Defensora da mãe natureza

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Defensora da mãe natureza Fundadora do projeto Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN explica, detalhadamente, como são os procedimentos para aquisição de reservas particulares. Ela alerta ainda sobre a importância da conscientização de proprietários e empresas que utilizam recursos naturais em suas atividades econômicas Por Carina Lasneaux Fotos: Ricardo Padue e divulgação

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Entrevista

ônia Wiedmann é considerada umas das personalidades mais influentes quando se trata de meio ambiente. Mineira de Lavras, se formou em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais – UFMG. Pós-formada em 1974, recebeu um convite do então ministro da Agricultura, Alysson Paulinelli, para fazer a regularização fundiária de lotes ao longo da Transamazônica, onde morou por dois anos em um acampamento na beira da estrada. “Ele me propôs ir para a Transamazônica e eu achei interessante, sempre tive interesse pela floresta. Fui morar em um acampamento chamado Projeto Fundiário Marabá”, relembra. Depois da experiência na Amazônia, resolveu estudar mestrado e doutorado na França e se especializando em Direito Ambiental. Voltou à capital como a primeira doutora de Direito Ambiental do Brasil e trabalhou ativamente por 32 anos como Procuradora Federal da Advocacia Geral da União e do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama), sendo uma das gestoras que impulsionaram o projeto Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN).

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O convite para trabalhar na Transamazônica incentivou a senhora a atuar na área ambiental? Fui criada na fazenda e sempre tive o cuidado de plantar e cuidar da natureza. Meu pai plantou muito, era fazendeiro. Quando fui para a Amazônia e vi aquele desmatamento horrível para construir a Transamazônica, pensei: alguém tem que fazer alguma coisa ao contrário. Fui para a França fazer mestrado e doutora-

Sonia Wiedmann é a fundadora de RPPN no Brasil e consultora ambiental do em Direito Ambiental por seis anos. Ibama. O Direito Ambiental nessa époO meu doutorado foi o primeiro de Direi- ca existia de uma forma embrionária e to Ambiental do Brasil. Em 1986 retornei começamos a criar um novo modelo. Eu a Brasília e comecei a desenvolver um participei ativamente da elaboração de trabalho grande de legislação ambien- leis, como Código Florestal, proteção à tal no IBDF, que foi transformado em fauna e proteção a recursos ambientais.


na, hidrologia, geologia e arqueologia são uma imensa contribuição para comunidade científica. Quantos hectares são necessários para formar uma RPPN? Não tem tamanho mínimo. Existe RPPN de um hectare, mas existe também RPPN com mais de 100 mil hectares, como o Pantanal e Amazônia.

Como foi o processo de criação desse novo modelo de Direito Ambiental? Eu trouxe uma bagagem muito grande do exterior e comecei a entender que tínhamos que desenvolver um modelo próprio brasileiro. A gente não tinha que importar o modelo de ninguém. O Brasil tem um ecossistema muito importante e precisaríamos ter um modelo próprio de legislação, manejo, implantação e gestão. O Brasil está entre os primeiros países ricos em biodiversidade. Em 1990, nós tínhamos acabado de elaborar a Constituição Federal de 1988. Conseguimos escrever um capítulo inteiro dedicado à proteção ambiental e isso nunca existiu no Brasil antes – aquilo que era lei esparsa virou proteção constitucional. Até hoje eu acompanho passo a passo e não deixo desvirtuar a legislação. A senhora foi uma das gestoras que criaram o projeto Reserva Particular do Patrimônio Natural (RPPN). Como foi a elaboração dessa ideia? Em 1990 percebemos que existiam muitos proprietários rurais brasileiros que tinham interesse em se engajar no processo de conservação, não só com ações, mas com o próprio patrimônio imobiliário de suas fazendas. Eles queriam proteger e alguns nos procuraram no Ibama, daí surgiu a ideia de fazer as Reservas Particulares do Patrimônio Na-

tural – RPPN. Esse projeto partiu de mim e do biólogo Sérgio Vale. Descreva o que é uma RPPN? O proprietário quer que a área dele seja preservada e que tenha um enfoque oficial dessa proteção. Ele quer proteger para as gerações do futuro, para quem herdar a fazenda dele, e essa região não pode ser desmatada. Ela pode ser doada, vendida, herdada, mas ninguém pode desmatar, é uma reserva perpétua. Cada proprietário tem a sua portaria de criação assinada pelo presidente do Ibama. É uma área protegida averbada em cartório. Tem um órgão ambiental que tutela essa reserva e o Ibama que libera e vistoria a área, tem todo um procedimento de criação. Hoje o Ibama descentralizou, temos 18 estados brasileiros que já possuem normas próprias de RPPN. Atualmente nós temos no Brasil quase 1.100 propriedades rurais que são RPPN. Os proprietários podem desenvolver algum tipo de trabalho dentro de suas RPPNs? Sim. A pessoa vai cercar, fazer mirantes e desenvolver atividades econômicas de turismo ecológico, educação ambiental e pesquisas científicas. A quantidade de pesquisas científicas com que as RPPNs contribuem são enormes para a ciência. Toda as pesquisas de flora, fau-

E como seria esse trabalho de conscientização? Realizamos trabalhos com empresas que utilizam água, como fábricas de cerveja e refrigerante. De certa forma eles têm que ajudar a preservar os mananciais de água que são a matéria-prima deles – eles precisam da água. Não dá para imaginar uma fábrica de cerveja sem água. A AmBev, por exemplo, poderia ter uma RPPN. A Itaipava também, que utiliza a água de Petrópolis. Outra empresa que deveria ter uma RPPN para proteger a natureza é a Natura, que utiliza da biodiversidade para criar seus produtos. Nós queremos conscientizar e chegar nessas pessoas, porque talvez não saibam que estão utilizando um recurso natural que é um bem de consumo da população e, no entanto, não estão contribuindo para proteger. O nosso objetivo é conscientizar essas empresas na preservação de um recurso que elas utilizam em sua atividade econômica. Precisamos espalhar isso para o resto do Brasil, para que os proprietários rurais e empresas se engajem nesse processo de conservação.

Entrevista

O Santuário do Caraça é uma Reserva Particular do Patrimônio Natural – RPPN, localizada nos municípios de Catas Altas e Santa Bárbara, em Minas Gerais

Quais empresas brasileiras que possuem RPPN? Temos várias, como a Coca Cola e Belga Mineira. A Fundação Boticário tem duas RPPNs, uma no Paraná, que se chama Salto Morato, e outra no município de Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros. Essas RPPNs protegem cachoeiras e montanhas. Alguns hotéis possuem RPPN, como o Mediterranee, que possui uma área muito grande e desenvolve um turismo ecológico fantástico. Nós temos RPPN em todos os ecossistemas, mas precisamos espalhar isso para o resto do Brasil, precisamos que os proprietários rurais se engajem nesse processo de conservação. Temos um trabalho de conscientização com empresas.

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