Cinema: Afetos e territórios

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MULTIPLICAR MATAS E SEMEAR O COSMOS: QUANDO O CINEMA ASSEGURA A CONTINUIDADE DO MUNDO Felipe Carnevalli De Brot Isael Maxakali Sueli Maxakali Foi numa tarde de inverno de 2019 que a conversa a seguir aconteceu. Encontrei Isael e Sueli Maxakali em uma galeria do hipercentro de Belo Horizonte, onde Sueli procurava miçangas para levar para a aldeia. Como tinham pouco tempo antes do lançamento de seu novo filme, Mãtãnãg, a Encantada – motivo pelo qual estavam de passagem pela cidade –, compramos um caldo de cana e nos sentamos ali mesmo, no chão de concreto da Praça Sete de Setembro, no único trecho banhado pelos escassos raios de sol daquele dia frio. Em meio ao trânsito intenso dos passantes apressados do centro (que não hesitavam em parar, curiosos, ao nos verem acomodados no chão, bem no meio da praça mais movimentada da cidade), Isael e Sueli generosamente me contaram sobre a importância do cinema, da mata e dos yãmîy (ou yãmîyxop, espécie de povos-espíritos, em uma tradução aproximativa) para a continuidade do modo de vida dos Maxakali, também chamados de Tikmũ’ũn. Espremido entre fazendas, cercas e cidades, o povo Tikmũ’ũn ocupa uma das menores terras indígenas demarcadas no Brasil, dividida em quatro pequenas aldeias entre os estados de Minas Gerais e Bahia: Água Boa, Pradinho, Cachoeirinha e Aldeia Verde (essa última na região de Ladainha, em Minas Gerais, onde moram Isael e Sueli). Personagens importantes na aldeia – Sueli é presidente da Associação Maxakali de Aldeia Verde, fotógrafa e professora do Programa de Formação Transversal em Saberes Tradicionais da UFMG; e Isael é membro do coletivo audiovisual Pajé Filmes, cineasta, vereador na cidade de Ladainha e professor na Escola Estadual Isabel Silva –, o casal explora o cinema como forma de registrar a cultura de seu povo para transmiti-la aos mais jovens, a outras aldeias e também aos brancos. Sueli sempre diz que os Tikmũ’ũn podem até perder a terra, mas não perdem a língua (ou o canto), responsável por resguardar a MULTIPLICAR MATAS E SEMEAR O COSMOS: QUANDO O CINEMA ASSEGURA A CONTINUIDADE DO MUNDO

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