O Candeeiro - Marineide e Valdenor

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Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

Ano 10 • nº 2228 Setembro/2016

Não havia muitas fontes hídricas na

Sobral

comunidade além da cisterna para o consumo familiar. Então toda a água usada

Boletim Informativo do Programa Uma Terra e Duas Águas

em casa era reaproveitada e distribuída entre as plantas. As frutas predominam na plantação, tem banana, mamão, manga, abacaxi, caju, laranja, plantas medicinais e hortaliças no canteiro, macaxeira e Valdenor regando o canteiro/ Foto: Monaiane Sá

também o milho no período invernoso.

Marineide e Valdenor: humildade e afeto no cuidado com a terra

Neste ano a família participou do Programa Uma Terra e Duas Águas – P1+2/ASA,

Durante muito tempo as políticas

sendo beneficiados com uma Cisterna Calçadão. Não foi nada simples receber a

públicas foram ausentes na vida

tecnologia, o tamanho do terreno era desproporcional e não tinha espaço que

da comunidade Pedrinhas, em

comportasse o reservatório sem que para isso fosse necessário retirar as plantação.

Sobral. As famílias pelejavam para

Por esse motivo os dois ficariam de fora do programa, mas, percebendo a

sobreviver com a agricultura

importância de ter perto de casa a tecnologia, recorreram ao vizinho para que lhes

mesmo com as dificuldades do

vendesse um pedaço de chão que coubesse ao menos o tamanho certo da cisterna.

período

Com muita insistência e adulação ele vendeu e a família, enfim, garantiu a cisterna.

bananeira, uma técnica simples que reaproveita as “águas cinza” - como as águas usadas na pia, no banho e na lavagem de roupa. Ela conta que notou uma diferença entre as plantas que estão próximas do círculo e as que não estão. “O curso ajudou muito a gente a melhorar nossas práticas”, contam. O desejo agora é ver a cisterna cheia para cultivar ainda mais o quintal e ter alimentos saudáveis para compartilhar com a comunidade. Marineide e Valdenor querem que um dia outras pessoas possam ir a Pedrinhas conhecer e se inspirar em sua história Produção familiar / Foto: Monaiane Sá de amor e respeito à terra.

estiagem.

casas, água para o consumo e para o plantio, e a distância de 45 km

do projeto e na segunda foram feitas até umas quintal produtivo do casal como o círculo da

longa

Faltava energia pra iluminar as

Marineide participou das duas etapas de formação práticas de manejo e aproveitamento da água no

de

até a cidade também dificultava a Valdenor e Marineide / Foto: Monaiane Sá

vida da família. Nestas condições

muitos jovens se sentiam obrigados a sair da comunidade e migrar para as grandes cidades do país. Dentre eles está o casal Marineide e Valdenor Rodrigues. Marineide foi criada na comunidade de Pedrinhas, enquanto Valdenor cresceu na comunidade Beira do Rio, que fica às margens do rio Jaibaras. Mesmo sendo filho de um pai pescador e comerciante, gostava mesmo era da agricultura. Tinha uma sensibilidade ímpar para a natureza, apreciava cuidar da terra e cultivar as plantas, sobretudo as frutíferas. “Meu pai não gostava muito de plantar. O negócio dele era o comércio, comprar uma coisa e vender outra”, conta Valdenor, que encontrou no avô um grande incentivador e mestre para que ele aprendesse práticas de cultivo. Foi por incentivo dele que Valdenor plantou seu primeiro roçado ainda na adolescência. Valdenor no quintal / Foto: Monaiane Sá

Realização

CÁRITAS

BRASILEIRA Regional Ceará

Apoio


Articulação Semiárido Brasileiro – Ceará

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Como um bom observador notou que seu vizinho tinha um pequeno pedaço de terra

Aos 15 anos a família foi morar na comunidade Pedrinhas, onde vivia a jovem

desocupado. Não hesitou em pedir o espaço para fazer uma de suas atividades

Marineide. Pouco tempo depois de se conhecerem engataram em um namoro de sete

preferidas. Dentre as frutíferas que ganharam vez no terreno, tinha o maracujá e

anos, com mais cinco de noivado. O casamento veio em maio de 1994, sem muitas

mangueira. Valdenor lembra que as ramas do maracujá chegavam até a casa dos

condições de projetar um futuro farto na comunidade, que se recuperava da

vizinhos e todos tinham acesso. Essa é uma característica que se destaca no casal;

escassez do ano que antecedeu o casório.

para eles o grande sentido está na partilha daquilo que a terra lhes oferece. Sem poderem construir uma casa Passaram-se cinco anos para Marineide retornar a comunidade de Pedrinhas.

foram morar de favor na residência de

Valdenor voltou só depois de 10 anos. O retorno foi uma festa, com direito a

um morador da localidade. Esta sem

queima de fogos por conta de uma promessa feita pela mãe de Valdenor para que

energia elétrica, sem água encanada

eles voltassem para casa. A situação da comunidde havia melhorado, mas ainda

ou de outra fonte acessível. Os dois

assim não ficaram de vez, no entanto, nos cinco anos que se sucederam o roteiro

seguiram contornando suas pelejas.

das férias era sempre a terra natal e a cada retorno a vontade de ficar aumentava.

Marineide

“Cada vez que (eu) voltava gostava mais e mais”, confessa Valdenor.

professora ganhando um valor

trabalhava

como

mísero na época e Valdenor insistia Pedrinhas, neste período se organizaram, venderam a casa que haviam construído

no cultivo de suas plantas e em Marineide no canteiro / Foto: Monaiane Sá pequenos trabalhos que demandavam na comunidade. A situação incomodava o

em Brasília e compraram um lote menor como segurança. Nesta época ocorreu

casal que almejava uma vida mais tranquila, não só para eles. Quatro meses depois

também um fato doloroso para o casal, planejaram uma gravidez, masa criança

do casamento Valdenor tomou uma dura decisão: sair de seu canto e tentar a vida

faleceu. Serenamente ela afirma: “Não era para mim, era pra Deus”.

numa terra distante, deixando Marineide em Pedrinhas. A saída de Valdenor foi a

A volta para casa se deu no ano de 2013. Antes disso passaram três anos sem vir para

mesma de muitos sertanejos e sertanejas que tantas vezes contaram apenas com a Ao retornarem, compraram um pedaço

sorte em busca de êxito em outras terras.

de chão de 39m x 50m, uma terra condenada por todos os moradores da

Valdenor seguiu para o Rio de Janeiro e depois para Brasília. Ali conseguiu seu

comunidade. “Todo mundo dizia que

primeiro trabalho, possibilidade que levou Marineide a seguir viagem ao encontro do

essa terra não prestava, não tinha um

companheiro. Inicialmente o plano do casal era permanecer por seis meses

cristão que acreditasse nesse terreno”. O

trabalhando e se organizando para finalmente retornar ao Ceará. O tempo foi

casal não deu atenção à negatividade

passando e o que era para ser alguns meses se transformou em 18 anos. À medida

dos moradores e começaram a cultivar,

que trabalhavam e se organizavam financeiramente, novos sonhos iam brotando.

sempre priorizando as plantas frutíferas.

Marineide afirma que a permanência em Brasília não era por que gostavam de estar

Frutos do quintal / Foto: Monaiane Sá

lá, mas porque estavam trabalhando: “Pra nós não tinha porque voltar do mesmo

Na medida em que cuidavam da plantação, os frutos começaram a surgir, logo o

jeito que a gente foi. O que a gente queria era trabalhar pra ter uma vida melhor”,

casal estava colhendo banana e mamão em abundância para o espanto de toda a

conta.

vizinhança. Muitos agricultores chegavam a perguntar ao casal qual era o segredo para estarem colhendo frutos numa terra tão desacreditada. Para Marineide a

Depois de um tempo organizando as finanças, o casal conseguiu comprar um lote e

questão é simples: “A pessoa tem que amar para cuidar. Se só plantar e não zelar, não

construir uma casa. Valdenor sentia falta da terra, mas logo deu jeito de exercer o

vai pra frente”.

cultivo de suas plantas.


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