Ecologias Alternativas Ano VIII – Dezembro 2007 € 4,90 (continente) – € 7,50 Espanha
arq./a
arq./a A R Q U I T E C T U R A
A R T E
E c o l o g i a s
€4,90 | Nº52 – Dezembro 2007
A l t e r n a t i v a s
MVRDV • S’A arquitectos Peter Marigold • Ana Mendieta
ACADÉMICOS ACA A DÉMICOS AC
NAUBI NAUB AUBI N
NAUBI
NAUBI - Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior
SOBRE O ENSINO DA ARQUITECTURA Desde os anos 80 que o ensino
no seio da Faculdade das Engenharias,
a arquitectura de hoje já não consiste
da arquitectura em Portugal se tem
pressupõe, obviamente, uma componente
apenas na integração projectual
disseminado através de inúmeras escolas
tecnológica elevada, o que de facto
dos conceitos puramente estéticos
espalhadas por todo o país e com um
se verifica, sem que no entanto as Artes
e funcionais, mas muito para além disso,
número sempre crescente de candidatos
e Humanidades sejam de modo algum
engloba também todos os aspectos que
à profissão. Consequentemente, o ensino
secundarizadas. A componente prática
perseguem um desenvolvimento mais
das ciências da arquitectura tem-se
e experimental da arquitectura é pautada
sustentável, ou seja: os aspectos sociais,
desenvolvido quase sempre de acordo
pelo rigor e exigência, recorrendo
económicos e ecológico/ambientais
com os padrões internacionais para tal
frequentemente à auto-aprendizagem
relacionados com os novos modos
estabelecidos. Na Universidade da Beira
através de seminários de investigação,
de pensar a arquitectura.
Interior, o curso de arquitectura teve o
acompanhamento de docentes–tutores,
Em 2008, os primeiros arquitectos
seu início em 2003 e evoluiu já para 5
privilegiando uma formação específica
formados na UBI irão enfrentar a vida
anos de mestrado integrado, de acordo
nas áreas da construção sustentável,
profissional e, isso estamos certos, será
com o modelo de Bolonha. O facto de
patologia da construção e conforto
arquitectura estar na U.B.I. integrada
ambiental. Temos plena consciência que
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E
Núcleo de Arquitectura da Universidade da Beira Interior
o nosso contributo para um melhor ambiente humano construído.
José Justino Barros Gomes, nasceu em Lisboa, em 1944.
actividade docente como professor convidado, regente
Formou-se em arquitectura na Ryerson University, em
da cadeira de Tecnologia da Arquitectura II e III, na Uni-
Toronto, Canadá. É licenciado em arquitectura pela
versidade Moderna em Lisboa, de 1998 a 2001. Em 2004,
E.S.B.A.L. e Doutorado (PhD) pela Universy of Salford
ingressou na UBI, como docente das disciplinas de Projec-
– Manchester - U.K., com a tese “Sustainable Rehabilita-
to do curso de arquitectura; presentemente rege a cadeira
tion Indicators For Public Housing In Lisbon”. Exerce a
de Projecto V, sendo também director do respectivo curso.
prática profissional desde 1971, tendo produzido e colab-
Os seus actuais interesses de investigação centram-se nas
orado em dezenas de projectos de: arquitectura, urban-
áreas do desenvolvimento sustentável, aplicadas ao ambi-
ismo e interiores públicos, em todo o país. Iniciou a sua
ente humano construído.
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arquitectura
ENTREVISTA
S’A arquitectos com a arq./a
«Somos uma profissão simultaneamente pragmática e utópica»
LUÍS SANTIAGO BAPTISTA MARGARIDA VENTOSA
O atelier S’A arquitectos apresenta-nos uma abordagem arquitectónica pouco comum em Portugal. Na verdade, a deslocação precoce e posterior instalação do S’A em Barcelona permitiu-lhe participar numa das plataformas mais dinâmicas da arquitectura contemporânea, expandindo irreversivelmente os seus horizontes disciplinares. Neste sentido, a necessidade de compreensão da «grande escala», a exigência de uma perspectiva contemporânea de sustentabilidade, a convicção da possibilidade de conjugação entre «utopia» e «pragmatismo» e a abordagem «estratégica» ao projecto arquitectónico são os fundamentos de uma prática empenhada e entusiasta que procura responder efectivamente aos problemas da realidade concreta.
arq./a: O vosso percurso está marcado pela presença em novas
associação cultural num centro educativo reconhecido pela Universitat
plataformas de afirmação profissional. De facto, têm-se afirmado
Politècnica da Catalunya e com parcerias com MIT, bem como com uma
através da participação em programas internacionais no âmbito da
série de empresas catalãs que apostam na inovação como ferramenta de
arquitectura, o EUROPAN, a EXPERIMENTA DESIGN, o ARCHILAB, o
diferenciação competitiva e por isso aparecem associadas ao Instituto de
HIPERCATALUNYA, a BIENAL DE ARQUITECTURA DE VENEZA, etc.
Arquitectura. Foi um tomar de consciência em que não basta força de
Qual a importância dessas experiências?
vontade e qualidade de trabalho. Torna-se necessário investimento público
Carlos Sant’Ana: O aspecto mais positivo de todas estas experiências
e privado, político e social para as coisas avançarem.
foi poder estar entre os melhores e aprender com eles. Não tenho dúvidas que foram experiências bastante positivas, principalmente pelo
arq./a: Pedro Gadanho e Luís Tavares Pereira distinguiram duas
reconhecimento dado a quem não tem obra construída. A nossa presença
gerações na arquitectura portuguesa recente, a primeira X e a seguinte
no Archilab em França foi uma das mais marcantes pois foi o primeiro
Y, onde vos incluiu. Sentem essa diferença geracional?
evento em que participámos e éramos os arquitectos mais novos que
C.S’A: No Metaflux podíamos ver essa diferença devido à escolha dos
estavam presentes. Foi uma exposição chamada 90 casas, 90 arquitectos
nomes. A geração X era mais coerente e homogénea, enquanto a geração
e estavam lá grandes nomes da arquitectura mundial como OMA, Ben
Y era demasiado heterogénea para poder definir algum tipo de conjunto.
Van Berkel, MVRDV, Neil Denari, etc… O mais importante de tudo não
Todos éramos diferentes e talvez isso possa criar alguma unidade. Temos
foi nem a exposição nem as apresentações, mas sim as pausas de café,
cumplicidade de objectivos e necessidades mentais, mas a resposta dada
almoços e jantares durante os três dias que durava o evento. Foi mais
por cada um é totalmente personalizada e suficientemente diferente para
importante a parte informal do evento, pensada de modo a que houvesse
não conseguir definir uma geração. Talvez seja consequência do nosso
intercâmbio de ideias e contactos. Talvez isso tenha sido uma das grandes
percurso mais internacional, com experiências académicas e colaborações
lições que aprendi: o valor da Informalidade nas relações profissionais.
profissionais em diferentes situações e contextos. Não acho que se trate de uma diferença geracional pelo simples facto de grande parte da minha
arq./a: Por outro lado, a vossa produção parece muito marcada
geração ainda se identificar com os valores tradicionais da arquitectura
pelo contexto académico e disciplinar de Barcelona. Frequentaram o
contemporânea portuguesa. As figuras do Siza, Souto Moura e Carrilho
mestrado na Universidade da Catalunha, colaboraram com Manuel
da Graça, entre outros, ainda têm muita influência no modo de pensar
Gausa e com a ACTAR e foi aí que decidiram fundar o atelier. De que
e projectar em Portugal e são poucos os que tentam libertar-se dessa
forma se sentem marcados pela experiência continuada em Barcelona?
carga. Se olharmos o panorama europeu, ou apenas o espanhol que nos
C.S’A: A existência de S’A é indissociável de Barcelona. A cidade é uma
é mais próximo culturalmente, vemos que há uma nova geração com
grande escola e todo o tempo que passamos aqui serve para aprender.
oportunidades de mostrar a sua criatividade e capacidade de resposta,
A cidade funciona bem a todos os níveis e torna-se um exemplo só pelo
tão diversa quanto o número de intervenientes. Em Portugal, salvo raras
facto de viver aqui. Não somos influenciados pela tradicional “Escola de
excepções, apenas vemos que se destacam os que dão algum tipo de
Barcelona” mas estamos ideologicamente ligados a uma nova geração de
continuidade às outras gerações levantando uma questão: sucessão ou
arquitectos, como Manuel Gausa ou Willy Muller, e quase todo o grupo
evolução?
que fundou o Metápolis e posteriormente o Instituto de Arquitectura Avanzada da Catalunya. É uma geração muito internacional e bastante
arq./a: Uma dos fundamentos dessa mudança geracional seria uma
propositiva nos projectos, investigações e publicações, através de um
crescente hibridização de práticas criativas, integrando a arquitectura,
constante olhar critico para a realidade a uma escala simultaneamente
a arte, o design, etc. Está a vossa produção associada a essa abertura e
Global e Local. Trabalhei com Manuel Gausa durante bastantes anos
expansão dos limites tradicionais da disciplina da arquitectura?
e segui de perto toda esta evolução, de sonho a realidade. Vi como o
C.S’A: A nossa visão sobre o que é ser arquitecto é bastante mais ampla
apoio do Generalitat da Catalunya foi essencial para transformar uma
do que a prática tradicional do arquitecto. Na rotina diária do nosso
Dezembro 2007
arq./a 023
Materialeza, Sede do CREA-ES, Vitória, Brasil, 2001
estúdio, procuramos visões alternativas e criativas do mundo, levando-
como o próprio atelier tem vagueado por Lisboa, Barcelona, ou mesmo
nos à procura de referenciais numa série de outros campos de actividade.
São Paulo. É essa internacionalização da vossa actividade mais uma
Particularmente não me interessam as Artes Plásticas ou Performativas.
vontade de abertura ao mundo ou uma exigência da nossa condição
Interessam-me outras coisas. O Design Gráfico e de Comunicação são um
globalizada?
exemplo, por serem trabalho criativo com um fim bastante prático, assim
C.S’A: Não tenho claro se é vontade própria ou se nos foi imposto
como o Design Industrial. Para mim isto é o que deve ser a arquitectura.
pela evolução do nosso percurso. As oportunidades que surgiram e as
Inovação e criatividade como solução a problemas reais. Quando temos
opções que tomamos levaram-nos a este ponto. Temos tantos projectos
que dar respostas a um problema, chegamos sempre com alguns anos
feitos para Portugal como para fora e estamos continuamente à procura
de atraso. Não deveríamos concentrar a nossa atenção em antecipar
de oportunidades em todos os sítios. Movemo-nos pelo interesse
os problemas? Em trabalhar com projecções e cenários de futuro como
que um trabalho possa ter e isso leva-nos a concursos, programas e
fazem todas as empresas? Só assim poderemos responder do modo certo,
investigações extremamente interessantes. Por um lado, temos a nossa
na altura certa. Somos por definição uma profissão simultaneamente
formação académica, em Lisboa e em São Paulo. Por outro, temos o
pragmática e utópica. O conceito de Pragmatopia engloba estes extremos,
nosso desenvolvimento enquanto profissionais. Eu já tenho mais anos
onde nos movemos enquanto estúdio. Pragmatismo enquanto processo,
de vida profissional em Barcelona do que tive em Portugal e talvez por
Utopia enquanto objectivo. A procura de um mundo perfeito através
isso seja bastante crítico face ao que se passa na “santa terrinha”. Já
de respostas realistas. Utilizando uma metáfora frequentemente citada
passei por episódios no mínimo estranhos com entidades públicas e
por Ole Bouman, a imagem do arquitecto como surfista das ondas do
privadas para agora conseguir assumir tudo isso com sentido de humor.
sistema moderno, entendendo e utilizando a força inconquistável do
De qualquer modo, é o mesmo projectar para Portugal, para Barcelona
mar para conseguir contornar os obstáculos e, em constante equilíbrio
ou para qualquer parte do mundo. Mudam as condicionantes locais,
dinâmico, manobrar com graciosidade e fluidez. A audácia de enfrentar
mudam regulamentos e legislação, mudam condições económicas mas
preconceitos e problemas levantados pelos vários intervenientes, correndo
o processo mental necessário ao desenvolvimento de um projecto é
maiores riscos e que permite a longo prazo ganhos mais significativos.
igual em qualquer parte do mundo. Não entendo muito bem a defesa de
Por outro lado, somos influenciados por uma série de campos de
uma imagem nacional na arquitectura. É extremamente redutor e nada
trabalho diversos como ecologia e sustentabilidade, bem como práticas
coerente com a nossa história. Sempre fomos um local de intercâmbio de
económicas e sociais aplicadas em países em desenvolvimento. Interessa-
ideias e a nossa sociedade sempre foi resultado destas misturas. Como
me a problemática da produção de energia, de alteração de hábitos de
podem ser críticos dos defensores do nacionalismo na politica e sociedade
consumo, de reciclagem, auto-construção, etc. Estou atento a temas como
e depois praticá-lo continuamente na arquitectura? Tento ser coerente e
agricultura urbana, bio-combustíveis, novos materiais e construção ligeira.
assumir que estamos num mundo global, com todas as suas virtudes
Actualmente investigo sobre arquitectura em crise ou como dar resposta
e defeitos, e que o nosso trabalho passa por maximizar as virtudes e
a situações humanitárias de excepção, seja por catástrofes seja por crises
controlar os defeitos do sistema em que estamos inseridos.
politicas ou climáticas. Sou curioso para tentar entender o mundo que nos rodeia e tento incorporar essa informação no meu trabalho. Devíamos
arq./a: Outra das características do vosso trabalho é a diversificação
deixar de ser autistas, de projectar olhando para o umbigo. Temos de
das actividades do arquitecto. A vossa produção não se limita
começar a procurar novos territórios de oportunidade para desenvolver o
ao projecto arquitectónico, incluindo a criação de plataformas
nosso trabalho. Talvez esse seja o futuro da nossa profissão.
de investigação, a organização de exposições e publicações, o desenvolvimento de espaços de ensaio e divulgação na imprensa
arq./a: O vosso percurso denota uma internacionalização da prática
especializada, etc. Quais são no vosso entender as valências
do arquitecto. Não só respondem a contextos muito diferenciados
profissionais do arquitecto na contemporaneidade?
geograficamente, de Portugal a Angola, passando pelo Brasil e Noruega,
C.S’A: Eu entendo a diversificação como a verdadeira essência da
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SDK Urban Skinergy, Lisboa, Portugal, 2001
profissão. Nem toda a arquitectura é construção e certamente nem toda a
isso seja importante uma reflexão e divulgação do trabalho do arquitecto
construção é arquitectura, mesmo que assinada por colegas nossos. Não
como instrumento de educação, à semelhança do que fazemos com
tenho dúvidas que ser arquitecto passa por dar resposta a problemas que
hábitos alimentares e de higiene...
envolvam a cidade num sentido lato. Isso não significa necessariamente que tenhamos que construir. A profissão é abrangente, e como tal temos
arq./a: Uma das características fundamentais da vossa produção
que conseguir diversificar, ou pelo menos tentar olhar através de uma
projectual é o trabalho num espectro de escalas muito alargado. Não
grande angular para poder dar a resposta que esperam de nós enquanto
só os projectos variam da escala doméstica da Casa.Zip até à escala
profissionais. Não somos apenas técnicos. Qualquer profissional dos mais
territorial da Alseiba Momontal, como num mesmo projecto recorrem
variados temas sabe mais que nós. Qualquer pessoa que trabalhe com
com frequência a uma expansão metodológica da escala de trabalho,
caixilhos desenha-os melhor que um arquitecto, pelo que não entendo a
como acontece por exemplo no Eco-Centro. É essa variação escalar, um
obsessão que temos com isso. Somos gestores de pessoas e processos e
constante zoom in e zoom out, um modo instrumental de sustentar as
como tal devemo-nos mover em campos variados dos quais a construção
vossas opções projectuais?
é apenas um deles. Interessa-me o aspecto cultural da arquitectura e
C.S’A: Parte de uma curiosidade de tentar entender o mundo e de
a sua divulgação. É curioso que um dos poucos cursos não ligados à
uma necessidade de projecto. Estamos atentos à realidade em que nos
saúde abrangido por uma normativa europeia é o da arquitectura. Talvez
inserimos e somos críticos face ao que acontece diariamente. Isto leva
sejamos todos um pouco egocêntricos, mas para mim isso demonstra o
a um exercício de reconhecimento constante de situações que poderiam
potencial impacto das nossas acções. Como se o facto de nos tentarem
ser melhoradas e, inevitavelmente, colocamo-nos a pensar em modos
controlar um pouco seja uma espécie de medicina preventiva. Talvez por
de o fazer. Alguns desses problemas transformam-se mais tarde em projectos ou em visualizações de possíveis soluções. É este olhar critico que permite ou que necessita de constantes mudanças de escala para entender o problema em toda a sua complexidade. Acredito que o processo de projecto é algo semelhante, qualquer que seja o problema em que trabalhamos. Detecção de necessidades, observação critica, desenvolvimento de programa e proposta de projecto são de modo genérico os passos dados para chegar a um pensamento ou conclusão. Talvez devido ao modo de funcionamento não linear do ser humano sinta necessidade de dar estes saltos de escala para melhor entender as consequências de cada opção tomada. Também é um modo de gerar informação necessária para a reflexão de projecto. Não é um modo de sustentar as nossas opções, mas sim um processo de trabalho. arq./a: Essa atenção à operatividade projectual das diferentes escalas tem algo a ver com aquilo que os sociólogos, para definir a simultaneidade do local e do global, do genérico e do específico, chamaram de «Glocal»? C.S’A: O conceito de Glocal aparece no nosso estúdio através de duas formas. Uma no projecto e outra no processo de trabalho. Interessamnos estes saltos de escala como modo de entender o projecto como um
Centro 3ª Idade, Oeiras, 2003
todo. Do território à casa e vice-versa. Só assim conseguimos manter uma
Dezembro 2007
arq./a 025
Senior Circuits, Catalunha, Espanha, 2003
lógica do principio ao fim, respondendo com efectividade às diferentes
o conceito de inovação e talvez por isso a produção arquitectónica em
necessidades de cada escala de trabalho. É esta visão global, procurando
Portugal, apesar de ser de alta qualidade, é conservadora e não criativa.
sempre uma imagem completa, que dá coerência ao projecto.
É mais fácil seguir do que guiar e não estão criadas as condições para
Por outro lado, somos um estúdio de visão global que actua localmente.
sermos lideres no que quer que seja. O mercado público não dá valor à
Temos referências de distintos pontos e tivemos colaborações de todo o
criatividade ou inovação e o mercado privado tem um campo de trabalho
mundo. Sou português nascido em Angola, a minha sócia é brasileira.
apenas interessado no lucro imediato e fácil. As poucas excepções são
Operamos em Lisboa e Barcelona fazendo projectos para lugares variados.
resultado de fazer as coisas certas pelos motivos errados, convidando
Tivemos colaboradores de todos os cantos do planeta: italianos, alemães,
nomes seguros como marca ou selo de garantia, deixando uma série
franceses, suecos, espanhóis, argentinos, chilenos, mexicanos, coreanos,
de profissionais sem aceder às mesmas oportunidades. A questão de
japoneses, etc. Também portugueses. É inevitável que tenhamos
trabalhar com o programa, ou com acções em lugar de imagens é uma
influências de todo o sitio...
necessidade projectual. O mercado sofre mudanças demasiado rápidas e a arquitectura é demasiado lenta a responder a isso. Cedric Price dizia
arq./a: Defendem uma “aproximação estratégica” ao projecto
que enquanto arquitectos não somos eficazes para resolver problemas.
arquitectónico assente no “trabalhar com o programa”, “trabalhar com
Estava cheio de razão, pois isso acontece porque o projecto arquitectónico
acções em lugar de imagens”. É a vossa arquitectura essencialmente
depende de demasiados factores para se concluir. O tempo entre a
programática?
percepção de uma necessidade e o objecto construído para a resolver é
C.S’A: Como dizia Tartakover, um mestre de xadrez polaco, táctica é
demasiado longo. Continuamos a dar mais valor às soluções formalistas
saber o que fazer quando algo se pode fazer. Estratégia é saber o que
em lugar de desenvolver processos de trabalho adaptáveis às mudanças
fazer quando nada se pode fazer. E é entre estes dois extremos que
que inevitavelmente ocorrem. Este ponto de vista leva-nos à necessidade
nos movemos enquanto profissionais. Temos que saber quando tomar
de trabalhar com o programa como interpretação das necessidades de
decisões tácticas, e quando definir estratégias. O programa é o ponto
um cliente, deixando margem para flexibilizar a resposta. Enquanto
de partida de qualquer trabalho de arquitectura mas não deve ser uma
arquitectos temos que ter a capacidade de antecipar o futuro, definindo
base dogmática. Programa não é função, é articulação de funções,
estratégias de projecto para construir com flexibilidade de adaptação. Só
uma avaliação de uma lista de necessidades. É algo que propomos
assim conseguimos dar uma melhor resposta.
e que moldamos de acordo com cada cliente. Por isso devemos ser críticos e criar margem de manobra para procurar soluções criativas.
arq./a: Poder-se-ia dizer que essa centralidade do trabalho sobre o
Há uma expressão em Inglês, que infelizmente não tem tradução em
programa torna a vossa produção mais processual do que objectual?
português que é Thinking Out of the Box. Não é nada mais do que
C.S’A: Sem dúvida. Interessa-me mais o processo de trabalho do que
olhar os problemas a partir de outro prisma, numa procura de soluções
o objecto final. Talvez por isso os nossos projectos tenham formalismos
inovadoras. Sabemos que a sociedade portuguesa tem problemas com
tão distintos entre si. Trabalhamos com Topografias, com Topologias, com
026 arq./a Dezembro 2007
Centro de Monitorização e Interpretação Ambiental, Bragança, 2003
Geografias e com um sem fim de distintas configurações formais. Não nos
Da Vizinha Não É Tão Verde Quanto A Minha sobre esse tema. Qual o
interessa uma linha de investigação única ou um percurso formalmente
vosso entendimento de uma arquitectura ecológica?
reconhecível, mas sim a eficácia de uma resposta face a um problema.
C.S’A: Esta exposição, organizada juntamente com Nadir Bonaccorso
Não vejo o arquitecto como um artista, apenas preocupado com a estética
e João Manuel Santa Rita tenta divulgar variadas aproximações ao tema
ou com valores formais, mas preocupa-me a ética de projecto, que passa
na prática arquitectónica nacional. A ecologia é a interacção entre os
por conseguir dar uma resposta adequada, em meios e custos. Talvez por
vários actores e ecossistemas e o modo como se articulam e completam
isso esteja mais envolvido com o processo, por ser onde conseguimos
entre si, pelo que a arquitectura é parte integrante num sentido amplo do
definir estratégias e tácticas. Demasiadas vezes o cliente está equivocado
conceito. Toda a arquitectura terá necessariamente que ter preocupações
e não consegue ver com clareza as suas necessidades e é a partir deste
ecológicas, pois temos consciência do impacto negativo no ambiente
pressuposto que trabalhamos. Entender objectivos, necessidades e
e devemos tentar fazer algum tipo de controle de danos. Mais do que
ambições em conjunto com o cliente e procurar as soluções que melhor
a nossa produção ser ecológica, acho que toda a arquitectura deve ter
respondam a isso.
preocupações ecológicas. As propostas que fazemos assentam nesse pressuposto. Projectos como o Europan de Tromso trabalham no sentido
arq./a: A vossa arquitectura revela fortes preocupações ambientais e
de entender as necessidades específicas de cada situação. Neste caso,
ecológicas, não só nos programas que elegem, como no caso dos CMIA
é primordial resolver o problema climático e de protecção de espaço
ou mesmo do Europan, mas na configuração das propostas em si. Por
público, pois só assim poderemos ter palcos para o desenvolvimento
outro lado, ainda agora comissariaram em parceria a exposição A Casa
de relações sociais. Poderíamos ter resolvido o problema de modo
Dezembro 2007
arq./a 027
ParQ Estacionamento Vertical, Lisboa, Portugal, 2003
extremamente artificial, mas um olhar atento permitiu-nos desenvolver um
ferramenta para atingir um determinado objectivo. Na Noruega propus
conceito de protecção térmica a partir dos elementos agressivos. A acção
trabalhar com gelo como isolamento térmico e, em Angola, com distintos
conjunta do frio e neve criam uma camada protectora extra feita de gelo,
materiais reciclados de modo a aproveitar as diferenças nas inércias
necessária no Inverno. Nos silos automóveis, a resposta passa por criar
térmicas para gerar uma casa mais confortável do que as que o ocidente
estruturas verdes onde praticamente não existem no centro de Lisboa,
lhes tenta impingir. Em Lisboa, trabalhamos com fachadas vegetais e
criando assim pequenos pontos catalizadores de vida natural urbana. Para
em Espanha, com blocos cerâmicos vazados. Adaptamos mobiliário de
nós, arquitectura ecológica é simplesmente a que tem a capacidade de
arquivo para aumentar o espaço útil de uma casa e aproveitamos o know-
articular natureza e urbanidade.
how tecnológico dos trabalhadores da Lisnave e Cuf para desenvolver clusters de produção energética na Alseiba Momontal. Cada caso concreto
arq./a: Numa perspectiva contemporânea de sustentabilidade, que tipo
leva à procura de soluções adequadas, numa perspectiva de maximização
de relação deve ser estabelecida entre ecologia e tecnologia?
de resultados.
C.S’A: Encontramos hoje duas posturas genéricas face à sustentabilidade. Uma Retro-Eco, que defende um regresso às origens
arq./a: Defendem a necessidade de procura de sustentabilidade, mas
com técnicas construtivas vernaculares e ambientes sociais neo-hippies.
afastam-se da dimensão puramente técnica da questão, evidenciando a
Não é uma linha de investigação que me interesse pela incapacidade de
sua vertente política e estratégica...
lidar com processos urbanos de grande escala. Por outro lado, há uma
C.S’A: Temos que entender qual o papel do arquitecto enquanto
componente Eco-Tech que tenta aprender e evoluir a partir da natureza
profissional antes de poder dar qualquer resposta. Não acho que o
e processos naturais. Conceitos como Biomimética, smart materials,
arquitecto seja apenas um técnico. Somos essencialmente coordenadores
consciência ecológica, economia de custos, etc, passam a estar presentes.
e gestores de pessoas, meios e tempos. Temos capacidade de articular
A solução é entender o potencial de cada lugar e situação e conseguir
diferentes intervenientes e pontos de vista numa solução conjunta. Deste
aproveitar ao máximo as oportunidades sem ser necessário impor grandes
prisma, somos mais políticos ou mediadores do que técnicos e como
cargas tecnológicas que mais tarde se tornam inviáveis devido aos
tal temos que ter uma visão estratégica dos problemas. Onde queremos
enormes custos de manutenção. Estamos em países do sul da Europa
chegar é mais importante pois só assim poderemos decidir como lá
e não na Escandinávia ou Reino Unido. Temos que ter conhecimento
chegar e procurar as soluções adequadas a isso. O papel da arquitectura
das nossas limitações culturais e assumir que conceitos de manutenção
é indissociável da procura de uma sustentabilidade. Dados indicam que
preventiva não são eficazmente incorporados na nossa rotina. A
50% da população mundial mora actualmente em centros urbanos e
tecnologia, independentemente de ser avançada ou não, é uma mera
as previsões apontam para 80% dentro de trinta anos. Arquitectura, no
028 arq./a Dezembro 2007
Pavilhão Multi-Usos, Lisboa, Portugal, 2004–06
seu sentido amplo de escalas, proporciona o palco onde isto tudo se
estudar, identifico-me com uma série de atitudes profissionais que se
passará, pelo que teremos que necessariamente ser membros activos na
desenvolveram nos últimos anos. A postura profissional de Rem Koolhaas
solução dos possíveis problemas derivados da pressão urbana. Melhores
e OMA é muito influente na arquitectura contemporânea, com viagens
cidades implicam uma gestão consciente de meios, alocação de recursos
constantes entre exercício da profissão, investigação prática e teórica e
e visão estratégica e resultam num ecossistema onde se possa viver com
divulgação. Toda uma série de arquitectos que passaram pelo seu estúdio,
qualidade. Existem actualmente soluções técnicas para praticamente tudo,
por Harvard ou se moveram nesse meio profissional como MVRDV, NL
mas o importante é a vontade politica e social de mudar. Alterações nos
Architects, REX, Romero, BIG, JDS, Hosoya-Schaefer, etc. continuaram
padrões de consumo levam inevitavelmente a mudança nos padrões de
com este processo como metodologia de trabalho. O que mais me
cidade, repensando distribuições territoriais e conceitos de mobilidade.
interessa não é o conceito de densidade mas sim a procura de novas soluções através da hibridização de usos ou a utilização de situações
arq./a: As vossas propostas desenvolvem conceitos explorados por
extremas numa nova combinação de elementos, e como fazê-lo de modo
tendências recentes bem demarcadas. Se a defesa da «densidade»
user-friendly para o utilizador final. É aqui que entra a nova escola de
parece derivar das premissas da Escola Holandesa, de Koolhaas aos
Barcelona. Não tenho dúvida que a minha grande influência é a ACTAR.
MVRDV, a concepção paisagística, das «paisagens operativas» à
Fui um dos arquitectos que trabalhou mais de perto com Manuel Gausa,
simbiose «natural-artificial», parece fortemente marcada pela ACTAR.
desenvolvendo conceitos e aplicações estratégicas em variados contextos,
Foram estas influências estruturantes na vossa arquitectura?
tanto a nível profissional como académico, pelo que é impossível evitar
C.S’A: Apesar de nunca ter estado na Holanda a trabalhar ou
que haja influências nos dois sentidos. Desde logo me identifiquei no
Casa Portuguesa, Lisboa, Portugal, 2005
Dezembro 2007
arq./a 029
Museu Imaterial Café, Badajoz, 2006
processo de trabalho da ACTAR, com liberdade para discutir, propor e agir
do arquitecto numa sociedade que constantemente subvaloriza as
e foi assim que desenvolvi grande parte da minha carreira profissional,
profissões criativas. É difícil uma repetição do movimento moderno e de
paralelamente ao meu próprio estúdio.
toda a sua pujança arquitectónica. Os tempos são outros, as condições socio-económicas mudaram e a inocência face ao potencial tecnológico
arq./a: Os vossos renderings mostram sempre pessoas felizes e activas
enquanto panaceia para todos os problemas da sociedade acabou. Mon
experimentando os espaços arquitectónicos que propõem. Pode a
Uncle não existe mais. Estamos numa era de cepticismo e isso leva-nos
arquitectura revolucionar as sociedades?
a procurar novos tipos de resposta, novos campos de trabalho e um
C.S’A: Os arquitectos desenham palcos de acção social e, como tal,
envolvimento em novas problemáticas. Acredito que a grande virtude
os espaços arquitectónicos não são mais que cenários onde decorrem
da profissão é a capacidade de gerir e articular pessoas e meios para
acontecimentos da vida diária. As coisas têm a importância que lhes
atingir um objectivo concreto. Tradicionalmente foi aplicado à construção,
damos e arquitectura é apenas isso. Um palco onde os actores diários
mas cada vez mais nos vemos no meio de processos complexos que
desempenham o seu papel. O conceito de pessoas felizes e activas talvez
necessitam de respostas complexas. Estamos neste momento com
seja espelho das minhas ambições enquanto arquitecto: criar espaços
uma investigação sobre casas pré-fabricadas para Angola. Começámos
que as pessoas possam usufruir. Devemos assumir o nosso papel de
o projecto na ingenuidade de procurar uma solução técnica para o
profissionais com capacidade de antecipar e pensar o futuro e com as
problema, quando na realidade o problema não é relativo às casas mas
nossas ideias e conceitos propor alternativas viáveis e optimistas. Não
sim à implantação do processo. Existem centenas de projectos, protótipos,
sei se conseguimos revolucionar sociedades. Para mim essa palavra
técnicas, soluções mas o que falta resolver é o modo como conseguir o
tem um ponto negativo: o R que implica que uma revolução seja na
financiamento e utilizá-lo. Após conversas com pessoas ligadas a ONGs
realidade uma evolução a partir do zero. Será necessário deitar fora tudo
e alguma investigação sobre processos de trabalho em países em vias
o que foi conquistado até agora. Queremos de facto partir do zero? Fazer
de desenvolvimento, decidimos avançar com uma proposta que inclui o
Tabula Rasa? Não sei se nos interessa isso. Acho que a melhor opção é
desenho do processo de financiamento, procurando juntar entidades e
conseguir aproveitar o que temos de bom e crescer a partir desse ponto.
parceiros para cada um dos pontos chave. Assim acabámos por projectar
Talvez então a arquitectura possa ajudar a “evolucionar” a sociedade.
não só a casa, mas também o modo de fazer, articulando e modificando conceitos de micro-crédito, investidores sociais, títulos de propriedade,
arq./a: A concepção do arquitecto como coordenador central de
auto-construção e produção local. Não sei se é parte do trabalho do
processos económicos, sociais, culturais não revela, tal como já tinha
arquitecto convencional, mas partindo do princípio de que o objectivo é
acontecido com os arquitectos modernos do período heróico, uma
providenciar abrigo a uma comunidade, temos que pensar mais do que a
sobrevalorização da função do arquitecto nas sociedades?
simples casa. Num processo normal de trabalho somos frequentemente
C.S’A: Não acredito que esteja em causa a sobrevalorização do papel
confrontamos com a necessidade de resolução de problemas que não
030 arq./a Dezembro 2007
dizem directamente respeito ao exercício da profissão que assumimos
arq./a: Numa recente entrevista transpareceu um certo pessimismo
sem problema. Talvez deva passar a ser prática corrente um maior
com a situação profissional em Portugal, em claro contraste com o
envolvimento e compromisso com um objectivo.
espírito optimista e interventivo em que trabalham em Barcelona. Faltam condições para conseguirem exercer em Portugal?
arq./a: Defendendo ideias tão na ordem do dia, em volta da ecologia,
C.S’A: Não sou pessimista em relação a Portugal. Sou um Optimista
sustentabilidade, pragmatismo, etc, o que tem faltado para conseguirem
Informado, e como tal torno-me céptico em relação a muita coisa. Não
efectivamente construir?
acho que faltem condições para exercer em Portugal pois apesar de estar
C.S’A: Aplico estes conceitos há bastante tempo para me sentir à vontade
em Barcelona, tenho dois projectos em Lisboa que devem entrar em obra
com eles, mas não acredito que estas ideias sejam realmente importantes
brevemente. O nosso regresso a Barcelona parte de uma perspectiva de
para a sociedade actual, pois continuam a ser vistas como obstáculos.
ampliar o mercado de trabalho e até agora tem sido recompensador. O
Ainda não ficou claro que uma coisa não é incompatível com a outra e
optimismo está sempre presente no meu trabalho, pelo que continuo
que desenvolvimento sustentável não implica redução no crescimento
activo em Portugal. Muita gente ainda nem deu conta que regressei a
económico. Não é por uma pessoa defender ideias que estão na ordem
Espanha porque continuo ligado a publicações, projectos web, divulgação,
do dia que significa que tenha mais trabalho. Terá como consequência o
investigação, etc. Na realidade, do modo como está desenhada a nova
facto de construirmos ou não? Não sei. Temos experiência de construção
Europa, estou mais perto de Lisboa estando aqui do que estando no
- damos apoio a outros ateliers aqui em Barcelona - e uma atitude que
Porto. As comunicações e deslocações são cada vez mais fáceis e baratas
permite facilmente contornar qualquer obstáculo, mantendo como objectivo
devido à Internet e às Low Cost. Levo hora e meia daqui a Lisboa por
a qualidade final do projecto. Acho que o problema geral passa pelo
um preço razoavelmente baixo. Melhor do que apanhar o trânsito e as
processo de encomenda arquitectónica que é quase sempre obscuro.
portagens da A1, não?
Os motivos que levam à escolha de determinado arquitecto são pouco transparentes, não democráticas e não dão valor à criatividade como mais valia competitiva. Talvez por isso o trabalho vá sempre parar aos mesmos: quase todos praticam dumping para ficarem com projectos e mordemse frequentemente. Talvez devêssemos criar um código Odontológico na Ordem dos Arquitectos pois parece ser prática comum andar às dentadas uns aos outros. Não sei o que falta, mas o que está a mais nisto tudo é o conservadorismo português. Há uma enorme incoerência entre o que é defendido pelo poder político e pelos investidores em matéria de inovação e a dura realidade portuguesa. Primeiro é um equívoco considerar apenas os ramos estritamente científicos como os únicos campos capazes de inovar. Temos uma série de profissionais de muitas áreas com talento, com reconhecimento profissional em todo o planeta e que não têm oportunidade de aplicarem os seus conhecimentos em casa. Todos perguntam porque há fuga de cérebros para o estrangeiro, mas ninguém questiona a fuga de criativos. Temos arquitectos, músicos, actores, publicitários, artistas, fotógrafos, designers, etc. que estão no estrangeiro a ter êxito e são totalmente ignorados em Portugal. O que eu defendo vai além das posturas meramente arquitectónicas: defendo mudanças nos hábitos e no respeito. Pelos profissionais e pelo planeta que é o único que temos.
Dezembro 2007
arq./a 031
Noruega
PROJECTOS
Projecto Urbano “Fata Morgana”, Europan 7, Tromso
S’A arquitectos
Arquitectura Carlos Sant’Ana Ignasi Perez-Arnal Equipa Isabella Rusconi, Mika Iitomi, Sérgio Pinto, Kaina Celedon, Roberto Terrazas Tipo Concurso. Europan 7. Menção Especial Ano 2003
Esquema conceptual
1. A miragem da FATA MORGANA apenas acontece quando existem
climáticas. Como podemos contornar este problema? Como podemos criar
camadas alternadas de ar quente e frio próximo de superficies de solo
um espaço público protegido onde as pessoas possam passear, correr,
ou de água. Em lugar de atravessar estas camadas de modo directo,
andar de bicicleta, ir ás compras, ter uma vida normal nestas condições
a luz dobra em direcção à parte mais fria, ou seja, onde o ar é mais
climáticas extremas? A proposta passa por cobrir as ruas para ter um
denso. O resultado pode ser um complicado percurso dos raios de luz
espaço protegido. Fechado no inverno e aberto no verão. Deste modo,
e uma estranha imagem de um objecto distante. A FATA MORGANA é
as actividade quotidianas podem acontecer diariamente, sem importar o
na realidade uma sobreposição de várias imagens do mesmo objecto.
tempo que faz lá fora. Cafés, Igreja, Escolas, Centros comerciais, Sauna,
Normalmente, uma imagem está normal, em cima de duas imagens
Marina, até uma nova conexão maritima para o centro da cidade.
invertidas que podem estar misturadas. As imagens podem sofrer rápidas
4. As unidades de habitação formam uma estratégia simples mas eficaz.
alterações à medida que as camadas de ar se movem ligeiramente no
Maximizar a exposição a sul, protegendo o lado norte dos fortes e frios
sentido ascendente em relação ao observador. FATA MORGANA é uma
ventos polares com umas peças longitudinais. Estas casas desenvolvem-
ilusão óptica que quisemos representar: a importância das condições
se de modo linear, como braços que protegem o espaço público. Uma
climáticas, as diferentes vistas de um objecto, o contraste entre Horizontal
sequência formada por Acessos Verticais : Conexão Pública Horizontal:
e Vertical, etc.
Conexão Privada Horizontal : Serviços Técnicos : Vivência Interior :
2. Queremos natureza, mas aqui a natureza é violenta. A presença
vivência Exterior permiteuma variedade de tipologias habitacionais que
humana é apenas tolerada e cada sinal da sua existência é maltratado.
possam acomodar diferentes tipos de usuários. A pele exterior, feita de
Gelo e Neve são o mais comum neste lugar. Porque não usá-los? Como
Gelo, é resultado da acumulação de neve durante o Inverno e proporciona
um Creme de Mãos Neutrogena, propomos uma nova escala urbana,
o conforto térmico extra que as pessoas necessitam. embora pareça
FÓRMULA NORUEGUESA para proteger a natureza e as actividades
paradoxal, Gelo é um dos melhores isolamentos térmicos que existe, e
humanas. Construir uma pele de Gelo e colocar a Natureza e as Pessoas lá
aqui em Tromso está disponivel todo o ano, gratuitamente. Porque não o
dentro, protegidos. Se não os conseguimos vencer, juntamo-nos a eles…
podemos então utilizar como mateiral de construção? Quanto mais frio faz
3. A falta de espaço público em Tromso é resultado das suas condições
lá fora, mais quentes estamos aqui dentro…
042 arq./a Dezembro 2007
Dominio Público
VERÃO temperatura uniforme
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural INVERNO temperatura controlada VERÃO temperatura uniforme
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica. VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
Malha Estrutural Envolvente
VERÃO temperatura uniforme
Blocos de Habitação em Altura
INVERNO temperatura controlada
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica. INVERNO temperatura controlada
VERÃO temperatura uniforme Nevadas Frequentes
Aproveitamento da INVERNO Neve como Isolamentocontrolada Térmico temperatura
Esquema compositivo
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica.
VERÃO estrutura aberta. ventilação natural
INVERNO estrutura fechada. protecção térmica.
Esquema comportamento térmico
Organização funcional. Verão - Inverno
Dezembro 2007
arq./a 043
Infrastructure Vehicle Planta infraestrutura Bike & Pedestrian
Planta habitação
Planta paisagismo
Cortes gerais
044 arq./a Dezembro 2007
Plano tipologias
Dezembro 2007
arq./a 045
Portugal
PROJECTOS
Parque de Estacionamento Automático, Portas do Sol, Lisboa
S’A arquitectos
Arquitectura Carlos Sant’Ana e Luis Pedra Silva com Isabella Rusconi, Vanda Silva, Nuno Cerqueira, Inês Henriques, Joana Corticinho, Rafael Fortes, Gonçalo Sant’Ana, Ricardo Sousa Maquete Ricardo Sousa Cliente EMEL - Empresa Municipal de Estacionamento de Lisboa Consultores Estruturas Grese - Ricardo Sampaio, Eng. Estacionamento Automático Autoparksysteme - Miguel Louro, Eng. Electricidade Engenheiros Associados - João Cristovão, Eng. Segurança Engenheiros Associados - João Caxaria, Eng. Climatização, Ventilação Engenheiros Associados - João Caramelo, Eng. Águas, Esgotos, Incendios Ductos - Vieira de Sampaio, Eng. Fachada Vegetal Irrigarden - António João Matias, Eng. Data 2003-2005
034 arq./a Dezembro 2007
Construir no centro histórico de qualquer cidade é dificil. Quando falamos de Lisboa e de uma das vistas mais visitadas, estamos a falar de um projecto perigoso. Foi-nos pedido para desenhar um parque de estacionamento para 150 automóveis, e ao mesmo tempo respeitar a envolvente histórica. O lugar é uma praça pública com carácter de rua devido ao excesso de objectos e de informação. Propomos um novo edificio de estacionamento com uma praça pública na cobertura e uma vista privilegiada parra a cidade e para o rio. Duplicamos o espaço público existente, limpando e criando um palco para a actividades do bairro, sejam festas populares, eventos desportivos ou apenas o dia a dia. A fachada verde recupera uma tradição antiga de decorar as janelas e varandas com flores e plantas, criando uma máquina sustentável de arrefecimento da envolvente.
Localização
Implantação
Dezembro 2007
arq./a 035
Corte longitudinal
036 arq./a Dezembro 2007
Planta cota 53.50 m
Planta cota 49.50 m
Planta cota 46.50 m
Dezembro 2007
arq./a 037
Angola
PROJECTOS
Casa Angola
S’A arquitectos
Arquitectura Carlos Sant’Ana Isabella Rusconi Inês Melo Junseung Woo Local Angola Tipo Consulta. Investigação para ONG Ano 2004
Um clima quente e pouca capacidade financeira. Foi este o desafio colocado para pensar uma casa de baixo custo e de produção industrial para Angola. Um dos pontos de partida é o custo controlado de €50 por metro quadrado. Uma das necessidades é controlar o conforto ambiental na casa, até hoje pouco importante neste pais. Casa Angola é um sistema compositivo de crescimento por adição dependendo das condições económicas e sociais dos habitantes. A construção da casa é tradicional. A inovação é uma pele exterior feita de materiais baratos da região como Bamboo, Madeira, Palha ou outros. A inércia térmica desta camada protectora é menor que a do edifício, permitindo controlar as trocas de calor de dia e noite. A caixa de ar sobre-dimensionada e ventilada permite o arrefecimento da casa. Missão cumprida.
046 arq./a Dezembro 2007
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casa 1 pessoa
casa 2 pessoas
casa 1 pessoa
casa 2 pessoas
Esquema evolutivo
casa 3 pessoas
casa 4 pessoas casa 3 pessoas
Dezembro 2007
casa 4 pessoas
arq./a 047
Portugal
PROJECTOS
Centro de Eco-Turismo, S. Miguel, Açores
S’A arquitectos
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Arquitectura S’A arquitectos: Carlos Sant’Ana, Isabella Rusconi, Inês Melo, Andreia Cunsolo Ano 2005
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Terra de emigração. Ponto de Partida…
…ponto de chegada. Terra de turismo de qualidade
UMA ESTRATÉGIA
DE
ECO-TURISMO PARA S.MIGUEL, AÇORES
Analisando as conexões aéreas de S.Miguel, descobrimos relações com
Durante décadas, milhares de açorianos abandonaram a sua terra em
os grandes centros urbanos da sociedade ocidental. Entre voos directos
busca de um local onde conseguir construir uma vida melhor. Uma
e indirectos regulares, a cidade de Ponta Delgada tem um potencial
vocação de ser terra de origem de emigração. Apesar de deslocados
de visitantes -moradores nestas áreas urbanas- de 77 milhões de pessoas.
espacialmente, a paixão pelo verde das ilhas e pelo azul do mar nunca os
É este o nosso alvo. Pessoas urbanas, com poder de compra e vontade
abandonou. Com a viragem do século surge uma importante mudança.
de estarem num lugar para conhecer e desfrutar de um troca constante.
Turismo Activo. A sociedade contemporânea ganhou nos últimos anos
Estado da situação. S.Miguel é uma ilha com uma paisagem única.
uma consciência social e ecológica bastante ampla. O reconhecimento
A relação entre a natureza vulcânica e a paisagem transformada pelo
das boas práticas e da preservação de zonas verdes tem como
homem durante o século XIX resulta numa combinação idílica, numa
consequência o surgimento de um novo tipo de turismo. Ultrapassada
visão de sonho para um mundo melhor, onde a harmonia entre o urbano
a época das 12-horas-por-dia-de-barriga-para-cima-e-pé-descalço, cujo
e o natural coexistem na perfeição. Uma ilha onde o entendimento do
único objectivo era estar passivamente num lugar onde houvesse sol e
ambiente natural permite uma estratégia de ocupação pela integração. É a
praia a custo reduzido, temos agora uma nova geração de turistas activos.
maior riqueza da ilha neste momento, e deve ser preservada a todo custo.
Pessoas que viajam com vontade de conhecer outras culturas e partilhar
Para tal, devemos ter atenção e restringir o crescimento urbano, pois se
novas experiências. Viajantes que, cansados de ver o mundo pelos olhos
for pensado de modo deficiente poderá colocar em causa a existência de
da “caixa-mágica”, decidem viver na primeira pessoa as emoções de ser
toda a paisagem e consequentemente colocar em causa o próprio turismo
um turista do século XXI.
que a procura.
038 arq./a Dezembro 2007
Estudo analítico. São Miguel, Açores
Plano eco-centros
Dezembro 2007
arq./a 039
A
A
Planta piso 1
Estratégia social ambiental e ecológia. É assim necessário actuar em três frentes distintas, mas complementares. Numa materialização dos três pilares da Sustentabilidade – Ambiente, Economia, Sociedade – procuramos ampliar e re-direccionar as potencialidades do lugar. Ambiente porque cada peça incorpora um Centro de Interpretação, onde podemos educar e divulgar as características ambientais da ilha e da zona. Economia porque criamos postos de trabalho para as pessoas locais, de modo a dinamizar e criar condições de manutenção e sustentação económica da região. Sociedade porque criamos locais de estadia onde os visitantes globais possam ficar e descansar, dedicando algum tempo a trocar ideias e conhecer a rotina da cidade local. Ribeira grande. A localização da Ribeira Grande é aqui uma grande vantagem. Em resposta á capacidade centralizadora de Ponta Delgada – não apenas na ilha mas em todo o arquipélago - temos a cidade de Ribeira Grande. Localizada na Costa Norte de S.Miguel está bem conectada com a capital e com o aeroporto. Mas a sua grande vantagem é poder servir de ponto de partida e chegada de uma Rede de Percursos Naturais. Trilhas de Pequenas Rotas, passíveis de uso a pé, bicicleta ou cavalo. É aqui que conseguimos conectar com naturalidade o norte com o sul, o este e nordeste com o oeste, e assim servir de grande interface de turismo e educação ecológica. Centro de eco-turismo. Esta rede é formada por seis centros de Eco-Turismo. Seis pontos de partida e chegada que permitem pensar tacticamente em circuitos de sete dias – seis noites na ilha de S.Miguel, visitando os locais de maior interesse da ilha e ao mesmo tempo descentralizar a actividade económica e turística na ilha. Assim, cada localização está pensada para poder permitir o conhecimento da realidade. Seis edifícios em estrela. Uma forma que serve de re-distribuidora de fluxos turísticos. Uma forma elegante, elevada do solo, com pouca pegada ecológica e revestida a Basalto negro, como toda a pedra que vemos ao caminhar pela ilha. Uma arquitectura que serve de educador ambiental, interface económico e condensador social.
Corte longitudinal
040 arq./a Dezembro 2007
A
A
Planta piso tĂŠrreo
Dezembro 2007
arq./a 041
Planeta Terra
PROJECTOS
Protótipo Habitacional “Luxo é Lixo”, Tektónica 06
S’A arquitectos
Arquitectura S’A arquitectos: Carlos Sant’Ana, Isabella Rusconi, Inês Melo, Miguel Alves, Flor ne Grimal Local Sem Local Ano 2006
Luxo do Lat. luxu s. m., ostentação ou magnificência; ornamento;
TORRE EÓLICA 8m2 : 7500€
decoração faustosa; viço; vigor; esplendor; capricho; extravagância; Lixo do Lat. lixiu ou lixu s. m., todo o tipo de material desnecessário não aproveitável ou indesejado, originado no processo de produção e consumo de produtos úteis; tudo o que se retira de casa ou de qualquer lugar para
FOTOVOLTAICA
ÓCIO BIOPOOL
DEPURAÇÃO BIOPOOL
8m2 : 3000€
16m2 : 4000€
8m2 : 5000€
MADEIRA 4m2 : 900€
o tornar limpo; sobras; detritos; cisco; sujidade; imundície; fig., coisas
RELVA
12m2 : 500€
inúteis. A proposta irá utilizar apenas energia gerada a partir de fontes renováveis geradas on site, sendo uma unidade com Zero Emissões de dióxido de
LIVING MACHINE
carbono para a atmosfera e com Zero Energia, não consumindo mais energia do que a que consegue produzir, provando que se pode construir
12m2 : 5000€ GRAVILHA 4m2 : 750€
GRAVILHA
sem degradar o ambiente. A proposta é um sistema de módulos de
VIDRO
4m2 : 750€
8m2 : 900€
VIDRO 8m2
permanência temporal. Composto por um variado catálogo de opções
GRAVILHA
: 900€
2
4m : 750€
VIDRO
8m2 : 900€
espaciais - Made in Portugal, esta casa é adaptável e customizável às
SOLAR TÉRMICA 4m2 : 7500€
diferentes necessidades de cada local - espaço, exposição climatérica e solar- com a capacidade de se tornar auto-suficiente em termos energéticos e alimentares, sendo totalmente independente das flutuações imprevisíveis do mercado e do clima. Não será este o último grande Luxo a que podemos aspirar.
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048 arq./a Dezembro 2007
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Dezembro 2007
arq./a 049
Portugal
PROJECTOS
Projecto de Investigação “Alseiba Momontal”, Lisboa
S’A arquitectos
Arquitectura e Investigação O Grande Estuário 2005-2006: S’A arquitectos + Aula do Risco (Carlos Sant’Ana e António Cerveria Pinto com Cândida Vasconcelos, Daniela Lopes, Inês Melo, Leonor Faulenbach, Mónica Garcia, Nuno Almeida, Pedro Sol, Ricardo Sousa, Victor Correia). Alseiba Momontal 2007: S’A arquitectos (Carlos Sant’Ana) Tipo Investigação. Estratégia Data 2005-2007
Cenárío de Futuro. Proteger o ambiente não implica reduzir o crescimento
Começo por apresentar ALSEIBA MOMONTAL. O nome pode parecer
económico. Pensar sustentavelmente é hoje sinónimo de um aumento no
estranho, mas o conceito é simples. Almada (AL), Seixal (SEI), Barreiro
leque de oportunidades e a ampliação do potencial económico e social de
(BA), Moita (MO), Montijo (MONT) e Alcochete (AL) são cidades
cada região. No entanto, temos claro que o nosso modelo de crescimento
periféricas em relação a Lisboa, no entanto a sinergia AL + SEI + BA +
está assente numa economia de consumo sem qualquer tipo de critério
MO + MONT + AL permite repensar uma nova urbanidade, assumindo
ou de controle. Como fazer então a transição para um ecossistema
Lisboa com frontalidade. A necessidade de reconquistar uma identidade
socialmente mais justo e para um estilo de vida mais sustentável? Várias
perdida obriga-nos a repensar as estratégias municipais da margem sul.
respostas podem surgir, mas é urgente direccionar a nossa atenção para
Nenhuma destas cidades têm a capacidade -no presente ou futuro- de
os centros urbanos. De acordo com recentes previsões, cerca de 80%
competir com Lisboa. No entanto, podemos assumir que podem ser
da população global será urbana num futuro próximo, e dentro deste
cidades complementares -não apenas dormitórios. Esta nova cidade, ou
contexto, a cidade, outrora vista como a pior das possibilidades terá que
à falta de melhor expressão, Multi-cidade, é composta pela articulação
ser obrigatoriamente a solução. É aqui que conseguimos encontrar e
das cidades intermédias em rede como resposta ao modelo tradicional
materializar a diversidade de recursos necessários a uma gestão eficiente
de grande cidade, onde o conceito de Cooperação passa a substituir o
da sociedade urbanizada. Qual é então a nossa capacidade de mudar, de
conceito de Competição.
proporcionar à cidade a nova infra-estrutura e serviços necessários para
Uma das estratégias possiveis passa por entender esta Multi-cidade como
crescer de modo sustentável?
um pautado sequencial de cheios e vazios, como uma partitura habitada.
Torna-se urgente redesenhar este modelo através de uma mudança de
Não se trata de localizar especificamente cada actividade ou ocupação
paradigma de crescimento por um paradigma de sustentabilidade.
-meramente posicional como nas utopias urbanas do Movimento
É altura de perguntar que modelo de desenvolvimento queremos e
Moderno- mas criar um palco de acontecimentos dinâmicos, de
à conta de que recursos. É desde logo necessário separar o conceito
entendimento imprevisível e descontínuo. Esta matriz de acontecimentos
de crescimento económico de consumo material. A nossa inesgotável
-simultaneamente sequencial e em rede- transforma a imagem tradicional
necessidade de consumo já ultrapassou a capacidade própria de
de cidade num grande parque de características territoriais, onde várias
regeneração. A nossa dependência da importação de bens de consumo
dicotomias complementares -cheio/vazio, local/global, natural/artificial,
-comida, automóveis, roupa, tecnologia, etc.- e de fontes energéticas
etc.- aparecem como realidades compostas que extravasam as suas
-petróleo, gás natural, electricidade, etc.- têm como consequência a
próprias definições. Um espaço urbano onde as manchas já consolidadas
canibalização de recursos externos.
se completam com o aparecimento destes Parques Conectores
050 arq./a Dezembro 2007
Dezembro 2007
arq./a 051
Esquemas analíticos de circulação
Intermédios, entendidos como áreas de oportunidade onde se podem
forças: Terreiro do Paço ou a velha cidade e o reforço de Almada e Barreiro
desenvolver programas livres de preconceitos e prejuízos, obsoletos ou
como novas centralidades da Multi-cidade.
ainda por inventar. Para tornar este objectivo numa realidade tangível, partimos de três linhas
Mobilidade. A menor escala assumida é a Mobilidade Pessoal (1 ou
de actuação que nos ajudam a definir uma estratégia para ALSEIBA
2 pessoas). As pequenas deslocações que fazem parte do nosso dia a
MOMONTAL.
dia enquadram-se nesta categoria. Trata-se de uma escala considerada walkable distance e que varia de acordo com as condicionantes locais
Expansão do Centro. Apesar da previsão de população portuguesa se
-topografia, morfologia, etc.- e pessoais -idade, condição física, tempo
manter estável para 2030 -cerca 11 milhões de habitantes- estima-se que
disponível, e cuja solução mais imediata é a possibilidade de andar a pé,
a Grande Lisboa duplique o seu número actual, passando a ser cerca de
pensando e desenhando a cidade para potenciar uma vida de bairro, à
metade da população nacional. O centro de Lisboa não têm a capacidade
semelhança dos centros históricos das cidades europeias.
de lidar e organizar uma área metropolitana com 5 milhões de habitantes
Temos que igualmente considerar as necessidades diárias das famílias
em 2030 sem entrar em colapso.
da Multi-cidade pensando num esquema de Mobilidade Familiar (2
É urgente assumir uma descentralização e repensar a expansão do centro
a 5 pessoas). A existência e uso do automóvel não é negada, apenas
como único modo de reconverter a suburbanização existente, deixando
sendo recolocada no lugar devido. É absurda a dependência da
de lado os espaços urbanos mono-funcionais e movimentos pendulares
sociedade actual em relação ao veiculo, utilizado indiscriminadamente
diários, reforçando as centralidades locais de modo a permitir que uma
para pequenas viagens -até à padaria da esquina- como para grandes
nova estrutura policêntrica responda com qualidade às necessidades da
viagens -deslocações de férias atravessando o pais. Torna-se prioritário
região.
um redesenho urgente deste meio de transporte para ser um meio limpo
Esta expansão do centro em direcção a sul vai dar uma nova vitalidade às
e de emissões zero, optando por tecnologias eléctricas, híbridas ou
cidades intermédias desta margem. Este projecto implica a criação de dois
bio-combustíveis e pela criação de redes de partilha automóvel como já
novos centros, descentralizando a hierarquia mono-cêntrica existente em
existem em várias cidades europeias.
Lisboa, estabelecendo um triângulo que conforma uma nova relação de
A Mobilidade Colectiva (+5 pessoas) é a que permite a conexão dos
052 arq./a Dezembro 2007
Diagrama energético
[SmF3] sinergias vários centros da Multi-cidade com Lisboa e vice-versa, onde a rapidez
acumulado nas grandes industrias -metalúrgica, naval e química- são
de transporte e a sua grande capacidade permite a inter-conexão em
factores potenciadores de uma mudança de estratégia para a implantação
grande escala. Este transporte de carácter totalmente público -autocarros,
de um cluster industrial de elementos para produção energética -fábricas
eléctrico, metro, barco, maglev, etc.- são os vectores chave para um
de turbinas, rotores, geradores, painéis, pás de hélice, circuitos eléctricos,
Transit Oriented Development, potenciando um desenho urbano de uso
bolachas de silício, etc.- com o devido impacto na economia local através
misto e de protecção ambiental, procurando alternativas credíveis para
da criação de postos de trabalho -bastante superior às fontes de energia
uma mobilidade sustentável.
fóssil- numa enfraquecida industria produtiva. O objectivo é passar a liderar o futuro energético através da reconversão de unidades industriais
Energia. Duas opções opostas mas complementares surgem no
desactivadas ou em crise, permitindo que os produtores adoptem novas
panorama. Por um lado, o aparecimento de grandes grupos produtores
tecnologias e métodos, iniciando assim uma fase de próspero impacto na
de energia -nacionais e estrangeiros- garantem o fornecimento de grande
economia local, regional, nacional e internacional.
escala à região e ao país. Não é de estranhar a implantação de consórcios alemães para explorarem a maior quinta de energia solar da Europa em
Conclusão. A nova Multi-cidade resulta da sinergia entre várias cidades
pleno Alentejo ou a empresa escocesa que está a construir a primeira
médias, pertencentes a uma realidade diferenciada, uma multiplicação
exploração comercial de energia das ondas ao largo da Póvoa de Varzim.
de lugares e de acontecimentos onde a coexistência de diversos modelos
Por outro lado, a micro escala é cada vez mais frequente, surgindo
urbanos -cada um com as suas qualidades e defeitos - permite a
sistemas off grid de geração, impulsionados por indivíduos que optam
complementaridade de programas e escalas.
por não estar dependentes das grandes companhias, com o bónus de
Um sistema complexo de relações entre observadores e usuários, entre
garantirem a venda do excesso de produção à rede pública e privada,
actividade e ócio. Uma síntese de situações evolutivas com a capacidade
democratizando e diversificando ainda mais o mercado energético.
de se moldarem às necessidades do dia a dia.
As possibilidades neste campo passam pela tradição industrial e
Uma acção crítica multi-camada de acontecimentos, informações,
capacidade de reconversão da região, em paralelo com o potencial
movimentos, interacções. Uma integração estratégica onde nada se perde
gerador de energias limpas. A cultura de trabalho e conhecimento técnico
mas tudo se transforma…
Dezembro 2007
arq./a 053