação do farol dentro das práticas sociais dos pescadores acaba por formar uma paisagem cultural litorânea característica do Brasil. Nessa interpretação, os faróis podem ser considerados como monumentos que aglomeram pescadores e cultura tradicional ao seu redor. Eles são relatados por muitos pescadores como pontos de referência social que dão uma sensação de pertencimento comunitário ao povo do mar. Disso, formam-se bairros inteiros de pescadores, ou comunidades, como são geralmente denominadas. Essa realidade social pôde ser observada em torno de vários faróis que visitamos nas nossas pesquisas de campo. Destacamos os faróis do Cabo de Santo Agostinho (PE), do Cabo Branco (PB), da Pedra Seca (PB), da Baia da Traição (PB) , do Bacopari (RN) e de Natal (RN), como localidades onde os faróis são parte integrante, visível da cultura litorânea. Ou seja, como referência social, nessas comunidades citadas, os faróis podem ser relacionados diretamente ao patrimônio material da cultura litorânea. Ao abordar as localidades de Itapissuma e Suape, Ramalho (2006) aponta para um modo de fazer pesquisa que interpreta o território, os espaço e os lugares dessas comunidades, como objetos diretos da análise. Concordando com essa abordagem entendemos que pesquisar o patrimônio pesqueiro, é pesquisar uma cultura, ou um modo de ser especifico vinculado a um determinado território. O estudo de uma cultura tradicional e dos seus respectivos territórios, são portanto, aspectos complementares e necessários para a construção de um conhecimento científico sobre o tema. No caso de Itapissuma, descartamos uma possibilidade de análise dentro de nossas pesquisas de campo, por esta comunidade estar localizada em uma área estaurina, que não demanda do farol para a pesca. Já no caso de Suape a configuração espacial da enseada, composta por uma continuidade de praias com comunidades de pescadores e a presença marcante do Farol do Cabo de Santo Agostinho, ofereceram, para nós, um rico campo de pesquisas. A área de Suape, pesquisada por Ramalho, configura-se como uma área de intensa atividade econômica e turística, atributo decorrente da instalação do complexo portuário de Suape , segundo maior porto do Brasil, e da destacada beleza cênica do conjunto de praias que a compõe. As praias de Gaibus, Calhetas, do Paraíso e do Cabo de Santo Agostinho tem sido divulgadas intensamente pelos empreendedores do setor de turismo, o que causa uma procura e exploração crescente dessas localidades para atividades de lazer e recreação. A seguir vemos uma foto da praia de Calhetas:

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Figura. 43: Aspecto da praia de Calhetas. Março de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Entre os meses de outubro de 2009 e Março de 2010 realizamos pesquisas de campo nessas localidades, centrando nossas coletas de informação nas comunidades de Calhetas e Nazaré, localidades contíguas ao Cabo de Santo Agostinho. Como aspectos marcantes na praia de Calhetas destacamos a beleza cênica, os barcos de pesca e a atividade do turismo. Já na comunidade de Nazaré, objeto central de nossas visitas de campo, a população está fixada em terras altas, mais afastadas da orla, e tem como monumento central a Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, construída em 1597 e que conserva ainda seus traços quinhentistas.

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Figura. 44: Vista frontal da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré de 1597. Março de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Segundo a placa de sinalização turística fixada ao lado da construção histórica, era uma antiga ermida, que servia tanto para defesa como para a reunião comunitária. De dentro do mar, podia ser avistada pelos navegantes e era reconhecida como uma “vela branca” que guardava a parte alta do cabo. Além da igreja-monumento temos nesta localidade a presença das ruínas do antigo farol do Cabo de Santo Agostinho, marco da ocupação portuguesa na costa brasileira.

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Figura. 45: Ruínas do antigo farol do Cabo de Santo Agostinho. Março de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Sobre este monumento histórico ressaltamos que o Cabo de Santo Agostinho foi descoberto oficialmente em 1501 pelo navegador Américo Vespúcio, em expedição de trabalhos a serviço da coroa portuguesa. O texto clássico que retrata a importância da região para o reconhecimento da costa brasileira e para navegação daquela época - O Tratado Descritivo do Brasil em 1587-, de Gabriel Soares de Sousa, apresenta trecho em que se declara o conhecimento sobre o espaço estabelecido entre as localidades de Olinda e o já denominado Cabo de Santo Agostinho. Escreve o viajante:

Do porto de Olinda à ponta de Pero Cavarim são quatro léguas. Da ponta de Pero Cavrim ao rio de Jaboatão é uma légua, em a qual entram barcos. Do rio de Jaboatão ao cabo de Santo Agostinho são quatro légua, o cabo está em oito graus e meio. [...] Quem vem do mar em fora, para conhecer este cabo de Santo Agostinho, verá por cima dele uma serra selada, que é boa conhecença, por que por aquela parte não há outra serra da sua altura e feição, a qual está quase leste oeste com o cabo e toma uma quarta de nordeste sudoeste. E para quem vem ao longo da costa bota o cabo fora com pouco mato e em manchas; e ver-lhe-ão que tem a banda do sul, cinco léguas afastado dele, a ilha de Santo Aleixo, que é baixa e pequena. Até este cabo é a terra povoada de engenhos de açúcar, e por junto dele passa um rio que se diz do cabo. (SOUSA, 2000 [1587], p. 47)

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O relato do viajante mostra os aspectos imagéticos marcantes da costa nordestina naquele trecho. No nosso entendimento, podemos notar como os sinais do relevo costeiro eram importantes para a navegação. A fisionomia da serra selada, da qual o viajante faz referência, seria mais tarde, no século XVII, aproveitada para a instalação do antigo farol e de um conjunto de prédios voltados para a defesa da região. Dentre eles destacamos o Forte de Nazaré, que após as invasões holandesas passou a se chamado de Forte Castelo do Mar, construído em 1631. O Cabo de Santo Agostinho pode-se dizer, foi um dos primeiros elos de ligação entre o “Novo Mundo” e a percepção dos navegantes ibéricos que viam neste cabo um ponto de referencia decisivo para a navegação e chegada segura na costa do Brasil. Hoje, na região próxima às ruínas desses monumentos tombados9 , está instalado um ponto de visitação turística denominado Mirante do Cabo de Santo Agostinho.

Figura. 46: Aspecto do local de visitação (mirante) construído nos arredores das ruínas. Março de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Para substituir o antigo farol do século XVII, foi construído já no século XIX, o Farol Santo Agostinho que funciona até os dias atuais nas proximidades da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré. Apresentamos a seguir fotos do novo farol:

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A respeito dos bens tombados na região do Cabo de Santo Agostinho conferir o site institucional da FUNDARPE.

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Figura. 47: Vista da área externa e casa do segurança patrimonial do farol do Cabo. Março de 2010. Autoria: Gustavo Baez

Figura. 48: Placa de identificação do Farol Santo Agostinho. Março de 2010. Autoria: Gustavo Baez

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Funcionando com tecnologia avançada, atualmente o farol desempenha suas funções de sinalizador náutico sendo alimentado por baterias solares, sem a necessidade da presença do faroleiro. Este equipamento conta ainda com sistema de segurança antipane que avisa imediatamente a central da Capitania dos Portos do Recife, sobre qualquer falha de funcionamento no sistema. A placa identificadora do farol, que exibimos anteriormente, chama a atenção dos visitantes para a importância deste farol como objeto que garante a navegação neste trecho da costa. O aviso contundente sobre a importância vital do sinalizador para a navegação na região, e a advertência direta sobre o risco de aplicação de penalidades previstas no Código Penal, se devem ao fato de este trecho do litoral ser cortado por arrecifes. Tais formações litorâneas dificultam muito o deslocamento das embarcações nesta região e que causaram inúmeros naufrágios nesta porção da costa. Desse modo, constitui-se crime ou atentado qualquer prática que bote em risco o funcionamento do farol, fato que atentaria, por conseqüência, contra a segurança do transporte marítimo fluvial. Esse dado se mostrou bastante interessante para nossa pesquisa, pois atesta e atualiza a importância dos faróis para a navegação, pois segundo relatos do próprio caseiro, identificado como Josimar10, que cuida da segurança do patrimônio militar, os barcos grandes usam este marcador visual para alinhar suas entradas ao porto de Suape. Segundo o relato de Josimar:

Os amigo do estivador, que trabalham lá no porto, [Porto de Suape] dizem que os comandantes começam a aprumar os toneleiros quando avista o farol, depois vai só no radar de fundo.[sonar] (Josimar Ferreira, 49 anos, caseiro e segurança patrimonial)

Ou seja, o relato do caseiro fornece indícios para concluirmos que mesmo contando com equipamentos de última geração, os comandantes de grandes navios, que atracam no porto de Suape, não dispensam o auxílio visual do farol. Logo, observando a dinâmica social atual notamos que os faróis não perderam a função primordial de sinalizar a costa e orientar a navegação. Mesmo com os avanços tecnológicos dos meios de localização espacial e de comunicação percebemos que, os faróis são utilizados em parceira, em associação com essas novas tecnologias.

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Nome fictício.

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De forma geral, entendemos que todos os monumentos presentes no Cabo de Santo Agostinho atestam o valor histórico desta região para a ocupação da costa brasileira. Pudemos constatar, através das placas de sinalização turística presentes no local, e através da observação do intenso fluxo de turistas, que este conjunto arquitetônico e paisagístico se configura como um atrativo turístico de destaque no estado de Pernambuco. O aspecto que mais nos chamou a atenção, na localidade do Cabo, foi o uso turístico intenso associado aos bens tombados presentes naquela área. A presença das ruínas do antigo farol, da Igreja de Nossa Senhora de Nazaré, das ruínas do Convento de Carmelitas (1692), e ainda, a edificação do novo Farol do Cabo, formam um conjunto arquitetônico valioso, que associado às belezas naturais daquele posto, configuram um cenário único na costa do Brasil. Estes monumentos acabam por revelar aos visitantes aspectos interessantes sobre a cultura, história e geografia do território nacional. Recentemente, o uso turístico dado aos faróis pode ser observado, com mais facilidade, nas localidades de Olinda (PE), em João Pessoa (PB), junto do Farol do Cabo Branco, no famoso Farol da Barra em Salvador (BA), na comunidade de Baía Formosa ligada ao Farol do Cabo de Bacopari (RN), no farol de Natal (RN), e no entorno do Farol do Calcanhar, localizado no município de Touros (RN), estes dois últimos recebem semanalmente grupos de visitantes guiados pelos faroleiros. Se estendêssemos nossas pesquisas de campo para outros estados da federação certamente notaríamos que este uso turístico se repete, confirmando portanto essa nova atribuição dada para este elemento histórico da paisagem costeira do Brasil.

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Por fim, em todos os locais visitados, percebemos que as novas demandas sociais por lazer, presentes na sociedade capitalista, reorganizaram a exploração e o uso sobre estes objetos, e fizeram com que, os faróis fossem reutilizados como locais de contemplação da costa. Os faróis passaram a ser reconhecidos como patrimônios onde se pode conhecer um pouco mais sobre a história do Brasil. Encerramos este capítulo final de nossa dissertação com uma foto que mostra o Farol de Olinda. Selecionamos esta fotografia por entender que ela condensa, de forma bastante satisfatória, todas as nossas observações sobre as dinâmicas sociais que envolvem os faróis.

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Humano, natureza e farol formando, integrados, uma paisagem digna de registro e típica do litoral nordeste do Brasil.

Figura. 49: Aspecto visual de Olinda onde o farol é utilizado como um dos símbolos da cidade, integrando-se na natureza do lugar e na cultura humana da vila histórica. Fonte: SIQUEIRA, 2002, P. 108

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CONSIDERAÇÕES FINAIS

Buscando cumprir os objetivos de nossa pesquisa, neste último capítulo, que trata dos novos usos sociais atribuídos aos faróis, recuperamos, em primeiro lugar, a importância destes monumentos enquanto sinalizadores marítimos, essenciais para a orientação dos pescadores tradicionais. Em segundo lugar, observamos os faróis como pontos referenciais para demarcar os territórios de pesca. Em terceiro, interpretamos os faróis como elementos formadores de uma paisagem litorânea da costa brasileira. E, em quarto lugar, percebemos os sinalizadores como atrativos turísticos revitalizados pela dinâmica social. Desta última percepção resulta um uso contemplativo e de lazer, por parte da sociedade, para estes monumentos. Ou seja: na marcação dos territórios pesqueiros, na sinalização para a navegação costeira, na composição de uma paisagem cultural da costa brasileira e na elaboração dos roteiros de turismo, os faróis ressurgem como objetos sociais revitalizados pela dinâmica das relações humanas. Sua importância pode ser observada e atestada tanto pelos pescadores e faroleiros, como por todos aqueles que simplesmente visitam, moram ou percebem a faixa litorânea como parte fundadora do território nacional e significativa da vida social brasileira. Mirando o farol como um componente sui generis do espaço costeiro, formador de uma paisagem que mistura traços de natureza e do humano, com elementos do trabalho e do lazer, em permanente mudança, entendemos que este objeto adentrou a percepção dos brasileiros não só como matéria. O farol penetrou na vida social brasileira como um fluxo de ação humana que transforma a paisagem e a cultura. O fato material de ser sólido “como uma rocha”, dá ao farol a qualidade de observador inabalável, que fita os mares e a passagem do tempo. De outro lado, ressaltamos o fato de sua qualidade social associada à mudança. Os fluxos permanentes de transformações sociais formam camadas de tempos históricos sobre estes objetos. Podemos observar, se detivermos o olhar mais atento, uma sobreposição de tempos modernos dos cargueiros transatlânticos, do turismo week-end, da circulação rápida das informações via satélites, sobre os tempos antigos, das jangadas, das caravelas e de seus navegantes. Essas sobreposições de tempos históricos diferentes sobre um único objeto fazem com que o novo e velho se expressem ao mesmo tempo num único espaço.

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O farol, nessa medida, configurou-se como o objeto, por excelência, onde podemos observar, efetivamente, como as metamorfoses dos espaços habitados se expressam em cultura, em história, e em configurações territoriais que não param de mudar, pois são à maneira da cultura, construções humanas. Sendo assim, com todas as transformações nos usos sociais verificados em nossa pesquisa, não podemos afirmar que as suas funções antigas se perderam em meio aos avanços tecnológicos dos séculos XX e XXI. Observamos e atestamos que mesmo no tempo dos fluxos rápidos de informação que circulam pela atmosfera, os faróis aterrados na costa continuam a ser utilizados como sinalizadores, ainda que se disponha de meios mais sofisticados para se localizar no espaço costeiro. A título de comparação seria como pousar um avião de olhos vendados. É possível, mas não é desejável ao comandante da aeronave. Mesmo com todos os computadores de bordo, avistar a pista e suas luzes torna a operação mais fácil e segura. Essa máxima parece ser válida para os comandantes dos cargueiros, transatlânticos, barcos de pesca e, principalmente para as pequenas embarcações dos pescadores tradicionais que observamos ao longo de toda costa nordestina. Navegar sem o farol pode ser possível, mas com o seu auxílio, torna-se o caminho mais fácil e iluminado.

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Acesso em março de 2010

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ANEXO

Anexo 1: Certidão de aprovação do projeto de pesquisa e permissão para publicação emitida pelo Comitê de Ética em Pesquisa com seres humanos – CEP – HULW- UFPB

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