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Entrevista
B.I. Nome
Carlos Pedro Sant'Ana
Idade 33
Nacionalidade
Portuguesa
Formação
Licenciado em Arquitectura pela Faculdade de Arquitectura da Universidade Técnica de Lisboa. Master "La Gran Escala" pela Universidad Politécnica de Catalunya
Ateliers por onde passou
ACTAR Arquitectura - Manuel Gausa
Arquitectos que admira
Alguns nomes por ordem alfabética de uma lista bastante extensa: Lina Bo Bardi Charles and Ray Eames Buckminster Fuller Manuel Gausa Pancho Guedes Rem Koolhaas Conceição Silva
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Carlos Pedro Sant'Ana
“Projectar é igual em qualquer parte do mundo” Depois de uma experiência num atelier de Barcelona e de um Master na Universidade Politécnica local, o arquitecto Carlos Sant Ana decidiu deixar Portugal e montar atelier na cidade Conda. Em entrevista ao Traço Sant Ana critica a maneira como os arquitectos portugueses são rotulados com a herança de Siza Viera e aponta o dedo para o conservadorismo das elites políticas e culturais em Portugal.
É Texto de Filipe Gil
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Fotos de Hugo Gamboa
É um arquitecto português que projecta no estrangeiro, ou a herança portuguesa, no que respeita à arquitectura, está diluída noutras influências?
Serei sempre um arquitecto português, onde quer que esteja. Não tenho quaisquer dúvidas disso. No entanto a noção ou necessidade de Portugalidade não me atormenta. Não sinto a minha identidade em perigo e assumo que é influenciada pelo mundo global em que estamos, com todas as suas qualidades e defeitos. Acredito que a herança portuguesa é uma fusão de diferentes culturas que por nós passaram ou por onde nós passamos. Digo frequentemente que a história do Império Português como muita gente orgulhosamente defende está equivocada. Mais que um Império, sempre fomos e nos comportamos como um Empório, uma plataforma logistica de comércio e cultura que inevitavelmente sofre influências externas -boas e más- mas que transformaram o nosso modo de ser e estar.
O que o fez sair de Portugal e montar escritório em Barcelona?
Tinha estado em Barcelona para um workshop durante a UIA em 96, sobre o Comboio de Alta Velocidade na Catalunha. A cidade estava a crescer em termos de importância, com muita gente de todos os lados para assistir ao Congresso e aproveitei para fazer bastantes contactos -profissionais e de amizade- que se fortaleceram ao longo dos anos. Fomos sempre trocando emails sobre projectos e em 98 surgiu a possibilidade de vir para cá. Tive um convite da ACTAR Arquitectura e descobri um Master na UPC que me interessou bastante.
Não era um curso teórico mas um curso essencialmente prático sobre temas que ninguém sequer pensava em trabalhar em Portugal. La Gran Escala focava essencialmente pensamento estratégico como catalisador de grandes projectos e a minha experiência profissional paralela com o Arq. Manuel Gausa veio completar essa formação. Juntos fizemos vários concursos e investigações -sempre encomendas de Instituições politicas ou culturais- como por exemplo o desenvolvimento das áreas interiores da Região de Valência e Alicante, a Requalificação da Montanha de Montjuic em Barcelona ou a estratégia para a conexão entre Graz na Austria com Maribor na Eslovénia. O projecto mais importante acabou por ser o HiperCatalunya, onde desenvolvemos uma visão estratégica para toda a Catalunya. Para ter uma ideia propusemos uma reinterpretação e reorganização territorial que abrange o equivalente a um terço da área do nosso pais.
É mais pujante a arquitectura espanhola do que a portuguesa?
Neste momento acho que a arquitectura europeia acontece em três centros bastante importantes. Espanha, Dinamarca e Austria. A que pode ser comparada com Portugal é sem dúvida Espanha devido à proximidade económica e cultural. Não tenho dúvida que por aqui a arquitectura é mais pujante. Posso ir DDDDD
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mais longe e afirmar que a vida, o dia a dia, a sociedade é mais pujante, mais optimista e seguramente mais justa para quem trabalha. Existem mais concursos, mais oportunidades e quem têm qualidade acaba por ver o seu trabalho reconhecido. Portugal têm um grande nome da arquitectura mundial, Álvaro Siza, indiscutivel mas idolatrado ao extremo, tornando impossivel a existência de qualquer outra postura profisisonal. Basta olhar para qualquer um dos paises que nos acompanham na UE e todos eles têm uma nova geração extremamente criativa e produtiva, quer em pensamento quer em construção. Porque isto não acontece em Portugal? Posso aceitar uma série de razões, mas não tenho dúvidas que as mais importantes sejam o conservadorismo e a miopia estratégica das nossas elites politicas e culturais. Estamos a caminhar para uma economia em que a criatividade é o principal factor diferenciador e garantia de sustentabilidade económica e no entanto é algo apregoado aos sete ventos mas que acaba por não existir em Portugal. Todos preferimos o ultimo modelo de carro e da roupa de griffe mas no que toca à arquitectura? Optamos pelo conservadorismo incoerente com o resto das nossas escolhas. Nada acontece na santa terrinha e por isso quase todos os paises da UE são hoje em dia mais pujantes -em todos os aspectos- que Portugal.
Não sinto a minha identidade em perigo e assumo que é influenciada pelo mundo global em que estamos, com todas as suas qualidades e defeitos
A vossa geração de arquitectos é conhecida como a dos filhos de Siza . Revê-se neste rótulo?
Nada. Admiro o trabalho do Siza mas não me consigo rever em nada. Acredito -ou quero acreditar- que já pertenço à geração depois dessa. Não estudei com ninguém importante em Portugal, e muito menos trabalhei com alguém importante pelo que o meu percurso é feito à margem da realidade arquitectónica portuguesa. Uma vez no Porto, durante uma reunião da nova geração com o Arq. Stefano Boeri, então editor da Domus, começou a desenhar-se uma árvore geneológica da arquitectura Portuguesa, e eu simplesmente não consegui encontrar vinculos com ninguém, excepto algumas cumplicidades ideológicas com alguns arquitectos da minha geração. Talvez pelo modo como tratam a maioria dos jovens arquitectos em Portugal acabemos por nos tornar os Filhos da Puta que estão a tentar mudar qualquer coisa. Deve ter a ver com o complexo de Electra que tentamos resolver rapidamente e matar todos os nossos referenciais masculinos. Não há nada pior que a redutora falta de identidade que esse rótulo coloca em
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todos nós. A única coisa que consigo lembrar-me é de quando se fotocopia um livro demasiadas vezes. Deixamos de reconhecer o original mas também não conseguimos distinguir mais nada e isso é o que acontece na arquitectura portuguesa hoje em dia. Estão todos a olhar para o sol e acabam ofuscados -ou cegos nos piores casos- apenas conseguindo vislumbrar uma mancha branca disforme.
Continuam a trabalhar para Portugal?
É curiosa a situação na Europa actual. As distâncias deixaram de ser as fisicas mas passaram a ser as psicológicas e por isso acabamos por estar mais perto de Lisboa desde Barcelona do que se estivessemos por exemplo no Porto. É mais barato devido às Low Cost que operam entre as duas cidades; acaba por ser mais rápido de avião do que de carro ou comboio e por isso acho que foi uma boa opção re-assentar a base aqui. Temos agora três projectos em Lisboa, um que está em stand-by e dois deles em fase de projecto de execução. Continuamos com as nossas investigações sobre o Tejo, Lisboa e toda
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a Periferia além de mantermos uma actividade cultural com a L Atalante, várias revistas de Arquitectura e outras entidades. Não deixamos de trabalhar em Portugal nem iremos deixar. Vou pelo menos uma vez por mês a Lisboa dependendo dos compromissos profissionais.
Quais as diferenças de projectar em Portugal ou em Espanha? Projectar é igual em qualquer parte do mundo pois é inevitavelmente um processo personalizado, simultaneamente individual e de equipe. O que muda é o tipo de desafio que é proposto e o respeito da sociedade pelo trabalho que fazemos. E é nisso que se notam as grandes diferenças entre os dois paises, estando Espanha alguns anoz-luz à frente de Portugal. A profissão é respeitada, os honorários são justos e o trabalho é desenvolvido com o tempo necessário. Acho que são as condições fundamentais para um bom resultado. É por isto o arquitecto pode ser responsabilizado pelo seu trabalho.
Como descrevem o trabalho de S A arquitectos? S A arquitectos não têm uma estrutura clássica. Somos dois sócios, um que assume a parte mais criativa e outro que assume a parte mais técnica e depois no rodeamos de colaboradores com experiências variadas. Temos uma escala pequena o que nos permite uma grande agilidade e flexibilidade e assim dar respostas mais eficazes -out of the box- aos problemas propostos. Conseguimos assim abranger variados aspectos da arquitectura. Por um lado damos resposta a todas as necessidades tradicionais da profissão. Trabalho técnico e rigoroso avalizado por anos de experiência em colaborações com diversos ateliers e que agora assumimos com o nosso próprio trabalho. Por outro lado, uma postura criativa e critica que se reflecte no nosso lado laboratorial. Projectos de investigação, muitas vezes sem cliente definido, como necessidade de traduzir certas preocupações e conceitos para o campo do pensamento arquitectónico.
Como funciona o vosso ateliê. Em parceria com outros arquitectos? Emparceria com outros ateliês? Devido às opções tomadas na estrutura de atelier, fazemos frequentemente parcerias com outros arquitectos. Neste momento temos uma parceria formalizada com os ESestudio, de Silvestre Castellani aqui em Barcelona com quem estamos a desenvolver vários projectos. Por outro lado temos um interesse especial no Brasil, mantendo contactos com arquitectos em São Paulo e Fortaleza que nos têm dão apoio para concursos feitos lá e que abrem possibilidades interessantes de trabalho dado o interesse económico português nas terras de Vera Cruz. Em Lisboa mantemos uma arquitecta associada e estamos agora a começar contactos com Angola. Não temos dúvidas que será a China ou Dubai para a arquitectura portuguesa.
Em que projectos estão actualmente envolvidos, tanto em Portugal com no estrangeiro? De arquitectura -no sentido tradicional da palavra- estamos com dois edificios de habitação para Lisboa e um na Catalunya, além de uma casa
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Talvez pelo modo como tratam a maioria dos jovens arquitectos em Portugal acabemos por nos tornar os “Filhos da Puta” que estão a tentar mudar qualquer coisa
pré-fabricada -Casa Angola- pensada para paises em vias de desenvolvimento que consegue dar uma resposta mais eficaz a questões sociais e ambientais especificas. Por outro lado estamos com duas investigações auto-financiadas: uma sobre Alseiba Momontal, que é um estudo sobre uma nova cidade em rede na margem sul e outra sobre Auto-Suficiência Alimentar para Lisboa sobre a capacidade de gerar os alimentos -vegetais, carnes, peixes, etc.- dentro da estrutura urbana. Fui recentemente convidado para Co-Director de uma Pós-graduação sobre Diseño, Entorno y Arquitectura aqui em Barcelona onde iremos desenvolver 5 prototipos de habitação sustentável de baixo custo para situações de emergência. Também continuam as minhas colaborações com revistas de arquitectura em Portugal e na Holanda. Além disso estamos quase sempre a fazer concursos para Portugal, Espanha e outros pontos da Europa, bem como para o Brasil.
No vosso estudo para o Grande Estuário do Tejo, vocês levantam questões muito pertinentes em relação ao futuro desse local. Qual o vosso interesse nestes tipo de estudos? E como fazem chegar essas ideias aos decisores?
O Grande Estuário foi um projecto iniciado com António Cerveira Pinto foi pioneiro na abordagem destas escalas e metodologias de trabalho em Portugal. E foi deste ponto de partida que surgiu mais tarde a investigação sobre Alseiba Momontal e a relação entre margens, ou como entender estas cidade-dormitório como uma entidade urbana capaz de competir e complementar Lisboa. Estas questões que temos se revelaram verdadeiras tendo aparecido depois disso várias versões e aproximações ao tema, desde candidatos à CML, trabalhos académicos e até à própria Trienal de Lisboa. É indiscutivel que temos que repensar os nossos paradigmas urbanos, e consequentemente económicos e sociais para manter uma qualidade de vida minimamente satisfatória. É prioritária a redução da nossa dependência do petróleo, onde as flutuações dos preços do petróleo e do gás natural se reflectem seriamente na economia nacional -importamos cerca de 70 milhões de barris anualmente. Estamos a gastar as verbas necessárias ao fortalecimento e crescimento do PIB só para manter o nível de consumo de combustíveis fosseis
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que a nossa ultrapassada economia exige. Mantivemos contacto com alguns actores ligados a diversos sectores, mas não passou disso. Presumo que tenham dialogado connosco por curiosidade própria e não por interesse das instituições. É dificil fazer chegar estas ideias aos decisores. Noutros paises, a iniciativa deste tipo de estudos parte dos próprios governos. Em Portugal são simplesmente ignorados.
Algum exemplo?
Posso contar uma história que é sintomática da inépcia da nossa classe politica e que passou com uma exposição para a qual fomos convidados juntamente com outras 5 equipes jovens. Foi lançado um desafio -com apoio do Instituto Açoriano de Cultura e Câmaras Municipais de Ponta Delgada e Ribeira Grande- para pensar diversos projectos para a Ilha de S.Miguel. Nós apresentamos uma estratégia para uma rede de Eco-Centros em toda a Ilha, aproveitando a sua riqueza natural como o grande valor que ainda podem oferecer para um turismo de qualidade. Outras equipes apresentaram projectos estruturantes para a região e que todos conseguiriam sem dúvida comparticipação dos fundos estruturais da UE. Não houve o minimo interesse por parte das instituições apoiantes para implementar qualquer uma das propostas. Mais tarde se soube que um dos projectos apresentados tinha sido adjudicado, tal e qual a proposta anteriormente apresentada, a um dos nomes grandes da Escola do Porto.
Que conselhos dão aos jovens arquitectos que começam agora a carreira?
Não temos muita vocação para dar conselhos pois estamos numa procura constante. É mais importante uma boa pergunta do que uma boa resposta, e os arquitectos são obcecados por procurar estas. Falta-nos o espirito critico, ou até simplesmente sentido comum para resolver muitas das questões que nos colocam. O arquitecto Cedric Price disse uma vez que a função da arquitectura é criar novos apetites, e não resolver problemas. Arquitectura é muito lenta para resolver problemas e concordo plenamente com ele. Devemos pensar a cidade como um todo mas estamos a perder demasiado tempo com projectos que tardam vários anos a realizar-se para resolver problemas de hoje. Quando estejam construidos e se possam utilizar, estão completamente desactualizados. Mas isto é um problema generalizado e não apenas dos arquitectos. Basta olhar para o proces-
so nebuloso do aeroporto da Ota. Ninguém sabe o que fazer da região da Grande Lisboa, mas foi decidido que ali era o melhor sitio, sem articulação de estratégias de mobilidade, expansão económica, requalificação industrial e potencial turistico. No Grande Estuário e no Alseiba Momontal propus o aeroporto na margem sul porque acredito ser a melhor opção estratégica a longo prazo por variados motivos. Talvez o mais importante seja a previsão de crescimento de população da Grande Lisboa para 5 milhões de habitantes dentro de 25 anos, e o único lugar capaz de albergar um crescimento desta natureza é a margem sul, tornando-se inevitavelmente uma grande cidade que compete com Lisboa. É necessário uma visão abrangente, extravasando o âmbito autista da arquitectura para entender a urbanidade de modo critico. Talvez este seja o único conselho que possa dar. n
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