Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra Economia Urbana 2009-2010
Lopes, A. S. (1987), Desenvolvimento Regional, Fundação Gulbenkian (pp. 218 a 228)
2 3.5.2 Teoria dos lugares centrais: Christaller e as regiões complementares
Mesmo para um observador despreocupado a realidade revelará manifestações de estruturação: em meio rural a aldeia, a sede do concelho, a capital do distrito surgem apetrechadas de forma diferente mas denunciando organização hierárquica; em meio urbano há formas organizativas que podem considerar-se paralelas quando se analisa o equipamento existente ao nível do quarteirão (ou da rua), do bairro ou da cidade propriamente dita, com a sua «baixa» onde se pode encontrar «de, tudo». As regiões, tributárias de cada um desses escalões hierárquicos reflectem, ainda, aspectos estruturais organizativos: a «baixa» é o centro da cidade como, o centro comercial do bairro é o centro do bairro; e a cidade tem vários bairros e os bairros têm várias ruas; e a área de vendas do merceeiro da esquina cabe, com outras de unidades funcionais semelhantes de quarteirões próximos, na, região de domínio do centro comercial do bairro; e as dos centros comerciais na de domínio da «baixa» citadina. A observação do meio rural não é no entanto menos expressiva e pode considerar-se já clássica a explicação da sua estrutura organizativa que remonta a Cantillon: Para ele as aldeias situavam-se em áreas mais ou menos vastas onde os seus habitantes desenvolviam fundamentalmente actividades agrícolas; nas aldeias tinham lugar as funções tidas então por mais essenciais, de produção, de cultura, de saúde, de habitação, até de troca, mas naturalmente nos seus níveis mais elementares; quando funções menos básicas e de procura menos frequente eram necessárias (como a troca dos excedentes da produção da aldeia ou a compra ou reparação da alfaia agrícola) havia apenas algumas aldeias (burgos) a executá-las das quais ficava portanto dependente uma mais vasta área; e para quem pudesse alimentar ambições de modos de vida mais confortáveis só alguns, desses centros (cidades) eram, particularmente adequados, deles se esperando uma dimensão maior e também uma maior área de domínio; podendo deduzirse a existência de uma capital no topo dessa organização, funcionando como sede do poder político e onde se encontrariam os, serviços mais raros. Esta estruturação passa assim pelo exercício de funções localizadas em centros, centros que as desempenham para áreas tributárias que são suas regiões complementares; ela, decorre do facto de, para um mesmo, habitante, existirem bens e serviços a que ele tem de recorrer diariamente, outros só semanalmente, outros só
3 mensalmente, outros ainda com menor frequência – donde os centros serem diferenciáveis de acordo com as funções desempenhadas sendo portanto diferenciáveis também as suas regiões complementares pelo menos quanto à área de domínio: Por outro lado, devem criar-se condições para que seja possível recorrer com maior facilidade aos bens e serviços necessários com maior frequência, aceitando-se que se despenda um esforço relativo maior com os, raramente procurados; daí o poder admitir-se que a distância entre os centros que desempenham um mesmo nível de funções varie com esse nível, sendo naturalmente maiores as distâncias entre os centros que oferecem, entre outros, bens e serviços menos procurados, isto é, bens e serviços de ordem superior. Finalmente, será sempre de esperar que tenham mais população os lugares desempenhando funções raras, porque é maior a sua importância e porque a oferta só acontece desde que se encontre salvaguardado um mínimo de vendas, mínimo tanto melhor assegurado quanto maior for o centro. Neste tipo de preocupações aparecem dominando os centros, o seu número, o seu tamanho e a sua distribuição espacial, isto é, o seu espaçamento; e a explicação para o número, para o tamanho e para a distribuição, que obviamente hão-de estar associados, parece, repousar em razões de ordem económica assentes em princípios reguladores da oferta e da procura dos bens e serviços, que temos referenciado por funções.
De uma forma dedutiva, foi Christaller (1933) quem primeiro veio a desenvolver a teoria com que mais cedo se pretenderia justificar a dimensão, a distribuição e o número de centros; e fê-lo com apoio nos princípios reguladores da procura e da oferta tendo em conta, como hoje se diria, que a explicação há-de resultar da maneira como a maximização do lucro, preocupação do empresário, vier a conciliar-se com a minimização do esforço (e do custo) que é preocupação do comprador. Daí haviam de decorrer os dois conceitos básicos da sua teoria já antes denunciados sob as designações de limiar da procura – o mínimo de procura que justifica a iniciativa da oferta do bem – e de alcance do bem – a distância e custo máximo que o comprador está disposto a suportar para efectivar a aquisição1. Ao construir o seu modelo, Christaller recorre a certos pressupostos e hipóteses. 1
Christaller (1933, p. 68) chamar-lhes-ia limite inferior e limite superior do alcance (“upper limit of the
range” e “lower limit” na tradução de Baskin).
4 Assim admite: 1) Que a população se distribui no espaço de forma homogénea, e considera esse mesmo espaço como isotrópico; em consequência, a ocupação humana processar-se-ia segundo um padrão triangular que garante a existência de distâncias iguais entre os compradores mais próximos (fig. 3.5.2).
Fig. 3.5.2 - Um espaço isotrópico
Distribuição uniforme da população num esquema triangular num espaço isotrópico. As distâncias entre duas quaisquer localizações contíguas são iguais.
2) Que a oferta se localiza espacialmente num sistema de «pontos»: lugares centrais; 3) Que a procura dos bens e serviços oferecidos nesses «pontos» é assegurada pela população que neles vive e pela da região complementar (ou tributária) dele; 4) Que os bens e serviços são de ordens de importância variáveis, avaliáveis a partir da frequência com que são necessários; e em princípio, considera de ordem mais elevada os que mais raramente são procurados; 5) Que a «ordem» dos bens e serviços oferecidos num centro está associada à própria ordem de importância do centro para cuja medida propõe o conceito de centralidade2;
2
Gaspar (1972: pp. 52-53) define-a como «um índice que representa a extensão, o valor do exercício
das funções centrais, do lugar na área que serve». Para Christaller (1933, p. 18), a centralidade é a
5 6) Que um centro desempenhando funções de ordem superior desempenha também as de ordem inferior.
O modelo proposto por Christaller assenta na análise da estrutura de centros do Sul da Alemanha cuja centralidade aferiu com recurso a um índice calculado sobre a utilização do telefone3, tendo podido assim destacar grandes «ordens) de centros a que atribuiu, letras4: L, P, G, B, K, A, M e H (por forma decrescente). Os lugares de ordem mais baixa devem fornecer os bens mais essenciais em condições de acessibilidade que permitam às populações não gastar mais do que uma hora para adquiri-los, o que na prática corresponderia a uma distância de cerca de 4 km., distância que num espaço isotrópico se pode tomar para raio de um círculo correspondente à região complementar do centro de menor importância, ou seja, o seu alcance. Dentro das hipóteses do modelo, esse alcance de quatro a cinco quilómetros é inteiramente coerente com um distanciamento médio de sete quilómetros entre os lugares centrais em causa empiricamente verificado no Sul da Alemanha para os lugares do tipo M5 (4); e a consideração da paisagem em maior extensão, conduz a configurações
importância relativa de um lugar face à região que o rodeia; ou o grau em que determinado lugar exerce funções centrais.
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O índice em causa foi calculado a partir de Zz = Tz-Ez(Tg/Eg), em que Tz e Tg são o número de telefones do lugar central e da região e E se associa ao número de habitantes (Christaller, 1933, p. 147). 4
Aos lugares menos importantes -lugares auxiliares – atribuiu a letra H (de hillsuntrale orte); depois
sucedeu-se a atribuição de letras associadas aos nomes utilizados na tipologia alemã: M (Marktflccken), A (Amtsslootchcn), K (Jírcisstãdtchen), B (Bezirkshauptorte), G (Gaubezirk), P (ProC inziall/llupt.irte), L (Landeszentrale).
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“Our surprise continues when we recognize that the average distance between two central places is
generally about] to 9 km, so that the radius of the complementary region of the lowest order is 4 to 5 km. - a round number not without importance. This distance is the basic measure according to which the size of this lowest region is established” (Christaller, 1933, pp. 159-160).
6 hexagonais para as regiões complementares, de resto esperadas logo, para os lugares M já que da sobreposição dos círculos resultaria imediata a decisão de encontrar a fronteira linear das regiões que a minimização do, esforço do, consumidor exigiria (fig. 3.5.3).
Fig. 3.5.3 - A rede de centros
Atente-se na Fig. 3.5.3 em como o alcance de 4 kms determina no espaço isotrópico o aparecimento de uma rede de centros distanciados de cerca de 7 km e com regiões complementares de configuração hexagonal regular.
Alguns destes lugares M estarão em condições de exercer funções de ordem mais elevada. Comecemos pelas de ordem imediata. Exercê-las, significa oferecer bens e serviços para que em princípio se admite menor frequência no consumo e portanto mais tempo de deslocação, quer dizer, maior distância a percorrer. Para essa ordem imediata aceita-se o alcance de 7 quilómetros, distância que separa dois quaisquer lugares centrais contíguos
7 de ordem M6 o que determina a formação no espaço isotrópico de hexágonos com centro em lugares A que têm por base triângulos determinados por centros M; esses lugares A encontram-se separados de cerca de 12 quilómetros7 (veja-se, na Fig. 3.5.4 o triângulo; A1, A2, A3).
Fig. 3.5.4 - A rede de centros (lI) A fig. 3.5.4 mostra como para as ordens imediatas se organizam os centros, com distanciamentos que vêm ampliados de
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(notem-se as bases triangulares) e regiões complementares sempre hexagonais.
Se passarmos às funções de ordem seguinte esperar-se-á que os centros que as desempenhem estejam ainda mais distanciados; os 12 quilómetros que separam lugares centrais do tipo A são a distância elegível para o novo alcance, que vem a determinar a emancipação de alguns centros A para centros K (casos de A3 e A7, por exemplo, na Fig. 3.5.4), donde um novo processo de triangulação (triângulo K1 K2 K3 na citada figura) a conduzir às regiões complementares sempre hexagonais de que se referencia o centro B1
6
7
Com efeito 4 x
3=7
Com efeito 7 x
3 = 12
8 distanciado dos seus homónimos mais próximos de 12 x
3 = 21 km. E será fácil deduzir
o alcance dos centros de ordem superior e o respectivo distanciamento que na prática veio a encontrar correspondência estreita com as observações de Christaller para o Sul da Alemanha: aos lugares centrais K, distanciados de cerca de 21 km, sucedem-se os lugares B distanciados de cerca de 36 (21 x
3 = 36), etc. Um extracto da «paisagem»
dos lugares centrais pode ser visto na Fig. 3.5.5.
.
Repare-se que o arranjo espacial a que se chegou corresponde, por um lado, ao mínimo de centros de serviços que podem instalar-se num espaço isotrópico e, por outro lado, assegura correspondência entre a oferta e a procura. Daí que Christaller o aponte como associado a um princípio de organização em termos de mercado que, aceite a configuração geométrica regular, impõe de forma rígida a observância de certas regularidades:
1. Qualquer centro de ordem superior tem na sua dependência dois centros de ordem imediata (mais baixa), além de desempenhar também as funções que a esses dois centros pertencem; o que corresponde a dizer que o número de lugares centrais das sucessivas ordens hierárquicas se dispõe em progressão geométrica de razão 3, salvaguardada apenas a relação entre o lugar de ordem mais elevada e os de ordem imediata; 2. A região complementar de um centro é partilhada (em partes iguais) pelos três centros de ordem superior mais próximos. As regularidades subjacentes traduzem-se na existência de uma proporção fixa (k) entre o número total de centros de certa ordem e os de ordem imediata. Neste caso, em que domina o princípio de mercado; é k = 3 (fig. 3.5.6). Mas ChristalIer admitiu que noutras circunstâncias k pudesse ser diferente.
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Fig. 3.5.5 – A paisagem dos lugares centrais Veja-se como as regiões complementares se “aninham” dentro das de ordem superior. Veja-se, ainda, como a cada região complementar vem a corresponder o equivalente a três regiões complementares de ordem imediata. Fonte: Christaller (1933, p. 66),
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Qualquer centro de ordem superior (L) é um centro de ordem P, G,... Mais geralmente, um centro de certa ordem é centro de ordem inferior. Fig. 3.5.6 – Diagrama associado ao principio de mercado
Com efeito, o arranjo espacial dominado pela regularidade k = 3 oferece as possibilidades máximas de escolha de centros de aprovisionamento dentro de condições de minimização do esforço para os atingir; mas não oferece, em termos gerais, possibilidades de optimização na utilização das vias de tráfego que devem ter traçados rectilíneos (especialmente em espaços isotrópicos) e servir o maior número de lugares intermédios ao unirem dois centros de ordem superior. Respeitados os conceitos de limiar e de alcance e preocupados com o estabelecimento do número mínimo de centros, o arranjo tem sempre de ser hexagonal; mas a optimização no uso das vias de tráfego impõe uma rotação no sistema até ele poder assumir a forma da fig. 3.5.7. Repare-se que só assim os comprimentos das vias são os mais curtos, ao mesmo tempo que a ligação de dois centros de determinada ordem se faz servindo os de ordem inferior. Simplesmente, é fácil verificar que, neste caso, ao descer na hierarquia, a um centro de determinada ordem juntam-se três novos centros de ordem imediata a sugerir uma regularidade expressa agora numa progressão geométrica de razão 4 (k = 4). Tal como com o princípio do mercado a região complementar de um centro se podia considerar
11 constituída pelo equivalente a três regiões complementares dos centros de ordem imediata (a sua, mais 1/3 de cada uma das regiões dos seis centros de ordem seguinte mais próximos), assim no caso do princípio de tráfego uma região complementar pode considerar-se formada pelo equivalente a quatro regiões dos centros de ordem imediata (a sua mais 1/2 de cada uma das associadas aos seis centros de ordem seguinte mais próximos), como se vê na Fig. 3.5.7.
Fig. 3.5.7 - Principio de tráfego Atente-se no traçado das vias e no número de centros servidos. Atente-se ainda em como a região complementar de um lugar central é constituída pelo equivalente a 4 regiões complementares de ordem inferior.
Mas outra particularidade pode ainda ter o arranjo espacial. Atente-se, em que, se houver a preocupação de organizar o espaço de acordo com princípios político-administrativos, alguma dificuldade resultará do facto de os centros terem regiões complementares que são partilhadas por centros de ordem superior. Se a organização for no sentido de a, região complementar de um centro de determinada ordem pertencer totalmente apenas a um centro de ordem superior imediata, então o
12 arranjo hexagonal tem de sofrer novo ajustamento como se vê na fig. 3.5:8; e, neste caso, a região complementar de um centro pode considerar-se equivalente a sete regiões complementares dos de ordem imediata, passando a vigorar então um princípio organizativo correspondente a K = 7.
Fig. 3.5.8 , Princípio político-administrativo Atente-se em como as regiões complementares são constituídas por sete regiões de ordem imediata.
Os três modelos que acabamos de apresentar baseiam-se sempre nos conceitos de limiar e de alcance, podendo por isso dizer-se que têm um suporte básico de natureza económica que Christaller reivindicou para a formação das suas «paisagens». As características gerais seguintes observam-se nesses modelos: 1. Em todos os casos, e teoricamente, espera-se uma hierarquia na qual se observará uma sequência rígida de centros, seja k = 3, k = 4 ou k =7. 2. A hierarquia fica associada à «ordem» dos bens e serviços que os centros oferecem. 3. Os consumidores levam a sua procura ao centro mais próximo que disponha dos bens desejados j e entre um centro de ordem inferior e um de ordem superior preferirão este último cuja área de influência contém um certo número de áreas de influência de centros de ordem inferior. A rigidez destas conclusões tem sido a fonte das críticas mais comuns a Christaller. No entanto, a verificação empírica não tem negado consistência à teoria (a começar pelas próprias observações feitas por Christaller) se bem que maior flexibilidade tenha de ser admitida. Por isso, convirá considerar desde já uma outra óptica de abordagem da mesma questão.