Pesca, pescadores e políticas públicas no Baixo São Francisco Sergipe - Brasil
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Ministro do Meio Ambiente José Sarney Filho Presidente do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Hamilton Nobre Casara Diretor de Gestão Estratégica Rômulo José F. Barreto Mello Coordenador do Programa de Educação Ambiental e Divulgação Técnico-Científica José Silva Quintas Coordenador do Projeto de Divulgação Técnico-Científica Luiz Cláudio Machado
As opiniões expressas, bem como a revisão do texto, são de responsabilidades do autor.
Edições IBAMA Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Diretoria de Gestão Estratégica Programa de Educação Ambiental e Divulgação Técnico-Científica Projeto de Divulgação Técnico-Científica SAIN Avenida L/4 Norte, s/n 70800-200 - Brasília-DF Telefones:(061) 316-1191 e 316-1222 e-mail: editora@ibama.gov.br http:\\www.ibama.gov.br Brasília 2001 Impresso no Brasil Printed in Brazil
Ministério do Meio Ambiente Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis
Pesca, pescadores e políticas públicas no Baixo São Francisco Sergipe - Brasil Veralúcia Oliveira Coutinho Ramos
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação da Universidade Federal de Sergipe, Núcleo de Pós-Graduação e Estudos do Semi-Árido, para defesa pública junto ao Curso de Mestrado em Desenvolvimento e Meio Ambiente, vinculado ao Programa Regional de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente - PRODEMA, como requisito para a obtenção do título de Mestre. ORIENTADORA: Profª. Dr.ª Maria Geralda de Almeida.
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Série Meio Ambiente em Debate, 39
Diagramação Carlos José de Sousa Silvio Projeto gráfico Denys Márcio Capa Fátima Feijó Criação, arte-final e impressão Projeto de Divulgação Técnico-Científica - Edições IBAMA Bibliotecária responsável Sonia M. L. N. Machado
CATALOGAÇÃO NA FONTE INSTITUTO BRASILEIRO DO MEIO AMBIENTE E DOS RECURSOS NATURAIS RENOVÁVEIS
R175p
Ramos, Veralúcia Oliveira Coutinho Pesca, pescadores e políticas públicas no Baixo São Francisco, Sergipe Brasil / Veralúcia Oliveira Coutinho Ramos. Brasília : Ed. IBAMA, 2001. 197p. ; 29,7cm. (Série meio ambiente em debate ; 39) Dissertação (mestrado) Universidade Federal de Sergipe. Inclui bibliografia. ISSN 1413-25883 1. Pesca. 2. Políticas públicas. 3. Economia pesqueira. 4. Sergipe. I. Título. II. Série. CDU (2.ed.) 639.2:32
Secar o rio é matar os peixes e os pescadores Mais uma vez crucificar Nosso Senhor Deus é pai dos oprimidos, ouve o clamor Jesus nos chama para sermos libertador Vejam a situação que o nosso rio está Muitos peixes em extinção bem prestes a se acabar Mandim Branco, Capadinho, Curvina, Tubi, Lambiá Estes peixes só produzem se as águas barrear Vamos à luta companheiros, vamos à luta sem parar Lutar para que façam escadas para os peixes passear E nas épocas das enchentes, deixar o rio altear Esta é a grande esperança do povo que está a penar O rio que era rico, vejam a situação que está.
Crucificar Nosso Senhor de Antônio Gomes dos Santos (Pescador, Presidente da Colônia de Pescadores de Penedo/AL e Vice-Presidente da Federação de Pescadores de Alagoas)
Aos Pescadores do Baixo São Francisco, especialmente os de Amparo do São Francisco, pelo exemplo de amor, abnegação e fidelidade ao Velho Chico.
AGRADECIMENTOS
A conclusão de um trabalho de pesquisa é decorrente do enriquecimento de contribuições, sejam elas teóricas, morais, espirituais, entre outras, de pessoas que de uma maneira ou de outra estão presentes no corpo do trabalho. O agradecimento formal significa o compartilhamento com essas pessoas do produto ora apresentado. À Orientadora desta dissertação, Profª. Drª. Maria Geralda de Almeida, pela peculiar, segura e competente atuação. A confiança na capacidade da orientanda aliada às palavras de reconhecimento foram suas marcas constantes. Às Professoras Dr.ª. Sigrid Neumamm Leitão e Dr.ª. Maria da Conceição Vasconcelos Gonçalves, pelas contribuições dadas ao presente trabalho. Às Professoras Dr.ª Vânia Fonseca e Maria Augusta M. Vargas, coordenadoras do mestrado, pelo apoio e pela determinação na condução do curso. À equipe de apoio do NESA, em especial Katiene, pela prontidão e amizade demonstradas durante o mestrado. À Professora Dr.ª. Delvair de Brito Alves, pela inestimável contribuição nos caminhos da metodologia da pesquisa, e aos Professores do Departamento de Biologia da UFS, Clóvis e Carlos Dias, pela colaboração na identificação do material vegetal coletado na pesquisa. Ao bibliotecário Justino, pelas orientações bibliográficas e à Professora Magna Ramos, do Departamento de Letras, pela revisão final da dissertação. Ao estudioso apaixonado pelo rio São Francisco, José Theodomiro de Araújo, Presidente do CEEIVASF, pelos importantes subsídios sobre a pesca no Baixo São Francisco. Ao Representante do IBAMA em Sergipe, Sr. Luiz Durval Machado, pela oportunidade de aprimorar meus conhecimentos. Aos colegas de trabalho do IBAMA, especialmente à bibliotecária Maria Lúcia Brandão; aos técnicos Fernando José, Marluce, Fátima, Francisco Ferreira, Salustiano, Lídia, Ana Torres, pelas contribuições nas discussões técnicas; ao colega Milton José, pela colaboração nos trabalhos de campo. Aos técnicos da CODEVASF, Cecília, Jorge Luiz, Eduardo Mota e Eduardo Bastos e ao Chefe do Depto. Meio Ambiente da CHESF, José Damásio, pelas informações prestadas. inspiração.
Aos pescadores de Amparo do São Francisco, fonte primária de informação e de
Aos amigos Pedro, Ana, Maria Teles e Maria José Gomes, pelas palavras amigas e estimulantes no transcorrer deste trabalho; aos colegas de mestrado Eduardo, Paulo Roberto, Jânia, Ione, Mayre e Maria José, pela solidariedade na caminhada comum. À minha querida cunhada Suzana Leite, pela competente e paciente assessoria no âmbito da configuração gráfica, o que contribuiu para uma boa apresentação desta dissertação. Aos meus irmãos, Veronildo, Vanildo, Veronice e especialmente Veronaldo, o incentivo e a confiança no sucesso dessa travessia; aos meus pais, José Tavares de Oliveira e Eliza Souza de Oliveira, por proporcionarem a força necessária para a conclusão deste desafio.
À minha querida filha Ilyana, pela compreensão e maturidade no entendimento de minha pouca disponibilidade para atender suas necessidades de adolescente. Ao meu querido filho Diego, por desvendar os caminhos para superar os obstáculos surgidos durante a digitação deste trabalho e pelo auxílio prestado na tradução de textos em Inglês. A Ivan Coutinho Ramos que, na condição de técnico do IBAMA, agregou relevantes informações a esta dissertação. Na condição de esposo, pelo incentivo, pela paciência e compreensão do meu recolhimento e das minhas constantes noites ocupadas com a digitação deste trabalho, implicando mudanças na rotina familiar, que é meu maior bem querer. Finalmente, o maior e mais justo agradecimento a Deus, pela fé sempre presente nos momentos mais difíceis de construção desta obra.
SUMÁRIO
LISTA DE ILUSTRAÇÕES ............................................................................................ LISTA DE TABELS ...................................................................................................... LISTA DE QUADROS .................................................................................................. LISTA DE SIGLAS E E ABREVIATURAS .....................................................................
13 17 19 21
RESUMO ..................................................................................................................... 23 ABSTRACT ................................................................................................................. 25 INTRODUÇÃO ............................................................................................................ 27 1 A PRODUÇÃO PESQUEIRA BRASILEIRA E SEUS VÁRIOS ASPECTOS................. 1.1 ASPECTOS GERAIS .......................................................................................... 1.2 PESCA MARÍTIMA, CONTINENTAL E ESTUARINA EM SERGIPE ................... 1.3 PERFIL DA PESCA NO BAIXO SÃO FRANCISCO ............................................
35 36 46 48
2 EVOLUÇÃO DA POLÍTICA PESQUEIRA NO BRASIL ............................................. 2.1 ESTÍMULOS À PESCA INDUSTRIAL E REFLEXOS NA ARTESANAL .............. 2.2 MEDIDAS DE ORDENAMENTO PESQUEIRO .................................................. 2.2.1 Proteção de Parte Selecionada dos Estoques .............................................. 2.2.2 Limitação do Tamanho das Capturas .......................................................... 2.3 POLÍTICA PESQUEIRA NO NORDESTE E REPERCUSSÕES PARA O BAIXO SÃO FRANCISCO .............................................................................................
53 54 58 58 59
3 POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NO ENTORNO DA PESCA ........................ 3.1 POLÍTICA DE GERAÇÃO DE ENERGIA ........................................................... 3.1.1 O Aproveitamento Energético no Nordeste ................................................ 3.2 POLÍTICA DE IRRIGAÇÃO ................................................................................
71 72 73 78
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4 PESCA E PESCADORES DO BAIXO SÃO FRANCISCO ......................................... 83 4.1 O LUGAR: AMPARO DO SÃO FRANCISCO ..................................................... 84 4.1.1 Áreas de Pesca e Povoados ........................................................................ 90 4.2 O QUADRO DA PESCA LOCAL ....................................................................... 94 4.2.1 Artes de Pesca ............................................................................................ 97 4.2.2 Perfil dos Pescadores ................................................................................. 105
4.2.3 O Rio de Ontem e de Hoje ........................................................................ 109 4.3 O COTIDIANO DO PESCADOR ...................................................................... 114 4.4 PERCEPÇÃO DO PESCADOR SOBRE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO ..................................................................................... 122 5 A CRISE ATUAL DA PESCA: PRODUTO DAS POLÍTICAS ................................... 131 5.1 SINALIZADORES DA CRISE PESQUEIRA ....................................................... 132 5.2 AÇÕES INSTITUCIONAIS ............................................................................... 135 5.3 COMENTÁRIOS FINAIS .................................................................................. 139 RECOMENDAÇÕES ................................................................................................... 147 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................................................................. 151 ANEXOS .................................................................................................................... 159 GLOSSÁRIO............................................................................................................... 167
LISTA DE ILUSTRAÇÕES
Figura 01
Produção Mundial de Pescado no período de 1950 a 1993. Mar e Águas Continentais (em milhões de toneldas) ......................................................... 28
Figura 02
Produção Total de Pescado do Brasil no período de 1975 a 1997. Água Doce e Marinha (em toneladas) ........................................................... 37
Figura 03
Localização de Sergipe no Brasil e delimitação do Baixo São Francisco sergipano, destacando-se o Município de Amparo do São Francisco, lócus da pesquisa ...................................................................................... 49
Figura 04
Mapa de localização da Usina Hidrelétrica de Xingó (BSF) ........................... 79
Figura 05
Mapa de localização das 76 várzeas identificadas no Plano Diretor do Baixo São Francisco ..................................................................................... 81
Figura 06
Mapa de localização e delimitação do Município de Amparo do São Francisco ............................................................................................... 88
Figura 07
Aspectos da entrada da sede de Amparo do São Francisco ........................... 90
Figura 08
Praça central de Amparo, onde se aglomera a população após a missa e durante as comemorações da festa da padroeira, na Igreja Católica ........................................................................................................ 90
Figura 09
Câmara de Vereadores em sessão quinzenal ................................................. 91
Figura 10
Sede da Prefeitura de Amparo do São Francisco ........................................... 91
Figura 11
Escola de 2º grau, situada na sede de Amparo do São Francisco ................... 91
Figura 12
Agência dos Correios local ........................................................................... 91
Figura 13
Posto Médico municipalizado. FNS/Prefeitura ............................................... 91
Figura 14
O Barateiro , mercadinho que supre a demanda local ................................. 91
Figura 15
Local de embarque/desembarque de pescado na sede de Amparo do São Francisco ...................................................................................................... 93
Figura 16
Local de embarque/desembarque de pescado, no povoado São José, onde o acesso ao rio exige atalhos até as zonas mais baixas ...................................... 93
Figura 17
Local de embarque/desembarque, no povoado de Lagoa Seca, apresentando um reduzido contingente de pescadores.................................. 93
Figura 18
Local de embarque/desembarque no povoado Crioulo. A localização do povoado (bastante inclinação) exige certo esforço no transporte dos apetrechos de pesca até o rio .................................................................. 93
Figura 19
A Igreja do Povoado de São José, destacando-se ao fundo o Velho Chico .... 95
Figura 20
A simplicidade das moradias de alvenaria e taipa na entrada do povoado São José ........................................................................................ 95
Série meio ambiente debate, 39
Figura 21
Condições precárias da única escola do povoado Crioulo, apresentando problema de ventilação, entre outros ............................................................ 96
Figura 22
Aglomerado de moradias no povoado Crioulo, com definição de propriedades (cercas) para fins agrícolas e/ou habitacionais........................... 96
Figura 23
Espécies mais capturadas em Amparo do São Francisco (piranha, tucunaré, piau e robalo .................................................................. 97
Figura 24
Barco com vela confeccionada com sacos de nylon, devido às dificuldades financeiras enfrentadas pelo pescador, dificultando a aquisição do material adequado ..................................................................................................... 97
Figura 25
A beira do rio como local de apoio à atividade pesqueira, no conserto, na pintura e manutenção de embarcações ......................................................... 98
Figura 26
As águas do São Francisco utilizadas no asseio do pescado ........................... 98
Figura 27
Pescador lançando covos, seguindo-se detalhamento do equipamento ........ 99
Figura 28
Confecção artesanal de covos pelo próprio pescador, utilizando material próprio da região .......................................................................................... 99
Figura 29
Pescadores operando rede de emalhar como cerco parcial .......................... 100
Figura 30
Rede de emalhar utilizada como cerco total, em função da disponibilidade de redes ..................................................................................................... 101
Figura 31
Rede de emalhar de superfície, utilizada normalmente à deriva ou ancorada em uma extremidade, para captura de peixes de superfície .......... 101
Figura 32
Rede de emalhar de fundo, destinada à captura de peixes de profundidade 101
Figura 33
Detalhes técnicos da rede de emalhar ......................................................... 102
Figura 34
Pescador utilizando a linha de mão, com auxílio da canoa .......................... 102
Figura 35
Groseira (espinhel) com detalhamento do anzol, utilizada próxima ao fundo para captura de espécies predominantemente carnívoras .................. 102
Figura 36
Pescador lançando uma tarrafa. Apetrecho historicamente utilizado no Baixo São Francisco, para captura de peixe de menor porte ........................ 103
Figura 37
Pescador operando o cuvu. Esse equipamento opera de maneira seletiva e exige reflexos rápidos por parte de quem o utiliza ..................................... 104
Figura 38
Detalhamento da confecção do cuvu .......................................................... 104
Figura 39
Pescadores nas frentes de serviço, como estratégia de sobrevivência frente às dificuldades da atividade pesqueira local ................................................ 110
Figura 40
Amostra do cabelo (Egeria densa Planch) que está proliferando à jusante de Xingó, que interfere na penetração da rede de pesca até o fundo do rio. Amostra colhida na Prainha de Amparo .............................. 113
Figura 41
Amostra do mato também abundante no mesmo trecho do rio São Francisco. Material coletado na Prainha de Amparo ............................. 113
Figura 42
Antigas várzeas inundáveis que se encontram secas e improdutivas, devido à regularização das águas do Velho Chico ....................................... 115
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Série meio ambiente debate, 39
Figura 43
Pescador subindo o rio para pescar em Escoria, enfrentando o mau tempo . 117
Figura 44
Produção (insignificante) para uma noite toda de pescaria (piranha, tucunaré, traíra e sarapó) ............................................................................ 117
Figura 45
Pescador remendando sua rede de pesca com seus companheiros .............. 118
Figura 46
Reterritorialização dos pescadores após a construção de Xingó ................... 120
Figura 47
Bordadeiras sentadas na calçada, ocasião de bate-papos e de partilha das dificuldades comuns ................................................................................... 121
Figura 48
Os momentos de bate-papos enquanto remendam as redes de pesca. A calçada utilizada como local de convívio social, próxima a uma sombra de árvore, na sede de Amparo do São Francisco ............................. 122
Figura 49
As mães passeando com os filhos e netos pelas ruas do povoado São José, como um momento de lazer, de finais de semana........................................ 122
Figura 50
O rio é usado tanto para asseio quanto para o lazer da família ..................... 123
Figura 51
O Velho Chico utilizado como local de lavagem de utensílios domésticos ... 123
Figura 52
O uso das águas do rio na lavagem das roupas da família .......................... 123
Figura 53
Usina Hidrelétrica de Xingó: a grande vilã da estória, na percepção dos pescadores ................................................................................................. 125
Figura 54
Usina Hidrelétrica de Xingó ........................................................................ 125
Figura 55
Prainha de Amparo do São Francisco, destacando-se o Nilthynhu s Bar da Dona Zezé e o banho no Velho Chico ................................................... 136
Figura 56
Curimatãs (Prochilodus vimboides) vindas de Sobradinho ......................... 137
Figura 57
Surubins (Pseudoplatystoma spp.) servidos aos turistas e também provenientes de Sobradinho ....................................................................... 137
Figura 58
Reunião com pescadores realizada em Piaçabuçu/AL, para definição do período do Defeso da Piracema, sob a coordenação da Federação de Pescadores de Alagoas e IBAMA AL/SE ................................................. 138
Figura 59
Reunião com pescadores realizada em Propriá/SE, para definição do período de Defeso da Piracema, sob a coordenação da Federação de Pescadores de Sergipe e IBAMA SE/ AL ..................................................... 139
Figura 60
O rio como meio de transporte da comunidade .......................................... 142
Figura 61
O Velho Chico como companheiro e fonte de sobrevivência do pescador, palco de glória e de decepção na atividade pesqueira ................. 147
15
LISTAS DE TABELAS
Tabela 01
Relação da Produção Brasileira da Pesca Artesanal e Industrial no período de 1960 a 1997 (em toneladas) .............................................. 43
Tabela 02
Relação da Produção Industrial e Artesanal por Regiöes Brasileiras no período de 1980 a 1997 (em toneladas) .............................................. 44
Tabela 03
Total de Pescadores Cadastrados no IBAMA/SE, em agosto/1998 ........ 67
Tabela 04
Total de Pescadores do Baixo São Francisco Cadastrados no IBAMA/SE, em agosto/1998 ................................................................ 67
Tabela 05
Total de Pescadores do Baixo São Francisco Registrados nas Colônias Z-7 e Z-8, em agosto/1998 ................................................................... 68
LISTAS DE QUADROS
Quadro 01 Comparação entre a Pesca Industrial e Artesanal no Mundo ................. 45 Quadro 02 Regulamentação Pesqueira para a Bacia do Rio São Francisco ............. 64 Quadro 03 Regulamentação Pesqueira para a Bacia durante o Defeso ................... 65 Quadro 04 Alguns Indicadores do Perfil dos Pescadores de Amparo do São Francisco ................................................................................... 107 Quadro 05 Indicadores Sociais do Perfil dos Pescadores de Amparo do São Francisco .................................................................................... 108
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
BIRD BSF CHESF CEEIVASF CEMIG CEPENE CNAEE CODEVASF COMDISCAF CONAMA CONDEPI CONTAG CONVEMAR COREG CPI CRAB CVSF DEPAN DEPAQ DIREN DIRPED DNAEE DNOCS EIA ELETROBRÁS ELETRONORTE EMATER/SE FAO GESPE GPE IBAMA IBGE INSS IOCS IFOCS MASTOP MMA MONAPE ONU
Banco Interamericano de Reconstrução e Desenvolvimento Baixo São Francisco Companhia Hidrelétrica do São Francisco Comitê Executivo de Estudos Integrados do Vale do São Francisco Companhia de Energia de Minas Gerais Centro de Pesquisa Pesqueira do Nordeste Conselho Nacional de Água e Energia Elétrica Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco Comissão de Defesa dos Interesses do Município de Canindé do São Francisco Conselho Nacional de Meio Ambiente Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Pirambu Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar Coordenadoria Regional da Pesca Comissão Parlamentar de Inquérito Comissão Regional dos Atingidos por Barragens Comissão do Vale do São Francisco Diretoria de Planejamento do IBAMA Diretoria de Pesca e Aquicultura do IBAMA Diretoria dos Recursos Renováveis do IBAMA Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica Departamento Nacional de Obras Contra as Secas Estudos de Impacto Ambiental Centrais Elétricas Brasileiras S.A Centrais Elétricas do Norte do Brasil Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural de Sergipe Fundo Mundial para a Alimentação Grupo Executivo do Setor Pesqueiro Grupo Permanente de Estudo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Instituto Nacional de Seguridade Social Inspetoria de Obras Contra as Secas Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas Movimento dos Agricultores Sem Terra do Oeste Paranaense Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal Movimento Nacional dos Pescadores Organização das Nações Unidas
Série meio ambiente debate, 39
PBA PDP PENESA PESCART PROPESCA REVIZEE SEAGRI/SE SEPLANTEC SNRH SUDENE SUDEPE SUVALE UFS UHE WWF ZEE
Programa Básico Ambiental Plano de Desenvolvimento da Pesca Pesca do Nordeste S.A Plano de Assistência à Pesca Artesanal Programa de Assistência à Pesca Programa de Avaliação dos Recursos Vivos da Zona Econômica Exclusiva Secretaria da Agricultura de Sergipe Secretaria de Estado do Planejamento e da Ciência e Tecnologia Secretaria Nacional de Recursos Hídricos Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste Superintendência do Desenvolvimento da Pesca Superintendência do Vale do São Francisco Universidade Federal de Sergipe Usina Hidrelétrica Fundo Mundial para a Natureza Zona Econômica Exclusiva
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Série meio ambiente debate, 39
RESUMO
O Vale do São Francisco tem sido alvo de políticas e ações governamentais voltadas para o uso de seus recursos naturais, das mais variadas formas, em prol do desenvolvimento econômico regional. Porém, essas intervenções tiveram como base a viabilidade técnico-econômica, não se cogitando estudos de viabilidade social. Tais intervenções não foram eficazes na conservação dos recursos naturais da Bacia como também não resultou na efetiva melhoria da qualidade de vida da população e, em particular, a dos pescadores. As políticas de desenvolvimento aplicadas à região não procuraram relacionar a preservação ambiental com as questões sociais, com o modo de vida das pessoas atingidas por tais políticas. Apesar de a água ser um elemento da natureza coletivo, as agressões aos cursos d água afetam mais diretamente às pessoas que dela dependem para viver e trabalhar, como é o caso dos pescadores. Muitas vezes, as discordâncias desses profissionais em relação a algumas políticas referem-se às suas formas de implementação, já que elas se chocam, por vezes, com suas necessidades ou interesses. No caso do Baixo São Francisco (BSF), os pescadores foram os mais prejudicados no seu cotidiano, por não terem participado do planejamento em nenhum nível, não terem sido preparados, nem informados adequadamente sobre as alterações provenientes da construção das barragens e eliminação da maioria das várzeas inundáveis. Tais mudanças vêm repercutindo no declínio da pesca local, deixando este segmento bastante vulnerável, na medida em que está sendo afetado o seu modo de vida e suas práticas cotidianas de apropriação sustentável da natureza estão sendo ignoradas. O estudo da realidade pesqueira no Município de Amparo do São Francisco evidencia que a crise da pesca é produto da forma como as políticas de geração de energia e irrigação foram impostas no Vale do São Francisco. A pesquisa abrangeu os povoados de São José, Crioulo e a Sede do referido Município, tendo sido realizado levantamento de campo no período de julho a dezembro de 1998. A metodologia utilizada foi o estudo de caso de comunidade, tendo como objetivo analisar o modo de vida dos pescadores locais e a relação pescador-rio (homem-natureza), no intuito de subsidiar políticas sustentáveis para a região.
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ABSTRACT
The São Francisco valley has been a target for governmental actions and policies that seek the use of its natural resources, in the most varied ways, for the economical development of that region. Nevertheless, these interventions were based on a technical and economical viability, not allowing studies of social viability. Those interventions were ineffective in preserving the basin s natural resources as well as did not result in a real improvement of the life quality of the population and, particularly, of the fishermen. The development policy practiced in that territory did not aim for the interrelation between the environment preservation and the social affairs, and the way of life of the people struck by that administration. Although water is a collective natural resource, the depredation of the watercourses affect directly people that depend on them for life and work in, like the fishermen themselves. Several times, the disagreement of these professionals in relation to some policies refers to their ways of implementation, since they go against the needs and interests of those fishermen. In the case of the Lower São Francisco River Course, they were the most affected in their daily journey, since they did not take part on planning in any level, and did not have the preparation nor the adequate information about the alterations brought by the construction of Hydroelectric Plants and the elimination of the majority of the floodable swamp areas. Such changes have big repercussion on the decline of local fishing, leaving this segment (the fishermen) very vulnerable while its quotidian routine is being affected and its daily practices of sustainable use of nature are being ignored. The study of the reality of fishing in Amparo do São Francisco county indicates that this fishing crisis is a product of the way of how the policy of water and power generation was imposed in São Francisco River Valley. This survey involved the areas of São José, Crioulo and the center of Amparo do São Francisco County, with a field research that was carried up from July to December 1998. The methodology used was the study of a community case, having as goal to analyze the way of life of local fishermen and the fisherman-river (man-nature) interactions, with the intention of subsidizing sustainable procedures for that region.
INTRODUÇÃO
A necessidade de uma gestão sustentável dos recursos pesqueiros é premente. Para um melhor entendimento do papel histórico da pesca, enquanto produtora de alimento e empregadora de grande contingente de mão-de-obra, faz-se necessária uma apresentação do panorama mundial da pesca, a fim de contextualizar a temática. Em seguida, prosseguiremos com o detalhamento dos pressupostos, objetivos, das justificativas e da metodologia utilizada na pesquisa, seguida da apresentação da estrutura do estudo. O uso do meio aquático pelo homem, desde as origens da civilização, evoluiu lentamente, até que os avanços tecnológicos das últimas décadas aceleraram notavelmente seu desenvolvimento. Esse meio envolve as águas interiores e continentais, geralmente doces, e as águas marinhas ou oceânicas. A maior variedade e o maior volume de organismos aquáticos se encontram até 200 metros de profundidade. De acordo com o WWF-FUNDO MUNDIAL PARA A NATUREZA, (1997), os oceanos produzem, anualmente, entre 2 a 4 bilhões de toneladas de organismos animais e vegetais, dos quais o homem apenas extrai cerca de 67,61 milhões de toneladas (1983), o que ocorreu apenas recentemente, uma vez que há 30 anos a produção pesqueira mundial era a metade da atualmente conseguida. Outros 8,86 milhões de toneladas de organismos provêm de águas continentais, totalizando 76,47 milhões de toneladas, que foi a produção mundial de pescado no ano de 1983. Deve-se, entretanto, ressaltar que a produção de organismos vegetais e animais, marinha ou em águas interiores, seja por cultivo, ou aquicultura, atingiu, nesse mesmo ano, a cifra de 10,2 milhões de toneladas. Assim, do volume total de produção anual, apenas 13,3% provêm do cultivo de espécies aquáticas. O restante (86,7%) é produto da extração de recursos gerados livremente no meio natural. Em 1984, a previsão da FAO (apud SUDEPE, 1985), era que, teoricamente, a produção pesqueira mundial poderia, até o ano 2.000, alcançar cerca de 150 milhões de toneladas anuais, com a participação de recursos conhecidos, subexplorados, por meio de técnicas não muito distintas das atuais. Essa quantidade representaria o eqüivalente a cerca de um terço das proteínas animais requeridas pelos 6,3 bilhões de habitantes que se estima povoarem o mundo nessa época. Destes, por volta de 2/3 estarão concentrados nos países em desenvolvimento. Para alimentar essa população e melhorar seu padrão de vida, será necessário duplicar a produção alimentícia. A situação é digna de meditação e preocupação quando se verifica, através de dados publicados pela FAO, que a produção mundial de alimentos cresceu, na última década, em apenas cerca de 25% (ibidem, p.12), embora dados recentes (FRANÇA,1998, p.74) afirmem que a produção de alimentos aumenta mais rápido do que a população. Mas, certamente, este aumento não é proveniente da produção de pescado. Os maiores volumes de organismos aquáticos suscetíveis de aproveitamento econômico se apresentam em mares favorecidos por correntes frias, por seu conteúdo elevado de nutrientes, elemento básico da cadeia de alimentos.
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Conforme dados mais recentes (FAO, 1994, apud DIAS NETO, 1996), houve pequenas recuperações da produção no período de 1992 a 1993, chegando a atingir uma produção mundial de 101,3 milhões de toneladas, das quais 84,3 milhões de toneladas são oriundas da pesca marítima (Figura 1). No início da década de noventa, cerca de 69% das espécies marinhas mais conhecidas do planeta se encontravam ou plenamente explotadas, ou sob excesso de explotação, ou até esgotadas, ou se recuperando de tal nível de utilização. DIAS NETO (1996), ao referir-se à avaliação mundial das capturas incidentais e dos descartes da pesca, aponta que um volume da ordem de 17,9 a 39,5 milhões de toneladas são descartadas anualmente, com uma média de 27 milhões de toneladas. O descarte é formado por espécies não alvo das capturas e baixo valor comercial. Também se descartam os peixes pequenos das espécies-alvo das capturas.
Fonte: FAO,1994 apud DIAS NETO, 1996
Figura 1
Produção Mundial de Pescado no período de 1950 a 1993. Mar e Águas Continentais (em milhões de toneladas)
A prática descrita representa ameaça à manutenção da biodiversidade e à sustentabilidade, a longo prazo, dos recursos pesqueiros, além de desperdiçar uma fonte de proteína importante para o consumo humano (DIAS NETO, 1996). Tal fato pode ser comprovado com o recente relatório da WWF que foi apresentado, oficialmente, em outubro de 1998, em Roma, durante a reunião do grupo das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), o qual cita: A frota pesqueira mundial extrai dos mares uma quantidade 155% maior que a necessária para garantir o suprimento de peixes em níveis aceitáveis, o que está pondo em risco a sobrevivência de diversas espécies de peixes e animais marinhos em todo o mundo (....). dois terços da frota pesqueira em operação poderiam ser eliminados sem prejudicar o abastecimento, já que a produção excessiva estaria sendo desperdiçada. (...). A cada ano, 20 milhões de organismos marinhos sem interesse comercial são mortos devido a práticas de pesca indiscriminada, sendo novamente atirados ao mar (SCHIVARTCHE, 1998, p. 2). Esse autor, citando Lemos de Sá (1998) assinala que nos rios amazônicos, a sobrepesca produz um efeito semelhante. Há peixes nobres, como o pirarucu e o tambaqui, muito utilizados para o consumo local e para exportação, que estão cada vez menores. 28
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Em sua análise sobre a pesca mundial, DIAS NETO (1996, p.18) afirma: ...enquanto o esforço de pesca do mundo, em termos quanti-qualitativos crescem entre 200% e 300%, a produção aumentou em pouco mais de 30%. Como decorrência deste fato, as frotas pesqueiras do mundo tiveram importantes perdas econômicas em 1989, quando a produção marítima atingiu seu mais alto nível. NEIVA (1990, p. 33), ao referir-se à sobrepesca brasileira afirma ...haveria que se estudar a viabilidade e oportunidade de se incentivar a saída de embarcações da pesca com a conseqüente redução do esforço de pesca, o que melhoraria a rentabilidade das pescarias com provável redução do preço do pescado para o consumidor. SCHIVARTCHE (1998, p. 2) aponta como solução para amenizar o problema a redução de subsídios governamentais às frotas pesqueiras que hoje chegam a US$ 21 bilhões em todo o mundo, assim como um código de conduta para tais subsídios. A entrada em vigor da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CONVEMAR), em 16 de novembro de 1994, representou importante e decisivo marco de mudança nas relações da pesca mundial, principalmente pela elaboração do Código de Conduta para a Pesca Responsável o que, certamente, influenciará na pesca nacional. Inserida nesse panorama desfavorável, também encontramos a pesca artesanal praticada em estuários e águas interiores do Brasil. Assistimos às bacias hidrográficas estratégicas, como a do São Francisco, serem mal gerenciadas, incorrendo em prejuízos ambientais para as comunidades ribeirinhas, principalmente para os pescadores. No caso do Baixo São Francisco, apesar de a exploração de energia e a agricultura irrigada fazerem parte de um planejamento regional, essas geraram uma série de problemas ambientais provenientes da mudança da dinâmica de todo o ecossistema fluvial. O segmento pesqueiro local foi um dos mais prejudicados nessa "transformação", pois o peixe simplesmente "sumiu" do rio. Aliada a esse quadro, a falta de uma política de incentivo à pesca artesanal que garanta a reprodução social das comunidades pesqueiras está resultando na miserabilidade/ extinção do pequeno pescador. O estilo de desenvolvimento praticado pelo Brasil e, conseqüentemente, seu sistema de planejamento, não contempla as necessidades dessas comunidades, por priorizar o ganho de capital a qualquer custo. A problemática analisada neste estudo é o modo de vida dos pescadores de uma comunidade pesqueira (Amparo do São Francisco), a relação destes com o rio São Francisco, considerando as políticas de produção de energia, irrigação e o ordenamento pesqueiro implantados na região. Essas intervenções governamentais no Vale do São Francisco têm sido baseadas na viabilidade técnico-econômica, não se cogitando estudos de viabilidade socioambiental, o que findou por marginalizar a tradicional pesca praticada no Velho Chico. A temática dos modos de vida pode ser vista sob diferentes perspectivas. Conforme discorre LOBO (1992), de um lado estão as pesquisas que visam a apresentar uma radiografia das condições de vida e das formas de reprodução da força de trabalho das classes trabalhadoras; de outro lado tal temática serve para outros usos. A autora propõe uma nova abordagem em que o modo de vida seja entendido como algo que não se reduz aos indicadores objetivos das condições de vida e trabalho, mas que é constituído através de práticas cotidianas e representações, de tradições e trajetórias distintas, através das quais os trabalhadores lidam com essas condições. Desse modo, torna-se necessária a busca de uma abordagem interativa entre a Sociologia, a História Social e a Antropologia Cultural para resgatar as especificidades da formação e as experiências diferenciadas das classes trabalhadoras. 29
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A problemática dos modos de vida remete ainda à discussão que opõe a lógica do sistema ou de mercado à recuperação da autonomia dos sujeitos sociais na sua heterogeneidade, através das modalidades de suas experiências coletivas, vividas, representadas no campo simbólico (LOBO, 1992, p. 13). Os pressupostos que orientaram a busca de respostas à problemática referem-se ao fato de que "ser" pescador constitui o modo de vida dos atores sociais da pesquisa e que tal segmento detém um conjunto de conhecimento produzido a partir de sua vivência direta com a natureza. Este "saber" denota uma relação não-impactante com a natureza, devendo certamente ser incorporado a toda estratégia de desenvolvimento sustentável para o rio São Francisco. Atualmente, a pesca local vem apresentando sinais de declínio, devido aos impactos sofridos ao longo de todo o rio São Francisco. A relação homem-natureza (pescadorrio) foi e continua sendo ignorada nos planejamentos, pois o cotidiano do pescador e sua relação com o rio não são consideradas em nenhuma política proposta para a região. Isso gera problemas socioambientais e queda na condição de vida do pescador, resultando em modificações na sua vida. Esta problemática justifica a realização de estudos que busquem o aprofundamento da compreensão do "modo de vida" (cotidiano) dos sujeitos envolvidos, das suas reações às medidas oficiais e das estratégias que utilizam para superá-las. Os resultados subsidiarão estudos relativos à gestão dos recursos pesqueiros no rio São Francisco, para que essa passe a ocorrer de forma ecologicamente sustentável e socialmente justa. A preocupação com a temática surgiu de uma vivência profissional que propiciou o contato direto com pescadores do Baixo São Francisco, em época de proibição da pesca (Defeso da Piracema), fazendo surgir algumas inquietações diante do quadro social constatado. Nos primeiros contatos com a problemática, tornou-se clara a necessidade de ampliação e aprofundamento do tema. A área de estudo foi o Baixo São Francisco sergipano, especificamente o Município de Amparo do São Francisco, que tem um contingente representativo de trabalhadores cuja principal atividade é a pesca, conforme informações do Presidente da Colônia de Pescadores de Propriá (Z - 8). No bojo dessas definições, a metodologia utilizada foi um estudo de caso qualitativo, uma vez que procuramos analisar, o mais profundamente possível, o objeto em estudo pois, segundo TRIVIÑOS (1995, p.134) ...estudo de caso é uma unidade que se analisa profundamente, citando como exemplo uma comunidade pesqueira, entre outros. Optamos pelo estudo de caso de comunidade porque ...estudo de caso de uma comunidade, (...) pode transformar numa pesquisa complexa, ainda que só privilegiem com ênfase os aspectos de relevo que nela interessam (BOGDAN & BIRDEN, 1982 apud TRIVIÑOS, 1995, p.17). Nosso interesse recaiu sobre o estudo das relações sociais de uma comunidade pesqueira e as relações do pescador com o lugar. Para análise do modo de vida dos pescadores de Amparo do São Francisco, foi destacado o cotidiano como categoria analítica de estudo por expressar, através das rotinas de trabalho e extra-trabalho do pescador, as suas relações com os recursos do Velho Chico, a manifestação afetiva utilizada pelos ribeirinhos, referindo-se ao rio São Francisco. Partindo do fato de que a realidade pode ser vista sob diferentes perspectivas, não havendo uma única que seja a mais verdadeira, procuramos trazer para esta pesquisa as divergências de opiniões detectadas, revelando, por vezes, o nosso ponto de vista sobre a problemática em estudo, no entanto, deixamos que o leitor possa chegar as suas próprias conclusões e decisões. 30
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Essa perspectiva permitiu a aplicação de procedimentos ou técnicas diversas para a coleta e análise dos materiais. No primeiro caso, utilizamos técnicas de observação livre, através da participação em reuniões com instituições públicas e do acompanhamento de desembarques, além da realização de entrevistas semi-estruturadas (roteiros anexos), para o melhor entendimento da problemática local. Outra técnica empregada neste estudo refere-se à documentação fotográfica realizada durante a pesquisa, no intuito de apreender também o cotidiano visível e o não-visível dos pescadores de Amparo do São Francisco, sua rotina de vida. Segundo LIMA & PEREIRA (1997), com essa prática se constrói a etnografia do grupo. Como um estudo de caso, as fases consideradas nesta pesquisa foram: fase exploratória, fase de delimitação do estudo e fase de análise com a elaboração do relatório de pesquisa, que corresponde à dissertação. Na fase exploratória, definimos o tema e dele nos aproximamos através de contatos com lideranças da pesca do Baixo São Francisco e técnicos do IBAMA. Essa aproximação foi complementada com o levantamento bibliográfico não só sobre a pesca em geral, mas também relativa ao ambiente de pesquisa, ou seja, ao Baixo São Francisco. Neste sentido, consultamos livros, publicações e análise documental proveniente de diversas fontes, a exemplo de CODEVASF, IBAMA, CEEIVASF, SEPLANTEC/SE, UFS, Colônia de Pescadores e de particulares (*). Nesta fase, a aproximação com pessoas da área da pesquisa, ao tempo em que subsidiou a elaboração do Projeto, permitiu a identificação de pescadores para a fase seguinte (de coleta sistemática dos materiais) e o estabelecimento de um pacto de confiança, necessário ao trabalho de pesquisa. A fase de delimitação do estudo referiu-se à coleta sistemática dos materiais. Inicialmente, os instrumentos de pesquisas foram testados e as falhas, detectadas. Após as devidas correções, foram realizadas as entrevistas semi- estruturadas, registradas através de gravação em que os entrevistados discorreram livremente sobre as perguntas norteadoras. Informamos o objetivo da pesquisa e ressaltamos a importância das informações solicitadas. Os atores sociais da pesquisa foram os pescadores locais, técnicos e as autoridades que lidam com a pesca no Baixo São Francisco. Esta escolha (amostra) foi intencional, o que significa que foram escolhidos pescadores do ambiente delimitado para a pesquisa, a partir dos líderes locais, que recomendavam os novos informantes. A amostragem foi considerada suficiente quando as respostas fornecidas pelos atores sociais em relação ao objeto em estudo demonstraram uma grande reincidência das informações. Foram entrevistados técnicos das diversas instituições que atuam no Baixo São Francisco (CODEVASF, IBAMA, CHESF, UFS, CEEIVASF), assim como a direção da Associação dos Engenheiros de Pesca de Sergipe. Em relação às autoridades locais, foram entrevistados o Presidente da Câmara de Vereadores e a Secretária de Ação Social de Amparo do São Francisco, além do Presidente da Colônia de Pescadores de Propriá e os Presidentes das Federações de Pescadores de Sergipe e Alagoas. As entrevistas foram iniciadas em julho, para adequação dos instrumentos de pesquisa, e concluídas em dezembro/98. Foram realizadas 24 entrevistas com pescadores, na maioria, em suas casas, como também nos locais de trabalho (beira do rio) ou em meio a outros afazeres, sempre em horários de disponibilidade dos entrevistados. Elas tiveram a duração de aproximadamente uma hora, no intuito de evitar inconveniências para os informantes. Voltamos a entrevistá-los para complementar informações. Também foram mantidos contatos com grupos ocasionais, através de conversas informais, para esclarecimento de determinadas questões.
* A formatação de tabelas, figuras, citações e referências bibliográficas seguiram as orientações da Associação Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), NBRs 6023/89, 10520/92 e 6029/93.
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Optamos por reproduzir literalmente a fala dos pescadores com desvios da norma culta, fusões de sílabas, omissões de letras, por entendermos ser a linguagem um traço de identidade sociocultural dos pescadores locais. À medida que as entrevistas e observações foram transcorrendo, lançamos as transcrições em computador, juntamente com uma codificação própria; isso facilitou a etapa de análise dos dados estatísticos. Na fase de análise e elaboração da dissertação, partimos do princípio que os resultados obtidos constituem uma aproximação da realidade e processamos a análise das entrevistas de maneira transversal ...recortando-se as entrevistas em redor de cada tema objeto, quer dizer, tudo o que foi afirmado acerca de cada objeto, foi transcrito para ficha, seja qual for o momento em que a afirmação tenha tido lugar (BARDIN, 1977, p.67-9). Este autor (1977, p.38) considera análise de conteúdo como ...um conjunto de técnicas de análise das comunicações, que utilizam procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens (...) A intenção da análise de conteúdo é a inferência de conhecimentos relativos às condições de produção (ou, eventualmente, de recepção), inferência esta que recorre a indicadores (quantitativos ou não). O resultado dessa análise possibilitou-nos a construção deste trabalho cuja estrutura é formada por cinco capítulos, quais sejam: O primeiro trata dos aspectos históricos da pesca no Brasil, e, mais particularmente, no Baixo São Francisco, apresentando características, conceitos, classificações de tipos e ambientes de pesca. Tais aspectos são relacionados com o perfil da pesca praticada no Baixo São Francisco. O segundo capítulo apresenta a evolução da política pesqueira no Brasil, destacando o fato de a pesca industrial ter sido vista como "superior" à pesca artesanal. Discutimos as repercussões da pesca industrial na sustentabilidade dos recursos pesqueiros e as consequências para a pesca de pequena escala. O terceiro capítulo analisa como as políticas de desenvolvimento para o Nordeste, notadamente as direcionadas ao Vale do São Francisco, influenciaram na pesca praticada no rio São Francisco. São apresentadas e discutidas as políticas de geração de energia e de irrigação, enfocando a atuação da CHESF e da CODEVASF nas alterações ocorridas em todo o ecossistema fluvial. Os diversos barramentos e o desaparecimento das várzeas inundáveis ocasionaram alterações drásticas na dinâmica de reprodução dos peixes, refletindo no declínio da atividade pesqueira, principalmente na região estudada. O capítulo quarto refere-se ao estudo de caso de Amparo do São Francisco. Preocupamo-nos com o modo de vida dos pescadores locais, sua relação com o rio São Francisco, o perfil dos pescadores, a descrição da atividade pesqueira e dos equipamentos de pesca utilizados no local. Também nele abordamos o mapeamento do espaço reconstruído para suas práticas de pesca, assim como as reações e estratégias de sobrevivência utilizadas como respostas às políticas pesqueiras. Neste capítulo, descrevemos a relação do pescador (homem) com o rio (natureza), no contexto socioeconômico-cultural da população que, direta ou indiretamente, depende da manutenção desse ecossistema. Esse entendimento foi apresentado através das palavras dos principais atores sociais da pesquisa: os pescadores. No quinto capítulo é apresentada a crise da pesca no BSF como resultante das políticas de desenvolvimento implementadas na região. São referenciados estudos e ações institucionais dirigidas à recuperação do Baixo São Francisco; são citados diversos depoimentos concedidos por atores da pesquisa , concluindo com os comentários finais. 32
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No final do estudo são apresentas recomendações de medidas que visem a subsidiar a gestão dos recursos pesqueiros no Baixo São Francisco, no que se refere à sustentabilidade da pesca e à sobrevivência dos pescadores desta região, considerando as especificidades próprias da atividade pesqueira. Algumas dificuldades foram enfrentadas durante a pesquisa. Citamos como exemplo o acompanhamento da atividade pesqueira no horário noturno, uma vez que a pesca diurna é praticamente improdutiva em face da transparência da água do rio, o que permite aos peixes visualizarem as redes de pesca e fugirem. Para superar tal obstáculo, procuramos acompanhar os momentos de embarque e desembarque dos pescadores, pelo fato de ocorrerem durante o dia. Outro problema foi a dificuldade de deslocamento aos povoados de Crioulo e Lagoa Seca, por apresentarem acessos carroçáveis. A falta de apoio financeiro também se apresenta como fator que interfere na qualidade do estudo, exigindo do pesquisador significativos investimentos para cobrir despesas com veículo, combustível, hospedagem, refeições, além dos custos de impressão dos 16 exemplares da dissertação exigidos pela coordenação do mestrado. O resultado deste estudo não se propõe a apresentar uma realidade cuja explicação esteja pronta e acabada, conforme já mencionamos rapidamente. Como há outras leituras possíveis para os fatos analisados, acreditamos que os dados expostos estimulem sua formulação posterior e não cremos que a impeçam.
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A PRODUÇÃO PESQUEIRA BRASILEIRA E SEUS VÁRIOS ASPECTOS
Eu nasci e me criei aqui, desde pequeno que pesco. Meu avô e meu pai são pescador. Eu sei tudo de peixe purque toda vida lutei com isso. A pescaria não é enfadonha, o probrema é não pegá o pexe prá faze o dinhero (Seu Odair, 43 anos)
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O presente capítulo trata dos aspectos gerais da pesca nacional, tanto a marítima como a fluvial, mostrando sua importância enquanto fonte produtora de alimento para a população. Enfocamos a pesca industrial e artesanal brasileira e particularizamos a pesca praticada em Sergipe, com ênfase no Baixo São Francisco, procurando relacionar a problemática local ao contexto global. 1.1 ASPECTOS GERAIS Os indígenas do Brasil, como é de todos sabido, viviam da caça e da pesca. Em 1558, o Frei André Thevet, em sua obra "Singularidades da França Antártica", cita a presença de alguns peixes que aqui viu e do modo de pescar dos selvagens, que o faziam com arco e flecha do tipo sararaca, além de outros meios. Curioso é o que diz Thevet da pesca da albacora pelos índios: "mas os pescadores fazem, de certo pano, peixinhos brancos, que arrastam à tona d'água, à maneira de iscas, conseguindo assim, quase sempre pescá-los" (apud SANTOS, 1977, p. 18). É o que chamamos hoje pesca de corço (linha de corso), com isca artificial. Com maior minúcia ainda escreveu Gabriel Soares de Souza sobre os peixes da costa da Bahia, suas qualidades e a maneira de pescá-los, citando as seguintes espécies: bijupirá (Rachycentron canadus), mero (Promicrops itaiara), cavala (Scomberomorus cabala), xaréu (Caranx hippos), albacora (Thunnus spp.), bonito (Euthynnus alletteratus), dourado (Coryphaena hippurus), peixe-agulha (Hemirhamphus brasiliensis), corvina (Micropogon furnieri), garoupas (Epinephelus spp.) e tainha (Mugil curema). (Idem) Segundo SILVA (1988), o peixe representou saliente papel em nossa economia colonial. Os poderes públicos cuidaram do assunto um tanto vagamente, sem persistência nem continuidade. Em 1591, em São Paulo, foi proibido que se fizessem pescarias ao longo do rio Tamandoati usando o tinguí, uma das plantas ictiotóxicas de que então se abusava, impondo-se penas de quinhentos réis por pessoa que se achasse utilizando tal produto. Em 1598, estendia-se a mesma proibição a todos os ribeiros e rios existentes dentro da vila. A pesca alimentou o índio e os brasileiros que se multiplicavam, mas isso ao acaso, sem organização de espécie alguma, durante o longo período colonial, exceto quando houve uma ou outra rara medida de caráter municipal. Depois da Independência, isto é, durante o Império, vagamente se tratava do assunto. A primeira lei em relação à pesca foi em 1846, através do decreto 447 , o qual só permitia o exercício da pesca aos pescadores matriculados, com as embarcações arroladas, numeradas e marcadas com letras no costado e nas velas. Pelo decreto 8.388, de 17 de dezembro de 1881, tentou-se uma verdadeira regulamentação da pesca, dividindo-se o Brasil em três grandes zonas de pesca. Proibiram as cercadas, os tapumes ou quaisquer aparelhos que impedissem a passagem do peixe, o uso de substâncias ictiotóxicas, bem como a pesca com dinamite. O decreto, muito sábio, previa o repovoamento das águas e proibia os instrumentos nocivos a ela, inclusive as redes de arrastão. A Convenção de Haia, em 1882, dava aos brasileiros o direito exclusivo da pesca em águas territoriais. Em 1934, foi criado o Código de Pesca, passando essa atividade a ser observada de maneira mais objetiva, do ponto de vista operacional e econômico. O Código caracterizou os diferentes meios aquáticos, os pescadores passaram a ser considerados como profissionais e tudo isso mereceu amparo legal; foram previstos também outros aspectos, como repovoamento e defesa das águas interiores, comércio do peixe vivo, entre os demais. A partir daí, outros adendos foram introduzidos à lei básica, com o objetivo de oferecer condições para o desenvolvimento dessa atividade mas, só na década de 60 foram explicitadas as primeiras políticas para a pesca (a serem comentadas de maneira mais detalhada no próximo capítulo).
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A extensão do litoral brasileiro é de aproximadamente 8.400 km, estendendo-se desde o Cabo Orange (5°N) até o Chuí (34°S), sendo a maior parte situada nas regiões tropicais e subtropicais. Tais condições contribuem para a existência de uma vasta gama de recursos pesqueiros, porém, em sua maior parte, com baixa biomassa por estoque, apesar de apresentarem significativo valor econômico nos mercados internacionais e para o abastecimento interno. A produção pesqueira do País praticamente dobrou entre 1970 e 1986, crescendo de 526.292 toneladas para mais de 1 milhão de toneladas, o que corresponde a uma taxa de crescimento médio anual de 4,1% (NEIVA,1990, p.13). Porém, segundo afirma o relatório do governo brasileiro para a Conferência Rio-92 (BRASIL, 1991, p. 121), a produção pesqueira brasileira vem apresentando decréscimos significativos; isto é confirmado pelos dados que DIAS NETO (1996) apresenta, estes demonstram uma leve estabilização a partir de 1990 (estimativas do IBAMA e IBGE, 1998). No entanto, desde 1996, verifica-se alguma recuperação, conforme demonstra a figura 2. O declínio mencionado por DIAS NETO representou uma queda do 3º para o 4º lugar da pesca brasileira, como fonte de proteína animal.
Fontes: IBAMA/IBGE e Instituto de Pesca/SP apud Dias Neto, 1996 (Período de 1975 a 1989).IBAMA/IBGE apud CEPENE/ IBAMA, 1998 (Período de 1991 a 1997).
Figura 2
Produção Total de Pescado no Brasil, no período de 1995 a 1997. Água Doce e Marítima (em toneladas).
A costa marítima do Brasil apresenta um potencial pesqueiro significativo, apesar de sua exploração acontecer de maneira indevida, ocasionando o comprometimento de importantes estoques, através da sobrepesca de espécies de maior valor comercial. Em contrapartida, a pesca continental foi e continua a ser menos explorada e marginalizada nas políticas para o setor pesqueiro; julgaram-na fadada ao desaparecimento no projeto de modernização da atividade pesqueira, deflagrado a partir de 1960, com o incentivo à industrialização do País. 37
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A pesca marítima, no período de 1975 a 1994, contribuiu com 67,7% a 85,2% da produção total de pescado do Brasil. A participação, por região, na produção da pesca marítima e estuarina do País, é a seguinte: Região Norte, com 15%; Região Nordeste, com 12%; Região Sudeste, com 41%; Região Sul, com 32%. Essa situação reflete a distribuição regional dos as primeiras políticas para a pesca (a serem comentadas de maneira mais detalhada no próximo capítulo). A extensão do litoral brasileiro é de aproximadamente 8.400 km, estendendo-se desde o Cabo Orange (5°N) até o Chuí (34°S), sendo a maior parte situada nas regiões tropicais e subtropicais. Tais condições contribuem para a existência de uma vasta gama de recursos pesqueiros, porém, em sua maior parte, com baixa biomassa por estoque, apesar de apresentarem significativo valor econômico nos mercados internacionais e para o abastecimento interno. Este autor destaca ainda que a participação histórica da pesca industrial na produção marítima e estuarina tem variado entre 56% e 63% (no Brasil só acontece no delta do rio Amazonas), enquanto a pesca de pequena escala ou artesanal vem participando com algo entre 37% e 44%. A atividade pesqueira do País vinha sendo desenvolvida, desde os tempos antigos, na forma de pesca artesanal de subsistência, realizada com equipamentos relativamente simples; nos anos 60, surgiu, paulatinamente, incentivada pelo Governo Brasileiro, a pesca industrial, e, ao mesmo tempo, embora com menos dinâmica, a aqüicultura. Enquanto a pesca artesanal assumiu gradativamente a função de abastecer o mercado nacional, participando atualmente com 50 a 60% da produção total, uma boa parte da pesca industrial se dirigiu, desde o início, à exportação de espécies nobres, sobretudo crustáceos, alcançando entre 40 a 50% da produção total, utilizando recursos tecnológicos mais modernos. A aqüicultura, por sua vez, destinou-se, no início, ao peixamento em açudes e barragens, produzindo sobretudo para o interior do País, e, no passado mais recente, a carcinocultura, objetivando a exportação; ultimamente ela destina-se à diversificação da atividade do pequeno produtor rural; em relação à aquicultura, as duas últimas formas se encontram, ainda, em estado embrionário. A aquicultura brasileira está num estágio pouco desenvolvido em relação aos países asiáticos, responsáveis por cerca de 80% da produção mundial. O Brasil responde por apenas 3% da produção de pescado capturado (BRASIL, 1991, p. 123). A produção pesqueira por tipo de ambiente, ou seja, de água doce e água salgada, também mostra oscilação; a produção de água doce contribui com 20 a 25% da produção total, e a produção de água salgada com 75 a 80%, sem indicar nenhuma direção clara de alteração dessas proporções. A produção da aqüicultura está incluída nessas cifras, ocupando um lugar ainda insignificante quanto ao volume produzido (NEIVA, 1990, p.13). Considerando, sob o mesmo enfoque, só a produção de pesca artesanal (ou seja, segundo a origem de água doce e água salgada), constata-se que a produção proveniente da água doce constitui cerca de 45% da produção total da pesca artesanal. Ressalta-se que toda a pesca de água doce é feita em moldes artesanais. A pesca de água doce é uma atividade tradicional em nosso país. Inicialmente praticada pelos índios, desde a época da Colônia transformou-se em atividade econômica importante e assim se mantém. Em muitas regiões é a única fonte de proteína disponível às camadas mais pobres da população (...) a fauna de peixes de água doce na América do Sul é a mais rica do mundo, principalmente a da bacia Amazônica. Nela, até 1967, 38
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haviam sido descritas 1.300 espécies, para um total estimado de cinco mil, perfazendo ¼ do total de espécies de peixes existentes (PETRERE JR, 1995, p. 28). A qualidade e o volume dos recursos pesqueiros de águas interiores não são completamente conhecidos, devido à diversidade dos tipos de corpos aquáticos existentes e também à falta de pesquisas sistemáticas a esse respeito. Distinguem-se, em princípio, os seguintes:
Os rios e os lagos naturais: apesar de o País ser dotado de imensos recursos naturais, com grandes bacias hidrográficas, o potencial pesqueiro desses recursos ainda não é conhecido, em termos quantitativos, com a necessária exatidão científica. Entre as bacias hidrográficas brasileiras, destacam-se a Amazônica, Tocantins-Araguaia, do Paraná, São Francisco, Platina, do Leste, do Nordeste e do Sudeste, evidenciando o potencial econômico da utilização desses recursos, inclusive da pesca.
Os açudes: existem inúmeros no País, que, além da produção natural, freqüentemente estão sendo repovoados com alevinos, a fim de aumentar e estabilizar a produção pesqueira. Estimativas do potencial dos sete (07) maiores açudes no Nordeste indicam os seguintes volumes: Cedro (325 t/ano), Pereira de Miranda (653 t/ano), Banabuiu (917 t/ ano), Jacurici (922 t/ano), Paulo Sarasate (1.131 t/ano), Estevam Marinho (1.913 t/ano), Orós (2.570 t/ano). O manejo adequado desses ambientes poderá contribuir com expressivo aumento da produção da pesca em águas interiores (SUDEPE, 1988, p. 5).
Segundo estatística IBGE/SUDEPE, em 1988 foram produzidas 205.520 toneladas de pescado de águas interiores, equivalentes a 24% da produção brasileira comercializada. Esses números, entretanto, não refletem a real dimensão da importância da pesca no contexto econômico-social das populações interioranas. Primeiramente, devido à dispersão das pescarias e dos pontos de desembarque, dificultando sobremaneira a aquisição de informações. Em segundo lugar, grande parte da pesca é basicamente de subsistência e não registrada no cômputo geral da produção pesqueira. Diante disso, a pesca de águas interiores, historicamente relegada a um segundo plano, além de sofrer problemas vultosos comuns a todas as pescarias, sofre também de questões específicas, tais como: conflitos territoriais (por área de pesca); conflitos entre pesca profissional e a pesca turística, esportiva e amadora, além de grande vulnerabilidade à degradação ambiental e insuficiência de pesquisas. Salienta-se ainda que os impactos decorrentes da poluição, construção de barragens e dos desmatamentos deverão intensificar-se na próxima década e, num efeito sinérgico desastroso, poderão causar danos irreversíveis aos estoques pesqueiros (FISCHER,1992). A sazonalidade das capturas é, provavelmente, um dos fatores que contribuem para a manutenção da atividade em padrões artesanais, estando altamente condicionada ao ciclo hidrológico. Assim, diferenças específicas e geográficas na migração dos peixes em resposta ao regime hidrológico dão a base para o desenvolvimento das pescarias. Tem-se, desse modo, um período de safra durante a vazante/seca e de entressafra durante a enchente/cheia. Outra característica relacionada à captura em águas interiores é a gama de apetrechos e os métodos de pesca utilizados pelos pescadores, de acordo com a época e/ou natureza do ambiente explotado. Incluem-se, entre outros, no primeiro caso, redes de vários tipos e tarrafas, fisga, garatéia, arpão, zagaia, espinhel e pari; no segundo caso, batida de lanço, batuque, cortina, batição, ponga e paredão. Esses elementos apresentam, em sua maioria, baixo rendimento, sendo utilizados exclusivamente na pesca de subsistência. 39
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Os pescassos estudos referentes às comunidades pesqueiras no Brasil ...numa primeira fase, com raras exceções (G. Mussolini, p. ex.), os trabalhos eram de caráter mais folclórico ou de estudos de comunidades onde se ressaltava a homogeneidade social e a tradição (op. cit. p. 28). Essas comunidades só vieram a ser percebidas dentro de um contexto mais amplo da sociedade nacional, a partir dos anos 70, quando passou a existir penetração das relações capitalistas no setor e surgiram conflitos entre a pesca realizada nos moldes da pequena produção mercantil e a efetuada segundo a produção capitalista. Entre a literatura disponível, as definições e classificações sobre pesca/pescador são as mais variadas, necessitando, portanto, de cuidados ao inferir-se qualquer classificação, pois vai depender do critério adotado por cada autor. A classificação mais comum refere-se à pesca/pescador industrial e pesca/pescador artesanal. De acordo com RIOS (1976, p. 397), a Pesca Industrial caracteriza-se, entre outras coisas, justamente por apresentar... ...grandes deslocamentos em relação à base de origem, pois os seus barcos, que contam inclusive com frigoríficos, dispõem portanto de grande autonomia. Esses deslocamentos chegam a alguns casos a atingir as águas territoriais de outros países, legal ou clandestinamente. A longa permanência fora da base de origem dificulta o rodízio constante das tripulações, requerendo geralmente especializações técnicas pelo manuseio do equipamento sofisticado. Predomina o regime assalariado, permanente ou temporário. O termo pesca industrial muitas vezes é confundido com indústria de pesca. A indústria de pesca pode existir sem a pesca industrial, isto é, apenas transformando o produto capturado (salga, congelamento, conserva, etc) pela pesca artesanal. O mesmo autor define a pesca artesanal como... ...uma atividade econômica caracterizada pelo emprego de embarcações e equipamentos de pesca rústicos ou, mesmo se derivados do setor industrial, trata-se de equipamentos de baixo custo e pouco sofisticados. A produção não se organiza em grande escala, há proprietários de embarcações mas não há frotas. Em geral, o proprietário da embarcação é também um dos pescadores e as relações afetivas predominam nestas pequenas tripulações. Não há vínculo empregatício entre os tripulantes e o proprietário (...). Parte da produção não se destina ao mercado mas ao auto-sustento dos pescadores (...). A remuneração ao tripulante não se dá em dinheiro mas "in natura", pelo sistema de meação (op.cit, p. 397). Este último fator também é determinado por diferentes épocas de pesca em diferentes áreas, o que também determina o deslocamento das pequenas frotas ou embarcações individuais e de seus proprietários para outras áreas de pesca, com seus tripulantes nãoproprietários em constante rodízio. É importante ressaltar que a pesca industrial e a artesanal não são dois setores estanques, sobretudo num país como o Brasil, onde existe um setor de subsistência de peso. A pesca artesanal é um subsetor do setor de subsistência que, em vez de se encontrar numa oposição à industrial e/ou às indústrias de pesca, encontra-se numa posição complementar. Tal fato não se restringe apenas à mão-de-obra empregada ou em reserva, mas ocorre inclusive em termos de utilização de embarcações e equipamentos e de comercialização do produto capturado. 40
Série meio ambiente debate, 39
O antropólogo e sociólogo DIEGUES (1995, p. 108) critica a definição de pesca artesanal adotado pela SUDEPE (hoje IBAMA), que a define como a pesca praticada com embarcações com menos de 20 toneladas. Tal critério gera distorções nas estatísticas uma vez que são incluídas também embarcações da pesca industrial. O referido autor considera pesca artesanal como... ...aquela que os pescadores autônomos sozinhos ou em parcerias participam diretamente da captura, usando instrumentos relativamente simples. A remuneração é feita pelo sistema tradicional de divisão de produção em "partes", sendo o produto destinado preponderantemente ao mercado. Da pesca retiram a maior parte de sua renda, ainda que sazonalmente possam exercer atividades complementares. No entanto, eles se distinguem dos pescadores-agricultores ou de subsistência, cuja atividade principal é a agrícola e pescam principalmente para o consumo particular . Outra classificação é apresentada por DIAS NETO (1996), que toma como critério as seguintes características: a)
Pesca de Subsistência: exercida tão somente com o objetivo de obtenção do alimento, sem finalidade comercial e praticada com técnicas rudimentares.
b)
Pesca Artesanal ou de Pequena Escala: abrange tanto o segmento das atividades pesqueiras caracterizadas pelo objetivo comercial combinado com o de obtenção de alimento para a família, como o segmento representado pelas operações de pesca realizadas com finalidade exclusivamente comercial, em geral como alternativa sazonal à cultura (pescador/agricultor).
c)
Pesca Industrial Costeira: realizada pelo segmento de embarcações de maior autonomia, capaz de operar em áreas distantes da costa, efetuando a exploração de recursos pesqueiros que se apresentam relativamente concentrados em nível geográfico (lagostas (Panulirus spp.), piramutaba (Brachyplatystoma), sardinha (Sardinela spp.), atuns (Thunnus spp.) e afins, camarões (Penaeus spp.) e espécies demersais ou de fundo).
d)
Pesca Industrial Oceânica: A modalidade oceânica da pesca industrial é incipiente no Brasil e envolve embarcações aptas a operarem em toda a ZEE, incluindo áreas oceânicas mais distantes, mesmo em outros países. Constituída de embarcações de grande autonomia.
e)
Pesca Amadora: praticada ao longo de todo o litoral brasileiro, com a finalidade de turismo, lazer ou desporto. O produto da atividade não pode ser comercializado ou industrializado.
Alguns autores relacionam a pesca com a atividade agrícola, como é o caso de MALDONADO (1986), a qual refere-se a tal fato como "pluralismo econômico". Esse fenômeno, além de ocorrer na pesca brasileira, aparece também em grupos pesqueiros de vários lugares do mundo. A autora classifica o pescador nos seguintes segmentos: a)
Pescador Agricultor: pesca e planta para consumir e comercializar, de forma simples, o que não lhe permite acesso a longas distâncias. Os pescadores são freqüentemente considerados camponeses, talvez pelo fato de explorarem também a terra. 41
Série meio ambiente debate, 39
b)
Pescador Artesanal: caracteriza-se pela simplicidade da tecnologia utilizada e pelo baixo custo da produção; realizada com grupos de trabalhos formados por referenciais de parentesco, sem vínculo empregatício entre as tripulações e os mestres dos barcos.
c)
Pescador Industrial: exerce as três atividades (captura, industrialização e comercialização do pescado), que são desenvolvidas separadamente; as tarefas pertinentes a elas são desempenhadas por grupos de trabalho diferenciados. O pescador é assalariado e participa apenas da captura do pescado, sem tomar qualquer decisão. O pescado passa a ser apenas mercadoria.
As diversas classificações obedecem a vários critérios, ou seja, tomam por base o processo produtivo, a forma de propriedade dos equipamentos de trabalho, as distâncias percorridas, os locais de pesca, as relações entre tripulações, entre outros. Porém, ficam bem definidas duas grandes linhas de análise: a primeira refere-se à pesca vinculada ao sistema capitalista, em que o pescador não tem autonomia sobre a produção, pois é considerado apenas uma mercadoria. A segunda linha aborda a pesca autônoma, destinada à subsistência familiar e ao pequeno comércio, muitas vezes consorciada com a exploração da terra. Para a realidade pesqueira do Baixo São Francisco, objeto de estudo deste trabalho, adotaremos a classificação de DIAS NETO (1996), no que se refere à pesca artesanal ou de pequena escala. Neste tipo de pesca, a produção é destinada preponderantemente ao consumo familiar, porque só ocorre a venda quando há excedentes ou desejo de compra de outro produto necessário à alimentação do grupo familiar. Uma pequena parte desse contingente também utiliza a atividade agrícola como alternativa sazonal. São muitos os problemas e pontos de estrangulamento que hoje afetam o desenvolvimento e o desempenho do setor pesqueiro. Com relação à pesca extrativa, os mais importantes relacionam-se ao conhecimento dos recursos naturais disponíveis, à tecnologia de pesca, à tecnologia de pescado, ao abastecimento com gelo e outros insumos, à infra-estrutura de estocagem e de comercialização, à normatização e fiscalização, ao abastecimento com serviços públicos de saúde e educação, à qualidade de habitação, de infra-estrutura e de saneamento básico, e à infra-estrutura rodoviária. NEIVA (1990) estima que na atividade pesqueira trabalham, na parte de produção, aproximadamente 800.000 pessoas, das quais 90 a 95 % na pesca artesanal e entre 5 a 10% na pesca industrial. Estima-se também que cerca de 4.000.000 de pessoas dependem diretamente da atividade pesqueira. Esses dados incluem os empregos que dependem indiretamente da pesca, como, por exemplo, o processamento, a comercialização, construção de barcos, apetrechos e serviços. No mundo existem aproximadamente 10 milhões de pescadores artesanais, responsáveis por quase metade da produção pesqueira, seja em águas costeiras, litorâneas ou águas interiores. Em alguns continentes, como a Ásia, sua importância é crucial como fonte de proteína barata, pois alimenta cerca de 1 bilhão de indivíduos (FAO). Em muitos países da África é uma das principais fontes de proteínas para as massas camponesas (DIEGUES, 1995). É difícil estimar o número de pescadores artesanais existentes no Brasil, pois não há sistema de estatística pesqueira confiável. Dados da Confederação Nacional de Pescadores (1986) indicam que existiam 553.872 pescadores artesanais, dos quais 299.000 eram associados e 288.497 não apresentavam inscrição nas 299 Colônias de Pescadores espalhadas pelo litoral. A região Nordeste tinha o maior número de pescadores associados às Colônias (39% do total nacional). Eles utilizavam cerca de 49.000 embarcações, sendo mais de 90% delas não motorizadas (Idem). 42
Série meio ambiente debate, 39
A produção pesqueira artesanal continua sendo significativa, apesar da falta de apoio governamental; este é totalmente canalizado para a pesca industrial-empresarial. Em 1960, os pescadores artesanais eram responsáveis por mais de 80% da captura total (Tabela 1). Hoje, a produção artesanal das águas continentais, mesmo fazendo parte das estatísticas oficiais, não representa sua real produção desembarcada, diante das imensas dificuldades de coleta de dados por parte do poder público, a exemplo da região Amazônica. Apesar da pesca artesanal, em 1997, representar 41,3% da produção total, podemos deduzir que ela seja responsável por mais de 50% dessa produção, levando-se em consideração as dificuldades de coleta de dados já mencionadas. Tabela 1 Relação da Produção Brasileira da Pesca Artesanal e Industrial, no período de 1960 a 1997 (em toneladas) ANOS
PESCA INDUSTRIAL
%
PESCA ARTESANAL
%
1960
36.000
16,4
240.000
83,6
1970
198.000
46,6
280.000
53,4
1980
392.325
61,5
243.640
38,4
1988
373.789
60,0
249.284
40,0
1995*
223.985
54,0
189.680
46,0
1997*
273.230
58,7
192.330
41,3
Fontes: IBGE - 1980, 1988 apud DIEGUES, 1995. (*) CEPENE/IBAMA - 1998.
Os dados acima indicam um forte aumento da produção industrial, que teria passado de 36.000 toneladas em 1960 para 373.789 toneladas em 1988 (um incremento da ordem de 10 vezes). Os dados de 1995 demonstram um declínio, seguindo-se uma recuperação da produção industrial no ano de 1997. A pesca artesanal apresenta oscilações na produção de modo que não conserva os mesmos níveis, apresentando uma leve recuperação a partir de 1997. A produção, por região (Tabela 2), também mostra diferenças significativas. Em 1988, mais de 80% da produção pesqueira do Nordeste era de origem artesanal, ao passo que na região Sudeste-Sul essa proporção era aproximadamente 25%. Tal tendência se acentua a partir de 1995, alcançando a região Nordeste 92,0% em 1997, enquanto na região Sudeste/Sul houve um declínio para 14,4% no mesmo período em relação à pesca artesana.
43
Série meio ambiente debate, 39
Tabela 2 Relação da Produção Industrial e Artesanal por Regiões Brasileiras, no período de 1980 a 1997 (em toneladas) REGIÕES
Região Norte
Região Nordeste
Região Sudeste/Sul
ANOS 1980 1983 1988 1995* 1997* 1980 1983 1988
INDUSTRIAL 4.322 4.948 6.788 7.572 11.135 21.837 19.068 16.355
% 11,0 12,3 15,4 17,3 29,1 18,0 14,0 14,8
ARTESANAL 34.578 35.129 37.177 36.404 27.068 99.027 116.502 94.016
% 88,0 87,7 84,6 82,7 70,9 82,0 86,0 85,2
1995*
19.936
16,0
104.397
84,0
1997*
10.846
08,0
123.157
92,0
1980
366.166
76,8
110.038
23,2
1983
374.209
74,8
125.496
25,2
1988
350.656
74,8
118.091
25,2
1995*
196.476
80,0
48.879
20,0
1997*
251.249
85,6
42.104
14,4
Fontes: IBGE - 1980, 1988 apud DIEGUES, 1995. (*) CEPENE/IBAMA - 1998.
Distribuídos pelos inúmeros rios, lagos, lagoas e pelo litoral brasileiro, os pescadores artesanais são diretamente afetados pela crescente degradação ambiental dos ecossistemas de cujos recursos retiram sua subsistência. A poluição desses ambientes aquáticos apresenta uma intensidade cada vez maior, particularmente a partir da década de 60, com a urbanização e industrialização do litoral. Efetivamente, até aquela década, a produção dos pequenos produtores litorâneos e fluviais representava cerca de 50% do total de pescado capturado no Brasil. Aquele setor era, portanto, responsável por uma parte considerável da proteína consumida nos meios urbanos e rurais costeiros e era uma fonte importante de emprego e renda para as populações locais. Apesar de sua importante contribuição ao setor pesqueiro, os pescadores artesanais foram quase inteiramente alijados do processo de modernização. Segundo UICN/PNUMA/ WWF (1992), a competição desigual dos grandes arrastões e das parelhas não só acarretou o empobrecimento biológico das águas, como também das comunidades que viviam de sua captura. Os ambientalistas condenam a pesca mecanizada, feita através de grandes embarcações, pelos danos que causam ao meio ambiente e por tirar oportunidades de emprego dos pequenos pescadores (Quadro 1). No entanto, apesar do desastre que continua sendo provocado pelos grandes barcos de pesca empresarial, que freqüentemente resulta na destruição das pequenas redes e dos equipamentos dos pequenos pescadores artesanais, a rápida degradação dos habitats dos peixes parece ser hoje o principal fator do empobrecimento das comunidades litorâneas e ribeirinhas.
44
Série meio ambiente debate, 39
De acordo com PETRERE citado por DIEGUES (1995), um outro fator de destruição dos rios e lagos da Amazônia é o uso do mercúrio para tratamento do ouro, particularmente em rios como o Madeira, o Guaporé e o Mamoré. Os níveis de poluição por mercúrio são tão elevados que se aproximam daqueles causadores do Mal de Minamata, que matou centenas de pessoas no Japão, na década de 60. De acordo com DIEGUES (1995), determinadas ações do Estado têm contribuído para dificultar a sobrevivência já difícil das comunidades de pescadores artesanais, além dos processos de degradação ambiental. Vários parques e diversas reservas ecológicas no litoral brasileiro foram criados sem consulta aos pescadores que vivem do uso de seus recursos naturais. Na verdade, se estavam preservados era precisamente pelo respeito que os pescadores artesanais tinham por eles, já que dependiam do pescado para viver.
Quadro 1 - Comparação entre a Pesca Industrial e Artesanal no Mundo
PESCA EMPRESARIAL
(INDUSTRIAL)
PESCA ARTESANAL
Nº de pessoas empregadas na pesca.
500.000
12.000.000
(quinhentas mil)
(doze milhões)
Produção anual de pescado em
29.000.000
24.000.000
(vinte e nove milhões de toneladas)
(vinte e quatro milhões toneladas)
Água salgada. Fauna Acompanhante Oriunda da
6.000.000 (seis milhões de toneladas)
INSIGNIFICANTE
pesca de camarão Óleo combustível gasto pelas
14.000.000
1.000.000
(quatorze milhões de toneladas)
embarcações Fonte: UICN/PNUMA/WWF, 1992
45
(um milhão de toneladas)
Série meio ambiente debate, 39
A rápida e intensa degradação litorânea foi uma das causas das mobilizações dos pescadores e das comunidades litorâneas, a partir do final da década de 70. O Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE) considera que os movimentos ambientalistas são seus principais aliados na defesa do meio ambiente; isso fica demonstrado pela tradição de lutas conjuntas e pelo que foi definido em agosto de l990, no encontro de Juazeiro (BA), do qual resultou a Carta de Juazeiro, que serviu como base de documentos enviados ao Fórum das Organizações Não-Governamentais presentes na Rio-92. No entanto, o MONAPE não aceita a idéia de que se possa proteger o meio ambiente sem a efetiva participação dos pescadores artesanais organizados. Estes, na verdade, sempre estiveram na frente das denúncias contra a degradação do nosso litoral, como atestam as diversas manifestações públicas anteriormente citadas. Tal pensamento coincide com a opinião de Ophuls de que as presentes instituições são incapazes de enfrentar o desafio da escassez (apud ORR & HILL, 1988). Em suma, o MONAPE acredita que o modo de vida das comunidades de pescadores pode ser a garantia da preservação dos ambientes naturais e, portanto, não pode haver defesa de diversidade biológica sem a defesa da diversidade de culturas humanas espalhadas pela costa e pelos rios brasileiros. Existem muitos equívocos em relação aos pescadores artesanais, tais como: pescador é indolente, preguiçoso, imprevidente etc. Para DIEGUES (1995), esses equívocos (falácias) têm como fundo a ignorância de tecnocratas, com visão urbana ou uma mistificação por parte das empresas capitalistas de pesca e seus associados em órgãos de administração pesqueira deste país. Assim, tentam justificar as razões do abandono em que deixaram a pequena produção artesanal. Na verdade, para o pescador, a atividade da pesca é representada diferentemente do trabalho do operário, não só do ponto de vista da submissão de horários e disciplinas, desvinculados de um contrato social que lhes dá significado, como também de sua própria remuneração. O pescador se representa como sujeito (submetido) ao horário de algo que ele compreende e que faz parte de seu cotidiano. É nesse contexto que o ambiente físico e social o predispõe a uma visão ao menos diferente das atividades normais de uma economia capitalista. Portanto, vimos que a pesca artesanal em termos de produção pesqueira, geração de empregos, fornecimento de alimentos e divisas, como se trata de uma atividade menos impactante para o meio ambiente, é mais sustentável que a pesca industrial. Porém, o modelo de desenvolvimento brasileiro, concentrador de renda, voltado para a exportação nas grandes empresas, veio acentuar o abandono da pequena produção, particularmente da pesqueira. Os reflexos desse abandono são sentidos nas esferas regionais e estaduais. No caso de Sergipe, as modalidades de pesca apresentam particularidades próprias e torna-se necessário o conhecimento dessa realidade para a compreensão e contextualização da pesca praticada no Baixo São Francisco sergipano, tema central do presente trabalho.
1.2 PESCA MARÍTIMA, CONTINENTAL E ESTUARINA EM SERGIPE
Como a atividade pesqueira é exercida em diferentes ambientes, é fundamental a apresentação de cada segmento pesqueiro existente no universo pesqueiro do Estado. De acordo com RAMOS (1996), a pesca marítima em Sergipe é representada por dois segmentos: pesca de arrasto de camarão (TRAWL) e pesca de peixes. São modalidades praticadas por duas frotas características denominadas frota arrasteira e frota linheira. Ambas atuam na Plataforma Continental com incursões ao norte da Bahia. 46
Série meio ambiente debate, 39
O camarão da costa sergipana é explotado por uma frota arrasteira que deveria estar estabilizada em 75 embarcações, número definido através de avaliações realizadas pelo Centro de Pesquisa e Extensão Pesqueira do Nordeste (CEPENE), como o esforço máximo suportável pelo estoque. A superação desse limite com o afrouxamento dos licenciamentos veio comprometer o rendimento da atividade e a auto recuperação do estoque, forçando a transferência de pelo menos 20 embarcações para o Piauí em 1996. A produção anual de camarão de Sergipe, em 1994, foi de 1.679,5 toneladas, quando a frota situava-se dentro do limite recomendado. No momento, o impacto do esforço não tem permitido a recuperação natural do banco camaroneiro, aliando-se a isso a ausência total de enchentes do rio São Francisco, por dois anos seguidos. A frota arrasteira é constituída de embarcações cujo comprimento varia entre 8,0 m e 14,0 m; seus motores têm potência nominal que vai de 45 a 130 HP; elas são equipadas para arrasto duplo (double rig) e utilizam guinchos acionados por correias ligadas ao motor principal. As redes têm comprimentos de tralha superior que variam entre 9,0 m a 15,0 m, com malhas no corpo de 40mm e no saco de 25 e 30 mm (Idem). A estrutura de apoio à pesca de arrasto resume-se ao Terminal Pesqueiro de Aracaju, atualmente gerido pelo Conselho de Desenvolvimento Comunitário de Pirambu (CONDEPI) em Aracaju, com cais de 40 m, fábricas de gelo (7,0 e 14,0 toneladas), óleo diesel, água, gelo e atracagem, peças de reposição de motores e material de pesca (panagens, cabos, linhas e fios). Em Pirambu, o mesmo CONDEPI oferece à frota local a mesma estrutura existente em Aracaju. No Crasto, por se tratar de uma frota recentemente criada, conta-se apenas com uma fábrica de gelo de particular. Quanto à frota linheira, a pesca de linha em Sergipe tem decrescido de ano a ano, tanto no que se refere ao tamanho da frota, como nos índices de produção e produtividade. A frota que em 1983 era de 28 embarcações, encontra-se atualmente reduzida a 10 ou 12 embarcações. Atualmente a pesca de linha mantém-se confinada às limitações dos estoques; há um pequeno contingente envolvido e ainda dependente da rede de intermediação que submete tais profissionais a preços de primeira comercialização, a 1/3 do preço ao consumidor, conforme relata RAMOS (1996). A pesca continental/estuarina tem uma função social altamente relevante pois é o único suporte de subsistência de pelo menos 15.000 pessoas envolvidas direta e indiretamente; dessa forma se constitui num problema que vai de encontro a quaisquer medidas de cunho protecionista. A pesca continental é exercida em vários ambientes como rios, açudes, lagoas e lagos. Em Sergipe, apresenta maior destaque a pesca exercida no Baixo São Francisco, da qual trataremos com maior detalhamento mais adiante. Atualmente, esse segmento é o que se apresenta com maior grau de desagregação levado pela descapitalização do subsetor, conseqüência direta do alto custo do dinheiro para reposição dos petrechos e de uma sensível redução nos estoques esputáveis. O descaso das autoridades com tais ambientes, no que diz respeito aos diversos fatores endógenos que culminam na elevação dos níveis de poluição oriunda de indústrias e, principalmente, dos aglomerados urbanos, vem comprometendo de forma direta a fauna aquática. O alto grau de intermediação também penaliza o pequeno pescador, com práticas e formação irreal de preços. No momento, nota-se uma discreta afluência de pescadores ao associativismo, buscando, com isso, recursos para aquisição de meios de produção junto ao Banco do Nordeste, com recursos do FNE. As condições de financiamentos não são as melhores, tomando-se como base os níveis de produção desses profissionais. 47
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Na área dos benefícios previdenciários, o pescador tem direito à assistência médicohospitalar, à aposentadoria por idade (60 anos para homem e 55 para mulher) e por invalidez, ao auxílio-doença, por ser equiparado ao trabalhador rural pela Previdência Social; para isso, ele tem que comprovar o mínimo de 03 anos de cadastro no IBAMA e na Colônia de Pescadores. Outro benefício conquistado pela categoria foi o seguro-desemprego, criado pela Lei nº.8.287/91, que garante ao pescador durante os períodos de "defeso" uma renda mínima para sobrevivência, em face da paralisação nas atividades de captura. O acesso a esse seguro, além das exigências descritas, está condicionado ao pagamento de no mínimo duas mensalidades ao INSS, a título de habilitação. Sua continuidade para outros períodos requer também a pontualidade quanto às contribuições mensais ao INSS, estando os valores vinculados à renda obtida com a pesca como segurado especial. Apesar do acesso aos benefícios previdenciários, grande parte do contingente pesqueiro não se beneficia deles, tanto por falta de informações quanto por falta de persistência, diante das dificuldades encontradas na comprovação legal da atividade, advinda do baixo grau de instrução.
1.3 PERFIL DA PESCA NO BAIXO SÃO FRANCISCO
A bacia do rio São Francisco ou "país do São Francisco" (CODEVASF, 1978) tem uma área de 640.000 km², ocupando 8% do território nacional e abrange os Estados de Minas Gerais, Goiás, Bahia, Pernambuco, Alagoas e Sergipe, além do Distrito Federal. Entre as cabeceiras, na Serra da Canastra, em Minas Gerais, e a foz, no Oceano Atlântico, localizada entre os Estados de Alagoas e Sergipe, o São Francisco percorre cerca de 2.700 km. Tem 36 tributários de porte significativo, dos quais apenas 19 são perenes (MMA/SMA/DEPAM, 1996, p. 1). O Vale do Baixo São Francisco cobre uma área de cerca de 13.000 km², à jusante da bacia do rio, da cachoeira de Paulo Afonso até o mar, numa distância de aproximadamente 200 km (CODEVASF, 1976b, p. 8). No território sergipano, o rio São Francisco ocupa uma área de 7.184 km² e seus principais afluentes são: Capivara, Jacaré, Garro e Betume. Os municípios que ficam à margem direita do Velho Chico são: Canindé do São Francisco, Poço Redondo. Porto da Folha, Gararu, Nossa Senhora de Lourdes, Canhoba, Amparo do São Francisco, Telha, Propriá, Cedro de São João, Santana do São Francisco, Neópolis, Ilha das Flores e Brejo Grande (Figura 3). O Baixo São Francisco só pode ser entendido no contexto mais amplo de suas relações com toda a bacia hidrográfica do São Francisco. Seu curso é tradicionalmente dividido em quatro trechos, correspondendo a regiões geográficas: Alto São Francisco, Médio São Francisco, Submédio São Francisco ou trecho das corredeiras e Baixo São Francisco (NOU & COSTA, 1994, p. 11). A deficiência de dados sobre a produção pesqueira no Baixo São Francisco vem dificultando o conhecimento de sua potencialidade piscícola. Os dados existentes são provenientes da ex-SUDEPE, a qual só coletava tais dados na Ilha do Cabeço e em Ilha das Flores, sem uma periodicidade regular. Atualmente o IBAMA tem um serviço de controle de desembarques localizado apenas em Ilha das Flores e Brejo Grande, deixando o restante do Baixo São Francisco sem informações sobre a produção pesqueira. Os dados de 1996 sobre a produção pesqueira do Baixo São Francisco referem-se a 500 t./ano (MMA/SMA/DEPAM, 1996, p.6). 48
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De acordo com informações verbais do Chefe do Departamento de Meio Ambiente da CHESF, em Recife, está sendo realizado um estudo do monitoramento da pesca do Baixo São Francisco, em conjunto com a Universidade Federal de Alagoas e o Instituto de Meio Ambiente deste Estado. BRASIL-SERGIPE
Fonte: Atlas de Sergipe. SEPLAN/UFS, 1979.
Figura 3
Localização de Sergipe no Brasil e delimitação do Baixo São Francisco sergipano, destacando-se o Município de Amparo do São Francisco, "locus" da pesquisa.
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Segundo informações de técnicos do IBAMA/SE, atualmente a pesca no BSF sergipano apresenta índices críticos de produtividade, principalmente quando se verifica uma sensível queda no esforço de pesca, tanto pela descapitalização do pescador como pelo desestímulo à atividade, fomentada pelos baixos rendimentos. Os principais desembarques pesqueiros se verificam em Ilha do Cabeço (Brejo Grande), Ilha das Flores, Neópolis, Propriá, Gararu, Ilha do Ouro e Canindé do São Francisco (SUDEPE, 1987, p.1). Atualmente, existe controle de desembarques apenas em Ilha das Flôres e Brejo Grande. O sistema de produção baseia-se exclusivamente na utilização de embarcações tipo canoas, com propulsão a remo e/ou a vela, com um reduzido número a motor. São construídas em madeira, na própria região e têm comprimentos que variam entre 5,5 e 8,0 m., obedecendo a uma padronização e apresentando grande durabilidade. Normalmente esta pesca é realizada com dois pescadores por embarcação, cuja produção é repartida da seguinte forma: divide-se a produção em três partes, ficando uma para o pescador e duas partes para o dono da embarcação e dos apetrechos. Todas as despesas inerentes à manutenção da embarcação e dos apetrechos correm por conta do proprietário. A tecnologia utilizada na captura e na conservação do pescado são bastante artesanais. Suas artes (apetrechos) de pesca são de constituição simples, com um bom grau de seletividade; por isso não são os maiores responsáveis pela atual situação de despovoamento do rio. Os principais petrechos de captura são: Caceia de Pilombeta (rede de emalhar à deriva), Caceia de Peixes (rede de emalhar à deriva), Rede de Travessia (rede de emalhar fixa), Rede Marinho (arrastão de praia), Camboa (fechamento de enseadas), Rede Tresmalhos (rede com três tamanhos de malhas), Tarrafa, Puçá, Gereré, Cuvú, Covo (manzuá) de Peixe, Covo (manzuá) de Camarão e Pitú, Groseira e Linha de Fundo (SUDEPE, 1987). A pesca extrativa vem sendo exercida em níveis tecnológicos até certo ponto adaptados às condições hidrológicas do rio e à piscicosidade, não cabendo afirmar que os métodos de pesca são rudimentares ou primitivos. As artes de pesca, com algumas exceções, preenchem as normas estabelecidas pela autoridade constituída para tal, no tocante à seletividade. A comercialização do pescado na região é bastante desordenada, devido a pouca infra-estrutura de apoio à comercialização e à reduzida oferta nos diversos municípios ribeirinhos. Isso facilita a disseminação da atividade de intermediação, tornando mais difícil ainda a luta do pescador artesanal pela sobrevivência. Conforme cita o Projeto de Desenvolvimento da Pesca Artesanal no Baixo São Francisco (SUDEPE, 1987), as principais espécies de peixes de valor comercial do Baixo São Francisco até 1987 eram a pilombeta (Anchoviella spp.), curimatã (Prochilodus spp.), surubim (Pseudoplatystoma spp.), piau (Leporinus elongatus), piau-preto (Leporinus piau), piau-branco (Leporinus taeniatus), tubarana-dourada (Salminus brasiliensis), tubarana-branca (Salminus hilarii), piranha (Serrasalmus piraya), pirambeba (Serrasalmus brandtii), corvina (Pachyurus franciscii), bagres (Rhamdia quelem), pescadas (Cynoscion spp.), tainha (Mugil curema), camurim (Centropomus spp.), curimã (Mugil spp.), carapeba (Eugerris spp.), traíra (Hoplias malabaricus) e mandim-amarelo (Pimelodus spp.). Atualmente essas espécies apresentam a mesma importância comercial, porém a maioria aparece esporadicamente nos desembarques. Salienta-se que outras espécies como tucunaré (Cichla ocellaris), carpa (Cyprinus carpio), tilápia (Oreochromis sp.) e tambaqui (Colossoma macropomum) vêm ocupando os ambientes aquáticos, em detrimento das espécies nativas. O valor comercial dessas espécies exóticas é bem significativo, porém não atinge o nível do surubim (Pseudoplatystoma coruscans) ou do dourado (Salminus brasiliensis), por serem estes últimos espécies nobres. 50
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Para RAMOS (1996), o Baixo São Francisco tem suas peculiaridades, em comparação com o restante do rio. Mesmo sendo o depósitário de todas as mazelas da totalidade da Bacia, tem um trecho que sofre a influência do mar, onde espécies eurihalinas (espécies de grande tolerância à variação de salinidade) povoam boa parte do rio durante todo o ano. Apesar do BSF suportar grande contingente pesqueiro, este não apresenta sinais fortes de despovoamento íctico de tais espécies, como vem acontecendo com a grande maioria das espécies reofílicas (espécies migratórias, de piracema) de valor econômico em explotação no trecho doce. Outra peculiaridade é que o BSF, além de ter sido alvo de um intenso esforço de pesca, sempre teve, nas Cachoeiras de Paulo Afonso, uma barreira natural que limitou ou até proibiu o fluxo de espécies reofílicas, principalmente a montante. Essa realidade tornou o Baixo um ambiente onde a renovação dos seus estoques dependia exclusivamente desse esforço. A economia do Baixo São Francisco é bastante frágil. Seus moradores vivem basicamente da agricultura do arroz e da pesca artesanal. Não há indústrias de grande porte e seu comércio, outrora promissor, é hoje incipiente. A área agrícola é restrita e não dispõe de comércio representativo, dificultando a situação sócioeconômica de seus moradores. Os projetos de agricultura irrigada desenvolvidos nas várzeas do Rio São Francisco, aliados ao barramento da Hidroelétrica de Xingó, interferiram na pesca na região, na medida em que alteraram todo o ecossistema fluvial. Essas interferências serão detalhadas no capítulo III. Parte do contingente pesqueiro do Baixo São Francisco tem na atividade agrícola sua segunda alternativa de sobrevivência, dada à sazonalidade e instabilidade pluviométrica da região. Nos períodos de estiagem, a pesca representa praticamente o único suporte de receita das populações ribeirinhas de baixa renda, quando o esforço de pesca no rio, por conseqüência do esvaziamento da atividade agrícola, aumenta, e, com isso, os rendimentos da pesca caem sensivelmente. O homem do baixo São Francisco, acostumado a lutar contra as enchentes do rio, acostumou-se também à sua contradição. A grandeza que destrói é a mesma que lhe traz a fartura de peixe. A região das águas é também a região da seca (SOUZA, K. 1995, p.42). A agricultura e a pesca, apesar de fazerem parte de uma mesma realidade, desempenhadas por vezes pelos mesmos indivíduos, têm especificidades e particularidades que as tornam diferentes. O domínio da terra e do rio envolve os pescadores-agricultores num complexo conhecimento elaborado que os permite praticar as duas atividades: pesca e a agricultura. Segundo SILVA (1995, p. 92), para ser lavrador é preciso o domínio do conhecimento da terra que envolve o ciclo anual, o período de plantio, o cuidado com a terra e a colheita, além de saber transformar o produto obtido, em alimento. Na região Nordeste, RIOS define com clareza tal fato, quando cita: Ao longo do rio São Francisco, vive uma população caracterizada pela presença do beiradeiro, caboclo que tem a disciplina sardônica dos que se cansaram de plantar para o rio comer, mas que continuam plantando, embora sem grandes esperanças, por não terem outra coisa a fazer. É o que pratica a agricultura de vazante, modesto lavrador que cultiva as terras anualmente encharcadas pelas cheias do grande rio. Tenaz, sóbrio, resistente, habituado a lutar contra a natureza, afrontando as secas ou as inundações, tirando proveito do solo fértil das vazantes, praticando uma agricultura de subsistência, esses homens pescam para consumo próprio (1976, p. 400). 51
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A EVOLUÇÃO DA POLÍTICA PESQUEIRA NO BRASIL
A situação atual do pescador é de miséria. O governo está brincando com a comunidade ribeirinha e também com os pescadores. O que está acontecendo é que estão desempregando os pescadores a pulso e nós continuamos ainda insistindo (Seu Antônio Gomes dos Santos, pescador e vice-presidente da Federação de Pescadores de Alagoas).
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Este capítulo mostra como a atividade pesqueira esteve atrelada à segurança nacional, através do Ministério da Marinha e, posteriormente, apresentou uma intervenção mais direta do Estado, através do incentivo à pesca industrial, trazendo conseqüências danosas para a pesca artesanal. 2.1 ESTÍMULOS À PESCA INDUSTRIAL E SEUS REFLEXOS NA ARTESANAL Historicamente, a atividade pesqueira no Brasil desenvolveu-se de maneira lenta e nos moldes artesanais, destinando-se a garantir a subsistência dos pequenos centros pesqueiros e restringindo sua importância comercial àqueles centros populosos mais próximos. De acordo com GUEDES (1984), a primeira intervenção do Estado na regulamentação da atividade pesqueira data de 1889, quando o capitão de Fragata Júlio Cezar de Noronha, Capitão dos Portos do Rio de Janeiro, apresentou ao governo o primeiro Regulamento da Pesca no Brasil. Em 1897, foi estabelecida a inscrição dos pescadores e das embarcações na Marinha, dividindo o território marítimo em prefeituras. A autora citada ainda esclarece que a regulamentação da pesca era um direito privativo da União, o que levou o então Governador do Estado do Rio, Quintino Bocayuva, a mandar lavrar o Decreto 757, de 20 de julho de 1902, suspendendo a execução das resoluções municipais relativas à pesca e aos pescadores, por serem contrárias às leis federais. Desse modo, a legislação sobre tal assunto tornava-se de exclusiva competência da União. Em 1903, o Almirante Júlio Cezar Noronha, já então Ministro da Marinha, procurou novamente regulamentar a participação do pescador brasileiro em defesa da fauna aquática e da nacionalidade dos nossos mares, estes ameaçados pelos processos impunemente empregados, organizando a Reserva Naval. Tal Reserva cuidava do aproveitamento dos pescadores e de seus barcos como auxiliares da Marinha de Guerra, tornando-os sentinelas da Costa Brasileira. Depois de muito tempo vinculada ao Ministério da Marinha, a regulamentação da atividade pesqueira foi transferida para o Ministério da Agricultura, em 1912, voltando ao Ministério da Marinha em 1919. Na ocasião, o então Ministro da pasta, Almirante Gomes Pereira, traçou uma programação para a Missão do Cruzador José Bonifácio, a qual tratava da Nacionalização da Pesca e da Organização dos seus Serviços no Litoral do Brasil; para isso empreendeu um longo cruzeiro, percorrendo toda a costa brasileira. Essa campanha durou quatro anos, até 1923. "A missão tinha como principal tarefa a de reunir os trabalhos de organização e defesa dos pescadores, reuni-los em Colônias de Pesca, Cooperativas, criar escolas, fundar postos de saneamento, dar-lhes saúde, instrução profissional, amparo e liberdade (VILLAR, 1945, p. 24)". O retorno da pesca novamente para o Ministério da Agricultura dá-se em 1923 uma vez que os serviços de Pesca e Saneamento do Litoral (da Diretoria de Portos e Costas do Ministério da Marinha) foram extintos. No Departamento de Indústria Animal do Ministério da Marinha foi criada a Divisão de Caça e Pesca e, em 1938, o Código de Pesca. Em 1934, realiza-se no Rio de janeiro o 1º Congresso Nacional de Pesca. A volta das Colônias de Pescadores à jurisdição do Ministério da Marinha, nos termos do decreto de 15 de outubro de 1942, foi o único caminho patriótico para manter os pescadores organizados e empregados como auxiliares das forças navais na guerra (GUEDES, 1984, p. 6). Em 1955, através da lei n° 2.419, instituiu-se a Patrulha Costeira.
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A regulamentação dos pescadores como auxiliares das forças navais foi algo imposto a eles por razões inteiramente alheias aos problemas e à natureza do trabalho dos pescadores. Como alvo central, pretendia subordinar os pescadores à Marinha de Guerra, no sentido de constituírem uma reserva militar , sem abdicarem da atividade pesqueira. Desse modo, não trouxe nenhum benefício aos pescadores, no sentido de se constituir entre eles uma consciência da especificidade da profissão pesqueira. Vimos que esse segmento sofreu as mesmas opressões que as classes oprimidas, em geral, sobretudo aquelas advindas ou submetidas à escravidão moderna. A partir de 1962 a pesca teve seu ponto de maior intervenção do Estado, durante a chamada fase de industrialização do setor pesqueiro. Umas séries de providências de caráter institucionais, econômicas e financeiras foram tomadas (BRASIL, 1991), destacando-se a criação da Superintendência do Desenvolvimento da Pesca (SUDEPE), em 1962. A SUDEPE era o órgão governamental encarregado da política pesqueira nacional, efetuando, em 1967, a revisão do Código de Pesca, através do decreto-lei n.º 221(*), o qual estabelece normas gerais que passaram a embasar toda a legislação/regulamentação específica, normalizando a competência da SUDEPE na elaboração de instrumentos legais, (portarias normativas) assim como a fiscalização da atividade pesqueira, não só marítima, mas também continental e estuarina. A criação da SUDEPE, unificando a ação governamental dirigida à pesca, abriu nova perspectiva para o desenvolvimento do setor. Em 1967, foram instituídos os incentivos fiscais, com o objetivo de consolidar a implantação do parque industrial pesqueiro do país, cuja sistemática foi posteriormente reformulada através da criação do FISET/PESCA. Apesar dos esforços para regulamentar e desenvolver a pesca, a atividade foi pouco estimulada. Indiscutivelmente, o setor pesqueiro em geral e em particular o artesanal, sofreu e sofre, através dos anos, uma evidente discriminação no que se refere a crédito. A pesca tida como atividade agrícola, deveria gozar dos benefícios a este setor conferidos (NEIVA, 1990, p. 33). Em 1973, através da portaria 471 do Ministério da Agricultura, as Colônias de Pescadores foram definidas como "organização de classe". No entanto, mantinha-se a estrutura autoritária e corporativista das Colônias, uma vez que os presidentes das Federações, que reuniam as Colônias de um determinado Estado, podiam intervir nas Colônias. Na maioria dos casos, os presidentes de Colônias nem sequer eram pescadores e sim políticos locais, comerciantes, ex-militares ou quaisquer outros profissionais. Os pescadores começaram a questionar essa estrutura autoritária e a mobilizar-se. O motivo mais importante dessa mobilização foi a luta contra a poluição ambiental no Nordeste. Em 1966, foi organizada a primeira passeata no município do Cabo, litoral de Pernambuco, contra a poluição dos rios causada pela indústria de borracha, a COPERBO. Outros movimentos se organizaram, entre 1979 e 1980, no município de Goiana (Pernambuco). Durante esse período autoritário-militar, os órgãos de segurança do Estado perseguiram líderes de pescadores que organizavam as manifestações (DIEGUES, 1995).
* O referido decreto-lei foi posteriormente substituído, no tocante aos incentivos fiscais, pelo decreto-lei n.º 1.376/74.
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Um fato novo nesse período foi o surgimento da Pastoral dos Pescadores, órgão ligado à Confederação Nacional dos Bispos do Brasil. Com a atuação dessa Pastoral , o objetivo das lutas foi ampliado, abrangendo temas como a representação democrática, a comercialização, a aposentadoria e previdência social, etc. Em 1980, o Programa de Desenvolvimento da Pesca (PROPESCA), propiciava crédito subsidiado à pesca artesanal. Não raramente o acesso ao crédito não era suficiente para impedir a proletarização futura, demonstrando que a modernização do processo produtivo, para os pequenos produtores da pesca, em parte era incompatível com as condições de comercialização do produto. Ao analisar tal Programa, MANESCHY (1995, p.155) cita que o preço de mercado do pescado não tinha correspondência com os custos da produção (fio de náilon para redes, isopor, cordas plásticas e os anzóis sofreram à época aumento na ordem de 1.000%), por serem derivados de petróleo e não terem nenhum controle do governo. Esse fato levou os credores ao endividamento e à inadimplência dos débitos, conforme demonstra o trecho da carta da Federação dos Pescadores do Pará, enviada ao Governador do Estado, em 13.03.86, apresentada na obra da autora acima citada: A inadimplência na liquidação dos financiamentos da pesca artesanal é uma prova patente do empobrecimento dessa categoria profissional. Os órgãos responsáveis por esses financiamentos não passaram da posição simplista de somente exigirem a liquidação dos financiamentos, sem procurarem as causas. Tal procedimento deveria ter sido feito, uma vez que a inadimplência foi generalizada e a liquidação normal foi uma exceção, sendo que alguns venderam suas próprias casas de morada para liquidação dos financiamentos, face à pressão que sofreram. O elevado índice de inadimplência fez com que os bancos não fizessem mais aplicações na pesca artesanal, passando a aplicar os recursos para a atividade rural, na pecuária e agricultura (op. cit. p.151). Em 1985, foi iniciado um movimento para inserir na nova Constituição artigos que garantissem a liberdade de associação entre os direitos dos pescadores. Por pressão dos pescadores, as Colônias foram equiparadas aos Sindicatos Rurais. No entanto, por pressões dos líderes tradicionais de Federações, mantiveram as estruturas das Federações e Confederações. A maioria das Colônias de Pescadores ainda está controlada por pessoas alheias à categoria como comerciantes, vereadores e funcionários públicos. Em abril de 1988, com o final da Constituinte da Pesca, os pescadores organizados criaram o MONAPE (Movimento Nacional dos Pescadores), que leva à frente o trabalho de organização da categoria. Este movimento está ainda em fase de estruturação e conta com inúmeras dificuldades, sobretudo financeira e logística. Com o início da Nova República, os compromissos políticos, concretizados na nomeação de pessoas sem compromissos com a pesca, levaram a ex-SUDEPE ao caos administrativo. Conseguiu-se destruir todo um sistema de controle estatístico/biológico em nível nacional. Estagnaram-se todos os projetos e programas de pesquisa levados a efeito ou coordenados pelo ex-PDP/SUDEPE; sustou-se a construção de duas modernas embarcações de pesquisa, parcialmente financiadas com recursos do projeto BID/SUDEPE, os quais se perderam por falta de aplicação; tais embarcações encontram-se em processo de deterioração em estaleiros de Santa Catarina (NEIVA, 1990). A política de incentivos voltada para a modernização da atividade pesqueira resultou na atualização tecnológica de certos segmentos da pesca, permitiu a constituição de uma frota pesqueira moderna à época, promoveu a comercialização de produtos feitados e incentivou a exportação de pescado fino. Porém... ...esse processo de tecnificação se deu com um elevado custo social e ambiental, na medida em que marginalizou a pequena produção, tendo sido considerada como fadada ao desaparecimento no "boom" modernizador. A política vedava56
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lhe, à época, o acesso a esquemas de incentivos econômico-financeiros, por considerá-la um obstáculo à atração de capital e locus inadequado a sua reprodução. (BRASIL, 1991, p.83). A partir de 1989, com a extinção da SUDEPE e a desativação dos Escritórios de Extensão, a gestão da atividade pesqueira foi transferida ao recém criado IBAMA, vinculado ao Ministério do Meio Ambiente, através da lei n° 7.735/89, tendo como finalidade formular, coordenar, executar e fazer executar a política nacional do meio ambiente e da preservação, conservação e utilização e uso racional, fiscalização, controle e fomento dos recursos naturais renováveis (BRASIL/MINTER, 1989, p.5). O IBAMA, através de sua Diretoria de Incentivo à Pesquisa e Divulgação (DIRPED), iniciou uma série de reuniões de Grupos Permanentes de Estudos (GPE) de diversas espécies de peixes, que permanecem atuando até a presente data. O objetivo dos GPE's é atualizar as informações sobre a situação atual dos recursos pesqueiros, através da análise do comportamento da produção, de seus aspectos biológicos e da necessidade urgente de implantação de medidas de ordenamento pesqueiro, às quais passaremos a comentar no próximo ítem. Após a criação do IBAMA, em 1989, surge uma certa reação no setor pesqueiro (empresários), até então acostumado a ter seu órgão próprio com que tratava diretamente de seus problemas e obtinha decisões mais rápidas e paternalistas. A nova estrutura do IBAMA gerou um retardamento na tramitação dos expedientes, uma vez que a burocracia obrigava o trajeto dos pleitos pelas mais diversas Diretorias, até a decisão final da Presidência do órgão. Pelo fato de lidar com vários segmentos de atividade, a pesca dentro do IBAMA passou a não ser mais prioridade do Órgão. Obviamente, é uma missão muito difícil para um órgão tratar sozinho da fiscalização, pesquisa, do controle, da normatização do meio ambiente, de modo a atender satisfatoriamente o país e todos os segmentos. Apesar do IBAMA ganhado o respeito da sociedade brasileira e internacional, ele lida com diversas limitações (financeiras, humanas, institucionais, entre outras), resultando em poucas melhorias na organização do setor, pois não há vontade política que incentive o desenvolvimento do setor pesqueiro. A falta de investimentos na pesca obriga o Brasil a permanecer com baixos índices de produtividade, perdendo espaço para outros países na exploração dos seus próprios recursos pesqueiros. A partir de 1996, o Governo Federal, através da Secretaria de Coordenação dos Assuntos do Meio Ambiente (SMA), criou o Grupo Executivo do Setor Pesqueiro (GESPE), objetivando a formular as Diretrizes Ambientais para os setores da pesca (DIRETRIZES, 1997). O trabalho ficou sob a coordenação do Ministério do Meio Ambiente, no âmbito do projeto de políticas compatíveis com o desenvolvimento sustentável, em cooperação com o Programa das Nações Unidas. As diretrizes foram divididas em 3 segmentos: Pesca Marinha, Aqüicultura e Pesca Continental. Esse grupo não conseguiu dar as respostas necessárias para resolver o problema da pesca, levando o Ministério da Marinha a desativar a Secretaria Executiva do GESPE, em agosto de 1998. O insucesso desse trabalho alimentou parte do empresariado e dos políticos a investir politicamente na transferência da pesca para o Ministério da Agricultura. Recentemente, através do decreto n° 2.681, de 21 de julho de 1998, tal pleito em parte foi atendido, passando ao Ministério da Agricultura algumas atividades referentes ao fomento e à produção pesqueira. Atualmente, os GPE's continuam sob a coordenação do IBAMA, através da DIRPED, por se tratarem de grupos de apoio à pesquisa. Outra atividade que permanece ainda sob a missão desse Instituto refere-se à fiscalização. Esta nova realidade ainda não está claramente definida e os próprios técnicos do IBAMA e do Ministério da Agricultura que atuam na área não dispõem 57
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das informações sobre as atribuições de cada Órgão. Mais uma vez, o "marketing" dos empresários mostrou sua força. E, possivelmente, com o incentivo à produção pesqueira industrial, virão também impactos ambientais, uma vez que o IBAMA não será mais um obstáculo para o incremento dessa atividade. Embora a atual Constituição Federal, em seu parágrafo 1°, do art.187, determine que o planejamento da atividade pesqueira deva ser parte do planejamento agrícola, combinado com a lei agrícola n° 8.171 de 17/01/91, através da qual a pesca passa a fazer parte da atividade agrícola, nada garante que tal setor tenha o devido estímulo. Isto é evidente pelo que cita NEIVA (1990, p. 41): Deve-se recordar que a SUDEPE sempre foi um apêndice no Ministério da Agricultura e que, após cerca de 28 anos como Autarquia, não se mostrou um órgão tão eficiente como o desejado. Nada garante que nas condições atuais, saindo do IBAMA, as atividades afetas ao desenvolvimento pesqueiro, irão ter melhores atenções, por parte de outro Ministério. Este fato demonstra, mais uma vez, a falta de prioridade para a pesca, continuando sem uma política pesqueira definida, principalmente para a pesca artesanal de pequena escala. Parece fundamental, a necessidade de elaboração de um Plano Nacional de Ordenamento Pesqueiro, com visão de longo prazo, mas contemplando medidas de curto e médio prazo, diferenciando as ações para os recursos plenamente explotados ou em situação de sobrepesca, daqueles subexplotados, e com compromissos e metas perfeitamente definidos, de forma a possibilitar a adequada gestão da pesca nacional (DIAS NETO, 1996, p. 155). 2.2 MEDIDAS DE ORDENAMENTO PESQUEIRO Apesar de não existir, até o momento, a definição de uma política para a pesca, algumas medidas de ordenamento, aperfeiçoadas e adotadas pelo IBAMA, continuam disciplinando a pesca em diversos ambientes aquáticos, inclusive a pesca fluvial. Conforme cita DIAS NETO (1996), as medidas de ordenamento adotadas para as principais pescarias brasileiras (marítima e continental/estuarina), podem ser classificadas em dois grupos: Proteção de Parte Selecionada dos Estoques e Limitação do Tamanho das Capturas.
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Proteção de Parte Selecionada dos Estoques
Objetiva assegurar aos estoques uma composição etária compatível com uma exploração sustentada; promove a existência de um conveniente potencial reprodutivo, de modo a possibilitar um adequado recrutamento e impossibilitar a captura de pescados em fases críticas dos seus ciclos de vida, como: a)
Fechamento de Estações de Pesca (DEFESOS): visa a coibir a pesca em épocas de reprodução ou recrutamento dos recursos explotados, de forma a assegurar a reposição dos estoques ou o ganho em peso dos indivíduos que os compõem.
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b)
Fechamento de Áreas de Pesca: visa a assegurar a reprodução da espécie nas áreas onde ela se realiza, além de: proteger as áreas de criadouros naturais; proteger a saúde do consumidor, impedindo a pesca em áreas acentuadamente poluídas; zelar pela vida dos pescadores, pela segurança de instalações industriais; proibir a pesca em áreas onde as águas tenham outros usos legítimos, com ênfase para a navegação. Esta medida tem sido largamente utilizada na pesca em águas interiores.
c)
Proteção de Reprodutores: proíbe-se a captura de animais em fase de reprodução, objetivando também assegurar a reposição dos estoques. Tal medida só se justifica se os indivíduos em reprodução, após capturados, apresentarem boas chances de sobrevivência, quando devolvidos ao ambiente aquático.
d)
Limite de Comprimento e Peso (tamanho mínimo de captura): a fixação de limites mínimos de comprimento e peso dos indivíduos a serem capturados fundamenta-se em dois aspectos distintos: possibilitar que os indivíduos jovens atinjam a maturação e se reproduzam pelo menos uma vez, contribuindo, assim, para a renovação dos estoques e tirar proveito do rápido incremento do tamanho e do peso dos animais nesta fase da vida.
e)
Restrição sobre Aparelhos de Pesca: é adotada quando a pesca é exercida com aparelhos seletivos, o que implica a existência de relação entre seus parâmetros e os tamanhos dos indivíduos capturados. Assim, conhecendose o fator de seleção do aparelho de pesca empregado e sabendo-se o tamanho mínimo com que se deseja capturar determinada espécie, regulamentam-se as suas características principais.
Limitação do Tamanho das Capturas
A fixação dos tamanhos das capturas baseia-se nas estimativas das biomassas dos estoques explorados, objetivando delimitar, para cada um, o volume de captura, que jamais deve ser superior àquele calculado como o máximo sustentável, num dado momento da pescaria. No Brasil, na atualidade, utilizam-se as seguintes medidas pertencentes a esse grupo: a)
Limitação da Eficiência dos Aparelhos de Pesca: é sempre muito vulnerável, por ser contrária ao aperfeiçoamento dos aparelhos e/ou métodos de pesca (passa a ser um óbice à evolução tecnológica), visando a manter as pescarias em níveis compatíveis com a sustentabilidade dos estoques. Vale evidenciar, entretanto, que não se deve considerar como evolução tecnológica a introdução e/ou métodos de pesca que acarretem acentuados transtornos ao ecossistema ou ao pescador.
b)
Controle do Acesso à Pesca (limitação do esforço de pesca): a fixação do esforço de pesca ótimo ou máximo a ser empregado numa determinada pescaria acontece após um prévio conhecimento técnico-científico da captura sustentável ou do volume que se deseja capturar de um determinado estoque. Nesse caso, controla-se de forma quali-quantitativa o esforço, limitando-se o número de barcos, número de aparelhos de pesca e de pescadores. 59
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As medidas de ordenamento, embora representem apenas um aspecto de uma política para a atividade pesqueira, têm demonstrado eficácia em muitos casos. Os defesos da sardinha (Sardinela brasiliensis), lagosta (Panulirus ssp) e de camarão (Penaeus spp.) têm apresentado dados concretos de recuperação de tais estoques. No caso específico do Defeso da Piracema no Baixo São Francisco, não existe uma avaliação científica de seu resultado, mas, para os técnicos do IBAMA/SE e parte dos pescadores locais, a pescaria estaria pior sem o Defeso. As demais medidas (tamanho de captura e tamanho de malhas) vêm sendo cumpridas pela maioria, existindo um pequeno número de infratores que agem, muitas vezes, estimulados pela fome, pela falta de outras alternativas de trabalho, como também pela pouca fiscalização do IBAMA. O novo conceito de ordenamento pesqueiro difundido por especialistas do IBAMA e que poderá fundamentar as ações do poder público é: O conjunto harmônico de medidas que visa expandir ou restringir uma pescaria de modo a se obter sustentabilidade no uso do recurso, equilíbrio do ecossistema onde ocorre a pescaria, garantias de preservação do banco genético da espécie ou das espécies explotadas, rentabilidade econômica dos empreendimentos, geração de emprego e renda justa para o trabalho (DIAS NETO, 1996). Essa nova concepção reflete a preocupação com a crise da atividade pesqueira. A comparação da situação crítica da pesca mundial e brasileira mostra várias similaridades. Em alguns aspectos, a pesca nacional enfrenta uma situação mais grave, com destaque para o percentual dos principais recursos plenamente esputados, sob excesso de explotação ou até esgotados, ou se recuperando de tal nível de utilização, pois se na pesca mundial é de cerca de 69%, no Brasil fica acima de 80%. Apesar do contexto adverso, há reais possibilidades de incremento da produção nacional de pescado marinho, como a recuperação de estoques em situação crítica (sardinha, piramutaba, pargo e camarões-rosa e sete-barbas do Sudeste/Sul) e o aumento da captura de atuns e afins. Outras alternativas poderão surgir do Programa de Avaliação dos Potenciais Sustentáveis de Captura de Recursos Vivos na Zona Econômica Exclusiva (REVIZEE), decorrentes da Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar (CONVEMAR), já em execução (A PESCA, 1997). Porém, para a pesca artesanal de pequena escala, a exemplo da praticada no Baixo São Francisco, não se percebe interesse do Estado em discutí-la e desenvolvê-la, haja vista que as poucas propostas para a pesca local têm-se voltado para a pesca marítima ou para a piscicultura. Tais segmentos representam interesses empresariais e, portanto, de grande influência política.
2.3 POLÍTICA PESQUEIRA NO NORDESTE E REPERCUSSÕES PARA O BAIXO SÃO FRANCISCO
A região semi-árida do Brasil, conhecida como "Polígono das Secas", compreende uma área de 936.993 km² , equivalente a 11,5% do território nacional (PETRERE JR, 1995, p. 30), apresentando disparidades e problemas regionais, a exemplo da seca, que desde 1877 passou a ser preocupação nacional. 60
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As intervenções governamentais, embora de grande montante, limitaram-se a práticas emergenciais e assistencialistas. Em 1909, foi criada a Inspetoria de Obras Contra as Secas (IOCS), subordinada ao Ministério de Viação e Obras Públicas, a qual implementou um Programa de construção de açudes para armazenar água para irrigação, consumo humano e de animais, durante as secas. Em 1919, a IOCS passou a denominar-se Inspetoria Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS). (REIS apud FONSECA & BASTOS, 1997). Conforme enfatiza PETRERE JR (1995, p. 30), Num trabalho de destaque e pioneiro pela relevância social, o IFOCS em 1933 deu início a um Programa complementar, estocando esses açudes com peixes para aliviar a crônica deficiência em proteína na dieta das populações humanas na região . No mesmo período, realizou a primeira indução de desova artificial em peixe no mundo, utilizando a espécie curimatã (Prochilodus spp.), nativa do rio São Francisco. A estocagem de peixes nos açudes baseou-se principalmente na introdução de espécies exóticas, porque a fauna da região, relativamente pobre, compreende menos de 100 espécies que, em sua maioria, habitam rios intermitentes. Até hoje foram introduzidas 39 espécies de peixes e 3 de crustáceos, provenientes de outras bacias brasileiras, de bacias da África e Ásia. Em 1945, a Inspetora Federal de Obras Contra as Secas (IFOCS) passou a chamarse Departamento Nacional de Obras Contra as Secas (DNOCS), mantendo-se subordinado ao Ministério de Viação e Obras Públicas. Em 1947, teve início um Programa de Emergência no Vale do São Francisco, conhecido como Planos de Emergência. No ano seguinte, foram criadas a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF) e a Comissão do Vale do São Francisco(CVSF), visando ao aproveitamento do potencial do rio São Francisco. Em 1959, foi criada a Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), com atribuições de executar uma nova Política de Desenvolvimento do Nordeste, priorizando linhas próprias de incentivos fiscais, estimulando a atividade industrial. O II Plano Diretor da SUDENE, aprovado em junho de l963, considera isolado e específico o problema do desenvolvimento da pesca no Nordeste. Com base em estudos realizados, a SUDENE objetiva ampliar a produção pesqueira nordestina, com uma ampla ação voltada para a expansão das unidades públicas frigoríficas e produtoras de gelo, adequação dos portos ao serviço da pesca e intensificação de pesquisa e preparação de pessoal especializado, além da criação de facilidades à Pesca Nordeste S/A (PENESA), empresa de economia mista subsidiária da SUDENE. Porém, a execução de tal programa indicou as dificuldades operacionais como deficiência de aparelhamento dos órgãos públicos para as tarefas executivas e a necessidade de pessoal especializado . A SUDEPE, após 1962, instala em cada Região Brasileira uma Coordenadoria Regional da Pesca (COREG) e em cada Estado uma Delegacia da SUDEPE. Posteriormente, as Coordenadorias Regionais foram extintas e as Delegacias substituídas pelas Superintendências Estaduais, obtendo maior autonomia. A atuação inicial prendeu-se ao cadastramento de pescadores, armadores de pesca e piscicultores, ao financiamento de motores, barcos, panagens de redes; também fez instalações de ambulatórios médico-dentários e escolas para filhos de pescadores, além do controle estatístico dos desembarques de pescado nos Estados, anteriormente executado pela SUDENE. Nasce então o embrião da Extensão Pesqueira. Antes de 1976, a SUDEPE limitava-se ao cadastramento e à fiscalização do exercício profissional do pescador, não apresentando uma atuação mais direta no Baixo São Francisco. Após esse período, a Superintendência da SUDEPE em Sergipe implantou o Plano de Assistência à Pesca Artesanal (PESCART), dando início a um Programa de Extensão Pesqueira com a criação de três escritórios regionais em convênio com a EMATER/SE. Um dos escritórios foi instalado em Neópolis, o qual levou à frente um programa de assistência técnica e creditícia,
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através dos bancos oficiais, dirigido aos pescadores do Baixo São Francisco. Porém, o desconhecimento das potencialidades dos recursos pesqueiros locais, a não priorização dessas atividades, a idéia da inesgotabilidade de tais recursos e até a inexperiência da própria EMATER/ SE, na execução dessa forma de Extensão, levaram esse esforço a resultados inexpressivos; houve destaque apenas para o segmento "captura", pois, com certa facilidade, promoveu-se à renovação de parte dos meios de produção através de crédito subsidiado. Diante do tímido desempenho do Programa de Extensão Pesqueira, a partir de 1980 a ex-SUDEPE assumiu a execução direta da Extensão. Foram priorizados o apoio à produção, distribuição, comercialização, ao associativismo e cooperativismo, buscando, com isso, a organização geral da pesca, melhoria do nível de vida do contingente pesqueiro, assim como o aumento da produção. Para tanto, surge o Programa de Financiamento à Pesca (PROPESCA), proveniente de recursos do BIRD e do Governo Brasileiro, que, apesar das distorções, beneficiou boa parte dos pescadores com aquisição e reforma de meios de produção. No Baixo São Francisco foram beneficiados aproximadamente 300 pescadores com crédito operado pelo Banco do Brasil, sendo cerca de 40 pescadores da região de Propriá. Tal segmento apresentou um nível insignificante de inadimplência junto ao agente financiador, o que comprova que a pesca no Baixo São Francisco ainda mostrava capacidade de pagamento de financiamentos bancários, o que não está sendo possível nos dias atuais. Com relação à infra-estrutura de apoio à pesca, o Escritório de Extensão da SUDEPE, em Neópolis, atuou junto às Colônias de Pescadores do Baixo São Francisco (Z-7 e Z-8), no sentido de equipá-las com balanças, freezers, equipamentos e material de escritório. Essa foi uma forma de favorecer uma maior prestação de serviço junto à categoria, além de suprir as condições de sanidade no manuseio e na conservação do pescado. Paralelamente, a Cooperação Técnica Brasil/Alemanha e os técnicos da SUDEPE/ SE, elaboraram um plano de ação contemplando todos os segmentos da pesca e aqüicultura, porém, não obtiveram o apoio necessário do Ministério da Agricultura. Tal fato já refletia o contexto nacional e a falta de apoio à pesca artesanal descrita anteriormente. Em relação à Piscicultura, em 1984 a SUDEPE/SE, através de convênio com o Governo do Estado de Sergipe, iniciou a operacionalização da Estação de Piscicultura de Pacatuba, produzindo aproximadamente 800 mil alevinos de espécies nativas como curimatã (Prochilodus spp.), piau (Leporinus spp), mandim (Oianelodus maculaties) e as seguintes espécies exóticas, tilápia (Oreochromis spp.), carpa (Cyprinus carpio) e tambaqui (Colossoma macropomum). Essa Estação iniciou sua operação no Governo João Alves. Este, por ser piscicultor, destinou a produção de alevinos a piscicultores particulares e ambientes aquáticos públicos, como meio de incentivar tal atividade na região. A CODEVASF também produzia alevinos e teve sua produção comprometida devido à limitação de recursos federais destinados à atividade pesqueira. Isso levou ao fechamento da Estação de Piscicultura de Itiúba e ao desvirtuamento da função da Estação de Piscicultura do Betume, destinando a reduzida produção de alevinos a produtores particulares, inclusive de outros estados. Aquele órgão limitava-se à realização de simbólicos peixamentos no rio São Francisco. O IBAMA inicia sua intervenção na pesca do São Francisco, convocando uma reunião Técnica em Brasília, no período de 18 a 21 de setembro de 1990, visando a obter subsídios para o ordenamento pesqueiro de toda a bacia hidrográfica e contando com a participação das Superintendências Estaduais do IBAMA (Alagoas, Minas Gerais, Brasília, Pernambuco, Bahia e Sergipe), dos Representantes das Federações de Pescadores (Alagoas, Pernambuco, Bahia, e Minas Gerais), assim como dos técnicos da Universidade Federal da Bahia, CODEVASF e CEPED (IBAMA, 1990). 62
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Tal reunião resultou numa proposta de regulamentação pesqueira para a bacia do rio São Francisco, no que se refere a apetrechos, tamanhos mínimos de malhas e de captura, defeso e áreas protegidas, em conformidade com a realidade de cada região, fazendo parte, portanto, das medidas de ordenamento pesqueiro citado no item 2.2. É sabido que a piscicosidade do baixo São Francisco não é suficiente para manutenção do contingente que dele depende nem muito menos para o abastecimento das comunidades , mas, é imperativo que se tome alguma medida de caráter biológico visando a auto-recuperação dos estoques esputáveis. Tal medida vai ao encontro das necessidades imediatas do contingente pesqueiro envolvido, que se vê subtraído do exercício da pesca e mesmo consciente da baixíssima produtividade que obtém, a pesca representa um alento para suas necessidades básicas (RAMOS, 1994). Na proposta, foram feitas adequações de modo a se fundamentarem, tanto em informações técnico-científicas, quanto no conhecimento empírico dos pescadores que atuam e conhecem a região, produzindo a regulamentação apresentada nos Quadros 2 e 3. Em continuidade ao ordenamento das pescarias, o Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal elaborou o Programa de Pesca Continental/ Gerenciamento por Bacias Hidrográficas (IBAMA/DIREN/DEPAQ). Foi realizada ampla discussão entre os pescadores, pesquisadores e técnicos envolvidos com a pesca na Bacia do São Francisco, compatibilizando a legislação para a bacia (BRASIL, 1995)*. Essa compatibilização para toda a bacia do São Francisco veio solucionar os problemas gerados pelos desencontros de legislações, quando 14 portarias diferentes disciplinavam a mesma bacia. Geralmente os mesmos trechos do rio abrangidos por dois ou mais Estados apresentavam proibições e permissões diferentes no uso de apetrechos de pesca e nos tamanhos de malhas de captura, além de apresentarem períodos de proibição da pesca (defeso) que não correspondiam à realidade de cada região. Com esse novo disciplinamento, as especificidades locais foram consideradas e a definição dos períodos de defeso ficou a cargo das Superintendências Estaduais do IBAMA. A legislação mais recente sobre o defeso da piracema é a Portaria Conjunta n.º 001, de 01 de setembro de 1998 (*), editada em conjunto pelas Superintendências do Ibama de Alagoas e Sergipe. Essa estabelece o referido defeso para o período de 15 de Novembro/98 a 15 de Janeiro/99, no trecho sergipano compreendido entre Canindé do São Francisco e a Foz, em Brejo Grande. (SERGIPE/ALAGOAS, 1998). Porém, vejamos o significado e importância da piracema. Piracema, segundo LAROUSSE (1987, p. 654), ... é a arribação de peixes em grandes cardumes. Época em que ocorre essa arribação, principalmente para a desova. O rumor que fazem os peixes ao subir para a nascente na época da desova. Trata-se, portanto, do deslocamento rio acima de espécies de peixes migradores (reofílicas) para desovar. Nessa ocasião ficam mais fáceis de serem capturados e é interrompido o ciclo de reprodução, impedindo que novos peixes venham a povoar o rio. Esse fenômeno é condicionado à temperatura, à turbidez e à salinidade da água.
* Essa portaria é baseada na Lei n.º 7.679/88, de 23 de novembro de 1988, que dispõe sobre a proibição da pesca de espécies em período de reprodução. (*) Portaria 092 de 06 de Novembro de 1995. Considerando seu caráter geral, esta portaria é complementada pela de n.º 093/95 que permite que a pesca seja regulamentada localmente, por meio de Portarias das Superintendências Estaduais do IBAMA (MMA/SMA/ DEPAN, 1996).
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Quadro 2 - Regulamentação Pesqueira para a Bacia do Rio São Francisco PERMITIDOS TARRAFAS
PETRECHOS PROIBIDOS
LOCALIZAÇÃO
-Rede de Emalhar (14 cm)
-Tarrafa para isca (5 cm e h = 2 m) - Tarrafa (8 cm)
- Anzóis - Espinheis
-Redes de Arrasto de qualquer natureza. -Fisga, Gancho e Garatéia. -Armadilhas tipo Tapagem, Paris, Cerca4dos. -Aparelhos de mergulho
CABECEIRAS
- Rede de Emalhar (7 cm)
Idem
Idem
Idem
- Rede de Emalha (14 cm)
Idem
Idem
Idem
OUTROS
TRÊS MARIA
64 SOBRADINHO
ITAPARICA
- Rede de Emalhar :10cm - Rede p/ Pilombeta:(2 cm)
Tarrafa (8 cm) Tarrafa p/ Isca (2 cm e h = 2 m)
- Anzóis Idem - Espinheis - Covo p/ camarão. - Covo p/ Pitu espaçamento entre talas 1,5 cm
PAULO AFONSO
FOZ
Obs 1 - Nenhum petrecho pode ser estendido a mais que 1/3 da largura do curso d´água. Obs 2 - A especificação das malhas de redes e tarrafas é considerada entre nós opostos esticadas. Obs 3 - Nas áreas protegidas, é proibida totalmente a pesca, inclusive co anzol para a pesca amadora.
TAMANHOS MÍNIMOS (cm) Curimatã-pacu 40 Dourado 60 Pescada 25 Surubim 80 Piau (grande) 30 Pirá 45 Pacu 40 Corvina 25 Mandi 15 Pacamão 40
ÁREAS PROIBIDAS - A 200 m de corredeiras e cachoeiras. - Respeitar as distâncias de segurança das barragens. - Rio das Velhas. - Rio Paraopeba. Série meio ambiente debate, 39
PETRECHOS REDES
Quadro 3 - Regulamentação Pesqueira para a Bacia do rio São Francisco durante o Defeso VALE DO RIO SÃO FRANCISCO
DEFESO
PETRECHOS PERMITIDOS DURANTE O DEFESO
ÁREAS PROTEGIDAS
PESCA AMADORA
Pesca Amadora: ANZOL Pesca Profissional: No Rio: ANZOL Tarrafa p/ isca: Comp. de malha = 5 cm altura = 2 m. Barragem Três Marias: Rede de Emalhar: Comp. de malha = 7 cm
PROIBIDO QUALQUER PETRECHO, INCLUSIVE O ANZOL PARA PESCA AMADORA: - A 200 m de cachoeiras e corredeiras. - Nos limites de segurança das barragens. - Nas lagoas marginais.
A QUOTA DE PESCADO PERMITIDA É DE 10 Kg + 01 UNIDADE/PESCA-DOR PARA PESCA COM ANZOL.
MÉDIO E ALTO (Até Paulo Afonso)
Para o R.S.F. e Afluentes: 10/11/90 a 10/02/91. Para Lagoas Marginais: 10/11/90 a 10/05/91.
ANZOL E TARRAFA Tarrafa p/ isca: Comp. de malha = 05 cm Altura = 02 m
IDEM
IDEM
Anzol. Tarrafa p/ isca = 02 cm Altura = 02 m Rede de Pilombeta: Comp. de malha = 02 cm Covo p/ Camarão e Covo p/ Pitu = 1,5 cm de espaçamento entre talas.
IDEM
IDEM
BAIXO(*) (Até
a
Foz)
Para o R. S. F. e Afluentes: 10/11/90 a 10/02/91. Para Lagoas Marginais: 10/11/90 a 10/05/91.
Fonte: IBAMA, 1990 (*) A atual portaria reduziu o período para 2 meses e alterou p espaçcamento entre etlas: titu (2 cm) e camarão (1cm)
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Para o R.S.F. e Afluentes 10/11/90 a 10/02/91. Para Lagoas Marginais 10/11/90 a 10/05/91.
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ALTO (Serra da CanastraPirapora)
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O tema da Piracema estimula manifestações populares entre os que observam esse fenômeno, a exemplo da melodia "Piracema" de Carlos Maria Moreira da Costa Matos (Engenheiro de Pesca do IBAMA/Ceará), apresentada a seguir. Água benta cai do céu e escorre pelo chão Enche o rio, o açude e a alma do cidadão O açude vira cenário da grande festa da vida Os peixes vão se juntando preparando a subida Pra lutar contra corrente só precisam da tua mão A Piracema é o milagre da multiplicação Depois tua rede cheia difícil de levantar É a resposta segura que a natureza dá Com tanto peixe bonito prontinho pra pescar Tem Beiru, Curimatã, tem Sardinha e Cangati Tem o Piau Verdadeiro e até mesmo o Tambaqui É a fartura divina agora morando aqui. O Defeso da Piracema no Baixo São Francisco, apesar de ser uma medida de proteção dos recursos pesqueiros, gera reações conflitantes. Ele subtrai temporariamente a atividade pesqueira no Baixo São Francisco, comprometendo a subsistência de parte do contingente pesqueiro que sobrevive da exploração de tais recursos. A mencionada Portaria Conjunta justifica tal medida como uma ação preventiva destinada à recuperação ou manutenção dos estoques pesqueiros, haja vista a inexistência de estudos, após a construção da barragem de Xingó, que comprovem ou não a alteração do fenômeno da piracema no Baixo São Francisco. O defeso é uma das medidas mais drásticas, vez que paralisa, por um determinado tempo, a atividade econômica de todos os envolvidos, exigindo portanto, uma eficiente negociação e, em decorrência só devendo ser adotado em casos críticos. (...) o pescador artesanal, de uma maneira geral, ao contrário daquele ligado à pesca industrial, não tem garantias trabalhistas. (...) enquanto o trabalhador ou pescador ligado à pesca industrial recebe indenizações previstas em lei, em especial o seguro-desemprego, os pescadores artesanais nem sempre conseguem tal benefício, em decorrência dos entraves quanto às comprovações previstas na lei específica, problema que merece a busca de solução num curto prazo (DIAS NETO, 1996, p. 37) Visando a minorar os efeitos do Defeso no cotidiano das populações pesqueiras do Baixo São Francisco, anualmente as Superintendências do Ibama de Sergipe e Alagoas, conjuntamente, convocam os pescadores do Baixo São Francisco para discussão do período ideal para o Defeso da Piracema; elas também encaminham questões junto aos demais órgãos envolvidos no processo do Defeso, a exemplo do Ministério do Trabalho (auxílio-desemprego) e o INSS. De acordo com o cadastro do IBAMA/SE, até agosto de 1998 havia um total de 9.052 pescadores registrados nesse órgão (Tabela 3), sendo 2.081 pertencentes à região do Baixo São Francisco (Tabela 4), então representando 23% do universo total. Esse contingente abrange 25 municípios ribeirinhos situados entre Canindé do São Francisco e Própria (Z-8)*; entre Neópolis e Brejo Grande (Z-7)*, incluindo alguns municípios alagoanos. Comparandose o número de pescadores vinculados a cada Colônia de Pesca do Estado, a Z-7 coloca-se em 3º lugar, e a Z-8 em 5º.
* Cada Colônia de Pescadores é representada pela letra "Z", simbolizando a zona de abrangência.
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Tabela 3 tal de Pescadores Cadastrados no IBAMA/SE, em agosto/1998 COLÔNIA Z-1 Z-2 Z-4 Z-5 Z-6 Z-7 Z-8 TOTAL
LOCALIZAÇÃO Aracaju São Cristovão Estância Pirambu N. S. do Socorro Neópolis Própria
QUANTIDADE 3.452 860 1.768 824 67 1.250 831 9.052
Fonte: IBAMA/SERGIPE, 1998
Tabela 4 Total de Pescadores do Baixo São Francisco Cadastrados IBAMA/SE, em agosto/1998 COLÔNIA Z-7 Neópolis
Sub-total Z-8 Própria
ABRANGÊNCIA Brejo Grande (*) Igreja Nova Ilha das Flores Neópolis Pacatuba (*) Penedo (*) Piaçabuçu Povoado Saúde Povoado Serrão Santana S. Francisco
(*)
(*) (*)
(*)
Amparo do S. Francisco Belo Monte Canhoba Canindé S. Francisco Cedro S. João Gararu Monte Alegre N. S. Lourdes Própria Piranhas Porto da folha Porto Real do Colégio São Brás Telha Traipu
Sub-total TOTAL GERAL
QUANTIDADE 192 04 430 507 143 04 09 04 06 51 1.250 96 11 08 07 30 97 01 59 342 08 80 29 22 29 12 831 2.081
Fonte: IBAMA/SERGIPE, 1998 * Apesar de pertencerem ao Estado de Alagoas, esses municípios têm filiados às Colônias de Pescadores de Neópolis e Propriá devido à proximidade e facilidade no deslocamento.
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Os números de pescadores cadastrados nas Colônias (Tabela 5) diferem daqueles do IBAMA porque não são realizadas atualizações concomitantes, para exclusão dos falecidos e dos desfiliados. Mesmo assim, tais dados não representam a quantidade real de pescadores que atuam na pesca de Sergipe e nem especificamente no Baixo São Francisco: parte da categoria não tem cadastro junto ao IBAMA e nem junto às Colônias de Pescadores, exercendo a atividade pesqueira de forma ilegal. Tabela 5 Total de Pescadores do Baixo São Francisco Registrados nas Colônias Z-7 e Z-8, em agosto/1998.0 COLÔNIA
LOCALIZAÇÃO
Z-7 Z-8 TOTAL
QUANTIDADE
Neópolis Propriá
1388 674 2.062
OBS Amparo:S.Francisco: 88
Fonte: Colônias de Pescadores Z-7 e Z-8
As Colônias de Pescadores são alvos de críticas por parte dos próprios pescadores por não atuarem de forma mais efetiva na defesa dos interesses da categoria. Em seu estudo sobre o Baixo São Francisco, SOUZA, K. (1995) afirma que o associativismo é fraco, com um número bastante reduzido de pescadores inscritos que contribuem para a Colônia. A atual apatia das Colônias de Pescadores do Baixo São Francisco sergipano confirma uma avaliação realizada pela SUDEPE (1983, p. 18), quando analisou o perfil das Colônias de Pescadores do Estado de Sergipe e conclui que: ... na realidade as Colônias de Sergipe jamais se engajaram como sindicato na política; elas anularam-se da participação apropriada na política setorial, exclusivamente absorvidas no exercício de seus privilégios e algumas delas até distanciando-se dos órgãos afins. Portanto, as Colônias de Pescadores constituem-se como organizações contraditórias. Elas têm duas características fundamentais inerentes à sua própria natureza, que se opõem e se negam. As Colônias de Pescadores são órgãos de representação da classe de pescadores artesanais e de representação do aparelho de Estado. Como tais, são organizações corporativistas que nasceram de uma preocupação do Estado, e não da adesão da base. Na verdade, a Colônia não é fruto de uma coalizão de pescadores. Ao contrário, é entidade imposta pelo poder público como associação compulsória e nisso se equipara, no aparato institucional dominante do pescador, com os demais órgãos representativos da área governamental. (GUEDES, 1984, p. 10). A repercussão de tal atuação leva à desagregação da classe e responde, dessa forma, ao fato da inexistência de cobranças junto ao poder público, no que diz respeito ao atendimento às necessidades da classe pesqueira. Atualmente percebe-se o envolvimento de algumas Colônias de Pescadores em mobilizações em defesa da pesca, a exemplo da participação no MONAPE e outros. O MONAPE aproveita-se da organização das Colônias, mas, muitas vezes, os próprios pescadores participam 68
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desses movimentos, independentes de suas Colônias. Porém, no Baixo São Francisco sergipano, há tão pouca representatividade, que ela atua a reboque da Federação dos Pescadores de Alagoas, cuja atuação é mais dinâmica. Como parte de uma discussão mais abrangente, a degradação ambiental da Bacia do São Francisco tem sido objeto de amplos debates, tanto por parte de órgãos governamentais quanto da sociedade. Várias iniciativas, visando à minimização e/ou solução de problemas pontuais e específicos, têm sido propostas. No caso específico do Baixo São Francisco, onde os barramentos ao longo do Vale comprometeram todo o sistema pesqueiro local e alteraram a flora e a fauna terrestre e aquática, vem exigindo medidas imediatas de intervenção por parte dos órgãos públicos. Como medida no curto prazo, o IBAMA/SE, através da Estação de Piscicultura de Pacatuba, realizou, em 1997, o lançamento de 500.000 alevinos de curimatã-comum (Prochilodus vimboides), 800.000 de curimatã-pacu (Prochilodus marggravii) e piau (Leporinus spp), totalizando 1.300.000 alevinos. Em 1998, com os cortes no orçamento federal, a produção de alevinos foi reduzida, tendo sido realizados peixamentos com 567.700 alevinos, sendo 454.200 de curimatã-comum (Prochilodus vimboides), 110.000 de tambaqui (Colossoma macropomum) e 1.500 de curimatã-pacu (Prochilodus marggravii). Esse Órgão prima pelo repovoamento de espécies nativas do São Francisco, como meio de não alterar ainda mais o complexo ambiente aquático, com a intervenção do homem. No ano de 1998, com a reforma da Estação de Piscicultura do Betume, a CODEVASF/SE produziu 1.274.000 alevinos e destinou 593.000 para peixamentos no BSF (curimatã-pacu, tambaqui e tilápia). No mesmo ano, a Estação de Piscicultura de Itiúba produziu 1.279.444 alevinos de tambaqui, curimatãpacu e carpa comum e distribuiu 320.000 no BSF (Informações de Técnicos do IBAMA e CODEVASF). O peixamento por si só não garante o repovoamento do Baixo São Francisco, devido à falta de acompanhamento desses lançamentos e à quantidade de alevinos lançados, por ser infinitamente menor que a demanda necessária. O Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), visando a atuar de maneira mais efetiva no segmento pesqueiro da bacia do São Francisco, elaborou o Programa para Gestão Integrada dos Recursos Naturais da Bacia do rio São Francisco: recursos pesqueiros como ponto focal, consolidando as várias propostas de estudos e ações elaboradas pela CODEVASF/IBAMA/CHESF/CEMIG, Colônia de Pescadores e ONGs atuantes no Vale do São Francisco. Tal Programa parte do princípio que os trabalhos devem estar integrados em nível de Bacia Hidrográfica e que o recurso pesqueiro é um ótimo indicador da situação ambiental da Bacia (MMA/SMA/DEPAN, 1996, p 1). Para tanto, foi realizado em Salvador/Bahia, no período de 09 a 13 de setembro de 1996, o Seminário sobre Gestão Integrada dos Recursos Naturais da Bacia do São Francisco (MMA/IBAMA, 1996). O mesmo abrangeu temas relacionados à vida do rio, à visão do pescador, aos aspectos críticos e conflitos de uso da bacia e ao diagnóstico da pesca na bacia do rio São Francisco. Como representantes do Baixo São Francisco, participaram do evento o Presidente da Colônia de Pescadores de Penedo (AL) e um representante do IBAMA de Sergipe. Segue adiante um trecho de reportagem de uma Associação Ambientalista do São Francisco, fazendo referência ao citado evento: Durante toda a semana de debates em Salvador foram discutidos os problemas do rio São Francisco, tendo como tema central a pesca. Por que? Porque a pesca é um termômetro da vida do rio. Se o São Francisco tem peixes em abundância é sinal de vida, de qualidade da água. Do contrário a falta de peixe é um indicativo de que algo vai mal. Para Edinardo Freitas Machado, coordenador geral de política de uso dos 69
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recursos naturais do Ministério do Meio Ambiente, o Seminário apenas reforçou e reuniu propostas que vinham sendo estudadas há mais de dois anos. "O Ministério do Meio Ambiente, tomando conhecimento de diversas ações de órgãos junto ao Rio São Francisco, achou melhor montar um Programa de gestão integrada da bacia, de forma a unir esforços e maximizar a aplicação de recursos no rio", disse. De acordo com Edinardo o Ministério começou a trabalhar a partir do problema básico: falta de peixe (ASSOCIAÇÃO, 1996). Os resultados das discussões foram formalizados na versão preliminar do Programa para a Gestão Integrada Recursos Naturais da Bacia do São Francisco: recursos pesqueiros como ponto focal. A versão popular de tal programa foi feita em setembro de 1997, por Marcelo Apel, Consultor em Organização dos Pescadores. Conforme o Programa, foram consideradas as seguintes diretrizes estratégicas para a gestão integrada dos recursos naturais: a busca do desenvolvimento sustentável; a utilização da bacia como ponto de planejamento; o embasamento técnico-científico e a participação dos usuários em todo o processo (administração participativa); a integração das atividades pesqueiras às outras atividades ligadas ao uso dos recursos ambientais; o apoio aos projetos de pesquisa sobre a bacia; a desconcentração e descentralização de todo o processo; e apoio ao fortalecimento das organizações dos usuários dos recursos pesqueiros, para possibilitar uma interlocução com legitimidade e tornar as formas de negociação equilibradas politicamente. Para operacionalizar tais diretrizes estratégicas, APEL (1997, p. 4) propõe as seguintes linhas de ação: Gerenciamento do Programa, Melhoramento da Capacitação Gerencial Institucional, Suplementação de Processos de Gestão Participativa, Realização de Estudos Básicos e Ações para o Desenvolvimento Sustentável da Pesca, da Aqüicultura e de outras Atividades Econômicas e Exploração de outros Recursos Ambientais. O Programa é gerenciado por uma Comissão, formada pelas seguintes instituições: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal (MMA), Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA), Colônias de Pesca do Alto, Médio e Baixo São Francisco, Movimento Nacional dos Pescadores (MONAPE), Comitê Executivo de Estudos Integrados do Vale do São Francisco (CEEIVASF), Governos dos Estados que compõem a Bacia do São Francisco, ONGs envolvidas com as atividades pesqueiras, Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) e Setor Elétrico. Apesar dos esforços para que tal Programa saia do papel, segundo técnicos do Ministério do Meio Ambiente, existem alguns óbices, tais como a falta de discussão no alto São Francisco, e o fato de que o programa não tem recursos próprios (FEDERAÇÃO, 1998a). A perspectiva de que esse Programa se concretize está cada dia mais distante, pois a transferência de parte do setor pesqueiro do IBAMA para o Ministério da Agricultura representa mais uma descontinuidade no trato com o segmento pesqueiro. No que se refere à pesca no Baixo São Francisco, a situação é preocupante, pois muito pouco se pesquisa e o comprometimento do rio é sentido de forma direta por um segmento que não tem representação política: os pescadores artesanais. Atualmente, a CODEVASF procura incentivar a Aqüicultura (produção em cativeiro de peixes e crustáceos), implantando um Pólo de Aqüicultura no Baixo São Francisco localizado em Penedo (AL). Na explicação do engenheiro de pesca da CODEVASF , Albert Bartolomeu, o governo federal há muito já vinha trabalhando na implantação de pólos de aqüicultura no Brasil, de água marinha e doce. Até hoje o Brasil já possui implantados oito pólos sendo dois no Paraná - principal produtor - outro em Minas Gerais - cultivo de peixes 70
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em tanque-rede - um no Rio Grande do Norte - principal produtor de camarão. A produção continua ainda no Rio Grande do Sul, Goiás e São Paulo no Vale da Ribeira. Há cerca de três meses foi implantado o pólo de maricultura em Santa Catarina, maior produtor de ostras e mexilões no Brasil. Acrescendo a lista está implantando o pólo no baixo São Francisco. A piscicultura também difundida nessa região, que se estende pela produção de alevinos também será intensificada, com incentivo à formação e organização de produtores (MERCOVALE, 1998, p.6A). A implantação do referido Pólo representa uma opção de exploração dos recursos pesqueiros do Baixo São Francisco destinados à piscicultura empresarial, pois continua a excluir o pequeno pescador. Este não dispõe de terras para o cultivo em viveiros, nem de crédito para investimentos, além de não ter os conhecimentos necessários para uma mudança tecnológica abrupta na sua profissão. Sua atividade profissional está fortemente marcada por um conjunto de conhecimentos próprios inerentes à sua cultura. Essa discussão foi objeto da reportagem "Presidente da Codevasf não gosta de pobre porque pobre fede", cujo conteúdo era o seguinte: No Workshop sobre o desenvolvimento do Sertão Sergipano, realizado no último dia 7, (...) o Presidente da Codevasf, Dr. Airson Bezerra Lócio (...) no momento em que foi questionado sobre o incentivo que estava dando à piscicultura em detrimento da tradicional pesca realizada no baixo São Francisco, o presidente respondeu que a pesca artesanal estava realmente em extinção e que o pescador é pobre e ele não gosta de pobre porque fede e não usa sabonete. (...) Este episódio deixa claro o grande equívoco que está se fazendo com o termo "desenvolvimento sustentável, tantas vezes citado na apresentação do citado projeto (SANTOS, 1998. p. 2). Apesar desse lamentável pronunciamento assistido pela pesquisadora deste trabalho, a criação do Pólo de Aqüicultura representa de fato uma alternativa de produção para o Baixo São Francisco. O lamentável é que, além de excluir o pequeno pescador, o Pólo não apresenta ainda elementos convincentes de que terá o tão propalado incentivo. Há descrença até por parte de técnicos da própria Codevasf. O Baixo São Francisco tem sido laboratório de vários projetos, por se destacar como uma região das mais pobres, o que torna imprescindível e urgente uma gestão sustentável. Para isso, faz-se necessário tanto o engajamento dos órgãos que atuam na área quanto à participação da população local, inclusive dos pescadores. Este segmento foi por demais prejudicado no contexto das políticas do Baixo São Francisco, justamente por não considerarem o seu saber empírico e as suas necessidades, enquanto grupo humano. Esses fatores são essenciais para a base de uma sociedade sustentável.
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POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO NO ENTORNO DA PESCA
Hoje a gente passa a noite toda no rio e não pesca nada. E piorou porque o rio não enche por causa das barragem. Não é falta de chuva, é que não deixam passá a água. A água é presa lá. Quando sai de uma barrage é presa na outra barrage, ai o rio não enche e é pior porque não enche as lagoas e os pexes não reproduz (Seu Leó, 54 anos).
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Este capítulo aborda as políticas de desenvolvimento implementadas pela CHESF e CODEVASF, objetivando o aproveitamento do potencial hídrico do rio São Francisco. Tais políticas ignoram o contexto em que atuam, ocasionando conflitos e prejudicando segmentos locais. A construção de barragens e os projetos de aproveitamento das várzeas inundáveis contribuíram para o declínio da pesca, principalmente no Baixo São Francisco, onde desestruturaram a principal atividade econômica do pescador. 3.1 POLÍTICA DE GERAÇÃO DE ENERGIA A pesca, isoladamente, não leva necessariamente à extinção biológica de uma espécie, pois no momento em que não é lucrativa ou necessária é interrompida. Entretanto, em conjunto com outros fatores que alteram o ciclo de vida dos peixes, pode contribuir para o declínio acentuado do estoque, em alguns casos dificilmente recuperável, a exemplo das hidrelétricas. No início do século XX, a energia elétrica penetrava no Brasil através dos centros urbanos e auxiliava o desenvolvimento industrial. A partir da década de 30, já fazia parte do cotidiano de milhões de moradores das cidades e tinha como principal fonte os recursos hídricos. Em resposta ao crescimento da demanda de energia, em 1940, foi criado o Conselho Nacional de Água e Energia Elétrica (CNAEE), subordinado à Presidência da República. O Estado, na década de 50, iniciou o desenvolvimento de uma política de incentivo à criação de grandes reservatórios para usinas hidrelétricas. As usinas, com seus reservatórios e seus canteiros de obras, alteraram fundamentalmente a vida de ribeirinhos, indígenas e pescadores que moravam nessas áreas. Os efeitos imediatos da geração de energia através de grandes barragens referem-se à inundação de milhares de hectares de terras férteis, ao deslocamento das populações e à transformação de rios em seqüência de lagos artificiais. Outros efeitos referem-se ao decréscimo vertiginoso da quantidade de peixes, à perda de valiosos recursos naturais (matas, cerrados e caatingas), à inundação de sítios arqueológicos não estudados e ao aumento do número de trabalhadores rurais sem terra (VIANNA, 1989). A implantação de barragens acarreta aumento do espelho d'água que provoca uma redução e/ou desaparecimento das lagoas marginais, biótipos que atuam como locais de reprodução e crescimento de algumas espécies, afetando deste modo a ictiofauna. Esse fato é agravado pela transformação do ambiente lótico em lêntico, provocando contínuas modificações que proporcionam, através de processo seletivo, a redução e até o desaparecimento de algumas dessas espécies, ao mesmo tempo em que interferem em suas relações intra e interespecíficas. No reservatório onde não existem estruturas de acesso à jusante que permitam a passagem de novos cardumes na época de reprodução, a renovação do estoque poderá ser seriamente comprometida e, por conseguinte, o nível da reprodução pesqueira, o que é admitido pela própria CHESF. A implantação de grandes projetos hidrelétricos provoca alterações significativas no meio ambiente, podendo acarretar rupturas, muitas vezes consideráveis, nos sistemas físico, socioeconômico e cultural dos locais e regiões em que eles se situam (CHESF, 1994a, p.7). Após 1970, alguns movimentos de reação começam a surgir a exemplo do Movimentos dos Agricultores Sem Terra do Oeste Paranaense(MASTOP) e da Comissão Regional dos Atingidos por Barragens (CRAB). Esse movimento passou a se organizar em comissões regionais e em uma comissão nacional, levantando a bandeira: "Terra Sim, Barragens 74
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Não!, questionando o planejamento energético e, por conseguinte, o modelo de desenvolvimento. O Brasil e outros países estariam exportando muita energia em seus produtos. Apesar de a principal bandeira de luta ser a terra, esse movimento, na prática, tornou-se também um grande movimento em defesa dos ecossistemas dos rios.
3.1.1
O Aproveitamento Energético no Nordeste e seus Conflitos
Em 1947, teve início um Programa de Emergência no Vale do São Francisco, conhecido como Planos de Emergência. No ano seguinte, foi criada a Comissão do Vale do São Francisco (CVSF) e a primeira empresa de eletricidade do Governo Federal, a Companhia Hidrelétrica do São Francisco (CHESF). A CHESF, sociedade de economia mista, visava ao aproveitamento do potencial do rio, particularmente de Paulo Afonso, para geração de energia elétrica, com vistas ao desenvolvimento de indústrias da região. A CVSF tinha como objetivo promover o desenvolvimento global do Vale do São Francisco, principal rio perene do Polígono das secas e o melhor aproveitamento dos seus recursos (FONSECA & BASTOS, 1997, p.5). Inicialmente vinculada ao Ministério da Agricultura, em 1962, a CHESF passou para o âmbito do Ministério das Minas e Energia, incorporando-se às Centrais Elétricas Brasileiras S.A (ELETROBRÁS), como sua subsidiária. O Sistema de transmissão da CHESF é conectado com o Sistema da Centrais Elétricas do Norte do Brasil S.A (ELETRONORTE), compondo o Sistema Interligado Norte-Nordeste, que abrange oito estados da Região Nordeste e parte do estado do Pará, atendendo a uma população de mais de 40 milhões de habitantes (CHESF, 1994c). Em 1968, o Plano Diretor de Desenvolvimento Econômico e Social do Nordeste previa um aumento de 107% na capacidade geradora de Paulo Afonso, de modo a atingir, em 1973, 1.275 MW, como também novo aproveitamento hidrelétrico do São Francisco. Os estudos coordenados pela ELETROBRÁS concluíram que os aproveitamentos mais econômicos eram os de Paulo Afonso e Xingó, associados a um grande reservatório à montante para fins de regularização plurianual do rio. Diante disso, optou-se pela imediata construção da barragem de Sobradinho, iniciada em 1973 (CHESF, 1994a). Sobre o impacto da barragem de Sobradinho, o depoimento do Presidente da Confederação Nacional dos Trabalhadores da Agricultura (CONTAG), na CPI das Cheias do São Francisco, é esclarecedor: A Barragem é considerada um orgulho da engenharia brasileira e enseja o ufanismo de seus técnicos, que a consideram o maior lago artificial do mundo. Porém, no aspecto humano, a população local foi vítima de verdadeira calamidade. (...) devo declarar que não fui contra a barragem, em si. Lutei contra os métodos de feitura da Barragem. (...) O baixo São Francisco, com a execução dos projetos hidrelétricos, programados pela CHESF, dentre os quais se inclui a Barragem de Sobradinho, vem tendo o seu regime fluvial completamente alterado (BRASIL, 1982, p.1). Os peixes são afetados de maneira significativa com a implantação de barragens, principalmente os estoques piscícolas localizados à jusante dos empreendimentos. No reservatório cria-se um ambiente bastante distinto do habitat natural, com alterações físicas, 75
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químicas e biológicas, exigindo do pescador um período de aprendizagem com novos apetrechos de pesca. PETRERE JR (1995) considera essa adaptação como um impacto social da construção de reservatórios. Toda a dinâmica fluvial à jusante é alterada, repercutindo de maneira direta no processo de reprodução dos peixes (piracema), além de outros impactos. Apesar das críticas e dos prejuízos causados às populações ribeirinhas, a CHESF continuou sua política de exploração do potencial hidráulico do rio São Francisco, priorizando a garantia de mercado no suprimento energético da região. Para tanto foi definida a imediata construção de Paulo Afonso IV, seguida da Usina Luiz Gonzaga (Itaparica) e depois Xingó. Até então não existia uma legislação que atrelasse o licenciamento das barragens à aprovação de órgãos desvinculados do setor elétrico. Com o advento das barragens, os conflitos entre as populações atingidas começaram a tomar maiores proporções, a partir da construção de Itaparica, dada à gravidade dos problemas advindos das constantes inundações causadoras de fome, desabrigo e desagregação. Uma obra de tamanha magnitude, implantada sem o povo atingido ser ouvido, como era próprio dos governos ditatoriais, trouxe grandes problemas sociais, culturais, sofrimento e dor (BARRAGENS, 1990, p.33). Tal fato motivou a CONTAG juntamente com as Federações dos Trabalhadores na Agricultura dos Estados de Minas Gerais, Bahia, Pernambuco, Sergipe e Alagoas, os Sindicatos de Trabalhadores Rurais da Região do Vale do rio São Francisco, a Comissão Pastoral da Terra das Regionais Nordeste II e III, a Diocese de Juazeiro da Bahia e a Fundação do Desenvolvimento Integrado do Vale do São Francisco, a solicitarem a instauração de uma Comissão Parlamentar de Inquérito, já citada, visando a apurar as responsabilidades e omissões governamentais na questão das cheias do São Francisco (CONFEDERAÇÃO, 1980). Em seu depoimento na CPI das Cheias do São Francisco, o Presidente da Comissão de Defesa Civil de Alagoas verbalizou sua avaliação sobre o papel da CHESF em relação às enchentes: Faço questão de dizer, nesta Comissão, que considero a CHESF uma das maiores responsáveis por esses problemas surgidos no baixo São Francisco e acredito que também no Alto São Francisco, porque a CHESF se exime totalmente de qualquer responsabilidade. Vou repetir as palavras do próprio Presidente da CHESF:" Não temos nada a ver com a cheia, o nosso problema é produzir energia" (BRASIL, 1982, p. 171). É inquestionável que há benefícios advindos da energia elétrica no desenvolvimento das sociedades. Porém, os custos sociais são altos, principalmente para os segmentos mais pobres. A postura do Presidente da CHESF, à época, demonstrou falta de sensibilidade diante dos efeitos negativos oriundos da modificação do regime do rio, principalmente porque ignorou os reduzidos benefícios da produção de energia para a região. Grande parte da energia produzida é transferida e consumida fora do Vale do São Francisco, deixando para o Vale todo o ônus ambiental. Para implantação das barragens, houve a necessidade de Estudos de Impactos Ambientais (EIA). Estes geralmente eram elaborados, considerando-se cada obra em si e não a bacia hidrográfica com seus efeitos decorrentes da construção de todas as hidrelétricas. Não havia normatização para esses estudos e abordavam-se, de maneira superficial, os efeitos diretos e indiretos que a instalação e operação da usina hidrelétrica causariam à população, à fauna, à flora e à qualidade da água da região. A pesca era simplesmente ignorada, enquanto
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atividade que poderia ser impactada com o empreendimento. Outro fator limitante na elaboração desses estudos foi a falta de participação da população atingida na aprovação dos estudos e conseqüentemente, no licenciamento da obra. A autorização para a realização de aproveitamentos hidrelétricos passava unicamente pela aprovação do Departamento Nacional de Águas e Energia Elétrica (DNAEE). Em 1981, foram iniciados os estudos de viabilidade do aproveitamento de Xingó; os estudos complementares, conjugados aos aspectos socioeconômicos e construtivos da obra, determinaram que fosse recomendada a implantação da Barragem a 2 km à montante da sede municipal relocada de Canindé de São Francisco, a cerca de 179 km da foz, em Sergipe (Figura 2). Optou-se pela instalação de dez unidades geradoras, cada uma com 500 MW de potência, em duas etapas de construção. Na primeira etapa, foram instaladas seis unidades, totalizando 3.000 MW, ficando a instalação das quatro unidades restantes condicionadas à implantação do aproveitamento de Pão de Açúcar. O reservatório foi formado em 1994. O objetivo principal da UHE de Xingó era o aumento da oferta de energia elétrica do Sistema Interligado CHESF/ELETRONORTE, de forma a suportar o crescimento previsto da demanda de energia elétrica atendida pelo sistema, esperando-se, desse modo, que a usina contribuísse para o desenvolvimento socioeconômico da região Nordeste (CHESF, 1994c). Na verdade, somente com a instituição e regulamentação da Política Nacional de Meio Ambiente(*) e a Resolução 001/86 do Conselho Nacional do Meio Ambiente (CONAMA) é que se estabeleceu que todas as interferências provenientes da implantação de usinas hidrelétricas que afetam a população humana, a fauna, a flora, a qualidade da água, enfim, o meio ambiente da região, é um impacto ambiental. Os órgãos ambientais, normalmente, recomendam algumas medidas para mitigar os impactos das barragens sobre a fauna aquática, a exemplo da construção de escadas para passagem de peixes e da instalação de estações de piscicultura para produção de alevinos destinados ao povoamento dos reservatórios e demais áreas afetadas. Porém, a CHESF não acatou todas e justifica que muitas dessas iniciativas carecem de fundamentação científica para sua implantação (1994b, p.11). O Estudo de Impacto Ambiental, exigido pela Resolução 001/86 do CONAMA, para a construção da Usina Hidrelétrica de Xingó, deu origem a nove programas que integram o Projeto Básico Ambiental (PBA) do empreendimento. Um desses programas é o Monitoramento da Pesca, em atendimento ao Decreto 221/67 e à Portaria SUDEPE 001/77; tal programa foi submetido aos órgãos ambientais, tendo sido por eles aprovado. O objetivo do Programa de Monitoramento da Pesca, segundo a CHESF, é propiciar apoio ao gerenciamento da pesca que será realizada tanto no reservatório da Usina Hidrelétrica de Xingó quanto no trecho de jusante (1994c, p.8). Para tanto, em articulação com os demais programas do Projeto Básico Ambiental, tem como objetivos específicos:
Colaborar com o IBAMA, com os órgãos estaduais e com os pescadores artesanais no desenvolvimento da pesca auto-sustentada;
Gerar informações técnicas para normatização da pesca;
Desenvolver tecnologia para captura de recursos pesqueiros;
* Lei n.º 6.938 de 31 de agosto de 1981/ Decreto n.º 88.351 de 1° de junho de 1983.
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Desenvolver e divulgar a tecnologia de criação em cativeiro de espécies nativas da ictiofauna e carcinofauna;
Permitir o aproveitamento perene das espécies e ecossistemas;
Contribuir para conservação geral da biodiversidade aquática da bacia do Rio São Francisco (Idem).
É bem verdade que os dados atualmente existentes sobre a pesca no Baixo São Francisco não fornecem todos os elementos que permitam planejar e executar um elenco de medidas destinadas à promoção da pesca auto-sustentada. Teoricamente, o Programa de Monitoramento da Pesca aponta para a necessidade de uma melhor fundamentação técnicocientífica na tomada de decisões sobre o gerenciamento pesqueiro no Baixo São Francisco. A execução desse programa é da máxima relevância, porém a perspectiva de privatização da CHESF se apresenta como algo preocupante. Será que o monitoramento da pesca terá alguma prioridade neste novo contexto? Percebemos que se torna cada vez mais importante o questionamento sobre a política energética adotada em nosso país, a qual ressalta os benefícios advindos do aproveitamento energético dos rios, mas ignora os efeitos negativos de tal exploração. A questão não é cessar o aproveitamento dos rios, mas torná-lo sustentável, para que os benefícios sejam socializados, o que não aconteceu com a atividade pesqueira.
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Fonte: CHESF, 1994c
Figura 4 Mapa de localização da Usina Hidrelétrica de Xingó (BSF)
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3.2 POLÍTICA DE IRRIGAÇÃO
Assim como a política de construção de barragens, os programas de irrigação e modernização agrícola vêm sendo feitos com a preocupação de ordem predominantemente econômica, dando pouca importância aos impactos ecológicos e sociais que provocam. Áreas agrícolas de maior expressão da bacia fluvial que eram cobertas, incluindo-se as várzeas, onde se fazia agricultura de vazante e agricultura irrigada, desapareceram perante a regularização do regime do rio. As lagoas, que eram utilizadas para o cultivo do arroz e para a pesca, perderam seu papel de fonte produtora de alimento e berçário de peixes, prejudicando a população que explorava tais recursos (ANDRADE, 1984). De acordo com BARROS (1985, p. 97), os perímetros de irrigação executados no Nordeste durante os anos 70, dos quais os projetos do Baixo São Francisco, representam um dos casos mais extremos de transformação de condições socio-ambientais pela via tecnológica. Tais transformações repercutiram diretamente na atividade pesqueira, pois era nas várzeas inundáveis que muitas famílias complementavam a renda familiar com a pesca de peixes e camarões, alternando com o cultivo de arroz. O papel das várzeas, enquanto berçário natural de diversas espécies de peixes e camarões para o Rio São Francisco, foi ignorado. Essa intervenção não observou a bagagem cultural envolvida no processo de exploração dos recursos naturais, buscando introduzir elementos estranhos ao meio ambiente original, como as obras de engenharia, resultando em prejuízos econômicos, sociais e ecológicos para a região. A implantação de grandes projetos públicos de modernização agrícola no Nordeste, desde os anos 70, foi estimulada pelas condições favoráveis do mercado internacional de capitais. Esses projetos foram apoiados por agências internacionais de desenvolvimento e acobertados pela ruptura entre o governo e a sociedade civil que caracteriza aquele período (Idem). Como parte dessa política, a SUDENE dá inicio à implantação, em larga escala, de lavouras irrigadas na zona semi-árida, tidas como uma solução para a oferta de produtos alimentícios, nessa área de escassos recursos de solo e área. A Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF) foi criada em 1974, em substituição à SUVALE (Superintendência do Vale do São Francisco), que, por sua vez, sucedera à CVSF (Comissão do Vale do São Francisco), tendo como finalidade: ...o aproveitamento para fins agrícola, agropecuário e agroindustrial, dos recursos de água e solo do Vale do São Francisco, diretamente ou por intermédio de entidades públicas e privadas, promovendo o desenvolvimento integrado de áreas prioritárias e a implantação de distritos agroindustriais e agropecuários podendo, para esse efeito, coordenar ou executar, diretamente ou mediante contratação, obras de infra estrutura, particularmente da captação de águas para fins de irrigação, de construção de canais primários ou secundários e também obras de saneamento básico, eletrificação e transporte, conforme plano diretor, em articulação com os órgãos federais competentes (FONSECA & BASTOS, 1997, p.6). A atuação da CODEVASF no Baixo São Francisco gerou bastante polêmica, devido à forma utilizada para desapropriar as terras para implantação do Programa de Aproveitamento das Várzeas Inundáveis, marginalizando grande contingente populacional. As várzeas (Figura 5) eram localizadas entre os municípios de Pão de Açúcar (Alagoas) e Brejo Grande (Sergipe), distribuídas ao longo de 166 km do rio; elas foram identificadas no Plano Diretor do Baixo São Francisco. 80
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O Vale do Baixo São Francisco cobre uma área de cerca de 13.000 km² a jusante da bacia do rio, da cachoeira de Paulo Afonso até o mar, uma distância de aproximadamente 200 km. Abaixo da cachoeira, o rio flui em uma garganta profunda até alcançar a cidade de Pão de Açúcar, onde o vale começa a estender-se em imensas várzeas inundáveis. Um número médio de 76 várzeas cultiváveis tem sido identificadas, das quais apenas 8 são consideradas "grandes", sendo que seus trechos variam de 1.200 a 8.600 ha e possuem área bruta arável aproximada de 36.000 ha. As demais 68 várzeas menores estão localizadas especialmente rio acima de Propriá e varia em tamanho entre 5 a 300 ha (CODEVASF, 1976a, p. 8).
Fonte: CODEVASF, 1976a
Figura 5
Mapa de localização das 76 várzeas identificadas no Plano Diretor do Baixo São Franscico.
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Para compensar os efeitos negativos que a mudança no regime hidrológico do São Francisco traria para o sistema de produção das várzeas, o Banco Mundial vinculou a concessão de fundos para ampliação da Usina de Paulo Afonso à preparação de um Programa de Emergência para a proteção das várzeas do Baixo São Francisco; ele visava a resguardar os produtores dos prejuízos a que se veriam submetidos através da construção de diques às margens do São Francisco, além de gigantescas Estações de Bombeamento. Daí foram implantados os projetos nas várzeas inundáveis de Propriá, Cotinguiba-Pindoba e Betume, contemplando os municípios de Propriá, Telha, Cedro de São João, Japoatã, Neópolis e Ilha das Flores. Segundo BARROS (1985), a população dessas várzeas foi estimada em cerca de 88.000 habitantes, distribuídos em pequenas cidades e nas áreas rurais adjacentes. A várzea de Propriá, por exemplo, chegou a abrigar um contingente demográfico quase dez vezes superior à média do Nordeste, para o ano de 1970, ou seja, 174 hab/km². A promessa da CODEVASF de implantar, até 1985, cerca de 120 mil ha de áreas irrigadas e proporcionar 100 mil empregos diretos, entre outros benefícios (BRASIL, 1982) não se concretizou, obrigando à reformulação e ampliação do projeto inicial. O passo seguinte foi a desapropriação das várzeas, pois um pequeno número de proprietários detinha cerca de 90% dessas terras, o que os levaria à concentração dos benefícios do projetos. Mas, os problemas decorrentes das desapropriações feitas entre 1975 e 1980 ocasionaram desemprego de um contingente estimado em 10.100 famílias, das quais 2.800 eram pequenos proprietários e 7.300 trabalhadores não proprietários (inclusive pescadores), conforme é relatado na referência citada por BARROS. Atualmente, tais projetos passam por uma fase de autonomia dos perímetros, sendo administrados por Associações de Produtores e supervisionados pela CODEVASF, mas os benefícios gerados são compartilhados com um número reduzido de produtores, além do fato de a maioria não ser da região. O programa emergencial, juntamente com a construção de grandes barragens ao longo do rio São Francisco, ao provocar alterações no ciclo do rio, gerou grandes problemas para a região à jusante das barragens, a exemplo dos recursos pesqueiros. A migração reprodutiva dos peixes (Piracema) foi prejudicada drasticamente pelos barramentos, havendo também a transformação de ambientes lóticos em lênticos (modificando a estrutura das comunidades aquáticas), reduzindo acentuadamente as cheias à jusante das barragens, impedindo a inundação das várzeas (lagoas marginais) e, conseqüentemente, o transporte de ovos, larvas e de pequenos peixes nesses ambientes. Além disso, a construção de diques ao longo de trechos tributários, para proteção de projetos de irrigação, bem como de cidades ribeirinhas contra enchentes, também impede o acesso de ovos e larvas de peixes pequenos a muitas várzeas, reduzindo o recrutamento (entrada de novos indivíduos na população adulta) e, conseqüentemente, diminuindo a produção de pescado. A migração é um adaptação dos peixes às condições ambientais da água, permitindolhes ao mesmo tempo aproveitar a abundante fonte de alimento disponível sazonalmente em diferentes locais. Os peixes necessitam de condições ambientais específicas para se reproduzirem. Sua alimentação, crescimento e proteção dependem também de certas condições, nem sempre encontradas num mesmo habitat. Migrando, eles podem usufruir dos benefícios da época da cheia e fugir temporariamente das desvantagens da seca (BITTENCOURT & COXFERNANDES, 1997). O desaparecimento de grande parte das várzeas inundáveis alterou o sistema pesqueiro do Baixo São Francisco, pois em tais áreas, durante o ciclo cheia/vazante/seca, ocorrem mudanças extremas na composição química da água e na produção primária. Por ocasião das cheias são carreados sedimentos orgânicos e inorgânicos para o leito do rio. São áreas sujeitas à alternância constante de períodos de inundação e seca. 82
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Quando as águas sobem, facilitam aos peixes o acesso a áreas onde encontram alimento, e, quando descem, impedem esse trânsito. Na vazante, muitos peixes deixam as várzeas, após se alimentarem fartamente durante a cheia e dirigem-se para a calha principal do rio, nessa época com um teor de oxigênio dissolvido mais alto que as várzeas. O oxigênio pode ser outro fator determinante desses movimentos migratórios, mas há outras condições que os estimulam e que são desencadeadas pelo ciclo de enchentes, que são as migrações de desova. Uma das vantagens que os peixes desfrutam ao desovar no período das enchentes é que estas aumentam o espaço disponível, diminuindo a predação e, com as áreas de várzeas alagadas, proporcionam maior oferta de alimentos para a prole. Locais de desova rio acima permitem que os ovos sejam transportados pela correnteza, em direção às áreas inundadas e possam ali se desenvolver (Idem). De um modo geral, as espécies que realizam a migração reprodutiva (reofílicas) retornam imediatamente à várzea após a desova, para refazerem suas energias. É nessa época que as várzeas oferecem maior variedade de alimentos associados a macrófitas aquáticas, insetos, frutas, sementes, detritos orgânicos. Esses ambientes de várzea funcionam como local de berçário e de alimentação para a ictiofauna, daí a importância de sua preservação, principalmente para quem faz da pesca sua profissão, pois a eliminação de tais áreas reflete diretamente no cotidiano do pescador. Conforme reconhece a própria CODEVASF (1976b, p .18): ... os peixes e mariscos dos pântanos das várzeas são fontes de proteína importantes nas dietas de seus residentes e constituem também fonte de alimentação e renda para muitos pescadores. A eliminação das inundações das várzeas totalmente desenvolvidas faria decrescer a produção anual de peixes de água doce para aproximadamente 300 toneladas, sendo que a produção atual é estimada em 1.150 toneladas. No período de 1975/76, para compensação dos prejuízos à pesca decorrentes do referido Projeto, a CODEVASF apresentou ao Banco Mundial um Programa de Pesca como componente do Projeto de Emergência dos Polders do Baixo São Francisco (CODEVASF, 1981). Os elementos básicos na produção de peixes seriam os viveiros artificiais e naturais, destinados à produção de espécies nativas de peixe de rápido crescimento. Para isso, foram instaladas, em Itiúba e Betume, Estações de Piscicultura com capacidade de produção de 5,5 milhões de alevinos, destinados ao repovoamento do rio São Francisco. Conforme já abordamos no capítulo anterior, tais Estações operavam com deficiência; elas vieram apresentar maior eficiência nos dias atuais. A tentativa da CODEVASF de implantar projetos de irrigação na Várzea da Marituba/ AL foi motivo de conflito entre os pescadores e o poder público, ocasionando a desistência do intento por parte da CODEVASF. Tal fato foi estudado por SILVA (1990) e MARQUES (1995), que abordaram de uma forma interdisciplinar a diversidade ecológica e sociocultural da Várzea, fornecendo subsídios à população para defesa de "seu lugar". Para o Presidente do 4º Distrito do Perímetro Irrigado de Propriá, a saída da CODEVASF da administração direta do projeto deu mais agilidade e eficiência na solução dos problemas dos perímetros irrigados, os quais são administrados atualmente por associações de produtores. Toda autonomia é dada ao comitê do perímetro, o qual aglutina as associações. Cabe à CODEVASF apenas a fiscalização e a manutenção de um determinado número de funcionários, visto que a assessoria técnica passou a ser prestada pela Empresa de Desenvolvimento Agropecuário de Sergipe - EMDAGRO. A produção do arroz realmente apresentou melhor desempenho, principalmente depois da reabertura da Usina de 83
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Beneficiamento de Arroz de Betume, propiciando melhores condições de comercialização do produto. No que se refere à pesca nesses perímetros, os resultados não se apresentam animadores. A unidade de filetagem e processamento de peixe instalada dentro do perímetro irrigado, além de encontrar-se ainda sem autorização do Serviço de Inspeção Estadual (SIE) para funcionamento, defronta-se com a falta de matéria-prima, ou seja, do peixe. A aquisição de pescado de outras áreas está inviabilizando a sustentabilidade econômica do projeto. Portanto, vimos que tanto a política de energia quanto a de irrigação implementadas no Baixo São Francisco trouxeram conseqüências danosas para a pesca. Mais uma vez não estamos ignorando os efeitos positivos de tais políticas para a sociedade, mas, no caso do Baixo São Francisco, não identificamos tantos benefícios. Assistimos, por mais de 20 anos, aos insucessos dos projetos de irrigação implantados no Baixo São Francisco, através da CODEVASF. A produção de energia através do aproveitamento do rio São Francisco ainda não atende à demanda necessária e corre o perigo de ser privatizada, dificultando ainda mais uma gestão participativa de tal bacia. Nesse contexto insere-se a pequena pesca, como um segmento de menor importância (marginalizado) e sujeito a todos os impactos decorrentes de projetos ou programas a serem implantados, às custas da exploração do Velho Chico. Desse modo, para o entendimento das conseqüências dessas políticas no cotidiano dos pescadores do Baixo São Francisco, apresentaremos no próximo capítulo a pesquisa realizada no Município de Amparo do São Francisco. O material apresentado a seguir é rico em depoimentos e fotografias como instrumentos possíveis de aproximar o leitor da realidade pesqueira local, facilitando, portanto, a elaboração de suas próprias conclusões.
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PESCA E PESCADORES DO BAIXO SÃO FRANCISCO
O pescador daqui quando chega da pescaria é com uma ruma de rede em cima do barco cheia de bagaço e quase nada de pexe.O que tá salvando a gente é as frente de trabaio. Se num tivesse as barrage e se num tivesse tido o desmatamento de baixo e de cima do rio, eu acho que todo o ano o rio inchia. Tiraro muita sombra do beiço do rio, resseca muito e os pau num chora água, num tem sombra, aí dá uma base toda descampinada (Seu Pitu, 44 anos).
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A construção de grandes represas no Médio e Baixo São Francisco, conjugada às obras do Programa de Desenvolvimento das Várzeas, responde por profundas alterações no ecossistema original do Baixo São Francisco. Isso, sem dúvida, tem repercussões significativas sobre a renda e qualidade de vida de sua população. O ônus dessas transformações é sentido pelos pescadores. O espaço de trabalho dessa categoria foi desestruturado, o que implicou alteração de seus hábitos e modo de vida, vinculados tradicionalmente ao rio. Tal cultura se rege pela produção e transmissão de um conhecimento que permite a reprodução da atividade da pesca em determinado lugar. Para aproximação desse conhecimento, temos que considerar, não só o contexto em que está inserida a atividade pesqueira, mas também as relações dos pescadores entre si e com a natureza no processo de transformação. Entender o modo de vida de uma comunidade pesqueira, a exemplo de Amparo do São Francisco, é importante para saber como determinados grupos ou povos vêem o mundo onde vivem, quais os valores que afetam sua ação e como influenciam as instituições. Para qualquer lugar ou povo, no entender de TUAN (1983), as respostas a essas questões dependem parcialmente da história, das características de seus habitantes, e, em parte, de como eles interagem em seus arredores. Um olhar descobridor permite apreender o essencial, o nãoaparente, o invisível, desvendando os significados mais profundos das ações cotidianas e rotineiras do pescador: É uma mistura singular de vistas, sons e cheiros, uma harmonia ímpar de ritmos naturais e artificiais, como a hora do sol nascer e se por, de trabalhar e brincar. Sentir um lugar é registrado pelos nossos músculos e ossos. (op. cit., p. 203) Esse conhecimento preenche a lacuna científica entre quem utiliza os recursos do meio natural, os planificadores e demais atores que decidem, modificam e regulamentam o uso desse meio ambiente. Em suas políticas, muitas vezes não consideram a percepção, as atitudes, os valores de tais grupos, mesmo quando estes são os reais implementadores de mudanças ambientais. Determinados cientistas não valorizam a percepção que as pessoas têm do seu meio ambiente por considerarem banal ou óbvio o cotidiano enquanto objeto de análise. No caso do Baixo São Francisco, onde existem poucas pesquisas, o conhecimento do pescador é bastante importante, conforme comprova o seguinte depoimento: Hoje qualquer pesquisa na área de pesca no Baixo São Francisco tem que se trabalhar com o pescador pois não se tem dados e informações científicas e só o pescador detém esse saber (Entrevista com Presidente da Associação de Engenheiros de Pesca de Sergipe, out. 1998) Apesar de a maioria das pesquisas priorizar os dados quantitativos, atualmente já identificamos um significativo número de estudos em que a participação da população é contemplada. Porém, considerar essas informações e implementar ações de planejamento ainda se constitui um desafio para os pesquisadores, tendo em vista o modelo centralizador do desenvolvimento brasileiro . 4.1 O LUGAR: AMPARO DO SÃO FRANCISCO O Velho Chico está envolto em um mundo de alterações, nas quais o sujeito do lugar estava submetido a uma convivência longa e repetida com os mesmos objetos, os mesmos trajetos, as mesmas imagens de cuja constituição participava. A história da comunidade e do
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lugar proporcionava uma intimidade e identidade com o espaço determinado. A cooperação e conflito são a base da vida comum. A vida social se individualiza, a política se territorializa, com o confronto entre organização e espontaneidade (SANTOS, 1996, p.258) No ponto de vista de FEATHERSTONE (1995, p. 131), o senso de pertença, as experiências comuns sedimentadas e as formas de cultura que são associadas a um lugar, são fundamentais para o conceito de cultura local. Geralmente uma cultura local é percebida como uma particularidade, que é o oposto da global, porém se trata de um conceito relacional, uma vez que depende dos limites em torno de um determinado espaço. Para o entendimento da cultura local, do cotidiano vivido pelos pescadores de Amparo do São Francisco e suas relações com o rio São Francisco, necessário se faz o conhecimento da história do lugar. A apreensão da evolução do Município até os dias atuais torna-se importante para contextualizar o locus da pesquisa. A povoação de Amparo nasceu em terras de Propriá. Segundo SOUZA, K. (1995), nas terras que circundavam a povoação do Urubu de Baixo, havia inúmeras propriedades agrícolas, sendo uma das mais importantes a de Campinhos, cujo proprietário era o Capitão Antônio Rodrigues da Costa Dória. Em 1855, o fazendeiro, Sr. João da Cruz, recebeu uma herança familiar e adquiriu uma parte da fazenda Campinhos, construindo a primeira casa de morada. Após 8 anos no local, casa-se. Sua propriedade não tinha nome e ele a denomina de Amparo, agradecendo a Deus pelo fato daquelas terras serem seu amparo. Na mesma ocasião foi agraciado com a patente de Capitão da Guarda Nacional. Posteriormente construiu a Igreja de Nossa Senhora do Amparo. Em 1937, ficou fazendo parte de Canhoba, voltando à jurisdição de Propriá em 1947. Através da Lei n.º 585-A de 25.11.1953, converteu-se em cidade e Sede do Município, desmembrando-se definitivamente de Propriá. O município de Amparo do São Francisco está inserido na microrregião de Propriá. Localiza-se à margem do rio São Francisco, limitando-se geograficamente com os municípios de Telha , Canhoba e com o rio São Francisco (Figura 6). Apresenta um área de 39,8 km² e encontra-se a 116 km de Aracaju, através da SE-200 e BR-101 (SEPLANTEC/IBGE, 1997).
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Fonte: IBGE, 1985.
Figura 6 Mapa de localização e delimitação do Município de Amparo do São Francisco.
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De sua origem, no princípio do século XVII, ao final da década de 50 e início da década de 60, no século XX, essa microrregião foi marcada pelo dinamismo e pela prosperidade, exercendo grande influência econômica e política sobre os demais municípios do Baixo São Francisco (ARAGÃO, 1997). O destaque dessa microrregião era o cultivo do arroz e a pesca de subsistência (esta será tratada de maneira detalhada mais adiante). As fábricas de beneficiamento de arroz, tecidos, calçados, bebidas, faziam da cidade de Propriá a segunda economia do Estado, perdendo apenas para a capital, Aracaju. A partir da década de 60, toda a microrregião de Propriá, inclusive Amparo do São Francisco, começou uma fase de decadência, devido à queda na produção agrícola, levando as indústrias ao fechamento. Na década de 70, outros fatores influenciaram na decadência de Propriá e áreas circunvizinhas, como a construção da ponte sobre o rio São Francisco, que tirou de Propriá sua função de transbordo. Outro fator que trouxe mudanças significativas na região foi a intervenção governamental através da CODEVASF (ARAGÃO,1997). Como já foi apresentado no item que trata da política de irrigação, a atuação da CODEVASF na implantação do Programa Aproveitamento das Várzeas Inundáveis alterou profundamente a estrutura fundiária da região e a relação de trabalho. A interrupção do processo produtivo nas principais várzeas, trouxe prejuízos para quem as explorava, a exemplo do cultivo do arroz e da pesca. Esse foi o caso dos pescadores e agricultores de Amparo do São Francisco. Conforme dados da SEPLANTEC/IBGE (1997), a população de Amparo do São Francisco é formada por 1.994 habitantes. Deste contingente, 1.132 estão localizados na zona urbana e 862 na rural. O município tem 278 residências na área urbana e 203 na rural, totalizando 481 domicílios, registrando uma média de 4 pessoas por moradia. A estrutura da população, por gênero, apresenta 1001 homens e 993 mulheres, o que indica uma proporção ligeiramente equilibrada entre os sexos, sinalizando para a insignificante emigração local; assim, a taxa de crescimento se manteve praticamente estável no período de 1980 a 1996. Em relação à faixa etária dos residentes, Amparo apresenta um pouco mais da metade (55%) da população formada por menores de 19 anos, seguindo-se as faixas de 20 a 49 e 50 a 79, obtendo os percentuais de 30% e 15%, respectivamente. Segundo RAFFESTIN (1993), essa população, além de se constituir em um conjunto finito de seres humanos, representa um recurso por meio do qual o Estado ou qualquer tipo de organização procura exercer o seu poder, o seu domínio, através do recenseamento. Esse instrumento de controle é ambíguo, pois pode ser usado para intervenções tanto positivas quanto negativas, inclusive estabelecendo relações simétricas e dissimétricas com a população. Conhecendo a extensão desse recurso, o Estado pode realizar uma distribuição equilibrada no território e incrementar novos arranjos, remodelando o mapa de distribuição de uma população. Porém, salienta o caráter ambivalente da população: A população é concebida como um recurso, um trunfo, portanto, mas também como um elemento atuante. A população é mesmo o fundamento e a fonte de todos os atores sociais, de todas as organizações. Sem dúvida é um recurso, mas também um entreve no jogo relacional. (...). Outra ambivalência da população é o fato de ela não ser sempre um recurso. Pode também ser um não-recurso. (...). É a contabilidade dos homens e das coisas, é o domínio pelo número, a posse pelos símbolos (p. 67-69).
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O Município conta com cinco escolas de primeiro grau e uma de segundo, além de Posto Médico, Agência Postal, Delegacia de Polícia, Mini Mercadinho e uma Associação de Moradores (Figuras 7, 8, 9, 10, 11, 12, 13 e 14). A maioria das residências tem abastecimento de água da Companhia de Saneamento de Sergipe (DESO), captada no rio São Francisco e purificada na Estação de Tratamento local. O sistema de esgotamento sanitário é restrito a poucas fossas sépticas e o serviço de limpeza pública é prestado através de varrição das ruas, sendo o lixo transportado por carroças e depositado a céu aberto, em terrenos baldios.
Figura 7
Aspectos da entrada da sede de Amparo do São Francisco. Out/98 (VOC)
Figura 8
Praça central de Amparo, onde se aglomera a população após a missa e durante as comemorações da festa da padroeira, realizada na Igreja Católica. Set/98 (VOCR).
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Figura 9
Câmara de Vereadores em sessão quinzenal. Nov/98 (VOCR)
Figura10
Sede da Prefeitura de Amparo do São Francisco. Set/98 (VOCR)
Figura 11 Escola de 2° grau situada na sede de Amparo do São Francisco. Set/98 (VOCR)
Figura 12 Agência dos Correios local. Set/98 (VOCR)
Figura 13 Posto Médico municipalizado. FNS/Prefeitura. Set/98 (VOCR)
Figura 14 "O Barateiro", mercadinho que supre a demanda local. Set/98 (VOCR). 91
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O Município apresenta 518 pessoas ocupadas com alguma atividade profissional. Desse total, 309 exercem atividades relacionadas à agropecuária e ao extrativismo vegetal e pesqueiro, sendo 264 homens e 45 mulheres. O restante exerce ocupações em menores proporções, como construção civil, comércio, transporte, prestação de serviços, 263 pessoas se dedicam à atividade por conta própria, 201 são aposentadas e há 9 pensionistas (SEPLANTEC/IBGE, 1997). Analisando esses dados, percebe-se que o segmento ativo (mãode-obra ocupada) representa apenas 25,9% da população total. Tal índice permite deduzir que a economia do município é mantida com os recursos da quarta parte da população, além da circulação do dinheiro proveniente dos benefícios dos aposentados e pensionistas, que juntos representam 10,5% da população local. Para uma população formada por uma maioria de jovens menores de 19 anos, a falta de alternativas de trabalho apresenta-se como um fator preocupante, podendo vir a desequilibrar ainda mais a atual relação ocupado/desocupado. A renda média da população é menor que um salário mínimo. O impressionante é a elevação do número de funcionários da administração pública, que de 164 servidores, em 1991, ligados ao Município, Estado e à União, subiu para 284, em 1996, só na Administração Municipal. Isso demonstra a continuação da prática política do empreguismo, tão presente nas regiões do interior do Nordeste. Segundo a última fonte citada, comparando-se dados estatísticos sobre a utilização da terra (período de 1980 a 1996), observa-se nas duas datas a permanência da mesma área total (4.023 ha) ocupada com lavouras, pastagens naturais, florestas e terras em descanso. Porém, quando analisada cada área em particular, detectamos uma significativa redução da área ocupada por lavouras (240 para 143 ha), seguindo-se de pequena redução da área de pastagem (3.492 para 3.321 ha). Essa redução justifica a acentuada ampliação das terras classificadas como "terras em descanso" (ou produtivas e não utilizadas) que de 56 ha que ocupava em 1980, passou para 186 ha em 1996. Esses dados de diminuição das áreas de lavouras e pastagens, em detrimento das terras em descanso, sinaliza para a redução nas alternativas agrícolas para a população local. Antigamente utilizavam tais áreas para o plantio de arroz e outras culturas ou atividades, facilitadas pelo acesso das águas do Velho Chico. A produção de arroz, em 1985, ocupava uma área de 200 hectares, com uma produção de 440 toneladas. Em 1994, esta área estava reduzida a 50 hectares, obtendo uma produção de 140 toneladas/ano. No mesmo período, o milho também apresentou uma redução de área, passando de 150 para 110 hectares, reduzindo a produção de 180 para 112 toneladas/ano. Percebe-se nitidamente que a redução de tais áreas está relacionada à atuação da CODEVASF, pois além de alterar as áreas propícias ao plantio do arroz (várzeas), eliminou autênticos berçários de peixes, conforme já comentamos no capítulo 3. Os dados apresentados comprovam a predominância da atividade primária no Município e permite supor que houve redução de alternativas de trabalho para uma população que se manteve praticamente estável nos últimos 15 anos. Tal fato implica, portanto, a falta de ocupação.
4.1.1
Áreas de Pesca e Povoados
Quanto ao espaço, a primeira constatação em Amparo do São Francisco é que a superfície do rio não é a mesma para os banhistas e para os pescadores. Ao associar sentimento com lugar, o que TUAN (1980) denomina de topofilia, ele conclui que o visitante e o nativo focalizam aspectos bem diferentes no meio ambiente: Em geral, podemos dizer que somente o visitante (e especialmente o turista) tem um ponto de vista; sua percepção freqüentemente se reduz a usar os seus olhos para 92
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compor quadros. Ao contrário, o nativo tem uma atitude complexa derivada da sua imersão na totalidade de seu meio ambiente. O ponto de vista do visitante, por ser simples, é facilmente enunciado. A confrontação com a novidade, também pode leválo a manifestar-se. Por outro lado, a atitude complexa do nativo somente pode ser expressa com dificuldade e indiretamente através do comportamento, da tradição local, conhecimento e mito (p. 72). A presença do rio São Francisco em Amparo do São Francisco é marcante, o que motivou sua inclusão no roteiro de peregrinação ao Velho Chico, coordenada pelo Frei Luiz F. Cappio, em 1993 (CAPPIO et al., 1995). Para o pescador, o rio está dividido em áreas de pesca e pontos de embarques/desembarques do pescado, localizados na sede do município e nos povoados de São José, Lagoa Seca e Crioulo (Figuras 15, 16, 17 e 18).
Figura 15 Local de embarque e desembarque de pescado na sede de Amparo. 1995. Jul/98 (VOCR)
Figura 16 Local de embarque e desembarque de pescado, no povoado São José, onde o acesso ao rio exige atalhos até as zonas baixas. Ago/98 (VOCR)
Figura 17
Figura 18 Local de embarque e desembarque no povoado Crioulo. A localização do povoado (bastante inclinação) exige certo esforço no transporte dos apetrechos de pesca até o rio. Ago/98 (VOCR)
Local de embarque e desembarque, no povoado Lagoa Seca, apresentando um reduzido contingente de pescadores. Ago/98 (VOCR)
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Os pescadores vêm produzindo, ao longo do tempo, uma forma de organização do espaço bastante singular, fundada numa relação íntima e direta com a natureza. O rio além de ser o "locus" da atividade pesqueira, representa a fonte básica de reprodução da profissão através da extração e do uso de seus recursos. Na concepção de SANTOS (1996), o valor real de cada recurso está relacionado à sua localização. Seu efetivo valor é dado pelo lugar em que se manifesta: Recurso é toda possibilidade, material ou não, de ação oferecida aos homens (indivíduos, empresas, instituições). Recursos são coisas, naturais ou artificiais, relações compulsórias ou espontâneas, idéias, sentimentos, valores. É a partir da distribuição desses dados que os homens vão mudando a si mesmos e ao seu entorno. (...). Mas, de fato, nenhum recurso tem, por si mesmo, um valor absoluto, seja ele um estoque de produtos, de população, de empregos ou de inovações, ou uma soma de dinheiro. O valor real de cada um não depende de sua existência separada, mas de sua qualificação geográfica, isto é, da significação conjunta que todos e cada qual obtêm pelo fato de participar de um lugar (p. 106). Os povoados de São José e Crioulo foram indicados pelos primeiros entrevistados como os lugares mais representativos da atividade pesqueira do município. Em ambos a pesca ainda persiste como atividade principal, apesar das dificuldades enfrentadas em sua prática diária. São José e Crioulo, a exemplo da sede de Amparo, estão localizados às margens do São Francisco, em relevos do tipo colina. Tais áreas apresentam relevo e solo sem aptidão para silvicultura ou lavoura (SEPLANTEC/IBGE, 1997); talvez esse fato justifique o desinteresse pela exploração econômica dessas áreas, por parte dos latifundiários locais e/ou do poder público. Provavelmente, a falta de interesse mencionada influenciou na formação desses povoados pesqueiros, na medida em que facilitou a ocupação residencial por parte desse segmento, reproduzindo assim as diferenças sociais. Esta forma de segregação residencial é citada por CORREA (1988) como a segregação de grupos sociais cujas opções de como e onde morar são pequenas ou nulas. É na produção da favela, em terrenos públicos ou privados invadidos, que os grupos excluídos tornam-se, efetivamente, agentes modeladores, produzindo seu próprio espaço, na maioria dos casos independentemente e a despeito dos outros agentes. A produção deste espaço é, antes de mais nada, uma forma de resistência e, ao mesmo tempo, uma estratégia de sobrevivência (Op. cit. p. 28) São José (Figuras 19 e 20) está localizado a menos de 1 quilômetro da sede de Amparo, separado apenas por uma antiga várzea. Tem cerca de 70 residências, sendo a maioria de alvenaria, com água tratada e energia elétrica. Dispõe de uma escola de 1º grau, uma igreja católica e um agente comunitário de saúde. A demanda de transporte de doentes é suprida, em parte, pela Prefeitura local. O acesso é fácil, com calçamento. A concentração urbana situase na "barranca"do rio, exigindo esforço físico no deslocamento até o atracadouro de pesca local (Figura 16). Este declive acarreta dificuldade no que se refere ao transporte dos equipamentos de pesca, do "rancho" (alimentação, isca, combustível para iluminação) e da produção pesqueira, para aproximadamente 60 pescadores locais.
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Figura 19 A Igreja do Povoado de São José, destacando-se ao fundo o Velho Chico. Set/98 (VOCR).
Figura 20 A simplicidade das moradias de alvenaria e taipa na entrada do povoado São José. Set/98 (VOCR)
O Povoado Crioulo (Figuras 21 e 22) tem, aproximadamente, 40 residências, servidas com energia elétrica. A água do rio São Francisco é utilizada diretamente (sem tratamento) para todos os usos. A única escola de 1ºgrau existente encontra-se em péssimas condições. Situa-se a cerca de 6 quilômetros da sede de Amparo e o acesso é através de estrada carroçável. O estado das residências (taipa) é mais precário que o de São José. As condições de acesso ao rio são semelhantes às de São José, apresentando a mesma dificuldade no deslocamento ao ponto de embarque e desembarque, por parte do grupo pesqueiro local. Este tem em torno de 30 pescadores.
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Figura 21 Condições precárias da única escola do povoado Crioulo, apresentando problema de ventilação, entre outros. Set/98 (VOCR)
Figura 22 Aglomerado de moradias no povoado Crioulo, com definição de propriedades (cercas) para fins agrícolas e/ou habitacionais. Set/98 (VOCR).
4.2 O QUADRO DA PESCA LOCAL Do universo populacional de Amparo do São Francisco, não se tem um número oficial dos que se dedicam à pesca. Porém, através dos contatos e das entrevistas durante a pesquisa de campo, podemos supor que o número de pescadores existentes em Amparo do São Francisco seja de aproximadamente 200. Apesar das dificuldades enfrentadas, atualmente, pela atividade pesqueira local (aprofundaremos este assunto mais adiante), a pesca tem exercido um papel determinante na memória social.
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A pesca local é praticada com pequenas embarcações, geralmente equipadas com artes de pesca para a captura de curimatã-pacu/xira/bambá (Prochilodus marggravii), curimatãcomum (Prochilodus vimboides), piau-verdadeiro (Leporinus elongatus), piau (Leporinus spp.), traíra (Hoplias malabaricus), piranha (Serrasalmus piraya), pirambeba (Serrasalmus brandtii), tilápia (Oreochromis spp.), tucunaré (Cichla ocellaris), sarapó (Sternopygus macrusus) e a pilombeta (Anchoviella spp.). Em menor escala mandim (Pimelodus spp.), surubim (Pseudoplatystoma spp.), matrinchão (Brycon lundii), dourado (Salminus brasiliensis), tubarana (Salminus hilarii), robalo (Centropomus spp.) e tambaqui (Colossoma macropomum).
Figura 23 Espécies ainda capturadas em Amparo do São Francisco (piranha, tucunaré, piau e robalo). Ago/98 (VOCR)
A maioria dos pescadores de Amparo tem seu instrumento de trabalho adquirido com recursos próprios. Geralmente são barcos medindo de 5 a 8 metros, movidos à vela de pano, onde transportam redes de emalhar (fixa e à deriva), groseira, além dos covos para captura do camarão e do pitu. Os covos são confeccionados pelos próprios pescadores ou seus filhos, utilizando material local, a exemplo do marmeleiro (Croton sonderianus) e outros (taboca ou cipó). Muitas vezes, por falta de condições financeiras para substituição do pano da vela, eles utilizam sacos de nylon (Figura 24), que apesar de serem baratos, só resistem ao vento por, aproximadamente, 3 semanas. As embarcações são construídas na própria região, porém as redes são compradas já prontas, em Propriá, por serem mais baratas do que a confecção. Geralmente a beira do rio é utilizada para manutenção das embarcações, como também para lavagem do pescado, devido à inexistência de infra-estrutura própria (Figuras 25 e 26 ).
Figura 24 Barco com vela confeccionada com sacos de nylon, devido às dificuldades financeiras enfrentadas pelo pescador, dificultando a aquisição do material adequado. Out/98 (VOCR)
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Figura 25 A beira do rio como local de apoio à atividade pesqueira, no conserto, na pintura e manutenção de embarcações. Out/98 (VOCR)
Figura 26 As águas do São Francisco utilizadas no asseio do pescado. Out/98 (VOCR).
A Produção squeira local destina-se geralmente à subsistência, porém existe a presença não regular de dois "cambistas" (intermediários) que compram o excedente da pescaria desembarcado em Amparo para revender em Propriá. Ambos praticam outras atividades informais, porque a pesca não lhes dá lucro algum. Alguns pescadores, quando conseguem uma captura melhor, seguem para São Brás ou Propriá, para vender no mercado local a preços melhores que os pagos pelos atravessadores.
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4.2.1 Artes de Pesca Na rotina profissional do pescador, o uso de diversos apetrechos de pesca demonstra grande habilidade e conhecimento da natureza, como veremos a seguir. a) O Covo
Figura 27 Pescador lançando covos, seguido-se detalhamento do equipamento. Ilustrações: Ivan Coutinho Ramos
O covo é uma estrutura cilíndrica formada de taliscas de madeira, tabocas ou bambu, presos a arcos de cipó por fibras vegetais ou outros tipos de barbantes e até arame (Figura 28). O espaçamento entre as taliscas varia de 1 a 2 cm, conforme a espécie a ser capturada. Tem uma das extremidades fechadas e na outra situa-se a sanga, dispositivo cônico com uma pequena abertura que permite a entrada de camarões/pitus e, pela sua forma e situação, dificulta a saída. Para facilitar a localização e a despesca, os covos são presos entre si, mantendo uma distância que varia de 3 a 6 m, formando o que se pode chamar de espinhel ou linha. São colocados em áreas de águas calmas, próximos a raízes, galhos, pedras, nas margens do rio, em profundidade nunca superior a 1,5 m.
Figura 28 Confecção artesanal de covos pelo próprio pescador, utilizando material próprio da região. Out/98 (VOCR)
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covo:
Na fala do pescador Seu Odair (*), percebe-se o domínio de "segredos" no uso do A pesca do camarão é feita butando os covo dento dágua, com isca. A isca é pó de arroiz queimado, mói e faz o bolozinho e assa. Aí cheira e a gente bota dento do covo e o camarão entra prá comê. Os covo a gente bota dento desse cabelo e vai colocando aí prá cima do rio. A gente já colocou o côco dentro do covo mas o Piauzinho vem e come, é mais ruim. Prá butá o covo você tem que butá uma bóia, uma garrafa dessa de guaraná, alí é a marca. O covo a gente bota sempre pela manhã e na otra manhã você despesca, bota o bolo e deixa lá. Vai despescá de novo depois de 24 horas. Agora, o pescador burro deixa os covo no mesmo lugá. Se você despescá pela manhã e deixá os covos no mesmo lugá, ele não dá como no primeiro dia. Você vai despescá e vai butando os covo dento do barco, nem que você tire daqui e bote alí, porque tem que mudá o lugá, porque naquela região o pescador já catou o pouco que tinha alí. Aí tem que butá num lugá mais afastado, mas o pescador burro já é diferente.
b) A Rede de Emalhar
Figura 29 Pescador operando rede de emalhar como cerco parcial. (ICR)
A rede de emalhar é um apetrecho de uso muito amplo em todo o mundo e mantém um padrão de confecção com pequenas adaptações, conforme exigências de cada espécie alvo da captura e do ambiente onde é empregada. Pode ser utilizada em vários métodos de pesca, tais como: cerco (parcial e total), superfície (fixa e à deriva), fundo (fixa e à deriva) e meia água (fixa e à deriva), como mostram as figuras 29, 30, 31, e 32. É confeccionada com nylon (monofilamento ou multifilamento), com comprimento de malha que vai de 20 mm a 400 mm e altura de acordo com o ambiente.
¹ Pescador que pesca desde os 12 anos, tornou-se informante-chave pela riqueza de detalhes em sua "falação" sobre a pesca em Amparo; por isso suas declarações aqui são freqüentes.
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Em Amparo de São Francisco, é empregada para captura de espécies como: curimatã-pacu (Prochilodus marggravii), tubarana (Salminus hilarii), piranha (Serrasalmus piraya) e até piau (Leporinus spp.) e tilápia (Oreochromis sp.) de porte acima da média. Seu uso é quase sempre em águas com profundidade de até 4,0 m, em áreas de pouca correnteza e de maneira fixa. Atualmente, dada a ausência de turbidez das águas do rio São Francisco, esta rede é mais utilizada à noite, de maneira fixa, colada ao fundo e no cerco de coroas.
Figura 30 Rede de emalhar utilizada como cerco total, em função da disponibilidade de redes. (ICR)
Figura 31 Rede de emalhar de superfície, utilizada normalmente à deriva ou ancorada em uma extremidade, para captura de peixes de superfície. (ICR)
Figura 32 Rede de emalhar de fundo, destinada à captura de peixes de profundidade. (ICR)
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Figura 33 Detalhes técnicos da rede de emalhar (ICR)
c) Linha de Mão
Figura 34 Pescador utilizando a linha de mão, com o auxílio da canoa. (ICR)
A linha de mão é constituída de uma linha de nylon (monofilamento) ou torcida, denominada linha principal. Nesta são fixadas linhas menores com anzóis. Como forma de manter os anzóis próximos ao fundo do rio, é utilizada uma chumbada de cerca de 300 g. O pescador usa a canoa como base para operar a linha, em profundidades superiores a 2 m. As espécies mais capturadas são: traíra (Hoplias malabaricus), piranha (Serrasalmus piraya), tucunaré (Cichla ocellaris) etc. d) Groseira
Figura 35 Groseira (espinhel), com detalhamento do anzol, utilizada próxima ao fundo para captura de espécies predominantemente carnívoras. (ICR) 102
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A groseira é um equipamento confeccionado em nylon torcido e às vezes em fibra vegetal, constituído de uma linha principal ou linha madre e tem a função de suporte das demais (linha de anzol ou impu) que atuam verticalmente. A linha principal é sempre de um diâmetro maior que as linhas de anzóis. As groseiras empregadas no baixo São Francisco apresentam a linha com diâmetro de 5 mm e as linhas de anzóis ou impu com 2 a 4 mm de diâmetro. Os anzóis mais usados são os de números 8, 9 e 10, dependendo das espécies alvos. Esse equipamento apresenta um comprimento que varia de 50 a 200 m de extensão; as linhas de anzol têm comprimentos que variam de 40 a 65 cm. Tais linhas são distribuídas ao longo da linha principal, a distâncias regulares, que vão de 1,50 a 2,10 m. Sua utilização é indicada em locais de águas calmas, próximos às margens, de preferência entre pedras, galhos e troncos submersos. Para seu lançamento é utilizada a canoa, podendo ser fixada uma extremidade à margem ou com fateixas (âncora) e uma bóia que serve de localização, ou a própria canoa. As espécies capturadas com a groseira são: piranha (Serrasalmus piraya), pirambeba (Serrasalmus brandtii), traíra (Hoplias malabaricus) e tucunaré (Cichla ocellaris).
e) Tarrafa
Figura 36 Pescador lançando uma tarrafa. Apetrecho historicamente utilizado no Baixo São Francisco, para captura de peixe de menor porte. (ICR)
A tarrafa é um apetrecho de arremesso que apreende o peixe por cobertura. Confeccionado em fio de nylon (mono/multifilamento) com crescimento do número de malhas a cada 3 círculos, aumenta uma malha em cada 6 no mesmo círculo. Esse processo é responsável pela forma circular da tarrafa quando lançada. Na borda do círculo, existe uma tralha colada no pano, contendo pequenas chumbadas que imprimem ao apetrecho um aprofundamento rápido, cobrindo e retendo os peixes entre a panagem e o fundo. Essa mesma tralha forma o saco que retém o pescado no processo de recolhimento. Existe uma grande variedade de tarrafas quanto ao tamanho, número de círculos, comprimento de malhas, diâmetro de fios, tipo de fio; elas são destinadas à captura de diversas espécies. O seu lançamento pode ser por terra ou de canoa, em locais de até 5 m de profundidade. Apresenta maiores índices de produtividade em ambientes pequenos, de águas calmas e pode capturar todas as espécies de peixes de pequeno e médio porte. Como é um equipamento de baixo custo, praticamente todo pescador possui pelo menos uma. Devido ao complexo processo de confecção da tarrafa, sua recuperação está restrita a poucos artífices locais. 103
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f) Cuvu
Figura 37 Pescador operando o cuvu. Esse equipamento opera de maneira seletiva e exige reflexos rápidos por parte de quem o utiliza. (ICR)
Figura 38 Detalhamento da confecção do cuvu (ICR). O Cuvu é um dos equipamentos de pesca mais primitivos ainda existentes e empregado em várias partes do mundo. Tem atuação limitadíssima, pois seu poder de captura está restrito ao reflexo e à visão do seu operador, além de ter como raio de ação apenas o diâmetro de sua boca, que nunca é superior a 0,7 m. É um equipamento que impõe ao pescador algum risco, à medida que, ao capturar um peixe, o pescador tem que retirá-lo, utilizando apenas a mão, podendo ocorrer acidente quando a captura é de piranha (Serrasalmus piraya), pirambeba (Serrasalmus brandtii) e traíra (Hoplias malabaricus). Toda a sua estrutura é de madeira, sendo revestido com taliscas de tabocas ou outros materiais e um espaçamento entre estas de 1 a 2 cm. As taliscas são fixadas a 2 ou 3 arcos de cipó por cipós de menor diâmetro. A abertura superior é menor que a inferior, sendo a primeira usada apenas para retirar o peixe e a inferior para cobrir o peixe no momento da captura. A respeito do uso do cuvu, o Seu Odair (43 anos) explica seu funcionamento: O pescador sai de noite e só presta no escuro, quando num tem lua. Aí vai clareando a água com o lampião e quando avista o pexe vai cobrindo com o cuvu e colocando a mão dento prá pegá o pexe. Isso é feito nas beradas do rio, pois o pexe tá durmindo no calmo e aí a gente pega com o cuvu. 104
Série meio ambiente debate, 39
Nessa relação pescador-rio, percebemos o domínio do espaço trabalhado, no qual o conhecimento dos fatores da natureza é marcante e possibilita o uso adequado dos equipamentos de trabalho, segundo os segredos e as "manhas" da natureza. DIEGUES (1995) ressalta a importância desse conhecimento, citando que a essência da pesca artesanal é o conjunto de conhecimento sobre meio-ambiente, as condições de marés, a identificação dos pesqueiros, o manejo dos instrumentos de pesca. Este conjunto de conhecimentos faz parte dos meios de produção dos pescadores artesanais (p. 250). O Seu Odair (43 anos) descreve, em vários depoimentos a seguir, alguns "segredos" para uma pesca eficiente, em que a praxis constrói uma "ciência" própria dos profissionais da pesca. A descrição da pesca do piau (Leporinus spp.) demonstra o domínio no manuseio do pescado até chegar ao ponto de captura: A gente cunhece os segredo do rio e as manha dos pexe. As manha depende das pescaria e depende da qualidade do pexe. A pescaria de piau na "poita", que é quando chega com um barco e apoita num pé de morro daquele. A isca é uma "curuca", que é um tipo de camarão que só se pega nas pedas. Só se pega ele no vôo, tem que mergulhá, levantá as pedas, botá a mão dibaxo e arrastá a isca. Então é o seguinte: Você ferra um piau, você pega com 70 a 80 metros de linha dento dágua, tem um peso que controla. Quando você faz assim, ele bate lá e você tá sabendo que ele tá topando no chão. Do peso pro anzol tem uma braça ou mais de nailo com um anzol lá na ponta, purque se você butá o peso perto do anzol o peixe vê o anzol, aí num pega a isca, entendeu? Aí você ferra um peixe desse de 3 quilos, então esse pexe pede mais uns 100 metros de rio abaxo e você tem que dá. Você não vai puxá sinão estora tudo. Aí ele vai lá pro meio do rio e volta e você continua puxando vagarinho. Na hora que endurece um pouquinho e você vê que vai estorá tudo, vai soltando os poquinho até o pexe cansá. Quando ele chega prá imbarcá, se você fô imbarcá com a mão, tem que tê esperteza. Se ele não vier de banda, não bote a mão purque perde todo o trabalho e ele pula prá fora do barco, mas se ele virou, aí pode butá a mão por baxo que agora ele não faz mais nada. Se vié o lombo prá cima como quem vai nadá, se botá a mão ele vai imbora, purque ele ainda não tá cansado, entendeu? Ele virando, você pode pegá por baxo com a otra mão e imbarcá. A captura do tucunaré (Cichla ocellaris) exige conhecimento de algumas"manhas", devido à sua valentia: O punaré (tucunaré) tem manha purque ele é muito valente. A gente pega com isca artificial que é mais fácio purque ele num vai engolí o pexinho. Aí você pode puxá que é seis anzó numa isca só, às vez 8,9 anzó numa isca só. Em tudo que ele agarra você pode puxá, só se fô um muito grande e a vara não aguentá, aí tem que dá corda, trabalhá o pexe prá ele imbarcá. Já a captura da xira (Prochilodus marggravii), além de habilidade, exige bastante paciência: Prá pegá uma xira de 4 quilos, você também não vai embarcá no vapt vupt. Você tem que vê como é que ela tá, inrrolá ela com a rede e fazê um jeito prá imbarcá purque se você deixá ela maiada só numa maia, ela tora. Quando ela vê a claridade e vê o barco, ela vupt e vai imbora. Tem que sabê, tá vendo ela lá, olhando a posição do barco prá ela não entrá por baxo e ir imbora. Tem muita manha. Se você vê o pexe e se afobá, você não pega nada.
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A pesca do pitu (Macrobachium carcinus) apresenta características diferentes, inclusive com uso de isca própria: Com a pesca do pitu é diferente, porque só dá mais em pé de morro, em beiradão fundo. Agora é o seguinte: você também num pode deixá um covo duas noites numa cama só, purque não pega no otro dia. A isca do pitu é diferente, aí já se compra um mocotó, um osso, um pexe pode, que bota lá dento do covo e despesca também com 24 horas. A vivência dos pescadores demonstra que o verão, o inverno, a lua e o vento são fatores que contribuem para a efetividade ou não da pescaria, conforme os seguintes depoimentos. Segundo Seu Pedro Rico (32 anos), a ausência da lua facilita a captura da traíra (Hoplias malabaricus): Aqui tem otra pescaria que é de lampião, prá pegá traíra. O pescador sai de noite e só presta no escuro, quando num tem lua, porque com a lua o pexe vê a rede e a noite escura ele num vê. Por outro lado, a presença da lua é fator de atração para o piau (Leporinus spp) e a pilombeta (Anchoviella spp): A lua interfere na pesca do piau, purque cum a foça da lua o piau sobe o rio, caminha. Na lua cheia ele caminha mais e o pessoal pega. A pilombeta também sobe cum a lua, mas aqui quase ninguém está pescando ela (Seu Zé Codoca, 55 anos). A influência do vento é bastante significativa no comportamento do peixe, exigindo que o pescador procure as áreas de pouco vento (liso) por tratar-se de locais de descanso dos peixes: A gente quando vai pescá vai pelo "liso" purque tem poco vento, aí dexa o vento caí mais um poquinho, dexa mais uma meia hora, aí o pexe encosta na berada, purque o pescador conhece. O tempo tá calmo, sem ventá, aí o vento cai e aí a "marrola"vai batendo e o pexe sai fora da berada e caminha pro meio do rio, purque ele se assombra. Ele tá no calmo, quando o vento começa a coisá, aí faz o barulho na água e o pexe foge pro meio, depois ele encosta de novo na berada, aí melhora. Por isso é que a gente procura os remanso, onde tem mais sossego pro peixe. Só se pega pexe nas berada (Seu Odair, 43 anos). A captura tradicional da traíra é substituída por improvisações, devido à presença abundante de macrófitas no fundo do rio: A gente inventa pescaria de todo tipo prá vê se pega alguma coisinha. Eu mesmo inventei uma pescaria de bóia prá pegá traíra dento desse cabelo purque quanto mais fechado mais traíra tem. Antigamente você pegava traíra de anzó, hoje não pega uma traíra de anzó. Você pega com esse arame de cerca. Faz um anzó e pega uns tilapinhos novo na lagoa, bota um pedaço de isopô com um pedaço de nailo, encastroa o anzol prá ele não torá, aí chega dento do mato e vai arriando. Pega umas traíra mas não é bom de venda; o pessoal diz que se fosse otro pexe comprava.
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Série meio ambiente debate, 39
4.2.2
Perfil dos Pescadores
A partir daqueles que têm a pesca como ocupação principal, foi identificado o perfil do pescador (Quadros 4 e 5) de Amparo do São Francisco, tomando-se como parâmetros: idade, escolaridade, estado civil, número de filhos, situação e tempo na atividade pesqueira, como também acesso ao seguro desemprego. Quadro 4 Alguns Indicadores do Perfil dos Pescadores de Amparo do São Francisco INFORMANTE
LOCAL
IDADE
N° FILHOS
01 02 03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24
São José São José São José São José São José São José São José São José São José São José São José São José Amparo Amparo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo Crioulo São José: 50,0 % Amparo: 8,3 % Crioulo: 41,7 %
42 67 56 54 34 42 49 29 44 32 32 48 55 25 51 48 55 48 25 43 44 42 26 17
04 04 08 04 09 03 02 01 03 06 02 07 01 03 03 06 04 04 04 06 03 -
Idade Média: 42 anos
Média de Filhos: 4,1
Fonte: Levantamento de Campo - Julho a Dezembro de 1998
Em relação à constituição familiar, verifica-se uma predominância da família nuclear (pai, mãe e filhos). Apresentam uma média de 4 filhos por família. Observa-se que a maioria dos pescadores (66,7 %) é casado e ocupa o lugar de provedor da família.
107
Série meio ambiente debate, 39
Quadro 5 Indicadores Sociais do Perfil dos Pescadores de Amparo do São Francisco N.º 01 02
03 04 05 06 07 08 09 10 11 12 13 14 15 16 17 18 19 20 21 22 23 24 %
EST. CIVIL
ESCOLARIDADE
REG. PROFISSIONAL SEG. DESEMPREGO
Casado Casado Solteiro Solteiro Casado Outros Outros Casado Casado Casado Casado Outros Casado Outros Casado Casado Casado Casado Solteiro Casado Casado Casado Casado Solteiro Casado 66,6 Solteiro 16,7 Outros 16,7
Analfabeto Analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto 3a série primária Analfabeto Analfabeto 2a série primária Analfabeto 3a série primária Semi-analfabeto Analfabeto Semi-analfabeto Analfabeto Analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto Semi-analfabeto 2a série primária 3a série primária Analfabeto 33,3 Assina nome 45,8 Ler / escreve 20,9
IBAMA, Colônia, INSS Sim Nenhum Não IBAMA, Colônia, INSS Já foi beneficiário IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia Não IBAMA, Colônia Não IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Já foi beneficiário IBAMA, Colônia Não IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Não IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim Colônia Não IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim IBAMA, Colônia, INSS Sim Nenhum Não Nenhum Não Nenhum 12,5 Não recebe 33,3 Alguns 16,6 Já recebeu 8,34 Todos 70,9 Está recebendo 58,33
Fonte: Levantamento de Campo - julho a dezembro de 1998
Quanto à educação formal, há intensa concentração de pescadores analfabetos ou que apenas sabem assinar o nome. Comparando-se os dados do grupo de pescadores com os da população geral do município, detecta-se uma diferença em relação ao nível de escolaridade. No grupo de pescadores pesquisado, a escolaridade máxima encontrada foi a terceira série (incompleta) do 1º grau, enquanto na população, de modo geral, há ocorrência do 2º grau completo. Do universo pesquisado, a maioria tem registro na Colônia de Pescadores de Propriá, no IBAMA e cadastro no INSS, como também é beneficiária do auxílio-desemprego. Segundo dados fornecidos pela Representação do Ministério do Trabalho localizada em Propriá, em Amparo do São Francisco foram beneficiados 26 pescadores com esse seguro, durante o período de defeso de 97/98. Tal informação sugere que a amostra da pesquisa é bastante representativa do segmento pesqueiro local, uma vez que do quantitativo registrado pela citada instituição, 14 pescadores fizeram parte do universo pesquisado, significando 58,33% daquele total. 108
Série meio ambiente debate, 39
A média de idade da amostra foi de 42 anos, o que representa uma diferença na faixa etária de 40 a 44 da população total, a qual representa apenas 4,55%. O fato pode indicar a falta de renovação da mão da obra pesqueira, já que se percebe a não continuidade da tradição por parte dos descendentes, ou seja, a mão-de-obra atual encontra-se envelhecida. A maioria dos entrevistados exerce a pesca há mais de 25 anos, comprovando que o aprendizado da atividade pesqueira se dá bem precocemente. Mas isso não está ocorrendo com os filhos dos pescadores, pois recebem incentivos a estudarem e buscarem um futuro melhor do que a pesca. Os meninos num tem mais condições de ajudá os pais na pescaria, porque não vai pescar prá num ganhá nada e ainda perde a noite de sono. Assim o pescador vai sozinho enquanto as criança fica na escola (Seu Odair, 43 anos). Portanto, eles nem sempre seguem a profissão dos pais, que não os encorajam devido às perspectivas ruins da pesca local. ALMEIDA (1997a), ao referir-se à crise social das comunidades pesqueiras cearenses, alerta para a dificuldade de perpetuação da atividade pesqueira por parte dos mais jovens, o que contribuiria para o desaparecimento dos pescadores artesanais: Atualmente, é com dificuldade e relutância que os filhos de pescador assumem esta condição, o que impede a sucessão da atividade de uma geração para a outra (p. 83). Apesar disso, os mais velhos orgulham-se de terem criado e educado seus filhos com os recursos da pescaria. A essa falta de encorajamento não corresponde, entretanto a um desencorajamento, pois se o filho tiver vontade, não é impedido de ser pescador. Isso parece ligar-se também a uma certa representação da pesca como vocação, por ser irresistível para quem a tem; conforme o seguinte depoimento: O meu filho até que é animado prá pesca e eu até brinco cum ele prá ele num ficá tão animado assim com a pesca. Estudá prá mim era melhó, mas ele gosta muito de pescá e quando chega a épuca de estudá ele está cansado de passá a noite toda pescando (Seu Duval, 44 anos). Apesar de DIEGUES (1989) tratar mais especificamente da pesca marítima, sua análise sobre o a importância da tradição na atividade pesqueira também pode ser aplicada à pesca do São Francisco. A tradição está relacionada à essência da própria profissão: O domínio do saber-fazer e do conhecer que forma o cerne da profissão. Esta é entendida como o domínio de um conjunto de conhecimentos e técnicas que permitem ao pescador se reproduzir enquanto tal. Esse controle da arte de pesca se aprende com os mais velhos e com a experiência. Com eles se aprende também a representação simbólica do mundo natural que se traduz pelo respeito às leis que regem o mar e seus recursos (p. 7). Esse conjunto de conhecimentos é em geral transferido de pai para filho e guardado pelos pescadores, pois vivem sob a freqüência dos ciclos naturais. Estes determinam os períodos de aparecimento de certas espécies de pescado. Tal conhecimento é transmitido pela oralidade, faz parte do acervo mental dos pescadores e constitui um elemento fundamental no êxito da pescaria. Para DIEGUES (1995), a incorporação desse etnoconhecimento é necessária tendo em vista as limitações das contribuições da própria ciência, além de colaborar para garantir o direito histórico do pescador ao seu território, numa nova postura nas tomadas de decisões. Com relação à propriedade ou posse dos locais de moradia, a maioria possui casa própria, seguindo-se dos que habitam em residências cedidas e, em menor proporção, daqueles com situação indefinida. Embora mereça verificação mais detalhada, essa situação em que a 109
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maioria é proprietária de sua residência parece ser fruto do processo de ocupação facilitada pelos pequenos lotes e pela baixa valorização da área. Levando-se em conta as residências próprias e cedidas, a maioria não tem despesa com aluguel, o que pode amenizar uma situação de maior dificuldade econômica; por outro lado, há garantia de o pescador dispor de pelo menos um teto para abrigar a família, apesar das dificuldades da vida profissional. Quanto às atividades complementares à pesca, parte dos pescadores dedica-se a algum pequeno cultivo (milho, feijão) para subsistência. Apenas um entrevistado vende o excedente da produção no comércio local. A possibilidade de incentivo à atividade agrícola constitui-se numa fraca perspectiva, tendo em vista a pouca disponibilidade de áreas para plantio, aliada à falta de aptidão do solo para o cultivo, conforme citamos. Durante a pesquisa de campo, observamos uma alternativa de sobrevivência praticada por parte dos pescadores: o alistamento nas frentes de serviço (Figura 39), implementadas em Amparo a partir de julho/ 98. Elas remuneram o alistado em R$ 80,00 por mês. A partir de maio de 1999 este valor decresceu para R$ 60,00 e em seguida para R$ 48,00.
Figura 39 Pescadores nas frentes de serviço, como estratégia de sobrevivência frente às dificuldades da atividade pesqueira local. Jul/98 (VOCR)
O temor do fim dessa alternativa é manifestado de maneira clara no seguinte depoimento: Na situação atual o que tá salvando o pescador é a frente de serviço que vai até janeiro e já recebemo 3 mes, cada mês é R$ 80,00. Eu num sei o que vai acontecé quando essas frente se acabá (Seu Valtinho, 32 anos). Na pesca, além das dificuldades já comentadas, o pescador pode ter a própria natureza como um fator perigoso para a sua saúde. A água e a necessidade de um contato prolongado com ela pode trazer problemas sérios; além disso, a rotina cansativa e exaustiva 110
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expõe os pescadores a todo tipo de adversidade. O sol , a frieza, o vento, a tensão, as dificuldades para sustentar a família exaurem a saúde e a juventude dos pescadores em pouco tempo. Aos 40 anos, a pele deles encontra-se envelhecida e os olhos apresentam diversos tipos de enfermidades: O pescador tem muitas duenças que pega na pescaria e ataca mais as vista. A vista é por causa da claridade do sol na água e a vista queima. Se eu fica muito ligado na água e se o sol bate, esquenta a vista da gente. Eu não posso vê uma televisão que as lágrima cai logo. O tempo frio no relento que o pescador passa nas croas dá muito risfriado, tosse e pode amarelá (Seu Odair, 43 anos). Para o pescador, a doença é sinônimo de falta de assistência e dependência de terceiros: Não posso trabalhá em roça que tenho problema na munheca e o corpo duente. Tem um pescador que me ajuda que é o Zé Papudo, pois eu vivo sozinho. E hoje um pescador sem pescá e duente num tem nem assistência prá ir pro médico (Seu Toinho, 42 anos). A doença profissional, aliada à dificuldade de acesso aos benefícios da Previdência Social leva o pescador a se desfazer de equipamentos de pesca, devido à necessidade de recursos financeiros para se manter. O exemplo do Seu Pitu (44 anos) é ilustrativo: Agora estou sem pescá, então tive que vendê um bote que comprei. Puera, chuva e friage é o que o médico me proibiu. Meu probrema é de baço e de coluna, por causa do remo na pescaria. Este ano num butei o pé na roça e só tumei prejuízo. 4.2.3
O rio São Francisco de Ontem e de Hoje
Através dos depoimentos, observou-se que o contingente que vivia da pesca vem se reduzindo. A pesca não é tida, atualmente, como uma fonte satisfatória de subsistência/ renda, ao contrário do que aconteceu no passado, quando o rio São Francisco representava um recurso natural que garantia a subsistência e alguma renda. Não dispomos de dados concretos para afirmar se o rio já foi a mais importante fonte de renda da população, mas os depoimentos comprovam que o rio oferecia subsídios naturais para atender ao suprimento alimentar do grupo familiar: Antigamente você jogava uma tarrafa dali e pegava uma muqueca fora de série, de Tucunaré, Paiauzinho. Hoje em dia você pega a tarrafa daqui e vai bater em Escurial e num pega nada. A vida era mais fácio. Você saía de casa e dizia: muié, bota água no fogo que eu chego já cum pexe. Hoje em dia se eu dissé muié bota a água no fogo, só se eu roubá uma galinha lá em cima prá cozinhá, purque pexe tá difício (Seu Odair, 43 anos). A grande quantidade e variedade de espécies que o rio apresentava também proporcionava rendimentos com a comercialização, além de permitir mais tempo livre para o pescador dedicar-se a outros afazeres ou ao lazer: Antigamente você travessava uma rede aqui e quando chegava naquela laje e voltava já tinha 4 ou 5 peixes maiado. A gente levava um saco plástico e butava o peixe e aí no outro dia pela manhã já tava com a muqueca segura. Antes de Xingó a gente só pescava uns 3 dias na semana e num tinha quantidade, era 20 a 30 quilos em cada pescaria. Hoje mesmo eu tava aqui e chegou um pescador que vendeu sua pescaria por R$ 4,00 ao cambista, era uma traíra, dois punaré o resto pirambeba nova (Seu Odair, 43 anos) 111
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Com a regularização das águas e o final das cheias, o rio de hoje já não se apresenta como fonte segura de obtenção de alimento, a exemplo do que diz Seu Bentinho (56 anos): A importância desse rio era se ele inchesse todo ano como antigamente. Todo pescador pegava muito peixe aqui e hoje dez pescadores vai pro rio e volta e num trás um balaio de peixe. Naquele tempo, esses 10 pescadores traziam 10 balaios de peixe. Naquele tempo o rio inchia, né. O rio teve muitas mudanças pois a gente pescava 20 a 30 quilos numa só pescaria e hoje a gente dá 20 ou 30 lanço e não pega nada. Na memória dos entrevistados a vida anterior dos pescadores, embora sujeita a dificuldades, era marcada por alguma fartura. Antes da construção das barragens, apesar de antigas inundações do rio trazer alguns transtornos para as cidades ribeirinhas, havia fartura de peixes, pois as cheias eram símbolos de liberdade pelo fácil acesso ao pescado. Antigamente, além de o pescador capturar mais peixe, vendia o excedente da produção, garantindo-lhe uma atividade rentável: Antigamente o rio era 6 mes de cheia e 6 de vazante. O pexe piava. Hoje em dia o rio num enche e vai de mal a pió, arruina demais a vida do pescador. Agente pegava tanto pexe que se admirava. Tinha dias de se pegá mais de 100 quilos só de piau. E era piau de 2 a 3 quilo. Todo dia se mandava vendê em Propriá. O barco vinha cheio de pexe, mas depois que o rio num encheu, ninguém nunca mais pegou nada (Seu Antônio de Alves, 67 anos). Atualmente, a falta de peixe no rio contribui para a sobrepesca de outras espécies, a exemplo do camarão, como bem descreve o Presidente da Câmara de Vereadores de Amparo do São Francisco: Agora tá na época da pescaria de camarão(outubro, novembro e dezembro) e é de meu conhecimento que tinha pescador que pegava 50 quilo de camarão por semana. Hoje tá pegando 4 a 5 quilo por semana e pesca com 200 a 300 covos. Não tem mais camarão. Na leitura dos pescadores, a oferta de pescado antigamente estava relacionada com a turbidez da água, que por ser barrenta, protegia os alevinos. Isso não acontece hoje, pois com a água praticamente estabilizada (transparente), a predação torna-se mais fácil: Antigamente tudo era mais fácio purque quando as água barreava pudia saí prá pescá qualqué hora que agente pegava de tudo e a gente pescava pelo dia. Agora não, porque se a senhora quisé pegá um alfinete na beirada do rio, a senhora acha dento dágua, purque a água tá transparente, cristalina, num barrea mais, aí os pexe come as ovas. (Seu Antônio, 67 anos). De acordo com técnicos da Companhia de Saneamento de Sergipe (DESO), a água do São Francisco está tão transparente que não necessita da aplicação do Sulfato de Alumínio, utilizado para flocular o material em suspensão no processo de tratamento da água. O rio de hoje apresenta seu leito tomado por macrófitas (Figuras 40 e 41) denominadas pelos pescadores de "cabelo" (Egeria densa Planch) e "mato" (*) -, que inibem o uso de instrumentos de pesca. A fala de Seu Déu (51 anos), seguida pela de Seu Toinho (42 anos), ilustra o assunto: Até uns anos atrás o cara ainda pescava bem de tarrafa, mas a cada ano que vai passando o cabelo e o mato vai tumando conta do rio purque num tem cheia prá arrastá, então a rede num fecha e num pega o pexe.
* A amostra dessa gramínia foi insuficiente para identificação científica.
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O rio está pió. O rio de primeiro era limpo e hoje tá cheio de "cabelo", e uns matos que saí no meio do rio. Nós que somo pescador quando mexe a rede encontra esses cabelos, essa bucha na rede e dá um trabaio danado prá saí da rede, então a gente chama isso de cabelo.
Figura 40 Amostra do "cabelo" (Egeria densa Planch) que está proliferando a jusante de Xingó, que interfere na penetração da rede de pesca até o fundo do rio. Amostra colhida na Prainha de Amparo, em agosto de 98. (VOCR)
Figura 41 Amostra do "mato" também abundante no mesmo trecho do rio São Francisco. Material coletado na Prainha de Amparo, em agosto de 1998. (VOCR).
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No caso de coceiras provocadas por macrófitas do rio, o uso medicinal de vegetação local demonstra o etnoconhecimento dos pescadores: Eu butei os covo dento do cabelo e ele dá cocera. Eu já sei das manhas, aí tem um mato que a gente chama de "loco", que você quando tá cum essa cocera pega a foia dele, faz o sumo e toma um banho cum esse sumo. Aí quando ele vai juntando assim, você entra dento dágua. O loco é quase como uma urtiga que passa prá acabá com a cocera. Ele vai juntando a pele da gente e aquilo mata toda a reima. Numa sarna pode usá o loco, na hora queima a pele da gente mas depois que toma banho na água doce do rio, alivia. Ele é a mesma coisa de você tê um corte e o sal batê em cima, aí mata a reima. Eu já fiquei muitas vez bom cum isso (Seu Odair, 43 anos). O acesso às várzeas inundáveis e a facilidade de exploração do arroz, se por um lado implicava uma vida de muito trabalho, por outro lado propiciava condições de alimentação mais consistente e de uma alternativa que hoje praticamente não existe (Figura 42). Os depoimentos seguintes demonstram o papel importante das várzeas/lagoas: Prá nós que veve da pesca desde quando fizero as barrage lá de cima piorou as coisas, pois as lagoas não enche mais prá criá pexe, ninguém plantou mais arroiz nas lagoas e estão tudo seca. Aqui tem uma lagoa e aqui nunca mais encheu e ninguém planta mais. A gente plantava cada qual um pedacinho. Lá o pexe desovava, entrava e lá se criava. Quando o rio baxava então agente pegava muito pexe. Plantá ninguém pode hoje purque as terra é de particular (Seu Duval, 44 anos). A várzea, além de servir para o plantio do arroz, era o local de abrigo dos peixes: O rio mudou muito, em tudo que ele não encheu e ficou nessa aflição, é disso aí prá pior. Apiorou porque antes quando inchia a coisa era melhó, era otra. Tinha plantação do arroiz na várza, que agora num enche mais e tinha a vantage do pexe que ia prás lagoas, certo? Tinha a plantação do arroiz e isso não existe mais. Essa região era toda cheia de várzas (Seu Zé Codoca, 55 anos). O papel social do uso coletivo das lagoas marginais foi substituído pelo uso privado dos atuais proprietários, segundo informam nestes depoimentos: As lagoas enchendo, já se plantava arroiz, já sai o pexinho do rio. Mas com as lagoas tudo seca e cheia de mato, só serve prá butá o gado dos fazenderos. Só Deus prá ajudá nós (Seu Taua, 48 anos). Antigamente pelo menos se plantava arroiz, mas hoje as lagoa estão todas cheia de capim, nem nisso a gente pode mais trabalhá. Quando as várzas enchia com o rio, o dono deixava a gente plantá e dividia a produção com a gente. Nós pescava nas lagoas, mas hoje tão todas privadas e não enche mais (Seu Cícero, 43 anos) Na opinião do Presidente da Associação dos Engenheiros de Pesca de Sergipe, a produtividade das lagoas era a garantia de peixe no rio: Antigamente, a chuva carreava todos os nutrientes das lagoas para o rio e com isso formava o alimento ideal para os peixes. Do jeito que está não vai ter alimento para os peixes pois essas áreas estão todas privadas e sem comunicação com o rio.
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Figura 42 Antigas várzeas inundáveis que se encontram secas e improdutivas, devido à regularização das águas do Velho Chico. Set/98 (VOCR)
O saudosismo latente nos depoimentos dos pescadores reflete a sua relação de dependência com o rio São Francisco; suas falas não mostram apenas conflitos no uso desse recurso natural; também explicitam autênticas declarações de amor e fidelidade ao Velho Chico. O rio, apesar de oferecer atualmente pouco peixe, ainda simboliza o porto seguro, e, certamente, seria pior sem ele, como declara Seu Lealdo (42 anos): Para nós esse rio tem muita importânça, pois é o único refrigério para nós. É pouco o que se arruma mas sempre se arruma um pexinho. É a sorte de muita gente, né? Se num fosse ele o povo num tinha emprego e a coisas tava mais difício. É importante purque tem o alimento que pode num dá hoje mas dá amanhã e assim vai. As múltiplas funções do rio são reconhecidas: Esse rio serve prá muita coisa. Nós veve e pesca nele, toma banho, usa como transporte, mas o pexe vem diminuindo e num sei o que vai ser da gente, pois esse rio é tudo prá gente(Seu Mago, 17 anos). Apesar das dificuldades da atividade pesqueira, a pesca no rio ainda é tida como um presente divino, pois neste local o esforço é premiado com a garantia do suprimento alimentar da família, além de honrar o profissional da pesca. O depoimento seguinte ilustra tal afirmação: O rio é tão importante para eles que se o rio chegasse a não existir acabaria com todo mundo porque é daí que sai o alimento de todos que moram nessa redondeza, porque não tem do que viver pois o lugar é muito pobre. É um lugar muito pobre mas todos se sentem felizes porque são conformados. Eles (os pescadores) dão graças a Deus que o rio dá a piabinha para eles alimentá os filhos. Acham que é melhor garantir o alimento do que roubá. Preferem se acabá assim, mas serem honestos e todos vivem disso. (Dona Zezé, moradora antiga e administradora do bar da Prainha de Amparo). 115
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4.3 O COTIDIANO DO PESCADOR Os rios e a água fazem parte da memória do mundo constituído pelos homens, estão inseridos em sua história de tantos acontecimentos e de pequenos fatos do cotidiano. Para MESQUITA apud ALMEIDA & VARGAS, 1997b, p.5), o cotidiano é o 'locus' da prática e observá-lo, onde e como as práticas ocorrem, implica em desvendar o modo de vida, a organização do trabalho, do lazer, das aspirações. Permanecer na residência e no lugar de trabalho, ainda que por tempo breve têm peso na produção do homem. A análise da vida cotidiana, segundo SANTOS (1996), envolve concepções e apreciações na escala da experiência social, em geral, o que inclui, paralelamente, uma apropriação profunda de uma compreensão imediata. Em sua análise do cotidiano, CERTEAU et al. (1994) apresentam a seguinte definição: O cotidiano é aquilo que nos é dado cada dia (ou que nos cabe em partilha), nos pressiona dia após dia, nos oprime, pois existe uma opressão do presente. O cotidiano é aquilo que nos prende intimamente, a partir do interior. É uma história a meiocaminho de nós mesmos, quase em retirada, às vezes velada. (...). É um mundo que amamos profundamente, memória olfativa, memória dos lugares da infância, memória do corpo, dos gestos da infância, dos prazeres.(...).O que interessa ao historiador do cotidiano é o invisível (p. 31). No cotidiano dos seus habitantes, o rio e a água vêm exercendo funções múltiplas. O rio se apresenta como fonte de sobrevivência, via de comunicação, transporte, limite, palco de expressões culturais, lazer e fonte de perpetuação das espécies (piracema). O rio São Francisco como um todo e, especialmente, o seu baixo curso, objeto deste estudo, constituiu-se muito mais que um elemento da natureza. Tomando-se o rio São Francisco como elemento que provoca mudanças no cotidiano dos pescadores, faz-se necessário um conhecimento mais detalhado da rotina desses profissionais, tendo em vista captar as especificidades da atividade pesqueira local. O cotidiano da atividade pesqueira é muito desgastante. Geralmente, o pescador de Amparo não faz diferença entre os finais de semana ou mesmo feriados, e os dias normais uma vez que a pescaria simboliza a comida da família. O depoimento do Seu Papudo (49 anos) é bastante ilustrativo, além de ressaltar o caráter imprevisível da atividade pesqueira: A gente não tem dia certo prá pescá, todo dia é dia. Sábado e dumingo é tudo a mesma coisa. Normalmente a gente sai daqui 1 ou 2 horas da tarde que é prá dá tempo de travessá a rede no claro. Travessa a rede com a luz do dia, aí tem que ficá na croa sinão os otro roba. Aí faz o" boi", o barraquinho e vai tomá seu café. Se pegá algum pexe vai assá, sinão pode levá alguma coisa de casa ou então ficá cum fome (Seu Papudo, 49anos). A pescaria tem início sempre à tarde, quando o pescador desloca-se de seu porto até a região de Escurial, Traipu ou até mesmo a Ilha do Ouro ( Figura 43), percorrendo cerca de 4 a 5 léguas (*), ou seja, mais de 2 horas até encontrar os locais de pesca: Aqui mermo o pescador num tá pescando nada, tem que saí subindo o rio prá puder pegá alguma coisa. O que sai vai até Escurial e às vez vai até Traipu. A maioria pesca
* A légua corresponde a 6 km.
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de Escurial prá baixo. Lá em cima tem áreas de pesca purque o pescador procura lugá calmo e que esteja menos batido e que num tenha muita gente pescando. Então área assim é pouca, é área de "ressaco". Aqui a água quase toda é corrente. Área de ressaco é mais calma e não puxa a água, então nós atravessa a rede alí. Aí pega o peixe, mas mermo lá tá difício purque também tem o cabelo (Seu Odair, 43 anos).
Figura 43 Pescador subindo o rio para pescar em Escurial, enfrentando o mau tempo. Jul/98. (VOCR)
Chegando ao local escolhido, inicia a cansativa tarefa de jogar ou armar a rede, fazer sua proteção para passar a noite, seguindo-se da vigília e do recolhimento dos petrechos pela manhã seguinte. Ao final da pescaria, o produto diário nem sempre é suficiente para suprir as reais necessidades (Figura 44).
Figura 44 Produção (insignificante) para uma noite toda de pescaria (piranha, tucunaré, traíra e sarapó). Set/98 (VOCR).
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Quando a produção é suficiente para a subsistência e o comércio, o próprio pescador desloca-se do local da pescaria e vai vendê-la em Propriá, retornado à sua casa por volta do meio-dia. Ao chegar a casa, ocupa-se em consertar as redes de pesca (Figura 45) normalmente danificadas; elas devem estar em boas condições para a próxima saída. Praticamente não há descanso, pois quando ele não pesca nada, tenta arrumar algum ganho (biscate) a fim de comprar alimentação para casa. Seu Manoel (55 anos) e o Seu Erídio (25 anos) falam sobre o desgaste da rotina de trabalho na pesca: O horário de pescá sai na boca da noite e chega bem cedo, passa a noite todinha pastorando. Chega em casa, come e caí fora para se virá. Eu não tenho horário para pescá, eu pesco de caceia e ponho minha rede, deito, e vou prá Propriá para vendê . Só descanso quando chego de Propriá, de 1 hora da tarde. A manutenção dos apetrechos de pesca tem que ser permanente por tratar-se de instrumentos de trabalho, o que exige dinheiro para substituição de equipamentos: O pescador nunca descansa pelo seguinte: se ele pesca com rede, chegando em casa ele vai remendá rede, certo? A pirambeba é danada prá arrebentá a rede e se ele não consertá a rede vai passá ao ponto de não pudê pescá. Quase toda pescaria tem que remendá a rede. Se perde o anzol, tem que arrumá dinhero prá comprá otro, e num tem dinhero purque a pesca tá ruim (Seu Odair, 43 anos).
Figura 45 Pescador remendando sua rede de pesca com seus companheiros. Nov/98 (VOCR).
A existência de formas de ajuda mútua, produzida pela situação de carência econômica, marca a vida do grupo, conforme declara Seu Odair (43 anos): Nessa situação difício da pescaria a famílha tem que chegá junto. Os parentes vê a situação na casa e chega junto. Quando o pescador tá triste e vai beber uma 51, quem tem paga, e quem não tem, paga quando tiver e assim faz a farra. A solidariedade inspirada pela condição de pobreza, comum entre os pescadores, leva-os ao "entendimento" de situações em que o roubo de equipamentos de pesca é até certo ponto tolerado, como continua a declarar o Seu Odair: 118
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Outro dia eu butei 70 covos e no outro dia quando eu fui despescá, levaro 45 de uma cacetada só. E fica por isso mermo purque ninguém sabe quem foi. As vez aquele que carregou é um pior do que eu, você intendeu como é que é? Aí eu num vou pegá de outro que pode ser mais arrasado do que eu. Como vimos, o processo de reorganização do espaço regional advindo das políticas de modernização da agricultura, através dos projetos de irrigação, assim como a política de geração de energia utilizando as águas do São Francisco, contribuiu de maneira decisiva para alterar o espaço apropriado pela pesca local. O espaço construído pelos pescadores para sua prática profissional foi desestruturado, criando-se um novo espaço, resultando em novas relações homem-meio (pescador-rio) e homem-homem (pescador-pescador). Segundo CORREA (1995), esse processo de alteração da relação homem-território é denominado de "desterritorialidade". No caso, significa que o território da pesca foi alterado, com perdas de áreas propícias à pesca. A "desterritorialidade" implica alterações no mercado de trabalho. A substituição desses territórios perdidos por um novo espaço leva a "reterritorialização", ou seja, nova territorialidade. Na concepção de HAESBAERT (1995), a produção do espaço envolve, ao mesmo tempo, a desterritorialização e a reterritorialização: Portanto, a territorialização e desterritorialização não se opõem , pois mesmo no atual período técnico-científico, onde o "espaço desterritorializado", esvaziado de "seus conteúdos particulares" perde seu conteúdo relacional e identitário, transformandose numa rede funcional ou "espaço abstrato, racional, deslocalizado", também há lugares para importantes processos de reterritorialização (p. 198). Atualmente os pescadores reterritorializaram suas áreas de pesca, sempre rio acima, para encontrar áreas mais favoráveis para a pesca, surgindo um novo espaço territorializado de trabalho (Figura 46). As distâncias assumem significações próprias, sendo calculadas em léguas, ou mesmo em horas, a exemplo do seguinte depoimento: Prá gente chegá aos ponto de pesca agente sobe umas 4 léguas, depende do vento. Vamos até 5 léguas acima que dá em Gararu. Dependendo do vento, pode viajá uma hora e meia ou duas até chegá no ponto ( Seu Pipi, 26 anos). Mesmo com a desestruturação do espaço original, o pescador conhece, através de sua "praxis", os lugares mais favoráveis para a pesca: Os pescadores agora sobem o rio e vão pescar lá perto de Escurial porque lá tem mais "ressaco", são áreas de águas paradas que eles atravessam as redes e conseguem pescar mais um pouco. Eles não descem o rio porque prá encontrar esses remansos só abaixo de Propriá, aí se torna mais difícil e distante (Presidente da Câmara de Vereadores de Amparo). A pesca praticada em Amparo do São Francisco não apresenta nenhuma estrutura de recepção e conservação do pescado. As estratégias elaboradas pelos pescadores para vencer certos obstáculos na atividade pesqueira são bem curiosas. Na falta do gelo para conservar o pescado, a técnica de manter o peixe vivo é utilizada com bastante êxito, como continua a expor o Seu Odair: A gente num leva gelo no barco. Então, se quizé trazê o pexe vivo, pega ele e amarra por detrás da orelha dele. Se ferí a guelrra e sair um pinguinho de sangue, aquele já morreu. Tem que sabé amarrá por trás da orelha, com uma corda de nailo e amarra no bote e arrasta. Eu já arrastei de Belo Monte prá qui e o pexe chega vivinho, porque nós não tem como conservá, não tem gelo. E tem outra, se você pegá, matá e salgá ele, se não escalá ele, abrí bem abertuzinho, ele apudrece. Tem que sabê fazê bem o negócio. Aqui num chega pexe salgado, essa moda caiu, certo? Aqui tudo é amarrado e chega tudo vivo e é melhor prá comê e vendê. 119
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Fonte: Adaptado de mapa da CODEVASF, 1998.
Figura 46 Reterritorialização dos pescadores após a construção de Xingó.
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A mulher, no cotidiano da pesca, tem um papel praticamente inexpressivo. Entretanto, de acordo com FONTELES FILHO (1997), o Brasil já realizou, através do MONAPE, o II Encontro de Mulheres na Pesca, indicando uma conquista de espaço profissional por parte das marisqueiras. No caso da pesca fluvial, o papel da mulher é relegado à condução de tarefas domésticas e cuidados dos filhos. Para ela, ficar à espera da chegada do marido com o peixe, muitas vezes gera frustração, quando o pescador volta sem peixe suficiente, às vezes para o consumo próprio. Além da labuta diária de dona-de-casa e das noites de solidão, algumas esposas tentam complementar a renda familiar com empregos ligados à administração municipal (cozinheiras, merendeiras etc), recebendo salários equivalentes à 1/3 do salário mínimo. Outra atividade complementar praticada pelas mulheres refere-se aos bordados (Figura 47). Faz parte do cotidiano elas passarem parte do dia sentadas nas calçadas, bordando peças pequenas e médias para serem vendidas em Propriá ou mesmo entregues a um intermediário para revenda em Porto Seguro, na Bahia. As peças bordadas acabadas são vendidas ao preço médio de R$ 4,00 (quatro reais) e as peças sem acabamentos são entregues ao preço de R$ 1,00 (um real).
Figura 47 Bordadeiras sentadas na calçada, ocasião de bate-papos e de partilha das dificuldades comuns. Out/98 (VOCR)
Segundo depoimentos destas mulheres, o rendimento é muito pouco e incerto: A gente compra um metro de pano por R$ 2,50 e faz duas passaderas. Compra a linha, agulhas, bastidor e o pessoal só quer comprá com os bordados cheio que demora mais de 3 semana prá fazer. Então num compensa de jeito nenhum vendê por R$ 4,00 ou R$ 5,00. A venda é incerta e a gente fica adulando prá vendê e ainda acaba as vistas da gente (Bordadeira, esposa de pescador). No estudo interdisciplinar realizado no sertão do Baixo São Francisco (FONSECA & BASTOS, 1998) esse pouco ganho também foi constatado: O artesanato da região é pouco significativo em termos de geração de renda. Desenvolvido basicamente por mulheres, não se constitui em atividade econômica principal, mas em geral complementa a renda familiar, sendo fundamental para a sobrevivência de algumas famílias (...). Tem alguma expressão a confecção de bordados, geralmente simples, com o uso de poucas cores e com desenhos pouco elaborados e um tanto grosseiros (p. 13). 121
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A vida social dos pescadores não é mais a mesma, devido às dificuldades na pesca e ao tempo gasto no rio. Ao chegar da pescaria, geralmente o pescador vai para sua casa, cansado, frustrado e freqüentemente sozinho, já que seus filhos não participam mais da atividade. A parceria com companheiros de pescaria praticamente não existe, devido à produção ser insuficiente para partilha. São raras as ocasiões em que eles se reúnem para conversar, limitando-se aos momentos em que consertam as redes, geralmente próximos à sombra de uma árvore (Figura 48). Nos finais de semana, as mulheres vestem as crianças com suas melhores roupas e vão passear e conversar com as vizinhas, estabelecendo um convívio social maior (Figura 49). O lazer da família é raro, restringindo-se aos banhos de rio, às missas e às festas dos Padroeiros de Amparo (02 de fevereiro), de São José (19 de março) e Santa Luzia (13 de dezembro). Normalmente, nessas ocasiões os pescadores organizam corridas de barcos e depois comemoram com um "cabrito e umas lapadas de cachaça", na beira do rio.
Figura 48 Os momentos de bate-papos enquanto remendam as redes de pesca. A calçada utilizada como local de convívio social, próximo a uma sombra de árvore, na sede de Amparo do São Francisco. Nov/98 (VOCR)
Figura 49 As mães passeando com filhos e netos pelas ruas do povoado de São José, como um momento de lazer, de finais de semana. Out/98 (VOCR).
O lazer daqui é os banho na bera do rio e está aparecendo uns turista na prainha daqui. Para o pescador, o final de semana continua pescando ou vai tomar umas e outras na beira do rio ou fica em casa (Seu Lealdo, 42 anos). 122
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Figura 50 O rio é usado tanto como asseio como lazer da família. Ago/98 (VOCR)
Figura 51 O Velho Chico utilizado como local de lavagem dos utensílios domésticos. Ago/98 (VOCR)
Figura 52 O uso das águas do rio na lavagem das roupas da família. Ago/98 (VOCR)
Cenas do cotidiano, tendo o Velho Chico como cenário comum. Apesar de tantas dificuldades enfrentadas pelos pescadores, a principal atração que a pescaria parece exercer sobre esse contingente é a relativa liberdade, ausência de horários e de patrão, a exemplo do depoimento do Seu Jairo (52 anos): A vantage de sê pescadô é purque tem seus própio aviamento de pesca, num tá sendo impregado de ninguém, tem seus artifício e num tá sendo mandado pur ninguém. A pesca, ao contrário do trabalho assalariado, é uma atividade que permite a quem a pratica um grau relativamente amplo de liberdade e de tomada de decisões. Ser pescador, por vezes, é um processo que se inicia por uma tradição familiar, mas que prossegue depois como opção pessoal, que concentra toda satisfação no ideário de uma boa pescaria: A maior alegria de um pescador é quando pega um pexe, num importa o tamanho, quarquer um, nem a qualidade, sabendo que vai trazê alguma coisa é a alegria dele. Purque as vez você passa a noite toda, pega 2 ou 3 pacuzinho e as vez, no mermo lugá que você apoitou onte, dá 2 ou 3 piau num instante, entendeu? (Seu Pagão, 29 anos) 123
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Também os eventuais ganhos obtidos com uma temporada boa e a pouca ou nenhuma despesa com as roupas de trabalho são vantagens de ser pescador. Percebe-se nos depoimentos, que, apesar de tudo, a pesca ainda é um prazer e até um momento de reafirmação de um estilo de vida: O pescador veve purque veve mermo e também purque esse rio é tudo prá nós. O rio é tudo prá mim. Se a sinhora chegá prá mim e dissé que vai mi dá um emprego prá ganhá 2 salaros em Aracaju, eu prifiro ganhá 50 conto aqui. Eu gosto de ser pescador e gosto das águas purque o pescador é livre. A gente chega numa ilha dessa e faz um barraco, a gente tá vivendo com a natureza. Só em vê aquelas água, Ave Maria ! Eu mesmo quando passo um dia fora da água, eu fico doido (Seu Odair, 43 anos).
4.4 PERCEPÇÃO DO PESCADOR SOBRE POLÍTICAS DE DESENVOLVIMENTO
Esta análise sobre a percepção do pescador a respeito das políticas de desenvolvimento, embora enfatize mais diretamente as políticas pesqueiras, não ignora que as alterações na pesca do Baixo São Francisco estão relacionadas também às políticas de geração de energia e irrigação implantadas no Velho Chico, como veremos a seguir. Os pescadores atestam de maneira unânime que a responsável pelo declínio da pesca é a barragem de Xingó (Figuras 53 e 54). Para eles foi esta que mudou bastante o rio, fazendo sumir o peixe, proliferando o "cabelo" e o "mato" no leito do rio e alterando seu espaço de trabalho, a exemplo dos seguintes relatos: Tudo aconteceu depois de Xingó. Antes dessa barrage a gente pescava mais fácio e por aqui mermo. Hoje num tem lugar bom de pescá mais, purque tá muito difício por causa do "cabelo"e do "mato" que num deixa ninguém pescá mais. A gente hoje tem que pescá lá em Escurial ou Traipu, purque lá tem mais pontos de pescaria. Esses pontos tem menos cabelo. (Seu Papudo, 49 anos) Pexe ainda tem uns poquinho, mas o cabelo é quem impata tudo, porque a rede num dece até o fundo. O que fica no meio do rio é o mato, o capim, mas o que dá mais é o cabelo, que num fica na correnteza, fica nas berada e crece muito. Aumentou muito mais dipois de Xingó. Na última enchente antes de Xingó já tinha esse cabelo e ele saiu daqui todinho e foi pro Cabeço. Quando o rio enchia aí levava as baronesa dos riacho e o cabelo, mas dipois de Xingó num teve mais cheia prá limpá isso (Seu Odair, 43 anos). Ao analisar os impactos das hidrelétricas, DIEGUES (1995) já descrevia as conseqüências no ecossistema aquático. Algumas alterações que ele menciona ocorrem nos lagos que são formados, porém outras acontecem a jusante das barragens: As grandes represas provocam também mudanças no ecossistema aquático, criando uma série de impactos negativos. Os movimentos migratórios de peixes, tartarugas e mamíferos aquáticos, podem ser interrompidos, influenciando a composição dos estoques pesqueiros. O desenvolvimento de macrófitas é estimulado provocando problemas epidemiológicos. A decomposição da matéria orgânica consome rapidamente o oxigênio provocando anoxia e formação de gás sulfídrico tóxico. (...). O represamento de rios de água branca, com alta carga de sedimentos diminui rapidamente a profundidade do lago e a vida útil da usina. Ao mesmo tempo, os 124
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sedimentos represados não mais fertilizarão as várzeas e lagos nas áreas inundáveis a jusante das barragens, reduzindo a produção primária das várzeas e consequentemente a pesca. O número de piranhas tem aumentado em muitas represas e a pesca é dificultada pela presença de grandes quantidades de plantas aquáticas e troncos que inibem o uso de instrumentos de pesca (p. 154) Percebe-se que várias conseqüências citadas por DIEGUES tornaram-se realidade no Baixo São Francisco, com exceção da proliferação de piranhas, que foi substituída pelo predador tucunaré.
Figuras 53 e 54
Usina Hidrelétrica de Xingó: a grande vilã da estória, na ercepção dos pescadores. Jul/97 (VOCR).
Os pescadores vêem com tristeza que a falta de peixe está levando-os a passarem fome, configurando de fato seu estado de miséria e a pouca atenção do governo para ajudar a categoria: Os pais de família tão tudo se acabando de fome. Aí aparece essas frentes de trabalho e ninguém sabe até se a Prefeitura vai pagá, pois são tudo ladrão. E aqui eu não tô ganhando nada, só me acabando de fome. O que eu tô achando ruim é isso e o guverno tá cum dinhero na mão mas num resove nada (Seu Toinho, 42 anos). Diante da escassez de peixe, o pescador não vê boas perspectivas para sua atividade profissional, a exemplo da declaração do Seu Jairo (48 anos): O que vai acontecê ao pescador é pedí esmola. Pois num tem condições, pois a gente passa a noite toda cum 200 ou 300 braças de rede e quando chega aqui vai vendê por R$ 3,00 ou R$ 4,00 a pescaria de uma noite toda. E a gente num quer só prá cumê purque tem que comprá as otras coisa, né?.
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Fica evidente nos depoimentos que com a construção de Xingó as águas não "barream" mais e tornam-se praticamente paradas, sem velocidade. Isso prejudica a piracema e a "água fina" (falta de turbidez) facilita a predação dos alevinos nativos, o que favorece a proliferação de predadores. O pescador, ao presenciar uma desova de xira, testemunha a predação de seus alevinos por parte da piaba, facilitada pela transparência da água: Se uma xira desová num vai se criá uma, purque as piaba come. Lá na Borda da Mata, eu mesmo ví uma xira cheia (ovada) na berada e ela deu aquele arranco. Qué dizê, a xira tava desovando alí na berada. Eu só caminhei como daqui até aquele pau e quando olhei prá trás chega tava gaguejando de piaba. Qué dizê, comendo os ovos. Se a água barreá ela num vê as ovas (Seu Leó, 54 anos). O Biólogo e Chefe do Herbário da UFS, acrescenta que... ...devido à diminuição da velocidade do rio após a construção de Xingó, houve a ocorrência de alguns predadores, os quais se alimentam dos peixes herbívoros. Com a redução destes peixes, as macrófitas vão proliferar mais ainda e para o pescador vai ser pior. O Presidente da Associação dos Engenheiros de Pesca de Sergipe também se posiciona: Hoje, além do problema da piracema, tem também um problema muito sério que é a vegetação aquática que proliferou em função da estabilização da correnteza. Isso ocorre em função da transparência da água, pois a produtividade fica baixa e outras espécies aproveitam o ambiente, a exemplo do tucunaré que preda peixes que se alimentam de forragens. Sobre as condições de proliferação do tucunaré no rio, alguns depoimentos de técnicos são elucidativos: Atualmente, o Baixo São Francisco apresenta as condições ideais para o tucunaré, pois com a diminuição da correnteza, a água encontra-se mais aquecida pela exposição ao sol. A barragem de Xingó alterou a dinâmica do rio (Chefe da Estação de Piscicultura de Pacatuba). O problema da introdução de espécies exóticas no rio São Francisco é tratado nos dois depoimentos seguintes. A presença maciça do tucunaré, um peixe altamente predador, é apontado como o grande consumidor dos alevinos lançados no Baixo São Francisco: ...entendemos que não é correto o procedimento de trazer espécies exóticas procedentes de outras bacias como a Amazônica, Tocantins e Paraná. Nós estamos hoje diante de uma realidade que é a presença do tucunaré, que é um peixe extremamente predador e que está presente no baixo São Francisco. Os defensores dessa introdução disseram que não introduziram no rio e sim nas lagoas marginais. Mas acidentes acontecem e aconteceu, e está aí o tucunaré como altamente predador. (Entrevista com o Superintendente do IBAMA/SE, ago. 1998). Ainda sobre o tucunaré, existe o alerta de técnicos de que tal espécie possa vir a extinguir o predador natural, que é a piranha: O tucunaré é um predador por excelência e dizem que ele poderá acabar com a piranha, porque ele cuida da prole desde o ovo até uns 5 ou 6 cm, tendo os filhotes a proteção dos pais. Isso dificulta ser predado por outras espécies, enquanto que a piranha, apesar de ser um peixe voraz, ele não protege sua cria. Quer dizer, desovou, a água leva e torna-se alimento de outras espécies. O tucunaré desova em água parada 126
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e tem o ovo aderente, o que facilita sua proteção. Os filhotes nascem e o cardume é protegido por um bom tempo. (Entrevista com o Chefe da Estação de Piscicultura de Pacatuba, set.1988). Na verdade, a introdução do tucunaré no Baixo São Francisco é uma questão polêmica. O Plano Diretor do Baixo São Francisco (CODEVASF, 1974) já acusava a presença dele nessa área . O problema da introdução desse peixe não é restrito ao rio São Francisco, pois o Pantanal e as represas do Paraná já vêm sofrendo com a destruição de espécies nativas causada pelo tucunaré. Sendo um carnívoro de grande porte, passou, nesses ambientes, de caça a caçador e está devorando pequenos peixes e camarões, causando desequilíbrio ecológico nos ambientes onde é introduzido. Esse fato foi constatado num lago do Paraná, onde populações de mais de vinte espécies foram reduzidas depois da chegada deste predador. Segundo relatório do World Conservation Monitoring Centre (1998), uma ONG ambientalista internacional, a mudança de animais para lugares distantes de seu habitat é a principal causa de extinção de espécies no mundo (FRANÇA, 1998). Apesar dessas advertências, há quem defenda a presença de espécies exóticas no Baixo São Francisco, a exemplo do depoimento seguinte: O que a gente tem que fazer é administrar o prejuízo, pois o que é esse rio agora? É uma lagoa? É um canal de escoamento? Nessas condições, quais as espécies que tem condições de sobreviver? São espécies exóticas? Eu sou muito a favor de levar a coisa assim. A questão de dizer que vai causar impacto ambiental com espécies exóticas não é verdade pois o impacto já foi causado. A consequência maior foi para a população que ficou inativa. (...) Então a gente tem que deixar dessa questão de que espécies exóticas é isso ou aquilo, pois eu acho que não se aplica a essa realidade. O caso do baixo tem que ser tratado como um caso especifico. Com certeza o tambaqui vai prejudicar porque é uma espécie diferente, mas tem a vantagem de não desovar nesse trecho, ou seja, se chegar a causar algum impacto você deixa de fazer o peixamento e em pouco tempo se recupera o ambiente. Em contrapartida nós temos uma população que sofre com o caramujo, o schistosoma. A espécie nativa que predava o caramujo já foi extinta. Ai você encontra uma população que 80% tem ou já teve schistosoma. (...) Eu acredito muito no tambaqui, com sinceridade. Tanto no tambaqui como no tucunaré, por incrível que pareça. A questão do tucunaré é que é muito predador e não tem saída para esse fato, precisamos é aprender a conviver com ele (Entrevista com Engenheira de Pesca da CODEVASF, out. 1998). A exemplo do tucunaré, a carpa, vinda provavelmente da Hungria, de Israel ou da China, trouxe para os rios e lagos brasileiros um parasita chamado Lérnia. Este é engolido pelo peixe, provocando ulcerações que podem matar a espécie nativa. A introdução de espécies exóticas constitui uma temeridade para as 2.000 espécies de peixe de água doce existentes no Brasil. Os próprios animais introduzidos podem tornar-se os maiores inimigos das espécies nativas. Sobre o assunto, o Chefe do Centro Nacional de Pesquisa de Peixes Tropicais, Geraldo Bernardino, alerta que o Brasil não tem dado a atenção devida a esse problema (apud FRANÇA, 1998, p. 87). Em resumo, as alterações sofridas pelo Velho Chico ocasionaram a diminuição da velocidade da água, favorecendo a fixação e proliferação de macrófitas no leito do rio. Isso está prejudicando o acesso das redes ao fundo do rio, além de ter criado um habitat favorável às espécies herbívoras que ficam abrigadas e impedidas de serem capturadas por redes de pesca. 127
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Nesse habitat, como já dissemos, há também a predação por parte do tucunaré, dificultando ainda mais a pescaria, além dos prejuízos causados aos apetrechos de pesca por parte do "cabelo e do mato": Pescá aqui está mal e esse cabelo é quem impata o pescador de pegá o poco do pexe que ainda tem. O pexe fica dento do cabelo iscondido e se joga uma tarrafa ela não fecha em baxo e o peixe foge por baxo por causa do cabelo. Isso aí aconteceu por causa das enchente, que nunca mais teve enchente. Quando tem enchente aí leva esse cabelo todo e despeja no meio do mar e aí limpa o rio. Se tiver uma profundidade de tres a quatro metro, o cabelo tá na flor da água, tá em cima, então a rede enche de cabelo, o pexe intala e não maia. Se corré qualqué agüinha o cabelo vai e intala na rede aí o pexe bate e volta. O tilapo (tilápia) pega mas é poco, é tudo dibaxo do cabelo (Seu Odair, 43 anos). Em face de tantos problemas, a cheia é indicada pelos pescadores como solução para limpar o "mato e o cabelo" do leito do rio: Hoje o rio tá ruim purque tem muito mato e hoje num enche. Se o rio inchesse carregava mais da metade desse mato. Quando a gente bota a rede, tem dia que tem até raiva de lavá, o lôdo é demais e eu acho que o pexe se isconde dento desse cabelo (Seu Crocodilo, 48 anos). Há concordância de técnicos com a solução do pescador: A única solução para o rio seria as cheias voltarem, mas como isso é praticamente impossível, poderia se resolver o problema das macrófitas e da piracema com as cheias artificiais. Mas ai não depende da opinião dos técnicos, e sim é uma decisão política, que envolve perda de energia por parte da CHESF (Chefe da Estação de Piscicultura de Itiúba/CODEVASF/Alagoas). Com o aumento da velocidade da correnteza que poderia vir com as cheias artificiais poderia haver uma limpeza no fundo do rio, inclusive há lugares com muito assoreamento e a cheia poderia melhorar isso (Presidente da Associação de Engenheiros de Pesca de Sergipe) Outros fatores como desmatamentos, agrotóxicos e dejetos de esgotos são citados como fatores que interferem na degradação do Velho Chico. Porém, as explicações associam as reações dos elementos vinculados ao rio como se elas fossem humanas, demonstrando a percepção de que ao se naturalizar, o homem também humaniza a natureza: Se num tivesse as barrage e se num tivesse tido o desmatamento de baixo e de cimo do rio, eu acho que todo ano o rio inchia. Tiraro muita sombra do beiço do rio, resseca muito e os pau num chora água, num tem sombra, aí dá uma base toda descampinada (Seu Pitu, 44 anos). O Seu Léo, (54anos), equipara as reações do peixe às do homem diante do frio: O rio tá muito prejudicado, mas quando dá o inverno, cum a frieza o pexe num caminha. O pexe é igual a gente, num anda no frio. Cum frio quem é que vai andá? Além desses fatores que contribuem para o declínio da pesca no Baixo São Francisco, alguns pescadores admitem alguma responsabilidade por parte deles: pescam de maneira intensiva (sobrepesca) determinadas espécies e praticam a pesca predatória. Na opinião de DIEGUES (1995), o pescador só passa a depredar quando é compelido a tanto. Isso é, aliás,
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um sinal da desestruturação das comunidades pesqueiras (p.100). Porém, tais atitudes, mesmo consideradas condenáveis, são "suportadas" devido ao estado atual de carência do pescador. Para SOUZA & MILLS (1995), a degradação humana leva à degradação ambiental: ...em situação de extrema pobreza, o indivíduo não tem qualquer compromisso com a preservação ambiental, uma vez que os grandes interesses e valores da sociedade não lhes dizem respeito, porque esta mesma sociedade não impede a sua péssima qualidade de vida por não promover a justiça social (p. 165). Esse fato foi presenciado durante o trabalho de campo, quando companheiros foram apontados abertamente e a essas críticas, às vezes, reagiam com um tom até agressivo. Ao final da discussão, sempre chegava-se à conclusão de que a falta de peixe é que está levando o pescador a agir como degradador dos recursos pesqueiros. Durante a pesquisa de campo, ficou evidente o entendimento do papel da fiscalização como necessária à proteção dos recursos pesqueiros. Mas, alguns pescadores questionam as formas de abordagens dos fiscais, assim como a ineficiência de algumas medidas de ordenamento pesqueiro, principalmente o defeso da piracema, tendo em vista as mudanças no rio. As discordâncias se manifestam, tanto na forma verbal, quanto no comportamento de desobediência à legislação: Eles sofrem durante o defeso porque quando o IBAMA impata a pesca diz quais são os petrechos que pode pescá. Mas a maior parte não tem esses equipamentos, então eles sofrem porque não tem com que pescá e a lancha da fiscalização não sai de dentro dágua. Uma vez a lancha da fiscalização do IBAMA baixou aqui e meteu o pau (Dona Zezé, moradora antiga e que administra o bar da prainha de Amparo). As vez nós dá uma fugida no tempo proibido purque ninguém vai morrê de fome e nem deixá os filho cum fome também (Seu Pedro FM, 42 anos). O IBAMA justifica sua atuação com o seguinte argumento: A fiscalização é necessária porque nosso instrumento de trabalho é a legislação ambiental. Poderemos ser cobrados pela nossa omissão ou tolerância demasiada. Mas procuramos discutir tudo sobre o defeso com os próprios pescadores. Nas últimas reuniões, houve cobranças dos próprios pescadores para que o IBAMA atue de maneira mais eficiente para coibir a pesca predatória (Técnico do IBAMA/SE). O defeso da piracema, para muitos pescadores, não está cumprindo seu objetivo, tendo em vista as mudanças do rio: A parada da pesca é importante purque o pexe precisa desová, mas o rio num enchendo o pexe desova e perde a ova. Eu acho que com a parada e sem ela é a mesma coisa, não aumenta em nada o pexe. Prá mim num serve prá nada (Seu Joninha, 34 anos). Apesar de concordarem que o defeso é importante, os pescadores afirmam que, nas atuais condições do rio, ele só está servindo para penalizar o pescador. Devido ao estado de carência da categoria, alguns pescadores terminam não cumprindo a lei. Os depoimentos seguintes ilustram essa afirmativa: Se o rio num enchê o peixe num aparece, num adiante. A parada é importante para o pexe porque ele pode se reproduzí, agora o mais importante para o pescador e para o pexe é se o rio enchê. Quando a água tá suja, desova nas pedra e o pexe se cria, mas quando desova na água limpa o pexe morre. Prá mim é um tempo só, com 129
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defeso e sem defeso, é uma coisa só, num tem pexe do mesmo jeito. Muitos pesca nessa épuca, pois coitados, vão dá um lance nas carreiras, com medo de sê preso e de prendê as rede e a canoa (Seu Antônio de Alves, 67 anos). O período do defeso (nov/dez/jan) coincide também com o período de estiagem na região, o que torna difícil até a alternativa da agricultura para os pescadores: Esse tempo é mais difício purque é tempo de seca e é pió ainda purque nem prá plantá dá. O pescador passa 2 mes sacrificado sem pescá com 5, 6 filhos prá dá de comê dento de casa, aí passa apertado (Seu Taua, 48 anos). As dificuldades para atendimento às necessidades básicas da família são acentuadas durante o defeso, e, muitas vezes, leva o pescador ao endividamento no comércio local ou à busca da ajuda de parentes: É grande a dificudade prá comprá comida, prá tudo que falta. Estica o dinhero ou compra fiado ou mermo vai na casa de um parente e pede ajuda. As vez nós dá uma fugida prá pescá no tempo proibido purque ninguém vai morrê de fome e nem deixá os filho cum fome também (Seu Pedro FM, 42 anos). Segundo Seu Zé Codoca (55anos), o defeso só é positivo para amansar o peixe, que passa um tempo descansando; isso facilita o trabalho do pescador quando vai pescar após o referido período: Só vale a pena o defeso porque com a parada o pexinho pequeno já tem condição de crescer mais e, em tudo que pára, o pexe fica queto e aí quando a pessoa entra encontra o pexe mais fácio. Se pescá direto, direto, o pexe fica mais sabido e prá pegá fica mais difício Apesar dos questionamentos quanto à eficiência do defeso, percebe-se que a maioria dos pescadores respeita tal período: Ninguém acha bom o defeso, eu mermo não acho bom. Pará de pescá num adianta, é melhô continuá pescando. A maioria dos pescadore respeita esse tempo que num pode pescá, mas tem alguns que continua pescando de noite, mas são pouco e depende da precisão (Seu Léo, 54 anos). Comparando-se as observações de campo com os momentos de reuniões para definição do período do defeso da piracema, realizadas em Própriá (SE) e Piaçabuçu (AL) já citadas, percebe-se nitidamente que a existência de divergências em relação ao defeso prendese, em grande parte, à sobrevivência e às dificuldades de acesso ao seguro-desemprego. Segundo dados do Ministério do Trabalho/SE, em todo o Baixo São Francisco sergipano 355 pescadores (163 da Z-7 e 192 da Z-8) foram beneficiados no defeso de 97/98. A questão de não haver mais cheias no rio e não "barrear" as águas é muito citada como motivo para questionar o defeso. Mas percebe-se que a discordância maior é do segmento que não tem acesso ao referido seguro. Este fica impedido de exercer sua atividade profissional (desempregado temporariamente) como também e, simultaneamente, de dispor dessa ajuda financeira. Tal fato, aliado à crise atual da pesca no BSF, contribui para o agravamento da situação de pobreza e carência do pescador e de sua família, levando-o, muitas vezes, a transgredir a lei. Através dos depoimentos dos pescadores, percebemos que a visão destes a respeito das políticas públicas não denota uma consciência política. O papel do pescador, embora às vezes crítico, é meramente de receptor de pacotes tecnológicos. Não se identifica em suas falas qualquer alusão ao direito de exercício da cidadania, apenas percepções superficiais da conjuntura brasileira. Tal fato pode ser entendido pela fraca representatividade de seus órgãos 130
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de classe (Colônias de Pescadores), que não atuam numa visão crítica/política junto à categoria, contribuindo para que os pescadores interpretem os problemas através do fatalismo e da religiosidade, dificultando qualquer ação política. A realidade pesqueira de Amparo do São Francisco se constitui em apenas um pequeno universo que está contido no universo maior da pesca do Baixo São Francisco. Porém, a realidade apresentada neste capítulo expõe a gravidade da crise atual da pesca artesanal, produto de políticas públicas equivocadas implantadas na região.
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A CRISE ATUAL DA PESCA: PRODUTO DAS POLÍTICAS
O rio São Francisco está pior. De primero era limpo e tinha muito pexe. Quando o Presidente vendeu o rio, acabou todo o São Francisco com as barrage. Eu não sei purque mas o rio está perdido. Para um pescador com filhos, se acabando de fome e duente, sem poder trabaiá, é fogo! Nós tamos é se acabando (Seu Toinho, 42 anos).
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A atividade pesqueira é exercida em um ambiente complexo e sujeito a uma série de efeitos internos e externos, cuja correlação entre eles ainda hoje não é adequadamente conhecida. Assim, o ambiente aquático e, conseqüentemente, os seres vivos que o habitam, sofrem influências de todos esses efeitos. Além das oscilações climáticas e aquáticas naturais que tornam difíceis as previsões em termos de pesca, a atuação do homem, resultando, na maioria das vezes, num manejo inadequado da natureza, tem causado inúmeros problemas, a exemplo dos apresentados no capítulo anterior. O pescador do Baixo São Francisco, Seu Toinho, expressa, em sua poesia, uma compreensão profunda do equilíbrio existente neste sistema ecológico tão complexo: Em começo de outubro o rio começa a altear Com suas águas barrentas, que é o adubo natural Produzindo camarões e peixes para o pescador pescar Enchendo as grandes várzeas, era lindo se apreciar Cupins, formigas, grilos, ratos nas águas começam a boiar Tornando-se alimentos para os peixes engordar Neste grande equilíbrio quem ganhava era a população Tanto dos peixes e das aves como de nós cidadãos Porque não precisava adubos para fazer plantação. Entretanto, esse sistema do São Francisco sofre influências e modifica-se. Atualmente, a pesca, um componente importante do sistema, passa por um momento crucial cujo declínio vem sendo constatado dia a dia, tanto pelos pescadores quanto por algumas pesquisas locais, como veremos a seguir. 5.1 SINALIZADORES DA CRISE PESQUEIRA A crise pesqueira, atualmente observada no Baixo São Francisco, advém principalmente da sucessão de barramentos em todo o curso do rio. A partir da construção das barragens de Sobradinho e de Itaparica foi sentido um decréscimo na produção pesqueira local. Porém, depois da construção de Xingó, houve uma redução drástica nos volumes de capturas, configurando-se, portanto, a atual crise. Por exemplo, o Estudo de Impacto Ambiental de Xingó (CHESF, 1993)(¹) constatou na região a presença de 45 espécies de peixes e 5 de camarões. Já o Estudo de Impacto Ambiental de Borda da Mata (²), realizado em 1997, no Município de Canhoba (Baixo São Francisco), detectou a presença de apenas 25 espécies de peixes e 2 de camarões. Comparando-
¹ EIA-Xingó: Elaborado por ENGE RIO e apresentado pela CHESF ² EIA - Borda da Mata: Elaborado pela AMBIENTEC e apresentado pala SEAGRI/SE
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se tais dados, embora tal fato necessite de estudos mais rigorosos, percebe-se que, em apenas 4 anos, há indicativos do desaparecimento de 20 espécies de peixes e 3 de camarões. O primeiro estudo aponta 34 espécies utilizadas na alimentação da população local; já o segundo identifica apenas 20 espécies com o mesmo uso. Apesar de não ser um dado conclusivo, e, considerando diferenças nas metodologias utilizadas nas pesquisas, é um indicativo e pode servir de parâmetro para confirmar os depoimentos apresentados neste trabalho. O próprio EIA de Borda da Mata afirma que os pescadores do Assentamento de Borda da Mata constataram a diminuição do número de peixes no Rio São Francisco após a barragem da Usina Hidrelétrica de Xingó (SEAGRI, 1997, p. 94). Há, também, um estudo de SANTOS (1997) que trata da relação sociedade-natureza em Ponta dos Mangues, demonstrando como o mau gerenciamento da bacia do São Francisco repercute na qualidade de vida dos pescadores locais. Os sinais do declínio da pesca no Baixo São Francisco são apresentados também por SOUZA (1998). A autora constatou em seus estudos a redução da biodiversidade aquática decorrente da mudança do regime do rio São Francisco, refletindo de maneira direta na socioeconomia dos pescadores de Brejo Grande e Ponta dos Mangues. O estudo sobre o sertão do Baixo São Francisco, tomando essa bacia hidrográfica como unidade de estudo (FONSECA & BASTOS, 1998), ao analisar o setor primário da região, também se refere ao declínio da pesca local: A pesca é praticada não apenas como atividade produtiva, mas também como fonte de alimento e lazer da família. Com a construção de barramentos para a formação de lagos de hidrelétricas e a utilização da irrigação em toda a bacia do São Francisco, o nível do rio foi alterado, com cotas cada vez mais baixas na porção à jusante de Paulo Afonso. Com essas alterações, o peixe 'sumiu' do rio e mesmo os peixamentos feitos pela CODEVASF não alteraram as condições existentes. Os pescadores reclamam da falta de condições para continuarem a sobreviver com a pesca e a população local reclama da falta desse alimento, que sempre se constituiu numa fonte alternativa de proteínas (p. 12). Outra fonte importante de conhecimento da situação atual é o Relatório Preliminar do Levantamento Sócio-ambiental da Região de Xingó. Este foi realizado por técnicos do IBAMA de Brasília, Sergipe e Alagoas (MMA/IBAMA, 1998), objetivando discutir a participação desse órgão no Programa Xingó. Durante os estudos de campo, os técnicos levantaram os problemas junto a lideranças, prefeitos e pescadores das cidades de Canindé do São Francisco e Poço Redondo, em Sergipe, bem como nas cidades de Delmiro Gouveia e Piranhas, em Alagoas. Em relação à pesca, a conclusão do relatório aponta para a acelerada destruição da base material de sobrevivência dos pescadores após a construção de Xingó, com a diminuição da oferta de pescado e a impossibilidade da realização da piracema, deixando para esse segmento um alto custo social. O depoimento do Presidente da Câmara de Vereadores de Amparo do São Francisco vem ao encontro da conclusão do referido relatório: Tudo aconteceu de três anos para cá, depois de Xingó. Aqui em Amparo saía camarão para Aracaju, Propriá, Aquidabã, e hoje o peixe não dá nem prá gente daqui (Nov/98). A Secretaria de Ação Social da Prefeitura de Amparo do São Francisco também se posiciona sobre a crise da pesca local, comparando-a à crise do arroz na região: Dizem que a vocação de Amparo é a pesca, mas sinceramente eu não vejo futuro. Assim como o arroz que já se acabou aqui, está acontecendo a mesma coisa com a pesca. A pesca foi muito importante prá Amparo, mas hoje está se acabando, por isso 135
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eu não sei nem quantos pescadores existem aqui, pois eles estão procurando outros meios para sobreviver porque a pesca está muito difícil (Nov/98). Na opinião dos pescadores, o declínio da pesca está deixando a categoria sem perspectiva, obrigando-os a procurar outras atividades: Os pais de família tão tudo se acabando de fome. Como é que vou criar quatro filho? Uma parte tá vivendo das frente de trabaio e os outro tem que se virá e procurá otra coisa prá ganhá um dinherinho. Uns vão pra roça, otros vão sê pedreiro purque a pesca num tá dando mais (Seu Toinho, 42 anos). Os sinais da crise são aceitos pelo governo que intervém com as frentes de serviço. Embora se tratando de uma saída emergencial do governo, essas frentes não se apresentam como uma saída para todos, devido à falta de continuidade e à baixa remuneração: Alguns pescadores tão sobrevivendo das frente de trabalho, mas quando terminá num sei o que vai ser deles. Quem tem um negócio diferente não vai se sujeitá a ganhá os R$80,00 da frente de serviço. Eu no caso tô com uma viração pois tô pegando o peixe de viveiro do Dr. Sílvio Menezes que é um fazendeiro daqui, e tô vendendo na feira, mas prá eu viver só da pescaria não tá dando. Como é que eu vou criar quatro filho? (Seu Odair, 43 anos) O problema fundiário local é destacado como um agravante à falta de alternativas de trabalho, conforme a seguinte verbalização: A maioria dos pescador tá procurando a agricutura prá num morrê de fome, mas sempre na terra de alguém purque tudo aqui é dos grandes. É poco patrão prá muita terra (Seu Pedro, 47 anos). Apesar de um panorama tão desfavorável, Amparo do São Francisco está despertando para o turismo local, inclusive já sendo citada no roteiro turístico do Baixo São Francisco (BEZERRA & CARVALHO, 1999). Nos finais de semana o turista se deleita com a "Prainha" e o banho no Velho Chico (Figura 55), além de peixadas servidas no principal bar local. Porém, a presença maciça do "cabelo" e do "mato", no leito do rio, está afastando a clientela, que, depois do banho, nesse ambiente, queixa-se de coceiras provocadas por essas vegetações.
Figura 55 Prainha de Amparo do São Francisco, destacando-se o "Nilthynhu's Bar" da Dona Zezé e o banho no Velho Chico. Set/98. (VOCR)
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A exploração turística da Prainha de Amparo poderia se constituir num incentivo econômico (mercado) para o pescador local. Porém, as dificuldades atuais da atividade pesqueira e conseqüente irregularidade no abastecimento de peixes levam os proprietários dos bares locais a adquirirem o pescado congelado em Sobradinho (Bahia), servindo de formas variadas aos turistas (Figuras 56 e 57). Figura 56 Curimatãs (Prochilodus vimboides), vindas de Sobradinho. Out/97 (VOCR).
Figura 57 Surubins (Pseudoplatystoma ssp) servidos aos turistas e também provenientes de Sobradinho. Out/98 (VOCR).
Nesse contexto de tantas dificuldades na atividade pesqueira, a análise que os pescadores fazem de sua situação é unânime. As adversidades são tantas que terminam por inviabilizar a possibilidade de garantir o sustento pessoal e familiar apenas com a pesca. Esta, de atividade principal passa a secundária, exigindo a busca de outras alternativas de subsistência. Assim, representa um fracasso pessoal, por não conseguir manter o papel de provedor familiar, apesar de dominar os segredos dessa profissão. O passado do pescador aparece como um momento de saudosismo, uma época em que havia esperança e segurança no seu papel enquanto patriarca da prole. 5.2
AÇÕES INSTITUCIONAIS
Diante desse quadro, em maio de 1998, o Presidente do CEEIVASF encaminhou ao Conselho Deliberativo dessa Instituição o Termo de Referência para o Estudo da Cheia Artificial no Baixo São Francisco. Esse termo foi aprovado e encaminhado à Presidência da CHESF, tendo como objetivo a realização de estudos visando à definição da viabilidade técnicoeconômica e socioambiental da proposta. Esta também aborda os reflexos da execução da cheia artificial no rio São Francisco para promover a piracema e o enchimento das lagoas marginais situadas abaixo da Hidrelétrica de Xingó, para a reabilitação do ciclo reprodutivo da ictiofauna. O Termo de Referência envolve também uma definição dos limites da área geográfica que será afetada pelo evento, além da identificação e avaliação dos impactos ambientais gerados, do levantamento de custos e seu monitoramento, assim como a identificação dos responsáveis por cada ação (CEEIVASF, 1998). 137
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Apesar da possibilidade de cheias artificiais ter sido prometida pela CHESF, desde 1994, o prazo para realização dos estudos (18 meses) contribui para a descrença dos pescadores de que ela seja realizada, uma vez que a CHESF prioriza a geração de energia. O compromisso de alocação de recursos para esse estudo foi assumido por representantes da Secretaria Nacional de Recursos Hídricos (SNRH), vinculada ao Ministério do Meio Ambiente e Companhia de Desenvolvimento do Vale do São Francisco (CODEVASF). Porém, o recente desmembramento desse Ministério e a transferência de parte da atividade pesqueira para o Ministério da Agricultura fez aumentar a descrença na solução da questão. Para os pescadores, a questão é muito urgente e não pode esperar pelos estudos, mesmo porque eles não acreditam em sua execução. As intervenções oficiais na pesca do Baixo São Francisco restringem-se ao ordenamento definido pelo IBAMA e às esporádicas ações de peixamentos realizados pelo IBAMA e em menor escala pela CODEVASF. A CHESF, apesar de possuir Estações de Piscicultura, não está repovoando o Baixo São Francisco, conforme a declaração seguinte: Primeiro estamos fazendo o levantamento liminológico do reservatório, o monitoramento da pesca e com esses dados aí é que vamos definir o que fazer. Ninguém faz peixamento por fazer, por número. Qual é a resposta disso?. Os reservatórios estão pobres do mesmo jeito (...). O nosso procedimento não é mais peixar com espécies exóticas, não é fazer coisa sem base. Na própria Chesf ainda não temos um Programa de Peixamento oficial, porque é pela primeira vez que vamos ter um monitoramento completo com qualidade de água, que é suporte da cadeia alimentar. Só depois de 1 ou 2 anos é que saberemos que indicadores, ou que espécies estão diminuindo (Entrevista com o Chefe do Departamento de Meio Ambiente da CHESF, jul. 1998). Com relação às medidas de ordenamento pesqueiro, o Defeso da Piracema vem sendo discutido anualmente com o setor técnico do IBAMA de Alagoas e Sergipe, Colônias e Federações de Pescadores de Alagoas e Sergipe. As últimas reuniões, realizadas respectivamente em 28/08 e 15/09/98 (Figuras 58 e 59), confirmaram o Defeso da Piracema para o mesmo período dos anteriores, ou seja, 15 de novembro a 15 de janeiro.
Figura 58 Reunião com os pescadores realizada em Piaçabuçu (AL), para definição do período do Defeso da Piracema, sob a coordenação da Federação de Pescadores de Alagoas e IBAMA AL/SE. Ago/98 (VOCR). 138
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Figura 59 Reunião com pescadores realizada em Propriá, para definição do período do Defeso da Piracema, sob a coordenação da Federação de Pescadores de Sergipe e IBAMA SE/AL. Set/98 (VOCR).
Cabe ressaltar que estes fóruns são marcados pela presença de representantes da categoria (Presidentes de Colônias e de Federações) e de poucos pescadores. Estes participam timidamente, porque, entre outros motivos, apresentam baixo nível de conscientização política, além das dificuldades financeiras para deslocamento até os fóruns da categoria, conforme o seguinte depoimento: De um modo geral, a sociedade São Franciscana é alienada para as questões do rio. Só a partir de Januária é que existe várias iniciativas de defesa do São Francisco. (...) As Colônias de Pescadores têm uma influência de organização mas padecem de falta de recursos. Por exemplo, eu fiz a última reunião do CEEIVASF aqui no Baixo São Francisco com nova estrutura do Conselho e como manda a legislação, com a participação dos pescadores. Arrumei hospedagem e comida. Não foram por falta de recursos para a passagem de ônibus, então fica difícil a participação deles (Entrevista com o Presidente do CEEIVASF, ago. 1998). Nessas reuniões, a questão mais discutida entre as lideranças da pesca e os técnicos do IBAMA é a mudança da cor da água do rio. Atualmente encontra-se transparente por conta da redução da correnteza e por falta de água "nova" para "barrear"o rio, o que contribui para desproteger os peixes, no período de desova (Defeso da Piracema). Essas mudanças geram questionamentos sobre a validade desse Defeso, uma vez que não está havendo cheias e, conseqüentemente, os peixes não estão desovando. Além disso, o Defeso expõe o pescador à interrupção de sua atividade profissional, gerando dificuldades para sobrevivência sua e da família.
139
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Alguns encaminhamentos foram definidos nesses fóruns, tais como o envio de ofícios ao Presidente da CHESF, solicitando a liberação da água (cheia artificial) durante o Defeso. Seguem abaixo trechos de tais expedientes por parte das Federações de Pescadores de Sergipe e Alagoas, como também do IBAMA de Sergipe e Alagoas: Aproveitamos a ocasião para lembrar a V. S. que em 1994, na sede do IBAMA em Alagoas, a CHESF se comprometeu em soltar água durante os períodos de defeso da piracema e até o momento isso não foi cumprido. Não achamos justo que o pescador seja tratado como objeto, onde suas necessidades não sejam consideradas e que a CHESF só pense em rendimentos financeiros com a produção de energia. O uso da água é múltiplo e o pescador já a utilizava e sobrevivia dela de maneira equilibrada, mas a CHESF chegou, impactou o rio e deixou o pescador sem alternativas e passando fome. Então perguntamos: que desenvolvimento é esse? Portanto, apelamos para o senso humanitário e de justiça com essa população no sentido de que libere água da Barragem de Xingó durante o próximo defeso da piracema que será no período de 15 de novembro a 15 de janeiro/99, para que o defeso possa cumprir seus objetivos de reprodução das espécies e assim amenizar a situação dos pescadores do baixo São Francisco (FEDERAÇÃO, 1998b). O ofício encaminhado à CHESF pela Superintendência do IBAMA de Sergipe aborda a amplitude dos impactos ambientais decorrentes da construção de Xingó, além de apoiar o pleito da Federação de Pescadores de Sergipe: (...) Na oportunidade, lembramos a Vossa Senhoria que desde 1994 as comunidades ribeirinhas desta região vêm se deparando com inúmeros problemas causados pela redução do volume de água no Baixo São Francisco. Esses problemas refletem a extensão dos danos ambientais causados pela Barragem de Xingó. Apesar de buscar soluções junto ao governo, até o momento, nenhum órgão, inclusive a CHESF, responsável pelo empreendimento, foi capaz de implementar ações que pudessem minimizar esse quadro. (...) O documento da Federação de Pescadores de Sergipe recebe dessa Superintendência todo nosso apoio, na medida em que nos posicionamos pela necessidade de encontrar uma saída urgente para a questão, mesmo que provisória, até que se adote aquelas que definitivamente solucionarão o drama desses ribeirinhos (IBAMA, 1998). Até o momento não houve resposta formal da CHESF aos citados ofícios. A manifestação mais recente sobre a grave situação em que se encontra o Baixo São Francisco é a Carta de Penedo/AL. Esta foi gerada por ocasião da reunião ampliada do CEEIVASF, realizada nos dias 25 e 26/02/99, e contou com a presença dos prefeitos do Baixo São Francisco sergipano, além de alguns prefeitos de Alagoas, Pernambuco, Bahia e Minas Gerais. O documento aprovado foi encaminhado às autoridades Federais e Estaduais, contendo basicamente um posicionamento contrário à privatização da CHESF e à transposição das águas do São Francisco, pelos prejuízos que tais iniciativas poderão trazer para a região. O problema da pesca é colocado entre os vários apresentados: Outros aspectos econômicos afloram, tais como: invibilização de uma hidrovia no médio e baixo São Francisco e da eletrificação rural subsidiada, além da impossibilidade definitiva da atividade pesqueira sustentável. (...); em consequência dessa perspectiva de mercado, típica da iniciativa privada, seriam buscadas vazões otimizadas para geração de energia, donde adviria o descaso com o processo, já em 140
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curso, de rompimento da piracema e do ciclo de inundações das lagoas marginais, principalmente do baixo São Francisco, berçário das principais espécies nativas (CEEIVASF, 1999). Fica evidente que o possível interesse governamental no rio São Francisco prendese aos aspectos energéticos, uma vez que não se percebe vontade política de implementar alternativas, a curto ou médio prazos, para minorar a crise pesqueira no Baixo São Francisco. Um exemplo disso é a falta de um programa de repovoamento do rio com espécies nativas. Sobre alguns peixamentos (introdução de alevinos) realizados no Baixo São Francisco, não existe ainda uma avaliação do IBAMA nem da CODEVASF sobre seus resultados devido às dificuldades operacionais para tal controle. Segundo o Chefe do Departamento de Meio Ambiente da CHESF, a primeira parte do Programa de Monitoramento da Pesca já apresenta indicativos de que os peixamentos estão apresentando resultados positivos: O estudo do monitoramento da pesca, feito em conjunto com a UFAL e a RURAL, tem demonstrado que a grande saída é o repovoamento massivo do rio. Pela primeira vez esse monitoramento está demonstrando que os repovoamentos estão dando certo (Entrevista com o Chefe do Departamento de Meio Ambiente da CHESF, jul. 1998). Apesar da relevância do monitoramento, o desconhecimento da sua realização por parte dos técnicos é sentido, talvez por não ter sido bem divulgado: Sobre o monitoramento da pesca pela CHESF, eu nunca vi. Eles falam, mas não sei se está sendo feito a rigor (Entrevista com o presidente do CEEIVASF, ago. 1998). O monitoramento da pesca é necessário para uma avaliação dos peixamentos e do defeso da piracema, os quais objetivam recuperar a fauna aquática do rio. O pronunciamento seguinte demonstra essa necessidade: Eu acho que deveria se fazer estudos de monitoramento da pesca afim de comprovar a eficiência do defeso e saber o que está acontecendo no rio em termos de biodiversidade, mas não conheço quem esteja fazendo isso (Entrevista com o Presidente da Associação de Engenheiros de Pesca de Sergipe, out. 1998).
5.3
COMENTÁRIOS FINAIS
Apesar da crise pesqueira e do rio São Francisco ter reduzido significativamente seu papel de polarização e de organização do desenvolvimento econômico regional, ele continua tendo um papel de destaque para os ribeirinhos, significando muito mais do que uma simples fronteira natural. Essa reflexão é a base que fundamenta a análise final deste trabalho, que enfoca a incerteza (crise) por que passam os pescadores do Baixo São Francisco, como resultante de intervenções públicas impostas na região e seus reflexos no futuro do pescador. Além de representar a "riqueza" para o pescador, o rio São Francisco serve como fonte de suprimento de água para o consumo das populações do município, atendendo às suas necessidades básicas; o Velho Chico é local de lazer de final de semana e ainda um meio de transporte. 141
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Figura 60 O Rio São Francisco como meio de transporte da comunidade. Set/98 (VOCR).
Sem dúvida, a comunidade pesqueira do Baixo São Francisco vem pagando um alto custo pela construção da Usina de Xingó. Este empreendimento produziu um outro meio aquático diverso do anteriormente existente. O rio que anteriormente lhe fornecia o peixe em abundância, já não existe mais. A barragem tornou impossível a piracema naquele trecho, levando à redução o estoque pesqueiro e, com isso, comprometendo a sobrevivência do próprio pescador. Por outro lado, a existência do lago, além da geração de energia, criou potencialidades para o desenvolvimento da aqüicultura como atividade rentável e também para sua exploração turística. A pesca esportiva (tucunaré), ou mesmo a exploração da beleza da paisagem apresentam-se como alternativas econômicas, mas, certamente, essas opções não estão disponíveis para todos os pescadores do Baixo São Francisco. O Pólo de Aqüicultura inaugurado recentemente pela CODEVASF, no Baixo São Francisco, destina-se à piscicultura empresarial. Dessa forma, o pequeno pescador continuará sem alternativa profissional, uma vez que não possui área para implantação do empreendimento e lida com as dificuldades de acesso ao crédito e à assistência técnica. O futuro do pescador, nesse tipo de empreendimento, é provavelmente tornar-se mão-de-obra dos piscicultores. Mas, há quem ache possível a transformação do pescador em piscicultor, por entender que o pescador é predador e que a piscicultura se apresenta como uma atividade rentável e segura: No meu ponto de vista, dentro da preservação ambiental, não sou a favor de incentivar a pesca artesanal. Sobre essa realidade eu vejo o pescador sempre como um predador. Ele vai precisar sobreviver então ele vai ser sempre um agente que vai cada vez mais deplecionar os estoques. Isso somado aos impactos da bacia, não tenho dúvidas que é um problema. Eu acho que tinha que haver uma ação governamental que incentivasse cada vez mais a aquicultura. Os pescadores precisam ser conscientizados para se transformarem em aquicultores, porque aí vai ser uma atividade segura, rentável e com mercado garantido (Entrevista com o Chefe do Departamento de Meio Ambiente da CHESF, jul. 1998). A questão colocada é: "Como os pescadores poderão participar desse processo?". A sua inserção na aqüicultura representa uma mudança cultural profunda, na medida em que eles passariam de extratores/coletores para cultivadores, além da descrença dos pescadores na 142
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ação coletiva. Sobre tal mudança, NEIVA (1990, p. 14) se posiciona dizendo: culturalmente, o pescador artesanal é um caçador. Não se mudará essa cultura abruptamente. Esses indicadores já sinalizam a insustentabilidade de tal alternativa nos moldes em que estão sendo apresentados pela CODEVASF e pela CHESF. A Federação dos Pescadores de Alagoas se mostra descrente no acesso à piscicultura por parte do pescador, além de enfatizar que a saída para a pesca é a liberação da água das barragens: Para nós pescadores, eu não vejo com bons olhos o projeto da CODEVASF de Piscicultura. Primeiro, não temos recursos nem terra e essa questão de se criar peixe é para empresários. Para criar peixes no rio é preciso saber que nos não temos recursos para fazer. Outra coisa é ter uma fiscalização muito grande porque vai existir roubalheira. Nós não consideramos a piscicultura como o futuro ideal para o Baixo São Francisco, apenas uma tentativa a espera de uma maior produção de peixes, mas a melhor alternativa é a CHESF liberar a água. Eles tem que fazer estudos e nós estamos na preocupação de que eles tenham que soltar nesta época do defeso. Então, prá que defeso? (Entrevista com o Vice-Presidente da Federação dos Pescadores de Alagoas, ago. 1998). Aliando-se aos argumentos apresentados, o Superintendente do IBAMA, em Sergipe, posiciona-se sobre a transformação do pescador em piscicultor: A atividade pesqueira no Baixo São Francisco para quem extrai o peixe, está numa crise terrível. O IBAMA está tentando fazer o repovoamento, mas acho que o futuro disso vai ser a aquicultura de águas interiores. O ato da pesca tem toda uma tradição, toda uma cultura, até o bate papo na beira do rio, as mentiras e conversas fazem parte da sua cultura pesqueira. Será que esse pescador está preparado para o exercício de aquicultura de águas interiores? Ele terá estrutura de produção ou será apenas mãode-obra para os empresários? Porque o pescador do Baixo São Francisco só é empregado de Deus. Eles buscam no rio o seu sustento, eles não são empregados, não têm patrão. A maioria é dono do seu próprio barco e de sua rede e seria muito difícil, de repente, passarem a ser empregados (Entrevista com o Superintendente do IBAMA/SE, ago. 1998). O Presidente do CEEIVASF chama a atenção para a tradição pesqueira: Acho a situação do pescador do Baixo São Francisco uma situação gravíssima, porque são pescadores artesanais e só sabem fazer essa atividade, estão habituados a um ritmo próprio de trabalho, de pescaria. Eles não estão habituados a outra atividade, até a piscicultura é uma atividade diferente para eles e vão estranhar muito porque perdem a liberdade. Na pesca eles saem na hora que quer, chegam também na hora que querem, é um trabalho diferente da obrigatoriedade de estar dando ração a um animal, observando, etc.(...) Eu conheço autoridades que dizem "tem que acabar com esse negócio de pescar, tem que transformar o pescador em piscicultor". Isso é mexer em um caldeirão, porque existem gerações e gerações que vão passando de pai para filho e isso não pode ser descartado. Temos que encontrar uma solução (Entrevista com o Presidente do CEEIVASF, ago. 1998). Infelizmente, a questão cultural, que envolve a pesca, vem sendo ignorada pelo sistema de planejamento que provoca a intervenção na região. Em muitos casos, segundo DIEGUES (1995, p. 3) está ameaçada a sobrevivência da cultura das comunidades pesqueiras, cujos valores e tradições estão sendo descaracterizados pelos meios de comunicação de massa e pela falta de apoio dos órgãos governamentais. Como conseqüência, alterações indesejáveis são implementadas, agravando os problemas já existentes, tanto na pesca fluvial quanto marítima. 143
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O fracasso das estratégias aplicadas à pesca exige um novo equacionamento dos problemas, de enfoques criativos e, sobretudo, de novas estratégias e políticas para o desenvolvimento da pesca artesanal, não só no Nordeste, mas em todo o Brasil. De acordo com DIEGUES (1992), muitos estudos apontam a existência, no interior da atividade pesqueira, de um conjunto de mecanismos culturais destinados à conservação dos recursos. Esse autor refere-se à atividade pesqueira como portadora de um cabedal de crenças e valores que tem uma função de conservação: O conhecimento dos pescadores sobre pesqueiros, que não é transferido a outros tem uma função de conservação das espécies (...) alguns esquemas de manejo são baseados em técnicas tradicionais que as populações pesqueiras utilizam para pescar sem destruir os habitats e seus recursos (p. 80). Inserir esse conhecimento nos planejamentos para a região é fundamental, para que não se preserve apenas uma espécie ou um ambiente, mas que se preserve também outra espécie natural: o homem. Na percepção dos pescadores, a possibilidade de melhoria de vida não é analisada como algo que dependa deles, mas sim das autoridades, caso tomem as devidas providências, sobretudo, que mandando soltar as águas de Xingó: O jeito era falá com o Prisidente prá mandá soltá as água (Seu Pagão, 29 anos). A prefeitura devia dizê ao Presidente e ao Governador para enchê o rio que o pescador tá pricisando do pexe, camarão, pitu e tudo, purque não tá dando nada. Soltando a água lá em cima aqui nós temo peixe (Seu Toinho, 42 anos). O pescador, mesmo na tentativa de apresentar solução para seu problema, demonstra preocupação em não prejudicar outras populações localizadas à montante da barragem de Xingó: Pelo menos na épuca justa, se o governo soltasse pelo menos 3 metro de altura de água, pelo menos vinha pexe de lá prá cá. Soltando a água encheria o rio, enchia as lagoas aí se plantava arroiz e não ia prejudicá ninguém lá de cima (Seu Duval, 44 anos). A falta de alternativas de trabalho na região deixa o pescador totalmente vulnerável, reforçando ainda mais a necessidade de cheias no rio para regularizar a pesca. A figura do Presidente da República é identificada como principal responsável pela transformação das condições do rio: Agora tá muito dificio pro pescador, porque também num dá prá mudá de ramo pois num tem nada prá se trabaiá. A culpa é do Prisidente, pois depois das barrage que construiram, o rio num enche mais (Seu Taua, 48). Antigamente quando o rio enchia e as águas sujava, o pexe era demais e agora o rio num suja as água e o pexe num aparece. Tá tudo muito diferente e a culpa é do Presidente que é quem toma conta do rio. Tá nas mãos dele. (Seu Déu, 51 anos) A possibilidade de acesso ao crédito para compra de embarcações e redes de pesca não é apontada como solução, pois o retorno financeiro da pesca não é suficiente para honrar os compromissos bancários. Apenas um pescador apontou o crédito como opção, mas na condição de tentar a pesca "fora da barra" ou no reservatório de Xingó: Se existisse financiamento, mesmo assim num melhorava a pescaria purque como é que o pescador iria pagá esse barco se num se pega nada de peixe. Num tem condições 144
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purque já num tem pexe, como é que você vai pagá o Banco e ainda o combustível do barco? Num arruma nem prá pagá o combustível, imagine prá pagá um barco de R$ 3.000,00! A gente tem que vê as coisa antes, né? (Seu Odair, 43 anos) Quando questionados sobre as alternativas para melhorar a pesca local, a saída encontrada é sempre relacionada à religiosidade e ao fanatismo. Deus é quem sabe, pois é ele quem determina a sorte deles. A possibilidade de sair do local para tentar outros centros maiores não foi apontada como solução em nenhuma entrevista. A piscicultura só foi admitida por alguns por ter sido induzida pela pesquisadora, logo, não faz parte de suas proposições espontâneas. A única sugestão unânime entre os pescadores é que Xingó volte a soltar as águas, trazendo de volta a felicidade para eles, conforme demonstram os seguintes depoimentos: Só melhora se soltá as águas prá enchê o rio e aí vem toda a fartura de antigamente e a gente fica feliz (Seu Mago, 17 anos). Eu acho que só tem um jeito que era enchê o rio. Era a grandeza do rio. Agora se jogasse pexe pequeno ajudaria, mas o melhó remédio era o rio enchê e assim acabava nosso sofrimento (Seu Antônio de Alves, 67). Outro fato constatado na pesquisa refere-se ao enfraquecimento das Colônias de Pescadores, enquanto categoria profissional e de sua representatividade. Daí surgem críticas, não só por parte dos pescadores, mas também de outras autoridades, a exemplo da manifestação do Presidente da Câmara de Vereadores de Amparo do São Francisco: A Colônia de Propriá, me desculpe a ausência dele, mas se concentra apenas numa banca de peixe de lá, no mercado de peixe, isso é uma verdade. O Presidente da Colônia é Vereador aqui, e eu vou lhe dizer: ele só vem aqui de 15 em 15 dias ou nos dias de sessões, e a situação é essa. Tem muitos problemas de aposentadoria de pescadores mas não há incentivo da Colônia prá resolver isso. Se a Colônia sabe que fulano não tem documento mas tem direitos, então chame, procure e explique os benefícios e vantagens. A maioria dos pescadores não sabe o mal que tá ocorrendo com ele por não ter a documentação. Então a Colônia tinha que incentivar e mostrar o lado bom de ser documentado. Então o pessoal são analfabeto, acha que a Colônia é a culpada de tudo, e não sabem as vantagens de ser associado (Nov. 1998). Essa omissão e pouca eficiência da Colônia de Propriá ocorre nas demais Colônias do Estado. O Superintendente do IBAMA/SE também critica a atuação das Colônias, no sentido de que estas deveriam ter uma atuação mais forte, de modo a levar a sociedade a tomar conhecimento dos problemas vividos pelos pescadores: Eu nunca recebi visita de Presidentes das Colônias de Pescadores do Baixo São Francisco. Elas deixam muito a desejar, pois poderiam fazer mais barulho no sentido de sensibilizar, porque é evidente que não é preciso só fazer, é preciso correr atrás. Eu posso até estar fazendo uma afirmativa falsa, pois pode ser que as Colônias estejam brigando, mas não está chegando e ecoando junto às autoridade (Superintendente do IBAMA/SE). O pescador também manifesta sua crítica, enfatizando a manipulação política exercida pelas Colônia de Pescadores: Essa região é onde tem mais pescador, pois em Gararu é poco purque o pessual é todo empregado no Estado. Aqui, se a gente se atrasá ou não votá no Presidente da Colônia a gente recebe piada, aí se atrasá e fô falá, o pessual da Colônia pergunta purque num votou no Presidente e aí as coisa num anda. O pessual fica na mão da Colônia. Se ela quizé emperrá, emperra. (Seu Odair, 43 anos). 145
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Em seus estudos sobre comunidades artesanais do Ceará, ALMEIDA (1997a) também constata o baixo nível de organização das comunidades pesqueiras locais, temendo com isso a permanência e acentuação do grau de miserabilidade daqueles que não tem ainda uma organização, uma mobilização forte, impedindo-as de saírem do círculo vicioso da pobrezadecadência (p. 84). A Colônia de Pescadores, que poderia atuar mais diretamente na ação cooperativa, visando a inserir a pequena pesca no mercado, apenas reflete seu passado de atrelamento ao Estado. Sua história, vinculada ao caráter militar (sentinela na defesa do território nacional), foi baseada na disciplina, no asseio e autoritarismo, permanecendo com atuação bastante intensiva na indicação dos dirigentes das Colônias e Federações de Pescadores, atendendo aos interesses políticos (clientelismo). Apesar de a Constituição da República de 1988 atribuir liberdade e autonomia própria às Colônias, estas não atendem aos desafios de organização da categoria de modo forte e independente, o que só será alcançada por uma contínua mobilização dos pescadores. É necessário que os pescadores deixem de ser meros receptores de políticas públicas impostas e sejam ouvidos enquanto cidadãos e produtores. Para tanto, faz-se necessário que se viabilize uma nova organização que efetivamente mobilize e atenda os interesses da categoria. Os problemas enfrentados atualmente pelos pescadores, a exemplo do pequeno produtor agrícola, não encontram respostas nas atuais políticas governamentais, diante das imposições da economia de mercado. Ao referir-se à complexidade das causas dos problemas vivenciados por esses segmentos e à necessidade de políticas públicas que atendam a tais necessidades, ARAÚJO (1994, p. 91) faz as seguintes advertências: A heterogeneidade com que se apresenta, no Nordeste, a pobreza, a indigência e a exclusão social da pequena produção, de um lado, e a multiplicidade e complexidade dos seus fatores determinantes, de outro lado, constituem, sem dúvida duas advertências no sentido de se evitar políticas e propostas simples, gerais ou pretensamente universais para um problema que possui muitas dimensões e uma grande complexidade de causas. As verbalizações apresentadas pelos próprios autores-atores sociais, assim como as fotografias, retratando o cotidiano dos pescadores de Amparo do São Francisco, objetivaram ilustrar a incerteza de hoje no trabalho de exploração dos recursos pesqueiros no Velho Chico. Tal situação adveio das intervenções governamentais, calcadas num modelo de desenvolvimento dissociado da realidade local onde foi implantado, já que priorizou a técnica e a perspectiva de lucro, sem nenhuma consideração pelo social e pelo ambiental. O sistema ecossocial (SILVA, 1990) foi drasticamente alterado, desrespeitando-se tanto o meio natural como os agrupamentos humanos que nele interagiam e com o qual conviviam numa relação não predatória, utilizando para a atividade pesqueira os próprios recursos naturais. A resultante dessas ações, entre outras, propiciou a desestruturação da atividade pesqueira tradicional, criando novos modos de vida e de pescar. Estes não correspondem às necessidades de reprodução social das populações tradicionais, uma vez que a identidade cultural dos pescadores foi ignorada e, mais recentemente, "afogada" no Lago de Xingó. Tal fato se deu através da imposição pelo Estado de um processo de desenvolvimento anacrônico e a qualquer preço, sem que ao menos as populações a serem atingidas tivessem sido consultadas, preparadas ou, ao menos alertadas do que iria acontecer.
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Figura 61 O Velho Chico como companheiro e fonte de sobrevivência do pescador, palco de glória e de decepção na atividade pesqueira. Jul/98 (VOCR)
Em contexto tão adverso, esses pescadores estão à beira do desaparecimento. Essa categoria vem sendo marginalizada de forma sistemática e crescente. Sobreviver é a palavra de ordem dos pescadores em Amparo do São Francisco e dos demais pescadores do Baixo São Francisco. O contato direto com a natureza dava a esse pescador autonomia e identidade cultural. Entretanto, os processos de exploração e de apropriação econômica da região transformaram a esperança de manutenção de um modo de vida numa frustração. Portanto, o que está em extinção é o pescador artesanal, mais do que o peixe ou o camarão, consistindo num desafio para a modernidade resgatar ou atualizar esse saber tradicional no bojo de um modelo de desenvolvimento sustentável, em que a ética da diversidade (D'AMBRÓSIO, 1994) contemple o respeito ao outro com todas as suas diferenças e especificidades. Apesar dos vários impactos sofridos por populações tradicionais, no momento assistimos a um crescimento da consciência ambiental em vários segmentos de atividade. Levando-se em conta os direitos que a sociedade conquistou em termos de instrumentos legais que garantam um meio ambiente ecologicamente equilibrado, a participação dos atores sociais no processo de gestão ambiental é a garantia de sua cidadania. O reconhecimento da pluralidade e diversidade cultural está interligado ao exercício da cidadania e à participação, condição fundamental para se trabalhar com a questão ambiental. A gestão ambiental é um processo de mediação de interesses e conflitos entre atores sociais que atuam sobre o meio ambiente. Esse processo define e redefine, continuamente, o modo como os diferentes atores sociais, através de suas práticas, alteram a qualidade do meio ambiente e também como se distribuem na sociedade os custos e os benefícios decorrentes da ação destes agentes (IBAMA, 1995, p. 21). Fica claro que superar as dificuldades de diálogo entre os diversos saberes na formulação de políticas públicas envolve conflitos de interesse. Porém, o novo conceito de gestão enfatiza a necessidade da interdisciplinaridade para análise, compreensão e solução 147
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dos problemas ambientais. Os planejadores devem incorporar as dimensões sócioeconômica, política, cultural, ética e histórica em seus planejamentos, se quiserem compreender a natureza complexa do meio ambiente. Essas condições são essenciais para alcançar resultados profundos e duradouros, capazes de promoverem mudanças substanciais. Para se compreender a questão ambiental, torna-se necessária a ruptura com aproximações particularizadas e fragmentadas da realidade, que escamoteiam as causas da problemática ambiental e levam a adoção de soluções equivocadas e prejudiciais às populações (QUINTAS, 1993,p. 89) Portanto, a participação dos pescadores na definição de políticas que os afetam, apesar de exigir ainda um longo aprendizado, é algo dinâmico, desafiador, em que essa população poderá contribuir, influir e usufruir, de forma mais efetiva e direta, na construção e transformação de sua realidade, através de ações organizadas.
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RECOMENDAÇÕES
Diante de uma realidade tão complexa e problemática, concluímos o presente trabalho apresentando algumas contribuições ao tema. As recomendações apresentadas aqui obedecem a dois níveis: global, que se referem à esfera Federal e a toda a bacia hidrográfica do São Francisco e local, direcionadas ao Estado de Sergipe e, particularmente, ao Município de Amparo do São Francisco. •
Esforços são necessários para melhorar a situação econômica da pesca mundial e tal perspectiva, a curto prazo, só seria possível com a desativação de grande número de barcos, o que recuperaria o esforço ideal da pesca. Esta possibilidade vem sendo estudada por vários países e, segundo informações de técnicos do IBAMA, tem-se estudado a possibilidade de desativação de pelo menos 30% da frota lagosteira no Nordeste.
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Os investimentos em pesquisas são necessários, daí a necessidade de acordos bilaterais que permitam a exploração sustentável da Zona Econômica Exclusiva (ZEE). Esses acordos permitem o conhecimento dos recursos pesqueiros ainda não exploráveis.
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Dada à situação caótica em que se encontra a pesca no Brasil, urge uma tomada de posição, no sentido de definir políticas a curto, médio e longo prazos, por parte do Ministério da Agricultura, sob pena de um comprometimento irreversível do sistema produtivo das principais bacias hidrográficas, como a do São Francisco.
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O modelo de desenvolvimento que se implanta hoje, no Brasil, cria hiatos sociais, monta um processo de exclusão social muito forte e não tem sustentabilidade no presente. Para uma mudança dessa visão em todos os níveis (nacional, regional, estadual e municipal), na busca de objetivos sustentáveis, é necessária a adoção de nova definição de planejamento. O planejamento deve explicitar a sua natureza transformadora, seu caráter político-participativo dirigido ao fortalecimento da gestão participativa, sua visão sistêmica não concentrada apenas nos aspectos econômicos, aliado a uma abordagem pluridimensional e multidisciplinar.
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Na perspectiva de construir um novo paradigma de desenvolvimento, na busca de um desenvolvimento humano e sustentável, é imprescindível o fortalecimento da capacidade local de organização social, ativando, ao mesmo tempo, um crescente processo de autonomia decisória e inclusão social que repercuta no contexto local.
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Para qualquer política direcionada à gestão da pesca no rio São Francisco é imprescindível a incorporação do componente socioeconômico e ambiental que envolva a atividade pesqueira. Tal política deve ser embasada no devido conhecimento técnico-científico que oriente a tomada de decisão na busca de uma gestão integrada dos recursos naturais do rio São Francisco.
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•
No caso de propostas de intervenções na bacia hidrográfica do São Francisco é imprescindível que o Ministério do Meio Ambiente envide esforços, junto ao Conselho Nacional dos Recursos Hídricos, para que este regulamente a atuação dos Comitês Federais de Bacias Hidrográficas; isso é proposto no intuito de inserir a participação dos usuários em todas as decisões referentes aos usos múltiplos da água do Velho Chico, conforme preceitua a Lei Federal no 9.433/97 (Política Nacional dos Recursos Hídricos).
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A manifestação dos diversos usuários dos recursos da bacia do São Francisco deve ser incentivada, no sentido de cobrar das autoridades federais ampla publicidade na discussão do Projeto de Transposição das Águas do Rio São Francisco, assim como da privatização da CHESF. A maneira como tais projetos vêm sendo conduzidos certamente afetará gravemente todas as condições ecológicas e socioeconômicas da bacia do Rio São Francisco. O Projeto Semi-Árido (CODEVASF, 1996) que trata da interligacão de bacias, poderia ser considerado e adotado pelas autoridades federais como um instrumento estratégico de desenvolvimento, com soluções efetivas e permanentes para a Bacia do rio São Francisco e para o Semi-Arido nordestino.
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Devido ao total descaso com que a Secretaria Nacional de Recursos Hídricos vem tratando o Estudo de Viabilidade das Cheias Artificiais no Baixo São Francisco, é premente que o Ministério do Meio Ambiente cobre dessa Secretaria uma posição sobre esse estudo. A procuradoria da República do Estado de Alagoas que representa o interesse da sociedade São Franciscana, está cobrando providências nesse sentido. As tentativas realizadas pelo CEEIVASF em obter informações não tiveram êxito.
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O legislativo federal é um instrumento que deve ser acionado através das lideranças estaduais e da sociedade, no sentido de apresentar propostas de distribuição mais equitativa dos royalties referentes à produção de energia das hidrelétricas. Atualmente, tais benefícios são distribuídos entre os municípios que têm áreas inundadas pelas barragens, deixando o prejuízo e o ônus ambiental aos municípios localizados a jusante destas. O recebimento desse recurso de compensação, por parte dos municípios, poderia ser empregado em projetos de saneamento, de recuperação de matas ciliares, entre outros.
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Devido à inexistência de dados reais sobre a quantidade de pescadores existentes no Baixo São Francisco, torna-se urgente que a Delegacia do Ministério da Agricultura de Sergipe faça o cadastramento desse contigente e realize um diagnóstico da situação da pesca local, fazendo uso inclusive dos trabalhos já elaborados sobre a questão. Esses dados servirão de base para a definição de políticas que favoreçam a atividade pesqueira, inclusive com crédito, capacitação, assistência técnica e benefícios sociais. O auxíliodesemprego poderia atingir um número maior e real de pescadores.
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Há necessidade de integração entre os agentes públicos que atuam no Baixo São Francisco, para evitar a duplicidade de ações e o desperdício de recursos financeiros e humanos. No caso do incentivo à piscicultura, além do Pólo de Aqüicultura, implantado pela CODEVASF, existe o Projeto de Fortalecimento da Aqüicultura para o Estado de
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Sergipe, apresentado pelo SEBRAE, o Projeto Tanques-redes, em Poço Redondo, desenvolvido junto com o Ministério da Agricultura; além disso, há o interesse da Secretaria de Ação Social de Sergipe em implantar tanques-redes na maioria dos municípios do Baixo São Francisco. •
O incentivo que está sendo dado à piscicultura no Baixo São Francisco possivelmente poderá ser uma alternativa viável para o piscicultor. Porém, a técnica de cultivo em tanques-redes exige estudos mais detalhados, pelo impacto que tais estruturas poderão trazer para o já tão comprometido rio. Não existe legislação que regulamente tal equipamento, além do fato de os tanques-redes só poderem ser implantados em áreas que apresentem uma série de condições propícias como profundidade e correnteza. Com certeza, não é uma saída para todo o contingente de produtores do Baixo São Francisco, devido à capacidade de suporte do rio.
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Tendo em vista que as atuais condições do Baixo São Francisco impossibilitam o incremento da atividade pesqueira artesanal, é aconselhável que nessas propostas de incentivo à piscicultura seja aberto espaço para aqueles pescadores que manifestarem interesse nessa nova alternativa. Nesse caso, a capacitação técnica e gerencial deve ser a base para tal transformação, aliada a meios financeiros para investimentos na atividade (crédito a fundo perdido) e bolsas para manutenção da família durante a referida transição.
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No caso dos pescadores que não se adaptam a essa mudança, é necessário que os órgãos que atuam no Baixo São Francisco cobrem da CHESF os resultados do Programa de Monitoramento da Pesca, no intuito de instrumentalizar a elaboração de um Plano de Repovoamento para o Baixo São Francisco. Porém, mesmo sem os resultados finais do citado programa, os peixamentos realizados pela CODEVASF e IBAMA deverão permanecer e até mesmo ser incrementados, com a ressalva do uso de espécies nativas do BSF. Esta é a saída a curto prazo para garantir o mínimo de pescado para o tradicional pescador que, perante sua especificidade cultural, não se insere na alternativa do cultivo (piscicultura).
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Dada a autonomia atribuída aos municípios pela Constituição de 1988 e ao fato de que certos problemas locais podem e devem ser resolvidos nessa esfera, os municípios, através da União dos Prefeitos do Baixo São Francisco, poderiam estimular a formação de Fóruns Municipais de Pesca. Essa nova figura poderia motivar e exercitar os pescadores para a gestão participativa do rio, haja vista que as Colônias de Pescadores apresentam desgaste e descrédito junto à própria categoria. Os Fóruns poderão contribuir, de forma efetiva, para o redirecionamento e fortalecimento das Colônias de Pescadores, sedimentando a representação profissional desses trabalhadores.
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Devido ao baixo nível de escolaridade do pescador, o Programa Xingó poderia patrocinar a alfabetização desse segmento, a exemplo do projeto já em curso desenvolvido em Caraíbas/Alagoas. O Projeto Alfabetização Solidária é desenvolvido em parceria com a Universidade Tiradentes (UNIT), tendo como público-alvo o adulto.
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O Programa Xingó, através do Projeto de Educação Ambiental, como instrumento promissor na busca da mediação de conflitos e de um melhor gerenciamento da bacia do São Francisco, deveria ampliar sua atuação, incluindo as áreas localizadas a jusante da barragem de Xingó. As comunidades ribeirinhas do Baixo São Francisco sofrem os maiores impactos através do recebimento dos despejos de esgotos na própria calha do rio, assim como o intenso uso do solo na irrigação às margens do rio, carreando degradação para todo o trecho localizado à jusante de Xingó.
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A atuação da fiscalização do IBAMA no Baixo São Francisco deve pautar-se por maior eficiência no combate às práticas predatórias, assim como intensificar sua ação nas lagoas marginais ainda existentes e que, legalmente, são proibidas de serem exploradas durante os seis (6) meses seguintes à decretação do defeso da piracema. As práticas de tapagens (comportas) das lagoas também devem ser combatidas, no intuito de manter o fluxo do rio com esses berçários. Além disso, faz-se necessária uma postura mais educativa por parte dos fiscais, pela ocasião de suas abordagens, a exemplo da Polícia Federal e da Rodoviária, haja vista que a ação repressora não se tem constituído em benefícios para o meio ambiente, nem tampouco para o pescador.
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Em face da manifestação favorável por parte do Poder Legislativo de Amparo do São Francisco, ao aproveitamento de áreas propícias à piscicultura em viveiros, recomendase efetivar um levantamento de tais áreas e suas aptidões, visando à implantação de cultivos coletivos. Essa alternativa teria como objetivo gerar abastecimento para o local e renda para a comunidade. Para tanto, deve ser considerado o conhecimento compartilhado da realidade e a diversidade cultural do segmento pesqueiro local, a exemplo de hábitos alimentares.
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Tendo em vista que a Prainha de Amparo do São Francisco já faz parte de um roteiro turístico do Baixo São Francisco, é necessário dotar esse espaço de uma infra-estrutura básica que assegure uma correta destinação dos resíduos sólidos e líquidos produzidos pelo fluxo turístico, sob pena de comprometer ainda mais o caudal do rio. O aproveitamento do artesanato local (bordados e outras potencialidades) poderia se constituir em alternativa econômica, além de oferecer um serviço de maior qualidade e variedade para o turista. A prefeitura local poderia contribuir incentivando, através de campanhas/gincanas, a limpeza da vegetação ( cabelo ) situada às margens da Prainha, no intuito de proporcionar aos turistas e à comunidade local um banho mais saudável no Velho Chico.
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ANEXOS
A. ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM PESCADORES B. ROTEIRO DE ENTREVISTAS COM TÉCNICOS/AUTORIDADES
UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE Projeto: Pesca, pescadores e políticas públicas no Baixo São Francisco - Sergipe/Brasil Autora: Veralúcia Oliveira Coutinho Ramos N.º quest._____________________ Município:_____________________ Povoado:______________________ Data:_________________________
A - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM PESCADORES PARTE 1 1. PERFIL DO INFORMANTE 1.1. Nome: 1.2. Apelido: 1.3. Endereço: 1.4. Estado Civil:
1.5. Idade:
1.6. Escolaridade: 1.7. Habilitação Profissional: 1.7.1. IBAMA:
sim ( )
não ( )
1.7.2. Colônia de Pesca:
sim ( )
não ( )
1.7.3. INSS:
sim ( )
não ( )
1.8. Grupo Familiar: N° Sexo 01 02 03 04 05 06 07 08 09 10
Parentesco
Idade
Escolaridade
Ocupação
Rendimento
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PARTE II 2. MODO DE VIDA 2.1. Moradia: • Casa própria ou alugada • Características • Dispõe de Água, Energia, Esgoto • Proximidade do rio 2.2. Educação: • N° de filhos que estudam • N° de filhos que não estudam • Escola pública ou privada 2.3. Saúde: • Assistência médica e odontológica à família • Aquisição de medicamentos • Vacinação 2.4. Benefícios Sociais: • Seguro-desemprego • Aposentadoria, auxílio-doença • Outros 2.5. Trabalho: 2.5.1. Atividade principal (pesca artesanal) • Tempo na atividade pesqueira • Equipe de trabalho • Freqüência e horário de saída/chegada • Área onde pesca (deslocamento) • Equipamentos utilizados (tipos, propriedade e meios de aquisição) • Espécies que pesca agora • Espécies que pescava antes de Xingó • Diferença da pesca no inverno e no verão • Relação com o trabalho (de prazer, realização, desestímulo, etc) • Vantagens e desvantagens do trabalho na pesca • Destino da produção • Rendimento (diário, semanal, quinzenal, mensal) 2.5.2. Atividade secundária (tipo, local, destino da produção e rendimento) 2.6. Rotina Extra-trabalho: • Lazer • Religião/Crenças • Participação em Grupos, Associações, Movimentos Sociais, etc
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PARTE III 3.
O RIO SÃO FRANCISCO E O ORDENAMENTO PESQUEIRO
3.1. O Rio São Francisco • A importância do rio • As mudanças ocorridas • Responsáveis pelas mudanças • Conseqüências das mudanças para a pesca/pescador 3.2. Ordenamento Pesqueiro • Avaliação do Defeso da Piracema • Como sobrevive durante o Defeso da Piracema • A atuação da Fiscalização do IBAMA • Sugestões para um melhor ordenamento da pesca 3.3. Expectativas Futuras (sobre a pesca, piscicultura, profissão dos filhos)
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CURSO DE MESTRADO EM DESENVOLVIMENTO E MEIO AMBIENTE
Projeto: Pesca, pescadores e políticas públicas no Baixo São Francisco - Sergipe/Brasil Autora: Veralúcia Oliveira Coutinho Ramos N.º quest.____________________ Município ___________________ Localidade ___________________ Data ________________________
B - ROTEIRO DE ENTREVISTA COM TÉCNICOS/AUTORIDADES PARTE I 1. IDENTIFICAÇÃO DO INFORMANTE 1.1. Nome: 1.2. Órgão de Trabalho:
1.3. Formação:
1.4. Cargo/Função: PARTE II 2. PESCA/ POLÍTICAS 2.1. A SITUAÇÃO DO BAIXO SÃO FRANCISCO 2.1.1. Em relação à pesca
• Situação atual da pesca • Situação do pescador • Mobilização da categoria • Ações oficiais 2.1.2. Em relação ao Rio São Francisco
• Importância do rio para a pesca • Mudanças ocorridas • Responsáveis pelas mudanças • Conseqüências para a pesca artesanal
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2.1.3. Em relação ao Ordenamento Pesqueiro
• Avaliação do Defeso da Piracema • A sobrevivência do pescador durante o Defeso da Piracema • O papel da Fiscalização do IBAMA • Sugestões para um melhor ordenamento da pesca 2.1.4. Perspectivas/ Viabilidades para a pesca no Baixo São Francisco (pesca artesanal, piscicultura e outras)
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GLOSSÁRIO TERMOS E APETRECHOS DE PESCA CITADOS NO TRABALHO
• Apetrechos ou petrechos: equipamentos utilizados na atividade pesqueira. • Arpão: instrumento primitivo perfurante utilizado para captura de peixes. • Batição/Batida de Lanço/Batuque: método de pesca condenável que consiste em bater n'água, para que os peixes corram de encontro às redes ou saltem para dentro da embarcação.
• Caceia: conjunto de redes que, amarradas entre si, são usadas na pesca, ao sabor da correnteza.
• Camboa/Gamboa/Pari: armadilha de esteira ou panagens de rede, instalada às
margens dos cursos d'água durante a maré alta, formando um cercado. Com a vazante das águas, os peixes e crustáceos ficam retidos.
• Cortina/Paredão/Ponga: método de fechamento (barramento) de rios e estuários para reter o pescado.
• Covo: definição na página n.º 105 • Cuvú: definição na página n.º 112 • Espinhel: aparelho de pesca, composto de uma linha comprida horizontal (linha
madre), com linhas secundárias presas em espaços determinados, apresentando anzóis em suas extremidades (linha secundária).
• Fisga: instrumento perfurante e curvo, utilizado para embarque de pescado. • Garatéia ou Igaratéia: aparelho de pesca composto de um anzol com mais de duas farpas.
• Groseira: definição na página n.º 110 • Jereré: apetrecho de pesca, em forma de saco, com um aro na boca. • Linha de Fundo: linha de pesca vertical, contendo uma ou mais linhas secundárias com anzóis, possuindo uma chumbada em sua extremidade.
• Linha de Mão: definição na página n.º 109 • Pindá ou Anzol de Espera: nome que os indígenas davam ao anzol. • Puçá: rede com arco e cabo de madeira, para captura de pescado.
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• Rede de Emalhar: definição na página n.º 107 • Rede de Espera/Rede Marinho/Rede de Travessia: rede de emalhar fixa, de superfície ou de fundo.
• Rede Tresmalhos: rede de emalhar com três panos, apresentando dois ou três tipos de malhas diferentes, possibilitando a captura de uma faixa ampla de tamanho de peixes.
• Tarrafa: definição na página n.º 111 • Zagaia: apetrecho utilizado à noite, com canoa e lanterna, a qual desorienta os peixes, facilitando a captura dos mesmos.
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Série meio ambiente debate, 39
Série Meio Ambiente em Debate
1.
Seminário sobre a Formação do Educador para Atuar no Processo de Gestão Ambiental Anais
2.
Modernidade, Desenvolvimento e Meio Ambiente Cristovam Buarque
3.
Desenvolvimento Sustentável Haroldo Mattos de Lemos
4.
A Descentralização e o Meio Ambiente Aspásia Camargo
5.
A Reforma do Estado Cláudia Costim
6.
Meio Ambiente e Cidadania Marina Silva
7.
Desenvolvimento Sustentável Ignacy Sachs
8.
A Política Nacional Integrada Para a Amazônia Legal Seixas Lourenço
9.
Diretrizes Para Operacionalização do Programa Nacional de Educação Ambiental
10.
Análise de Um Programa de Formação de Recursos Humanos em Educação Ambiental Nilza Sguarezzi
11.
A Inserção do Enfoque Ambiental no Ensino Formal de Goiás Magali Izuwa
12.
Educação Ambiental para o Século XXI & A Construção do Conhecimento: suas implicações na educação ambiental Naná Mininni Medina
13.
Conservação, Ecologia Humana e Sustentabilidade na Caatinga: Estudo da Região do Parque Nacional da Serra da Capivara Moacir Arruda
14.
Planejamento Biorregional Kenton Miller
15.
Planejamento e Gestão de APAs: Enfoque Institucional Dione Angélica de Araújo Côrte
16.
Educação Ambiental Não-Formal em Unidades de Conservação Federais na Zona Costeira Brasileira: Uma análise crítica Marta Saint Pastous Madureira e Paulo Roberto A. Tagliani
17.
Efeitos Ambientais da Urbanização de Corumbá-MS Maria José Monteiro
18.
Elementos de Ecologia Urbana e sua Estrutura Ecossistêmica Genebaldo Freire Dias
19.
Educação Infantil e Subjetividade Ética Jara Fontoura da Silveira
20.
Subsídios Para Uma Proposta de Monitoramento Ambiental dos Meios Aquático Continental e Aquático Marinho, Atmosférico e Terrestre DITAM
21.
Estudo Ambiental de Alterações Antrópicas nas Matas de Galeria da Bacia Hidrográfica do Ribeirão Taboca Antonio de Souza Gorgônio
22.
Estudos Sobre Ecologia e Conservação do Peixe-boi Marinho ( Trichechus manatus manatus ) no Nordeste do Brasil Danielle Paludo
23.
Indicadores de Qualidade de Vida: um estudo de caso em quatro áreas periféricas do DF Maria Augusta Fernandes
24.
Anteprojeto de Lei Florestal do Estado de São Paulo: Avanço ou Retrocesso? Ubiracy Araújo
25.
Embarcações Pesqueiras Estrangeiras Antônio Jarbas Rodrigues e Francisco de A. G. Queiróz
26.
Manutenção e Transporte de Lagostas Samuel N. Bezerra
27.
Flora do Parque Estadual de Ibitipoca Raquel de Fátima Novelino e José Emílio Zanzirolani de Oliveira
28.
A Educação Ambiental como Instrumento na Busca de Soluções para os Problemas Socioambientais na Ilha dos Marinheiros Márcia Wojtowicz Maciel
29.
Hipóteses Sobre os Impactos Ambientais dos Estilos de Desenvolvimento na América Latina a Partir dos Anos 50 Caio Paulo Smidt de Medeiros
30.
Peixe-boi Marinho (Trichecus manatus): Distribuição, Status de Conservação e Aspectos Tradicionais ao Longo do Litoral Nordeste do Brasil Régis Pinto de Lima
31.
A Pesca nas Lagoas Costeiras Fluminenses Lisia Vanacôr Barroso e outros
32.
O Lugar do Parque Nacional no Espaço das Comunidades dos Lençóis Maranhenses Álvaro de Oliveira D'Antona
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Série meio ambiente debate, 39
33.
Perspectivas para Análise de Conflitos Ambientais: Desafios sociambientais em Lisarbsarret Textos para um curso de Educação Ambiental
34.
Formigas Cortadeiras: Princípios de Manejo Integrado de Áreas Infestadas D'Alembert de B. Jaccoud
35.
Plantas Medicinais: Diagnóstico e Gestão Mary Carla Marcon Neves
36.
Instrumentos de Planejamento e Gestão Ambiental para a Amazônia, Cerrado e Pantanal Demandas e Propostas: Metodologia de Gerenciamento de Bacias Hidrográficas Antonio Eduardo Lanna
37.
Instrumentos de Planejamento e Gestão Ambiental para a Amazônia, Cerrado e Pantanal Demandas e Propostas: Metodologia de Avaliação de Impacto Ambiental Emilio Lèbre La Rovere
38.
Alternativas Organizacionais mais Adequadas para avaliar o uso do Instrumentos de AIA e GBH Emilio Lèbre La Rovere
39.
Pesca Pescadores e Políticas Públicas no Baixo São Francisco, Sergipe Brasil Veralúcia Oliveira Coutinho Ramos
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