Criados no cyberespaço

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TECNOLOGIA

Criados no cyb O público infantil está cada dia mais antenado aos recursos do mundo digital. Especialistas alertam que o uso de tecnologias na infância pode ser perigoso se não for de forma consciente e acompanhado de perto pelos pais Por: Carina Lasneaux – Fotos: Ricardo Padue avanço da tecnologia ocasiona diariamente uma transformação de comportamento da sociedade global. Além de interferir nos hábitos dos adultos, ela redimensiona boa parte do mundo das crianças. O público infantil de hoje está acostumado a passar boa parte do tempo sozinho, na frente de algum monitor, tornando-se, ao mesmo tempo, interativo, maduro e nada solitário. De tecnologias digitais eles entendem muito bem e uma comprovação é incontestável: quando o assunto é computador, Mp3, Internet, câmera digital e vídeo game, os pequenos dão aula e, muitas vezes, estão à frente dos pais no quesito tecnologia. Hoje em dia, podemos observar que brincadeiras de rua como soltar pipa, jogar queimada e amarelinha, dentre tantas outras atividades, estão sendo substituídas por brincadeiras eletrônicas, o que torna essa geração muito diferente das anteriores. A última pesquisa Kids Experts, publicada em maio do ano passado e divulgada no canal de TV por assinatura Cartoon Network, averiguou o consumo de tecnologia e aparelhos eletrônicos por crianças. A ideia do estudo foi entender como os pequenos “nativos digitais” utilizam diferentes meios de informação e ferramentas de entretenimento, desvendando seu lado multitarefa. A pesquisa contou com a participação de quase sete mil usuários do site do canal Cartoon Network, com idades entre sete e 15 anos. A con-

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erespaço

KauĂŁ, de 5 anos, tem facilidade em aprender a usar tecnologias

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TECNOLOGIA Davi Uchôa: videogame só depois do dever de casa

clusão do levantamento aponta que crianças de até nove anos ainda não usam várias ferramentas ao mesmo tempo, mas adquirem essa capacidade com enorme rapidez. Aos 14 anos, eles estão aptos a interagir com todos os meios de forma ativa e autossuficiente. A pesquisa permitiu, ainda, visualizar diferenças de hábitos entre meninos e meninas. Elas fazem uso da tecnologia com foco na comunicação, enquanto os garotos preferem o entretenimento. O uso de recursos tecnológicos também é muito comum no ambiente escolar. Desde muito cedo, as crianças aderem aos computadores como forma de aprimorarem o aprendizado em sala de aula. Mas o bom uso dessas tecnologias depende da orientação dos pais, professores e responsáveis – que darão um direcionamento correto para a criança não cometer erros. Com apenas cinco anos, Kauã Seichi conhece bem o computador e domina um jogo considerado de gente grande, o famoso Warcraft. Aos três anos, o pai ensinou à criança ligar e desligar o computador e acessar os sites YouTube e do desenho Naruto, clicando em Favoritos. A mãe, Lorena, conta que o

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menino é muito bom em matemática e que seu raciocínio lógico aumentou com o uso de recursos tecnológicos. “O Kauã é muito ativo e tem uma grande facilidade de aprender. Ele fica no computador uma hora e meia na parte da manhã, à tarde vai para a escola e à noite faz o dever de casa, é muito disciplinado”, conta Lorena. Davi Uchôa, 10 anos, também gosta de computador, mas confessa adorar vídeo-game. O seu jogo preferido é o Guitar Hero, o jogo em que você deve tocar as notas de acordo com o ritmo das canções de bandas de rock consagradas. A mãe, Daniele Lima, conta que a percepção musical do filho melhorou muito depois que ele começou a jogar, mas cortou os jogos violentos, e, quando ganha um, ela verifica o conteúdo. Além do vídeo game , ele gosta de baixar as suas músicas no Mp3 pelo software Nero. “Só jogo vídeo game de manhã, depois do dever. No fim de semana, costumo ficar mais tempo, mas só duas horas”, comenta. A estudante Bruna Salvador, de 11 anos, faz curso preparatório para o Colégio Militar de manhã, à tarde vai para a aula e só tem tempo para acessar Internet à noite, onde divide o tempo com o irmão Pedro, que utiliza o computador na parte da manhã. Quando está navegando, gosta de fazer pesquisa no Google, baixar músicas em seu Mp3 e conversar com

as amigas pelo MSN. Além delas, conversa também com a mãe, Juliana, quando está trabalhando de plantão. Bruna já tem celular, que ganhou de presente dos pais no aniversário de 10 anos. A mãe comenta que limita o uso do computador: “Ela fica uma hora por dia e ainda divide o tempo com a leitura”.

ANÁLISE DOS ESPECIALISTAS Num exame do consumo desses

produtos pelo público mirim, pedagogos e psicólogos defendem que o uso de tecnologias é importante, mas desde que estabelecidos os limites e cuidados necessários. A psicopedagoga Márcia Meneguetti Philippi, coordenadora pedagógica do Colégio Sagrado Coração de Maria, trabalha há oito anos com crianças da pré-alfabetização. Ela acredita que a tecnologia deve ser mais uma ferramenta a favor da educação, porque a criança tem a possibilidade de desenvolver várias habilidades. “Os pequenos entram em sintonia com o mundo através da Internet, pesquisando, informando, construindo conhecimento e desenvolvendo coordenação motora através de diversos programas”, afirma Márcia. O colégio trabalha em parceria com processos pedagógicos, e algumas atividades realizadas dentro de sala são refletidas nas aulas de computação e no acesso à Internet. Para uma pesquisa de determinado tema trabalhado em sala de aula, por exemplo, os alunos são monitorados e auxiliados por professores para um

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TECNOLOGIA A estudiosa Bruna Salvador: ela mesma que baixa as músicas no seu mp3

maior domínio da ferramenta computador/Internet. “Temos que ajudar a criança a usar esse benefício sem exageros, porque existem outras maneiras de aprender. No caso, a informática não é a única forma de aprendizagem”, conclui a psicopedagoga. Luciana Palmer, psicóloga clínica que atua com crianças e adolescentes há 24 anos, diz que a tecnologia traz inúmeras vantagens para a vida da criança, mas o que não é usado equilibradamente pode ser transformado em algo negativo. “Com medo da violência, os pais estimulam muito o lado da tecnologia e a criança não destina o tempo necessário para outras atividades, como brincadeiras com colegas e exercícios físicos”, conta a psicóloga. Há ainda crianças com distúrbios do sono, ansiedade, obesidade e problemas de aprendizagem, todos decorri-

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dos do uso exagerado de televisão ou computador durante a noite. “Existem casos de crianças com 12 anos que são diagnosticadas com perda auditiva, devido ao excesso de volume dos fones de ouvido do Mp3”, alerta Luciana. Para a psicóloga, os pais não devem privar os seus filhos do contato

com a tecnologia atual, porque nela há aspectos positivos que abrem o mundo da criança e despertam o prazer de aprender. O ideal é que os pais conheçam os jogos de vídeo game e os ofereçam de acordo com a maturidade da criança. Também é importante que se limite o tempo de uso dos aparelhos pelas crianças. O tempo ideal, segundo Luciana, pode ser fixado em uma hora por dia – em dois períodos de 30 minutos pela manhã e à tarde. Esse prazo pode servir de parâmetro para o uso de Internet e computador. De acordo com a psicóloga, o uso da tecnologia não é a atividade mais importante, é essencial oferecer jogos educativos de tabuleiros, desenhos, quebra–cabeça, dominó e também outras vivências como cinema, teatro, lanchonete, zoológico, clube e andar de bicicleta. f


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