Sábado nº 678 (27 de abril a 3 de maio 2017)

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LIVRO GRÁTIS MISTÉRIOSEMABERTO3 25ENIGMASPOLICIAISNOVOS

Maddie “PJ e governo sentiram-se intimidadosperanteoReinoUnido” 10 anos depois Entrevista a Gonçalo Amaral e a nova vida dos McCann

www.sabado.pt N.º 678 – SEMANAL – 27 DE ABRIL A 3 DE MAIO DE 2017 – €3,20 (CONT.)

VENCER A DEPRESSÃO

“Deparei-me com uma dor inigualável” Todos os anos 500 mil portugueses são diagnosticados com a doença e o consumo de comprimidos antidepressivos e contra a ansiedade atinge 18,5 milhões de embalagens. A jornalista Judite Sousa, num livro com o psiquiatra Diogo Telles Correia, dá a cara para defender que o sofrimento mental não é insuperável


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Sumário

27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

Entrevista

Portugal

MelissaFleming A refugiada que salvou dois bebés num naufrágio

26

Destaque Depressão Judite Sousa ajuda a combater a doença

30

Portugal IsaltinoMorais 32 anos depois, anda outra vez na caça ao voto Speeddating Com deputados, e em missão à paisana

RICARDO PEREIRA

Claques Os grupos que marcam confrontos por SMS

38 44 46

Mundo

38

França O amor atípico de Emmanuel Macron e Brigitte

FOMOS PARA AS RUAS DE OEIRAS COM ISALTINO SUPERSTAR

50

Dinheiro Consumo Vender legumes com a ajuda de peluches e cromos 52 Segurança

Numa esplanada, num talho, numa papelaria ou no meio da estrada, os oeirenses demonstraram que não esqueceram o ex-autarca

Maddie Reportagem e entrevista com Gonçalo Amaral

56

McCann A vida da família nos últimos anos

60

Sociedade

Destaque

GPS

Património As histórias dos 75 anos das Pousadas de Portugal 62 Saúde O maior surto de sarampo aconteceu nos anos 80 68

30

Vamos comer ao hotel

CARLOS RAMOS

Seis novos restaurantes de hotel em Lisboa e no Porto. E ainda: entrevista com vocalista dos Simple Minds; livro revela letras de Vinicius de Moraes

COMO VENCER A DEPRESSÃO

LídiaMuñoz Neta de Eunice ajuda a avó com as falas

72

Corridas Derek Murphy, o detective das maratonas

74

Evereste Expedição para limpar toneladas de lixo

77

Tendência Ajudar com pouco tempo? Faça microvoluntariado 78 Família Casais É possível uma app prever e evitar os conflitos? 80 Social Rita Ludovisi Após vida de escândalos, é princesa em Itália

82

Desporto

Judite Sousa sentiu “uma dor inigualável”. Ela dá a cara para combater o sofrimento mental

Futebol E se o fora-de-jogo acabasse? Fomos experimentar 84 Ténis João Zilhão fala dos bastidores do Estoril Open

87

Opinião

Foto de capa: Carlos Ramos

E mais... 4 6 10 11

Bastidores Editorial Do Leitor A Abrir

14 17 24 87

Nuno Costa Santos Pedro Marta Santos Obituário Rui Miguel Tovar

José Pacheco Pereira 8

Nuno Rogeiro 48

João Pereira Coutinho 90

www.sabado.pt Geografia

+ LIDAS

Projecto revela mapas-múndi com dados temáticos

17 A 23 DE ABRIL

01. MÁQUINA LAVADORA Coisas que a máquina da loiça pode lavar e não são loiça

Chama-se atlas para o fim do mundo e é o resultado de um longo projecto de investigação

02. COREIA DO NORTE Imagens idílicas da máquina de propaganda de Pyongyang

Animais

Cinco coisas de que o seu cão não gosta A norueguesa Turid Rugaas revela quais são

03. ANTES E DEPOIS

Asfotosvencedoras dosfotógrafosdoano

Irmãos recriam fotos antigas fazendo a mesma pose anos depois

3


Do director

27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

B

BASTIDORES

Superação

Com o psiquiatra Diogo Telles Correia, a jornalista, saída de um drama pessoal, decidiu chamar a atenção para os problemas da saúde mental, mas sobretudo para a possibilidade de os tratar

udite Sousa não falou com a SÁBADO sobre o livro que co-assinacom o psiquiatra Diogo Telles Correia, nas livrarias dentro de dias. Por email, fez-nos saber: “Na minha introdução tem as respostas a todas as perguntas. Obg.” Como várias figuras públicas, a jornalista, saídade um dramapessoal – de que o seu texto de introdução é revelador–, decidiu chamaraatenção para os problemas dasaúde mental, mas sobretudo para a possibilidade de os superar. Diogo Telles Correia, seu amigo, tornou-se seu cúmplice neste desafio de revelarumadoençaque alastra. O livro foi o ponto de partida para o trabalho de Marco Alves (págs. 30 a 36).

PEDRO ZENKL

J

entre os munícipes na reportagem de Octávio LousadaOliveira(págs. 38 a42).

RICARDO PEREIRA

B

g Uma última conversa com Isaltino Morais no jardim municipal de Paço de Arcos

B Director Adjunto

João Carlos Silva 4

Teste na Tapadinha Em Janeiro, Marco Van Basten surpreendeu o mundo do futebol ao defender o fim dos foras-de-jogo. Garantiu que iria trazer mais golos. Logo em Fevereiro contactámos o Atlético, uma das equipas com menos golos marcados nos campeonatos nacionais, para tentarmos um teste. O jogo foi marcado e adiado portrês vezes. Aúltimacombinação foi para dia 20, quinta-feira. Na véspera, Paulo Santos (antigo guarda-redes de Bragae FC Porto), que iajogar pela SÁBADO, avisou que não podia ir. E no próprio dia o vice-presidente do Atlético ligou a avisar que tinha havido um problema com uma conduta e que talvez não houvesse água para tomar banho. Mas o jogo-teste fez-se mesmo. Leiacomo nas páginas 84 a86.

B

B

Madrugada nas urgências Antes de um passeio por Oeiras, Isaltino Morais contou à SÁBADO como lhe surgiu a ideia da comparticipação municipal de medicamentos para pessoas com 65 anos ou mais. A 1 de Janeiro de 2009 teve uma crise renal (a culpa terá sido do conhaque bebido por volta das 2h). Foi de urgência para o hospital S. Francisco Xavier e posto a soro. Adormeceu até seracordado, pelas 7h, por uma idosa, de Oeiras, que lhe mostrou uma receita e se queixou de não ter dinheiro para os medicamentos. Cinco minutos depois, apareceu-lhe um homem, também idoso, aqueixar-se do mesmo. Meses depois, a autarquia passou a comparticipar os medicamentos dos idosos em 50%. Siga Isaltino

Miniaturas intactas Foram também muitas as combinações para concretizar o trabalho sobre a estratégia de marketing dos supermercados através da qual os miúdos “obrigam” os pais a ir lá fazer compras para obter brindes e miniaturas. Numa delas, a meio de um telefonema com uma das mães que fez a colecção do Lidl, amiúdaapercebeu-se do temada conversa. Aproximou-se aflita, começou a gesticular e disse: “Mãe, mãe, eu não dou miniaturas a ninguém. Não ofereças.” É importante sublinharque a jornalistaAnaCatarinaAndré devolveu todos os brindes, depois de devidamente examinados – e fotografados por Alexandre Azevedo, como pode vernas págs. 52 a54. W

g Jorge Andrade, o nosso treinador, e uma selfie antes de o jogo começar e de dar a palestra no relvado

! Maddie10anos A entrevista com Gonçalo Amaral que publicamos esta semana (págs. 56-59), de Fernanda Cachão e Mónica Palma, pode ser vista na íntegra no especial Maddie, o Enigma, que a CMTV transmite no dia 1 de Maio


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Opinião

EDITORIAL Se Emanuel Macron não provar, pelas políticas reformistas, que o social-liberalismo é melhor do que a cartilha nacionalista, Marine Le Pen não será esquecida tão depressa pelo eleitorado, que já faz da Frente Nacional o maior partido de França

27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

E

A vitória de Macron e o futuro de Marine vitória de Emanuel Macron na primeira volta das eleições francesas e a sua previsível eleição como sucessor de Hollande na presidência são um balão de oxigénio para uma Europa vulnerável aos extremismos e à sua própria incapacidade política. Macron é uma espécie de terceira via centrista recauchutada, desta vez criada fora da esfera de influência dos partidos, que se revelou ser a melhor receita para conter a extrema-direita de Marine Le Pen. Não nos devemos, porém, iludir. A ilusão é, aliás, um estado de alma muito perigoso nos tempos que correm. Macron ganhou e pode ser eleito, desde logo apanhando os escombros em que se transformaram os socialistas e a direita francesa, mas não eliminou o perigo nacionalista. A Frente Nacional é neste momento o maior dos partidos franceses e, ao contrário de todos os outros, tem tido um crescimento eleitoral e orgânico consistente desde que superou o efeito do “golpe Mégret”. Se Macron não provar, pelas políticas reformistas, que o social liberalismo é melhor que a cartilha nacionalista, Le Pen não será tão depressa esquecida pelo eleitorado.

A

E

B Director

Eduardo Dâmaso 6

Osarrependidosao serviço do Estado de direito Os “arrependidos” em processos-penal sempre foram uma arma importante para defender a integridade de um Estado de Direito. Quem não quiser ficar na ignorância promovida por meia dúzia de arguidos ilustres e respectivos mefistófeles cá do burgo, com influência nos meios de comunicação social e em alguma opinião dita e escrita, deve seguir a série 1992, na RTP2, ou ver o filme A Máfia Só Mata no Verão, emitido também

neste canal. Um e outro são obras de ficção mas, ao mesmo tempo, verdadeiros espelhos de rigor documental sobre o que se passou nas décadas de 80 e 90 em Itália no combate à máfia e à corrupção do Estado. É mais fácil perceber por eles aquilo que outros encontraram em leituras demoradas das obras de Francesco La Licata, Alexander Stille, John Dickie, Marco Travaglio, Gianni Barbacetto, Peter Gomez e Andrea Camilleri, ou nas notícias de jornalistas como Mario Francese, assassinados pela máfia. Por estes autores e por aquelas duas obras de televisão se percebe como Boris Giuliano, Emanuele Basile, Beppe Montana, Cesare Terranova, Rocco Chinnici, Dalla Chiesa, Giovanni Falcone e Borsellino, para só falar dos mais conhecidos “cadáveres ilustres”, seriam considerados pela opinião publicada cá no burgo perigosos promotores de acusações na praça pública e violadores do segredo de justiça em benefício dos seus amigos “jornalistas justiceiros”. A história italiana desse tempo mostra bem a manipulação do debate sobre direitos fundamentais promovida pelos amigos dos criminosos na política, na justiça, no jornalismo, também eles criminosos, como eram os títeres da Democracia Cristã e do Partido Socialista Italiano, de Salvo Lima a Andreotti, de Berlusconi a Craxi, dos inimigos de Falcone no palácio da justiça de Palermo a Corrado Carnevale, presidente do Supremo Tribunal. Foram estes belzebus e mefistófeles que também usaram a presunção de inocência e a alegada defesa do Estado de direito para matar inocentes e tentar desacreditar polícias, magistrados e importantes arrependidos. Leonardo Vitale e Tomaso Buscetta abriram caminho a Salvatore Contorno, Antonino Calderone e Franceso Mannoia, assassinos confessos, que ajudaram muito à sobrevivência do Estado de direito em Itália ao garantirem acusações indestrutíveis, contando o que fizeram e o que viram fazer. Pensar que é um fenómeno localizado e que não tem nada a ver connosco é um erro letal. Como se está a ver no Brasil, em Espanha e, de novo, em Itália. W



Opinião

ALAGARTIXA E O JACARÉ Vou transcrever em inglês os tweets de Trump, pela ordem inversa da sua publicação, e depois colocar a “tradução” automática do Google porque, nos seus erros, reproduz melhor as barbaridades do original

O

O adolescente retardado traduzido automaticamente 1 Os tweetsde Trump são um contínuo exemplo da mentalidade de um homem sem qualidades mas mesquinho, agressivo, ameaçador e mentiroso. Eu sei que ganhou as eleições e é Presidente dos EUA, mas nem por isso deixa de ser um perigo público com a mentalidade de um adolescente. Os temas são recorrentes e percebe-se muito bem o que anda por aquela cabeça. E não é bom.

2 Os tweets de Trump são intraduzíveis em bom português, uma língua muito mais complexa do que a sua cabeça. Vou por isso transcrevê-los em inglês, pela ordem inversa da sua publicação, e depois colocar a “tradução” automática do Google porque, nos seus erros, reproduz melhor as barbaridades do original.

3 Vejamos os últimos. O que o leva a escrever estas pequenas mensagens em linguagem gutural são duas ou três coisas, nenhuma aceitável. Uma, é a obsessão pelos ratings e as sondagens e, como os resultados são maus, atira por todo o lado e reinterpreta o único que lhe parece favorável. Nos outros resultados as sondagens são fake, nesse são correctíssimas. “New polls out today are very good consideringthatmuch ofthe media is FAKE and almost always negative. WouldstillbeatHillaryin...

O Professor

José Pacheco Pereira 8

...popularvote. ABCNews/Washington Post Poll (wrong big on election) said almost all stand by their vote on me&53%saidstrongleader.”

“Novas pesquisas realizadas hoje são muito boas, considerando que grande parte da mídia é FAKE e quase sempre negativa. Ainda beat Hillary em... ...voto popular. ABC News / WashingtonPostPoll(errado grande sobre a eleição) disse que quase todos stand by seu voto sobre mim e 53% disse líderforte.” As sondagens revelam que é o Presidente que, aos 100 dias, piores resultados tem. E não, não batia Hillary no voto popular com estes resultados, mas para ele o mundo é ficção e mentira.

4 Depois, como está a ter dificuldades em obter fundos para o célebre muro nafronteiracom o México. “The Democrats don’t want money frombudgetgoingtoborderwalldespite the factthatitwill stop drugs and verybadMS13gangmembers. Eventually, butata laterdate so we can get started early, Mexico will be paying, in some form, for the badly neededborderwall.” “Osdemocratasnãoqueremdinheirodoorçamentoindoparaafronteira parede apesar do fato de que ele vai parar de drogas e muito mau MS 13 membrosdagangue. Eventualmente, mas em uma data mais atrasada assim que nós podemos começados cedo, México estará pagando, em alguma forma, para a parededebeiramalneeded.” Nadadisto é verdade. Nem o México tem amais pequenavontade de pagar, nem os “verybadMS 13” membros do gangue são mexicanos. O gangue Mara


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

Salvatrucha é oriundo e conduzido a partir de El Salvador, e embora tenha membros mexicanos e, alguns destes, imigrantes ilegais, recruta principalmente entre pessoas há muito tempo nos EUA, e, durante o período da presidência Obama, foram deportados em massa.

5 Depois há a eleição na Geórgia onde os democratas tiveram a maior vitória dos últimos anos numa circunscrição predominantemente republicana. Regista-se uma enorme subida e só à tangente não chegaram aos 50% dos votos. Pois Trump, que usou o Twitter

para disparar em série contra os democratas, com os habituais fantasmas, escreve que os republicanos “ganharam” porque conseguiram no seu próprio território umasegundavolta. Claro que o mérito foi dele, e agora é “Hollywood contraaGeórgia”… “DemocratJonOssoffwouldbeadisasterinCongress. VERYweakoncrime and illegal immigration, bad for jobsandwantshighertaxes. SayNO Despitemajoroutsidemoney, FAKE mediasupportandelevenRepublican candidates, BIG“R”winwithrunoffin Georgia. Gladtobeofhelp! Dems failed in Kansas and are now failing in Georgia. Great job Karen Handel! ItisnowHollywoodvs. GeorgiaonJune20th.

OdemocrataJonOssoffseriaumdesastre no Congresso. MUITO fraco no crimeenaimigraçãoilegal, mauspara trabalhosequerimpostosmaiselevados. Diganão” “Apesarde grande fora do dinheiro, FAKEmídia apoio e onze candidatos republicanos, BIG “R”ganhar com runoff na Geórgia. Feliz por ajudar! Os democratas falharam no Kansas e agora estão falhando na Geórgia. Grande trabalho Karen Handel! Agora é Hollywood vs. Georgia em 20 de junho.”

6 Um Presidente americano que interfere nos assuntos europeus com “opiniões”, que na realidade são aquilo que em português plebeu se chama “bocas”, junta-se a Putin no apoio dessa delicada flor da extrema-direita que é Marine Le Pen. “AnotherterroristattackinParis. The people of France will not take much more ofthis. Will have a big effecton presidentialelection! Very interesting election currently takingplaceinFrance.” “Outro ataque terroristaemParis. O povodaFrançanãovaidemorarmuito mais disso. Terá um grande efeito sobreaeleiçãopresidencial! Muito interessante eleição que está ocorrendoatualmentenaFrança.”

SUSANA VILLAR

7 Não é difícil ser cómico nos EUA com este Presidente, mas nada disto é cómico, é até um bocado para o trágico. O mundo ser governado por um adolescente aos saltos e aos tweets, que se passeia pelas suas propriedades de luxo gastando milhões de dólares em cada deslocação, que se gaba de encontrar os líderes dos outros países, como se tal fosse uma grande conquista pessoal, que muda de opinião todos os dias e que acha que pode fazer o que quiser sem consequências, não vai acabar bem. W 9


Do leitor

As novas dietas da moda

L Maria de Lurdes Martinho Lisboa

Quando se fala de perder peso, e é sempre antes de ir para a praia, há sempre dietas novas e melhores do que as anteriores. A SÁBADO deu-nos mais uma mão-cheia delas e para todos os gostos: a da hormona da felicidade para perder até 70 quilos, para os obesos, e para quem só precisa de perder a barriguinha ganha depois dos 40. Mas a de que gostei mais foi a da sopa o dia inteiro. Além de emagrecer, desintoxica o organismo. (...).

L António Jorge Vieira Almada

A violência no futebol É lamentável como o futebol continua a gerar violência, chegando mesmo a haver homicídios. Os estádios tornaram-se locais perigosos para quem quer levar a família. O atropelamento de um adepto do Sporting, junto ao estádio da Luz, na madrugada antes do dérbi, e os confrontos no dia do jogo revelam o estado a que chegámos.

L José Manuel Cardoso Santarém

Os 100 golos de CR7 Aos 32 anos, só lhe faltava tornar-se o primeiro jogador de sempre a fazer 100 golos em provas europeias. E conseguiu-o! Cristiano Ronaldo é uma máquina humana com uma determinação invulgar, aliada a uma capacidade física aci10

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leitores@sabado.cofina.pt

ma da média. O maior jogador português e do mundo é mesmo um caso de estudo.

L Jorge Morais

Conselho de Administração Paulo Fernandes (Presidente), João Borges de Oliveira, Luís Santana e Alda Delgado Directora Geral de Marketing Isabel Rodrigues Director Geral Comercial Hernani Gomes Directora Administrativa e Financeira Alda Delgado Director de Circulação e Assinaturas João Ferreira de Almeida Director de Informática Rui Taveira Director de Recursos Humanos Nuno Jerónimo Directora de Research Ondina Lourenço

Director Eduardo Dâmaso (eduardodamaso@sabado.cofina.pt) Director Adjunto João Carlos Silva (joaosilva@sabado.cofina.pt) Editores Ana Taborda (anataborda@sabado.cofina.pt) Ângela Marques (angelamarques@sabado.cofina.pt) Carlos Torres (cstorres@sabado.cofina.pt) Guilherme Venâncio (gvenancio@sabado.cofina.pt) Sónia Bento (soniabento@sabado.cofina.pt) Editor Online Filipe Garcia (filipegarcia@sabado.cofina.pt) Editor Multimédia Nuno Paixão Louro (nunolouro@sabado.cofina.pt) Subeditores Alexandre Azevedo (alexandreazevedo@sabado.cofina.pt) Nuno Tiago Pinto (nunopinto@sabado.cofina.pt) Maria Henrique Espada (mespada@sabado.cofina.pt) Vanda Marques (vandamarques@sabado.cofina.pt) Grande Repórter António José Vilela (antoniovilela@sabado.cofina.pt) Redacção Ágata Xavier (agataxavier@sabado.cofina.pt) Ana Catarina André (anaandre@sabado.cofina.pt); André Rito (andrerito@sabado.cofina.pt); Bruno Faria Lopes (brunolopes@sabado.cofina.pt); Cátia Andrea Costa (catiacosta@sabado.cofina.pt); Diogo Lopes (dlopes@sabado.cofina.pt); Leonor Riso (lriso@sabado.cofina.pt); Lucília Galha (luciliagalha@sabado.cofina.pt); Marco Alves (marcoalves@sabado.cofina.pt); Octávio Lousada Oliveira (octaviooliveira@sabado.cofina.pt); Raquel Lito (raquellito@sabado.cofina.pt); Rita Bertrand (ritabertrand@sabado.cofina.pt); Sara Capelo (saracapelo@sabado.cofina.pt); Susana Lúcio (slucio@sabado.cofina.pt) Cronistas Alexandre Pais (alexandrepais2013@gmail.com), João Costa (joaocosta@yap.pt), João Pereira Coutinho (pereiracoutinho@hotmail.com); José Pacheco Pereira (jppereira@ gmail.com), Nuno Costa Santos (falarparadentro@sapo.pt), Nuno Rogeiro (nrogeiro@gmail.com) e Pedro Marta Santos (pedromartasantos@sapo.pt) Secretária da Direcção Catarina Gonçalves (catarina@sabado.cofina.pt) Ilustração Luis Grañena, Rui Ricardo, Susana Villar Infografia Ruben Sarmento Grafismo Nuno Martins da Silva (editor), Ana Soares (gráfico sénior), Daniel Neves, Marta Cristiano, Marta Luz, Tiago Dias, Tiago Martinho (gráfico sénior) Tratamento de Imagem João Cruz e Ricardo Coelho Consultoria Linguística Manuela Gonzaga (manuelagonzaga@sabado.cofina.pt) Documentalista Anabela Meneses (anabelameneses@sabado.cofina.pt) Estatuto editorial (Leia na íntegra em www.sabado.pt) Os textos da SÁBADO não seguem o novo Acordo Ortográfico Assinaturas Telefone 210 494 999 Email assine@cofina.pt Correio Remessa Livre 11258 – Loja da 5 de Outubro – 1059-962 LISBOA (não precisa de selo) ou escreva para: Cofina-Serviço de Assinantes – Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3 – 2.º Piso – 1549-023 LISBOA Preços de Assinatura PORTUGAL EUROPA RESTO DO MUNDO Semestral (26 edições) € 59,90 € 126,40 € 188,70 Anual (52 edições) € 119,80 € 236,70 € 362,90 2 anos (104 edições) € 200,20 IVA incluído à taxa de 6% Contactos Margarida Matos (Coordenadora), Sandra Sousa, Ana Pereira e Sónia Graça (Serviço de atendimento) Venda de edições anteriores Contacte-nos pelo 219 253 248 ou RevistasAnteriores@revistas.cofina.pt Marketing Sónia Santos (gestora)

Porto

De leste nada de novo Século XXI, Abril, 2017, Primavera no hemisfério norte. Mas em todo o hemisfério será mesmo Primavera? Infelizmente, lá mais para leste o Inverno persiste. Triste. Macambúzio. Apesar de umas ameaças de esperança, continua tristonho como sempre. Mentalidades retrogradas decidiram banir a religião Testemunhas de Jeová, considerando-a uma organização extremista e confiscalhe todas as propriedades. Gente com a mesma mentalidade cria um campo de concentração para homossexuais, onde homens estarão a ser torturados de várias formas, uma das quais choques eléctricos, e mortos. Em boa verdade, de leste nada de novo. (...). W

Publicidade Assistente Comercial Irene Martins Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3, São Domingos de Benfica, 1549–023 LISBOA Telefone +351 210 494 102 – Fax + 351 213 540 392 ou + 351 213 153 543 Email publicidade@sabado.cofina.pt Produção Avelino Soares (director-adjunto), Carlos Dias (coordenador), Paulo Bernardino, José Carlos Freitas e Fátima Mesquita (assistente) Circulação Madalena Carreira (coordenadora) e Jorge Gonçalves Redacção Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3, São Domingos de Benfica, 1549–023 LISBOA Telefone +351 213 185 200 – Fax +351 210 493 144 Sede: Administração e Publicidade Rua Luciana Stegagno Picchio nº 3 São Domingos de Benfica, 1549–023 LISBOA

Propriedade/Editora Cofina Media SA Capital Social 22.523.420,40 Euros CRC Lx n.º 502 801 034 Contribuinte 502 801 034 Principal Accionista Cofina SGPS, SA (100%) N.º Registo ERC 124436 N.º ISSN 0872-8402 Depósito Legal 210999/04 Tiragem média no mês de Janeiro 100 mil exemplares Impressão LISGRÁFICA Impressão e Artes Gráficas, SA

Estrada Consigliéri Pedroso, 90 Casal de Santa Leopoldina 2745-553 Queluz de Baixo Tel. 214 345 400 Pré-impressão GRAPHEXPERTS Rua cidade de Rabat 32-B, 1500-163 Lisboa Distribuição VASP – Distribuidora de Publicações, Lda. MLP: Media Logistics Park Quinta do Grajal – Venda Seca, 2739-511 Agualva, Cacém

Eleita pelo sétimo ano consecutivo newsmagazine do ano pela Meios & Publicidade


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

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ESTAMOS A PAGAR MAIS 20% PELO AZEITE AGRICULTURA O preço do azeite na origem já está a aumentar desde o Verão passado, quando se começou a prever uma acentuada quebra de produção de azeitona. “Isto deve-se às condições climáticas de 2016, que não foram as ideais, mas também a um fenómeno conhecido por contra-safra, que é típico desta cultura. Significa que existe uma alternância produtiva, e que, a seguir a um ano de boa produção – chamado ano de safra (como foi o de 2015, com uma produção recorde) –, se segue normalmente um ano de produção mais fraca – chamado de contra-safra. Estes dois factos conjugados originaram a quebra na produção desta campanha, que será da ordem dos 30%”, explicou à SÁBADO Mariana Matos,

BARBIE INDECOROSA ATRAI SEGUIDORES INSTAGRAM A sul-africana Annelies Hofmeyer criou um perfil no Instagram (Trophy Wife Barbie) em que a boneca aparece em situações politicamente incorrectas, como por exemplo numa consulta de Ginecologia ou a depilar-se. Em pouco tempo a paródia tem mais de 103 mil seguidores.

O EXERCÍCIO FÍSICO É MESMO CONTAGIOSO – CONCLUI UM ESTUDO PUBLICADO PELA NATURE COMMUNICATIONS. OS INVESTIGADORES DERAM COMO PROVADO QUE QUEM CORRE INFLUENCIA OS AMIGOS – E AINDA QUE OS HOMENS SÃO MAIS INFLUENCIÁVEIS DO QUE AS MULHERES.

secretária-geral da Casa do Azeite. O aumento do preço do azeite tem sido gradual mas bastante significativo. “O preço médio do azeite virgem extra, no Verão de 2016, rondava os €3,15/litro, e situa-se agora em cerca de €3,80, um aumento superior a 20%”, acrescenta. Portugal é o 7º país produtor de azeite no mundo, depois de Marrocos, Tunísia, Turquia, Grécia, Itália e Espanha.

FOTOS ISTOCK

O preço médio do litro passou de €3,15 para €3,80. A explicação é simples: a produção de azeitona caiu mais de 200 mil toneladas

! Inglaterra

Estrear os sapatos da Rainha é um novo emprego no Palácio de Buckingham. Para que Isabel II (91 anos feitos dia 21) não tenha bolhas nos pés nem se sinta desconfortável da primeira vez que calça uns sapatos novos, há uma pessoa que tem a função de os tornar maleáveis, andando com eles pelo palácio, a subir e a descer escadas. Não é um emprego para qualquer um: os candidatos têm de calçar o número 37. 11


27 ABRIL 2017

Aabrir

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j Priseltsi, no Sul da Bulgária: 7 quartos e 5 casas de banho por €220 mil

Custo médio de uma casa de férias por país 1 BULGÁRIA

€108mil 2 TURQUIA

€124,5mil 3 GRÉCIA

€142mil 4 IRLANDA

€149,4mil 5 REP. CHECA

€216,6mil

PROCURA UMA CASA DE FÉRIAS A BOM PREÇO? ENTÃO ABULGÁRIAÉ O PAÍS ONDE DEVE IR. É ONDE É MAIS BARATO COMPRAR UMA CASA NO CAMPO OU NA PRAIA, COM UM PREÇO MÉDIO POUCO ACIMA DOS 100 MIL EUROS. NA LISTA, FEITA PELO CONVERSOR DE MOEDA FAIRFX, A TURQUIA, A GRÉCIA, A IRLANDA E A REPÚBLICA CHECA SURGEM LOGO A SEGUIR, COM VALORES DAS CASAS ACESSÍVEIS. PORTUGAL APARECE NESTE TOP TEN: ESTÁ NA NONA POSIÇÃO, COM VALORES A RONDAREM OS 260 MIL EUROS. NO OUTRO EXTREMO DA LISTA, O MÓNACO É O PAÍS ONDE AS CASAS SÃO MAIS CARAS.

6 CROÁCIA

€221,6mil 7 HUNGRIA

€245,4mil 8 CHIPRE

€255,6mil 9 PORTUGAL

€260,3mil 10 ÁFRICA DO SUL

€265,3mil

CORTAR O CABELO SÓ É POSSÍVEL POR CATÁLOGO COREIA DO NORTE Os salões de cabeleireiro em Pyongyang têm catálogos com os cortes de cabelo considerados aceitáveis pelas autoridades norte-coreanas. As mulheres têm 15 opções e os homens 14, mas nenhum dos estilos masculinos corresponde ao inventivo penteado do ditador Kim Jong-un. Um jornalista finlandês, Mika Mäkeläinen, obteve as imagens destes catálogos durante uma visita a Pyongyang, para fazer uma reportagem sobre o Dia do Sol, e publicou-as no Twitter. 12



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A criada malcriada O marginal ameno

FACEBOOK.COM/ACRIADAMALCRIADA E SABADO.PT

MCA

O Nuno Costa Santos Escritor

Biografia do ressentimento O livro saiu em 2016 mas é essencial para perceber a génese de ataques como o que ocorreu em Paris nestes dias de 2017. O mundo tal como está. Intitula-se Depois do Fim e foi escrito por Paulo Moura, jornalista e professor de jornalismo. Li-o há duas semanas com uma mistura de admiração pelo trabalho e melancolia por aquilo que retrata. Moura fez, nos últimos 25 anos, a cobertura de conflitos – Kosovo, Tchetchénia, Egipto, Líbia, Afeganistão, Caxemira, etc. – e ajuda a perceber como é que chegámos a este estado de descontrolo terrorista. Tudo começou, recorda o também autor de Passaporte para o Céu, sobre a imigração ilegal de africanos para a Europa, com a crise na Argélia, a Guerra da Bósnia e a Guerra do Golfo. Os seus protagonistas não são os poderosos, mas as pessoas, divididas, dos bairros e das ruas, vivendo entre a desorientação, a crença e o fanatismo. Algumas das figuras mais fanáticas – elemento decisivo – repetem-se em todos os conflitos. Desenhado a partir das notas escritas em cadernos comprados nos lugares por onde o repórter foi passando, Depois do Fim é a triste biografia de um desejo de vingança adornado pela religião. Sim, o fundamentalismo islâmico é, como lembra Moura, uma ideologia. A pior delas: a ideologia do ressentimento. W

14

h

As peças mais caras vendidas em leilão Uma escultura de Giacometti, uma fotografia do Rio Reno, um quadro de Gauguin e uma tira de BD de Hergè alcançaram os preços mais altos em cada categoria

Cartoon Escultura

Esta imagem da BD de Hergé Tintim na América, de 1937, foi leiloada este mês por 745 mil euros

L’Homme, de Giacometti, foi leiloada pela Christie’s, em 2015, pelo valor-recorde para uma escultura de €132 milhões

Pintura

Fotografia

O quadro de Paul Gauguin Quando te Casarás? (1892) foi vendido por €280 milhões, em 2015

Rhein II, imagem do rio Reno do alemão Andreas Gursky, é a foto mais valiosa: €4,06 milhões



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As frases da semana

F José Miguel Júdice Advogado, i

“Passos Coelho está morto politicamente e ainda ninguém lhe disse. (...) Não se percebe se Marques Mendes é o boneco do ventríloquo ou é uma personagem com autonomia”

F

F

F

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Fernando Medina

Sheryl Crow

Tiago Brandão Rodrigues

Luís Monteiro

“Compreende-se mal que uma sociedade que obriga ao uso de capacete ou cinto de segurança, para protecção de riscos fundamentalmente individuais, nada diga sobre uma recusa [de vacinaros filhos]que pode comprometera vida de terceiros”

Cantora,

“Redução do número de alunos por turma vai abranger 200 mil estudantes”

“Desisti rapidamente de ler os três tomos das Escolhas de Lenine”

Presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Correio da Manhã

F Adalberto Campos Fernandes

“Não julgamos pais, não fazemos juízos de valor. Por vezes, por falta de informação, são levados a tomar as medidas erradas” Ministro da Saúde, Público

F

MusicRadar

“Com dois miúdos pequenos, olho para o mundo de maneira diferente. Gravei este último disco nas horas em que eles estavam na escola”

Ministro da Educação, Correio da Manhã

Deputado do Bloco, 24 anos (o mais jovem desde o 25 de Abril), i

F

F

Mário Nogueira

Horacio Villegas

“A redução do número de alunos por turma deixa de fora cerca de 83% das escolas”

“As pessoas têm de se preparar para que, entre 13 de Maio e 13 de Outubro, ocorra uma guerra que trará devastação, choque e morte”

Secretário-geral da Fenprof, Correio da Manhã

F

F

Marcelo Rebelo de Sousa

Governo de Espanha

“É uma sobreexposição? É... Mas é a única maneira de reagir. Sou alguém que viveu nos media e agora sou criticado nos media.”

“Perante a possibilidade de um hipotético apocalipse protagonizado por este tipo de seres [zombies], o Governo não adoptou nenhum plano específico, dada a duvidosa probabilidade de que se produza semelhante circunstância”

Presidente da República, Público

Mário Cordeiro

“Os pais não são donos dos filhos, mas apenas gestores do seu percurso de vida. Não vacinar é expor o filho a riscos…”

F

Pediatra, Diário de Notícias

Primeiro-ministro, em Cantanhede, ao receber de presente uma garrafa de vinho, Jornal de Notícias

F José Azeredo Lopes

“O que me surpreende é que, durante estes anos todos, ninguém tenha ficado surpreendido quando eles morriam” Ministro da Defesa, sobre as mortes nos comandos, Público

F D. Carlos Azevedo

“Maria não vem do céu por aíabaixo” Bispo-delegado do Conselho Pontifício da Cultura no Vaticano, Público

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Vidente norte-americano, Daily Star

António Costa

“Prometo guardar este vinho para brindar à mudança de presidente do Eurogrupo”

Em resposta a uma pergunta formal do senador Carlos Mulet sobre um apocalipse zombie, El País

F Assunção Cristas

F

Líder do CDS, Máxima

Rui Tavares

“A obrigatoriedade não deve ser excluída. Seria importante que os militantes antivacinação entendessem que podem estar a tornar essa decisão inevitável” Historiador, Público

“Já fui a pé de Lisboa a Fátima. Nos primeiros três dias achei que era muito inútil, doía-me tudo (…) e ao quinto dia já achava que tinha feito muito bem”


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

O moralista F

F

Javier Bardem Actor, El Mundo

João Manzarra

“A Europa está a tratar os refugiados como autêntica escória. Isso é muito mais grave do que o veto migratório de Donald Trump”

“Quero ser freak até ao fim dos meus dias” Apresentador, TV Mais

O

F Raquel Tavares

“O desamor é do melhor para cantar” Fadista, Jornal de Notícias

F Richard Gere

“Alguém me disse há pouco tempo que não podia financiar um filme em que eu entrasse porque os chineses iam ficar aborrecidos” Actor, crítico da China por causa do Tibete, El País

F Amberr Heard

“Só fui honesta [ao dizer que era bissexual] mas, pela cara da pessoa que me estava a entrevistar, soube que tinha arranjado um problema” Actriz, The Economist

F Noronha da Costa

“Os leilões são os maiores inimigos dos pintores, dos mais velhos aos mais novos” Pintor, Jornal de Negócios

F Paula Lobo Antunes

“Estava à pressa porque ia ver um jogo do Benfica ao estádio. E fui na mesma!” Actriz, a explicar como fez uma rotura de ligamentos num pé, TV7Dias

Pedro Marta Santos Jornalista e argumentista

La vie en noir O cinema português continua a ser tão negro como um pedaço de carvão enfiado no rabo de um mineiro a mil metros de profundidade às 3h da manhã em noite de nevoeiro. A diferença é que, agora, o negrume é aplaudido em Berlim, Locarno e Adis Abeba. Os artistas do luso-cine, como todos os génios, precisam de anos para concretizar um projecto – é o preço do intelecto carburado asubsídios a fundo perdido. Há 78 anos, em Abril de 1939, no tempo do vil metal de Hollywood, era editado nos EUA As Vinhas da Ira de John Steinbeck, grito surdo pelos campos áridos da Grande Depressão. Em Julho, o guião de Nunnaly Johnson estava pronto. A adaptação de John Ford começou a ser rodada a 4 de Outubro. O filme, com HenryFonda como Tom Joad, estreou a24 de Janeiro de 1940. Nove meses no total. As 6h21 de AsMileUmaNoitesde Miguel Gomes (só vi as primeiras 2h05, mas pareceram-me 1.001) foram tidas como comentário indispensável àsegundaGrande Depressão (a iniciada em 2008). SãoJorge, de Marco Martins, recebeu os mesmos encómios. Eu, que devo ser indigente como 98,7% dos espectadores, só vi até agora um retrato da austeridade digno de Ford: A Leido Mercado, de Stéphane Brizé (2015). É curioso que seja um filme francês, nação da maior crise de valores da União Europeia, fonte de La Vie en Rose e pátria de Jacques Tati (génio do humor), Jacques Demy(estetado musical) e Jacques Becker (príncipe do melodrama). Mas a França de hoje é mais parecida com os filmes de Henri-Georges Clouzot, ummestre do medo, e vive habitada pelos fantasmas de Tom Joad. W

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Veja


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c Revolta sangrenta naVenezuela IIIIIIIIIIIIIIIIIIII

Acontabilidade negra dos protestos na Venezuela contra o regime do Presidente Nicolas Maduro ia em nove mortos nas primeiras três semanas de Abril. Anona vítima foi um trabalhador apanhado num tiroteio em Caracas, a capital, quando regressava a casa do trabalho, na quinta-feira, 20, o dia da manifestação na foto. Os choques entre militantes da oposição e a Polícia Nacional Bolivariana tornaram-se banais, mas sangrentos, num país de onde multinacionais como a General Motors, por exemplo, estão a sair, agravando a crise do desemprego. Ao mesmo tempo, sabe-se que as reservas do país estão a esgotar-se, um prenúncio de dias ainda piores. FOTO MIGUEL GUTIERREZ /EPA


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Insólito SÓNIA BENTO

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Dieta de trêscolheres dearrozpordia Lee Tae-im é uma actriz sul-coreana conhecida pelas suas curvas. Há dias, ao aparecer num programa de TV muito mais magra, fez uma revelação: nos últimos seis meses tem comido apenas três colheres de arroz por dia.

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Trump causa morte

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Cromos roubados

Carro com carrinhos

Nikita Golubev é um talentoso ilustrador russo que usa a sujidade que reveste automóveis de Moscovo como base para criar imagens incríveis. Apenas com o dedo, desenha paisagens, rostos, animais e imagens religiosas. Os seus desenhos podem ser vistos no Instagram, na conta Proboynick.

Datuk Seri Mahadi Badrul Zaman, um empresário malaio de 34 anos, colecciona miniaturas da Hot Wheels desde os 13. Tem cerca de cinco mil carrinhos, 4.600 dos quais colou no seu Jaguar S-Type. Andava à procura de qualquer coisa que distinguisse o seu automóvel e como a colecção de carrinhos já ocupava muito espaço, resolveu dois problemas. Além disso, afirma que o carro reflecte agora o seu estilo excêntrico. !

DEPOIS DE PROCURAREM UMA BEBIDA COM O SABOR NATURAL DO CAFÉ MAS QUE NÃO MANCHASSE OS DENTES, DAVID E ADAM NAGY, DOIS IRMÃOS ESLOVACOS, CRIARAM A CLR CFF. É INCOLOR, FEITA DE GRÃOS DE CAFÉ DE ALTA QUALIDADE E ÁGUA PURA. !

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Políticos atiram dinheiro pela janela

Pai de 54 filhos

Homem casou-se com mulher-robô

Na campanha eleitoral no Quénia, há candidatos que andam a atirar notas pelas janelas dos automóveis. A novidade está a provocar conflitos entre as pessoas, e além disso muitos preferem faltar aos empregos para andar atrás dos políticos e tentar apanhar dinheiro. 20

Um paquistanês de 70 anos tem 54 filhos de seis mulheres diferentes e explica que o motivo de ter uma prole tão extensa é simples: “Quando era jovem, tinha força e fazia sexo todos os dias.” Abdul Mengal é motorista de camiões, vive em Nushki, no Oeste do Paquistão, mas dos 54 filhos só lhe restam 42. A maioria tem menos de 10 anos.

1. Zheng Jiajia, um chinês de 31 anos, especialista em Inteligência Artificial, casou-se com uma mulher-robô, que ele próprio construiu. 2. O casamento teve banquete, presentes e o véu vermelho sobre o rosto da namorada, típico dos casamentos na cultura oriental. 3. A mulher-robô fala através de ligação a um computador com textos e arquivos de áudio. Só ainda não está programada para caminhar.

Um norte-americano do estado do Oregon morreu tranquilamente, no início do mês, depois de a ex-mulher lhe ter mentido, dizendo que Donald Trump tinha sido alvo de impeachment. Michel Elliott, de 76 anos, era doente cardíaco há mais de 10. Segundo a mulher, aquilo era tudo o ele que queria ouvir para partir em paz.

€60 A cidade de Ostende, no Noroeste da Bélgica, vai começar a fazer análises de ADN aos excrementos caninos para identificar os cães cujos donos não recolhem os seus dejectos das ruas. Cada análise custará à polícia cerca de 60 euros, mas permitirá multar em mil euros quem não respeitar a norma.

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Discussãoatrasavoo Um casal foi filmado a agredir-se na escada de um voo da companhia aérea China Eastern Airlines, no aeroporto de Changshui Kunming, na província de Yunnan. A discussão começou na fila da sala de embarque e continuou na pista. A polícia foi chamada e o avião em que iam embarcar atrasou meia-hora.


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* Estudo científico conduzido em 298 mulheres, 2009. ** Fluido: estudo clínico (124 mulheres) e estudo consumidor (207 mulheres). Creme: estudo clínico (56 mulheres).


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Indiscretos S.B., M.H.E.

Fernando Henrique Cardoso

Alain Touraine Sociólogo francês, criou a expressão “sociedade pós-industrial”

Ex-presidente brasileiro, integra a Clinton Global Initiative e a Fundação das Nações Unidas (UNF)

AsafAkat Economista turco

MiguelDarcy

PascalPerrineau

Diplomata brasileiro

ErnestoOttone

Politólogo francês especialista em Sociologia Eleitoral

Ex-ministro da Cultura chileno

Nathan Gardels Director do The World Post

Michel Wieviorka Sociólogo francês, especialista em movimentos sociais

JamesFishkin Catedrático da Universidade de Stanford, EUA

NilüferGöle

JuanLuisCebrián

Socióloga turca, académica radicada em Paris

Presidente da PRISA, ex-director do El País

k

Os mestres e o grande mestre Marcelo Rebelo de Sousa esteve reunido a semana passada com o think tank criado pela Fundação Champalimaud, “As crises e a transformação da democracia”. Em declarações ao Público, disse que tinha ido “conhecer os mestres” – os 14 intelectuais que o integram (nas legendas, apenas os 11 que fizeram aprek

Maduro, vai em frente, tens aqui a tua gente O deputado do PCP Miguel Tiago aprova a distribuição de armas à população na Venezuela. Numa discussão no Twitter sobre o assunto, escreveu: “Os EUA podem armar a burguesia. O governo não pode armar o povo. Tá certo.” E ainda: “Faz-te confusão que o povo se arme??” E sobre a crise alimentar, considera que “as grandes empresas da distribuição estão a açambarcar os alimentos”. 22

sentações). Coisa séria e académica. Fernando Henrique Cardoso defendeu que “a ligação entre demos (povo) e res publica (a coisa pública) tem de ser retomada”. Marcelo, é notório, anda a tratar disso. Alain Touraine falou sobre “reconstruir a democracia da base para o topo”. Marcelo anda em aproxi-

mações à base, via selfies. Pascal Perrineau interveio sobre a emergência de “novos valores, formas de discurso, acção e comunicação”. De facto, nunca se viu um Presidente agir e comunicar assim. É evidente que esta gente não veio ensinar cá nada ao Presidente português, veio fazer trabalho de campo.

k

AMERICA FIRST, DIZ TRUMP. “OS PORTUENSES PRIMEIRO”, DIZ ÁLVARO ALMEIDA, CANDIDATO DO PSD À CÂMARA DO PORTO. SABOR AUTÊNTICO, PROMETE A SUPERBOCK. “PORTO AUTÊNTICO”, DIZ ÁLVARO NO CARTAZ.

k

O busto de Kátia A irmã de Cristiano Ronaldo, Kátia Aveiro, esteve no Programa do Porchat, de Fábio Porchat, no Brasil. O actor da Porta dos Fundos deu-lhe um busto que disse ser “do mesmo autor” do de Ronaldo. Lindo.


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Obituários FILIPE GARCIA

Albert Freedman (1922-2017) Era produtor de televisão e matou a inocência da televisão: foi descoberto a fornecer as respostas aos participantes nos concursos de cultura geral. Robert Redford fez do escândalo um filme

oda a gente sabe que o mágico não serra a mulher a meio.” Em comunicado ao The New YorkTimes, escrito do México, Albert Freedman tentava o impensável: defender que afinal os seus programas não estavam viciados, ou que estavam todos, ou que o crime não era assim tão grave, afinal era televisão, palco, “artistas, espectáculo e ilusão” – não intelectuais capazes de responder a todas as perguntas, de memória, sob pressão e perante audiências-recorde. Na cabeça dele, não merecia ser preso ou sequer visto como criminoso, não era sua a culpa de como funcionava a televisão. Freedman nasceu a 27 de Março de 1922, em Taunton, pequena cidade de Massachusetts, numa família de classe média – e morreu na Califórnia aos 95 anos no dia 11 de Abril, como a família anunciou 11 dias depois. A mãe, Bessie Kanaver, era doméstica, o pai, Frank Freedman, vivia entre empregos, mas com rendimento suficiente para que Albert pudesse estudar no estrangeiro. Haveria de cumprir o serviço militar no Pacífico, durante a II Guerra Mundial, mas depois seguiu para a Universidade de Boston e para Paris onde estudou cinema. E o primeiro

T

emprego chegou na rádio de onde saltou para o papel de argumentista em programas de humor, entre eles o You BetYourLife, de uma das figuras mais famosas da televisão na primeira metade do século passado – Groucho Marx. E se, já nessa altura, a dificuldade era encontrar histórias e piadas cativantes, porque haveria Freedman de mudar? Como produtor, a estreia aconteceu num programa infantil e só a seguir chegariam os concursos. Depois, numa festa, cruzou-se com uma tentação demasiado forte para poder resistir. Em Greenwich Village, Nova Iorque, Freedman conheceu Van Doren, professor universitário e filho de um poeta vencedor do prémio Pulitzer. Viu nele a personagem ideal para aumentar as audiências do concurso mais popular da TV norte-americana, 21 Questions. Coincidência? O campeão em título, Herbert Stempel, cuja memória já o celebrizara, falharia na resposta sobre o vencedor do Óscar para o Melhor Filme no ano anterior. Estranho, para um programa que começara com um concorrente a enumerar três pratos e dois vinhos servidos num jantar entre Rei Jorge VI e o Presidente francês em 1939? Mais tarde, Stempel contaria que tinha sido Freedman a forçar o erro, mais tarde também Van Doren

DEPOIS DE TER SIDO DESCOBERTA A BATOTA NOS CONCURSOS, FUGIU PARA O MÉXICO

assumiria que recebia de antemão as perguntas e as respostas com que seria confrontado. À medida que 21 Questions se foi tornando um campeão de audiências – 50 milhões de espectadores – e um negócio lucrativo para anunciantes, Van Doren transformou-se numa estrela do social, capa de jornais e alvo de adoração. Mas a verdade é que “a mulher” não estava mesmo a ser serrada – dois anos depois, em 1958, Stempel denunciou a batota. No total, 17 concorrentes assumiram que recebiam as perguntas e as respostas para vencer. Em desgraça, acusado de mentir em tribunal e sem emprego na TV, Freedman começou por se refugiar no México, de onde escreveu a sua defesa ao The New YorkTimes. Depois seguiu para Londres. Aí, começou a colaborar com a Penthouse, fundou uma revista e preparou o regresso. Em 1981, na universidade de São Francisco, doutorou-se com uma tese sobre sexualidade e assumiu o papel de professor. Não voltou ao pequeno ecrã. No grande, foi figura central em QuizShow, filme em que Robert Redford conta o escândalo dos concursos combinados. Numa das suas raras entrevistas, reedman revelou não ter gostado: “A história está mais viciada que os meus concursos.” W LUIS GRAÑENA

Michele Scarponi (1979-2017) Chefe de fila da Astana, era a grande aposta para liderar a equipa na Volta a Itália, prova que venceu em 2011. Foi fatalmente atropelado no passado sábado quando treinava em Filottrano, Itália

24

Horas antes partilhou uma foto com os dois filhos, Giacomo e Thomas, às costas, ambos equipados de camisola rosa, a cor do vencedor da Volta a Itália, prova que venceu em 2011. “Mesmo por um dia, pensei que levaria para casa duas camisolas de líder”, escreveu o ciclista no Twitter. Aos 37 anos, Michele Scarponi preparava-se para liderar a Astana no

próximo giro quando foi fatalmente atropelado em Filottrano (Itália). Suspenso por dopagem em 2007, Scarponi também havia vencido a Tirreno-Adriático em 2009 e a Volta à Catalunha em 2011. A equipa lamentou a morte de “um símbolo”, enquanto os portugueses Rui Costa e Sérgio Paulinho enviaram as condolências à família.


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Entrevista

UmaEsperançaMaisFortedoqueoMarconta a história de uma refugiada síria que perdeu o noivo num naufrágio, mas salvou duas crianças que não eram suas . Aporta-voz do Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados nunca a esqueceu. Por Vanda Marques

MELISSA FLEMING

unca quis aprender a nadar. Tinha medo da água e nem quando um primo a atirou para um lago mudou de ideias. Dooa al-Zamel estava longe de imaginar que ia passar quatro dias e quatro noites à deriva no Mediterrâneo, agarrada a uma bóia, com duas crianças que não eram suas ao colo, numa tentativa desesperada de chegar à Europa. A jovem de 19 anos tinha deixado a Síria e vivia no Egipto, mas não aguentava mais. Foi lá que conheceu Bassem, ficaram noivos, e começaram a pensar em ir para a Suécia num barco clandestino. A sua história nunca mais saiu da cabeça de Melissa Fleming, que esteve na OSCE e na Agência Internacional de Energia Atómica antes de, em 2008, ingressar no Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados (ACNUR), onde é directora de comunicação e porta-voz. Decidiu encontrar-se com Doaa e contar como ela salvou duas bebés no livro editado agora pela Porto Editora, Uma Esperança Mais Forte do que o Mar, que as duas vieram apresentar a Lisboa. O livro será adaptado ao cinema por Steven Spielberg.

N

26

F “Ela está muito entusiasmada porque o livro vaiser adaptado ao cinema por Spielberge J.J. Abrams”

Crianças 500 pessoas viajaram no barco em que foi Doaa e 100 eram miúdos. Ao quarto dia, antes de chegar a Itália, naufragaram; só sobreviveram 11.

Já ouviu histórias muito difíceis de refugiados, mas porque é que a de Doaa não a deixava dormir? Ela sobreviveu a um dos piores naufrágios do Mediterrâneo e ainda salvou duas bebés. Doaa viu homens a abanar o barco onde ela seguia, para que se afundasse, enquanto gritavam: “Deixa os peixes comerem a tua carne.” Viu uma criança pequena a ser cortada pela hélice do barco enquanto este se afundava. Viu homens desesperados a tirarem os seus coletes salva-vidas e a suicidarem-se. E flutuou, sem ajuda, enquanto o amor da sua vida se afogava à sua frente. Ainda assim ela sobreviveu com esperança de refazer a vida.

DR

“Doaasobreviveu quatro diasno mar com doisbebés”

Quando a conheceu? Conheci-a em Janeiro de 2015, cerca de quatro meses depois de ter sido salva e levada para a ilha grega de Creta. Li sobre a história dela na imprensa e viajei até lá para a conhecer. Instintivamente ela confiou em mim. A história não é apenas trágica e triste, mas uma inspiração.

como ele lhe disse que a amava e que nunca a quis colocar naquela situação. Como ela lhe implorou para ele ficar vivo até chegar ajuda, garantindo-lhe que o sonho deles, de casarem na Suécia, ia tornar-se realidade. Depois de dois dias à deriva, ele começou a ter alucinações e a perder a força e largou-a para se afundar no mar. Se não fosse pelo pequeno bebé que ela tinha nos braços, ter-se-ia deixado afogar. Mas Doaa sabia que tinha de se manter viva para salvar Malak, de 9 meses [um náufrago tinha-lhe dado a criança quando não conseguia nadar mais]. Um dia depois, uma mãe que estava muito mal, a morrer, confiou-lhe outra criança, Masa, de 18 meses, e isto deu-lhe ainda mais determinação para sobreviver.

O que foi mais difícil de recordar? A morte do noivo, Bassem. A forma

Diz no livro que o que salvou Masa foi o amor. Porquê?


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Os médicos no hospital pediátrico de Creta ficaram admirados por Masa ter sobrevivido durante quatro dias e quatro noites sem comida, sem água, abraçada a Doaa. Ela estava à beira da morte quando foi admitida. Acho que foi o amor dela, que durante aqueles dias de pesadelo a abraçou, lhe cantou cantigas, jogou jogos com ela, brincou às rimas, que a ajudou a sobreviver. Além disso, os que a salvaram no navio de mercadorias souberam dar-lhe a ajuda necessária com as indicações, que recebiam via rádio, dos médicos de Malta. Como foram as entrevistas? Demoravam horas. Tinha uma colaboradora óptima e uma tradutora que também se tornou muito próxima de Doaa e que era muito sensível. Fomos as únicas pessoas a quem ela descreveu o que aconteceu com detalhe. Ela não tinha ain-

da admitido à família que Bassem estava morto. Por isso, fomos muito cuidadosos com ela. Percebemos que falar connosco estava a ajudá-la a ultrapassar o trauma. Mas não somos psicólogos, por isso também estávamos preocupados com o seu estado mental. Às vezes, chorávamos com coisas que ela contava. Outras, dizíamos tolices e ríamo-nos. Depois íamos dar uma volta pela cidade de Chania [a segunda maior cidade em Creta] para ver as montras, comer um gelado e dar o dia por terminado. No dia seguinte, voltávamos. Foram 60 a 70 horas de conversa. Também falámos com a família dela, outros sobreviventes e pessoas que a conheciam. O que foi mais surpreendente na história de Doaa? O facto de ter sobrevivido quatro dias e quatro noites no mar numa

g Melissa Fleming diz que os refugiados são as vítimas do pior da humanidade. Quis dar voz a este drama de 65 milhões, através da vida de Doaa

F “Não podem seros países com mais dificuldades a suportaros programas. Têm de seros mais ricos a partilharem a responsabilidade”

bóia frágil, com dois bebés perto da morte, nos seus braços. Como está Doaa agora? Ainda é perseguida pela tragédia e tem muitas saudades de Bassem. Vive com a família na Suécia. O Alto Comissariado das Nações Unidas para os Refugiados conseguiu tirá-los do Egipto e trazê-los para a Suécia, com a ajuda do governo sueco. Vivem numa pequena aldeia, cheia de neve, e estão a aprender a língua e ansiosos pelo casamento da irmã mais nova. Ela também está muito entusiasmada agora que Steven Spielberg e J.J. Abrams leram o livro e vão adaptá-lo para o cinema. Ela espera que as pessoas entendam que os refugiados, como ela, não são terroristas, são apenas pessoas à procura de segurança e de uma hipótese para reconstruírem a sua vida. Existem 65 milhões de pessoas no Q 27


27 ABRIL 2017

Entrevista

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O que deve ser feito em relação aos traficantes? É triste que os refugiados tenham de recorrer a traficantes como única forma de escaparem. O negócio de traficar refugiados e migrantes é o crime organizado no seu pior – explorar pessoas vulneráveis por dinheiro e colocar a vida delas em risco em barcos instáveis. Eles deviam ser levados à justiça. Se existissem mais apoios para os refugiados e ao mesmo tempo investimento nos países vizinhos que os recebem, não existiria tal mercado. Acha que fotografias como a da criança de 3 anos, Alan Kurdi, de T-shirtvermelha e calções, que morreu afogado, e chocou todos, pode ajudar a mudar a situação? Essa fotografia mudou algumas políticas da Europa, só que durante um pequeno período de tempo. Ainda assim ficou na consciência das pessoas. Quando pensam nos refugiados sírios, lembram-se de Alan Kurdi, e sentem-se tristes e até têm vergonha.

O que é mais difícil no seu trabalho? Ver crianças refugiadas sem poderem ir à escola por falta de fundos. Acho que é errado e revela vistas curtas. As escolas são sítios de cura e de crescimento. Estas crianças podem ser os futuros arquitectos e engenheiros, professores ou médicos, quando voltarem para os seus países, depois de os conflitos terminarem. Mas são deixadas assim e ficam sujeitas a serem recrutadas por grupos violentos.

DR

Q mundo desenraizadas, gostava de poder contar a história de todos, mas para mim a história dela é extraordinária. Através desta jovem, os leitores conhecem as origens do conflito sírio, a cultura do país, a penosa vida de um refugiado no Egipto e o que leva alguém a colocar a sua vida nas mãos dos traficantes que não têm misericórdia e, ainda, perceber o poder imenso do espírito humano.

g Doaa decidiu arriscar a vida para chegar à Europa, embarcando com 500 pessoas. O namorado morreu afogado à sua frente; ela sobreviveu e hoje vive na Suécia

Qual é a solução para a Síria? Acreditamos que a solução é política e cabe aos partidos com influência juntar forças e focarem-se na paz, e não no que os divide. Porque não existe um grande programa de realojamento de refugiados sírios? É a questão que o ACNUR coloca. Isto iria resolver muitos problemas. E mesmo assim os Estados Unidos falam em cortar os programas em vez de os reforçar. Mas outros países como o Canadá estão a receber mais e Portugal também está a cumprir a sua parte. E não podem ser os países 28

Viagem 2.305 euros foi quanto Doaa e Bassem tiveram de pagar (cada) para tentarem chegar à Europa, vindos do Egipto

com mais dificuldade a fazer isto, mas sim os mais ricos a partilharem a responsabilidade. Como vê as acções do Presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, para evitar a entrada de refugiados? Esperamos sinceramente que seja uma medida temporária e que em breve seja revertida, para que o realojamento de refugiados possa ser retomado. Os EUA sempre estiveram na dianteira destes programas, ao acolherem refugiados, e é uma tradição tanto de republicanos como de democratas. Ouve relatos muito duros e horríveis. Como consegue desligar? É difícil trabalhar num campo de refugiados porque estamos sempre a ouvir relatos de violações, perseguições, guerra, sofrimento… Mas dá-me força para lhes dar voz e mostrar o trabalho do Alto Comissariado. Quando estou a aproveitar a vida com a família e os amigos, em cidades maravilhosas e pacíficas, como Viena ou Genebra, tento ser muito grata pela sorte que tenho. Mas é difícil não pensar nas crianças em escolas clandestinas em cidades destruídas pela guerra, como Alepo, enquanto estou sentada com os meus filhos e os estou a ouvir queixarem-se dos trabalhos de casa.

Qual é o papel do ACNUR? Estive em cidades na fronteira entre a Etiópia e o Sul do Sudão, e vi que se o ACNUR não estivesse lá as pessoas a tentar entrar no país teriam morrido. O ACNUR salva vidas. Além disso, trabalha com governos e parceiros para ajudar os refugiados a recomeçar. Isso não é fácil quando estão confinados a campos ou em campos onde não podem trabalhar, nos quais os fundos são tão escassos que nem conseguem oferecer escolas às crianças. Fazemos tudo pelos direitos deles e para os proteger. Sempre quis trabalhar com refugiados? Os refugiados são as vítimas do pior da humanidade e ao ajudá-los estou a melhorar a humanidade e a dar uma pequena contribuição para a paz. Trabalhou com António Guterres. Como avalia o trabalho dele agora, enquanto secretário-geral das Nações Unidas? Fui porta-voz de Guterres durante sete anos e também estive na sua equipa de transição para secretário-geral. Ele tem todos os atributos necessários para este trabalho – tem uma perspicácia política impressionante, um conhecimento admirável da história mundial, uma grande rede de líderes mundiais, capacidades de comunicação persuasivas, excelentes capacidades de gestão e um grande coração. Ele, de forma acertada, colocou a ênfase do seu trabalho em prevenir conflitos e trabalhar para resolver as guerras. W



Destaque

PORTUGAL. COMO ANDAMOS DE SAÚDE MENTAL?

DEPRESSÃO E ANSIEDADE: É PRECISO CONHECÊ-LAS PARA AS CONSEGUIR VENCER CARLOS RAMOS

Judite Sousa partiu de um acontecimento dramático na sua vida para se sentar à mesa com um psiquiatra e juntos lançaram um livro sobre perturbações mentais. Um pretexto para fazer uma TAC ao País. PorMarco Alves

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h Judite Sousa, 56 anos, questiona neste livro o sentido da vida e “o homem do século XXI”


Destaque

A ansiedade que começa cedo Embora os números da depressão continuem preocupantes, o alarme das autoridades parece estar na ansiedade, que começa a torcer o pepino de pequenino. Diogo Pinheiro, 33 anos, a exercer Psicologia Clínica desde 2008, está no centro de desenvolvimento infantil Estímulopraxis, em Lisboa, onde recebe crianças e adolescentes. A sua experiência não lhe deixa dúvidas: “Poria as questões de ansiedade à frente da depressão como a doença do século XXI. Neste momento estão a ocupar muito, mas muito, os nossos gabinetes, mais do que as questões de défice de atenção.” Há factores hereditários que podem levar uma criança ou um jovem – ou, mais tarde, um adulto – a sofrer uma perturbação depressiva ou de ansiedade, ou ambas ao mesmo tempo. É comum encontrar nos pais e nos avós destes pacientes ocorrências do género, mais ou menos graves, mais ou menos assumidas e tratadas clinicamente. Uma das preocupações com a ansiedade é o facto de estar a ser detectada cada vez mais cedo. “Tenho pacientes com 4 ou 5 anos, não com diagnóstico de pertur32

ALEXANDRE AZEVEDO

S

e acordares e não sentires nenhuma dor é porque estás morto. Andrew Solomon, no seu bestsellerO Demónio da Depressão (2016, Quetzal, €24,40) cita este provérbio russo para ilustrar o sofrimento como parte da condição humana, para dizer que haverá sempre manhãs em que os estores do quarto não se abrem. O que ele não disse foi que os despertares dos portugueses estão cada vez mais assim. Parece literatura, mas é matemática. Em 2013, o Estudo Epidemiológico Nacional de Saúde Mental, da autoria de José Miguel Caldas de Almeida e Miguel Xavier, indicava uma prevalência em Portugal de 16% de perturbações de ansiedade e 8% de perturbações de humor (onde se incluem as depressões). O relatório dizia que “mais de um quinto das pessoas entrevistadas (23%) apresentou uma perturbação psiquiátrica recente. A mais elevada prevalência de doenças psiquiátricas na Europa, em conjunto com a Irlanda do Norte”. Segundo dados do Infarmed, os portugueses consumiram mais de 18 milhões de embalagens de ansiolíticos, sedativos, hipnóticos e antidepressores em 2016. E um relatório da Organização Mundial de Saúde, já de 2017, indica mais de 1 milhão de casos em Portugal de depressão e ansiedade (as duas com valores semelhantes na ordem dos 500 mil casos cada). São 10,6% da população, um confortável 6º lugar em toda a Europa. São muitas pessoas, mas parece que não se vêem nem se ouvem. A jornalista Judite Sousa, que lança a 5 de Maio um livro-entrevista sobre saúde mental em Portugal, quer que se fale do assunto. Em 2014, após ter sido “amputada” do seu bem mais querido, o filho, foi obrigada a parar e “a questionar a existência”. Foi quando percebeu “que vivemos rodeados de pessoas que sofrem mentalmente, com ansiedade, com depressão ou com situações mais graves, que a todo o momento não encontram solução senão abandonar este mundo”.

g Diogo Telles Correia diz ter uma visão da Psiquiatria mais aberta ao mundo, menos simplista

Livro Pensar. Sentir. Viver Autor Diogo Telles Correia e Judite Sousa Editora Bertrand

ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DE SAÚDE: 1 MILHÃO DE CASOS EM PORTUGAL DE DEPRESSÃO E ANSIEDADE

bação de ansiedade, mas com muitos indicadores”, diz à SÁBADO Diogo Pinheiro. Como se vê isso numa criança tão pequena? “Por exemplo, um miúdo que resiste muito mal à possibilidade de estar atrasado, ou ter que esperar por alguma coisa. Ou, quando estamos em contexto terapêutico, a brincar, e ele antevê logo que não vai ter sucesso, que não vai conseguir ganhar o jogo, vencer a brincadeira. São sinaizinhos que nos levam a olhar para ele de maneira mais atenta.” Crianças a serem sinalizadas tão cedo pode explicar-se por uma maior atenção dos agentes educativos e dos pais para este tipo de problemas, ainda que o estigma da doença mental continue presente. A começar pelo facto de pouca gente relacionar as expressões “depressão” e “ansiedade” com “doença mental” e de esta última estar apenas associada a “manicómios”, uma palavra cujo significante parece carregado de seringas, muros e gritos. “Nas escolas, por exemplo, muitos professores têm alguma resistência em sinalizar estes casos com medo das reacções que os pais possam ter”, diz Diogo Pinheiro. O estigma da doença mental atravessa a sociedade, as idades e as profissões. Diogo Telles Correia, psiquiatra, psicoterapeuta e professor na faculdade de Direito e na de Medicina da Universidade de Lisboa, é o especialista que responde às perguntas de Judite Sousa no referido livro-entrevista, Pensar. Sentir. Viver. Numa dessas respostas afirma que muitas vezes “temos [os psiquiatras] de entrar num acordo com o médico de família para este não referir na baixa que a causa é psiquiátrica, porque se a entidade patronal descobre que eles sofrem de doença mental, arranja forma de os dispensar”. No seu consultório em Lisboa, Diogo Telles Correia diz à SÁBADO que se refere principalmente às situações de mobbing, uma espécie de bullying laboral, uma pressão continuada no tempo para levar um trabalhador indesejado a sair pelo seu próprio pé – uma estratégia que origina muitos casos de depressão e ansiedade. “Se o doente já está a sofrer assédio moral, e se se descobre que


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tem uma perturbação psiquiátrica, maior vai ser o assédio. Já presenciei muitos casos desses”, diz o especialista. O mobbing vem muitas vezes como consequência da crise económica. “Veio aumentar os objectivos, em muitos casos irrealistas, impostos aos trabalhadores. Fazer o mesmo com menos pessoas. São muito frequentes perturbações de ansiedade reactivas a estas questões laborais.” A crise trouxe também desemprego, endividamento e até regresso a casa dos pais de adultos jovens que vivem numa sociedade “de consumismo, superficialidade e estímulo à auto-suficiência”, diz o psiquiatra. Daí até às perturbações mentais, ligeiras ou graves, é um pequeno passo. O grande passo é o suicídio, que aumenta sempre em crises. “O total de suicídios na fase activa da vida (até aos 65 anos) foi superior à dos registados no decénio seguinte (65-74 anos), nos países mais afectados pela crise socioeconómica”, diz a Direcção-Geral de Saúde (DGS) no seu relatório Portugal – Saúde Mental em Números 2015. “Os principais resultados indicam uma variação clara da mortalidade por suicídio ao longo dos três intervalos de tempo. O mais recente, no período de crise (2008-2012),

apresenta a mortalidade por suicídio mais alta, bem como a taxa bruta mais alta”, conclui a autoridade de Saúde. Ainda assim, apesar de termos das mais altas taxas de depressão e ansiedade da Europa, somos dos que menos de suicidam. “É um país que sofre mas que tolera, sobrevive ao sofrimento. O País dos brandos costumes, como se costuma dizer”, comenta Diogo Telles Correia. As pressões na escola Se nos adultos é o mercado de trabalho, nos mais novos são os pais e a escola. “Tenho um caso de um miúdo que está no 1º ano e tem Muito Bom a Estudo do Meio, Muito Bom a Português e Bom a Matemática, e os pais dizem ‘olhe, não vamos tolerar muito mais este Bom a Matemática, isto tem de subir…’ São pequenas coisas deste género”, diz Diogo Pinheiro. O especialista em Pedopsiquiatria usa uma expressão curiosa. Mais do que trabalhar as crianças, diz que tem de “trabalhar estes pais”. É preciso que saibam “das consequências que cada acção deles pode ter”. Diogo Pinheiro diz que “há pais na consulta a pedirem-me alguma medicação para ver se as notas so- Q

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Destaque

Q bem um bocadinho, assim directo. Para estar mais atento, para estar mais concentrado, por aí. Normalmente estamos a falar das Ritalinas, etc. Mas os psicofármacos são apenas uma mais-valia num processo terapêutico – em poucos casos são a solução”. E depois vem a escola. “Há pouco tempo li um estudo muito engraçado. Perguntaram aos miúdos o que é que eles fazem na escola. A maior parte deles diziam ‘Brincar’, alguns diziam ‘Aprender’ e muitos diziam ‘Ser Avaliado’. A própria noção que os miúdos vão criando em relação à escola não é só de aprendizagem e brincadeira, já existem muitos a dizer que estão lá para serem avaliados, para mostrarem aquilo que sabem. Temos de ser os melhores e ter as melhores notas, chegar aos 100%. Isso é preocupante, porque a escola tem de ser uma fonte de aprendizagem que vai muito além da questão académica. Há uma aprendizagem social, que às vezes os pais desvalorizam. Deixo-lhes claro que para mim o melhor aluno tem de ser uma melhor pessoa”, diz o especialista. Diogo Pinheiro admite que esta pressão escolar seja mais evidente em escola privadas – sempre as mais bem classificadas nos rankings –, logo, que é nelas que maioritariamente estudam os seus pacientes, mas realça que a amostra é pequena e que tem crianças e adolescentes vindos de contextos mais desfavorecidos. O que o especialista ensina a um adolescente com perturbações de ansiedade é a controlar o processo, conhecer os sintomas. “Não é possível eliminar o que causa a ansiedade. Podemos é perceber de onde isso vem, que importância estou a dar, se de facto está a ter a importância que é necessária. Por exemplo, um teste. Não precisas de estar nervoso. Aquilo é importante para ti, não comeces a contrariar, a usar energia contra. Aceita. E controla o processo. Já sabes que primeiro vêm as mãos molhadas, depois o frio na barriga, depois a boca seca, mas aquilo dura cinco ou seis

“TENHO PACIENTES COM 4 OU 5 ANOS, COM MUITOS INDICADORES DE PERTURBAÇÃO DE ANSIEDADE”

minutos e depois passa e já consegues fazer o teste.” A ansiedade tem ainda o facto preocupante de poder levar à depressão (pelo sofrimento que provoca) e da dificuldade de ser diagnosticada. Nos jovens está muitas vezes escondida debaixo dos já famosos sintomas de Perturbação de Hiperactividade e Défice de Atenção (PHDA) – a serem curados com metilfenidato, regra geral através da mediática Ritalina. A DGS diz que em 2015 foram consumidas 6,8 milhões de Doses Diárias Definidas (DDD) de metilfenidato por crianças e jovens até aos 19 anos. A autoridade alerta para “o risco do recurso fácil, e em regra continuado, a substâncias psicoactivas em crianças, cujo cérebro tem, como é consabido, um processo de maturação lento e sensível”.

TheBoss

“Quanto tempo estão com os filhos pordia?” O que os especialistas dizem é que debaixo da PHDA está muitas vezes uma perturbação de ansiedade. “Quando estamos mais ansiosos, também estamos um pouco menos atentos e com uma agitação psicomotora que vai tomando conta de nós. O perigo deste diagnóstico [de PHDA] é que nos medicamos e os sintomas diminuem, mas o que estamos a fazer é a camuflar e a esconder a ansiedade”, diz Diogo Pinheiro. E há ainda outra pergunta. Baixar as notas e alterar comportamentos é sinal de alarme ou é só uma dispersão momentânea, ou até um normal namoro a desenvolver-se nos corredores da escola que desvia a atenção do pobre apaixonado? Diogo Pinheiro responde que para saber isso é preciso “sentir os filhos”. “É importante que os pais estejam atentos e disponíveis. Muitas vezes não estão, não têm tempo nem paciência. Às vezes faço esta conta com eles: quanto tempo estão com os filhos por dia? Eles saem daqui um bocadinho deprimidos, porque muitas vezes só estão meia hora por dia com os miúdos e

Na sua autobiografia, Born To Run (2016), Bruce Springsteen assume que sofre de depressão crónica há 30 anos

Judite Sousa na primeira pessoa “Em2014, fui amputada do meu bem mais querido. Os filhos que perdem os pais são órfãos. Os pais que perdem os filhos são o quê? Não há palavra, olhar, gesto, que seja capaz de dizer aos outros a dimensão da dor, do sofrimento psicológico e físico. Infelizmente, na sofreguidão com que percorremos este trajecto sem sentido, só alcançamos a dimensão do nosso vazio quando paramos. E eu parei. Fui obrigada a pôr muita coisa em causa e a reformular a minha existência. Deparei-me com uma dor inigualável, que

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CARLOS RAMOS

Pré-publicação: Pensar. Sentir. Viver. não tem cor, não tem forma mas existe dentro de mim. Apercebi-me de que vivemos rodeados de pessoas que sofrem mentalmente, com ansiedade, com depressão ou com situações mais graves, que a todo o momento não encontram solução senão abandonar este mundo. Um mundo que, devido às suas incongruências, permite que alastrem sentimentos de inveja, de ódio, de raiva, de medo, que corroem o homem do século XXI.”


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ao fim de um mês isso nem dá um dia útil no total.” A ansiedade é também difícil de detectar porque os seus sintomas se confundem com outros problemas. “A ansiedade pode ser contínua ou paroxística, por episódios, chamados ataques de pânico. A pessoa até pode estar estável, mas tem picos de ansiedade muito grandes associados a sintomas físicos – pensa que está a tentar um ataque cardíaco, vai ao hospital e dão-lhe o ansiolítico. Fazem milhares de exames, que muitas vezes são dispensáveis. Chega ao psiquiatra muito tarde. Há estudos que indicam percentagens altíssimas, penso que de 80%, de doentes de ansiedade que recorrem primeiro a outras especialidades. Vão ao cardiologista, ou ao gastrenterologista, fazem medicação para a tensão arterial, para o intestino, para as palpitações, para o refluxo…” Também na depressão, o subdiagnóstico pode originar um problema grave. “Acontece se a pessoa recorre a um técnico que não tem experiência. Já me aconteceu as pessoas chegarem com uma depressão gravíssima porque aqueles técnicos acharam que era uma situação normal. Imagine que uma pessoa estava a sofrer um luto, que não é uma doença, é normal, mas pode cronificar ou chegar a uma intensidade em que a pessoa deixa de funcionar. Esses técnicos podem não ter muita experiência e podem atrasar a intervenção. Chega a um ponto em que as pessoas têm de ser internadas ou fazem uma tentativa de suicídio, já aconteceu. É preciso ter cuidado com as visões simplistas da doença mental.” Por último, mas não em último, as perturbações de ansiedade tratam-se com ansiolíticos (sobretudo benzodiazepinas), que causam muito mais dependência do que os antidepressores. Segundo Diogo Telles Correia, “deve ser ministrado nos períodos iniciais, não mais de um mês, de depressão e ansiedade [há psicofármacos com eficácia para as duas perturbações, assim como estas podem ocorrer simultaneamente na mesma pessoa], e depois devem ser retirados”. O já citado relatório da DGS tem um número impressionante: o fármaco mais consumido em Portugal em 2014 foi o Alprazolam – um ansiolítico cujo nome comercial mais conhecido é Xanax. Foram 91 milhões de DDD. No total dos psicofármacos, os portugueses consumiram mais de 660 milhões de DDD nesse ano, especialmente antidepressores e ansiolíticos. Como se explica um número tão elevado para uma população de 10 milhões? Diogo Telles Correia deixa apenas perguntas no ar: “Será que são os psiquiatras que estão a prescrever estes medicamentos? Será que estes medicamentos estão sempre a ser vendidos com receita médica, como é obrigatório? Será que estas perturbações estão a ser sobrediagnosticadas?” Perguntámos ao especialista se esta dependência está a ser alimentada pelo médico de família? “Não posso dizer isso. Todos temos as nossas opiniões.” Os psicofármacos nem sempre são a solução, diz o professor universitário. “Muitas vezes desenho uma bola, divido ao meio, e digo ao paciente que uma metade podemos controlar e a outra não. A diferença entre as pessoas mais obsessivas e ansiosas é que passam a vida a tentar Q

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sintomas de... ...depressão Tristeza intensa, duradoura e insuportável Anedonia, ou falta de sensação de prazer em tudo Apatia, ou falta de energia ...ansiedade Medo de quase tudo, mesmo de coisas irrealistas, como tremores de terra Alterações intestinais Suores, tremores ou palpitações

Buzz Aldrin O astronauta americano foi à Lua, em 1969, mas o lado negro da depressão (e do alcoolismo) não o largou mais 35


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Destaque

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Q empurrar a linha média para o outro lado e perdem anos de vida nisto. Mas a linha média nunca vai afastar-se. Chama-se terapia cognitivo-comportamental.” Suplementos alimentares em alta Se os psicofármacos estão de boa saúde em Portugal, os suplementos alimentares estão em franca expansão – agentes do sector estimam uma facturação anual na ordem dos 300 milhões de euros. Já não estão apenas em dietéticas e ervanárias – pelo contrário, um relatório de 2012 da ASAE revelava que 70% são comprados em farmácias e 10% em grandes superfícies. O mesmo relatório diz que 63% dos compradores são mulheres. Eduardo Ribeiro, 59 anos, é CEO da Biogal, uma das mais importantes empresas de produção de suplementos alimentares. A sua história pessoal, que nos contou no escritório da sua casa nos arredores de Lisboa, é um resumo dos efeitos dos psicofármacos no corpo e também da ascensão da indústria dos suplementos alimentares para combater estes males do século XXI. Luandense de nascimento, licenciado em Bioquímica, mestre em Biotecnologia, doutor em Ciências Biológicas, Eduardo Ribeiro sofre de depressão crónica desde os anos 70, quando foi soldado do exército português em Angola e, depois do 25 de Abril, das forças armadas angolanas. Quando foi soldado, chegava a tomar três comprimidos por dia, sem saber o que eram. “Davam-nos um ansiolítico (uma benzodiazepina, que reduz a ansiedade); depois, antes de entrarmos em acção, davam-nos uma anfetamina (que desinibe) e simpaticomiméticos (para não tremermos). Era um cocktail terrível.” Desertou do exército angolano (temia pela vida após uma purga interna no MPLA que em 1977 levou à morte de Nito Alves, opositor de Agostinho Neto) e veio para Lisboa. 36

J. K. Rowling A escritora revelou que sofreu de depressão aos 20 anos, quando se viu solteira com um filho nos braços

“[BAIXA PSIQUIÁTRICA] COMBINAMOS COM OS MÉDICOS DE FAMÍLIA NÃO REVELAR A DOENÇA”

Ao deixar o exército, deixou também os comprimidos, e com isso veio a ressaca, especialmente do ansiolítico (a benzodiazepina), a que se associou uma Perturbação de Stress Pós-Traumático dos tempos da guerra. “Tinha ataques de pânico, punha-me a transpirar e a tremer, incapacidade para respirar, oxigenava demasiado… Era ansiedade com depressão, ficava triste sem saber porquê, sem vontade para fazer nada, apetecia-me dormir até às 3h ou 4h da tarde, no escuro, só queria estar no escuro, passei quase a viver de noite e dormir de dia, e depois é uma bola de neve, há muito pouca vontade de reagir, tudo aquilo que gostamos de fazer deixamos de gostar; gosto muito de ler, não conseguia; gostava muito de fazer exercício, não conseguia; e de sexo, mas não conseguia ter relações sexuais – não é impotência, é a líbido que desaparece, não se tem vontade.” Com o tempo, com os estudos que foi fazendo, com a experiência em laboratórios que foi tendo, Eduardo Ribeiro foi perdendo o interesse nos psicofármacos e começou a interessar-se pelos suplementos. Ficou cliente e produtor. “Tenho fases em que sinto que estou a cair na depressão e começo a tomar suplementos. Se sinto que vai ser profunda recorro sempre a um psicofármaco, no meu caso o Citalopram, o que sempre tomei, 10 miligramas – conheço indivíduos que tomam 50 por dia e mesmo assim continuam deprimidos. E fui tirando o ansiolítico e utilizando substâncias que são ansiolíticas, que hoje estão bem estudadas cientificamente. Há várias plantas com essas capacidades.” Os suplementos podem ter um efeito inicial, ou de certa forma preventivo – como eficazes e preventivos podem ser o exercício físico e a alimentação saudável –, mas em situações graves ou crónicas não há evidências de que os psicofármacos possam ser dispensados. E, tal como com estes, é necessário estar informado dos efeitos secundários dos suplementos. Um dos mais famosos é o do hipericão, muito usado para a depressão, que pode alterar a eficácia da pílula. Eduardo Ribeiro ri-se. Diz que plantas não engravidam senhoras e fala da eficácia do hipericão, “muito semelhante aos fármacos, à sertralina, à clomipramina, à imipramina”. Além do hipericão, fala de outras plantas antidepressivas, como a alfazema, a curcuma-longa, a ashwagandha e a cidreira. As ansiolíticas incluem também a ashwagandha e a cidreira mais a tília, ou a Eschscholzia californica. Quando Eduardo Ribeiro está a elaborar a fórmula para um suplemento adopta o mesmo princípio de um enólogo que faz um vinho com diferentes castas. Os ingredientes variam conforme o objectivo: se é um suplemento para a memória, para ter mais energia, para emagrecer, para dormir, para sair da depressão ou para largar a ansiedade. E naturalmente também para combater a PHDA. Para ocupar a vez da Ritalina, “há varias substâncias – a principal é um aminoácido que existe no chá verde e que é extraído e usado isoladamente, a l-teanina. Aumenta a capacidade de concentração, especialmente nas crianças, é uma questão de misturar com algumas plantas, como a camomila, tem um efeito ansiolítico muito marcado nas crianças; não tanto nos adultos.” W


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anos garantia ou 100.000 km


FOTOS RICARDO PEREIRA

Portugal

AUTÁRQUICAS. DUAS HORAS A TESTAR A RUA COM O ANTIGO PRESIDENTE DO MUNICÍPIO

ISALTINO MORAIS, O P Prisão? Condenação? Ninguém quer (mesmo) saber disso. O recandidato a Oeiras (32 anos depois 38


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j Marcelo Rebelo de Sousa não tem o exclusivo das selfies. Isaltino garante que chega a juntar 10, 15, 20 pessoas

Distância Isaltino não esconde a decepção com Paulo Vistas, seu ex-vice-presidente, pelo afastamento higiénico quando esteve preso

EM PAÇO DE ARCOS, UM JOVEM QUE CONHECE ISALTINO HÁ ANOS COMPAROU-O A ROBIN DOS BOSQUES

relógio marcava 12h12 de sexta-feira, 21, quando Isaltino Morais, acompanhado pelo assessor Francisco Gonçalves, percorria o Largo de São João, em Paço de Arcos. Acabara de distribuir beijinhos, abraços e a garantia de que nas autárquicas de 1 de Outubro não vai deixar que o concelho para o qual foi eleito pela primeira vez em 1985 continue adormecido quando um Smart preto parou ao seu lado, em plena estrada. Alex Monteiro baixou o vidro do carro, pôs o braço de fora e, não disfarçando o entusiasmo pelo encontro fortuito, dirigiu-se ao candidato. – O melhor presidente de Oeiras, o senhor Isaltino Morais! Está tudo bem, senhor Isaltino? – Estás bom, pá? – responde o ex-autarca. – Tudo bem, senhor Isaltino? Você devia voltar. – Está bem, pá. Vamos tratar disso, pá. – Você é do povo, você é que é do povo. O senhor Isaltino é do povo já há muitos anos. Desde pequeno que conheço o senhor Isaltino. Isto é que é um senhor. Este homem é o Robin dos Bosques, é verdade! Perante a gargalhada do homem que durante mais de duas décadas foi considerado o “autarca-modelo” do PSD, a SÁBADO perguntou a Alex Monteiro: “Tira aos ricos para dar aos pobres, é isso?” O jovem, residente no bairro camarário de Pombal há 29 anos e que disse conhecer Isaltino “desde puto”, respondeu: “Exactamente, exactamente! Isto é que vale a pena, isto é que é um senhor, não são os outros!” O antigo autarca gosta daquilo que ouve, aprecia o rótulo de político que conhece e vive en- Q

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RÍNCIPE DO POVO, PÁ! da primeira vez) é mesmo popular, que a justiça não chega à política. Por OctávioLousadaOliveira

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Portugal

Q tre a sua gente, que lhe chama amigo (como faz uma reformada, por a ter tirado das barracas no Alto dos Barronhos). Por isso, até pede atenção à SÁBADO: “Ouviu o que ele disse? Do povo, do povo!” Há nas palavras de Isaltino uma elevada dose de satisfação pela gratidão que lhe transmitem. E nem disfarça. “Olhe, é uma riqueza que a gente tem: o reconhecimento. O meu amigo pode ser famoso por isto, por aquilo, tal, tal e tal, etc. Agora, o reconhecimento dos nossos concidadãos é uma coisa que demora muito tempo a adquirir, é preciso trabalho, dedicação, é preciso muito amor e paixão por aquilo que fazemos e as pessoas sentirem que trabalhamos para elas”, explicou momentos antes do encontro com Alex Monteiro, à saída do talho de António Costa. O homónimo do primeiro-ministro gaba-se por ter o alvará número um da cidade. Isaltino elogia-o por “ser o melhor contador de histórias de Paço de Arcos” e por ali encontrar “carne de primeira”, sobretudo quando tenciona fazer o seu cozido à portuguesa. No estabelecimento, uma cliente parece estar na presença de um salvador: “Já estava na altura de o senhor presidente dizer ‘estou cá’, que a gente está a precisar de si!” António Costa subscreve: “Foi tempo demais” sem o presidente, insiste ela.

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“O RECONHECIMENTO DEMORA MUITO TEMPO A ADQUIRIR, É PRECISO TRABALHO, AMOR E PAIXÃO”, DIZ ISALTINO

427 dias preso na Carregueira. “Um inferno”, relatou no seu livro, no qual conta que deixou de ser o “senhor presidente” e passou apenas a recluso 721

i Beijos, abraços, queixas e pedidos: ouve de tudo nas ruas. Diz que tem de ser presidente de câmara, assistente social e até padre

A ligação entre Isaltino e Oeiras teve um intervalo forçado pela pena de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais (pena de dois anos, com saída ao fim de um ano, em 2014, para cumprir o resto em liberdade condicional). “Não tenho dúvidas de que as pessoas de Oeiras gostam de mim, e eu também gosto delas. Isto é mútuo”, assegura à SÁBADO, numa esplanada próxima da igreja matriz de Oeiras, minutos antes da caminhada em Paço de Arcos. “Vivi muitos momentos felizes com as pessoas e, muito humildemente, sou feliz vendo as pessoas felizes”, continua Isaltino, satisfeito com o andar da manhã e com o seu próprio discurso, enquanto bebe um café e aguarda que o pastel de nata arrefeça. Uma hora depois, já próximo do Clube Desportivo de Paço de Arcos, recua até aos tempos na prisão para retomar a tese da reciprocidade. Afectos? Nada de novo Após ouvir de Manuel Cardoso, dono de um restaurante cujas obras estão há meses num impasse, que “só é pena é que as eleições não sejam já…”, o candidato independente garante que a política feita com o coração não foi uma criação do Presidente da República. “Isto dos afectos foi muito mediatizado com o Marcelo mas não é novo, sabe?”, atira, convicto

h Quando quer carne para um cozido, Isaltino vai ao talho de António Costa, em Paço de Arcos

de que “a dimensão humana” o distingue de quem lhe sucedeu na cadeira do poder: Paulo Vistas, seu antigo vice-presidente e também ex-chefe de gabinete. “As pessoas sofreram comigo [durante o período no Estabelecimento Prisional da Carregueira] e sentem que eu também sinto o sofrimento delas [no dia-a-dia]”, assegura. O à-vontade com que é abordado nas ruas – e a satisfação expressa pelos munícipes mais antigos – reforça a confiança do exministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente no governo de Durão Barroso. Sobre se acha que é um momento sebastianista, aí modera-se – mas só um pouco: “Não, D. Sebastião não, porque ele nunca apareceu, era um mito. Eu não sou um mito, sou uma realidade”, vinca. E traça uma linha distintiva face à classe a que pertence: “Um político que só pensa em números não é político. O mal de muitos políticos portugueses é que só vêem números.” Mesmo que recuse ser equiparado ao Rei que, graças ao desaparecimento prematuro na batalha de Alcácer-Quibir (Marrocos) em 1578, ficou com o cognome de “O Desejado”, Isaltino assume sem


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hesitar que acha que é visto como um protector por grande parte dos munícipes. “Disso não tenho dúvidas. As pessoas sabem que pondo-me um problema eu só não o resolvo se não puder. Um presidente de câmara é presidente de câmara, é padre, é assistente social, é tudo ao mesmo tempo. Um presidente de câmara que não tem estas dimensões não faz bem o seu papel.” E continua, sentado no Jardim Municipal de Paço de Arcos: “Enquanto presidente de câmara tive conhecimento de dramas humanos tremendos e procurei resolvêlos com a Segurança Social, com o Ministério Público, com a polícia… Maus-tratos a crianças, sevícias, tudo… Hoje, felizmente, não acontecem tanto.” One-mayor show Para o antigo dirigente do PSD – do qual saiu em 2005, uma vez que o então líder, Luís Marques Mendes, recusou apoiar a sua recandidatura –, a receita para Oeiras se ter tornado uma espécie de one-man show passa por andar na rua, pelo contacto directo com os cidadãos: “Tenho a consciência de que há muita gente que acha que o

Entendimentos Parceiro natural sem maioria absoluta? “Todos”, até Vistas

A máxima de Isaltino Morais é não excluir nenhum candidato ou força política da governação mesmo que tenha maioria absoluta. Se não a conseguir, “todos” são potenciais aliados. Até mesmo o actual presidente do município.

A EXTINÇÃO DOS BAIRROS DE LATA É UMA DAS MEDIDAS PELAS QUAIS OS MAIS VELHOS O LEMBRAM

Para os próximos quatro anos, caso seja eleito, a Educação vai ser a grande prioridade.

A renovação nas listas só não inclui o mandatário, o mesmo de sempre, Luís Roldão.

presidente de câmara é inacessível. Muitas vezes nem se atrevem a telefonar para marcar uma audiência. Portanto, a melhor forma é um tipo andar na rua. Há que desmistificar isso da distância entre o presidente da câmara e os cidadãos. A melhor forma de desmistificar isso é um tipo não estar na torre de marfim. A cadeira é só para traba-

1983

Publicação de uma Constituição anotada, em co-autoria com José Almeida e Ricardo Pinto. Na rua, houve quem se lembrasse

lhar, para despachar e tal.” Nem a propósito, Isaltino vai seguindo de soslaio o que um pequeno grupo de funcionários municipais, já na sua hora de almoço, está a fazer e, ao contrário das inúmeras interacções daquele final de manhã, a montanha (o candidato, entenda-se) foi até Maomé (os trabalhadores). – Oh, pá! Isto é o rosto da câmara, vocês é que trabalham, o resto é conversa, pá! – graceja, num registo informal, típico de quem há muito conhece os seus interlocutores. – Então, dr.! – espanta-se uma das funcionárias. – Está mais jovem, está mais bonito – acrescenta, sem pestanejar, a segunda. – Está! Está mais belo – elogia a primeira. – Pois é, pá! Emagreci uns quilitos e tal... – Eu também perdi 30 quilos... – 30 quilos?! – Sim! – Ela era muito forte! – Pois era, pois era, perdeste uns quilitos... Como é que fizeste isso? Não comendo? – Foi depressão. – Ah, foi depressão. Mas já estás melhor? – Já, já, já. – Então pronto, a gente agora vai ver-se mais vezes por aí. – Espero bem que sim. – Até logo! – Até logo! A proximidade foi, de resto, uma constante ao longo das mais de duas horas em que a SÁBADO acompanhou Isaltino. O candidato pouco ou nada precisou de fazer; as pessoas abordavam-no espontaneamente. Pediam-lhe que voltasse, algumas diziam-se desencantadas com a gestão de Vistas. De telemóvel na mão, e ainda no largo da Igreja, em Oeiras, Francisco Semedo chama-o para a esquina onde estava encostado. – Dr., você vai ganhar isto, não é? – interroga, enquanto exibe uma página de Facebook, com fotos da sua autoria tiradas em vários locais de todo o concelho. Q 41


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Q – Esperemos que sim – devolve o candidato, cauteloso. – O homem fez tudo pela gente, pelos pobres, acabou com as barracas – justifica o munícipe de 51 anos à SÁBADO. – É o político de que mais gosta? – Eh pá, não há nada como o homem. E é sério. O problema que ele teve é lá com ele, já está resolvido, o homem já está limpo. – Vai votar nele? – Isso nem se pergunta. A primeira (e única) selfie Apesar das inúmeras solicitações, Isaltino queixa-se da hora combinada. E do local. Em Algés, Carnaxide ou nos bairros municipais, talvez conseguisse um banho de multidão, digno de uma campanha eleitoral. Fica a dúvida. – Está a ver? Isto é uma loucura. De manhã há pouca gente na rua, se fosse de tarde ou num sábado de manhã, você ficava impressionado porque eu próprio... é uma coisa, pá, extraordinária! As pessoas agarram-me... – Em relação ao professor Marcelo só falta que lhe peçam para tirar selfies. – Ai, pedem, pedem! Mas isso é mais a malta nova. Nos bairros, é uma coisa, pá! Num sábado ou num domingo, se fôssemos a um dos bairros municipais, aquela malta nova, desde a miudagem pequenina aos graúdos e tal, é

g Francisco Gonçalves ajuda na preparação da candidatura, apresentada na quarta-feira, 26. Na rua, Isaltino costuma andar sozinho

“NÃO SE FIE NAS PESSOAS QUE O RODEARAM”, RECOMENDA UMA POPULAR COM QUEM SE CRUZA

selfies com 10, 15, 20 pessoas! Uma coisa louca, pá! No entanto, o primeiro convite para um auto-retrato surge apenas em cima da hora de almoço. Uma funcionária de um restaurante próximo do local onde Isaltino tinha o carro estacionado quer registar o momento. O candidato aceita, de óculos de sol e com a costumeira cigarrilha – são 10 por dia – entre os dedos. Tal como em relação ao tabagismo e à alimentação, Isaltino dizse mais cauteloso e pragmático no que toca a companhias. Di-lo sem problemas. Fátima Viegas, irmã de Hélder Sá, a quem o líder do recém-criado movimento Inovar –

Regresso ao PSD? “Não tinha problema, mas sou social-democrata, não neoliberal”

Se, por um lado, Marques Mendes é o ex-líder do PSD de quem Isaltino Morais guarda mais mágoa, Passos Coelho é, por outro, aquele a quem exigiria um pedido de desculpas. Porquê? “A dra. Paula Teixeira da Cruz achou que a minha prisão era fundamental. (...) Como é que o dr. Passos Coelho não viu nem nunca se apercebeu que a sua ministra da Justiça tinha

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interferências escandalosas nos processos judiciais?”, acusa. No entanto, aquele que durante décadas foi considerado o “autarca-modelo” do partido, depois caído em desgraça, assume que não está fora de hipótese regressar, embora diga que dificilmente acontecerá com a actual liderança. E explica: “Não tinha problema, mas eu sou social-democrata, não sou neoliberal”

Oeiras de Volta (IN-OV) escrevia quando era o recluso 721, também deixa o alerta. – Não se fie nas pessoas que o rodearam, que andaram atrás de si, são todos uns oportunistas. – Tem razão, não fica ninguém, é tudo novo – responde o candidato, fazendo alusão à limpeza que promoveu nas listas (quer ao executivo camarário, quer às juntas de freguesia) que vai apresentar. Aos 67 anos e à oitava vez que se candidata à Câmara Municipal de Oeiras – venceu nas sete vezes que foi a votos –, Isaltino quer contrariar a “perda de orgulho” que nota nos eleitores do concelho porque, acredita, faltou investimento nas pessoas. Ainda assim, garante estar a avançar “como se fosse a primeira vez”. Secundariza Vistas e elege Joaquim Raposo como seu maior adversário, até porque, sabe perfeitamente, tem o legado e as intenções de voto a seu favor. Em todo o caso, é peremptório: “A melhor sondagem é a rua.” É aí que se sente confortável. É aí que confirma a sua percepção de que a justiça o condenou, mas de que as pessoas o absolvem politicamente. No período que a SÁBADO o acompanhou, apenas uma pessoa fez referência ao tempo que passou na prisão – e para o desculpar. É por isso que parece sentir-se justificado na sua atitude à príncipe do povo pelas ruas. Pá. W



Portugal

FESTIVAL POLÍTICA. PARLAMENTARES CARA A CARA

FIZEMOSSPEEDDATING COM DEPUTADOS eixe-me só vir cumprimentar esta deputada da direita”: o apresentador Fernando Alvim interrompe, no Cinema São Jorge, em Lisboa, um speed date (espécie de encontro relâmpago) entre uma deputada – Rita Rato, do PCP – e um cidadão anónimo, fazendo o mesmo, logo a seguir, com Mariana Mortágua. E não, não era sketch de humor. A verdade é mais simples: na sexta-feira, dia 21, no Festival Política, cidadãos anónimos puderam conversar durante cinco minutos com deputados. Entre eles estava um jornalista da SÁBADO, infiltrado, que

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não viu o cupido mas viu sedução (política) com fartura: entre convites para conversas mais extensas, contactos trocados, explicações programáticas, confissões em registo informal e desafios à filiação partidária – “Se está a pensar nisso, esta era uma boa altura” –, fizemos match (como na aplicação para encontros, Tinder) a quase tudo. Em mesas redondas, próximos uns dos outros, Sérgio Azevedo (PSD), Mariana Mortágua (BE), Ana Rita Bessa (CDS), Rita Rato (PCP) e André Silva (PAN) iam anotando queixas e trocando argumentos. E mantiveram sempre uma compostura à prova de críticas ou provocações. Até com a SÁBADO.

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“Senãoformosnósa picar…” Foi o caso da conversa com Mariana Mortágua, que tão depressa dava uma miniaula a um grupo de jovens sobre os defeitos do sistema capitalista (encarnado por multinacionais como a Coca-Cola) como nos explicava, já à saída e de capacete de motard na mão, a importância do BE para a defesa dos direitos dos trabalhadores: “Se não O PEDRO CATARIN

PEDRO CATARINO

Infiltrámo-nos numa sessão entre eleitos e eleitores para ouvir o que dizem ao povo sem microfones à frente. Mantiveram todos a compostura e até se ofereceram para mais. Por Gonçalo Correia

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1 André Silva (PAN) queixa-se que ninguém quer apresentar projectos conjuntos com o seu partido

2 Rita Rato (PCP) diz que era bom que todos os alentejanos fossem comunistas

MARIANA MORTÁGUA (BE): “O PS ESTÁ HOJE LONGE DA MAIORIA ABSOLUTA”

formos nós a picar, a picar, a picar, as coisas nunca são feitas…” Revelou-nos mais, dando detalhes sobre as dificuldades na união da geringonça: “Não é uma alternativa perfeita. Saí agora de uma reunião com o Governo, estou há duas semanas a tentar que haja mais 500 euros de salários para os bolseiros da FCT [Fundação para Ciências e Tecnologia]. Se não fôssemos nós – e o PCP também, mas pronto… – nunca haveria um plano para [integrar] os precários no Estado, por exemplo.” Aproveitando o anonimato, ainda lhe atiramos um desafio: algum dia a iremos ver como ministra das Finanças? “Vamos ver isso, vamos ver isso”, responde a rir, acrescentando que o PS está hoje “longe da maioria absoluta” e que espera “que as pessoas não caiam no mesmo erro outra vez”. Ir para o Governo no contexto actual é que está fora de hipótese – “nem nós [BE] queremos isso”. Percebido.


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MARISA CARDOSO

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Passos progressista Sérgio Azevedo, deputado do PSD e ex-vice-presidente da JSD, esperava-nos de pé e vestido de fato. Fomos um dos primeiros “clientes” e ele apresentou-se sem rodeios, contando-nos que tinha feito “o percurso de base” e que chegara à política por “influência familiar” (um dos pais era do CDS – ele, “menos à direita”, foi para o PSD), mais do que convicção ideológica: “Há pessoas que dizem que vão

porque se identificam muito com as linhas programáticas, quando muitos nem sequer as leram.” Ai, se os deputados do lado ouvissem… Considerado uma das figuras da nova geração do partido, não recua no apoio a Passos Coelho, que diz ter sido “uma vítima” das circunstâncias. Mas não está hoje o PSD – ao contrário do tempo em que entrou – mais à direita do que o CDS? “Não acho isso. Há uma falsa ideia. Na questão de costumes”, por exemplo, Passos está à esquerda dos centristas, garante. Exemplo? Quando votou contra a adopção por casais homossexuais, contounos Sérgio Azevedo, o líder do PSD explicou aos deputados que até defendia a proposta (submetida na Assembleia da República pelo Bloco de Esquerda) – mas que, para respeitar o programa do partido, “tinha de votar contra”.

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3 Em Janeiro, Louçã disse de Mariana Mortágua: “Há-de ser ministra das Finanças.” Agora chega a resposta: “Vamos ver isso, vamos ver isso”

4 Sérgio Azevedo é um dos 13 deputado PSD por Lisboa. Contou à SÁBADO que foi para a política por “influência familiar”

5 Ana Rita Bessa (CDS) admite que para os deputados dos pequenos partidos sobra mais trabalho

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PEDRO CATARINO

Com Rita Rato, o registo da conversa seria outro – amigável mas mais formal, não fosse ela deputada do PC. Brincamos com o facto de ser alentejana e comunista e a resposta chega em tom sério: era bom, diz-nos, que todos os alentejanos fossem seus camaradas de partido. Mais tarde, sobre a posição do partido sobre a União Soviética, Rita respondeu que, se não podemos ignorar os “erros”, também não podemos esquecer os “avanços”, e acrescenta que seria difícil explicar tudo em cinco minutos, prontificando-se a esclarecer as “dúvidas” com mais tempo. E é verdade que os deputados comunistas entregam o salário ao partido? – depois de se saber que, em 2015, os 18 deputados do PCP (15 na Assembleia da República e três no Parlamento Europeu) entregaram ao partido mais de 1 milhão de euros. A resposta foi complexa. “Não é bem assim”: segundo os estatutos do partido, nenhum deputado deve ganhar mais nem menos do que em anteriores funções.” Seguimos em frente.

LUSA

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Sobre os almoços e jantares conspirativos de que tanto se fala no PSD, diz que são “normais” e que “acontecem em todos os partidos, que são lugares de disputa de poder”. É natural, acrescenta – e até dá “dinâmica” aos partidos – haver quem queira executar o poder. Menos natural são as notícias que por vezes surgem na imprensa, aponta. Enquanto passeamos pelo piso superior do São Jorge, começa a parecer impossível conversar com todos, dadas as filas. Mas ainda trocamos algumas palavras com Ana Rita Bessa e André Silva, do PAN – só Heloísa Apolónia escapou ao match. A primeira, especialista na área da Educação, fala-nos das dificuldades de estar num pequeno partido (por estar em desvantagem numérica nas comissões que integra, por ter de fazer de tudo um pouco). O segundo, mais cáustico – quem sabe à procura de eleitores revoltados com o sistema –, vai criticando os outros partidos: diz que há deputados que representam não os eleitores, mas interesses e sectores específicos (são “permeáveis”), e garante que ainda sente resistências face ao PAN, um partido “sem hierarquia, com organização horizontal”, que – diz – já tentou apresentar propostas conjuntas com os restantes mas a que ninguém se quer associar. “É difícil”, resume. Quem disse que um speed date tinha de ter amor? W 45


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Portugal

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Dicionário de claques Os grupos têm vários termos e designações

Hooligans Movimento de adeptos associado à violência no desporto que têm raízes em Inglaterra e no Norte da Europa

Casuals

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CLAQUES. ITALIANO FOI ATROPELADO MORTALMENTE

São grupos de adeptos que se deslocam para os estádios sem identificação clubística para entrar em confrontos com os apoiantes rivais

Ultras

AMORTEQUECOMEÇOU NUMAPROVOCAÇÃO

São os mais fervorosos apoiantes dos clubes. Muitas vezes aproximam-se do comportamento violento dos hooligans

Adeptos do Benfica foram a Alvalade acender tochas. Foram perseguidos e os confrontos começaram junto ao Estádio da Luz. PorNunoTiagoPinto

foi criada, os fundadores tiveram que ver modelos e segui-los. Na altura optaram pelo italiano e criaram-se relações antigas”, conta à SÁBADO um estudioso do fenómeno. “Os elementos destas claques aliadas são uma espécie de convidados de honra. Muitas vezes as alianças têm base em alinhamentos políticos”, diz. Este tipo de alianças não é exclusivo da claque sportinguista. Os No Name Boys, por exemplo, têm uma relação forte com a claque do Hajduk Split. Esta ligação remonta a 1994 quando, no regresso de um jogo na Croácia, uma carrinha com adeptos benfiquistas se despistou em Espanha e provocou a morte a três deles. Desde aí, tornou-se habitual ver adeptos croatas em jogos do Benfica. Já o FC Porto tem uma aliança com a claque da Lazio. “Quando eles vieram jogar a Alvalade para a Liga Europa, houve adeptos do FC Porto que estiveram em Lisboa”, diz o mesmo responsável. As autoridades estarão agora a investigar se chegou a Portugal um fenómeno que já acontece, sobretudo, na Europa de Leste: o de autênticas batalhas campais marcadas com antecedência. W

á é habitual. Nas vésperas dos jogos entre os grandes clubes de Lisboa, elementos das claques de ambos os lados costumam trocar provocações entre si. Seja nas redes sociais ou pessoalmente, através de graffiti ou do lançamento de tochas. O jogo entre Sporting e Benfica de sábado 22 de Abril não foi excepção. Ao início da madrugada, apurou a SÁBADO junto de várias fontes, um automóvel com adeptos dos No Name Boys deslocou-se às imediações do estádio José de Alvalade e provocou um grupo de sportinguistas que estavam junto às sedes das claques – que estão separadas por cerca de 50 metros. Depois fugiram. Os apoiantes do Sporting não terão gostado. Entraram num conjunto de veículos e seguiram-nos até à zona do Estádio da Luz, a cerca de dois quilómetros. Aí terão saído dos carros e lançado tochas. Houve arremesso de pedras e garrafas. No entanto, os sportinguistas terão sido surpreendidos pelo elevado número de benfi-

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1 A assistência médica chegou ao Estádio da Luz tarde demais

2 Marco Ficini, 41 anos, deslocou-se a Lisboa para apoiar o Sporting

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quistas que estavam junto à sede dos No Name Boys, conta uma fonte conhecedora da situação. Quando se viram em inferioridade numérica, fugiram. O italiano Marco Ficini terá ficado para trás e foi atropelado por um elemento da claque benfiquista. Morreu no local, junto à rotunda com a recém-inaugurada estátua em homenagem a Cosme Damião.

OS NO NAME BOYS TÊM UMA LIGAÇÃO À CLAQUE DOS CROATAS DO HAJDUK SPLIT

Claquesgeminadas O italiano estava em Portugal para apoiar o Sporting no jogo contra o Benfica. Pertencia à claque da Fiorentina “Viola Club 7 Bello 1965” que tem ligações antigas à sportinguista Juve Leo. “Na altura em que a claque


Iniciativas SÁBADO

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Livros até Maio Asérie prolonga-se até ao próximo mês. O quinto sai com aedição de dia11

Conte com mais um livro para completar a sua colecção Mistérios em Aberto. O quinto e último volume é oferecido com a SÁBADO no próximo dia 11 de Maio. O Triângulo das Berlengas, Os Fabricantes de Venenos, Os Assaltos Redundantes, Crimes do Arco-íris e Três Tristes Transeuntes são alguns dos 25 desafiantes enigMistérios mas policiais emAberto Volume5 para resolver 11 de Maio em família.

COLECÇÃO. GRÁTIS COM A PRÓXIMA REVISTA

NÃOPERCAMISTÉRIOS EMABERTO 4 Com a edição de 4 de Maio, oferecemos-lhe o quarto livro da série de enigmas policiais. Pode reunir a família e ver quem está ao nível de SherlockHolmes ou de Hercule Poirot

al como o primeiro, o segundo e o terceiro volumes da colecção Mistérios em Aberto, oferecida com a revista SÁBADO, o quarto, que chega às bancas com a próxima edição, a partir de 4 de Maio, convida os leitores a vesti-

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rem a pele de detectives, na linha dos clássicos da dedução criados por sir Arthur Conan Doyle ou Agatha Christie. O livro contém mais 25 enigmas policiais, que pode tentar decifrar em conjunto, com a família ou os

Grátis Cinco livros de mistérios oferecidos com a SÁBADO. Consegue resolver todos os enigmas em sete dias?

amigos. Não tente solucionar tudo de uma vez: pode resolvê-los em sete dias, até lhe chegarem às mãos mais 25, a 11 de Maio. A colecção, coordenada por João Pombeiro, tem textos de Joana Pereira da Silva, Maria João Vieira e Renato Rocha e ilustrações de Sérgio Marques. Foi editada especialmente para a revista SÁBADO e inclui cinco livros – cada um com 92 páginas. Cada um dos 25 mistérios de cada volume está assinalado com lupas, de uma a três, uma simbologia que revela o seu grau de complexidade (fácil, médio e difícil). Assaltos Coloridos, A Pergunta de Maximiliano, O Assassino da Praia, O Rapaz da Bicicleta, O Homem Barricado, A Encomenda Secreta, Jogo Viciado, Os Traficantes de Armas, O Veneno das Cinco, Exclusão de Partes e A Morte Paira no Arsão alguns dos enigmas de Mistérios em Aberto 4 que pode tentar desvendar. Não tem de esperar pela semana seguinte para descobrir se acertou: encontra as soluções no final do livro. W 47


Opinião

RELATÓRIO MINORITÁRIO Longa conversa com um velho político gaulista, desiludido com todos, que mesmo assim não perde o sentido de humor, e do rumor. Acha que, no fundo, triunfaram dois produtos publicitários, que colocam (sobretudo) as “esquerdas” em apuros

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ramento de um general e o coração de um velho granadeiro do imperador. G. avança na metáfora: “Repara que o Emmanuel – tudo no nome próprio, e no apelido conciliar, é religioso e monástico – faz um enorme esforço, quando se põe sério e proclamaalei e aordem, ou aforçade missão DGSI-DGSE contra o Daesh. Está mais à vontade a falar de economia e finanças, apesar de, por vezes, chegar a invocar o general De Gaulle, e conseguir um não o sei quê de majestático.” E prossegue: “Já Marine – repara, outra vez, no tom azul de aventurade navegação no nome – parece uma encarnação do pai, mas sem acabeçadurae um esgar de sorriso. Ela fala com os punhos, e o discurso é sempre o contrário das cortesãs da direita. Revolta-se a cada palavra, e em vez de Prada e Chanel sai dali um camuflado, botas da tropa e estado de sítio. E, claro, avisão mística de umaFrançaimortal, em guerrasem quartel contraaFrançaimoral.” Nesse sentido, explica G., Le Pen é a materialização da masculinida- Q

Madame Macron, Monsieur Le Pen

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senador sonhador G. votou Nicolas Dupont-Aignan. Este era o candidato gaulista marginal, que, mesmo assim, quase chegou aos calcanhares do principal eleito socialista, o pálido Benoît Hamon. Sem desprimorparaninguém, e sem segundos sentidos, G. diz-me que a França presidencial precisa agora de escolher entre um homem “que tem mel”, “sensibilidade feminina”, espírito “compreensivo”, projectos “cerebrais e razoáveis”, e uma mulher que parece saídados contos populares das “marias-rapazes”, mais à vontade com calças do que de saias, o tempe-

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O Politólogo

Nuno Rogeiro nrogeiro@gmail.com

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Era o crente dos crentes. No dia da grande cheia, e como não acreditava na salvação por meios técnicos deste mundo, recusou partir na camioneta dos vizinhos. Preferiu levar a família para o telhado: “Só Deus me pode valer, não os homens.” As águas continuavam a subir. Uma vedeta da polícia federal passou por perto, e lançou bóias. A seguir, o helicóptero de socorro, com umaescada. Porfim, botes de borrachados fuzileiros. Todos rejeitados. Chegados ao Além, o pai furioso interpelou S. Pedro: “Acreditava e deixaste-nos morrer. Porquê?” O guardador das chaves celestes respondeu calmamente: “Mas, meu filho, mandámos-te uma camioneta, uma vedeta, um helicóptero e botes de borracha...” W

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A sina das vacinas


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Q de francesa, havendo até quem vá mais longe na ordinarice, e altere o apelido para píncaros fálicos. “Em qualquer bar, de africanistas ou africanos, de Marselha aos bairros pobres de Denain e Roubaix, vais ver que o comentário é sempre o mesmo: esta Le Pen tem-nos no sítio!” G. gostaria, claro, de ver o general regressar do túmulo de Colombey les Églises, porque acha que Le Pen é um produto publicitário, um “croissant político”. Mas tem a certeza de que, superficial ou não, a senhora se tornou na face da revolta.

Revolta, não só dos desconfiados com a imigração ilegal, mas também dos que viram os seus prédios a decair, as suas ruas a esvaziar-se, os seus empregos, lojas e ocupações a acabar, as alfaias agrícolas a apodrecer, as fábricas a criar caruncho. Compreender o lado negro de França com 8 milhões de pobres e 10% de desempregados pode fazer-se com políticas de Estado, ou com estribilhos. O populismo contenta-se com estes, se bem que a progressiva escolarização popular obrigue a um módico de promessas concretas. Le Pen tinha esses projectos, de tal forma que foi preciso juntar uma série de prémios Nobel (Stiglitz e Tirole à cabeça) para os desmontar. O populismo “da direita” venceu o populismo “da esquerda”. Mélenchon estava num duelo inconfessado com Le Pen. Os dois eram pelas soluções referendárias, e cortejavam descaradamente a classe operária. Nos olhos de bloquistas e “podemistas”, partidos para Paris como se estivesse outra vez a dar-se a Guer-

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ra Civil de Espanha, via-se esse desejo secreto: ter mais votos do que a filha de Jean-Marie Le Pen, o próprio demónio. Quanto a “Madame Macron”, o humorista John Oliver definia-o em poucas palavras, sintetizando um comentário perceptível para o público americano: “Não é de direita nem de esquerda, não incomoda ninguém, agrada um bocadinho a todos, e é o favorito dos mercados.” Macron, o antigo banqueiro responsável, um dos coveiros do PS, olhado por alguns como criatura de Hollande, refundador“àitaliana” do sistemapartidário (agora sem a tralha de republicanos, comunistas e socialistas), coloca a“esquerda” num beco sem saída. Se os “mélenchonistas” o apoiam, traem os “explorados da terra”. Se apoiam o “lepenismo”, mesmo pordefeito (leia-se abstenção), trazem uma espécie de Pinochet, arraçado de Pétain, paraas margens do Sena. Por isso criou-se logo o slogan: “O extremo capital ou a extrema-direita?” W

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Acabados de sair

Há 43 sondagens sobre o desempenho económico de Donald Trump, estabelecidas desde 20 de Janeiro. Só seis lhe dão nota negativa. E muitas conferem-lhe uma vantagem apreciável, de 17 a 22%, sendo certo que pertencem a todo o tipo de instituições: ABC, Reuters, CNN, Gallup, etc. Por outro lado, quase todas as sondagens relativas à “política” do Presidente são medíocres, ou claramente negativas. Só o momento do discurso sobre o estado da União saiu desse tom. O que mostra que, 100 dias depois, os americanos apreciam sobretudo o cumprimento de promessas no campo do comércio, do consumo interno, do desenvolvimento, da industrialização, e sobretudo do emprego. O que, a prazo, também será “política”. W

O último Procol Harum, neste caso Novum(Eagle), é sempre um acontecimento: as décadas passam, mas a magia fica. Quanto aos sopros de Didier Labbé (na foto), prestam homenagem a mestre Hermeto Pascoal, em O Grito do Passarinho (Klarthe), enquanto o trombone é rei, com Daniel Zimmermann, em Montagnes Russes (Label Bleu). Já o grande saxofonista Daniel Erdmann, cujo projecto Das Kapital devia ser mais bem conhecido, lança, com o irónico grupo Velvet Revolution (BMC), A Short MomentofZero G. Brilhante. Nos livros, Pedro Esteves, ex-agente secreto português, académico e espírito crítico, deixa um detalhado olhar mordaz sobre a intelligence doméstica, em Duelo de Espiões (Lx 28). Tudo ficção, claro. W

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Tem dias

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Mundo

FRANÇA. A HISTÓRIA DA POSSÍVEL PRIMEIRA-DAMA

BRIGITTE, EMMANUEL, ELISEU? rimeiro acto: 6 de Abril de 2016, em Amiens, a norte de Paris, numa noite fresca, Emmanuel Macron, então ministro da Economia e ex-menino-bonito de François Hollande, apresenta um novo movimento político. Chama-se En Marche. Pouca gente, sobretudo conhecidos e amigos, nada de cartazes, um ambiente quase recatado. Na fila da frente, Brigitte Trogneux, sua mulher, tira notas. Os media nem reparam nela. Quando, a 11 de Novembro, Macron encenou o segundo acto (ambos gostam de teatro) desta peça, apresentando formalmente a sua candidatura a Presidente da República Francesa num discurso de 20 minutos, o casal passara a véspera debruçado sobre cada palavra. Brigitte, ex-professora de francês, disse-lhe que tinha de ser claro: “Se eu não perceber ninguém percebe.” Ela lê cada uma das intervenções do marido, como, tinha ele 15 anos, lia a poesia que ele já escrevia quando sonhava ser escritor. A data do anúncio também não terá sido um acaso. Porquê 2017, quando Macron, de 39 anos (se vencer, será o mais jovem Presidente francês de sempre), poderia crescer até

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APAIXONARAM-SE QUANDO ELA ERA CASADA, COM TRÊS FILHOS, E ELE TINHA 15 ANOS

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2022? Macron tem dito que era a altura certa; os seus próximos, que ele sentia a oportunidade agora. Mas, no livro Emmanuel Macron, En Marche Vers l’Elysée (Emmanuel Macron, em marcha para o Eliseu), Nicolas Prissette revela que Brigitte lhe disse, com humor: “Ele tem de ir em 2017, porque em 2022 o problema dele será a minha tromba.” Em 2022, Brigitte terá 69 anos. Mesmo agora, com 64, pode já tornar-se a mais velha primeira-dama a chegar ao Eliseu. “Vou casar contigo”, aos 16 anos Os dois sempre debateram abertamente a diferença de idade. Mas, quando no domingo, dia 23 – terceiro acto – Emmanuel Macron ficou à frente na primeira volta das eleições presidenciais francesas (com 23,5%, contra 22,08% de Marine Le Pen), já foi não só a imprensa francesa a contar quem é a mulher que partilha com Macron uma história de amor que os próprios admitem atípica: boa parte da imprensa internacional também o fez. Com destaque para a forma como se conheceram – o ingrediente atípico. Amiens, o mesmo palco onde lançou o En Marche (EM, as mesmas iniciais de Emmanuel Ma-

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Ela tem 64 anos, ele 39 e apaixonaram-se quando ele tinha 15. No domingo, ele ficou à frente na primeira volta das presidenciais e é favorito. Por Maria Henrique Espada

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cron), início dos anos 90: Brigitte, casada desde os 20 anos, ensina francês e latim no liceu jesuíta local, que os seus três filhos também frequentam, e anima o clube de teatro da mesma. Emmanuel é um aluno de 15 anos, brilhante, que discute com os professores ao mesmo nível, está a escrever um romance e também faz teatro. Brigitte, que não é sua professora, ouve os colegas falar dele constantemente: é o sobredotado sociável de quem todos gostam. Emmanuel propõe-lhe, a certa altura, fazerem a dois uma adaptação da peça A Arte da comédia de Eduardo de Filippo, Brigitte concorda, mas desconfia que ele se vai aborrecer. Passam a reunir-se à sexta-feira à tarde. E ela contará em 2016 à Paris Match: “Senti que deslizava, ele também.” Os pais de Emmanuel não aprovam e aos 16 anos enviam-no para Paris para terminar o liceu, Brigitte também lhe diz que vá. Ele vai, mas despede-se dizendo: “O que quer que faças, vou casar contigo.” Brigitte fica


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Os anos contam? A idade das primeiras-damas quando chegaram ao Eliseu

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Anne-Amyone d’Estaing

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Carla Bruni

em Amiens, mas mantêm o contacto: horas ao telefone. Ela divorcia-se e vai para Paris, onde continua a dar aulas. Não é claro quando retomam o romance ou quando passam a viver juntos. Casam em 2007. A relação entre os dois é muito próxima, mas mantém-se discreta até há cerca de dois anos, quando se percebe que Brigitte tem um papel activo no gabinete do marido: participa nas reuniões semanais do staff, vê as intervenções, organiza jantares. Os netos dela, e... dele Com o arranque da campanha, está ao lado do marido e no centro de tudo. François Patriat, um senador que o apoiou, contava que para falar com ele e furar a barreira de jovens conselheiros, o melhor é abordar Brigitte e ela diria: “Escreve uma nota que eu mostro-lhe logo à noite.” Brigitte geria a agenda e ele não fazia nada sem lhe pedir opinião, da contratação de um colaborador à escolha de um fato. Macron já esclareceu que

1 Emmanuel Macron ficou à frente de Marine Le Pen, com 23,5% dos votos

2 Se for primeira-dama, “não será remunerada pela república”, esclareceu Macron

BRIGITTE ERA UMA PRESENÇA DIÁRIA NO MINISTÉRIO DO MARIDO E TORNOU-SE INFLUENTE NA CAMPANHA

se for eleito, a mulher terá um papel no Eliseu, mas “não será remunerada pela República”. Mas “não será escondida, porque partilha a minha vida, porque a sua opinião é importante”. Ainda que, politicamente, ninguém saiba de facto o que ela pensa – mas essa é uma crítica que partilha com o marido. A proximidade evidente foi uma vantagem quando um programa russo lançou o boato de que teria uma vida dupla homossexual. Macron usou a mulher para o contrariar: “É desagradável para a Brigitte. Mas, asseguro-vos, como ela partilha toda a minha vida, da noite à manhã, ela pergunta-se simplesmente como é que fisicamente seria possível.” O casal passa fins-de-semana em Le Touquet, uma estância balnear na Costa Noroeste, com a família alargada. Macron refere-se aos sete netos de Brigitte como “os meus netos” e também se dá bem com os filhos desta. Todos eles, e ainda dois genros, ajudaram na campanha. W 51


Dinheiro

CONSUMO. LIDL, PINGO DOCE E MINIPREÇO QUEREM FIDELIZAR CLIENTES, APOSTANDO NAS COLECÇÕES PARA CRIANÇAS

AGUERRADOSPELUC Chegam a ter mais 30% de clientes graças às campanhas infantis. Os hipermercados, agora, tanto

arta da Cunha andou semanas à procura de uma beringela em peluche. O brinquedo, da campanha da cadeia de supermercados Lidl, parecia estar esgotado em todas as lojas. “Andei louca a tentar encontrar o boneco. A minha filha [Helena, de 9 anos] tinha a colecção [do Gang dos Frescos] quase toda e faltava-lhe aquele legume”, conta Marta, que, de cada vez que gastava

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€10 no Lidl, recebia uma saqueta com selos e cartas que teria de juntar para depois adquirir os bonecos. Decidida a encontrar a beringela, um dia resolveu pedir ajuda a uma funcionária da caixa. “Tive sorte. A rapariga tinha uma a mais e prontificou-se a vendê-la. Combinámos um encontro dias depois, a poucos quilómetros de minha casa.” Pagou €3,99, o mesmo valor que lhe seria cobrado na loja. “Quando temos fi-

“AS INSÍGNIAS JÁ NÃO PROCURAM AFIRMAR-SE PELO PREÇO”, DIZ MAFALDA FERREIRA

lhos, estas campanhas têm impacto em nós”, diz Marta, de 43 anos. “Fui comprando os peluches, não só porque a Helena gostava, mas porque também os acho engraçados.” Esta foi a primeira campanha dos Frescos do Lidl, em 2014 e 2015. Mas estas formas de captar clientes não ficaram por aqui. Algo parece estar a mudar na estratégia de marketingdas grandes cadeias de supermercados. Nos últimos meses


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FOTOS ALEXANDRE AZEVEDO

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HES E DAS CARTAS vendem legumes como dão cadernetas. É que atrás dos miúdos vêm os pais. Por Ana Catarina André

apareceram cada vez mais campanhas de coleccionáveis dirigidas às crianças. “As insígnias já não procuram afirmar-se pelo preço. Esta é uma maneira diferente de captar o interesse dos clientes e de criar uma relação positiva com a marca”, diz à SÁBADO Mafalda Ferreira, especialista em comportamento do consumidor e professora no IPAM (Instituto Português de Administração de Marketing). As lojas procuram fideli-

zar os clientes, obrigando-os a fazer compras várias vezes para levarem os bonecos. Muitas vezes são os miúdos que, na hora de encher a despensa, pedem aos pais para escolher determinada superfície comercial. “As crianças exercem uma influência no núcleo familiar que não pode ser comparada à dos adultos”, constata Carlos Coelho, especialista em marcas. E acrescenta: “Estas campanhas acabam por fide-

g Durante a campanha das miniaturas do Lidl houve quem as vendesse no OLX por €10. Agora são os Amigos da Quinta. No Minipreço há a caderneta Joga com os Teus Heróis e no Pingo Doce são as cartas dos Super-Animais

lizar os pais, mas também os filhos, a médio e longo prazo.” Actualmente decorrem iniciativas deste género em três grandes lojas: Pingo Doce, Minipreço (ambos com ofertas de cartas) e Lidl (peluches). Nenhuma aceitou revelar dados sobre investimentos neste tipo de acções. E apenas o Minipreço assumiu que estas campanhas têm influência no número de clientes. “Registámos um aumento de 30%, na sequên- Q 53


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Dinheiro

Q cia da campanha Abraça os Teus Heróis”, diz o director de marketing Bruno Monteiro, explicando que esta campanha disponibilizava 10 peluches de heróis da Dreamworks – a mais rica em termos de personagens, argumenta –, mediante a junção de selos. “Quisemos que o ritual de ir às compras fosse uma experiência gratificante para todos”, diz o responsável à SÁBADO. A colecção de bonecos chegou a estar indisponível durante alguns períodos. “Ainda assim conseguimos dar resposta a todos os pedidos”, diz Bruno Monteiro, acrescentando que a actual campanha tem as mesmas personagens, mas agora em jogos de cartas. Duarte, 3 anos, esperou dois meses para ter um peluche da Tigresa, uma das personagens do filme Panda do KungFu. “Fizemos a encomenda em Dezembro e só chegou em Fevereiro. De vez em quando ele perguntava-me se já tinha chegado”, conta a mãe, Maria. O Continente, do grupo Sonae, mantém-se tímido neste novo mundo em que os supermercados angariam clientes apelando às crianças. Teve apenas uma campanha do género – a dos Angry Birds, que decorreu em 2016. Loucosporminiaturas Muitas vezes estas acções acabam por envolver elementos da família alargada, como avós, tios e primos. Foi o que aconteceu a Carolina, de 9 anos, que em 2016 pôs as avós à procura das 40 miniaturas da colecção Lidl Shop, composta por réplicas de produtos de supermercado. Havia pacotes de sumo, latas de atum, pacotes de fraldas, iogurtes, azeite – tudo exactamente igual ao que se vende na loja (com os mesmos rótulos e formatos), mas numa versão muito mais pequena, ideal para brincar. As marcas representadas nos produtos colaboraram na campanha. A febre começou quando a mãe, Filipa Rosa, chegou a casa com uma manteiga e uma embalagem de café em ponto pequeno. “Achámos que era uma ideia genial e começámos a juntar as peças”, conta a engenheira alimentar. 54

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g Há crianças que esperaram dois meses para ter um destes peluches

Brinquedos e adultos O mundo infantil já não pertence só às crianças

Um estudo feito no Reino

Bruno Monteiro diz que a primeira campanha de coleccionáveis do Minipreço demorou cerca de seis meses a ser criada

i A colecção de miniaturas do Lidl é composta por 40 peças

Unido, em 2016, diz que o mercado de brinquedos destinados a adultos cresceu 65% desde 2012 e está hoje avaliado em 342 milhões de euros. A pesquisa diz ainda que um em cada 11 brinquedos comprados naquele país se destina a um indivíduo maior de idade e não a uma criança.

A família – assume – passou a ir mais vezes às lojas da marca. “A Carolina apalpava as embalagens e conseguia reconhecer o conteúdo. Às vezes dizia à senhora da caixa: ‘Uma couve outra vez? Oh não! Será que me pode dar outra?’” A menina também tentou convencer várias vezes a mãe a gastar mais dinheiro para ter direito a mais brindes: por cada €15 de compras, ganhavam mais uma

embalagem de leite ou um garrafão de água. Se não tivesse recebido ofertas, a mãe de Carolina teria gasto no mínimo €600 euros para completar a colecção, isto se nunca tivesse recebido uma peça repetida ou nunca tivesse recorrido às promoções de fim-de-semana em que pelo mesmo valor recebia duas unidades. A campanha do Lidl teve tanto sucesso que algumas pessoas venderam partes da colecção na plataforma de comércio online OLX – uma embalagem de detergente da loiça chegou a custar €10. A euforia levou inclusivamente a denúncias de burlas: vendedores comprometiam-se a enviar por correio as miniaturas após pagamento e depois não o faziam. Para dar resposta a tantos pedidos, o próprio Lidl organizou eventos de trocas no último trimestre de 2016. A marca alemã é a que mais campanhas já teve: cinco desde 2014. “O racional-base é o mesmo: juntar o coleccionismo, que sabemos que faz sucesso junto dos consumidores, a uma mensagem que aporte valor à vida das famílias”, disse à SÁBADO por email Filipa Appleton, directora de marketingdo Lidl. Alguns coleccionadores como Sandra Brito, mãe de três rapazes, de 9, 6 e 4 anos, recorrem à Internet para encontrar miniaturas. “Fiz trocas com um avô muito simpático que andava a ajudar os filhos”, conta a técnica de saúde, de 42 anos, que não adquiriu nenhum dos acessórios extras da colecção, como a balança, o carrinho de compras ou a bancada. “Eles não souberam que essas existiam. Filtrei essa informação”, conta. Provavelmente, teria gasto muito mais dinheiro. W



Segurança

EFEMÉRIDE. MADELEINE MCCANN DESAPARECEU HÁ 10 ANOS

OREGRESSODO INSPECTORAO LOCALDOCRIME antava com um amigo, depois de um dia de trabalho, quando perto da meia-noite de 3 de Maio de 2007 recebeu o telefonema que traçou o rumo dos anos seguintes. Deu instruções pelo telefone, deslocou-se ainda ao piquete e seguiu para casa. O então inspector-chefe não podia saber mas naquele momento estava a caminho de ser o “reles polícia”, empenhado numa linha de investigação que partia da presunção de culpa de um casal de médicos ingleses, e que seria tantas vezes depois chamado de “drunk”, “womanising” e “sleazy” (bêbado, mulherengo e desprezível) na imprensa britânica e por toda a Internet. “Dez anos é uma vida. Um processo com um pedido de indemnização de 1.200.000 euros é muito pesado a todos os níveis. A asfixia económica e financeira foi brutal. O abandonar abruptamente uma carreira de sucesso como investigador criminal para defender o nome e o brio profissional, meu e de quem comigo trabalhou, é doloroso e irreparável”, diz Gonçalo Amaral, 57 anos, quase uma década depois daquele telefonema, que o informava do des-

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h Gonçalo Amaral, fotografado no início de Abril na Praia da Luz

NO LAVA-LOUÇA ESTAVAM COPOS COM VESTÍGIOS DE LEITE COM CHOCOLATE QUE NUNCA FORAM ANALISADOS

aparecimento de uma criança inglesa de um aldeamento da Praia da Luz, a sete quilómetros de Lagos, no Algarve. Tudo o que poderia ter corrido mal, correu. A criança era Madeleine McCann. Enquanto Gonçalo Amaral seguia para casa, no apartamento 5A do Ocean Club, no aldeamento da Praia da Luz, estava já a GNR, que “levou quase uma hora a chegar ao local por causa de umas obras”, além das pessoas do grupo dos McCann – nove no total mais sete crianças – e ainda uma equipa da PJ. Rastos dessa noite confusa, em que a mãe grita para a rua cerca das 22h “abandonámo-la” e em que existem contradições entre os amigos sobre os horários estabelecidos para visitar os menores nos apartamentos, enquanto jantavam e bebiam a 50 metros, são dois: a palmar de um homem numa janela, que depois se descobre ser de um elemento da polícia científica, e a impressão digital de Kate, na janela do quarto das crianças, por onde os progenitores insistirão ter sido o local por onde entrou o raptor. Mas o estore corrido não apresentava sinais de arrombamento. No lava-louça estavam ainda co-

BRUNO COLAÇO

Anos após a investigação que lhe acabou com a carreira, Gonçalo Amaral explica como o corpo de Maddie pode ter desaparecido: cremado com uma cidadã britânica. PorFernandaCachãoeMónicaPalma

pos com vestígios de leite com chocolate, que nunca foram analisados, e que poderiam ter servido para comprovar o uso de um fármaco – o que corroboraria a hipótese de morte acidental e ocultação de cadáver defendida pelo primeiro coordenador da investigação. Na máquina fotográfica da família não existiam fotos dessa noite. Seria impossível perceber o que cada inglês vestia. Também não existiam câmaras de videovigilância: no aldeamento, nas ruas circundantes, posto de abastecimento, multibanco e farmácias. A única câmara colocada de molde a registar aquilo que os Smith dirão mais tarde ter visto, testemunho considerado


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importante pelo então coordenador, foi ignorada pela PJ e quando foi identificada já as imagens não estavam disponíveis. A família de irlandeses tinha já regressado a casa quando, no início de Outubro, os McCann entretanto constituídos arguidos, voltaram ao Reino Unido e foram apanhados pelas câmaras de televisão em Leicestershire. O patriarca Smith reconhece nas imagens de Gerry McCann com um dos gémeos ao colo, o homem que viu naquela noite de 2007. Estes irlandeses nunca voltaram a Portugal – “nem sei se estão vivos”, diz Gonçalo Amaral enquanto sobe a Rua da Escola Primária onde a família se

Anúncio Três dias depois do início das buscas, o director da PJ de Faro disse à comunicação social que seria provável “um rapto”

terá cruzado com o pai de Maddie na noite de 3 Maio de 2007, eventualmente com a filha ao colo. Abagageira docarro Nessa noite, os irmãos gémeos de Maddie dormiram sempre, com a polícia, muitas testemunhas e funcionários do Ocean Club dentro do apartamento 5A. Foram levados ainda a dormir para outro apartamento onde, mais tarde, a mais velha do grupo, Fiona Payne, diria ter visto a Kate McCann com a mão no nariz e na boca das crianças como se a ver se respiravam. O rasto de um medicamento, o Calpol, que a mãe admitiu dar às crianças para adormecer,

nunca levou a lado nenhum. Em Agosto, o rumo da investigação passou a prever a possível morte da criança, com as suspeitas a recaírem sobre os pais. A reviravolta apoiou-se em vestígios biológicos recolhidos no apartamento e no carro alugado pelo casal McCann, ainda no mês de Maio. Facto que Gonçalo Amaral diz ter sido ignorado “por a linha de investigação inicial ser a do rapto”. Em frente ao apartamento, o ex-inspector aponta agora os locais onde os cães da polícia britânica encontraram odor a cadáver, no pequeno jardim que dá acesso ao interior do apartamento, nas trasei- Q 57


Segurança

Q ras do aldeamento sobre a piscina e o restaurante onde o grupo de ingleses jantou todas as noites, enquanto lá esteve. E também no interior da casa, atrás do sofá. “É no carro que, em Agosto, quando é feita a recolha de vestígios com auxílio dos cães, se encontra na chave sangue do pai da criança e na bagageira do carro fluidos corporais como se tivesse escorrido para cima da embaladeira do lado do pneu e também cabelos que o laboratório diz que têm a coloração dos cabelos” de Madeleine McCann. Mas a recolha foi desvalorizada pelo laboratório inglês que a polícia portuguesa escolheu – “para não nos acusarem de falsear os resultados”, diz Amaral. Em Outubro, em declarações ao Diário de Notícias, Gonçalo Amaral criticou a polícia britânica. Foi demitido e afastado do caso pela direcção nacional da PJ. Estava em cima da mesa a vinda dos Smith a Portugal. “Quem disse a uma jornalista que a polícia britânica devia preocupar-se com aquilo que foi acordado em Portugal, que era seguir a linha de investigação da responsabilidade dos pais no desaparecimento da miúda, fui eu. Depois, o que disse o dr. Alípio Ribeiro, a decisão de me afastar, daqui de Portimão, é uma consequência disso. Mas isso abriu a porta ao arquivamento do processo e foi o que aconteceu”, conta 10 anos depois. Esta semana, Pedro Carmo, director adjunto da PJ, disse que a investigação ainda decorre, agora a cargo de

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uma equipa do Porto. “Nunca tínhamos tido um caso semelhante, nem tivemos depois.” Fonte do Ministério Público prefere lembrar que algumas das bizarrias deste caso foram a existência de “duas investigações paralelas” e a “submissão ao Reino Unido”.

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“Fundada suspeita” A decisão de 31 de Dezembro de 2016 do Supremo Tribunal de Justiça, depois reconfirmada em Março deste ano, foi mais do que a confirmação da decisão da Relação de Lisboa que revogou a sentença que obrigava Gonçalo Amaral a indemnizar o casal por danos causados pela publicação de Maddie: A Verda-

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A igreja onde o casal McCann rezava e onde Gonçalo Amaral diz terem entrado três vultos com um saco

O apartamento do Ocean Club foi vendido a uma inglesa

Imagens

FOTOS D.R.

O quarto onde Maddie e os gémeos, Sean e Amelie, dormiram, com o detalhe da medição da altura da janela realizada pela Polícia Científica da Judiciária

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ESTAVA NA IGREJA UMA URNA COM UM CADÁVER DE UMA SENHORA INGLESA, ENCAMINHADO PARA CREMAÇÃO

de da Mentira. A decisão foi considerada “vergonhosa” por alguns jornais britânicos, por dizer que “há fundada suspeita” na teoria do ex-coordenador da PJ. Para Gonçalo Amaral é a “confirmação de toda uma linha de investigação”, exposta no livro que publicou em Julho de 2008 e que o levou ao inferno. Maddie: A Verdade da Mentira, que nunca chegou ao mercado britânico, foi traduzido para vários países e vendeu 170 mil exemplares em Portugal. Em 2009, o Tribunal Cível de Lisboa ordenou o arresto de todos os lucros obtidos com o livro na sequência do primeiro processo movido pelos McCann, que pediram uma indemnização de 1,2 milhões de euros. Foram arrestados os direitos de autor e também a quota de Amaral na empresa que criou depois da saída da PJ, um terço do seu vencimento como gerente e até o Jaguar que comprou em Maio em nome da Gonçalo Amaral Unipessoal Lda., que nunca chegou a oferecer “serviços de consultoria na área da investigação criminal”. Junto à Igreja da Luz, onde tantas vezes os pais foram vistos e fotografados, Amaral confessa que “nunca esqueceu a criança desaparecida e que sempre houve gente a dar-lhe informações sobre o caso”. É ali que o também coordenador do chamado “caso Joana”, desaparecimento em 2004 de uma criança que condenou a mãe e o tio por homicídio sem que tivesse aparecido o corpo, se agarra à explicação do crime perfeito: “Numa noite [de Dezembro de 2007] foram avistados três vultos a entrar na igreja com um saco, pela porta lateral, quando estaria no interior uma urna com um cadáver de uma senhora do Reino Unido, encaminhada no dia seguinte para cremação em Ferreira do Alentejo. É possível que o corpo da criança tenha seguido dentro da urna”, diz. Entre o apartamento 5A, onde passou férias a família McCann, e a igreja anglicana, Gonçalo Amaral nunca dirá o diminutivo da desaparecida, Maddie, o nome de baptismo dela, o dos pais da criança, Kate e Gerry McCann. Para ele, uma década depois dos factos, são apenas “a criança desaparecida” e o “casal”. W


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

Entrevista GONÇALOAMARAL O antigo inspector diz que a Polícia Judiciária andou a passo com a Scotland Yard e que houve servilismo por parte do Ministério Público e do governo em relação aos britânicos. Por Fernanda Cachão e Mónica Palma

BRUNO COLAÇO

“Houve diplomacia amais” ora do processo judicial, Gonçalo Amaral diz que os McCann lhe tiraram as hipóteses de ter uma vida profissional.

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Há um balanço político a fazer deste caso? Há e muito forte. Repare: eu nunca mais voltei à Polícia Judiciária (PJ) e o casal já. A direcção da PJ e o próprio procurador estão a fazer o politicamente correcto. No Reino Unido e aqui a direcção da polícia andou a passo com a Scotland Yard. Não investiga nada que possa comprometer os pais ou os amigos. É um erro. [Além disso] pode ter havido canais paralelos de investigação, até porque não é normal que um embaixador de um país estrangeiro venha ao local para pressionar no sentido de que “isto tem de ser rápido”. Depois dessa reunião, o director da PJ leu um comunicado a dizer que estávamos à procura de um raptor que era coisa com que nem eu nem outras pessoas concordavam. Se o embaixador e mesmo o cônsul não tivessem aparecido, a investigação teria sido direccionada para o que é normal que é suspeitar daqueles que têm a responsabilidade da guarda da criança. Houve diplomacia a mais. Enquanto coordenador não tinha uma palavra a dizer? Eu e outros colegas dissemos o que

g Gonçalo Amaral reformou-se da Polícia Judiciária aos 49 anos; hoje diz que foi um erro

F “Eles pertencem à classemédia altaeos britânicosnão gostam queos seusdoutores façam porcariano estrangeiro”

tínhamos de dizer. Foi-nos dito que o caminho era aquele e depois voltaríamos ao outro. Quem? Quem era superior a mim na altura. Como é que a visita de um embaixador intimida ou orienta dessa maneira uma investigação? Pelo servilismo que temos perante os ingleses. Judiciária, Ministério Público e governo sentiram-se intimidados perante o Reino Unido. O erro foi o comunicado a falar do rapto. Os pais de Maddie tiveram um tratamento especial? Naquilo a que chamo de minha ingenuidade, fico-me pelo facto de eles pertencerem à classe média-alta britânica e de os britânicos não gostarem que os seus doutores façam porcaria no estrangeiro e que sejam condenados por isso. Dez anos depois que autocrítica faz? Não deveria ter-me reformado da PJ. Deveria sim – e porque a polícia não me defendeu nem aos meus colegas das injúrias de que fomos alvo – ter escrito e editado o livro como funcionário da PJ. Não deveria ter permitido que tivéssemos sido alvo de tantas pressões. Quando o casal foi embora, a polícia britânica que estava aqui para cooperar e ajudar também foi. A sensação que ficou é que a polícia britânica estava aqui para

proteger o casal. Nós fomos sinceros demais e depois levámos a paga. Por exemplo, mandámos as amostras periciais para o laboratório inglês, quando a perícia poderia ter sido feita num português, para não sermos acusados de termos manipulado o resultado final. Fomos naïfs e diplomatas demais. Este é um caso de particular angústia para si? O caso em si não é. O processo que me puseram também não. A angústia foi aquilo que me fizeram fora do processo. A devassa da vida privada, a destabilização da pessoa, o injuriar, o difamar e cortarem-me todas as hipóteses de ter uma actividade profissional como queria. Isso foi-me vedado. Não se jogou só no processo, jogou-se muito fora. Está de costas voltadas com a anterior direcção da PJ? Não, estou a fazer uma crítica e tenho direito a fazê-la. Não se deita fora um quadro superior da polícia para se defender um casal suspeito, pelo menos, da negligência dos filhos que levou ao desaparecimento. Foi quase uma falta de respeito tomar a decisão [de que era rapto] e torná-la pública. Não foi olhar para o processo objectivamente. Se a investigação chegar alguma vez ao fim e se se provar que os pais não têm a ver com o caso, tudo bem. W 59


Segurança

MISTÉRIO. DEZ ANOS DO DESAPARECIMENTO DE MADELEINE

FAMÍLIAMCCANN:VIV Mantêm o quarto de Maddie como estava no dia do seu desaparecimento e continuam a guardar

inham passado seis meses desde o desaparecimento de Madeleine McCann quando o pai, Gerry, voltou ao trabalho no hospital Glenfield, em Leicester. Nessa altura, o médico cardiologista disse que estava na hora de tentar “voltar à vida normal dentro do possível” e que a família tinha feito tudo o que podia para encontrar Maddie e para criar a infra-estrutura que continuaria a busca pela criança desaparecida. Mas, 10 anos depois, pouco mudou: os McCann continuam a tentar regressar à normalidade e as autoridades a tentar descobrir o que realmente aconteceu a Madeleine na noite de 3 de Maio de 2007. Kate McCann tornou-se a face mais visível dessa busca. A antiga médica de clínica geral deixou o emprego, que exercia em part-time, para se dedicar à família e às campanhas públicas de procura daquela que se tornou uma das mais famosas crianças desaparecidas do mundo. Ao contrário do que aconteceu nos primeiros anos após o desaparecimento, hoje é frequente vê-la a andar pelas ruas de Rothley, a pequena vila do condado de Leicestershire onde vive com o marido e os filhos gémeos, Sean e Amelie, seja para ir ao ginásio – que frequenta três vezes por semana – ou à igreja católica que fica a cinco minutos a pé da casa da família. “Aos poucos as pessoas aceitaram-na como Kate e não como a mãe da Maddie” diz à SÁBADO uma fonte próxima da família. “Além de ir ao ginásio ela corre e tem aulas de spin. Acho que usa o exercício para se sentir melhor”, conta. Por vezes, Kate vai a pé para o ginásio a usar tops com a frase “Missing Madeleine” e não tira as

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pulseiras verde e amarela – uma a simbolizar a esperança e a outra a solidariedade. Além disso, Kate empenhou-se na campanha pela busca de Maddie e não só. Tornou-se embaixadora da fundação Missing People, cujo grupo coral – composto por familiares de desaparecidos – irá aparecer em breve numa edição do concurso Britain Got Talent (Grã-Bretanha tem talento) a interpretar a canção I Miss You. Ao contrário do que chegou a ser noticiado, Kate não faz parte do grupo. “Ela detesta cantar. Nem foi às audições. Enviou apenas uma mensagem de apoio”, diz à SÁBADO a mesma fonte. Além disso, a mulher dedicou-se totalmente à educação dos gémeos Sean e Amelie, actualmente com 12 anos. As crianças frequentam uma

Ainvestigaçãocontinua Verbas daequipadaScotland Yard duram até Setembro

Em 2011, por pressão de David Cameron, a polícia britânica iniciou uma investigação ao desaparecimento de Maddie.

Baptizada como Operação Grange, os investigadores obtiveram 1.338 depoimentos e investigaram 60 pessoas, além de considerarem 8.685 avistamentos de Maddie em todo o mundo.

No total, a investigação inglesa já custou aos contribuintes britânicos quase 13 milhões de euros.

Dia-a-dia Kate deixou o emprego para se dedicar aos filhos Amelie e Sean. Gerry voltou à carreira de médico cardiovascular


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

ERAVIDANO “LIMBO” os presentes de Natal e aniversário – para o caso de ela um dia regressar. Por NunoTiagoPinto

REUTERS

escola católica e, tal com os pais, “são bons alunos e atléticos”: ambos fazem natação e a rapariga pratica atletismo de corta-mato. Um habitante de Rothley diz que Amelie “parece a Maddie, com feições delicadas e o cabelo louro comprido” e que “Sean parece um pequeno Gerry”. A família nunca lhes escondeu que a irmã desapareceu. Explicaram o sucedido como se de um roubo se tratasse. “A Madeleine pertencia à nossa família e alguém que não tinha o direito levou-a”, contou Kate, em 2013, numa entrevista ao jornal The Telegraph. Se no início as crianças falavam com frequência da irmã, hoje já não o fazem. “Já não falam tanto nela como antes. Mas continuam a angariar dinheiro na escola para apoiar os esforços de a encontrarem”, disse mais tarde ao jornal The Sun. Viagens e relações Apesar da tragédia, a família continua a viver na mesma moradia. “A casa está cheia de fotografias da Maddie e a Kate manteve o quarto dela tal e qual como estava no dia em que ela desapareceu. As portas estão abertas para as crianças brincarem e a Kate vai lá todos os dias para abrir as cortinas e rezar”, conta a mesma fonte. Além disso, a família continua a celebrar o Natal e os aniversários como se a filha continuasse em casa: compram-lhe presentes, que estão guardados, ainda embrulhados, para o caso de um dia ela voltar. Ocasionalmente regressam ao Algarve, em segredo, e por pouco tempo. À imprensa britânica, Kate disse várias vezes que acredita que a filha não estará muito longe do local de onde desapareceu. “É onde

Imagem A fotografia de Madeleine McCann foi reproduzida milhares de vezes. Se estiver viva, a criança fará 14 anos no próximo mês de Maio

KATE MANTEVE O QUARTO DE MADDIE TAL E QUAL COMO ESTAVA NO DIA EM QUE ELA DESAPARECEU

ela esteve pela última vez e não penso que ela tenha sido levada para longe. Sempre disse que a Praia da Luz é o local onde me sinto mais próxima dela”, afirmou também ao The Sun. A família continua a dar-se com alguns dos membros do grupo com quem passava férias no Ocean Club, em 2007. “A Fiona e o David Paine estão entre os seus melhores amigos. Já não vivem aqui mas continuam a encontrar-se. Eles são ambos médicos e têm crianças da mesma idade dos gémeos”, diz uma fonte próxima da família. Com os restantes mantém um contacto esporádico. Ao contrário de Kate, Gerry voltou ao trabalho de médico a tempo inteiro. Vai de bicicleta para o hospital. Especialista em cirurgia cardiovascular, dirige uma equipa que, recentemente, foi responsável pela operação a um ex-jogador do Leicester, Alan Birchenall, que esteve em paragem cardíaca durante sete minutos, e dedica-se à pesquisa nesse ramo. É, aliás, autor de diversos papers publicados nas mais conceituadas revistas da especialidade. Ao contrário do que chegou a ser publicado, uma fonte próxima da família garante à SÁBADO que o casal nunca esteve para se separar. “Eles passaram por algo terrível. O Gerry fecha-se no trabalho e a Kate, hoje em dia, já aparece em público a rir. E ela tem um sotaque de Liverpool que é muito engraçado”, conta. Mas acredita que não terão paz enquanto não souberem o que aconteceu. Tal como Kate descreveu ao The Sun: “É impossível descansar sem saber [o que aconteceu], é um estado permanente, com frequência uma coisa física, um limbo, uma sensação, de não estar em paz.” W 61


Sociedade

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PATRIMÓNIO. HÁ 33 EDIFÍCIOS EM MAIS DE SETE DÉCADAS DE POUSADAS DE PORTUGAL

DORMIRNUMQUAR Uma suíte que foi o gabinete de Salazar ou o melhor sanatório da Península Ibérica. Ainda está 62


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

frase tem 75 anos, tantos quantos as Pousadas de Portugal. “Quando um hóspede deixar de ser tratado pelo nome para ser conhecido pelo número de quarto que ocupa, estaremos completamente desviados do espírito das Pousadas”, costumava dizer António Ferro, escritor, jornalista e político português – para o responsável pela propaganda de Salazar e pela empresa pública que na altura geria as Pousadas, a Enatur, os clientes deviam fazer parte da família. Hugo Murilhas, recepcionista da Pousada Castelo de Palmela, gosta do lema. No dia em que um hóspede caiu de umas escadas no castelo e partiu a cabeça – a História também provoca acidentes, é certo – sabia que a luz vermelha a piscar no telefone não era uma brincadeira de miúdos, até porque vinha do quarto onde estava um inglês com mais de 80 anos. Só não pensou logo que teria de chamar o INEM, “talvez ele estivesse a tentar fazer uma chamada para fora e não conseguisse.” Não era o caso: quando ligou para o quarto, o senhor respondeu-lhe em inglês, “caí, estou ferido”; no dia seguinte, toda a equipa da Pousada foi por turnos ao hospital visitar o homem que tinha vindo em negócios a Portugal. As Pousadas começaram a aparecer com o objectivo de levar o turismo onde ele não existia. Hoje são 33. Algumas, como a de Sagres, foram construídas de raiz, outras adaptaram antigas casas construídas para abrigar o corpo de engenheiros responsável pela construção de barragens (que fi-

j Descansar quase como se estivesse na Idade Média, sem grandes janelas e em quartos “um pouco claustrofóbicos”, é possível em Óbidos

POUSADAS DE PORTUGAL

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O fantasma de Óbidos. Há quem diga que anda sempre pelos corredores. Uma família de brasileiros que ali passou férias diz que o viu, conta Luís Castanheira Lopes

Oprojecto inicial obrigava, em 1942, à construção de sete Pousadas. Elvas, Águeda e Marão foram as primeiras, as outras quatro chegaram até 1948. Em 1956, eram já 10 e em 2001 atingiu-se o número mais alto de sempre: 44

QUANDO UM HÓSPEDE INGLÊS PARTIU A CABEÇA, A EQUIPA DA POUSADA FOI EM TURNOS VISITÁ-LO AO HOSPITAL

cavam desocupadas quando as obras terminavam), outras ainda fizeram-se com a recuperação de edifícios históricos. A Pousada do Infante, em Sagres, por exemplo, tem a funcionária mais antiga do grupo. Eliete dos Santos, 62 anos, 44 de serviço, é filha de um dos operários que construíram o edifício – lembra-se de ir com a mãe levar-lhe uma merenda e de almoçarem os três naquela que viria a ser a sua segunda casa. Na década de 80, “acabou a adaptação de casas dos engenheiros”, conta à SÁBADO Luís Castanheira Lopes, administrador do grupo Pestana Pousadas, “e na década de 90, por imposição legal, deixou de se poder construir Pousadas novas”. A partir daí, só podiam erguer-se em edifícios preexistentes. Para os responsáveis do grupo Pestana, que controla 49% do negócio desde 2003, isso é sinónimo de edifícios com “natureza patrimonial e representativos de determinada época”. E de histórias como as que vai ler a seguir.

1 POUSADA CASTELO DE ÓBIDOS h Desde o reinado de D. Dinis (1279-1325) que se tornou prática comum doar às rainhas a alcáçova do castelo (uma construção árabe), onde hoje se localiza a Pousada de Óbidos. D. Dinis terá doado a vila de Óbidos à mulher, rainha Santa Isabel, depois das núpcias que lá passaram. A próxima doação foi mais uma herança do que outra coisa – depois da morte de D. João II, a sua mulher, a rainha D. Leonor, que viria a ocupar o trono, Q escolheu viver em Óbidos.

TOCOM700ANOS (quase) tudo lá, incluindo as paredes feitas pelo realizador d’A Canção deLisboa. PorInêsEsteves 63


Sociedade

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2 POUSADA DE BEJA h “Olha eu fiz aqui tropa, eu joguei à bola ali em cima, ainda lá estava a laje”, esta foi a frase que o administrador ouviu vinda de trás de si, no dia em que se inaugurou a Pousada de Beja, em 1994. No tecto da igreja, onde agora é a sala de estar, havia uma laje de betão de uma ponta a outra que, no decorrer das obras, foi retirada. “Tínhamos medo de que ao tirar, a parede viesse atrás, mas não. Tirou-se tudo e a parede está lá, direitinha.” Luís Castanheira Lopes conta que “o edifício era um convento franciscano que durante décadas foi utilizado como regimento militar” – em 1859, quando as ordens religiosas masculinas foram extintas, o convento foi adaptado a quartel. A parte de cima da laje, quando o edifício funcionava como regimento militar, era uma espécie de pavilhão desportivo onde se jogava à bola.

3 POUSADA CASTELO DE PALMELA h Hugo Murilhas trabalha há 21 anos nas Pousadas de Portugal, primeiro na de Setúbal, agora em Palmela. Começou quando os clientes eram sobretudo pessoas 64

h Já foi convento, quartel militar e agora é Pousada de Portugal. Em Beja, há suítes com 43m2

POUSADAS DE PORTUGAL

Q A missão das Pousadas é também colocar os visitantes dentro da História. Aqui, neste castelo, há uma suíte, onde só se chega pela muralha exterior, subindo uma escadaria tão inclinada que é preciso ir pé ante pé – “nem sequer dava para pôr um degrau inteiro, é meio degrau a meio degrau e pronto”. Quando se entra no quarto também não há grandes janelões, apenas uma frestazinha de luz, que chega a ser “um pouco claustrofóbica”, mas as pessoas compreendem e até gostam disso – “é uma realidade que vem da Idade Média”, diz o administrador do grupo. Ficar num quarto com 500, 600 ou 700 anos deixa os hóspedes felizes, afirma.

Barragens Houve várias convertidas em Pousadas – Castelo de Bode, Vale do Gaio, Pousada de Santa Clara e Pousada do Gerês aproveitaram edifícios construídos para a realização destas obras

O choque O mobiliário e a decoração são fundamentais para criar o equilíbrio entre o clássico e o moderno. Em Lisboa, são os quadros de Nadir Afonso que “criam um choque”. Há quem critique, “às vezes dizem que nem é carne nem é peixe”, diz Castanheira Lopes

NO CASTELO HÁ UMA SUÍTE ONDE SÓ SE CHEGA PELA MURALHA EXTERIOR E POR UMAS ESCADAS ESTREITAS

O guardião de Setúbal A esplanada e o bar reabriram este ano

Chamavam-lhe sr. Baptista e era o antigo guardião do forte de Setúbal, mais tarde transformado em Pousada – abria e fechava o Forte de S. Filipe, onde agora funciona apenas um bar e esplanada. “Quando a Pousada abriu, o senhor já era velhote, mas manteve algumas funções leves: arranjava o jardim e pouco mais, mas contava histórias antigas. Onde hoje há quartos [por agora fechados, pelo menos até que sejam terminadas as obras de consolidação da encosta], o sr. Baptista lembra-se de criar galinhas e ovelhas.”

rentena em Palmela – podia ter regressado a casa ou ter ficado no hospital. Mas não: “Veio um médico à Pousada porque o senhor estava com gripe e teve de ficar isolado quatro dias no quarto. Por volta da 1h da manhã fui à farmácia buscar-lhe os medicamentos que o médico tinha receitado”, conta. A Pousada de Palmela começou a erguer-se em 1969 no castelo que foi sede da Ordem de Santiago, uma ordem religioso-militar, de origem espanhola, que se expandiu para Portugal ainda no reinado de D. Afonso Henriques – começou a fazer-se notar em maior escala com D. Sancho I (1185-1211), quando fizeram do castelo de Palmela a sua sede e, 3

já com alguma idade, lembra-se de encontrar alguns já sem vida nos quartos – “tinha chegado a hora deles”, diz o recepcionista à SÁBADO. Apesar de todas as mudanças, Hugo ainda gosta de ver as Pousadas como uma espécie de grande família. “Lembro-me de me contarem a história de um casamento que houve aqui. Os funcionários foram comprar, com os seus próprios salários, batatas e carne para que não faltasse nada na mesa.” Ou do norteamericano que, já ele estava na recepção, optou por ficar de qua-


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mais tarde, ajudaram D. Afonso III a conquistar o Algarve. Para alguns visitantes norteamericanos, na descrição de Hugo Murilhas, estar nos quartos onde os monges viviam é uma espécie de Disneylândia. Chegam a duvidar de que os castelos tenham sido construídos por portugueses. Em Setúbal era parecido, garante. “Um dia estava a mostrar os túneis da Pousada de S. Filipe a um grupo de americanos. Aquilo é labiríntico e eles não acreditavam que tudo tivesse sido construído por portugueses, [para eles] tinha de ter sido um americano.” Não há muito tempo, passou por lá uma senhora que quis visitar a sua infância quando, na década de 40, o pai, telegrafista militar do exército, esteve destacado em Palmela e viveu ali, cerca de 15 anos, com toda a família. Foi com

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“filhos, netos, primos” e quis ver fotografias antigas para lhes mostrar como era o castelo naquela altura. Além de Maria Augusta, também o seu irmão, viveu (e no caso dele, nasceu, o parto foi mesmo lá) numa casinha de caseiros, uma das duas que há no castelo, onde agora funciona um restaurante. Ainda hoje, o castelo tem um museu de telecomunicações militares, aberto ao público.

g Os quartos da Pousada dos Loios, em Évora, são as antigas celas dos monges que lá viveram em 1487

MARISA CARDOSO

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g Luís Castanheira Lopes na Pousada de Lisboa, onde se manteve a fachada e a matriz pombalina. Aqui, no Salão Nobre, com tecto e paredes revestidas a ouro

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j Antes de ser Pousada – foi convertido em 1969 –, o castelo de Palmela foi a sede da Ordem de Santiago, por ordem de D. Afonso Henriques

POUSADA DE LISBOA h As Pousadas de Portugal só chegaram Lisboa, mais precisamente ao Terreiro do Paço, em 2015. E logo com uma imponente estátua de D. Nuno Álvares Pereira à entrada; e uma suíte presidencial que em tempos serviu de gabinete a António de Oliveira Salazar, então ministro da Administração Interna – o ministério funcionava naquele edifício. Outro espaço imponente e histórico é o Salão Nobre: de tecto e paredes revestidas a ouro, era ali que se reunia o Conselho de Ministros, numa mesa de 12 metros que agora está no Palácio Nacional de Mafra Na expressão de Luís Castanheira Lopes, é “uma pousada de quarteirão”. De um dos lados, tem a Rua do Arsenal, palco de dois episódios marcantes: o regicídio de D. Carlos, em 1908, e a primeira rendição do 25 de Abril de 1974 entre o brigadeiro Junqueira dos Reis e o coronel Romeiras Júnior. Antes do terramoto de 1755, eram ali que estavam a Casa da Índia, o

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Paço Real e mais alguns edifícios do governo do reino. Com o tremor de terra e a onda gigante, a zona ficou totalmente destruída. Depois disso, foram vários os organismos a passar pelo local – o Corpo da Guarda, o Cartório e Registo Geral e as Juntas da Casa de Bragança, por exemplo. Em 1863, mais uma catástrofe veio abalar a margem do rio: um incêndio destruiu por completo o interior da construção original, o que obrigou a muitas alterações, entre elas, à separação do mesmo entre dois quarteirões. Hoje, ainda é de matriz pombalina, mas muito remodelada. No entanto, nada mudou na fachada e na escadaria principal.

5 LOIOS h As dimensões não são as ideais para exploração hoteleira, são as possíveis. As antigas celas de monges, agora transformadas em quartos, têm entre 10 a 12 metros quadrados, não mais. “Havia duas soluções”, explica Luís Castanheira Lopes: “Não aproveitar as celas ou aproveitar e levar as pessoas a perceber que o espaço é aquele e não pode ser outro. Se mandarmos a parede abaixo estamos a dar cabo do património, a adulterar aquilo que as gerações anteriores nos deixaram.” A aposta não correu mal: apesar de ser a mais difícil de explorar, a Pousada de Évora é também a mais procurada das 33. E é uma das oito que o grupo tem no Alentejo. De entre as restantes, destaca-se o Mosteiro da Flor da Rosa, no Crato – onde pode ter nascido D. Nuno Álvares Pereira, cujo local de nascimento continua sem ser certo, apesar de haver um local mais provável: Cernache do Bonjardim. “Eu não estive lá, mas acredito que seja esta [Mosteiro da Flor da Rosa] a versão real (risos)”, brinca Luís Castanheira Lopes. Tanto o administrador como Isabel Guerreiro, que gere as Pousadas do Alentejo, explicam que é ali que está [e esta informação não é contestá- Q 65


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Sociedade

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vido um nome famoso. Nos anos 20, o sanatório foi encomendado pela CP a Cottinelli Telmo, realizador de um dos primeiros filmes falados portugueses, A Canção de Lisboa. “Se for ver está lá Cottinelli Telmo, é o mesmo. Não é o filho, nem o tio, nem o primo com o mesmo nome, é a mesma pessoa”, conta o administrador do grupo Pestana Pousadas. As remodelações de Souto Moura fizeram-se apenas por dentro, mantendo a fachada intacta: até se acrescentou uma recepção na parte de trás do edifício, e não à frente, “para respeitar o escadório inicial”. O objectivo era dar vida a um edifício completamente “decrépito, estava tudo, tudo partido”.

Na Pousada da Serra da Estrela a recepção foi feita na parte de trás do edifício, para se manter a fachada intacta

POUSADAS DE PORTUGAL

i A pousada no castelo do Alvito (do séc. XV) foi inaugurada por Cavaco Silva no meio de uma manifestação de mineiros

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Q vel] “o quarto de D. Nuno Álvaro Pereira, pai de D. Nuno Álvares Pereira, naquela altura prior do Crato” – todo em pedra, com uma cama de cabeceira alta e imponente, de madeira escura, mas com um conjunto de cadeiras de design contemporâneo.

POUSADAS DE PORTUGAL

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6 SERRA DA ESTRELA h O piso térreo, onde antes funcionavam a morgue e os laboratórios de análises, tem agora uma piscina interior e spa com banho turco e quartos de massagem. Os tempos do Sanatório das Penhas

Ostempos dosanatório Melhor do que Espanha

Osdoentes ficavam em média oito meses no Sanatório das Penhas da Saúde, onde mais de cem pessoas morreram entre 1953 e 1967. Os que conseguiam sair podiam voltar a casa com várias observações diferentes no relatório clínico: melhorado, piorado ou estacionário. Durante a inauguração, em 1944, anunciou-se o sanatório como o melhor da Península Ibérica. Roupas, comida, tudo o que não se podia aproveitar ou que implicava risco de contágio era queimado num formo crematório ali mesmo, no hospital da serra da Estrela.

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de Saúde, onde a tuberculose se tratava a 1.300 metros de altitude, em alas distintas segundo a classe social, acabaram em 1970, mas nem tudo desapareceu com o fim do sanatório e dos já então modernos elevadores que levavam roupa e comida até aos quartos – para evitar o contágio entre doentes. “Ainda temos a chamada varanda da cura, para onde as pessoas iam conversar depois dos tratamentos”, diz Castanheira Lopes. Antes de ser Pousada, o edifício ainda acolheu retornados das ex-colónias, que chegaram ali em 1976, de comboio, no meio de um nevão que os deixaria (pensavam eles) num hotel da Covilhã – e não ali, num antigo hospital isolado, que mudou de nome para os acolher: chamava-se, na altura, Abrigo dos Hermínios. Só de Angola chegaram, nesse ano, cerca de 800 pessoas. A construção da pousada, com reformulação a cargo do arquitecto Souto Moura, já tinha envol-

Tapeçarias Para celebrar os 75 anos, as Pousadas vão fazer uma exposição de tapeçarias portuguesas. Uma delas virá de Portalegre e é baseada num desenho de Almada Negreiros

A POUSADA DA SERRA DA ESTRELA ACOLHEU 800 RETORNADOS QUANDO SE CHAMAVA ABRIGO DOS HERMÍNIOS

ALVITO h “Fora! Vai-te embora!” eram os gritos dos manifestantes que se faziam ouvir à porta da Pousada do Alvito a 26 de Setembro de 1993 (data da inauguração), época de crise e do aumento do desemprego, e de Cavaco Silva na liderança do governo. No dia da inauguração, quando o primeiro-ministro chegou, tinha uma manifestação à porta. “Eram mineiros de Aljustrel a assobiar, a fazer barulho, a contestar” – reclamavam a reabertura das minas. Lá dentro, durante a cerimónia, o barulho não deixou de se fazer ouvir. “A certa altura o governador civil veio cá fora para o pé dos manifestantes e disse ‘Vocês estão aqui a manifestar-se, hoje é dia de festa, não tinham nada de vir fazer esta manifestação aqui à porta da Pousada. Olhem, sabem uma coisa? Venham mas é todos lanchar!’ e a malta arrumou as bandeiras e foi lanchar”, momentos depois já ninguém se lembrava da manifestação, estavam todos juntos a celebrar com o primeiro-ministro. “Estava calor... Havia ali um branquinho fresquinho, as pessoas queriam lá saber da manifestação.” W Com Ana Taborda


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APRESENTAÇÃO

CATARINA FURTADO DESFILE

PEDRO TEIXEIRA DÂNIA NETO BÁRBARA LOURENÇO FRANCISCA PEREZ

O SÁBAD 0 21H3

MANEQUINS BEST MODELS

ANIMAÇÃO MUSICAL

D.A.M.A.

MANUEL SERRÃO

COM PARTICIPAÇÃO

APOIO

palaciodogelo.pt


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Sociedade

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SARAMPO. CRÓNICA DA EPIDEMIA DE 1989

O SURTO QUE FEZ 30 MORTOS Em Viseu, nas missas, os padres andam a falar da vacina. É Inverno e Lisboa está um verdadeiro caos. Por Raquel Lito

lerta sarampo: médicos e enfermeiros pediátricos de Lisboa não têm mãos a medir naquele Inverno de 1989 – o mais negro dos últimos 20 anos no que diz respeito à doença. Ao hospital público das crianças, o Dona Estefânia, não param de chegar casos de miúdos com manchas avermelhadas. O alarme social à volta de uma das infecções virais mais contagiosas e a corrida dos pais às urgências levam a direcção hospitalar a tomar medidas rápidas: a sala do serviço de cirurgia pediátrica, sob a alçada do conceituado médico António Gentil Mar-

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1 Em 1989, a Direcção-Geral de Saúde regista 12 mil casos da doença. Até na Igreja se vacinavam crianças

SÓ EM LISBOA, 200 CRIANÇAS FORAM PARA O HOSPITAL COM A DOENÇA

tins, transforma-se numa enfermaria especial para tratar do surto, que atinge sobretudo a área de Lisboa. Os indicadores do hospital têm 176 registos de internamento por sarampo de Outubro de 1988 a Fevereiro de 1989. “Não havia os recursos de isolamento (para evitar contágio) que há hoje”, afirma à SÁBADO o pediatra João Videira Amaral, do Dona Estefânia. Neste hospital, no passado dia 19, morreu uma rapariga de 17 anos que lá estava internada. Os números da Direcção-Geral de Saúde de segunda-feira, 24, data de fecho da SÁBADO, indicavam 24 casos con-

firmados e 12 em investigação. Em 1988/89 não há smartphones nem wikipédias que valham aos utentes desconfiados. O que o médico diz é lei; e o que as equipas de vacinação pedem é cumprido sem que os pais argumentem com pseudocontra-indicações encontradas num qualquer site. Os registos hospitalares arquivam-se em gavetões metálicos, por isso obter dados numéricos constantemente actualizados sobre a doença é virtualmente impossível para os jornalistas. “Surto do sarampo em Lisboa leva 200 crianças ao hospital – admitida a existência de casos mortais”, lê-se na manchete do Diário de Notícias de 4 de Fevereiro de 1989. A informação sobre as situações mais críticas sai às prestações, por vezes é contraditória e evasiva e sem nomear mortes. Nesse dia, o director do banco de urgências do hospital pediátrico, Luís Espinosa, tenta controlar um potencial pânico social e evita falar das situações-limite. “Quanto ao número de vítimas e mortes registadas há uma legislação que me proíbe de falar, pois só a administração hospitalar o poderá fazer”, diz ao Diário de Notícias. Mas, mais adiante, na mesma notícia de primeira página, uma “fonte digna de


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crédito” do Hospital de Santa Maria revela que em Janeiro desse ano se registou a morte de uma criança no estabelecimento onde trabalha e de pelo menos duas no Dona Estefânia. A estimativa é por defeito, como virá a admitir posteriormente a ministra da Saúde. Leonor Beleza começa por negar a epidemia, numa entrevista à rádio a 5 de Fevereiro. No dia seguinte, os profissionais de saúde desmentem-na. Sim, há razões para alarme e o volume de trabalho em Santa Maria é sintomático. As queixas surgem nos jornais: “Somos só duas e há muitas crianças para atender. Há uma grande epidemia.” Amén do bispo para vacinar O pediatra Gomes Pedro recorda à SÁBADO as enchentes às urgências de Santa Maria. “A entrada de doentes [neste serviço] quase que tripli-

2 O pediatra José Marques Neves recorda que iam às escolas e vacinavam toda a gente. “Agora houve um retrocesso”, confessa 2

A MINISTRA DA SAÚDE NA ALTURA, LEONOR BELEZA, COMEÇA POR NEGAR A EPIDEMIA

cou nesse período de epidemia global. Nós tivemos dois tipos de intervenção, uma com as famílias, quando as crianças vinham às consultas havia sempre um clínico que tinha obrigação de ver se o calendário vacinal estava correcto ou se estavam em falta algumas vacinas. Era muito importante a intervenção preventiva e a consciência parental.”

A tutela não tardará a mudar de discurso. Em vez de relativizar os números de sarampo – como fizera dias antes, alegando que tinham a mesma expressão de anos anteriores –, emite um comunicado no dia 10 onde confirma que há um surto epidémico e que a situação não está controlada. No Norte, a Igreja tem uma palavra a dizer. José Marques Neves dirige a Autoridade Sanitária de Viseu e as equipas que andam no terreno a administrar a vacina contra o sarampo. “Em 1987 ninguém questionava o valor e a eficácia da vacinação. Íamos às escolas e vacinávamos sem problemas. Agora o utente vai à Internet pesquisar a doença e questiona o nosso diagnóstico, houve um retrocesso e começamos a ter bolsas de população não vacinadas”, diz à SÁBADO o médico, hoje Q com 65 anos e reformado. PUB

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Sociedade

Vacinação estrada fora Os bebés choram e berram, em reacção à injecção, mas tem de ser. Maria Teresa Cunha Santos, enfermeira no centro de saúde de Viseu, desde 1974 e hoje com 64 anos e aposentada, explica à SÁBADO que o procedimento muda consoante

h Gomes Pedro recorda que nas consultas tinham sempre um clínico que via se as vacinas estavam em dia ou em falta. Durante o surto, a entrada de doentes em Santa Maria triplicou

Surtos Em 2010 e 2012 houve dois pequenos surtos, de 4 casos cada um. Nos anos anteriores houve casos esporádicos: por exemplo, em 2009 surgiram dois, e em 2005 seis casos. Não houve mortes registadas

Sinais a ter em conta Erupção napele surge 3 a5 dias depois de se contrairsarampo

Transmissão Pessoa a pessoa e por contacto directo com secreções nasais

Incubação Cerca de 10 dias Contágio São quatro dias antes e até quatro dias depois do início do exantema (vermelhidão) Sintomas Febre, congestão nasal, irritação na garganta, tosse seca e vermelhidão dos olhos

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O MÉDICO RECORDA QUE TRABALHAVAM AOS DOMINGOS PORQUE O LEMA ERA: “TODO O MOMENTO É BOM PARA VACINAR”

GLOBAL NOTÍCIAS

Q Na década de 80, a Igreja é um forte aliado dos médicos, e isso sente-se em Viseu em 1987. “Primeiro tínhamos de falar com o bispo que dava o agreement, depois pedíamos aos párocos para levarmos uma equipa de vacinação à casa paroquial.” A chegada da equipa é anunciada na homilia da missa dominical. A Igreja lotada de crentes revela-se um meio de transmissão eficaz para informar sobre medidas de saúde pública. “O que implicava termos de catequizar primeiro o padre sobre como era importante a vacinação e outras actividades como o planeamento familiar”, recorda o médico. Para José Marques Neves, foram tempos de espírito de missão, a trabalhar aos domingos, quando necessário. “O nosso lema era: ‘Todo o momento é bom para vacinar.’ Não esperávamos que as pessoas viessem aos centros de saúde. Íamos às igrejas, juntas de freguesia, etc.”

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as idades: “Nos bebés, a vacina era administrada na nádega; com mais idade, no braço, por causa do músculo.” Na altura do surto do fim dos anos 80, Maria Teresa Santos, mãe de duas crianças, acaba por só vacinar a mais velha porque a mais nova teve sarampo com 1 ano e ficou imune à doença. Mas não se cansa de fazer campanha pela vacinação, de pedir apoio a párocos e professores, e de colar avisos de campanha em locais estratégicos (na Junta de Freguesia, por exemplo). Mesmo em períodos de férias escolares, a equipa continua a ir às escolas para vacinar os alunos. “As mães acompanhavam as crianças da localidade e fazíamos a vacinação na zona do alpendre.” Estrada fora, por vezes atravessando caminhos de cabras, Maria Teresa Santos conduz a velhinha Renault 4L – um dos carros de serviço do centro de saúde – para le-

var a vacina do sarampo a todas as localidades. Não há pagamento de horas extraordinárias, também não há desmotivação. “Não andávamos a contabilizar o tempo porque achávamos que era nossa obrigação vacinar.” Uma colega, Maria Amélia Saraiva, tem orgulho no trabalho feito em Viseu: “Foi pioneiro num método de vacinação.” Um administrativo do centro de saúde recolhe com frequência os dados dos nascimentos. Se os pais não levarem os recém-nascidos ao centro no prazo de 28 dias, a enfermeira senta-se ao volante da 4L e continua a campanha de saúde pública. Vai a casa do utente. Seja onde for. Desse ano de 1989, além das memórias pessoais, fica a estatística, até agora nunca repetida: a Direcção-Geral de Saúde regista 12 mil casos e 30 mortes. W Com DinaArsénio


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Sociedade

LÍDIA MUÑOZ. ACTRIZ PREPARA REGRESSO

QUEM É O TELEPONTO DE EUNICE? Nas gravações da novela A Impostora, lia as falas da avó, que as reproduzia depois de ouvir no auricular. Por AndréRitoeRaquelLito

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h Lídia Muñoz, 28 anos, fotografada na semana passada na praia de Carcavelos. A actriz dá aulas nos Salesianos

MICAELA NETO

método de representação parecia confuso, mas revelava-se eficaz com um discreto auxiliar de memória – um upgrade à figura do ponto do teatro, criada no século XVIII e que, fora de cena, sussurrava as falas aos actores. Nos bastidores da novela A Impostora, a passar na TVI, a neta conhecia-lhe as pausas e as respirações (os tempos, no jargão do meio) e ditava-lhe o texto em conformidade, enquanto a avó o interpretava a partir de um auricular fixado ao ouvido. Duas gerações de actrizes, com apelido Munõz e seis décadas de diferença, remavam para o mesmo lado – combatendo a impossibilidade de Eunice decorar o guião, dada a idade (88 anos) e a saúde fragilizada após uma cirurgia cardíaca e um tumor na tiróide. Três vezes por semana, a partir das 8h e até meio da tarde, a actriz com mais de 70 anos de carreira fazia de matriarca Pureza e contava com o apoio da sucessora – sim, porque a neta, de 28 anos, cresceu nos camarins dos teatros e também reforçou o elenco de A Impostora, cujas gravações terminaram em Agosto passado. A parte referente ao auricular – truque usado por vários actores de televisão – é apenas um pormenor técnico. “A minha avó é extraordinária. Aquele sistema [do auricular] obrigava-a a fazer vários processos em simultâneo: a ouvir, a dizer

A avó Na casa de Eunice Muñoz vivem, além dela e da neta, quatro gatos e uma cadela. Em 2015, a consagrada actriz recebeu o Prémio Carreira

“A AVÓ É SEMPRE CRÍTICA EM RELAÇÃO AO MEU TRABALHO. MAS QUANDO ELA ESTÁ SEI QUE VAI CORRER BEM”

e a interpretar para as câmaras”, explica à SÁBADO a actriz Lídia Muñoz, sentada no paredão da praia de Carcavelos. Os ensaios eram em casa da avó, onde ambas vivem há cinco anos. “Normalmente recebíamos os textos da semana seguinte com alguns dias de antecedência.” Lídia sempre admirou Eunice, considera-a a melhor avó do mundo, falam sobre tudo, fazem as refeições juntas (ainda que nenhuma delas seja um ás da cozinha, normalmente preferem ir comer fora) e gostam de ir ao cinema. Sendo a única actriz entre os oito netos – foi aluna do encenador Carlos Avillez na Escola Profissional de Teatro de Cascais e fez o Conservatório –, conhece a “sín-

drome dos artistas” a que a avó se referiu numa entrevista recente à TVGuia. No léxico de Eunice, isso quer dizer que gosta de viver sozinha em introspecção, na companhia dos gatos e do televisor. Mas em Maio de 2012, quando se preparava para contracenar com a neta na peça O Comboio da Madrugada, do dramaturgo Tennessee Williams, teve de reequacionar a autonomia. Num ensaio começou por sentir tonturas, dirigiu-se aos bastidores para medir a tensão e caiu das escadas. Da queda resultaram múltiplas fracturas (nos punhos, na coluna cervical, na cabeça), um hematoma no olho esquerdo e dentes partidos. Foi por esta altura que Lídia se mudou para a casa da avó. “Foi uma época


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Em Setembro, Eunice e Lídia Muñoz apresentam ReiLear

Lídia Muñoz estudou na Escola Superior de Teatro e Cinema e, além de várias peças, surgiu em projectos no cinema e na televisão. Foi protagonista da curta-metragem De Onde Vêm os Pássaros da Cidade. Em Setembro, vai subir ao palco com a avó para um clássico: o Rei Lear, de William Shakespeare, encenado por Bruno Bravo no Teatro Nacional D. Maria II.

3 MAIO COLISEU LISBOA 4 MAIO COLISEU PORTO

26 JUN JUNHO LISBOA LISBO MEO ARENA ARE

/AEROSMITH

complicada e decidi dar-lhe auxílio. Entretanto, ficou bem mas acabei por ficar a viver com ela. É uma pessoa muito generosa, aprendo imenso.” Retomará a aprendizagem dos palcos em Setembro, quando contracenar com a avó (ver caixa). “Tu noteatro?Éstímida” Ser actriz não foi uma decisão pacífica para Lídia, que gostava de teatro mas duvidava da vocação. “Nas peças escolares, daquelas horríveis em que os miúdos fazem tudo o que lhes mandam, bloqueava. Foi estranho para o meu pai quando lhe disse [no 9º ano] que ia estudar teatro. ‘Tu? Tímida como és?’” Para alguém que passara a infância a ver as peças na parte lateral do palco e a conviver com os nomes maiores das artes, parecia o passo mais natural. Mas a responsabilidade do apelido intimidava-a, a ponto de ponderar não o usar. Conta que a avó ficou “chateada”. “O nome é pesado, difícil e muitas vezes injusto, mas fico muito orgulhosa quando me dizem que sou parecida com ela.” A avó ajuda-a, faz questão de ir ver todos os seus espectáculos e repete-os vezes sem conta, mas sem perder o sentido crítico. “Sempre procurei muito os conselhos dela, mas nunca se impôs. Se acha que alguma coisa não está bem, diz-me o que tenho de melhorar. Quando ela está, sei que vai correr sempre tudo bem.” W

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Sociedade

CORRIDAS. ANTIGO ATLETA INVESTIGA RESULTADOS ESTRANHOS

O DETECTIVE DASMARATONAS Derek Murphy dedica-se a apanhar os maratonistas que falsificam os tempos. Tem um blogue onde publica as suas investigações e já desmascarou 250 batoteiros. Por Lucília Galha

dica era anónima, mas a história intrigou-o: “Investigue, a fraude é bastante óbvia”, dizia o email, que acrescentava alguns detalhes: “Basta reparar num pormenor: ela foi mais rápida na segunda parte da corrida e estavam 29 graus na Flórida nesse dia.” A mensagem descrevia o feito conseguido por Jane Seo, uma blogger de cozinha nova-iorquina que atingira o segundo lugar na meia maratona A1A de Fort Lauderdale – que se realizou a 17 de Fevereiro na Flórida, Estados Unidos. De acordo com os resultados, a maratonista teria feito uma média de 7 minutos e 9 segundos por quilómetro nos primeiros 10 quilómetros da prova e conseguido acelerar na segunda parte da corrida, para um ritmo de 5 minutos e 25 segundos por quilómetro (o que é extremamente improvável, devido à exaustão). A suspeita tornou-se ainda mais forte já que o próprio juiz da prova, que no total tem 21,1 quilómetros, tinha ficado desconfiado e confrontou a atleta logo no fim da corrida – Jane mentiu, afirmando não ter feito batota, e subiu ao pódio para receber o prémio. Derek Murphy, uma espécie de detective independente de maratonas, decidiu investigar e rapidamente percebeu que Jane Seo encurtara cerca de 2,4 quilóme-

A

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g Pistas de fraudes Tempos estranhos, quando um atleta é demasiado rápido a terminar, tendo em conta o seu histórico, ou saltar postos de checkpointpodem indicar irregularidades

MURPHY DESCOBRIU A FRAUDE COM UM ZOOM AO RELÓGIO DA ATLETA, QUE TINHA O TEMPO VERDADEIRO DA PROVA

tros à corrida, recorrendo a uma bicicleta. O que acabou por servir para desqualificar a maratonista. Mas melhor do que a descoberta de Murphy foi a forma como ele conseguiu desmascarar a fraude. Primeiro, começou por verificar os posts da blogger numa aplicação que os atletas usam para colocar os seus tempos, e reparou que Seo tinha feito as entradas

manualmente (tempo, distância e ritmo) – em vez de deixar que o GPS as calculasse automaticamente. Estranhou: os tempos eram mais consistentes com um percurso de bicicleta do que com os de uma corrida. Contudo, a derradeira prova da fraude foi a fotografia em que Jane Seo exibe a medalha. Razão: a atleta tinha um relógio no pulso esquerdo com o tempo (verdadeiro) que demorou a completar a maratona. Detective de maratonas nos tempos livres, Derek Murphy, 46 anos, dedica-se, há cerca de ano e meio, a descobrir esquemas fraudulentos como este. Estima já ter desmascarado mais de 250 atletas – 100 dos quais que entraram ilegalmente na Maratona de Boston (que exige uma prova de qualificação). Tem um blogue onde publica o resultado das suas investigações, chamado Marathon Investigation, e que mantém a partir da sua casa em Lebanon, Ohio. “Foi a história mais incrível com que me deparei até hoje. Mais impressionante do que a fraude foi a forma como ela a tentou encobrir, percorreu parte do percurso de bicicleta e usou um relógio com GPS para parecer que tinha feito tudo. Esqueceu-se de apagar o verdadeiro registo e através de um zoom à fotografia provei que ela fez batota”, diz à SÁBADO.


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

Rosie Ruiz

corridas. Planeia agora voltar a correr no próximo Inverno, revela. Apesar de ter deixado de praticar, continuou sempre a interessar-se pelas provas e a preocupar-se com a integridade do desporto. “Entendo quanto um atleta tem de trabalhar para terminar uma maratona, por isso parece-me errado que as pessoas sigam por atalhos para o conseguir”, disse ao New York Post.

tornou-se a primeira mulher a terminar a Maratona de Boston. Descobriu-se, depois, que não tinha feito toda a corrida – uma testemunha viu-a no metro, durante parte do tempo da prova

O pai batoteiro que o inspirou Derek aproveita o fim do dia, quando os filhos já estão a dormir, para se dedicar a este hobby, que está a ganhar cada vez mais dimensão: recebe com frequência emails a reportar situações fraudulentas e sente-se na obrigação de as investigar. O que o inspirou a começar este trabalho foi a história de um pai maratonista que entrou de forma Q fraudulenta na Maratona de

1980

Derek trabalha actualmente como analista de negócios, mas conhece bem o ambiente das maratonas: o antigo atleta participou

em 10 provas em três anos e meio. Em 2009, quando a sua primeira filha nasceu (hoje tem dois), as suas prioridades mudaram e deixou as

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Sociedade

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Q Boston. Mike Rossi, o atleta em causa, ganhou notoriedade depois de ser criticado por ter levado os filhos à maratona e de, para isso, os ter deixado faltar à escola. Rossi escreveu, no Facebook, uma mensagem ao director da instituição argumentando que os filhos tinham aprendido mais nesses cinco dias em Boston do que na escola durante todo o ano lectivo. A história atraiu a atenção dos organizadores da prova, que foram investigar novamente os seus tempos e descobriram que tinha feito batota. “Fiquei com curiosidade de saber quantas mais pessoas fariam o mesmo que ele em maratonas. E, com o tempo, comecei a dedicar-me sobretudo àquelas pessoas que aldrabam para entrar na Maratona de Boston”, conta Derek Murphy à SÁBADO. O analista calcula que 2% a 3% dos maratonistas qualificados para correr em Boston em 2015 e em 2016 tenham chegado à meta de forma fraudulenta. Ajuda a recuperar medalhas O seu principal instrumento de trabalho é o computador em que analisa tabelas com os resultados das corridas e procura irregularidades. Tais como tempos estranhos (quando os atletas são muito rápidos a completar a corrida, por exemplo), ou postos de checkpoint em falta. Ao longo do percurso da maioria das maratonas existem sensores que permitem calcular os tempos dos atletas – cada maratonista tem um chip, que pode ser usado ou nos dorsais (com os números) ou nos ata-

Derek Murphy ao computador, em casa, onde investiga as fraudes cometidas nas maratonas

NEM TODA A GENTE GOSTA DO SEU TRABALHO: MURPHY JÁ RECEBEU AMEAÇAS DE ATLETAS ZANGADOS

O prestígio das corridas é a principal razão da fraude

Existem maratonistas que começam e terminam a corrida, mas que não correm todos os quilómetros do percurso. Outro esquema muito usado

1,3

é dar ou vender o dorsal com o número e o chip a um atleta mais rápido.

milmilhões de euros é quanto vale a indústria das maratonas nos Estados Unidos

APROVEITA O TEMPO EM QUE OS FILHOS ESTÃO A DORMIR PARA SE DEDICAR A APANHAR OS BATOTEIROS j O analista ao lado de um colega numa das suas últimas maratonas, em 2008 – a Flying Pig Half Marathon

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Os batoteiros-tipo

Os principais motivos que levam um atleta a falsear os tempos são a exposição mediática e o prestígio de entrar numa maratona como a de Boston.

cadores. “Procuro pessoas que correram aquela prova claramente mais rápido do que em corridas anteriores. Também procuro pistas nas provas das corridas”, diz o analista. Embora varie consoante a informação disponível, Derek Murphy consegue desmascarar um batoteiro em cerca de 30 minutos. Depois, envia um email aos responsáveis pela corrida com o link do blogue onde denunciou a fraude.

Nem toda a gente gosta do seu trabalho e o antigo maratonista admite até já ter recebido ameaças. Antes do atentado na Maratona de Boston, em 2013, havia muitos maratonistas que cortavam a meta sem terem comprado um dorsal. Um destes falsos atletas não gostou de ser desmascarado e ameaçou o analista: enviou-lhe uma carta para casa a dizer que lhe iria entregar as medalhas que tinha conseguido. Mas nem sempre as suas investigações terminam com atletas desqualificados. Também já aconteceu ter ajudado um maratonista a recuperar a medalha. Foi o caso de Ryan Lee, que no ano passado completou a Maratona de Londres em 4 horas e 13 minutos, e que logo a seguir foi desqualificado por faltar o registo num posto de checkpoint. A organização considerou que ele não tinha feito todo o percurso, até porque o maratonista tinha sido demasiado rápido. Derek Murphy usou as fotografias da corrida para provar que Lee tinha, na verdade, iniciado a maratona mais cedo do que os organizadores tinham registado e que a tinha feito cerca de 15 minutos mais devagar. Apresentou essas provas e a organização pediu desculpa ao atleta. W


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Um xerpa numa missão em 2010. O Governo do Nepal estima que haja 50 toneladas de lixo acumulado

HIMALAIAS. MILHARES DE VISITANTES DEIXAM UMA MARCA NEGRA

MISSÃO: LIMPAR O TECTO DO MUNDO No Evereste, e nos picos com mais de oito mil metros, o lixo é um problema cada vez maior – e que motiva expedições de limpeza. PorBrunoFariaLopes

que são os homens para as pedras e as montanhas?”, pergunta a Lizzy de Jane Austen, em Orgulho e Preconceito. A resposta hoje seria pouco romântica: para as montanhas, em particular as mais altas, os homens significam lixo. Só no Evereste, o Governo do Nepal estima que estejam acumuladas 50 toneladas, o que inclui cerca de 200 cadáveres e várias partes de corpos. “A ideia de pureza das montanhas era verdadeira até ao início do século passado, mas as primeiras expedições em meados do século XX mudaram as coisas e hoje essa ideia não tem qualquer fundamento”, afirma Pedro Cuiça, director técnico de montanha da Federação de Campismo e Montanhismo de Portugal. O problema existe sobretudo nas montanhas com mais de oito mil metros – os desafios que atraem mais pessoas – e já levou à partida de “várias expedições de limpeza de montanhas”, conta.

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HÁ BOTIJAS DE OXIGÉNIO, LATAS, PILHAS, ROUPA, EXCREMENTOS – E CADÁVERES E PARTES DE CORPOS

Operação Um corpo congelado pesa 150 quilos – para ser levado de helicóptero tem de deslizar até uma cota mais baixa

Lixo chega ao Árctico Plásticos que viajam do Atlântico Norte

Nas águas geladas do Árctico, um navio de investigação espanhol recolheu, em 2013, uma grande quantidade de fragmentos de plástico. As conclusões da expedição, publicadas esta semana na revista Science Advances, apontam que a maior parte do lixo viajou das costas do Atlântico Norte: EUA, Escandinávia e Reino Unido.

As mais recentes arrancaram nas últimas semanas. A maior, chamada Everest Green 2017, começou no início deste mês e é liderada pela associação francesa Montagne & Partage. O objectivo é limpar as encostas do

campo-base, situado aos 5.535 metros de altitude, até aos 7.900 metros. No fim de Março, o Governo nepalês lançou outra expedição de limpeza – a cada xerpa ou alpinista foi entregue um saco de 80 quilos. No ano passado, uma operação chamada Clean Everest retirou 500 quilos de detritos. Em 2013, a International Eco Everest apanhou 13 toneladas, segundo o El Mundo. Uma lixeira eum cemitério A maior parte do lixo são botijas de oxigénio, cordas, tendas, pilhas, latas de conserva, roupa e plásticos – restos de milhares de tentativas de subida. Os quilos de excrementos humanos acumulados são outro problema ambiental por resolver. Depois, há os mortos. São mais de 200 espalhados pela montanha, segundo o Washington Post. Uma avalanche em 2014 e o sismo de 2015 fizeram muitas vítimas, mas a maior parte são corpos de alpinistas. O mais icónico é o de Green Boots (botas verdes), nome dado a um cadáver não identificado oficialmente, mas que se supõe ser do alpinista indiano Tsewang Paljor, que morreu em 1996 no Evereste, com 28 anos. Todas as pessoas que subiram pelo lado norte em busca de glória passaram pelo corpo aninhado sob a concavidade de uma rocha, casaco vestido, braços puxados para a cara para proteger do frio, botas verdes calçadas. O corpo foi removido em 2014. As operações de remoção de corpos costumam demorar – são arriscadas e o preço é tipicamente elevado, podendo custar entre 25 mil e 65 mil euros, segundo o Washington Post. O alpinista João Garcia apontou, numa entrevista ao jornal i em 2014, que a maior parte do lixo é de expedições entre os anos 60 e 90, “altura em que não havia uma consciência ambiental tão vincada”. Pedro Cuiça, que não vê estes problemas na Europa, junta um problema actual nestes picos: a massificação de um turismo que não partilha a cultura de montanhismo. Cerca de 600 pessoas subiram o Evereste em 2016 – fora os milhares que se fixam no campo-base – número que deve aumentar este ano. W 77


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TENDÊNCIA. SER SOLIDÁRIO PODE IMPLICAR POUCO TEMPO

QUANTOS PÁSSAROS ESTÃO AQUI? Contar aves, tirar fotografias ao monstro do lago Ness ou até fazer selfiesem casa, de pijama. Chama-se microvoluntariado e quer pô-lo a ajudar os outros em qualquer lado. PorDinaArsénio

magine que fazia um questionário online e que por cada resposta certa ajudava a entregar 10 grãos de arroz a pessoas carenciadas? Parece fácil, certo? E é. A ideia chama-se microvoluntariado e veio revolucionar a forma como pode ajudar várias causas, seja no caminho para casa, no metro, na escola e até em casa, de pijama – sim, também é possível. O que o microvoluntariado quer, no fundo, é acabar com as desculpas de “ah, tenho pouco tempo, não consigo ir aí”. Até pode já ter feito microvoluntariado sem se aperceber. Além dos questionários, há mais actividades em que pode inscreverse. Bastam umas pequenas acções no telemóvel ou no computador para salvar animais em perigo ou ajudar um sem-abrigo, por exemplo. Suzanne Fletcher, 43 anos, coordenadora de eventos de caridade, aderiu há uns anos, quando procurava oportunidades de voluntariado online. “É uma superideia, que mais pessoas devem tentar e descobrir se está disponível na sua área, porque beneficia várias pessoas e instituições”, diz à SÁBADO. Ela faz pequenas tarefas em casa, “a mais recente foi organizar um evento de música – que durou todo o dia – para angariar fundos para o abrigo de autocarros de Milton Keynes [Inglaterra]”. O objectivo é conseguir criar, com as receitas deste evento, um abrigo móvel para emergências com sem-abrigo. Conseguiu em pouco tempo 83 apoiantes e recolheu 2 mil euros. Uma das ideias mais criativas é a do Monstro do Lago Ness, a criatura conhecida por Nessie e alegadamente vista na Escócia. Para tentar desvendar o mistério foi criada uma plataforma com uma câmara apontada para o lago. O objectivo é obter um instantâneo se uma figura estranha, 78

ISTOCK

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g O Reino Unido é dos países com mais plataformas dedicadas ao microvoluntariado

Onde pode ajudar? O siteHelp From Home ajuda-o aencontrarestas plataformas

América do Norte Tem 22 plataformas, a maior parte sites feitos a partir dos Estados Unidos. Portugal Ainda não aderiu.

70 plataformas

O local mais próximo é a CrowdCrafting, em Madrid.

de microvoluntariado espalhadas por todo o mundo, e que pode usar a partir de qualquer lado

Ásia Há três países com plataformas neste continente: Índia, Malásia e Japão (com duas).

PODE INSCREVER-SE PARA TIRAR FOTOS AO MONSTRO DO LAGO NESS

Oceânia Tem duas na Austrália (Goo Volunteer e Cause Corps) e uma na Nova Zelândia (Seek Volunteer).

em forma de serpente, de repente aparecer – e enviar para os investigadores analisarem. É grátis, fácil e não precisa de registo no site - basta ir lá a qualquer hora do dia, carregar na câmara (disponível 24 horas) e espe-

rar ter a sorte de captar o “monstro”. A maior parte do microvoluntariado é feito por jovens do Reino Unido, mas a tendência, que ainda não chegou a Portugal, está a espalhar-se pelo mundo (ver caixa). Tirarselfies também ajuda O projecto Help From Home (em português, ajuda a partir de casa), é um dos mais conhecidos sites de microvoluntariado. Criado em Cardiff, no Reino Unido, tem já 2.189 acções completas e um vasto leque de temas, que até podem implicar passar 10 minutos a observar e a contar pássaros para ajudar a salvar uma espécie, por exemplo. As actividades podem demorar entre 30 segundos a meia hora, e a maior parte não precisa de especialização. Há tarefas para os fanáticos do telemóvel, que podem enviar fotografias e selfies e, com isso, doar euros; puzzles com perguntas sobre cancro; e até actividades para pessoas com deficiência ou seniores – assinar petições ou escrever cartas. W ComAna Taborda


edp.pt

A D N O A T B L A UA O S T A R R A E D V AA M VE ORIT FAV VEM DESCOBRIR QUAL A BANDA QUE VAI DAR O SALTO PARA O PALCO COM A EDP A final do EDP Live Bands está marcada. As bandas vão dar tudo para saltar da garagem para o palco do NOS Alive e do Mad Cool Festival em Madrid, e ainda gravar um álbum. Tudo isto vai acontecer mesmo à tua frente no dia 19 de maio, às 20h30, na Fábrica L da LX Factory. Sabe mais em edp.pt Media Partners:

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Família

CASAIS. ALGORITMO PREVÊ CONFLITOS E QUER AJUDAR A RESOLVÊ-LOS

CALA-TE!JÁNÃOT E se um telemóvel conseguisse adivinhar que ia

hega a casa depois de um longo dia de trabalho, já são 21h30 e ainda nem jantou. Entra na cozinha e a loiça do dia anterior continua suja no lava-louça. Até o lixo está no mesmo sítio em que o deixou. Neste momento, a sua pressão arterial começa a subir, a temperatura também, e até pode não sentir mas começou a transpirar ligeiramente. O seu tom de voz muda: sobe uns decibéis. De repente, dispara: “Então, não arrumaste a loiça? Nem o lixo levaste?” Consegue calcular o que vai acontecer entre este casal? Uma discussão, claro. E se lhe dissermos que há um algoritmo que consegue perceber que este e outros conflitos vão acontecer ainda antes de começarem? Investigadores da Universidade americana de Southern California criaram um programa que dizem ser capaz de prever com 79,3% de precisão quando um casal vai discutir. Durante dois anos, os departamentos de Psicologia e de Engenharia trabalharam em conjunto para desenvolver um algoritmo que tem em conta o ritmo cardíaco, o tom de voz, os níveis de transpiração e até a linguagem usada. “As palavras afectam muito a discussão. Há diferenças até na utilização do pronome ‘tu’ – ‘tu nunca arrumas as coisas’ – indica que estamos a atribuir a culpa a alguém, já o ‘eu – ‘eu fico frustrada quando vejo tudo desarrumado’ – reduz as probabilidades de uma discórdia”, explica à SÁBADO uma das investigadoras, Theodora Chaspari. A equipa de seis cientistas criou este programa com o objectivo não apenas de prever conflitos, mas também de os evitar. “Queremos criar uma

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Homens Os casais passaram a maior parte do dia sem discutir. No total, os homens do estudo estiveram 39 horas com um comportamento considerado de conflito, contra 206 sem problemas

dizer isto, antes mesmo de

Como se mede uma discussão

86,8% Foi mais fácil prever quando os homens se iam irritar e começar a discutir do que as mulheres. O algoritmo conseguiu prever com quase 90% de precisão

Os participantes do estudo tinham dois eléctrodos de ECG (electrocardiograma) para medir a actividade do coração

app, que depois de calcular que haverá uma discussão, consegue enviar mensagens para tentar evitála. Por exemplo, dando exemplos de exercícios de meditação, técnicas de respiração, ou mensagens com elogios ou reflexões sobre o que estão a fazer mal”, explica a norte-americana.

“AS PALAVRAS AFECTAM MUITO A DISCUSSÃO. ATÉ A UTILIZAÇÃO DOS PRONOMES ‘TU’ OU ‘EU’ INFLUENCIA”, DIZ A INVESTIGADORA

Rirou suspirarfaza diferença O estudo UsingMultimodal Wearable Technology to DetectConflictAmong Couples (usar tecnologia portátil para detectar conflitos entre casais) incluiu 34 casais, com uma média de idades de 25 anos, que usaram dois aparelhos (ver caixa) que mediam os sinais fisiológicos e até davam indicações de GPS (para saber se estavam em casa ou na rua). Além disso, foi tido em conta se a conversa decorria cara a cara ou por telemóvel ou ainda se tinham consumido álcool, drogas ou


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ECONSIGOOUVIR acontecer? Cientistas

estudam app para acabar com as discussões. Por Vanda Marques

Mulheres Elas tiveram uma postura mais beligerante, ao passarem 53 horas (mais 14 horas que os homens) com um comportamento conflituoso

Além do ECG, usaram uma pulseira que media o grau de transpiração no pulso, a temperatura e a pulsação

79,6%

cafeína. Durante 24 horas, os participantes iam reportando – hora a hora – o seu estado de espírito: se estavam irritados ou contentes e como tinha sido a interacção entre eles. “Depois de recolhermos os dados, os nossos engenheiros construíram um sistema que utiliza mecanismos de Inteligência Artificial para interpretar as reacções fisiológicas, acústicas e os padrões linguísticos indicativos de conflito”, diz Theodora. Até se o casal se ria ou se suspirava e como era a entoação das palavras.

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As mulheres também deram vários sinais exteriores de que ia acontecer um conflito, mas no estudo a taxa de previsão não chegou aos 80%

CONSEGUIRAM PREVER COM TANTA PRECISÃO QUE SÓ NÃO DETECTARAM 18% DOS CONFLITOS

Mas como é que se evitam zangas? O estudo vai testar isso a seguir. Um dos objectivos é quebrar padrões recorrentes de mal-entendidos entre o casal, quando têm sempre um insulto pronto a sair. Por exemplo, um marido foi criticado no trabalho pelo chefe: a temperatura do corpo subiu, o tom de voz alterou-se e os níveis de stress aumentaram. Quando o sistema detectou isso, recebeu um SMS a aconselhá-lo a fazer exercícios respiratórios. Ao chegar a casa, o filho e a mulher também estão irritados e isso originaria uma discussão entre o casal, com troca de insultos e acusações – como ele chega mais calmo, é mais provável que se entendam. A grande capacidade de previsão do algoritmo até surpreendeu os investigadores, uma vez que só não detectaram 18% dos conflitos, e apenas 9% foram mal interpretados. “Um dos riscos da app – que ainda está em projecto – é dar conselhos quando não está a acontecer uma discussão. Conseguimos resolver isto, recolhendo mais informação de mais casais ao longo de vários dias”, diz Theodora, que respondeu às questões juntamente com os restantes autores do artigo – Adela C. Timmons, Sohyun C. Han, Laura Perrone, Shrikanth S. Narayanan e Gayla Margolin. “Agora estamos a aperfeiçoar o programa para conseguir prever conflitos em pouco tempo (15 minutos) e queremos desenvolver modelos personalizados que se podem adaptar a cada casal.” Provavelmente, o membro do casal que não levou o lixo, nem lavou a loiça, teria a ajuda da app e já não se esquecia. W 81


Social

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PERFIL. CASOU-SE COM UM ARISTOCRATA ITALIANO DEPOIS DE UMA VIDA DE ESCÂNDALOS

RITA, AÚLTIMA PRINCESA AMERICANA Posou para a Playboye ficou famosa ao contar que fez sexo nas escadas do Capitólio. Quase aos 60 anos, casou-se com um príncipe, vive num palácio e nem quer falar do passado. PorSóniaBento

uem vê a muito loira e elegante princesa Rita Ludovisi, no seu tailleur preto da Armani – a mostrar aos visitantes do palácio onde vive, em Roma, frescos de Caravaggio –, dificilmente imagina que ela é norte-americana – e muito menos que um dia foi capa da Playboy. Além disso, escandalizou Washington, ao revelar ter feito sexo na escadaria do Capitólio com o marido de então. Foi ela a contar a história, em 1981. Rita fora casada durante quatro anos com John Jenrette, congressista democrata da Carolina do Sul, que conheceu quando era funcionária do Comité Nacional Republicano. Divorciaram-se em 1980, depois de ele ser condenado por ter aceitado um suborno de 50 mil dólares de um agente secreto do FBI, que se fez passar por representante de um suposto xeque árabe. Foi para se vingar do ex-marido, que a humilhava, dizendo que ninguém que-

Q

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700

ria ver uma mulher de 29 anos nua, que decidiu posar para a Playboy.

milhões de euros é em quanto está avaliada Villa Aurora, com todas as obras de arte. O príncipe Nicolò não quer vender

RITA FEZ CINEMA, FOI MODELO E JORNALISTA NUM PROGRAMA DE TV, ATÉ SE TORNAR CORRETORA DE IMÓVEIS

Orgias, álcool e cocaína Mais do que as fotos, o escandaloso episódio de sexo no Capitólio, revelado nessa entrevista, foi o que lhe deu notoriedade. Tanta, 2

que logo a seguir escreveu um livro de memórias, My Capitol Secrets, em que contou detalhes de festas e orgias com prostitutas, muito álcool e cocaína em que participou quando esteve casada com o político. Três anos mais tarde, voltou a posar para a Playboy. Rita Jenrette era uma celebridade. Fez cinema e foi modelo – e jornalista num programa de televisão. Em 1994, começou a trabalhar como corretora de imóveis em Manhattan. Pouco depois, fez o maior dos seus negócios: a venda do edifício da General Motors, por 800 milhões de dólares (quase 700 milhões de euros), a Donald Trump, de quem se tornou amiga. O imobiliário levou-a a Itália, em Janeiro de 2003, ao encontro de Nicolò Boncompagni Ludovisi,


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O palácio Villa Aurora é considerado tesouro nacional

Caravaggio Júpiter, Plutão e Neptuno Villa Aurora tem a única pintura que Caravaggio executou num tecto, em 1597

Papa Mesa Na capela há uma mesa de pau-rosa, que pertenceu ao Papa Gregório XIII

A princesa com a sua cadela, Angel, que trata por “filha”

2 Em 1981, quando foi capa da Playboy

3 No fim dos anos 70, com o primeiro marido, John Jenrette

4 Com o actual marido, o príncipe Nicolò Ludovisi

Estátuas Jardins Os jardins têm fontes e estátuas que datam de 500 a.C.

nos de um quilómetro da Fonte de Trevi. Nascida no Texas, numa família abastada, com o apelido Carpenter, a norte-americana trouxe o seu espírito empreendedor à aristocracia romana. Dedicou-se a restaurar a casa, de 3 mil m2, abriu-a ao públi-

Cirurgia Em 2006, Rita Jenrette foi operada a dois tumores cerebrais, o que a deixou surda de um ouvido 4

um príncipe italiano descendente do Papa Gregório XIII, do século XV, que estava interessado em construir um hotel numa das suas propriedades. Essa viagem fê-la regressar à Fonte de Trevi, em Roma, onde 50 anos antes tinha estado com a irmã a cumprir a tradição de atirar uma moeda e fazer um desejo: “Quero vir para Roma, casar-me com um italiano e viver aqui para sempre” – disse numa entrevista. O hotel nunca foi construído, mas Jenrette apaixonou-se pelo príncipe – divorciado, pai de três filhos, e que tem hoje 76 anos – e mudou-se para a capital italiana. Casaram-se numa pequena cerimónia, em Maio de 2009, e vivem num palácio do século XVI, conhecido como Villa Aurora, que por acaso fica a me-

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co e recriou o L’Aurora, uma fragrância que foi originalmente concebida no século XVI para um dos Ludovisi, e que ela e o marido vendem por 120 euros o frasco. Na maior parte das vezes, é Rita que faz as visitas guiadas ao palácio, contando a história dos antepassados, os Papas Gregório XIII e Gregório XV, cujos retratos decoram as paredes dos salões. E mostra as inúmeras obras de arte que incluem esculturas e frescos dos maiores artistas da arte barroca da época – Michelangelo, Caravaggio, Domenico e Guercino. Uma “senhora séria” O tumultuoso período inicial da sua vida ainda hoje a ensombra. Rita Ludovisi diz que só se sente respeitada e reconhecida pelo que realmente é desde que encontrou o príncipe. Há uns anos, desmentiu o episódio do Capitólio: “Menti porque na época quis passar a imagem da mulher sexy da Playboy, disponível para se casar com um homem rico e famoso.” Mesmo assim, a imprensa continua a referir-se a ela como: “Rita Jenrette, que fez sexo nos degraus do Capitólio e que é agora uma princesa italiana…” Hoje, com 67 anos – sentada nos seus salões a beber chá servido numa bandeja dourada por um empregado de uniforme –, diz que sofre muito com a fama que a persegue e garante ser “uma senhora séria, que lê muito e que tem um QI de 139”. W 83


Desporto

Estes dois jornalistas da SÁBADO foram os primeiros a aproveitar a regra do fim do fora-de-jogo, surgindo bem à frente dos defesas do Atlético...

EXPERIÊNCIA. EQUIPAS DA SÁBADO E DO ATLÉTICO EM DESAFIO INÉDITO

FUTEBOLSEMFORA-DE Jogámos com as regras propostas por Van Basten. O resultado? Desorganização, grandes correrias,

udo começou num canto. Alguém aliviou a bola com pouca força, um adversário apanhou-a e chutou para a área. A equipa da SÁBADO estava a subir e um avançado do Atlético ficou esquecido na frente e só teve de desviar de calcanhar para a baliza, fazendo o 2-0. Se este jogo estivesse a ser transmitido pela televisão, de certeza que alguém, em casa ou num café, iria gritar: “Fora-de-jogo!” ou “Ele estava ali acampado!” E era verdade. Mas não neste caso: aqui não há foras de jogo. Estamos no estádio da Tapadinha, em Lisboa, onde a SÁBADO e a equipa B do Atlético Clube de Portugal estão a jogar futebol segundo as regras propostas por Marco Van Basten. O antigo campeão europeu (pela Holanda e pelo Milan) e actual director técnico da FIFA defende a implementação de várias medidas, sendo as

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mais radicais o fim do fora-de-jogo e dos cartões amarelos (ver pág. 86). Van Basten acha que as suas normas vão acabar com as polémicas e tornar os jogos mais abertos e com mais golos. No nosso caso, confirmou-se. Perdemos 11-0, mas sem a nova regra quatro golos teriam sido anulados por fora-de-jogo – ou não, veja-se o que aconteceu no dia 18 no Real Madrid-Bayern de Munique (4-2) da Liga dos Campeões. “Hoje podem fazer como o Ronaldo e marcar golos em fora-de-jogo”, brincou no balneário Jorge Andrade, antigo defesa de FC Porto e Juventus, que convidámos para ser o nosso treinador. “Mas chega de brincadeiras. Olhem que passei por eles e estavam a ouvir a palestra do treinador. Estão a levar isto a sério.” Prevendo o desequilíbrio entre as duas equipas (o Atlético B está a lutar pela subida na I Divisão Distrital de

Jorge Andrade Para o ex-defesa do FC Porto, o futebol sem fora-de-jogo seria “bom para mamões como Gomes e Jardel”

“HOJE PODEM FAZER COMO O RONALDO E MARCAR GOLOS EM FORA-DE-JOGO”, BRINCOU JORGE ANDRADE

Lisboa), fomos à procura de reforços e convencemos Rebelo, de 56 anos, (ex-Estrela da Amadora) e João Oliveira Pinto, 45 anos (antigo campeão do mundo nos sub-21 com Figo e Rui Costa). Jorge Andrade tinha percebido que se tratava de um jogo apenas entre jornalistas. Assustou-se. Meia hora antes do início ainda enviou SMS a pedir ajuda a alguns antigos colegas, mas ninguém respondeu. “Diz-lhes que a SÁBADO oferece um fim-de-semana em Vilamoura com entrada nas discotecas e vais ver que aparecem aí todos”, brincou Rebelo. Omar, o primeiro a ser suspenso “Isto vai ser duro, eles correm muito mais do que vocês”, avisou Jorge Andrade, aconselhando: “Se tiverem de fazer falta, não há problema. Se tiverem de chutar para fora, é com força. Não tenham medo que a bola não sai do estádio.” Ele não tinha visto que


27 ABRIL 2017 www.sabado.pt

O Tiago rematou

FOTOS JORGE PADEIRO E PEDRO ZENKL

com estilo, mas André defendeu. Isto foi o mais perto que estivemos do golo. Pormenor: aconteceu quando treinávamos livres, antes do jogo

-JOGO? FOMOS TESTAR mamões e muitos golos – mas só para os nossos adversários. Por Carlos Torres e Tiago Carrasco

no aquecimento um dos jornalistas já tinha pontapeado a bola na direcção da ponte 25 de Abril. Quando soube, recordou um episódio com o actual seleccionador, Fernando Santos, então no Estrela da Amadora. “Fomos jogar com o Benfica e ele: ‘Se for preciso, aliviem para a bancada. Quando aqui jogava, sabíamos que não passava do 3º anel.’ Mas esqueceu-se que quando esteve no Benfica nem havia 3º anel.” Nos primeiros 10 minutos, o jogo foi equilibrado, com a equipa da SÁBADO a defender em bloco e João Oliveira Pinto a mandar no meio-campo. “Quem é este, com tanta qualidade?”, exclamavam alguns jogadores do Atlético B, que rondavam a área mas não estavam a aproveitar as novas regras. “Não há fora-de-jogo. Deixa-te ficar aí, não recues tanto”, gritou um deles para um dos avançados.

Depois do intervalo, já com 4-0 no marcador, começou o descalabro. Jorge Andrade previu isso e decidiu fazer como nas peladinhas da escola: troca de jogadores entre as equipas. Resultado: cinco elementos do Atlético B jogaram pela SÁBADO. “Isto assim fica mais equilibrado”, exclamou. E podia ter ficado, não estivessem os restantes seis redactores da SÁBADO à beira do ataque cardíaco. É verdade que tivemos mais situações de ataque. Tradução: conseguimos passar do meio-campo. Mas também houve mais lances em que apareceram três e quatro jogadores do Atlético B completamente sozinhos na área – “atenção aos mamões, olhem os Jardéis à mama lá na frente”, gritava Jorge Andrade. Mas, quem passou décadas a jogar com a lei 11 do futebol, tem dificuldades em se adaptar num só jogo. “Reparei que o Rebelo, na segunda

Rafael Gomes “O futebol tem a ver como a defesa rouba o espaço e o ataque o usa. Isto muda tudo”, diz o técnico do Atlético

“FOI UM CARRINHO, DEI NA BOLA E DEPOIS ACERTEI-LHE NO PÉ”, RECLAMAVA OMAR, SUSPENSO CINCO MINUTOS

parte, saiu da posição para colocar os adversários em fora de jogo. Fê-lo mecanicamente, sem se aperceber que as regras eram diferentes”, comentou João Oliveira Pinto. Já com 6-0, fomos ainda tramados pela nova lei da suspensão temporária, depois de Omar, de 23 anos, um dos “emprestados” do Atlético, entrar para a história como o primeiro futebolista em Portugal a ser suspenso por cinco minutos, após uma falta que o árbitro Pedro Pereira, da AF Lisboa, considerou mais dura. “Foi um carrinho, dei na bola e depois acertei-lhe no pé. Isto é injusto”, assegurava Omar. “Ser obrigado a sair durante cinco minutos pode fazer com que os jogadores evitem fazer faltas mais duras. Mas reparei que havia muitas dúvidas durante o jogo. Qualquer infracção para amarelo dá direito a sair? Por exemplo, se um jogador Q 85


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Q marcar um golo e tirar a camisola, terá de sair cinco minutos?”, questionou no final Pedro Pereira. O árbitro considera todas as inovações ponderáveis, excepto a eliminação dos foras-de-jogo. “Eles estão muito formatados para a existência de fora-de-jogo. Nos livres, punham-se em linha até que um se lembrava que não era preciso. Cria confusão sobre como defender, se acompanham o avançado ou não.” É desleal marcargolos nas costas Na segunda parte, o Atlético B passou a manter sempre três ou quatro jogadores lá na frente. O médio João Filipe admite que ao intervalo o treinador lhes frisou que não deviam recuar tanto. E que balanço faz? “O jogo ficou partido, com jogadas perto das áreas e muito espaço para correrias desenfreadas com a bola. Torna-se cansativo. Obriga-nos a jogar nos 100 metros do campo e a andar sempre para trás e para a frente”, comenta, explicando que esta regra, se for implementada, precisará de um período de adaptação de alguns anos. “Estamos habituados a jogar com fora-de-jogo e não será fácil mudar.” Para o treinador do Atlético B, Rafael Gomes, será praticamente Rebelo Esteve 14 épocas no Estrela da Amadora. “Um só jogo não dá para nos adaptarmos às regras. Vejam o vídeo-árbitro, que foi testado durante anos”

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João Oliveira Pinto Tem um trauma com novas regras, pois perdeu um Europeu de sub-21, em 1994, graças ao “golo de ouro”. “Nunca me esqueci do italiano que nos tramou: um tal de Orlandini”

impossível acabar com o fora-de-jogo. “Não acredito. Tem sido uma regra fundamental ao longo da história.” De facto, o fora-de-jogo é uma das 14 regras instituídas desde a criação do futebol (em 1863, em Inglaterra), muito mais antiga do que o penálti, que só surgiu em 1891. A razão? Os cavalheiros ingleses consideravam desleal marcar golos pelas costas dos adversários, por isso não se podia passar a bola para os colegas mais à frente. Terminado o jogo, havia ainda um teste que permitiria à SÁBADO sair da Tapadinha com uma vitória consoladora: o shoot-out, a alternativa ao desempate por penáltis sugerida por Van Basten. O modelo é inspirado nas grandes penalidades do hóquei no gelo e foi usada vários anos na MLS, a liga norte-americana de futebol. “De to-

Pedro Pereira O árbitro admite o fim do fora-de-jogo na área. “A hipótese já foi testada no futebol de 7 e em divisões secundárias”

“A REGRA DO SHOOT-OUT É A MAIS DIVERTIDA, DÁ PARA FINTAR O GUARDA-REDES”, ADMITE JOÃO OLIVEIRA PINTO

das as regras, o shoot-outparece-me a mais divertida”, diz João Oliveira Pinto. “Parece-me mais emotivo e criativo, dá para tentar fintar o guarda-redes ou picar-lhe a bola por cima.” Mas a SÁBADO não se conseguiu adaptar ao novo sistema. Na primeira tentativa, um dos jogadores “emprestados” chutou à entrada da área para fora. “Não sou desleal, não posso marcar contra a minha equipa”, brincou. O segundo não fez melhor e atirou de longe à figura do guardião. “Ele não se está a sair. É para avançar mais e chutar com força para um dos lados”, gritava Jorge Andrade. Em vão. Só um seguiu as suas ordens. Os dois jornalistas que se seguiram esforçaram-se, ofegantes, para chegar à marca de penálti em oito segundos, atirando depois sem energia. O Atlético B fez dois golos, um deles depois de sentar o guarda-redes. Resultado: 2-1 e nova derrota para digerir. Chegados à redacção, tivemos de explicar o fracasso. Estava calor, fomos tramados com golos em fora-de-jogo e suspensões injustas. Mentira: o árbitro esteve bem, apenas seguiu as novas regras. Então, de quem foi a culpa? Do Van Basten, claro. W


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Cantinho do Tovar ESTORIL OPEN. ORGANIZAÇÃO GASTA MAIS DE 1 MILHÃO EM CACHÊS E PRÉMIOS

“REUNICOMOSAGENTES DETODOSOSTOP20”

O Rui Miguel Tovar Jornalista

Começou a jogar com o avô em miúdo, participou em torneios internacionais e agoraé ele que contratafiguras como Del Potro ou NickKyrgios. PorCarlosTorres

PEDRO ZENKL

Jardim, ele há coisas

oram precisos cinco meses, várias reuniões e centenas de telefonemas e emails para que o director do Estoril Open conseguisse contar com o argentino Juan Martín del Potro no torneio de 2017 (entre 29 de Abril e 7 de Maio). “Fiz a primeira reunião com o agente dele no Open dos EUA, em Agosto. Foi um namoro de vários meses, e só ficou fechado em Janeiro deste ano”, conta João Zilhão, de 42 anos. “Reuni com os agentes de todos os top 20. Alguns têm um preço proibitivo, com cachês de mais de 1 milhão de euros, como Federer, mas faço questão de manter uma boa relação, porque às vezes acontecem outros figurinos, como quererem adicionar mais um torneio de terra batida ao seu calendário, e aí querem é jogar e o cachê deixa de ser importante.” No Estoril Open deste ano, só os tenistas mais cotados, como Del Potro,

F

g João Zilhão, 42 anos, é desde 2015 o director do Estoril Open. Organizar o torneio custa €3,5 milhões; €100 mil são para hotéis e alimentação

JOÃO ZILHÃO DESTACA ALGUMAS PROMESSAS, COMO YMER OU RUBLEV. “GOSTAMOS DE APOSTAR NOS JOVENS”

Nick Kyrgios ou Richard Gasquet, recebem um cachê de participação. João Zilhão admite que entre cachês e prize money gastam 1 milhão de euros. Antigo jogador de ténis, começou a praticar com o avô, no courtque ele tinha em casa, em Carcavelos, e o pai foi o nº 21 português. Durante nove anos, João Zilhão organizou o Estoril Open com João Lagos, até que em 2015 ficou à frente da prova, contando para isso com o apoio da Polaris Sports, do empresário Jorge Mendes. “Trabalhamos 51 semanas para permitir aos portugueses uma semana de ténis de grande nível”, diz Zilhão, lamentando não ter um top 10. “Dois estiveram quase fechados, mas depois decidiram não fazer tantos torneios.” Ainda assim, diz-se satisfeito pelo cartaz deste ano, onde se incluem João Sousa e Gastão Elias. “Sofro muito a ver os portugueses. Quero que eles ganhem, sou muito patriótico.” W

LeonardosaidoBragaháprecisamente cinco anos e agora é um dos semifinalistas da Liga dos Campeões. In-crí-vel! JoséLeonardo NunesAlvesSousa Jardim is a Portuguese football manager, currentlyinchargeofFC Porto. Estará a Wikipédiaa prestar um serviço futurista ao mundo ou é apenas um lapso? A 29 de Abril de 2012, Leonardo sai do Braga com piada: “Vou almoçar e não conto voltar à tarde.” Cinco anos depois, Jardim é treinador do Mónaco (sem nunca ter passado pelo FCP) e está nas meias-finais da Liga dos Campeões. Só por isso aqui vai um bestofdo homem. “Utilizo uma filosofia baseada numa interacção total. Não sou treinador de gabinete, mas de campo. Faço a gestão GALO: Gestão Andando de um Lado para o Outro! Não marco reuniões, tenho a informação da fonte de uma forma directa.” “Chego às 9 horas e ando no clube durante hora e meia. No fim do treino, volto a andar mais hora e meia. Ando às voltas, sem rumo, mas com disciplina. É nessas alturas que há maior fluxo de informação. Não ligo o computador, nem fico ao telemóvel com empresários. Converso com quem me cruzo, ando por zonas onde não era suposto andar.” “Observo e sinto o ambiente. Engraxo quem está abaixo: o roupeiro, o massagista... nunca o chefe. Escuto, escuto e escuto. A coerência, em palavras e actos, é fundamental. Os jogadores gostam de ser reconhecidos e temos de gerir os egos.” W

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Opinião

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PARECE QUE FOI ONTEM “Toda a beleza do mito é justamente seu mistério inacessível, seu enigma não decifrado” – Arnaldo Jabor (Rio de Janeiro, 1940), cineasta e escritor brasileiro

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Páscoa sem Quo Vadis já não é Páscoa Apósdécadasderepetiçõestelevisivas por altura da Páscoa, não dei que fosse transmitido este ano o filme Quo Vadis, realizado em 1951 pelo norte-americano Mervyn LeRoy, com Deborah Kerr, Robert Taylor e Peter Ustinov como protagonistas, e estrelas em ascensão, como Sofia Loren ou Elisabeth Taylor, ainda adolescentes, em papéis secundários. Girando em torno das perseguições aos cristãos naRomaAntigae não sendo umapelículade culto, foi muito popularentrenós,noséculopassado,pela participação, como duplo, do lendário pegadorde touros Nuno Salvação Barreto (1929-1996). Não é o filme da minha vida, mas foi seguramente, com O PátiodasCantigas– de Ribeirinho e de 1942 – aquele que vimais vezes! Então com pouco mais de 20 anos, Salvação Barreto – que jádirigiao Grupo de Forcados Amadores de Lisboa, que fundou em 1944 (!) – pegou um touro nos estúdios daCinecittá, em Itália, dobrando o lutadorBuddyBaerque interpreta o papel do gigante Ursus, o criado que com esse gesto heróico salva a vida da cristã Lygia, a amada do general MarcusVinicius. Não sou aficionado, mas a propósito de Quo Vadisrecordei os inúmeros C Ex-director Record serões que passei a ver, na RTP, as pegas, de praça a praça, de um hoAlexandre mem polémico e corajoso que marPais www.alexandrepais.pt cou uma era. W 88

g Pela sua espectacularidade, a cena da pega do touro foi destacada num dos diversos cartazes da película

gi O gigante Ursus salva Lygia, mas na imagem do meio o touro não é a fingir! E quem o pega é Nuno Salvação Barreto...

g No número 54 do Cavaleiro Andante, de 10 de janeiro de 1953, começou a publicar-se a história de Quo Vadis em BD

jg Nuno Salvação Barreto numa das pegas de caras que fizeram dele uma lenda


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Crónica

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CUIDADOS INTENSIVOS Li algures que o Presidente da República éumconfessohipocondríaco.Tenhodúvidas: hipocondríaco sou eu. E qualquer hipocondríacoprofissionalsabequeleras bulas dos medicamentos, como Marcelo faz,éumerrodeprincipiante

C

Doenças imaginárias

C Politólogo, escritor

João Pereira Coutinho 90

CRÍTICOSREFINADOS,entre os quais me incluo, gostavam de um Presidente daRepúblicamais recatado e imparcial. Que o mesmo é dizer: alguém que não estivesse em todas as latitudes pátrias nas 24 horas do dia e, já agora, que não andasse emtournéepermanente coma bandaAntónio Costa. Sobre a omnipresença de Marcelo, partilho uma confissão: já sonhei com ele. Eu, na sala de casa, a dormitar com a decadência própria da meia-idade. Subitamente, Marcelo entracom as câmaras atrás e eu, estremunhado, caio abaixo do sofá. O Presidente está ali para medalhar o meu pijama. Acordo, banhado em suor. Que fazer? Aparentemente, nada: os críticos refinados falam da “dignidade” do cargo, daimportância“moderadora” do Presidente e da imperiosa necessidade de o mesmo não se deixar arrastar pelas contingências partidárias. Marcelo não nos ouve e reforça continuamente a dose. Pois bem: creio que é preciso usar o argumento definitivo. Por estes dias, li algures que o PresidentedaRepúblicaéumconfessohipocondríaco.Tenhodúvidas:hipocondríaco sou eu. E qualquer hipocondríaco profissional sabe que ler as bulas dos medicamentos, como Marcelo faz, é um erro de principiante. Umhipocondríaco profissional– repito: profissional– sabe que aleituradas bulas iniciaumproces-

so de efeitos secundários que, em poucas horas, suplanta qualquer doença real. Mas se ahipocondriaé genuína, e o Presidente vive horrores comumaúlcera desde a adolescência, como é que ninguém lhe recordou que umainquietudeexcessivanãocontribuiparaamansarafera? Nem aferanem umalistagenerosademaleitas–pressãoarterialelevada, diabetes, problemas de coração – que, mil perdões, jáme estão aprovocar umataquicardiapreocupante. Se juntarmos à inquietude do dia a quietude da noite – quatro horas de sono? a sério? – podemos concluir que o nosso Presidente caminha sobre gelo fino. Críticos refinados, entre os quais me incluo, já gritavam de desespero: “Pare umbocadinho, homem, pelanossa saúde.” Erraram por pouco. Afinal, é pelasaúde dele. AINDAMELEMBRO,com as lágrimas nos olhos, desses tempos heróicos em que o jornalismo português tomava umaposição corajosasobre os assuntos do mundo. Em 2004, se amemórianão me falha, o saudoso diário ACapitalchegou adeclarar o seu apoio a John Kerry contra George W. Bush. Verdade que Bush venceu as presidenciais americanas e A Capitalfechou. Mas ficou o aviso: o jornal que os portugueses não liam era consumido com vigor na Pensilvânia e no Minnesota, que votaram no Democrata. Menos mal. Passaram13 anos. Não passou anossa ambição de influenciar os destinos do planeta. O Público, porexemplo, achou importante noticiar que o Livre apoia Emmanuel Macron contra Marine Le

Pen nasegundavoltadas presidenciais francesas. O que é o Livre? Ah, leitoringrato. Então não se lembradas legislativas de 2015? É natural. O Livre tambémprefere não se lembrar. Mas eu refresco amemória: o Livre é umaassociação de beneméritos fundada por Rui Tavares e dois primos que conseguiu 0,7% dos votos. Ou, para os íntimos, metade, ou quase, dos votos em Arnaldo de Matos. Felizmente, o desprezo e o riso que os portugueses dedicaram ao Livre é uma vez mais compensado pelo reconhecimento internacional. Fontes ouvidas pelo cronistagarantem que Emmanuel Macron, confortado com o apoio, já mandou redecorar o Eliseu. Marine Le Pen, emlágrimas, ponderaseriamente a desistência. EASVACINASDOSARAMPO? Acompanhei o caso natelevisão e, sem aviso prévio, um anestesistaassaltou o ecrãparadizer: não existe nenhum estudo que prove uma relação consequente entre avacinae o autismo; mas também não existe nenhum estudo que prove essainexistência. A Ordem dos Médicos, pelos vistos, não gostou deste raciocínio científico e abriu um inquérito disciplinar. Não sei porquê. O contributo do anestesista é revolucionário e abre uma nova porta parao conhecimento humano. Eu, por exemplo, defendo há vários anos que existe uma relação directa entre a disfunção eréctil e a opção pelas juventudes partidárias. Não existe nenhumaprovade que assim é? Certo. Mas também não existe nenhumaprovade que assim não é. W


É tempo de celebrar.

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