Livro artesoes ebook

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Perfil dos Artesãos do Padre Cícero no Século XXI


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Rebeca da Rocha Grangeiro - Jeová Torres Silva Júnior



Presidenta da República Federativa do Brasil Dilma Vana Rousseff Ministro da Educação Aloizio Mercadante Oliva

Reitor da Universidade Federal do Ceará Jesualdo Pereira Faria Diretor do Campus da UFC no Cariri Ricardo Luiz Lange Ness

Coordenador do Curso de Administração - Campus da UFC no Cariri Roberto Rodrigues Ramos

Coordenador do Curso de Administração Pública e Gestão Social - Campus da UFC no Cariri Eduardo Vivian da Cunha Coordenador do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social Geovani de Oliveira Tavares

Coordenador do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri Eduardo Vivian da Cunha Docentes Colaboradores no Projeto Aura Celeste Santana Cunha - Curso de Design de Produto Eduardo Vivian da Cunha - Curso de Administração Pública e Gestão Social Francisca Pereira do Santos (Fanka) – Curso de Biblioteconomia Geovani de Oliveira Tavares - Curso de Administração Pública e Gestão Social Iracema Tatiana Ribeiro Leite - Curso de Design de Produto Jeová Torres Silva Júnior - Curso de Administração Rebeca da Rocha Grangeiro - Curso de Administração Técnicas no Projeto Antonia Olga Correia de Moura Cleonisia Alves Rodrigues do Vale

Discentes Bolsistas no Projeto Bruno Brito Furtado - Curso de Design de Produto Gabriel Freitas Gonçalves - Curso de Administração Marcus Vinícius de Lima Oliveira - Curso de Administração


Rebeca da Rocha Grangeiro Jeová Torres Silva Júnior

Prefácio de Tânia Fischer Juazeiro do Norte/CE MAIO 2013


Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri Fase 1 – Mapeamento dos Artesãos de Juazeiro do Norte/CE (2009-2010) Coordenação do Mapeamento Jeová Torres Silva Júnior

Equipe Técnica do Mapeamento Definição dos Marcos Referenciais Teóricos e Delineamento Metodológico da Pesquisa Jeová Torres Silva Júnior Rebeca da Rocha Grangeiro Pesquisadores de Campo (Bolsistas LIEGS/Campus da UFC no Cariri) Ana Sara Leite - Diego Nascimento - Erick Coelho - Francisco Arrais Ives Nascimento - João Paulo Nobre - Joel Pedraça - Laís Santos Linara Porto - Mossicléia Silva - Nathalia de Brito - Silvia Roberta Silva Samuel Dias - Tiago Alencar - Valbert de Barros - Woneska Pinheiro Tabulação dos Dados (Bolsistas LIEGS/Campus da UFC no Cariri) Ives Tavares do Nascimento - Linara Porto Diego Nascimento - Mossicléia da Silva Laís Santos - João Paulo Nobre José Leonardo Luna - Valbert de Barros Analise dos Dados Rebeca da Rocha Grangeiro

Perfil dos Artesãos do Padre Cícero no Século XXI Textos Jeová Torres Silva Júnior - Rebeca da Rocha Grangeiro Fotos Coletivo Café com Gelo Allan Bastos - Yasmine Moraes - Rafael Vilarouca Projeto de Diagramação & Arte Final Carlos Vilmar

_______________________________________________________________________________________ G757p

Grangeiro, Rebeca da Rocha Perfil dos artesãos do Padre Cícero no século XXI: condições socioeconômicas, processo produtivo, aspectos ambientais e capacidade de organização dos artesãos de Juazeiro do Norte-CE / Rebeca da Rocha Grangeiro, Jeová Torres Silva Junior; prefácio de Tânia Fischer. – Juazeiro do Norte: BSG, 2013. 106p. (Série Editorial Liegs)

Inclui Bibliografia ISBN: 978-85-62718-20-5 1.Artesanato- Juazeiro do Norte. 2. Artesanato-Século XXI . I. Silva Junior, Jeová Torres. II. Título. CDD 745

_______________________________________________________________________________________ Catalogação Lucélia Mara de Souza Serra, Bibliotecária UFC, CRB-3/886

Contato para Informações e Aquisição Universidade Federal do Ceará - Campus Cariri Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS) Av. Tenente Raimundo Rocha, S/N, Bloco III, Piso Inferior, Salas 92-93 Cidade Universitária, 63.040-360, Juazeiro do Norte/CE (88) 3572.7219, (88) 3572.7200 Ramal 7515, liegs@cariri.ufc.br www.liegs.ufc.br, twitter: @liegsUFCA, facebook: /LiegsUFCA


À José e Pedro.



Agradecimentos

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ara realizar o Projeto Fomento à Arte e a Economia Solidária na Região do Cariri e publicar este livro foi necessário o apoio de pesquisadores, técnicos, bolsistas e parceiros, os quais agradecemos pelas suas distintas formas de contribuição. Não seria possível, portanto, executar o mapeamento que subsidia este livro sem: a disposição dos Artesãos de Juazeiro do Norte/CE para responder o questionário e nos apontar outros artesãos para também responderem; o compromisso dos nossos bolsistas; a ação gerencial do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS/UFC Cariri); o reconhecimento científico do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); o prestígio institucional da Universidade Federal do Ceará (UFC), da Direção do Campus da UFC no Cariri e da Coordenação do Curso de Administração; a parcerias com a Central de Artesanato do Ceará (CeArt)/Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS/Governo do Estado do Ceará) e com o Serviço Social do Comércio (SESC) – Unidade Juazeiro do Norte/CE; e o aporte de recursos financeiros do Banco do Nordeste do Brasil (BNB) e do Programa de Apoio a Extensão Universitária/Ministério da Educação (ProExt/MEC). Por fim, agradecemos a Profa. Dra. Tânia Fischer, do Centro Interdisciplinar de Desenvolvi-


mento e Gestão Social (CIAGS)/Universidade Federal da Bahia (UFBA), por ter aceito o convite e redigido o prefácio desta obra, que nos deixa honrados e amplia o valor simbólico do livro, uma vez que se trata de uma pesquisadora referência acerca do campo da gestão social do desenvolvimento.


Sumário Prefácio

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Apresentação

História do Artesanato em Juazeiro do Norte/CE

1.1. O Artesanato

1.2. A Origem de Juazeiro do Norte/CE e a Ascensão de sua Atividade Artesanal dos Anos 1890 aos 1960

1.3. O Juazeiro do Norte/CE e a Queda de sua Atividade Artesanal dos Anos 1970 aos 2000

2.

Os Artesãos de Juazeiro do Norte/CE no Século XXI

2.1. Procedimentos e Instrumentos da Coleta de Dados com os Artesãos

2.2. Condições Socioeconômicas dos Artesãos de Juazeiro do Norte/CE

2.3. Aspectos do Processo Produtivo Artesanal em Juazeiro do Norte/CE

3.

Fomento à Arte e à Economia Solidária em Juazeiro do Norte/CE

3.1. Antecedentes que Influenciaram a Origem do Projeto ‘Fomento’

3.2. Projeto ‘Fomento’, suas Fases e seus Resultados

4.

Reflexões sobre os “Artesãos do Padre Cícero” no Século XXI

4.1. Perfil dos ‘Artesãos do Padre Cícero’ do Século XXI

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4.2. Transformações na Atividade Artesanal dos ‘ Artesãos do Padre Cícero’, no Século XXI 88

Referências

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Prefácio

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Tânia Fischer

redominantemente feminino, nascidos no território, de diferentes gerações e graus de escolaridade, com dez ou mais anos de dedicação ao ofício que aprenderam por legado familiar e esforço particular, as artesãs e artesãos do Padre Cícero desejam qualificar-se e incorporar design e instrumentos de gestão à produção artesanal a que se dedicam em Juazeiro do Norte. Rebeca e Jeová, autores deste estudo sobre a organização artesanal, processo produtivo e sobre as pessoas que se dedicam ao artesanato, resgatam tradições e criam desenvolvimento, ponto focal da investigação realizada. Identidade e território são construtos correlatos que tem o pertencimento como elo. O território é locus e representação das identidades e potencialidades locais, que se revelam nos trabalhos em palha,madeira e tecido, metal e barro;sementes,couro e cerâmica. O contexto de referência é o território, sempre o ter-


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ritório, o espaço em que artesãs e artesãos vivem e criam, a partir dos materiais que a terra provê e do patrimônio imaterial construído por diferentes gerações. A paixão criativa que rege o trabalho artesanal e lhe dá vigor e sustentação é também inerente à atividade de pesquisa como Charles Wright Mils tão bem assinalou. (WRIGHT MILS, 2009 ,p.59). A esta paixão criativa aliam-se a aptidão básica manual, a liberdade de criação e a aderência à cultura do lugar. A correlação cérebro-mão rege a produção artesanal dos artesãos do Padre Cícero e a produção da pesquisa orientada para o território e a partir do território. Pensando no Padre Cícero, líder mítico que representa o território, uma questão se coloca: não seria este personagem uma criação artesanal, um artesanato de si orientado por princípios que orientam as vidas de tantos líderes de diferentes tempos e espaços? Entre as características do líder está a competência relacional. Este parece ser o maior desafio da agenda futura deste conjunto, que trabalham em casa, tem vivência associativa e valorizam a vida humana associada. Como podem ser melhor reconhecidos a partir da qualificação da produção, da incorporação do design e da tecnologia,da formalização da atividade e da criação sustentável de encadeamentos produtivos orientados por e para o desenvolvimento que Celso Furtado já preconizou para a região Nordeste,expressas no Plano Nacional de Cultura. (MINC, 2012). Entre a visibilidade e a inovação, os artesãos do Padre Cícero almejam ser (e já o são) referências culturais, desde que são produtores destas referências que são o seu produto e ofício.

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Padre Cícero construiu seu próprio mito tornando referência cultural que mantém o poder muito além da vida. É desejo das artesãs e artesãos do território de Juazeiro do Norte, auxiliados por pesquisadores competentes e comprometidos como Jeová e Rebeca, criar destinos muito menos severinos neste século XXI que apenas começa. Como conciliar não apenas o cérebro e as mãos, mas a inovação e a tradição, a arte e a tecnologia é o grande enigma da produção artesanal. Um de nossos maiores artesãos, o cineasta Glauber Rocha, encontrou suas respostas e a ele recorro para encerrar este prefácio, que é a grande responsabilidade de antecipar a visão de uma face, a partir da impressão que uma obra nos causa e do conceito que temos de seus autores. Com certeza, Rebeca e Jeová apoiarão, sempre mais e melhor, a inserção da universidade pública nas raízes culturais do Brasil, do nordeste e de Juazeiro do Norte para recriar o território a partir de sua identidade, limites e potenciais. “Eis as culturas e suas honras: as vestes de couro, as panelas de barro, as cabeças de madeira, os chicotes, os fifós de lata, o carro de boi, os guizos das vacas, as bruacas de couro e os alimentos mais dignos : a mandioca, o umbu, água também, osso com algum tutano, mandacarus e cabeças de frade, farinha e carne de bode.” (Glauber Rocha)

Referências

MILS, Charles W. O artesanato intelectual e outros ensaios. Editora: ZAHAR, 2009. MINC. As metas do plano nacional de cultura. Brasília: MINC, 2012.

Salvador/BA, maio de 2013


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compreensão dos contextos sociais, políticos, econômicos, culturais e tecnológicos de nossa sociedade faz parte do trabalho dos pesquisadores e do dia-a-dia da Universidade. Contudo, mais do que adquirir esta compreensão é necessário que o pesquisador saiba traduzir o seu entendimento e expor a toda a sociedade o que tais contextos significam. Por fim, a Universidade (além da apreensão da conjuntura e apresentação da sua leitura da realidade) ainda cumpre o papel de análise critica desta realidade e, em alguns casos, de indicações de como transformar o contexto apreendido. O Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS), da Universidade Federal do Ceará (UFC - Campus Cariri), está ciente deste papel que assume perante a sociedade brasileira e a comunidade caririense. Assim, foi a campo e realizou mais um de seus estudos conjunturais. Desta vez, a realidade investigada foram os artesãos de Juazeiro do Norte/CE, a fim de conhecer as condições sociais, econômicas e ambientais

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Apresentação

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dos artesãos; as características do processo de criação e produção; a capacidade organizativa e suas entidades representativas, dentre outros aspectos. Desta forma, foi elaborado questionário com três sessões, onde a primeira aborda questões sobre identificação pessoal e condições de moradia; a segunda sobre condições profissionais e econômicas; e a terceira sobre aspectos educacionais e culturais. Os dados foram coletados entre os meses de março a agosto de 2009 e, posteriormente, os dados foram tabulados em software estatístico. Diante disto, este livro servirá para expor uma síntese dos resultados acerca do Perfil dos Artesãos do Padre Cícero no Século XXI, bem como, trazer uma análise teórico-propositiva sobre os artesãos - e o artesanato - em Juazeiro do Norte e na Região do Cariri cearense. O livro está, portanto, dividido em quatro capítulos. O capítulo 1 apresenta a história do artesanato em Juazeiro do Norte, recorrendo a uma bibliografia de referenciais e a textos obrigatórios acerca do artesanato local, como é o caso do livro “Os Artesãos do Padre Cícero: condições sociais e econômicas do artesanato de Juazeiro do Norte”, de Sylvio de Lyra Rabello. Esta obra de Sylvio Rabello, editada pela primeira vez em 1967 com prefácio do sociólogo Gilberto Freyre, é um relevante documento do século XX sobre os artesãos de Juazeiro do Norte, que procuramos homenagear no título do nosso livro. Assim, justificamos que a nossa escolha pelo título Perfil dos Artesãos do Padre Cícero no século XXI é premeditado, mas não para plagiar ou “pegarmos carona” no título de um trabalho importante e sim para prestar – de forma planejada – um justo tributo a um autor respeitado e a uma obra clássica.


Em seguida, no capítulo 2, expõem-se o processo de preparação e realização do mapeamento dos artesãos, além de se discutir as dificuldades encontradas nestas etapas da pesquisa. Ainda no capítulo 2, os dados obtidos no mapeamento são expostos, analisados, discutidos e – eventualmente – comparados com informações de pesquisas anteriores realizadas no local e em outras cidades. Ainda neste capítulo se aponta um perfil do artesão de Juazeiro do Norte/CE e uma proposta de agen-

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Sylvio de Lyra Rabello (1899-1972) era pernambucano, bacharel em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito do Recife. Foi jornalista, promotor, professor catedrático de psicologia no Instituto de Educação de Pernambuco e ocupou diversos cargos públicos, como: Diretor do Departamento de Educação de Pernambuco, Secretário de Educação e Cultura de Pernambuco e Diretor do Departamento de Psicologia Social do Instituto Joaquim Nabuco. Rabello escreveu mais de uma dezena de livros, dentre eles Os Artesãos do Padre Cícero: condições sociais e econômicas do artesanato de Juazeiro do Norte, de 1967. No prefácio desta obra, Gilberto Freyre escreveu: “[...] trata-se de um cientista social que é também escritor com um raro poder de expressão, distinguindo-se por sua precisão ou exatidão de palavra [...] O seu saber corresponde ao do ideal camoneano: é não só teórico como feito de experiência [...]”. Nos seus livros e nos cargos que atuou, Rabello enfatizou, prioritariamente, os temas da educação e da psicologia social e infantil. (GASPAR, 2010)

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da de pesquisa a partir dos desafios resultantes do que obteve no mapeamento. O capítulo 3 aborda as ações do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri – do qual o mapeamento dos artesãos de Juazeiro do Norte constituiu sua primeira etapa – que desde 2009 está sendo realizado pelo LIEGS/UFC Cariri e pela Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Solidários (ITEPS/UFC Cariri) com o propósito de apoiar – com base nos princípios da Economia Solidária – o desenvolvimento socioeconômico dos produtores artesãos de Juazeiro do Norte/CE, através da articulação destes trabalhadores e do fomento a produção e a comercialização do seu trabalho artesanal. Finalmente, o último capítulo deste livro - capítulo 4 - será o espaço que utilizaremos para reflexões gerais mas, não superficiais - sobre os “Artesãos do Padre Cícero” no século XXI. Neste capítulo, traremos uma reflexão mais atualizada sobre o trabalho artesanal em Juazeiro do Norte que capture as transformações experimentadas pela atividade em contexto contemporâneo. Além disso, a partir de um quadro teórico de análise fundamentado em duas características fundamentais na produção artesanal (inovação na atividade artesanal e visibilidade do artesanato), são identificados e discutidos quatro subgrupos de artesão e como estes subgrupos estão representados na região do Cariri.


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Artesã Maria Lourdes Cândido Monteiro (Artesanato em Argila)


1.1. O Artesanato

A história possui registro de artefatos feitos à mão em todas as épocas, no entanto, foi somente a partir do século XV que o regime de trabalho que reúne as diferentes técnicas manuais de produção ganhou nome (MARTINS, 1973).

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oda produção humana anterior ao surgimento das máquinas é artesanal. Objetos utilitários e ferramentas de trabalho eram produzidos manualmente, no entanto a utilização da palavra artesanato tem origem posterior à realização da atividade. Assim, o capítulo está dividido em três seções, onde na primeira resgatamos a origem do termo em contexto mundial, sua relação com a arte, apontando o processo de exclusão histórica do mesmo. Na segunda e terceira, voltamos o olhar aos atores principais do texto e apresentamos uma breve contextualização da atividade artesanal em Juazeiro do Norte/CE.

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1. História do Artesanato em Juazeiro do Norte/CE

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Segundo Martins (1973), o processo manual de fabricação prosperou na Europa durante os séculos X, XI e XII. Ao redor dos castelos, os mestres-artesãos trocavam seus produtos por produtos agrícolas e, dessa maneira, o sistema familiar de produção manual se desenvolveu. Devido sua importância comercial, econômica, política e social, as antigas corporações renasceram e marcaram época. Entre os séculos XII e XV surgiu a instituição do artesanato regulamentada pelas corporações de ofício. Os artesãos da Idade Média se organizam em corporações para suprir as demandas da burguesia por artigos de luxo, já que os feudos e mosteiros não conseguiam dar conta (PEREIRA, 1979). Corroborando as idéias expostas acima, Saviani (1998) descreve como o artesanato se organizou em diferentes sistemas ao longo de sua história: de um sistema familiar na Idade Média, o artesão passa a organizar-se num sistema de corporações, deslocando-se para a cidade e produzindo para um mercado pequeno e estável. Ainda tratando da origem da palavra artesanato, Rugiu (1998) afirma que a mesma data do século XV. Os italianos criaram a palavra artigiano que significa artesão. O termo desdobrou-se no século XIX para artigianato, a fim de indicar o regime de trabalho do artesão. O neologismo chegou à França sob a forma artisan - no século XVI - e artisanat, a partir do século XIX. Do francês, o vocábulo assume as formas de artizam e artizanat em romeno; artesano e artisania em espanhol; e artesão e artesanato em português. Em alemão a palavra que designa artesanato é handweck e, em inglês, é designada por handwork, handcraft e handcrasftsmam. Por fim, no


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Brasil, não há registro da palavra artesanato nos dicionários mais antigos, o termo aparece somente em meados do século XX. No entanto, não é possível falar em artesanato sem fazer referência à palavra arte. O debate sobre as distinções entre o que é arte e o que é artesanato é bem antigo no pensamento ocidental. Para explicar a origem da diferença entre os termos, pesquisadores se apóiam em fatos históricos. Assim, Rugiu (1998) identifica que desde a Idade Média, a palavra arte, em língua vulgar, referia-se às atividades de produção manual. Naquela época, as artes eram classificadas em duas categorias: as liberais e as mecânicas ou servis. As artes liberais eram próprias dos homens livres. As artes mecânicas eram as realizadas com as mãos, incluindo as belas-artes. As artes mecânicas tinham sua importância, enquanto as artes liberais eram de exclusividade dos doutos. Conforme o mesmo autor, a partir do século XV, as artes liberais afastaram-se as artes mecânicas, assumindo uma posição superior. Desta maneira, começou a surgir uma distinção hierárquica entre as mesmas. Segundo Bazin (1989), houve um descrédito das belas-artes, por estarem ligadas às artes mecânicas, então, na Renascença, os artistas reivindicaram uma elevação de categoria, a partir da justificativa de que a atividade do artista procedia de operações mentais, já que os mesmos partiam do desenho. Nesse momento ocorreu a separação entre as duas categorias. Como aponta Russi (2004, p. 55), “O primeiro se garantiu pelo próprio trabalho e genialidade, enquanto o segundo continuou trabalhando e morrendo anonimamente”. A questão se refere à distinção de classes sociais (LIMA, 2005).

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No entanto, a idéia de que no artesanato pensar e fazer estão desassociados – como propuseram os artistas da renascença – é equivocada. Porto Alegre (1994) demonstrou que uma das características da produção artesanal, referindo-se a processo de trabalho, reside exatamente na integração da atividade manual com atividade intelectual, na associação entre a obra produzida e seu autor. O artesanato continua imbuído de preconceito e, em virtude desse sistema de classificação discriminatório, sua venda comumente está localizada em cidades do interior, feiras públicas e mercados municipais (LIMA, 2005). Por outro lado, observamos também uma valorização do mesmo. Em países desenvolvidos, destaca Lima (2005), renasce o interesse por objetos feitos à mão. Nesses países, o artesanato é altamente sofisticado e alcança altos preços de mercado. No Brasil, assim como em outros países em desenvolvimento, tem-se dado destaque ao artesanato de conteúdo cultural (SANTOS, 2007). Conforme a mesma autora, a ampla variedade e quantidade caracterizam produção artesanal do país. Produção artesanal que nos últimos anos, vem apresentando ritmo de expansão crescente, constituindo-se em atividade econômica com grande potencial de expansão, inclusive como fonte de emprego e renda. 1.2 A Origem de Juazeiro do Norte/CE e a Ascensão de sua Atividade Artesanal dos Anos 1890 aos 1960

A população atual de Juazeiro do Norte está estimada em 249,9 mil habitantes sendo que 240,1 Mil habitantes (96,0%) vivem na zona urbana do município (IBGE, 2010). Esta população, predominantemente urbana, convive em


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uma região conurbada com as cidades de Crato/CE (distante 10,0 Km de Juazeiro do/ Norte, com aproximadamente 121,1 mil hab.) e de Barbalha/CE (distante 7,5 Km de Juazeiro do Norte, com aproximadamente 55,3 Mil habitantes). Por força desta proximidade e de não se enxergar mais tantos limites geográficos entre elas, estas cidades formam o chamado Triangulo CRA-JU-BAR com aproximadamente 420 Mil habitantes (IBGE, 2010).

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Figura 1- Localização de Juazeiro do Norte no Espaço Geográfico Brasileiro, Nordestino, Cearense e Caririense. Fonte: Adaptado de Araújo (2006) e Vale & Silva Jr (2012).

A cidade está localizada a aproximadamente 540,0 km de Fortaleza, capital do Estado do Ceará – ver figura 1. O município de 248,22 km2 é um dos 25 municípios que formam a mesorregião do Sul Cearense (divisão administrativa do governo estadual), destacando-se dos


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demais pela influencia político-econômica que exerce tanto sobre estes municípios cearenses quanto em outros municípios do semiárido pernambucano, paraibano e piauiense. A partir da Lei Complementar Estadual nº 78, de 29 de junho de 2009, estes três municípios e outros seis que fazem fronteira com eles constituíram a segunda região metropolitana do Estado do Ceará, a RMC – Região Metropolitana do Cariri. Na RMC, Juazeiro do Norte destaca-se com um PIB de R$ 1,59 Bi (59% do PIB de toda a RMC e terceiro PIB do estado do Ceará, ficando atrás apenas de Fortaleza e Maracanaú – IBGE, 2008) proveniente basicamente da indústria calçadista e do comércio local. Dentre as atividades econômicas informais que não são capturadas pelo PIB do município de Juazeiro do Norte, o artesanato – seguramente - merece relevância econômica e histórica. O Cariri recebeu este nome em função da tribo indígena que habitava a localidade. A região foi colonizada no final do século XVI com a chegada dos exploradores da Bahia e a atividade econômica principal era a pecuária. Segundo Nobre (2010) apenas a partir da segunda metade do século XIX, a agricultura passou a ser a principal atividade econômica da região, tendo como destaque a produção de cana-de-açúcar. Contudo, a origem de Juazeiro do Norte não está completamente definida na literatura, pois os autores divergem quanto às datas e aos nomes. Pereira (2005) aponta que a formação do povoado teve por fundador Leandro Bezerra Monteiro, cujo marco foi a construção de uma capela em homenagem a Nossa Senhora das Dores, em sua fazenda. Esta versão é corroborada por Nobre (2010) ao afirmar que Leandro


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Bezerra Monteiro era proprietário da fazenda Tabuleiro Grande que deu origem ao sítio Juazeiro e que depois viria a tornar-se a vila de Juazeiro do Norte/CE. Por outro lado, outros pesquisadores, como Walker (2010), a fundação do povoado é atribui ao Padre Pedro Ribeiro, primeiro capelão de Juazeiro do Norte/CE, a partir da construção de uma capela em 1827. O Padre Pedro Ribeiro trabalhava na catequização dos moradores para evitar a promiscuidade e promover uma cultura de paz entre os moradores. O povoado foi crescendo e outros padres substituíram o primeiro após sua morte em 1833 com esta mesma missão. O sitio Juazeiro tornou-se conhecido por se localizar em um local onde diversos caminhos entre cidades se cruzavam e os viajantes que iam e vinham das cidades vizinhas, especialmente de Crato (do qual Juazeiro do Norte fazia parte antes de tornar-se município), paravam no local para descansar (NOBRE, 2010). Por muito tempo, o sítio de Juazeiro era apenas o local de descanso dos viajantes e lugarejo em que homens e mulheres entregavam-se ao trabalho agrícola, conforme apresentado por Walker (2010). Nascido no município de Crato, o Padre Cícero Romão Batista ordena-se no Seminário de Fortaleza e, em 1871, retorna à cidade natal. Neste mesmo ano, celebrou a primeira missa no povoado de Juazeiro. Após a realização de alguns trabalhos de assistência religiosa, Padre Cícero fixa residência em Juazeiro a partir de 1872 e, no mesmo ano, é nomeado pelo bispo o capelão da Capela de Nossa Senhora das Dores, tornando-se o primeiro padre do povoado (BRAGA, 2007). A partir de então, se inicia no povoado um forte trabalho de catequização e orientação para o trabalho. Rabello

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(1967) relata que Padre Cícero orientava os moradores do povoado a fazerem de cada casa um altar e uma oficina. A ação evangelizadora que unia trabalho e fé foi importante para o desenvolvimento da região e de Juazeiro, não só em termos religiosos, mas políticos, econômicos e sociais. Devido as estiagens periódicas pelas quais a região passava a população não podia depender unicamente do trabalho rural. Também a distância entre Juazeiro e os principais centros urbanos era uma imposição para que os habitantes do lugarejo procurassem outras atividades econômicas que garantissem sua subsistência. Neste momento, começa a tomar forma o trabalho artesanal como atividade econômica de subsistência na região. Neste processo de florescimento econômico, um episódio é fundamental para o crescimento do povoado de Juazeiro no início de sua formação e que prossegue até os dias atuais. Em 1889, durante a celebração de uma missa, Padre Cícero - na comunhão - deposita uma hóstia na boca da Beata Maria de Araújo e a hóstia se transforma em sangue. Este suposto milagre aconteceu pela primeira vez em 06 de março de 1889, em uma sexta-feira da quaresma (período religioso importante para os cristãos) e se repetiu por dezenas de vezes em dois meses. O fato atraiu moradores e fiéis de cidades vizinhas e distantes da região Nordeste para receber as bênçãos do Padre “milagreiro” (ARAÚJO, 2006). A partir deste episódio, Juazeiro sofreu um intenso processo de crescimento populacional com a chegada de inúmeros fiéis, que viam no lugar um espaço para a devoção e a possibilidade de mudança nas suas condições socioeconômicas. Era freqüente a chegada de produtores que viam no lugar uma oportunidade de crescimen-


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to profissional. Com esta vocação religiosa assumida em Juazeiro, além dos produtos artesanais já desenvolvidos no lugar, iniciou-se também a produção artesanal de objetos de culto religioso (RABELLO, 1967). Convém destacar que a origem do artesanato no Cariri cearense remonta às atividades dos seus primeiros habitantes, os índios Kariris (RABELLO, 1967). Ferrer (2007) aponta que a principal dificuldade de se elaborar história dos primeiros habitantes da região do cariri cearense diz respeito à ausência de informações confiáveis sobre eles, uma vez que os documentos encontrados foram produzidos pelos colonizadores, que faziam uma leitura do indígena, a partir de um ponto de vista etnocêntrico. Sob esta perspectiva, o índio era, na maioria das vezes, retratado de forma hostil e pejorativa. Documentos antigos apontam a chegada dos colonizadores, a partir de1730, aproximadamente, quando povoadores do “ciclo do couro” catequizaram a tribo cariri. Apesar da dificuldade em mapear de forma segura os hábitos dos kariris, há indícios de que os mesmos produziam artesanalmente os objetos necessários para suas atividades cotidianas. Para armazenar alimentos e bebidas, os índios produziam cabaças, cuias e coités. Para preparar os alimentos faziam dos pratos e panelas de cerâmica próprios ao cozimento dos mesmos. Também criaram outros utensílios domésticos, a exemplo do pilão, da esteira de palha palmeira e de seus alimentos. No entanto, a difusão e ampliação desta atividade estão fortemente atreladas ao crescimento econômico vivido pelo local a partir 1890, quando ocorre a consolidação da devoção entorno do Padre Cícero, na região (DELLA CAVA, 1985), sobretudo com a peregrinação de devo-

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tos a Juazeiro, após o evento antes relatado que ficou conhecido como “Milagre de Juazeiro”. Intensificam-se as romarias com homens e mulheres de várias cidades vizinhas se. Muitas destas pessoas que se dirigia à Juazeiro para receber a benção do padre acabavam fixando moradia no local. Para garantir a sobrevivência das pessoas que se instalavam no povoado, foram desenvolvidas novas formas de produção e comercialização de bens (FEITOSA et al, 2009). Percebendo as habilidades manuais da população e o potencial econômico do trabalho artesanal, Padre Cícero (que além de líder religioso foi referência na política e no desenvolvimento econômico da região) estimulou a atividade do artesanato como principal fonte de trabalho e renda para população (RABELLO, 1967). O Padre Cícero estimulava o fabrico e comércio destes produtos artesanais (HOLANDA, 2009) enquanto forma de gerar trabalho e renda para a população local e para os romeiros que chegavam a Juazeiro. Como exemplo dessa ação existe uma estória contada nos dias de hoje, em Juazeiro do Norte, acerca de um conselho de Padre Cícero para um romeiro recém chegado: O “Padim Ciço” – forma como os romeiros chamavam o religioso – indicou que o mesmo produzisse candeeiros ainda que sem compradores aparentes. Era uma época próxima a data da procissão de Nossa Senhora das Candeias e o “Padim”, em uma celebração anterior esta data simbólica, pediu que todos portassem candeeiro durante a procissão e recomendou a compra aquele romeiro, pois os seus candeeiros foram bentos pelo Padre. Desta forma, toda produção dos candeeiros foi vendida. Além desse acontecimento - que pertence ao quadro


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de diversas estórias que circulam entre os devotos de Padre Cícero - existem inúmeros outros casos de estímulo do “Padim Ciço” à de produção e venda do artesanato local, na forma de artigos religiosos (como santos, medalhas e rosários), utensílios para o trabalho no campo (ferramentas para agricultores, vestimenta e outros peças de couro para vaqueiros) e de uso doméstico (panelas de barro, potes). Desta maneira, os produtos artesanais que até então se destinavam ao uso pessoal do produtor passaram, de acordo com Facó (1980), a ser os principais produtos comercializados em Juazeiro. A produção tornou-se tão intensa que certos tipos de produtos do artesanato estendiam-se expostos por toda uma rua. “Houve um tempo em que os ourives tomavam conta de uma rua inteira. Os sapateiros e os seleiros igualmente se encontravam em todas as ruas” (RABELLO, 1967, p. 73). A elevada produção artesanal do período fez com que a cidade fosse chamada, na época, de Cidade-Oficina. Há nesse fenômeno, indubitavelmente, influência dos preceitos de Padre Cícero (incentivador do trabalho artesanal na região) que, a partir do lema beneditino “ora e labora” pregava entre seus fiéis “em cada casa uma oficina, em cada oficina um oratório” (BARROS, 2008). Os conselhos de Padre Cícero se justificam no contexto histórico em que foram proferidos, pois a origem do povoado foi marcada por alcoolismo, violência e prostituição (NETO, 2009) e o binômio trabalho e oração foram ferramentas utilizadas pelo padre para modificar esta realidade social. Ao passo que o Juazeiro não apresentava condições favoráveis ao trabalho agrí-

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cola1, o incentivo às manufaturas consistiu em uma opção de trabalho e renda para os romeiros que chegaram à cidade para fixar residência, no local que consideravam sagrado (HOLANDA, 2009). Os reflexos do desenvolvimento de Juazeiro podiam ser percebidos pelo volume de arrecadação de impostos para o município de Crato ao qual o povoado pertencia. Este foi o principal motivo, segundo Walker (2010), para que a emancipação do povoado começasse a ser pensada. A luta pela independência, segundo conta o autor, durou quatros ano (1907-1911). A motivação econômica para a independência de Juazeiro era evidente, pois “de um lado estaria um Juazeiro autônomo que certamente iria exterminar a liderança e hegemonia do Crato e, do outro, os comerciantes, entre os quais artesãos, achavam que o seu crescimento econômico lhes credenciava a reivindicar um poder político proporcional” (WALKER, 2010). Após intensos debates e reuniões, sob a liderança de Padre Cícero, o Presidente do Ceará (denominação atribuída aos governadores dos estados, na época) Nogueira Accioly promulga a lei que eleva Juazeiro do Norte à categoria de município em 22 de julho de 1911. Em 04 de outubro de 1911, o Padre foi nomeado intendente (denominação da época para prefeito) do município. A morte do Padre Cícero, em 1934 não arrefeceu o crescimento do comércio, do artesanato e das migrações. Pelo contrário, as manifestações se intensificaram. Araújo (2006) aponta que a cidade de Juazeiro do Norte, em rela-

1 Nos dias atuais, este elemento da baixa produção agrícola em Juazeiro do Norte permanece. Do ponto de vista econômico, de um Produto Interno Bruto (PIB) municipal totalizando R$ 1.595,5 Mi, somente R$ 7,8 Mi (0,49%) é gerado pelo setor agropecuário (IBGE, 2009). De fato, o município possui uma pequena área geográfica - 248,83 Km2 (IBGE, 2010) e a taxa de urbanização é de mais de 96,4%, uma vez que dos 69,2 Mil domicílios do município apenas 2,5 Mil domicílios estão na zona rural, conforme IBGE (2010).


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ção às cidades vizinhas no Ceará, Pernambuco e Paraíba, foi a única que triplicou o número de habitantes no período de 1920 a 1970. Do ponto de vista dos lugares que passaram a atrair a peregrinação de pessoas para a cidade, além da Igreja de Nossa Senhora das Dores, estão o Santo Sepulcro, a casa de ex-votos, as casas do Padre Cícero (no centro da cidade e no Horto) e a estátua do “Padim Ciço” - erguida na década de 1970 (NOBRE, 2010). Estes lugares construídos durante e após a morte do Padre Cícero, e alguns até recentemente, como é o caso do Luzeiro, revertem-se hoje em pontos turísticos e de peregrinação durante todo o ano. Atualmente, pelo menos 05 romarias por ano, se destacam em Juazeiro do Norte, pelo grande contingente de pessoas que visitam a cidade. São elas: Romaria de Nossa Senhora das Candeias (02 de fevereiro); Romaria do Aniversário de Nascimento do Padre Cícero (24 de março); Romaria do Aniversário de Morte do Padre Cícero (20 de julho); Romaria de Nossa Senhora das Dores (15 de setembro); e Romaria de Finados (02 de novembro). Nestes dias, o artesanato local vive seus melhores dias, que lembram o seu período áureo, com um arrefecimento das vendas dos produtos artesanais. Naquela época de ouro do artesanato de Juazeiro do Norte/CE, conforme mencionada por Rabello (1967), a comercialização das peças artesanais era a força motriz da economia da cidade. No entanto, nas décadas seguintes, este setor foi perdendo sua centralidade econômica na vida da cidade até tornar-se, nos anos 2000, uma atividade marginal na vida econômica de Juazeiro do Norte, de modo que não aparece no cálculo do PIB Municipal pela baixa participação no mesmo.

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1.3. O Juazeiro do Norte/CE e a Queda de sua Atividade Artesanal dos Anos 1970 aos 2000

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O declínio da atividade artesanal, nas últimas quatro décadas, em Juazeiro do Norte é evidente. Pesquisas realizadas pelo Banco do Nordeste (BNB) - em 1958 - e Serviço Social da Indústria (SESI/CNI) - em 1962 apontam fatores que começaram a minimizar atividade artesanal na cidade. A industrialização de produtos próprios do local e a modificação de traços culturais reduzem o consumo de artigos como louças de barro, selaria e trançado. A diminuição do consumo de panelas de barro por panelas de alumínio, bem como do uso de calçados de couro por calçados de borracha. Um período marcante para a derrocada econômica da atividade artesanal no Cariri é a década de 1990. Naqueles anos, o estado do Ceará foi marcado pela implementação de políticas governamentais para atração de indústrias – que consistiam em concessão de incentivos fiscais, financeiros e de infraestrutura, além da mão de obra de baixo valor econômico – para cidades do interior do estado (ROCHA; AMARAL FILHO, 2004). Neste período, a região do Cariri recebeu indústrias com atividades produtivas semelhantes às realizadas nas oficinas artesanais (ARAÚJO, 2006). A produção artesanal perdeu mercado interno, passando a comercialização dos produtos industrializados a ter maior peso no desenvolvimento do local. A ampliação de indústrias na região influenciou a mudança de hábito dos moradores, que, por exemplo, trocaram as alpercatas de couro por chinelos produzidos a partir de Etil Vinil Acetato (EVA). O homem “vaqueiro”


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que para aboiar montava no cavalo e vestia roupas de couro para se proteger dos espinhos típicos da região da caatinga, nos dias atuais realiza essa atividade de moto e vestido calça e casaco jeans ou camisas de algodão. As mulheres trocaram as panelas de barro pelas panelas de alumínio mais resistentes. As bonecas de pano, os carrinhos de lata e os peões de madeira são substituídos por brinquedos de plástico, totalmente produzidos fora da região ou importados. As lamparinas perdem sua função principal – iluminar as casas – reduzindo a produção das mesmas ao propósito de serem utilizadas durante os festejos religiosos de Nossa Senhora das Candeias. Os santos de barro e os ‘Padres Cíceros’ de madeira produzidos pelos artesãos locais são menos vendidos que aqueles industrialmente produzidos a base de EVA ou outra resina plástica que ainda reproduzem a gravação de hinos de louvor e benditos ao toque de um botão. Concomitante a mudanças dos hábitos sociais, identificamos possível perda de valores ou bens que representam a tradição da cultura sertaneja nordestina, atrelada à desvalorização dos bens de consumo produzidos artesanalmente, uma vez que o imaginário do vaqueiro heróico que desbrava o sertão, não pode ser pensado apartado de suas vestimentas de couro, da mesma forma que, o agricultor que pede a Deus e aos santos da igreja católica auxílio para uma boa colheita não pode ser pensado sem seu chapéu de palha. Os exemplos de substituição de produtos artesanais por produtos industriais, como apresentados anteriormente, são evidências de inúmeras transformações pelas quais a região do Cariri passou nas últimas décadas, que tiveram como conseqüência um retraimento do ar-

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tesanato local, com possíveis perdas de valores intangíveis, de tradições culturais e de técnicas tradicionais. Estas mudanças podem ser observadas em todo processo de produção artesanal, considerado como composto por três etapas distintas: aquisição da matéria-prima, produção propriamente dita e comercialização do produto artesanal. A seguir, buscaremos evidenciar aspectos do trabalho artesanal em Juazeiro do Norte que sejam indicadores do processo de fragilização e desvalorização do artesanato local, nas três etapas citadas, tentando estabelecer comparações entre a forma como se configuravam entre as décadas de 1930 e 1960 e como se delineiam atualmente. Neste contexto de enfraquecimento do artesanato, várias são as dificuldades dos artesãos na realização do seu trabalho. Uma delas diz respeito à inacessibilidade da matéria-prima na natureza ou no ambiente onde o artesão vive. Por vezes isto ocorre porque a idade do artesão não lhe permite mais longas caminhadas para chegar ao local onde pode encontrar a matéria-prima, por exemplo, o “barro bom” para se trabalhar. Outras vezes, porque uma determinada forma de acesso à matéria-prima deixou de existir, como no caso da palha de milho em que o produtor substituiu o trabalho humano pelo trabalho mecânico no processo de remoção da palha, inviabilizando a utilização da palha na produção artesanal, ou ainda, como em episódios nos quais o proprietário de um terreno permitia a extração da matéria-prima, mas vende o imóvel e o novo proprietário veta esta possibilidade. Finalmente, em algumas vezes, identificamos ainda a extinção da matéria-prima, como é o caso dos artesãos da madeira, que tinham como insumo


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principal a madeira da imburana, árvore nativa do semiárido brasileiro (CARVALHO, 1998) que na espécie “Amburana cearensis corre risco de ser extinta, de acordo com levantamento feito pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais – IUCN” (EMBRAPA, n.d.). Aliás, a Imburana é uma das espécies ameaçada em extinção elencada na Lista Oficial de Espécies da Flora Brasileira Ameaçada de Extinção, publicada em portaria do IBAMA (1992). A inacessibilidade da matéria-prima na natureza ou no ambiente onde o artesão vive, impele-o a adquiri-la através da compra para poder dar continuidade ao seu ofício. Esta vem sendo a forma mais comum de aquisição da matéria prima atualmente, conforme aponta o nosso estudo sobre os artesãos de Juazeiro do Norte/ CE: 84,2% dos artesãos informaram comprar a matéria-prima para realização do seu ofício artesanal (VALE; GRANGEIRO, 2012). Caso existissem dados acerca da forma de aquisição da matéria-prima pelos artesãos no período mais pujante do artesanato na região do Cariri (década de 60), para que pudéssemos comparar com o atual momento, provavelmente um percentual menor de artesãos – nos anos 60 – informaria adquirir a matéria-prima através da compra. O fato de comprar matéria-prima não representa em si - indício de falência do artesanato, desde que o artesão tenha poder de compra. Em alguns casos, comprar matéria-prima pode até significar mais liberdade e tempo de dedicação ao processo criativo e produtivo, uma vez que o artesão não precisará se ocupar da extração da matéria-prima e/ou de sua preparação inicial antes de ser utilizada no processo de produção. No entan-

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to, se a urbanização, a industrialização e/ou a falta de consciência ecológica puseram em risco a aquisição da matéria-prima por meio de coleta ou extração na natureza e a compra tornou-se a forma padrão de adquiri-la, precisamos examinar como esta etapa do trabalho artesanal se configurava antes e atualmente. Nesta perspectiva, é necessário identificar quantos fornecedores de matéria-prima o artesão possui e como se dá a relação entre artesão e fornecedor: é uma relação duradoura? Existe relação de confiança que garanta a qualidade da matéria-prima? Indo além e refletindo sobre o caso de artesãos que se reúnem por pertencerem à mesma tipologia artesanal, devemos averiguar se eles se organizam coletivamente pra obterem vantagens na compra da matéria-prima, analisar a relação entre os artesãos (pares) na execução desta atividade, bem como, entre artesão e fornecedores (considerados pertencentes à outra categoria profissional cuja atividade impacta na atividade do artesão). Assim, esta etapa do trabalho artesanal precisa ser investigada, pois quando a matéria-prima típica de uma determinada localidade se torna inacessível ao artesão - seja pela impossibilidade de adquiri-la diretamente da natureza, seja por não ter poder aquisitivo para comprá-la - há prejuízo na produção artesanal, favorecendo o declínio da atividade na região. O processo de produção em si também apresenta características que impedem o desenvolvimento pleno ou satisfatório do trabalho artesanal. A realização da atividade de trabalho no próprio domicílio pode ser considerada um fator que reduz o tempo de trabalho destinado ao artesanato. Isto é agravado no caso das artesãs, uma


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vez que, neste ambiente, as atividades domésticas e de cuidado com os filhos são imperativas e comprometem a dedicação à atividade artesanal. Na pesquisa que apresentaremos em detalhes mais a frente, verificaremos que esta parece ser uma realidade comum em Juazeiro do Norte/CE, pois a produção artesanal ocorre majoritariamente em ambiente domiciliar (88,4%). Reconhece-se a importância histórica, para a região, de combinar trabalho e moradia no mesmo ambiente. No entanto, esta prática, que se justificou em meados do século XX, quando se observa amplo fluxo migratório para região, parece ser um fator que atualmente mais prejudica que alavanca o artesanato no Cariri cearense. Em outras palavras, neste momento, apontamos esta característica tradicional do modo de fazer artesanal como um aspecto que fragiliza o artesanato da região. Cabe registrar que valorizamos o artesanato como expressão da cultura tradicional ou que faça referência à cultura tradicional, no entanto julgamos que para a sobrevivência da atividade artesanal - ou mais ainda, para que o artesanato se constitua atividade lucrativa economicamente e apresente alto grau de visibilidade e inovação, o artesão deve, em algumas situações, abandonar velhas formas do fazer artesanal e imprimir transformações no processo de produção artesanal que ampliem o nível de profissionalismo na gestão da atividade de trabalho. Por outro lado, não podemos esquecer que a carência de incentivos governamentais à atividade artesanal e a baixa mobilização coletiva dos artesãos restringem ou limitam o espaço de produção artesanal ao próprio domicílio do artesão. O ambiente doméstico, além de lócus de trabalho é também o espaço onde se dá a trans-

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missão do saber-fazer artesanal. A realização da atividade artesanal no próprio domicílio torna a ocasião da produção, também um momento de aprendizagem – por parte dos aprendizes – do modo como o artesão mais experiente e habilidoso se relaciona com o objeto que está produzindo; e um momento de transmissão de conhecimento por meio de treinamento e desenvolvimento de habilidades, a partir da repetição e imitação destes movimentos, perpetuando assim uma pedagogia do artesanato. Conforme Rugiu (1998), esta pedagogia do artesanato afirma que o ato da produção artesanal não constitui apenas a aprendizagem de um ofício, mas de um modo de vida A partir deste modo de produção e transmissão de saberes, alguns questionamentos podem ser levantados, tais como: i) Além da observação (por parte do aprendiz), alguma instrução é fornecida pelo artesão mais experiente e habilidoso?; ii) Os melhores artesãos aprenderam com os melhores mestres?; e, iii) Os artesãos mais hábeis tecnicamente são também melhores mestres? E melhores na transmissão dos conhecimentos sobre o ofício aos aprendizes? Após análise detalhada do processo de transmissão de conhecimento, cremos ser pertinente uma reflexão sobre as vantagens e desvantagens da aprendizagem estar limitada ao ambiente doméstico, uma vez que tornar mais “profissional” o processo de produção, resguardando aspectos da tradição ao objeto produzido e à matéria-prima utilizada, foi apresentado no parágrafo anterior como uma possível saída de uma situação de fragilidade da atividade artesanal na região do Cariri cearense. Além dos obstáculos mencionados nas etapas de


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aquisição da matéria-prima e produção artesanal em si, observamos também dificuldades em relação à comercialização do artesanato produzido na região do Cariri cearense. Resgatando relato de pesquisa sobre o artesanato de Juazeiro do Norte na década de 60, podemos identificar a forma como os artesãos vendiam seus artefatos. Neste período, a comercialização era realizada pelos próprios artesãos, que se organizavam nas ruas centrais das cidades, aglutinando-se em função dos objetos que produziam e do material utilizado na produção (RABELLO, 1967). No entanto, esta não é mais a realidade observada em Juazeiro do Norte. A ampliação de produtos industrializados à venda nos centros comerciais da região - anteriormente citado - fez com que o artesanato perdesse seu mercado consumidor local. Algumas pesquisas recentes ratificam a redução do consumo dos artefatos pelos próprios habitantes da região. Conforme observou Vitoriano (2004), o artesanato produzido no município desperta mais interesse nos turistas que visitam a cidade, que nos próprios moradores. Isso se reflete no volume de vendas na própria cidade e quantidade de vendas para outros estados do país e para o exterior. Para representar esta situação, em um estudo sobre circulação das peças produzidas, especificamente no Centro Cultural Mestre Noza (sede da Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte/CE, localizada no centro da cidade), Melo (2010) afirma que 60% das peças são enviadas para os estados do Sudeste, 20% para Fortaleza, 1% para o exterior. Em outras palavras, apenas 19% das peças são adquiridas pelos visitantes no próprio Centro Cultural.

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Outra dificuldade que os artesãos do Cariri cearense enfrentam na etapa de comercialização do artesanato se refere à sua relação com pessoas físicas ou jurídicas que se encarregam da venda das peças por ele produzidas. Os artesãos identificam estes intermediadores entre seus produtos e os clientes como atravessadores. A partir de uma breve análise histórica do trabalho artesanal, Rugiu (1998) verificou que a venda dos artefatos raramente foi responsabilidade do próprio artesão. Este a deixa a cargo de um terceiro (com habilidades comerciais) e que apresenta a um determinado mercado comprador os artefatos produzidos. Também historicamente, há uma relação de submissão do artesão em relação ao atravessador, que determina o que deve ser produzido, em que quantidade deve ser produzido e qual o valor econômico das peças produzidas (CUNHA; VIEIRA, 2009). Nesta relação, em geral, os artesãos são explorados, pois os atravessadores repassam os artefatos para o mercado comprador a um preço bastante superior, comparado ao valor que é pago ao artesão. Apesar de a atividade artesanal da região, ao longo do tempo, passar por processo de fragilização nas três etapas do trabalho artesanal (aquisição da matéria-prima, processo produtivo e comercialização do artesanato), Juazeiro do Norte continua sendo o maior pólo de artesanato cearense em quantidade e diversidade, possuindo forte representatividade para a cultura popular do Estado do Ceará e do Brasil. Este destaque se dá, sobretudo, por preservar arte e artesanato tradicionais e pela quantidade e diversidade artesanal produzida, acolhendo os tipos mais característicos do artesanato tradicional (santeiros, xilogravuristas, seleiros, ourives,


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pintores) e produzindo a partir de uma variedade de insumo artesanal (couro, madeira, palha, barro, metal e tecido). O Juazeiro do Norte ainda abriga artesãos de fama nacional e internacional; artesãos que têm suas peças expostas em museus; e artesãos mestres da cultura cearense que dominam o ofício artesanal e contribuem para perpetuação da cultura sertaneja. A princípio, o alto grau de visibilidade das peças produzidas por um determinado grupo de artesãos, apresenta-se como um possível indicador de êxito profissional destes trabalhadores. Por outro lado, a região também abriga artesãos que mecanicamente repetem as técnicas aprendidas com seus antecessores; artesãos que têm dificuldade de acesso à matéria-prima e possuem precários equipamentos de produção; e artesãos cujo tempo dedicado ao trabalho artesanal está limitado aos intervalos entre as atividades domésticas e de cuidado com os filhos. Assim, produzem peças de baixa qualidade estética e também de baixo valor simbólico e econômico e que não conseguem sustentar a família a partir da renda adquirida com o trabalho artesanal (VITORIANO, 2004; CARVALHO, 2005; MELO, 2010; VALE & GRANGEIRO, 2012). Um breve contato com centros comerciais de artesanato em Juazeiro do Norte nos leva pensar que estes artesãos são maioria, os quais parecem fazer parte de um contexto de fracasso ou insucesso profissional, devido à baixa visibilidade do artesanato que produzem e aos escassos elementos de inovação no produto e/ou processo produtivo. As condições de trabalho vivenciadas por estes artesãos não favorecem o desenvolvimento pleno da atividade artesanal, que precisa passar por transforma-

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ções para garantir trabalho e renda adequados para os profissionais do artesanato, além de favorecer a valorização e perpetuação do artesanato tradicional do Cariri cearense. Outrossim, os artesãos no nordeste brasileiro constituem contingente significativo de trabalhadores inseridos no mercado informal, conforme estudo elaborado pelo Banco do Nordeste (2002). O mesmo estudo aponta que o artesanato promove a inserção da mulher e do adolescente em atividades produtivas, além de estimular a prática do associativismo. Em Juazeiro do Norte, estão cadastrados cinco empreendimentos associativos de base artesanal, são eles: Associação dos Artesãos da Mãe das Dores, Associação dos Artesãos de Juazeiro do Norte, Grupo dos Artesãos da Palha (GENIPOART), Associação dos Artesãos, Lapidários e Ourives do Cariri (ALAMOCA) e a Associação dos Artesãos da FEART. Por fim, a riqueza da produção artesanal, qualidade da arte popular apresentada em Juazeiro do Norte (VITORIANO, 2004) somada à ausência de um perfil do artesão norte-juazeirense foram fontes de motivação para a realização desta pesquisa para apresentar dados demográficos mais recentes sobre os artesãos, além de trazer à tona o perfil dos mesmos em relação a temas atuais – e até então não mapeados – como trabalho infantil, preocupações ambientais, bem como serviços públicos aos quais os mesmos têm acesso. A descrição do perfil desses artesãos constitui o primeiro passo para promoção do desenvolvimento socioeconômico do artesanato de Juazeiro do Norte.


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Artesão José Lourenço Gonzaga (Artesanato em Papel - Xilogravura)


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elo (2010) aponta a realização de dois levantamentos feitos sobre os artesãos de Juazeiro do Norte. O primeiro deles na década de 1960, realizado pelo Instituto Joaquim Nabuco de Pesquisas Sociais. Os resultados da pesquisa foram publicados por Rabelo (1967). Duas décadas depois, mais especificamente, no ano de 1983, o segundo levantamento foi efetivado, como etapa inicial para implantação do “Projeto de Apoio ao Artesão”. Os dados coletados foram analisados pelo Instituto Nacional do Folclore/ FUNARTE e pela Secretaria de Cultura e Turismo de Juazeiro do Norte. A partir dos dados sobre os mapeamentos do artesanato de Juazeiro do Norte apontados por Melo (2010), consideramos a pesquisa realizada pelo Laboratório de Estudos Interdisciplinares em Gestão Social (LIEGS) da Universidade Federal do Ceará – Campus Cariri como o terceiro esforço de mapear os artesãos da cidade. Os dados coletados pela equipe de pesquisadores desta universidade são apresentados nesse capítulo.

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2. Os Artesãos de Juazeiro do Norte/CE no Século XXI

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2.1. Procedimentos e Instrumentos da Coleta de Dados com os Artesãos

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O instrumento utilizado para realizar mapeamento socioeconômico dos artesãos de Juazeiro do Norte consistiu em um roteiro de entrevista que combinou perguntas estruturadas, em que os entrevistados respondem a perguntas cujas possíveis respostas já estão previamente selecionadas, e perguntas semiestruturadas, em que o respondente pode discorrer sobre a pergunta livremente (MINAYO, 2010). A primeira versão do roteiro de entrevista foi elaborada coletivamente pela coordenação do projeto e pela equipe responsável pelo mapeamento. A partir da elaboração dessa primeira versão, foi organizada a realização dos pré-testes com o objetivo de verificar possíveis incoerências ou imprecisões nas perguntas e alternativas. Foram realizados 20 pré-testes em fevereiro de 2009 distribuídos em cinco bairros de Juazeiro do Norte, sendo utilizados endereços constantes no cadastro dos artesãos fornecido pela Central de Artesanato do Ceará (CeArt). A realização dos pré-testes não foi completamente bem sucedida, uma vez que apenas 20% dos endereços repassados estavam corretos. Na proposta original do mapeamento, os questionários seriam aplicados com os artesãos relacionados neste cadastro da CeArt. Todavia, no pré-teste e durante as primeiras idas a campo, foram identificadas algumas dificuldades como, endereços que não existiam; pessoas cadastradas que afirmaram nunca terem sido artesãs; pessoas que deixaram a atividade de artesanato há mais de 05 anos, dentre outras. Com o objetivo de reparar os


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equívocos na relação dos cadastros da CeArt e ampliar a base de coleta foram solicitados os dados dos artesãos cadastras nos principais grupos associativos de artesãos de Juazeiro do Norte: Associação dos Artesãos do Padre Cícero, Associação da Mãe das Dores, Associação dos Artesãos da FEART, Associação do Grupo de Artesãos de Palha e Associação de Artesãos Minerais e Ourives da Região do Cariri. A partir das entrevistas que puderam ser realizadas no período do pré-teste e de reuniões para discutir o roteiro, a equipe do mapeamento e a coordenação do mapeamento chegou a uma versão final do roteiro de entrevista composto por 70 questões, distribuídas em três sessões: a) identificação pessoal e condições de moradia; b) condições profissionais e econômicas; c) aspectos educacionais e culturais. A partir do roteiro de coleta de dados em sua versão final, as entrevistas foram iniciadas em março e encerraram-se em agosto de 2009, chegando-se a um total de 225 entrevistas realizadas junto a artesãos de Juazeiro do Norte. Não desconhecendo ou ignorando os diversos discursos sobre artesanato e a complexidade do tema, propusemos uma definição do mesmo, com o intuito de caracterizar a amostra de artesãos em estudo. Assim, segundo Lima (2005, p.1-2) artesanato “são produtos do fazer humano em que o emprego de equipamentos e máquinas, quando se ocorre, é subsidiário a vontade de seu criador que, para fazê-lo, utiliza basicamente as mãos”. Desta forma, o artesanato se define por duas condições, que o trabalho seja essencialmente manual e que o artesão seja livre para definir ritmo de trabalho e matéria-prima utilizada na produção. Extrapolando

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a definição proposta por Lima (2005), apontamos uma terceira condição ao artesanato. O foco no viés cultural. Assim, participaram do mapeamento artesãos que retratem em seus trabalhos as tradições e cultura local. Concluída coleta de dados, deu-se início à tabulação dos dados em programa estatístico e contou com a colaboração de 06 bolsistas. A tabulação foi realizada nos meses de setembro e outubro de 2009. Concluída a tabulação, os dados receberam tratamento estatístico e algumas análises e interpretações dos dados realizadas encontram-se na sessão seguinte. O mapeamento constituiu a primeira etapa do projeto de fomento a economia solidária para promover o desenvolvimento socioeconômico dos produtores artesãos de Juazeiro do Norte. A partir do mapeamento foram identificados artesãos a serem incubados em uma organização associativa para permitir a produção e comercialização mais eficientes e eficazes. A fase do mapeamento foi realizada com recursos próprios de pesquisa e extensão da Universidade Federal do Ceará (UFC) e do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS). Todavia, as fases seguintes precisavam de recursos de parceiros para serem executadas. Os recursos iniciais para a continuidade das fases seguintes do projeto só foram viabilizados no final do segundo semestre de 2010 e por esta razão, só em fevereiro de 2011, o sumário executivo e o relatório de análise dos dados do mapeamento dos artesãos de Juazeiro do Norte foram elaborados e apresentados. A fim de sistematizar os dados coletados nessa pesquisa, os mesmos serão apresentados em duas subseções. Na primeira, intitulada “Condições Socioeconômi-


2.2. Condições Socioeconômicas dos Artesãos de Juazeiro do Norte/CE

No mapeamento, foram entrevistados 225 artesãos. Dos 225 respondentes, 73 homens (32,4%) e 152 mulheres (67,6%). Em pesquisa realizada por Rabello (1967) – nos anos 60 do século passado (quatro décadas antes deste atual mapeamento), o percentual de artesãos do sexo masculino (70%) era superior ao percentual do sexo feminino (30%). Diante disso, nos perguntamos quais as razões de uma inversão nesses percentuais em 40 anos? Seria em função do acesso feminino ao mercado de trabalho apenas em período mais recente ou, na década de 60, já haviam mulheres com força representativa no artesanato de Juazeiro do Norte e não se apre-

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cas dos Artesãos de Juazeiro do Norte” descreveremos o perfil desses artesãos em relação à idade, ao sexo, à escolaridade, as condições de moradia, à renda mensal, à naturalidade, dentre outras características que se relacionem a perspectivas sociais e econômicas dos artesãos. A relação dos mesmos com o trabalho artesanal será abordada na subseção seguinte “Aspectos do Processo Produtivo Artesanal em Juazeiro do Norte”. Nessa etapa, o foco está em aspectos da produção artesanal, serão apresentados como os artesãos aprenderam o ofício; há quanto tempo realizam a atividade; quais as condições em que realizam o trabalho (onde trabalham, propriedade dos equipamentos e participação da família); motivações ou inspiração para o trabalho; comportamentos na seleção da matéria-prima, produção e descarte que indiquem preocupação com sustentabilidade ambiental, dentre outras.

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sentaram naquela pesquisa? Talvez, a necessidade da mulher artesã complementar os ganhos para manutenção da casa, nas décadas mais recentes, ou ela mesma tornar-se a principal mantenedora a obrigou a buscar uma atividade econômica e o artesanato seria uma opção mais viável para ela continuar trabalhando em casa. Sexo

Masculino Feminino Total

Frequência

Percentual (%)

73

32,4

225

100

152

67,6

Tabela 1 - Sexo dos Artesãos Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

A importância dos dados apresentados na tabela 1 será melhor percebida nas análises conjunta com os demais dados obtidos na pesquisa, seja acerca do perfil social ou econômico do artesãos. Faixa etária 11 a 25 anos 26 a 60 anos Acima de 60 anos Total Média Maior idade

Frequência

Percentual (%)

30

13.4

14

6.3

180

80.3

224

100

85

--

40.36

--

Tabela 2 - Idade dos Artesãos Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).


Figura 2 - Escolaridade dos Artesãos Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Quanto à escolaridade, alguns dos dados da figura 2 merecem relevante destaque: i) apenas 8% dos artesãos se declararam analfabetos. Este percentual está abaixo da taxa

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No que se refere a faixa etária dos artesãos de Juazeiro do Norte, a tabela 2 evidencia que a média de idade deles é 40 anos, com aproximadamente, 80% dos artesãos concentrados na faixa dos 26 aos 60 anos. É importante destacar o baixo o percentual dos artesãos com menos de 26 anos. Investigar as causas dos jovens não estarem envolvidos com a produção do artesanato é um trabalho relevante que pode ser produzido a partir das informações apontadas no mapeamento. Aliás, esta situação pode refletir em um impacto direto na manutenção e no futuro da atividade artesanal no município. O artesanato parece ser um ofício pouco atrativo aos jovens que não vêem nele uma fonte de renda suficiente para suprir as necessidades econômicas nem uma atividade valorizada socialmente. Ademias, o valor identitário e cultural que o artesanato possui parecem estar adormecidos ou, absolutamente, fora do modelo mental dos jovens norte-juazeirenses.

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de analfabetismo no Brasil que é 9,02% e representa metade do percentual da taxa de analfabetismo do Nordeste, com 17,6% (IBGE, 2010); ii) o percentual de artesãos que concluíram o ensino médio é bastante expressivo (30%) e ao somar o que declaram nível superior com a escolaridade do artesão (3% incompleto e 7% completo), o percentual de artesãos com ensino médio concluído salta para 40% deles. Estes números, praticamente, se equivalem à média nacional; e, iii) É representativo apontar que 10% da amostra estiveram ou estão em nível superior de escolaridade. Todavia, o mapeamento não conseguiu apurar o que representa isto para os artesãos e para o artesanato local. Quais os significados de 7% dos artesãos terem concluído ensino superior é mais uma questão complementar que pode ser investigada em pesquisas futuras.

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Figura 3 - Origem dos Artesãos Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

No tocante a naturalidade dos artesãos de Juazeiro do Norte/CE, observa-se que 69,3% dos respondentes nasceram na própria região do Cariri cearense, sendo 55,3% naturais de Juazeiro do Norte. O fato de quase 70% dos artesãos


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serem caririenses pode sinalizar uma maior identificação com os símbolos e valores locais/regionais e, a partir daí, tais símbolos e valores serem mais facilmente incorporados ao produto artesanal e internalizados no processo de trabalho dos artesãos, proporcionando a consolidação de uma identidade para o artesanato de Juazeiro do Norte. Já acerca dos pouco mais de 30% dos respondentes não nasceram na região, certamente se essa pesquisa fosse realizada nos anos 60 esse percentual seria bem maior, devido o crescimento populacional mais acelerado entre as décadas de 1920 e 1950, onde a população passou de 22.067 para 56.904 habitantes (RAMOS, 2000). Dentre os artesãos que não são naturais de Juazeiro do Norte, 12,2% se deslocaram para a cidade em busca de trabalho e 72,2% afirmaram que se radicarem na cidade por razões familiares e 12,2% por outros motivos. Os domicílios dos artesãos de Juazeiro do Norte, segundo o mapeamento apresentou, que são predominantemente habitados por uma família (82,2%) e possui em média aproximada de 05 habitantes/domicílio. Em 68,7% dos casos, os domicílios são de propriedade dos artesãos e, somente, em 9,8% destes imóveis o artesão não possui registro de posse. Já a opção do aluguel de imóvel para moradia é a realidade para 25,4% dos artesãos. A origem da água utilizada no domicílio em 98,2% destes é suprida pela companhia de abastecimento do estado, enquanto 100% dos domicílios são supridos por energia elétrica da empresa que presta este serviço no estado do Ceará. Em outras palavras, os domicílios dos artesãos são supridos em relação às demandas de água e energia e isto tem impacto sobre o trabalho do artesão, uma vez que na maioria dos casos ele/ela trabalha em casa e - muitas vezes - necessita de água e energia para a confecção de seu produto artesanal. Analisou-se também o acesso - no bairro - a alguns servi-

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ços ou bens públicos, nas áreas de cultura, lazer, saúde e educação, pelos artesãos e moradores do domicílio. Conforme os dados da tabela 3, percebem-se baixos percentuais de acesso aos serviços públicos de educação, saúde e lazer. De 09 serviços/bens públicos elencados, em 07 deles menos de ¼ dos artesãos demonstraram acessar tais serviços. Ademais, não podem ser celebrados os percentuais atingidos nos outros dois itens: i) somente 34% acessam o ensino fundamental e médio, no bairro; e, ii) 72% tem acesso ao posto de saúde no bairro onde residem. Bem ou Serviço Público no Bairro Posto de Saúde

Escola de Ensino Fundamental e/ou Médio

Praça

Sim (%)

Não (%)

72,0

28,0

34,2

23,1

Creche

15,6

Hospital

7,6

Farmácia Popular

Chafariz

Centro de Assistência Psicossocial (CAPS)

Restaurante Popular

9,8

5,3

0,9

0,4

65,8

76,9

84,4

90,2

92,4

94,7

99,1

99,6

Tabela 3 - Bens e Serviços Públicos os Quais os Artesãos Acessam Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

O tempo de envolvimento dos artesãos de Juazeiro do Norte/CE com a atividade artesanal é longo, conforme este mapeamento pode apurar. Cerca de 61,0% dos entrevistados são artesãos há mais de 10 anos e 24,4% dos artesãos estão na atividade entre 06 e 10 anos. Por outro lado, o percentual de respondentes com menos de um ano de trabalho artesanal ficou próximo de 2,0%, conforme mostra a figura 4.


Figura 5 - Artesanato como Fonte de Renda Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Já no aspecto da renda dos artesãos, foram efetuados três questionamentos: i) O primeiro questionamento tratou de saber se o artesanato era a principal fonte de renda e, como mostra a figura 5, 70,0% responderam afirmativamente;

ii) A segunda questão inquiria sobre a renda mensal obtida através do artesanato. Os artesãos que ganham até 01 Sa-

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Observa-se que a maioria dos entrevistados possui estabilidade na atividade artesanal. Certamente essa é uma atividade que permite auxiliar no sustento da família e é um trabalho prazeroso para quem o realiza. Quando perguntados sobre isto, 99,1% consideraram importante o seu trabalho com artesanato.

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Figura 4 - Tempo de Atuação com Artesanato Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

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lário Mínimo (S.M.) com a sua produção artesanal somam 73,1% dos respondentes. Outros 21,1% dos entrevistados informaram que sua renda mensal com artesanato supera 01 S.M., mas não ultrapassa dois salários; iii) Adicionalmente, foi questionado se o artesão possuía outra atividade que proporcionava renda além da sua produção artesanal. Os artesãos que tem outra atividade remunerada totalizaram 63,6%. A maioria é empregada com ou sem carteira assinada, incluindo domésticas. Os demais são ocupados na agricultura familiar, empreendedor individual formal ou informal e funcionário público. Conforme Barbosa da Silva (2007), pesquisa realizada so-

bre mercado de trabalho do setor cultural, aponta artesanato como sub-setor da cultura com o maior índice de informalidade e menores rendimento econômico e nível de escolaridade dos trabalhadores. A predominância da exclusão social junto aos trabalhadores do artesanato favorece a busca dos artesãos por outras atividades, para complementar a renda familiar. Aliás, é representativo o percentual de artesãos de Juazeiro do Norte que recebem complementação de renda oriunda de programas governamentais (47,5%). Destes artesãos que recebem auxilio governamental, 94,2% afirmam que são beneficiários do Programa Bolsa Família. Outra forma de ampliar a renda é incluindo os parentes no ofício artesanal. Assim, uma vez investigados sobre a participação de parentes e filhos no artesanato, temos que 61% da amostra possuem algum parente trabalhando com artesanato. Daqueles que tem algum parente envolvido na produção artesanal, 53,2% informaram que estes parentes são esposo(a), filho(a) e irmão. Por sua vez, em 52,4% dos casos pelo menos um filho participa do trabalho artesanal. Convém lembrar que isto se alinha a tradição do trabalho artesanal.


O mapeamento, em relação aos aspectos a serem revelados nesta seção, procurou compreender elementos essenciais do processo produtivo do artesão de Juazeiro do Norte, desde a motivação e inspiração para a criação do produto até o destino do resíduo gerado na produção. Além destes dois momentos, são evidenciadas informações sobre como os artesãos aprenderam o ofício, quais as condições em que realizam o trabalho, como selecionam a matéria-prima e quais as condições para a comercialização. Em relação aos fatores de influência na criação do trabalho artesanal, os eventos do cotidiano dos artesãos foram apontados, por eles, como principal fonte de inspiração (30,3%), como mostra a figura 6. E deste cotidiano saem produtos de diversas tipologias que mostram a criação de animais, a vida do vaqueiro no campo e do operário na cidade, a torcida pelo clube de futebol e outras situação do dia-a-dia. As manifestações populares (19,3%) e temas ligados a religião (17,9%) ocupam um grande espaço na mente e nas mãos dos artesãos, no momento em que estão criando suas peças. Todos os santos e o Padre Cícero são talhados, esculpidos e desenhados em diversas peças do artesanato de Juazeiro do Norte, assim como, os produtos artesanais relacionados à romaria, ao reisado e outras festas populares da região.

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2.3. Aspectos do Processo Produtivo Artesanal em Juazeiro do Norte/CE

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Historicamente, os artesãos trabalham em grupo e muitas vezes os componentes desses grupos são naturais da família. Na Roma Antiga esses grupos eram denominados fâmulos. Essa prática foi muito comum também na Idade Média, assim como, característico no principio da história da colonização do Brasil (PEREIRA, 1979).

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Figura 6 - Inspiração para Criação das Peças Artesanais Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Quando questionados sobre como aprenderam o ofício artesanal, as respostas se dividiram entre herança do ofício de artesão transmitida entre gerações da mesma família (35%) e, quase na mesma medida, o esforço particular e autodidata dos que se dedicaram a aprender o ofício artesanal por conta própria (30%).

Figura 7 - Aprendizado do Ofício Artesanal Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).


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Aliás, no que tange a forma como artesãos aprendem o seu ofício, os dados do mapeamento realizado em Juazeiro do Norte são semelhantes aos achados por Porto Alegre (1994). Porto Alegre (1994) afirma que muitos artesãos nem sabem responder como de fato aprenderam a realizar o ofício, dizendo ter “aprendido fazendo”. Ainda segundo este autor, outros artesãos relataram que aprenderam observando o pai e/ou a mãe produzindo as peças desde muito pequenos e se lançaram no ofício com tom de imitação ou até brincadeira.

59 Figura 8 - Importância de Capacitações para a Formação do Artesão Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Em relação ao perfil dos artesãos de Juazeiro do Norte, a aprendizagem através de capacitações também tem um percentual que merece destaque (19%), de acordo com a figura 7. Os artesãos mapeados, inclusive, parecem valorizar a capacitação como forma de aprendizado. Ao serem inquiridos sobre a importância e as necessidades de treinamento, 94,2% dos respondentes consideram importante participar de cursos de capacitação (figura 8) e 54,3% asseveraram já participarem de algum curso de capacitação para artesãos. Dentre grupo, 97,5% afirmaram que desejam e voltariam a participar.


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Figura 9 - Razões da Não-Participação em Capacitações Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Por outro lado, 45,7% dos artesãos responderam que nunca participaram de cursos de capacitação. Ao serem indagados sobre a razão de não tomarem parte em capacitações, 37,1% responderam não terem oportunidade e 26,8% alegaram falta de tempo (ver figura 9). Sem querer contestar – absolutamente - o que afirmaram os artesãos, parece que a falta de tempo (ou de interesse em destinar este tempo) é uma causa mais crível para a não participação dos artesãos. A quantidade de cursos de capacitação para os artesãos ofertados pelo SEBRAE/CE, pelo CCBNB e pelo SESI durante o ano é considerável e pode desconstruir a afirmação dos artesãos quanto a falta de oportunidades. Para os artesãos que demonstram interesse para participar de capacitações, alguns temas se sobressaem no desejo deles de melhor qualificação. Dentre os conteúdos que tem a preferência para constante capacitação, destacam-se as temáticas do designer (45%), da comercialização (12%) e da gestão financeira (9%), como exposto na figura 10.


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Tratando-se da tipologia do artesanato, podemos dizer que não há consenso a respeito do termo e do tema. Existem algumas classificações e, neste mapeamento, optou-se pela definição do Termo de Referência de Atuação do SEBRAE no Artesanato. Assim, conforme Mascêne (2010), tipologia refere-se à matéria-prima utilizada na elaboração do produto artesanal. Dentre as tipologias pelos artesãos de Juazeiro do Norte, os percentuais mais elevados são de artesãos que utilizam palha (24,4%), madeira (21,3%) e tecido (18,6%). Todavia, pelo menos, outras 07 tipologias são utilizadas para confecção de suas peças artesanais, vide figura 11. Quanto à forma como os artesãos obtém a tipologia para confeccionarem seus produtos artesanais, a maior parte dos respondentes (84,2%) afirmou que compra a matéria-prima que utilizam e somente 0,5% recolhem no lixo. A natureza também é fonte direta para obtenção da tipologia, sendo que 2,3% extraem a matéria-prima e 1,8% coletam da natureza. Finalmente, 4,5% recebem a matéria-prima por meio de doações e 5,0% a adquirem de outra forma.

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Figura 10 - Temas de Interesse para Novas Capacitações Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

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Figura 11 - Tipologia da Produção Artesanal Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Perguntados sobre a preocupação ambiental na seleção e aquisição da matéria-prima, 60,9% dos entrevistados garantiram que tinham esta preocupação. Contudo, deve ser advertido, que ainda são quase 40,0% os artesãos que não demonstraram preocupação com o meio-ambiente quando obtém a matéria-prima para sua produção artesanal. Ademias, dos artesãos que afirmaram ter preocupação ambiental na seleção da matéria-prima, apenas metade deles conseguiram informar, no mapeamento, que atitude deles caracterizava este cuidado com o meio-ambiente na aquisição da tipologia que eles utilizavam na confecção de seu produto artesanal. Então, fica o alerta: será que os 60,9% dos artesãos realmente agem com preocupação ambiental ou responderam que a possuíam, apenas porque imaginam essa ser a resposta mais politicamente correta? Igualmente, em um tempo que se revela necessário e urgente a sociedade se inquietar com o destino do lixo, com o desperdício da água, com as queimadas e com o desmatamento, é lamentável que quatro em dez artesãos de Juazeiro do Norte estejam desconectados deste estágio de preocupação ambiental. É urgente que os ar-


Por sua vez, referente ao destino do resíduo do processo de produção do seu artesanato, 34,7% dos artesãos afirmaram que destinam o resíduo para o lixo domiciliar, sendo que apenas 1,3% realizam a separação do resíduo que pode ser reciclável para coleta seletiva. Como expõe a figura 12, é digno de louvação que 31,6% dos artesãos reutilizem o resíduo da sua produção na confecção de outras peças artesanais. Realizar separação de material reciclável, reutilizar o resíduo na confecção de outros produtos, doar para outros artesãos, transformar o resíduo em adubo, ou mesmo evitar a geração de resíduos são considerados comportamentos que favorecem a sustentabilidade ambiental, segundo Manzini (2008). Somados os percentuais dessas respostas temos 54,7% dos artesãos desenvolvem ação de

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Figura 12 - Destino do Resíduo Gerado no Processo Produtivo Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

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tesãos de Padre Cícero, no século XXI, voltem no tempo, releiam e sigam os preceitos, pregados por este inspirador sacerdote, para o comportamento das pessoas em relação à natureza.

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sustentabilidade ambiental no cuidado com os resíduos gerados na produção. Por outro lado, é lamentável que quase 10% dos artesãos ainda se utilizam do ato selvagem e rudimentar da queimam dos resíduos. No que tange ao tipo de empreendimento de artesanato que os artesãos de Juazeiro do Norte possuem ou fazem parte, 52,5% dos artesãos responderam que eram autônomos, outros 43% informaram que faziam parte de associações e, somente, 4,5% asseguraram possuir uma micro ou pequena empresa para a sua atividade artesanal. Quanto à formalização dos empreendimentos dos artesãos, 47,2% responderam que atuavam em empreendimentos formalizados e 52,8% ainda atuavam na informalidade, sobretudo, os artesãos autônomos. Para Silva (2007), a informalidade é acentuada na área cultural, chegando algumas ocupações a terem nível de informalidade superior à média. O artesanato, por exemplo, é caracterizado como trabalho informal, apesar de novas políticas governamentais tenham incentivado a formalização dos empreendimentos e de artesãos autônomos. De acordo com Araújo (2006), o agrupamento de artesãos, em Juazeiro do Norte, teve início nas primeiras décadas do século XX. A mudança do lugar de produção das casas para as oficinas tinha como objetivo atrair mais clientes e criar espaços distintos para determinados ofícios. Os artesãos que asseveraram fazem parte de alguma associação, ¾ deles estão reunidos em duas entidades. Aproximadamente metade (49,30%) dos artesãos nesta condição está associada à Associação dos Artesãos do Padre Cícero e 26% são associados da Associação dos Artesãos da Mãe das Dores. Os demais artesãos que fazem parte de alguma associação estão dis-


Os que fazem parte de associação também foram perguntados se percebiam alguma vantagem em fazer parte de uma associação. Os artesãos que enxergam vantagem no fato de estarem associados são 84,3%.

Figura 14 - Vantagens Consideradas pelos Artesãos para estarem Associados Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Estes artesãos, especificamente, entendem que as principais vantagens na associação estão em proporcionar uma oportunidade de trabalho (35,4%) que o artesão não obteria sozinho e obtenção de um aumento de renda (21,9%).

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Figura 13 - Associações que Agrupam os Artesãos Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

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tribuídos em 06 outras associações, como apresentado na figura 13.

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Porém, outras duas vantagens apontadas pelos artesãos – figura 14 – devem ser destacadas por apontarem uma perspectiva diferenciada, mas bem relevante para o fato deles se associarem: conhecer outras pessoas (11,5%) e ajuda do grupo para superar dificuldades individuais (10,4%). Já aqueles artesãos que garantiram não perceber vantagem em participar de associações foram interrogados quanto a razão. Responderam o fato de estarem associados não tinha modificado sua situação socioeconômica, 33,3% dos artesãos. Outros 16,7% disseram que não acreditam no trabalho e produção coletiva e, finalmente, 5,6% informaram ter dificultado na venda do produto, quando comercializavam pela associação.

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Figura 15- Local onde o Artesão Trabalha Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Apesar de 43% dos artesãos de Juazeiro do Norte estarem associados a algum das associações informadas por eles mesmos, 88,4% dos artesãos informaram que trabalham na própria residência e somente 7,1% na associação da qual faz parte. Os demais 3,1% alegaram que atuam em uma oficina destinada a sua produção artesanal é o que aponta a figura 15.


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Uma vez tratado do local onde trabalham os artesãos de Juazeiro do Norte, procurou-se saber acerca da posse dos equipamentos e ferramentas que estes utilizam na produção. Em 87,6% dos casos a propriedade dos equipamentos e ferramentas é individual (o artesão é o dono), 7,3% dos associados (pertence à associação e a posse é coletiva) e 1,3% das ferramentas e equipamentos utilizados pelos artesão na produção pertence a terceiros que alugaram ou cederam a posse momentânea, conforme se verifica na figura 16. Aqui cabe um questionamento que somará aos demais já feitos antes para futuras pesquisas: se 43% dos artesãos estão associados, quais as razões para que somente 7,3% dos artesãos utilizem equipamentos e ferramentas do grupo?

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Figura 16 - Propriedade dos Instrumentos de Trabalho dos Artesãos Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

Finalizando os aspectos do processo da produção artesanal dos artesãos de Juazeiro do Norte, serão expostas questões relacionadas ao passo seguinte do processo de produção, ou seja, a comercialização. Os pontos de comercialização que os artesãos afirmam utilizar são, principalmente, a própria casa do artesão (35,6%) e as sedes das associações que os agrupa (18,9%).


Figura 17 - Dificuldades Encontradas na Comercialização Fonte: Elaborada pelos autores a partir dos resultados da pesquisa (2013).

A limitação dos lugares de comercialização, certamente, representa dificuldade na venda das peças de artesanato. O mapeamento solicitou que os artesãos se posicionassem quanto às dificuldades que eles enfrentavam para comercializarem seus produtos, 14,4% dos mesmos atribuíram a falta de local apropriado para a venda. Outra dificuldade na venda das peças possivelmente esteja no desinteresses dos moradores da cidade pelo artesanato local. Observamos em Vitoriano (2004) que o mesmo desperta maior interesse nos turistas que visitam a cidade. Essa idéia parece corroborada, quando 61,6% dos respondentes atribuem a dificuldade enfrentada na venda à falta de reconhecimento do trabalho e baixa procura pelos seus produtos artesanais (ver figura 17).


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Artesã Conçeição Oliveira Pereira (Artesanato em Cascas e Folhas Secas)


2 Este capítulo foi elaborado com a colaboração de Cleonisia Alves Rodrigues do Vale, coordenadora do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri, entre 2011-2012, e atualmente membro da equipe técnica do projeto.

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O

Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri é uma iniciativa do Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social (LIEGS), vinculado Campus Cariri da Universidade Federal do Ceará (UFC). Criado em 2006, o LIEGS é um núcleo de pesquisa (Certificado no Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq) e extensão (Registrado na Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará - PREX/UFC) em Gestão Social. Seu objetivo primordial é ser um ambiente de apreensão, prospecção, formação, articulação e difusão de conhecimentos teórico-práticos em Gestão Social contribuindo para a consolidação desta temática, na perspectiva interdisciplinar. Nos seus seis anos de existência até o presente momento, o LIEGS vem atuando em 05 eixos: Formação, Consultoria, Pesquisa, Publicação e Extensão. O Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na

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3. Fomento à Arte e à Economia Solidária em Juazeiro do Norte/CE2

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Região do Cariri se insere dentro do LIEGS tanto no eixo de extensão quanto no de pesquisa. Este Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri foi constituído com a vocação para atender uma demanda local voltada para a produção, valorização e comercialização do produto artesanal. O objetivo do projeto é promover o desenvolvimento socioeconômico dos artesãos da Região Cariri, através da articulação em torno dos princípios da Economia Solidária, em especial a autogestão, a cooperação e a auto-sustentabilidade, fomentando as trocas justas e solidárias e fortalecendo as relações sociais na Região. 3.1. Antecedentes que Influenciaram a Origem do Projeto ‘Fomento’

O artesanato caririense, como evidenciado em capítulos anteriores deste livro, é uma referência nacional e internacional, sobressaindo-se pela arte em madeira, gesso, palha, couro, argila e tecidos, além da variedade de produtos e de combinações criativas entre estas tipologias. Em Juazeiro do Norte (localizado no sul do Estado do Ceará e principal centro econômico da Região do Cariri Cearense), a produção artesanal está intrinsecamente relacionada ao contexto histórico/religioso de seu surgimento e ao crescimento econômico local. Neste sentido, Juazeiro do Norte se se destaca, pela onipresença de Padre Cícero, reconhecido na história, na literatura e, principalmente, na memória e fala dos artesãos como um grande incentivador da atividade artesanal. Já destacamos em passagens anteriores, que são comuns os relatos de como o Padim incentivava a produção artesanal e manufatureira, sobretudo entre a população mais pobre. Era uma forma de garantir trabalho e renda para as famílias em um local ainda sem indústrias e com uma produção agrícola prejudicada pelas longas


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estiagens e marcada pela exploração do agricultor. A memória de Padre Cícero ainda marca fortemente a produção artesanal da região, seja pela evocação da sua própria imagem, esculpido em madeira, gesso, e retratado nos mais diversos materiais ou pela permanência de seus ensinamentos que valorizavam a fé e o trabalho. No entanto, o Juazeiro – que alcançou emancipação política em 1911 e teve como primeiro prefeito do município Padre Cícero (NETO, 2009) – possuía configuração diferente da que se apresenta nesta segunda década do século XXI. No que diz respeito à atividade artesanal, a ampliação do fluxo turístico religioso e o crescimento econômico vivenciados pela cidade delineiam novos desafios para produção local. O primeiro aspecto apontado (ampliação do fluxo turístico) remete à necessidade de que os artesãos produzam objetos que enfatizam características representativas da cultura local e funcionem como souvenirs ou lembranças do lugar visitado, ilustrando a idéia apresentada por Canclini (1983) de que o artesanato pode contribuir para uma revitalização do consumo, uma vez que atesta a viagem ao lugar “estrangeiro” e comprova a amplitude do gosto estético do comprador. Em relação ao crescimento econômico (destacado como segundo desafio à produção artesanal local), podemos afirmar que a região do Cariri cearense vem passando, desde meados do ano 2000 – seguindo tendência do que acontece no Brasil e, sobretudo, no Nordeste brasileiro – por ampliação dos postos de trabalho e da qualificação da mão-de-obra local, aspectos que tendem a elevar a média do consumo local, não apenas de produtos industrializados, mas também de objetos artesanais. Desta forma, talvez seja possível observarmos, dentro de um período de tempo, um retorno à configuração inicial do artesanato em Juazeiro do Norte (no início do século XX), no

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que se refere ao foco da distribuição ou comercialização artesanal, que, na época, destinava-se basicamente à população do próprio município e/ou de cidades vizinhas. Evidentemente, o retorno, ao qual nos referimos, está estreitamente ligado à ampliação da comercialização entre os próprios habitantes, reconhecendo a importância de que não haja redução da comercialização para turistas. Na contramão da necessidade de produção de um artesanato tradicional, singular e de qualidade, ressaltamos que o acelerado lançamento de artefatos industriais, no mercado, tem promovido uma homogeneização dos meios de produção e a descaracterização da cultura local. Concordamos com Fischer (2010) que o artesanato pode ser situado como uma matriz de resistência às tentativas substancialmente homogeneizantes de modos de produção e padrões de consumo, desde que gerido a partir da perspectiva da sustentabilidade e garantido, sobretudo, a valorização de quem o produz. Nos dias atuais, pode ser encontrado na Região do Cariri cearense o artesanato de maestria, típico de referência cultural, contemporâneo e de grande escala, atendendo às expectativas de consumidores com diferentes poderes aquisitivos e diferentes refinamentos de apreciação estética. Contudo, observa-se ainda uma ausência de políticas públicas municipais, regionais ou estadual voltadas para o setor; verifica-se que são poucos os centros artesanais; percebe-se uma grande penetração de produtos industrializados infiltrados entre os produtos de origem absolutamente artesanal; e, o mais grave ainda, observa-se que a informalidade que leva o artesão a ter que dividir seu tempo e capacidade empreendedora com outras atividades ou até abandonar a sua arte em busca de maior rentabilidade para garantir a sobrevivência da família. É, exatamente, em uma perspectiva contrária a esta que


3.2. O Projeto ‘Fomento’, suas Fases e seus Resultados

O Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri começou em 2009 com o propósito de promover, por meio dos princípios da Economia Solidária, o desenvolvimento socioeconômico dos artesãos da região do cariri cearense, fomentando a comercialização coletiva e cooperada do artesanato (produzido por estes artesãos) em uma feira. Em 2009, este projeto foi cadastrado na Pró-reitoria de Extensão da Universidade Federal do Ceará (PREX/UFC) como ação extensionista e, em seguida, estabelecido como um projeto para o desenvolvimento de pesquisas, no LIEGS. No período de 2009-2010, o objetivo do projeto foi realizar este mapeamento socioeconômico dos artesãos de Juazeiro do Norte visando conhecer as condições sociais dos artesãos, as características do processo de criação dos produtos, a or-

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se origina o Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri, pois entendemos que a produção artesanal, além de preservar o patrimônio cultural material e imaterial local - através da valorização dos saberes e fazeres dos artesãos - pode ser gerido numa perspectiva da sustentabilidade socioeconômica, por meio da comercialização e consumo responsável, respeito ao meio-ambiente, empoderamento dos atores sociais e da melhoria da qualidade de vida dos artesãos e suas famílias. Para tal, se fazem necessárias intervenções que qualifiquem e potencializem a produção artesanal e a coloquem em um patamar capaz de ser uma alternativa de renda viável, favoreça o associativismo e cooperativismo entre os artesãos – reduzindo e/ou eliminando a presença do atravessador – e conquiste no poder público e nas organizações da sociedade civil parcerias que favoreçam o seu desenvolvimento contínuo.

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ganização da produção, aspectos ambientais do processo produtivo, dentre outras caracterizações dos artesões. O principal parceiro neste momento foi a Central de Artesanato do Ceará (CeArt), órgão da Secretaria do Trabalho e Desenvolvimento Social (STDS/Governo do Estado do Ceará). A CeArt nos forneceu os cadastros dos artesãos que esta organização possuía em seus arquivos. Os dados coletados, em 2009, estão analisados e reunidos neste livro trazendo o perfil dos artesãos de Juazeiro do Norte. Uma vez identificado o perfil do público alvo iniciou a segunda fase do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri, em 2010. Recursos foram captados em 2010 com o Banco do Nordeste (BNB) e com o Ministério da Educação (MEC) – por meio do edital de apoio a Programas de Extensão Universitária (PROEXT) – com a finalidade de apoiarmos (capacitação, organização, assessoria e comercialização) um grupo de 50 artesãos de Juazeiro do Norte/CE para melhoria de renda. Ainda em 2010, a CeArt deixa o projeto. Em 2011, o Serviço Social do Comércio do Estado do Ceará (SESC/CE - Unidade de Juazeiro do Norte), a Incubadora Tecnológica de Empreendimentos Populares e Sociais (ITEPS/ UFC – Campus Cariri), Laboratório de Trocas de Afetos (LATA/ UFC – Campus Cariri) e o PET Cambada do Curso de Design de Produto do Campus da UFC no Cariri se juntaram ao projeto, apoiando várias de suas ações estratégicas. Envolvendo todos estes parceiros, o Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri ganha impulso em abril de 2011, com a realização pelo LIEGS, do Seminário Artesanato e Indústrias Criativas. A palestra de abertura deste seminário foi proferida pela Profa. Cláudia Leitão, da Secretaria Nacional de Economia Criativa do Ministério da Cultura. A partir deste instante, foi iniciada uma sensibiliza-


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ção e capacitação dos artesãos (cerca de 70) a serem apoiados nas fases seguintes. Durante a sensibilização e capacitação foi ministrada uma série de mini-cursos e oficinas em temas importantes para suprir carências na qualificação do artesão: criação de produtos de design; articulação e autogestão; formação de preço; registro de marcas e patentes; o sentido do trabalho artesanal; design e artesanato, cooperativismo, clube de trocas e atendimento ao cliente. Após seis meses de formação e reuniões com os artesãos, passou-se ao passo mais importante desta segunda fase do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri, em novembro de 2011: a organização de uma feira semanal de artesanato para o grupo dos artesãos apoiados. As feiras começaram em um espaço cedido pelo SESC/CE, na Rua São Pedro - principal rua do comércio da cidade e próximo a Igreja Matriz de Juazeiro do Norte. Em outras palavras, o local é privilegiado pelo intenso comércio e fluxo de romeiros. Naquele momento, as 50 barracas da feira foram ocupadas por cerca de 70 artesãos de Juazeiro do Norte, Barbalha, Crato e Caririaçu. Parte destes artesãos era autônomo e os demais associados a 08 grupos artesanais (FEART, SOAFANC, Mulheres da Palha, Bonequeiras do Pé de Manga, ALAMORCA, GENIPOARTE, CARIRIART, ARTEÇU). De forma impressionante, em apenas três meses (Novembro/2011 a Janeiro/2012) e funcionando somente nas tarde e noites de sexta e sábado (o que representa 19 dias de funcionamento) este projeto já conseguia apresentar resultados significativos para os artesãos. Em um curto período de tempo, a feira faturou R$ 27.664,65 proporcionando uma média diária de vendas, em torno de R$ 1.450,00, e uma receita - em 19 dias - de R$ 553,30 por barraca. Isto destaca a relevância do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região

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do Cariri, pois aponta para um acréscimo importante na renda destes artesãos. Primeiro por compreendemos que as 50 barracas representam - pelo menos - 50 famílias assistidas diretamente com esta renda. Segundo os dados do mapeamento - como mostrado antes, 70% dos artesãos entrevistados tem o artesanato como sua principal fonte de renda e a receita mensal obtida através do artesanato, para quase ¾ dos artesãos (73,1%), é de até um salário mínimo (S.M.). Ou seja, o projeto colabora para – no mínimo – dobrar a renda do artesão oriunda da sua atividade produtiva. Com a realização das feiras se concluiu a segunda fase do projeto e, em março de 2012, foi lançada a terceira fase para o biênio 2012/2013 tendo como foco as ações de incubação da feira dos artesãos e a formalização de uma organização associativa ou Rede de Artesãos. O lançamento desta etapa, do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri, aconteceu em uma solenidade que contou com a presença do Magnífico Reitor da UFC, Prof. Jesualdo Faria, e de representantes das três principais entidades apoiadoras do projeto: ETENE/BNB, PROEXT/MEC e FECOMÉRCIO/SESC-CE. Nesta terceira fase, além da formalização legal do grupo, também foram executadas - e/ou estão em execução - ações focadas no aperfeiçoamento do processo de formação de preço e comercialização e na requalificação dos processos de produção e design dos produtos artesanais do grupo. Uma destas ações aconteceu em novembro de 2012, com a realização da oficina “A Simplicidade e a Sofisticação no Produto Artesanal de Juazeiro do Norte”, ministrada durante três dias com o propósito de proporcionar aos artesãos um resgate das técnicas e identificação de referenciais locais que possam resultar no desenvolvimento de coleções ou em melhorias no produto artesanal. A facilitadora da oficina foi a premia-


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da designer gaúcha, Heloísa Crocco. Os temas trabalhados na oficina para o desenvolvimento de produtos - a partir de uma metodologia que prima pela atenção à qualidade, à diferenciação, a identidade cultural e ao design do artesanato - foram ‘Romaria’ e ‘Reisado’. Os últimos atos registrados nesta terceira fase do Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri foram os lançamentos - em novembro de 2012 (Juazeiro do Norte) e em março/2013 (Fortaleza) - do ‘Catálogo do Artesanato Caririense: Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha e Caririaçu - vol.1’. O catálogo foi organizado por Cléo do Vale (coordenadora do projeto na sua segunda fase - 2011/2012) & Jeová Torres (coordenador da primeira fase - 2009/2010). A obra apresenta diversas peças dos artesãos que fazem parte do projeto, agrupadas em 12 tipologias, e pretende contribuir para difusão do trabalho destes artesãos, criando assim, oportunidades de negócios. Por sua vez, a perspectiva das conquistas acadêmicas com o Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri também apresenta resultados notáveis. Envolvendo docentes e discentes dos cursos de Administração, Administração Pública, Biblioteconomia e Design de Produtos - ao longo destes 04 anos de projeto a produção acadêmica já passa de uma dezena os artigos, resumos e pôsteres apresentados em congressos nacionais e internacionais, bem como, já são três trabalhos de conclusão de cursos (02 em nível de especialização e 01 em nível de graduação) sobre o projeto. O quadro 1 expõe os principais resultados de produção científica realizado no âmbito Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri, nas suas três primeiras etapas de execução (2009-2012).

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Artigos em Congressos

DO VALE, Cleonisia A. R.; GRANGEIRO, Rebeca da R.; SILVA JR. Jeová; FIGUEIREDO, Maria A. Indicadores de design sustentável no artesanato de juazeiro do norte. In: Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. 5, 26-28 de maio de 2011. Anais... Florianópolis, 2011.

Artigos em Periódicos

DO VALE, Cleonisia A. R.; GRANGEIRO, Rebeca da R.. Indicadores de design para a sustentabilidade no artesanato de Juazeiro do Norte/CE e suas relações com a economia solidária. In: Cadernos Gestão Social. Salvador: RGS/ CIAGS, 2012. v.3, n.1, p. 39-52. jan-jun/2012.

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PRODUÇÃO CIENTÍFICA SOBRE O PROJETO FOMENTO À ARTE E À ECONOMIA SOLIDÁRIA

80 Livros

Pôsteres

DO VALE, Cleonisia A.R.; GRANGEIRO, Rebeca da R.; SILVA JÚNIOR, Jeová T. Indicadores de design para a sustentabilidade e suas relações com a economia solidária: práticas do artesanato em Juazeiro do Norte/CE. In: Congresso Luso Afro Brasileiro de Ciências Sociais. 11, 07-10 de agosto de 2011 Anais... Salvador, 2011.

DO VALE, Cleonisia A. R.; CUNHA, Eduardo V.; OLIVEIRA, Marcus V. de L. Diálogo entre a economia solidária e a economia criativa no projeto fomento à arte e à economia solidária na Região do Cariri. In: Bahia Análise & Dados. Salvador: SEI, 2012, v.22, n.4, p. 639-651. out-dez/2012. DO VALE, Cleonisia A. (org.); SILVA JUNIOR, Jeová T (org.). Catálogo do artesanato caririense: Juazeiro do Norte, Crato, Barbalha e Caririaçu - vol.1. Juazeiro do Norte: BSG, 2012. Série Editorial LIEGS

GONÇALVES, Sarah M. da S.; SILVA JÚNIOR, Jeová T.; GRANGEIRO, Rebeca da R.; NASCIMENTO, Ives. R. T.; PORTO, Linara F.; NOBRE, João P. B. Para além da produção artesanal: uma análise do perfil socioeconômico dos artesãos de Juazeiro do Norte/CE. In: LXII Reunião Anual da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, 62, 25-30 de julho de 2010. Anais/Resumos... Natal, 2010. v.1. DO VALE, Cleonisia A. R.; OLIVEIRA, Marcus V. de L. Gerando renda através do artesanato: a experiência do projeto fomento à arte e à economia solidária na Região do Cariri. In: Encontro Nacional de Pesquisadores em Gestão Social. 6, 21-23 de maio de 2012. Anais... São Paulo, 2012.


GONÇALVES, Sarah M. da S. Economia solidária, associativismo e autogestão: uma análise das associações de artesanato de Juazeiro do Norte. 2010. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Administração) – Curso de Administração, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, 2010.

Quadro 1 - Relação da Produção Acadêmica Relacionada ao Projeto Fonte: Elaborado pelos autores (2013).

Concluindo, pode se afirmar com convicção que o Projeto Fomento à Arte e à Economia Solidária na Região do Cariri vem conseguindo atingir seus propósitos. Em termos práticos, tem conseguido registrar parte da produção artesanal local; ampliar as oportunidades de negócios dos artesãos e suas famílias; e difundir conhecimentos acerca do trabalho artesanal do artesão de Juazeiro do Norte e região do Cariri. Este livro, aliás, se junta a esta produção acadêmica e se soma ao objetivo geral deste projeto.

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DO VALE, Cleonisia A. R. Indicadores de design para a sustentabilidade no artesanato de Juazeiro do Norte/CE e suas relações com a economia solidária. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Social do Desenvolvimento) – Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, 2012.

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Trabalhos de Conclusão de Cursos (TCC)

ARAÚJO, Lúcia M. Uma estratégia de promoção da participação social e geração de trabalho e renda: análise a partir do projeto à arte e à economia solidária na Região do Cariri. 2012. Trabalho de Conclusão de Curso (Especialização em Gestão Social do Desenvolvimento) – Laboratório Interdisciplinar de Estudos em Gestão Social, Universidade Federal do Ceará, Juazeiro do Norte, 2012.

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Artesão Edval Soares de Almeida (Artesanato em Madeira)


3 As reflexões expostas neste capítulo foram, preliminarmente, apresentadas por Rebeca Grangeiro, no seu projeto de tese de doutorado, em outubro/2012, junto ao Programa de Pós-Graduação em Psicologia da Universidade Federal da Bahia.

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A

atividade artesanal é parte da história de Juazeiro do Norte e na atualidade compõe traços da identidade e cultura local. As panelas de barro, as alpargatas de couro, os santos, carrinhos e piões de madeira, as bonecas de pano, o chapéu de palha, as lamparinas de latão são objetos que identificam a cultura de Juazeiro e se relacionam com a história do local. No entanto esses produtos parecem não mais apetecer o juazeirense, que prefere os objetos industrializados aos artesanais. Melo (2010) apontando a quem se destina a produção do Centro Cultural Mestre Noza, afirma que 60% das peças são enviadas para os estados do Sudeste, 20% para Fortaleza, 1% para o exterior e 19% das peças são adquiridas pelos visitantes no próprio Centro Cultural. Acreditamos que os dados sobre a comercialização das peças nas outras associações de artesanato de Juazeiro do Norte não possuam diferença significativa dos dados do Centro Cultural Mestre Noza, indicando a ne-

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4. Reflexões sobre os “Artesãos do Padre Cícero” no Século XXI3

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cessidade de maior valorização do artesanato local pelos próprios habitantes da cidade. Reflexões como esta darão o tom deste capítulo do livro, cuja proposta é, na primeira seção, descrever o cenário que forma com base no conjunto de informações capturadas no mapeamento que apontam o perfil dos artesãos de Juazeiro do Norte e lançar luzes sobre os temas que necessitam ser aprofundados para que este perfil se torne mais evidente; e, na segunda seção, elaborar uma análise teórico-propositiva sobre os artesãos - e o artesanato - em Juazeiro do Norte e na Região do Cariri. 4.1. Perfil dos ‘Artesãos do Padre Cícero’ do Século XXI

As características da produção artesanal em Juazeiro do Norte possuem algumas semelhanças ao artesanato da Idade Média e da origem dessa atividade na própria cidade (RUGIU, 1998; RABELLO, 1967). Dentre as similaridades de características que o mapeamento dos artesãos de Juazeiro do Norte descortina - e anteriormente analisamos, estão: i) O principal local de trabalho é a própria residência do artesão; ii) O artesão é o dono dos equipamentos de produção; iii) O artesão é auxiliado por familiares nessa atividade, que aprendeu com os pais, mas também praticando e criando a partir do que já existia. Ainda com especificidades de uma produção artesanal arraigada - que remonta à produção artesanal em oposição à produção industrial, o artesanato em Juazeiro do Norte/CE conserva características de um modelo coletivo de produção. Estes artesãos trabalham em família, o processo educativo ocorre de maneira coletiva, onde os ensinamentos são passados por aqueles que têm mais experiência e compartilhado entre um grupo de aprendizes.


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Também em relação aos obstáculos que se apresentam na venda das peças, os artesãos de Juazeiro do Norte, como já exposto através das informações colhidas no mapeamento, buscam soluções coletivas para minimizar as dificuldades. As associações se apresentam como solução coletiva para facilitar a venda dos produtos. No entanto, a partir dos dados apresentados anteriormente, percebemos que as associações – como possibilidade de cooperação em diversos aspectos da produção artesanal, desde a capacitação para o trabalho, compra da matéria-prima, integração e colaboração entre os trabalhadores, divisão dos equipamentos de produção, compartilhamento do local de trabalho e também como ponto estratégico que facilita a venda – são subutilizadas na sua vocação de cooperação. No tocante as práticas de sustentabilidade ambiental pelos artesãos de Juazeiro do Norte e reveladas pelo mapeamento, verifica-se que existe um princípio de preocupação ambiental por parte dos mesmos. Percebemos que há insights da necessidade de práticas ecológicas, mas estas estão mais relacionadas ao que o artesão pratica no descarte dos resíduos e são raras no que se refere à aquisição e seleção da matéria-prima para sua produção artesanal. Estes foram alguns aspectos do perfil dos artesãos de Juazeiro do Norte analisados e as análises quantitativas foram predominantes nesse momento. Alguns dados textuais qualitativos carecem de considerações mais profundas, mas isto demanda a complementação dos dados obtidos no mapeamento com a realização de outras pesquisas com os artesãos de Juazeiro do Norte. Assim, há necessidade de pesquisas que revelem a importância econômica do artesanato para a cidade.

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Contudo, pesquisas de viés econômico em artesanato possuem dois aspectos que as tornam mais difíceis, a informalidade do artesanato e não-disposição dos artesãos em fornecer fidedignamente os dados em todas as questões. O discurso dos artesãos entrevistados por Vitoriano (2004) aponta para a necessidade de se olhar o artesão e não o artesanato. A isso esse mapeamento se propôs, ao lançar o olhar sobre os artesãos e suas características. Aprofundando o olhar sobre esses indivíduos ainda podemos estudar seus vínculos com os diversos parceiros com os quais os artesãos se relacionam no seu trabalho, podendo ser esses familiares, associações, atravessadores, dentre outros. Compreender como a atividade artesanal influencia a identidade dos artesãos. Estudos sobre o tempo de trabalho, significado do trabalho. Refletir sobre as transformações na produção artesanal local na convivência com a industrialização. Tentar construir uma história do artesanato de Juazeiro do Norte, remontando à influência do artesanato dos índios Kariris na produção atual. 4.2. Transformações na Atividade Artesanal dos ‘Artesãos do Padre Cícero’, no Século XXI

Seguimos uma reflexão menos romantizada do trabalho artesanal, que quase sempre é apresentado como um paradigma de trabalho que deve ser perseguido, sob o argumento de que nele não há divisão horizontal de trabalho, tampouco vertical, pois o artesão ao mesmo tempo em que idealiza a ação, também a realiza. No entanto, em visitas aos centros de artesanato da região do Cariri cearense podemos observar artefatos de artesão que são assinados por um coletivo, representado pelo


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nome de uma associação. Em outros casos, podemos observar artesãos que gravam nas peças produzidas por ele, o nome de um artesão de destaque, como se trabalhasse a serviço de uma marca, de uma grife de artesão mais reconhecido. Diante de fatos sui generis como estes, desconfiamos que a atividade artesanal não tenha se mantido ilesa e imutável ao longo do tempo, e suspeitamos que, da mesma maneira que observamos mudanças na forma como os artesãos caririenses adquirem matéria-prima e comercializam os artefatos, também observamos profundas mudanças no processo produtivo. Então, queremos com isso contribuir teoricamente, com uma reflexão mais atualizada sobre o trabalho artesanal em Juazeiro do Norte que capture as transformações experimentadas pela atividade em contexto contemporâneo. Também faz parte de nossas reflexões a relevância econômica da atividade artesanal. Apesar do preconceito histórico direcionado ao artesanato, originado provavelmente do sistema de classificação discriminatório entre arte e artesanato, ocorre crescente valorização do mesmo em países desenvolvidos, onde o artesanato é altamente sofisticado e alcança altos preços de mercado (LIMA, 2005). Também no Brasil e em outros países em desenvolvimento, a produção artesanal vem apresentando ritmo de expansão crescente, constituindo-se em atividade econômica com grande potencial de expansão, inclusive como fonte de emprego e renda (SANTOS, 2007). Conforme estudo elaborado pelo Banco do Nordeste (2002), os artesãos no nordeste brasileiro constituem contingente significativo de trabalhadores inseridos no mercado informal. O mesmo estudo aponta que

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o artesanato promove a inserção da mulher e do adolescente em atividades produtivas, além de estimular a prática do associativismo. A relevância cultural do artesanato para transformação em um produto comercial e o que a atividade artesanal gera de inserção de uma mão de obra, revela sua importância econômica do artesanato, quando nos fixamos especificamente na atividade artesanal realizada na região do Cariri cearense. A região constitui o maior pólo de artesanato cearense em quantidade e diversidade, além de possuir forte representatividade para a cultura popular do Estado do Ceará e do Brasil. A diversidade de artesãos do Cariri se destaca através da aglutinação dos tipos mais característicos do artesanato tradicional, onde encontramos santeiros que criam a partir do barro ou madeira, xilogravuristas, seleiros, que além dos artefatos típicos do vaqueiro, ousam na produção de peças direcionadas a um nicho de mercado feminino, ourives e ainda artesãos e artesãs da palha que a partir de peças estilizadas com o auxílio do design, (re)significam a cultura de homens e mulheres do sertão nordestino. Ademais, diante da ampla variedade de artesãos na região, fomos impulsionados a refletir sobre como organizar subgrupos de artesãos. Encontramos quatro subgrupos de artesão, a partir da relação de duas características, a saber: inovação na atividade artesanal e visibilidade do artesanato. A primeira característica representa uma condição fundamental para a sobrevivência do artesanato frente os avanços industriais e mudanças sociais provocadas por uma nova forma de produzir bens e por uma nova lógica econômica. Além


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da inovação ou transformações pelas quais passou o trabalho artesanal desde o advento industrial, o nível de visibilidade do artesanato produzido, também constitui fator importante para sua manutenção, pois sua visibilidade para além do território onde ele é produzido – ao mesmo tempo em que favorece valorização do artesanato, também é indicador de valorização do mesmo – reflete-se em estímulo para sua continuidade. Desta forma, admitimos uma caracterização dos artesãos a partir da visibilidade do artesanato produzido e das inovações incorporadas ao produto, ao processo do fazer artesanal e/ou à comercialização. A segunda característica (visibilidade) refere-se ao alcance do artesanato, onde esse artesanato é comercializado. Em uma escala, a visibilidade do artesanato poderia variar de ausente à cosmopolita (quando o artesão consegue vender para outros países), passando por local (venda na própria cidade em que o artesão atua e/ ou em cidades vizinhas que compõem a região do Cariri cearense), estadual (venda em outras cidades do estado do Ceará), regional (venda em outras cidades da região Nordeste), nacional (venda em outras cidades do Brasil). A partir desta escala, podemos identificar seis níveis de visibilidade do artesanato e agrupar artesãos que variam em relação à visibilidade do artesanato produzido entre ausente a estadual em um conjunto e em outro conjunto artesãos com níveis de visibilidade mais elevada, variando entre regional, nacional e cosmopolita. Em relação à inovação, ela pode ocorrer em diversos aspectos. Podemos observar inovação nos aspectos relativos à produção (mudança dos equipamentos de produção, das técnicas utilizadas), inovação do produto

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em si (por exemplo, deixar de produzir malas de madeira, pois elas deixam de ter mercado comprador e passar a produzir santos de madeira; reduzir a produção de roupas e aparatos de vaqueiros e passar a produzir sandálias e bolsas femininas em couro), inovação do estilo do artesão (quando o artesão consegue imprimir em suas peças um estilo único e inconfundível, que permite aos admiradores e até as pessoas menos atentas identificarem o artesão através de sua obra), inovação na forma de comercialização (quando o artesão deixa de depender do atravessador para comercialização das suas peças, ou quando além de repassar artefatos para atravessadores, o artesão passa a vender em feiras, outro exemplo possível seria deixar de vender apenas na própria oficina e vender na associação ou vender pela internet).

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Figura 18 - Matriz de Subgrupos de Artesãos quanto a Visibilidade e Inovação Fonte: Elaboração própria (2013)

Relacionando inovação (eixo x) e visibilidade (eixo y), pod mos organizar os artesãos da região do Cariri cearense em quatro subgrupos (A figura 18 permite melhor visualização dos subgrupos de artesãos):


O subgrupo de artesãos do primeiro quadrante, denominado artesão tradicional – reconhecido se refere a um grupo de artesãos que produzem artesanato tradicional, a partir de matéria-prima típica da localidade onde vive, utilizando técnicas de trabalho tradicionais. Pouca ou nenhuma inovação ocorre em relação ao processo de produção, já a inovação em relação ao artefato se limita a atualizações estimuladas por mudanças no contexto social, cultural e político em que vive o artesão. Por exemplo, artesãos que constroem cenários em barro ou em madeira, dedicam-se a este ofício provavelmente desde o início de suas carreiras, utilizando os mesmos instrumentos de trabalho, repetindo as técnicas de produção da mesma forma que aprenderam com o mestre que lhe transmitiu o ofício. As atualizações ou inovações se reservam às diferenças entre um cenário

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• No primeiro quadrante temos o artesão que na escala de visibilidade se encontra em nível variando de intermediário a superior, mas apresenta baixos níveis de inovação no processo produtivo. O artesão localizado neste quadrante é denominado artesão tradicional – reconhecido; • No segundo quadrante, os níveis de visibilidade e inovação variam de intermediário a alto e o artesão deste quadrante é denominado artesão de referência cultural – reconhecido; • No terceiro quadrante o nível de visibilidade varia de intermediário a inferior, porém em relação à inovação varia de intermediário a superior, o artesão deste quadrante se chama de referência cultural – não reconhecido; • No quarto e último quadrante, tanto visibilidade quanto inovação variam de um nível intermediário a inferior, o artesão é denominado tradicional não – reconhecido.

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criado e outro, como forma de expressão das mudanças no contexto social vivido. Como exemplo de artesã pertencente à desta categoria, na região do Cariri cearense, cita-se a artesã - Mestre de Cultura - Maria Cândido, na tipologia cerâmica. A artesã cria quadros em barro, nos quais emergem personagens em cenas que remontam ao imaginário nordestino. Os artesãos localizados no primeiro quadrante apresentam baixo poder de inovação, no entanto possuem visibilidade estadual, nacional ou cosmopolita (vide escala de visibilidade proposta por este estudo), que sugere alcance do artesanato superior à média proposta pela escala, indicando reconhecimento do trabalho artesanal em virtude da primazia da habilidade técnica e capacidade artística do artesão, e por seu trabalho representar expressão da cultura local. No segundo quadrante encontram-se artesãos de referência cultural – reconhecidos. O termo artesanato de referência cultural é citado em SEBRAE (2010) para diferenciar tipos de artesanato, a exemplo de artesanato indígena ou artesanato conceitual, além de outros tipos de artesanato. A nomenclatura utilizada por SEBRAE (2010) foi a apropriada, no entanto, a denominação “referência cultural” deixa de ter o objetivo de diferenciar tipos de artesanato, e passa a identificar os subgrupos de artesãos delineados neste estudo. Segundo SEBRAE (2010, p.14), artesanato de referência cultural se refere a produtos cuja característica é a incorporação de elementos culturais tradicionais da região onde são produzidos. São, em geral, resultantes de uma intervenção planejada de artistas e designers, em parceria com os arte-


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De forma semelhante, neste trabalho, o termo referência cultural significa que o artesão inovou o produto artesanal, no entanto o artefato guarda em si características da cultura local, de forma que ao ter acesso a este artesanato percebemos nele elementos da identidade e da cultura local. O alto grau de inovação, característico deste quadrante, refere-se não somente à inovação no produto criado, mas também à inovação no processo de produção artesanal, que podem se referir a novas técnicas empregadas no processo de produção propriamente dito, mas também podem dizer respeito a mudanças no preparo da matéria-prima, por exemplo, o uso de técnicas para colorir o couro ou a palha. Além das inovações no produto, assessoradas pelo contato com o design ou arte, a maestria no ofício, a qualidade e a beleza estética do artesanato produzido geram alto padrão de visibilidade do mesmo. Os artesãos representados neste quadrante superam o alcance geográfico local e ganham visibilidade nacional e internacional. Na região do Cariri cearense, o artesão representa bem o tipo descrito neste quadrante é Espedito Veloso de Carvalho, mais conhecido por seu nome artístico Espedito Seleiro, que reside e exerce suas atividades de trabalho em Nova Olinda/CE. Segundo SECULT (2008), Espedito Seleiro foi diplomado Mestre da Cultura em 2008 e devido ao alto nível de visibilidade do seu artesanato, bem como do alto nível de inovação impresso nos objetos criados e no processo produtivo como um todo, o mesmo representa bem o tipo de artesão descrito neste quadrante. Também, em virtude das características acima citadas, o mestre Espedito Seleiro e seu artesanato foram objeto de estudo de algumas pesqui-

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sãos, com o objetivo de diversificar os produtos, porém preservando seus traços culturais mais representativos. (SEBRAE, 2010, p.14).

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sas científicas, por exemplo, Araújo (2006), Araújo (2007) e Duarte (2010). No terceiro quadrante, onde o subgrupo é intitulado artesãos de referência cultural – não reconhecidos identificamos artesãos com baixos índices de visibilidade, ou seja, os artefatos criados por esses artesãos não ultrapassam o alcance estadual. No entanto, observa-se inovação em relação ao artesanato produzido. Por exemplo, artesãs da palha, que além do chapéu de palha (objeto característico do romeiro e artigo de proteção essencial ao trabalho agrícola) produzem bolsas, baús, cadeiras e inúmeros outros artefatos, a partir da influência do design e das demandas de mercado. Desta forma, trata-se de um artesanato de referência cultural, pois a matéria-prima utilizada representa o resgate da tradição local, mas houve inovação no que diz respeito às peças produzidas. As artesãs do Projeto Mulheres da Palha, do Bairro do Horto em Juazeiro do Norte, podem representar bem o tipo de artesão exposto neste quadrante. O que diferencia este subgrupo de artesãos em relação ao subgrupo de artesãos do segundo quadrante é a ainda baixa visibilidade das peças produzidas pelos artesãos do terceiro quadrante, o reconhecimento e continua transmissão de conhecimento do ofício como meio de formar novos artesãos para perpetuar a atividade. Algumas indagações auxiliares surgem em relação a este tipo de artesão que se (ou quando) respondidos poderão permitir ações que impulsionem o êxito profissional de artesãos na região do Cariri cearense: O que falta a esse subgrupo de artesãos para promover ampliação da visibilidade de seu trabalho? Será que existem diferenças significativas das condições de trabalho entre esses dois subgrupos? Será que diferença se


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encontra na organização do trabalho e no tempo dedicado ao trabalho artesanal? A transmissão de conhecimento para estes dois grupos se estrutura de que maneira? Entre os artesãos do segundo quadrante existe mais habilidade no saber ensinar as técnicas manuais exigidas pelo ofício? Existindo essas diferenças, seriam elas as responsáveis pela baixa visibilidade do artesanato produzido por este subgrupo? São questionamentos O quarto quadrante (artesãos tradicionais não reconhecidos) é composto por um subgrupo de artesãos tradicionais e de baixa visibilidade. Os artesãos deste subgrupo não inovaram no que diz respeito ao artefato criado, às técnicas de produção utilizadas, à forma de comercialização. Estes artesãos tampouco conseguiram aprimorar estilo próprio que os distinguisse dos demais artesãos de sua tipologia. Na maioria das vezes, estes artesãos repetem mecanicamente as técnicas do fazer artesanal, utilizam matéria-prima nativa da região do Cariri, no entanto, produzem os mesmos artefatos que produziam antes da ascensão industrial na região, quando tinham amplo mercado de consumo. Examinando a situação atual do artesanato na região, lembrando o processo de fragilização vivenciado pelo ofício artesanal comentado em outro capítulo deste livro, acreditamos que a maioria dos artesãos do Cariri encontra-se neste quadrante, caracterizado por um artesanato de baixa visibilidade e inovação. Acompanhada dessas características temos artesãos que não adquirem com o trabalho artesanal renda suficiente para o sustento de sua família, artesãos que precisam se dedicar a outra atividade de trabalho para ampliar renda familiar e desta forma reduzem o tempo de dedicação ao trabalho artesanal. A ausência de inovações, a baixa qualidade dos produtos,

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a deficiência estética do artesanato mantém os artesãos em situação econômica desfavorável e comprometem a valorização e difusão do artesanato e cultura local. Sendo a renda deste grupo de artesãos menor que a renda dos artesãos dos outros três subgrupos delineados, pode se suspeitar que as condições gerais de produção destes artesãos são mais precárias. Tendo os artesãos (do quarto quadrante) menor tempo diário de dedicação ao trabalho artesanal, evidencia-se um modo de organização do trabalho diferente do modo como é realizado pelos artesãos dos outros subgrupos. Desta forma, questionamo-nos se somente os aspectos relativos a condições de trabalho e organização do trabalho artesanal são responsáveis pelos baixos níveis de visibilidade e inovação deste subgrupo? As redes de apoio formadas pelos artesãos (desde aquisição da matéria-prima, passando pela produção e culminando com a venda do artesanato) ao longo de sua trajetória profissional também se relacionam com os baixos níveis de visibilidade e inovação deste subgrupo? Enfim, estas são reflexões sobre as ameaças à riqueza da produção artesanal e à qualidade da arte popular apresentada na região, devido ao processo de fragilização vivenciado pelo artesanato, justificam a realização de estudo complementares para compreender e apontar o contexto em que vivem dos trabalhadores/artesãos do Cariri cearense. Afinal, compreensão da atividade artesanal aponta elementos que devem ser discutidos quando se pensa na possibilidade de uma transformação da atividade artesanal do Cariri cearense.


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Artesã Mônica Estevão Bezerra (Artesanato em Pedra)


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