III Simpósio Brasileiro de Recursos Naturais do Semiárido – SBRNS “Manejo de bacias hidrográficas em regiões semiáridas: potencialização da produção de água” Fortaleza - Ceará, Brasil 20 a 22 de junho de 2017
doi: 10.18068/IIISBRNS2017.geoap509
ISSN: 2359-2028
USO DE GEOPROCESSAMENTO PARA DETECÇÃO DE MODIFICAÇÕES NO RIO SÃO FRANCISCO EM SERGIPE E ALAGOAS Daniel Brondani Ilha1, Ricardo Benedito Otoni2, Alexis Cristian Pertile de Oliveira3 Eng. Florestal, Economista, Analista Ambiental do Ibama em Sergipe, Aracaju – SE, Daniel.ilha@ibama.gov.br. Geógrafo, Doutorando em Sociologia pela UFS, Campus Aracaju, Analista Ambiental do Ibama em Sergipe, Aracaju – SE. 3Bacharel em Administração, Licenciado em Biologia, Analista Ambiental do Ibama em Sergipe, Aracaju – SE. 1 2
RESUMO: Esse trabalho tem como objetivo mapear um trecho do rio São Francisco, no semiárido de Sergipe e Alagoas, a fim de detectar alterações em seu leito, identificando a emersão de bancos de sedimentação após as sucessivas reduções de defluência da UHE de Xingó, ocorridas entre 2013 e 2016. Para tanto foram utilizadas imagens dos satélites Landsat 8 e Sentinel-2A, além de visitas de campo. Os resultados apontam que entre 2013 e 2016 ocorreram modificações no leito do rio, com a emersão de ilhas e barras arenosas e que estas formações desencadearam processos de erosão marginal, contribuindo para o seu assoreamento. PALAVRAS-CHAVE: Erosão marginal; assoreamento; ilhas. GIS FOR THE DETECTION OF MODIFICATIONS IN THE SÃO FRANCISCO RIVER IN SERGIPE AND ALAGOAS ABSTRACT: This work aims to map an excerpt of the São Francisco River, in the semi-arid in Sergipe and Alagoas, in order to detect changes in your bed, identifying the emergence of sedimentation banks, after successive reductions on the flow UHE of Xingó, which occurred between 2013 and 2016. For that, images of the satellites Landsat 8 and Sentinel-2A were used, in addition to field visits. The results indicate that between 2013 and 2016 occurred changes in the bed of the São Francisco river, with the emergence of islands and sandy bars and that these formations unleashed marginal erosion processes, contributing to the silting up of the river. KEYWORDS: Marginal erosion; siltation; islands.
INTRODUÇÃO O rio São Francisco divide-se em quatro regiões devido a sua extensão e aos diferentes ambientes que percorre: Alto, Médio, Submédio e Baixo São Francisco. O Baixo se estende de Paulo Afonso/BA, passando pelos estados de Sergipe e Alagoas até sua foz, no oceano Atlântico. No Baixo São Francisco foi construída na década de 90 a usina hidrelétrica (UHE) de Xingó, que opera em regime de fio d’água. A seu montante já existiam diversas outras, como o Complexo Paulo Afonso, Itaparica, Sobradinho e Três Marias. Os reservatórios de Três Marias e Sobradinho construídos nas décadas de 60 e 70, respectivamente, atuam também na regulação da vazão do rio São Francisco (ANA, 2017a). Desde 2013, os níveis d’água dos reservatórios
de Três Marias e Sobradinho se encontram abaixo do esperado em consequência de condições climáticas adversas, com vazões e precipitações abaixo da média (ANA, 2017a). A expansão territorial da agricultura intensiva, sobretudo nas últimas décadas, em importantes regiões de recarga da bacia hidrográfica do rio São Francisco, também tem contribuído para esta crise hídrica (ZELLHUBER e SIQUEIRA, 2016). A vazão de defluência da UHE de Xingó vem sendo reduzida sistematicamente nos últimos anos, em virtude dos baixos níveis de armazenamento dos reservatórios a montante. Em abril de 2013 a vazão de defluência mínima foi reduzida de 1.300 m³/s para 1.100 m³/s. Em junho de 2015 foi novamente reduzida, sendo fixada em 900m³/s. Em janeiro de 2016 atingiu o valor mínimo de 800 m³/s. Sendo diminuída para 750 m³/s em outubro de 2016 e 700 m³/s em janeiro/2017 (ANA, 2017a). Uma vez que entre os estados de Sergipe e Alagoas não existem afluentes que possam aumentar de modo significativo à vazão do rio São Francisco (SILVA et al., 2010), a água liberada pela UHE de Xingó tende a determinar o regime hídrico rio abaixo, estabelecendo sua vazão e cota, especialmente nos trechos mais próximos ao reservatório, inseridos no Semiárido sergipano, com baixos índices de precipitação pluviométrica. A construção de UHEs no rio São Francisco reduziu a carga fluvial de matéria em suspensão, o que diminuiu o volume do aporte de sedimentos a jusante da UHE de Xingó, acelerando processos de erosão costeira na Foz, o desbarrancamento das suas margens e o seu assoreamento (ALVES et al., 2007). O processo de sedimentação tende a ser potencializado com a diminuição sistemática da vazão de defluência da UHE de Xingó, que faz com que o transporte de sedimentos em direção a Foz seja atenuado, propiciando a formação de bancos de sedimentos ao longo do rio. Assim, o presente estudo tem como objetivo identificar, com o uso de geoprocessamento, alterações na paisagem do rio São Francisco, no Semiárido de Sergipe e Alagoas, após as recentes reduções das vazões de defluência da UHE de Xingó, detectando o surgimento de barras arenosas e ilhas, bem como de processos avançados de erosão marginal.
MATERIAL E MÉTODOS Área do estudo corresponde ao um trecho de aproximadamente 27 km do rio São Francisco, no município de Porto da Folha/SE, entre os povoados de Niterói e Ilha do Ouro. Na margem alagoana entre a sede municipal de Pão de Açúcar e o povoado de Barra de Ipanema, município de Belo Monte. A área fica distante a 48 km do reservatório da UHE de Xingó e a 135 km da Foz do rio São Francisco. Localiza-se entre as longitudes 37° 26’ 18” e 37° 14’ 59”
Oeste e latitudes 9° 45’ 21” e 9° 53’ 6” Sul. O regime pluviométrico da região é mais intenso entre os meses de maio a julho, com precipitações médias mensais acima de 80 mm. Os menores índices são registrados entre os meses de setembro a dezembro, com precipitações inferiores a 30 mm/mês. A média anual histórica de precipitação na região é de 510 mm. No período do estudo a média registrada foi de 438 mm/ano (INMET, 2017). Para a identificação das alterações ocorridas no leito do rio foram utilizadas imagens do sensor OLI do satélite Landsat 8, em composição RGB das bandas 6, 5 e 4 em fusão com a banda pancromática (banda 8), elevando assim a resolução espacial das imagens para 15 metros. Estas imagens datam de 14 de abril de 2013 e 14 de novembro de 2015. Foi utilizado também imagem do satélite Sentinel-2A, captada pelo sensor MSI em 7 de dezembro de 2016, em composição RGB das bandas 8, 4 e 3, com resolução espacial de 10 metros. Ressalta-se que todas as imagens foram adquiridas livremente no sítio da United States Geological Survey (USGS), sem a necessidade de aplicar correção geométrica. O processamento das imagens foi realizado por método de classificação automática não assistida utilizando o classificador Iso Cluster, limitando duas classes temáticas, água e terra firme. Ressalta-se que as imagens utilizadas no presente estudo não apresentam resolução espacial que permita identificar processos de erosão marginal de pequena dimensão, inferior a 15 metros de largura. Os dados sobre as vazões de defluência da UHE de Xingó foram obtidos junto a Agência Nacional de Águas (ANA, 2017b). De acordo com estes dados foram registradas nos dias 14 de abril de 2013, 14 de novembro de 2015 e 7 de dezembro de 2016 vazões de defluência de 1.541 m³/s, 915 m³/s e 759 m³/s, respectivamente. Nos dias anteriores a estas datas foram registradas vazões de defluência de 1.325 m³/s, 915 m³/s e 761 m³/s, respectivamente. Nos dias 29 de setembro de 2016 e 1 de dezembro de 2016 a área do estudo foi percorrida, a fim de evidenciar in loco as mudanças ocorridas no leito do rio São Francisco, como o surgimentos de bancos de sedimentação, bem como identificar a ocorrência de processos avançados de erosão marginal, sendo coletadas as coordenadas geográficas destes locais com o uso de receptor GPS de navegação (Garmin eTrex 20x), com erro estimado de posição (EPE) abaixo de 15 metros.
RESULTADOS E DISCUSSÃO Nos últimos anos a vazão de defluência da UHE de Xingó vem sendo reduzida paulatinamente (Figura 1). No início de 2013, foram registradas vazões de defluência próximas a 2.500 m³/s. A partir do final de novembro de 2016 estes valores foram reduzidos,
passando a ser registradas vazões com valores próximos a 750 m³/s (ANA, 2017b). Entre 2013 e 2016 a cota do rio medida na estação fluviométrica do município de Pão de Açúcar/AL, reduziu-se de 180 cm, em janeiro de 2013, para níveis próximos a 40 cm em 2016 (ANA, 2017c).
Figura 1. Vazão de defluência da UHE de Xingó entre os anos de 2013 e 2016. Fonte: ANA (2017b).
Diante desse quadro, após o ano de 2013 ocorreu na área do estudo à emersão de terra firme e de barras arenosas, constituindo um conjunto de ilhas, que alteraram a dinâmica hídrica do local, acentuando a ocorrência de processos erosivos, que contribuem com o assoreamento do rio em decorrência do depósito destes sedimentos a jusante (Figura 2). Considerando os acréscimos de terra firme às margens, estima-se que após a vazão de defluência da UHE de Xingó ter sido reduzida de 1.541 m³/s para 759 m³/ a área emersa dobrou de tamanho na área do estudo, sendo acrescidos 370 hectares de terra firme. Destaca-se o surgimento de uma ilha nas proximidades da comunidade quilombola Mocambo (Figura 2a). Em decorrência de sua emersão a linha de talvegue migrou para as margens, o que elevou o fluxo (corrente) das águas próximo às encostas, o que vêm intensificando a erosão marginal em ambas às margens, primeiramente na margem de Alagoas (Figura 2b) e posteriormente em Sergipe, atingindo a comunidade quilombola Mocambo (Figura 2c). Processos similares de erosão marginal também foram identificados in loco nas proximidades de Belo Monte e do povoado de Barra de Ipanema (Figuras 2e e 2f).
Figura 2. Modificações no leito do rio São Francisco entre os anos de 2013 e 2016. Emersão de bancos de sedimentos (a); Erosão marginal (b); Solapamento no Quilombo Mocambo (c); Pastejo de bovinos em área recentemente emersa (d); Erosão marginal causada pelo estreitamento do curso d’água (e); Solapamento(f). O rebaixamento da cota do rio São Francisco tem contribuído para a intensificação de processos erosivos no Baixo São Francisco, não só pelos impactos causados pela alteração do canal do rio, mas também pela maior exposição das encostas ao solapamento. Neste sentido, Holanda et al. (2011) esclarece que a redução do nível do rio torna as margens mais vulneráveis a erosão devido a maior exposição do talude à ação da correnteza, o que provoca o seu desmoronamento, sobretudo nas áreas desprovidas de cobertura vegetal. A presença de bovinos foi observada de forma corriqueira nas áreas emersas no leito do rio em virtude da redução do seu nível, o que vem propiciando o acesso de animais, que se deslocam das margens em busca de áreas verdes para o pastejo (Figura 3d). Também foi observada a proliferação de macrófitas aquáticas no leito do rio, principalmente da Elodea sp., vulgarmente conhecida como cabelo. Estas macrófitas estão contribuindo para a fixação e estabilização das barras arenosas. De acordo com Holanda et al. (2011) a proliferação de macrófitas está associada entre outros motivos a ausência de cheias e pelo assoreamento do rio
São Francisco, que permite a incidência direta dos raios solares em baixas profundidades, estimulando a reprodução destes organismos. Este quadro tende a se agravar, caso perdure o regime de baixas vazões no Baixo São Francisco.
CONCLUSÕES O uso de geoprocessamento se mostrou eficiente para a detecção das alterações ocorridas no leito do rio São Francisco, permitindo realizar valiosas análises sobre os impactos ambientais decorrentes das sucessivas reduções das vazões de defluência da UHE de Xingó. Sendo recomendado o seu uso para o mapeamento das modificações ocorridas nos demais trechos do Baixo São Francisco.
REFERÊNCIAS AGÊNCIA NACIONAL DE ÁGUAS. Disponível em <www.ana.gov.br>. Acesso em 1 de jan. 2017a. ______. Sistema de Acompanhamento de Reservatórios – SAR. <http://sar.ana.gov.br/Medicao>. Acesso em 9 de jan. 2017b.
Disponível em
______. Sistema de Informações Hidrológicas – Hidroweb. Disponível em <http://hidroweb.ana.gov.br/Estacao.asp?Codigo=49370000>. Acesso em 13 de jan. 2017c. ALVES, N. M. S. et al. Dinâmica geoambiental, processos morfodinâmicos e uso das terras em Brejo Grande, Baixo São Francisco–Sergipe. Revista Brasileira de Geomorfologia, v. 8, n. 2, p. 11-21, 2007. HOLANDA, F.S.R.; SANTOS, L.C.G.; ARAÚJO FILHO, R.N.; PEDROTTI, A.; GOMES, L.J.; SANTOS, T.O.; CONCEIÇÃO, F.G. Percepção dos ribeirinhos sobre a erosão marginal e a retirada da mata ciliar do Rio São Francisco no seu baixo curso. Ra’e Ga, 22: p.219-237, 2011. INSTITUTO NACIONAL DE METEOROLOGIA. <http://www.inmet.gov.br/portal/>. Acesso em 11 dez. 2017.
Disponível
em
RICARDO, W. F. S. P.; MEDEIROS, P.; VIANA, F. G. B.. Quantificação preliminar do aporte de sedimentos no Baixo São Francisco e seus principais impactos. In: X SIMPÓSIO DE RECURSOS HÍDRICOS DO NORDESTE, 2010, FORTALEZA. X Simpósio de Recursos Hídricos do Nordeste, 2010. ZELLHUBER, A.; SIQUEIRA, R. Rio São Francisco em descaminho: degradação e revitalização. Cadernos do CEAS: Revista crítica de humanidades, n. 227, p. 3-24, 2016.