Herois

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Primeira Edição Rio de Janeiro - 2013 UNIRIO - NEPAA


Ficha Catalográfica C694

Coletivo de performance heróis do cotidiano / Tania Alice (org.). Rio de Janeiro : UNIRIO/PROExC, 2013. 60p. : il. ; 30 cm

ISBN: 978-85-61066-40-6 1. Artes cênicas. 2. Performance (Arte) . 2. Intervenção urbana. 3. Artes visuais. 5. Presença. 6. Performer – Treinamento. I. Alice, Tania. I. Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro. Pró-Reitoria de Extensão e Cultura. II. Título. CDD – 792.028


Índice A(r)tivismo | Tania Alice...................................................................................................................................................... 5 Soltando preocupações | Larissa Siqueira........................................................................................................................... 6 Modalidades de estética relacional nas ruas | Tania Alice................................................................................................... 8 Poder da Invisibilidade | Jarbas Albuquerque...................................................................................................................... 16 O Banquete dos Heróis | Marcelo Asth............................................................................................................................... 17 Literatura, filosofia e performance: O Banquete | Gilson Motta........................................................................................... 18 Faxina nas estátuas | Marcio Vito....................................................................................................................................... 23 medit-ação........................................................................................................................................................................ 24 Treinamento para o performer | Tania Alice........................................................................................................................ 25 Rio Branco......................................................................................................................................................................... 26 Salvem os Ricos.................................................................................................................................................................. 27 (des)Necessitados............................................................................................................................................................... 30 Infiltração na Parada Militar............................................................................................................................................... 31 A Meditação da Vaca......................................................................................................................................................... 32 Cegos - parceria com Desvio Coletivo e Coletivo Pi ........................................................................................................... 33 Em busca do Herói Cotidiano............................................................................................................................................. 34 Dossiê Por que você é pobre?............................................................................................................................................. 35 Por que você é pobre? | André Marinho.............................................................................................................................. 36 Práticas artivistas na cena contemporânea | Gilson Motta................................................................................................... 37 Pesquisa, processo e espetáculo | Rodrigo Abreu................................................................................................................ 42 A performatividade em Por que você é pobre? | Daniele Carvalho...................................................................................... 43 Performance da invisibilidade | Renata Sampaio................................................................................................................. 44 Montar Por que você é pobre? | Larissa Siqueira................................................................................................................. 46 Por que você é pobre? | Tania Alice.................................................................................................................................... 48 Ficha técnica, eventos e publicações................................................................................................................................... 54 Agradecimentos................................................................................................................................................................. 56



O Coletivo de Performance Heróis de Cotidiano, vinculado à baseado em artes marciais, ioga e meditação não somente para Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO) e em os performers mas também para os transeuntes participantes atividade há mais de três anos nas ruas do Rio de Janeiro e em das ações artísticas, contribuindo para a formação de cidadãos diversas cidades do Brasil e de outros países, realiza uma pesquisa conscientes e engajados na missão a(r)tivista de redesenhar os cênico-performática acerca do herói, do sacrifício e da pobreza contornos de nosso mundo globalitarista de forma criativa. na Contemporaneidade. Este livro é uma homenagem a estas Vestidos de superheróis, os performers tentativas compartilhadas e a todas as pessoas do Coletivo realizam intervenções urbanas e que cruzaram nosso caminho nesses últimos anos; Contra o espetáculos performáticos que fundem teatro, aos verdadeiros heróis do cotidiano - eles sabem mundo artes plásticas, dança e ativismo político. quem são. insano, Gerando poesia e microutopias dentro Heróis do de espaços urbanos e rurais funcionalizados, as performances conduzem a uma forma Cotidiano! alternativa de perceber e vivenciar os Profa. Dra. Tania Alice dispositivos sociais cotidianos e de pensar a Departamento de Interpretação relação arte/mercado. Escola de Teatro As performances valorizam o elemento relacional na arte, que UNIRIO considera como meio e fim da obra de arte a transformação da relação entre performers e participantes, propondo um treinamento

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Proposta artística geradora de uma relação dinâmica entre vizinhos de uma mesma comunidade. Realizada em março de 2011 na Comunidade Dona Marta (RJ) e no 8. Encontro do Instituto Hemisférico de Política e Performance na Praça Roosevelt, em São Paulo, em janeiro de 2013. Balões de hélio são soltos na atmosfera carregando em seus barbantes mensagens escritas por moradores de uma mesma comunidade. Estas mensagens falam sobre o desejo de transformação, sobre o desejo de se ver livre de uma preocupação cotidiana para poder viver o presente. As mensagens individuais são escritas em pequenos pedaços de papel e lançadas no ar junto com os balões de hélio, que formam um coletivo de uns trezentos balões no céu. Esta forma artística gera um elemento de ligação entre os moradores de determinada comunidade. Todos expõem suas preocupações lançando-as ao ar e deste modo enxergam-se uns aos outros numa formação colorida que flutua no céu. Desejos individuais e subjetivos passam a habitar um mundo comum.

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A performance lúdica e simbólica gera um novo modo de relacionamento entre vizinhos, uma zona de contato e sociabilidade. Para o performer, é uma possibilidade de transformar em poucos segundos a paisagem mental dos transeuntes, conectando-os uns aos outros. Larissa Siqueira Membro do Coletivo e bolsista de iniciação científica


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O que é um herói hoje? Ou, melhor, que tipo de discurso cria e constrói o que entendemos por herói hoje? Para pensar sobre este assunto, tomo como ponto de partida o trabalho realizado pelo Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano, analisando as formas de atuação do Coletivo e a forma com a qual estas estabelecem uma reflexão sobre a questão da subversão dentro da sociedade contemporânea. Afinal das contas, o que é um herói na Pós-Modernidade, após o esgotamento e a queda das “Metanarrativas” (Lyotard) coletivas? Ainda existem heróis hoje em dia? Onde aparecem e quem são eles? O projeto de pesquisa “Herói e sacrifício da Grécia Antiga até a Contemporaneidade”, que coordeno, investiga e atualiza a questão do heroísmo e da pobreza através da realização de performances e intervenções urbanas. Ele se apresenta como uma continuidade do meu projeto de pesquisa anterior sobre a adaptação de clássicos na Contemporaneidade, que deu origem à pesquisa de Pós-Doutorado realizada em 2008 na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) com auxílio do CNPq e supervisão do Prof. Dr. Eduardo F. Coutinho e que resultou no livro Performance. ensaio - (des)montando os clássicos (FAPERJ/ Confraria do Vento), o qual trabalha a questão da estética teatral e performática contemporânea a partir de dez montagens de textos clássicos realizados no Brasil nos dez últimos anos. Dessa vez, a ideia era investigar a atualização de um tema e não somente de um texto teatral. A partir desta vontade partilhada, criou-se um grupo maior que tinha por meta de investigar pela prática performática a questão do herói na Contemporaneidade. A primeira série de intervenções consistiu em descobrir o que era o herói através da realização de pequenas ações de ajuda em espaços públicos pelos performers vestidos de heróis: carregar

1 Uma versão deste texto foi apresentado no 20. Encontro da ANPAP (Associação Nacional de Pesquisa em Artes Plásticas), realizado no Rio de Janeiro de 27 de outubro até 1 de novembro de 2011 e publicado nos Anais do Evento.


compras, ceder lugar no ônibus, distribuir panfletos, fazer massagens nos vendedores ambulantes, abraçar e escutar pessoas carentes, entre outros. Rapidamente, percebeu-se que a figura do herói cristalizava

relevantes problemáticas atuais

e se apresentava como uma ferramenta fundamental para pensar a Contemporaneidade. Como sublinha Lucy Hughes-Hallet, no livro Heróis - salvadores, traidores e super-homens, “A idéia do herói não seria tão perturbadora emocionalmente e tão politicamente perigosa se não fosse tão potente” (2007:15). A crítica norte-americana explica esta potência pela capacidade de insubordinação, inerente ao herói, ressaltando ainda que: “A natureza e a função do herói se modificam juntamente com a mentalidade da cultura que o produz, bem como as qualidades atribuídas ao herói, os feitos que se esperam dele e seu lugar nas estruturas política e social como um todo” (2007:20). Nesse sentido, o herói

sempre surge em épocas ou momentos de crise. Por exemplo, no dia após o 11 de setembro

de 2001, momento de crise para os norte-americanos, um grupo de pessoas segurava nas ruínas do World Trade Center uma faixa em que estava escrito: We need heroes now. Da mesma forma, I need a hero de Bonnie Tyler é coreografada nas prisões da Tailândia após insurreições... A necessidade de heróis surge a partir de uma carência, uma desestabilização consciente ou inconsciente vivida por um coletivo. Por que a simples ação de ajuda suscita tal entusiasmo por parte da população especificamente aqui, no Brasil? O herói que aparecia nesta série de performances fornecendo ajuda nas pequenas tarefas do dia a dia - se apresenta como um remédio a que tipo de problemas? Sabemos que no contexto do “globalitarismo” (Milton Santos) atual, mais ainda na América Latina, dominada pelas estruturas da economia neoliberal imposta pelas grandes corporações internacionais, é exigido um

p e r p é t u o sacrifício das vidas particulares em prol da produtividade econômica, o que implica valores

como o esforço pessoal para superar desafios, competitividade e aceitação das desigualdades sociais. Assim, hoje em dia, sabe-se que denominamos como “heróis do cotidiano” todas as pessoas que lutam

contra

preconceitos,

passam

dificuldades econômicas e sobrevivem à custa de grandes precariedades, sacrificando seus sonhos e suas individualidades por

para realizar um determinado projeto com esforço e sacrifício. Estes processos de subjetivação gerados pela lógica do capital conduzem à assimilação, por parte da população, destes valores. No discurso veiculado pela mídia e pelas empresas, o “herói” vira então “este que mantêm a ordem vigente” e não o que busca

alternativas, resistências, linhas de fuga.

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A identificação imediata da população com essa imagem do herói, amplamente divulgada e confortada pela mídia, é certamente um dos motivos que tende a conduzir à recepção, (quase) sempre carinhosa, da Liga; de forma paradoxal, esta recepção traduz uma crise de valores, visto que aquelas condutas que deveriam ser qualificadas simplesmente como normais (como a solidariedade, o esforço e a disciplina, a abordagem criativa, o engajamento e o comprometimento) passam a ser vistas como ações extraordinárias e heroicas, provocando admiração e entusiasmo por parte da população. Um herói cedendo o lugar no ônibus ou restabelecendo bom humor e respeito do outro dentro de um vagão de metrô lotado provoca sorriso e compaixão, devido à conscientização súbita dos mecanismos corporais e sociais assimilados - conforme o explicita Bergson em suas teorias sobre o riso enquanto quebra da mecanicidade. Gera-se então a consciência de que estes nossos mecanismos são orientados em função de uma visão do mundo baseada na lógica da separação: como se o “eu” fosse separado de um conjunto e que todos não fossem, afinal das contas, da mesma natureza1. Para Campbell, importante pesquisador da temática do herói, “a moderna tarefa do herói deve configurar-se justamente como uma busca destinada a trazer outra vez a luz a Atlântida perdida da alma coordenada” (1949: 373). Existe então o paradoxo entre o discurso do herói veiculado pela mídia (aquele que mantém a ordem vigente) e o herói que busca outras modalidades e formas

de transcendência.

A partir dessas primeiras constatações, sentimos a necessidade de investigar e escutar o que as pessoas de fato entendiam por “herói”. Elaboramos um questionário, cuja finalidade era entender o que tal ideia evoca no imaginário coletivo e, aproveitando a oportunidade, medir o grau de heroísmo da população carioca e realizar uma comparação entre bairros. Os habitantes da Zona Sul seriam mais ou menos

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heroicos do que os habitantes da periferia, do Centro, das favelas ou do subúrbio? Partimos com uma câmera na mão, gravadores e questionários debaixo do braço. Sabe-se que a mídia estimula as formas de reconhecimento do esforço pessoal como meio de ascensão social; os grupos empresariais valorizam a intensa produtividade como atitude heroica; ao mesmo tempo, é realizado um constante incentivo às ações solidárias e o estímulo à criatividade enquanto modos de superação das dificuldades do cotidiano, ultimamente mais ainda reunidas pelo leitmotiv politicamente correto de “sustentabilidade” e “contrapartida social”. Assim, o discurso inicial de superação do herói é recuperado por empresas que estipulam que ser herói é se adequar ao profissional que segue o american way of life e sobe na escada da ascensão social. Além disso, a literatura de autoajuda também se apropriou do tema, reforçando esta ideologia neoliberal. É considerado herói pela coletividade quem se sacrifica em prol da produtividade, como mostra, por exemplo, de forma irônica o trabalho de Dulce Pinzon no projeto Superheroes que fotografa imigrantes mexicanos nos Estados Unidos com roupas de Super-heróis. Sacrificando vida e tempo para poder enviar dinheiro à suas famílias, os heróis são estes que

sacrificam suas vidas em prol de valores que não escolheram. Dessa forma, 80% dos entrevistados

se consideravam heróis do cotidiano, integrando e assimilando este discurso da mídia. As respostas, de uma forma geral, foram extremamente variadas e comoventes, pois eram elaboradas a partir das narrativas individuais de vida, geradas a partir destes valores dominantes2. Retomando agora um pouco de distância em relação a estas vivências performáticas, e pensando especificamente a questão do herói, gostaria de ressaltar que a arte, certamente, constitui

um dos últimos bastiões de resistência a este pensamento dominante veiculado pela mídia. E isso mais ainda quando pensamos em um


país que transforma diariamente a cultura em objeto de consumo e de diversão, seja pela construção sempre mais freqüente de teatros em shoppings, seja pela lógica do sistema de patrocínio das empresas, necessário à realização de um projeto artístico, lógica que tende a patrocinar “ o que vai dar certo”, sabendo que “certo” pode aqui ser substituído por “dinheiro”. A própria figura do herói foi submetida a este pensamento globalizante. Isso é visível nos mais diversificados meios de comunicação, nos quais o herói está presente de maneira crescente no cinema, em obras literárias, em sites da Internet, em desfiles de moda e até no Carnaval, em campanhas publicitárias governamentais e em empresas privadas. O tema do herói está diretamente relacionado à cultura de massa, na medida em que ele remete ao universo das histórias em quadrinhos, do cinema e da televisão, meios estes nos quais ele representa um ser dotado de poderes especiais, capaz de resolver grandes problemas da sociedade. Destacase, nesse sentido, um movimento norteamericano intitulado Real Life Super Heroes, que reúne várias pessoas pelo mundo, que se vestem de Super-heróis e intervêm na sociedade realizando ações de ativismo ecológico, cultural, social ou lutam contra a criminalidade em seus bairros de residência. O tema do herói constitui então um forte apelo no imaginário da sociedade, propiciando relações de identificação imediata, facilitando processos interativos, que estabelecem o próprio processo relacional como obra, no contexto do que Nicolas Bourriaud, baseado em Rikrit Tiravanija, chama de “Estética Relacional”. “No quadro de uma teoria relacionista da arte, a intersubjetividade

não representa apenas o quadro social da recepção da arte, que constitui seu meio, seu campo, mas se torna a própria essência da prática artística” (1998:31). O

que importa não é a obra pronta, mas os processos de relação que ela ativa. Nesse sentido, o herói é aquele que cria e recria vínculos que foram perdidos pelos processos de subjetivação gerados pela lógica capitalista. Essa constatação e a pesquisa mais aprofundada das teorias de Bourriaud foram o ponto de partida para a elaboração da terceira série de ações dos Heróis, que consistiu na atualização do questionamento do herói diante de heróis consagrados pela História do Brasil. Para atualizar este questionamento, o Coletivo resolveu se infiltrar

na Parada Militar do 7 de setembro do ano de 2009 –

ação curta, esta, porque os policiais intervieram com rapidez para tirá-los de lá, e os heróis desfilaram então de volta, em sentido invertido, sob os aplausos da população, que se misturavam ao discurso oficial transmitido via alto-falante e que celebravam os “heróis da pátria” versus os “heróis do cotidiano”, estes celebrados pela população, que se identificava a eles. A partir do apelo e eco importante desta intervenção, começamos a desenvolver o trabalho em cima de estátuas de heróis nacionais e internacionais - entrando no campo definido por Paul Ardenne de “arte contextual”, site specific que também é um time specific - partindo para a rua com baldes, escovas e detergente para dar uma faxina nos heróis da pátria, tornando-

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os visíveis e fazendo-os aparecer, já que, na maior parte das vezes, a população ignora quem é o herói da própria praça onde mora e onde a estátua serve simplesmente de suporte para pombos. Percebemos que há, por trás do herói, uma negociação política, que faz o herói asceder ou não ao “Panteão do Herói Nacional”, ou ter acesso a praças, nomes de ruas ou estações de metrô. Em outras palavras: dinheiro compra a imortalidade, e é a atualização deste debate que as intervenções sobre as estátuas podem gerar. Nessa ação, visível no documentário, pode se ver como é realizada a tentativa de recriar um vínculo entre os transeuntes e a cidade, dentro de um contexto em que o “flâneur” benjaminiano tende a desaparecer, para ceder lugar a uma multidão apressada, lutando pela sobrevivência diária, com um comportamento considerado como “heroico” pelo discurso da mídia. Nesse sentido, as performances se constituem como uma prática política de restauração de vínculos, que vai contra o que Debord e a Internacional Situacionista chamavam de espetacularização constate da vida, que conduz a um afastamento sempre maior entre a pessoa e sua própria vida, gerando a impressão de que ela não pode interferir no espetáculo da vida política, social e até pessoal. As performances, que remetem a este campo da Estética Relacional, com a qual a Liga de Heróis opera, além de questionarem estes processos, os colocam no centro e no cerne do próprio trabalho artístico. O restabelecimento de vínculo entre transeunte e cidade nos conduziu a querer, em seguida, aprofundar a questão do vínculos interpessoais. Para isso, elaboramos as performances Soltando preocupações . A performance Soltando e preocupações, realizada na Favela Dona Marta, no Rio de Janeiro, consistia em enviar para o ar as preocupações dos habitantes. Para isto, os Heróis compraram cerca de 300 balões de hélio e levaram estes balões

O Banquete dos Heróis

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até a comunidade. Lá, os Heróis conversaram com os moradores, que expunham em pequenos papéis individualmente para cada Herói as dificuldades que eles gostariam de enviar para o espaço. Uma vez que a preocupação tinha sido anotada no papel, ela era amarrada a um balão. Quando a preocupação era individual, ela era solta pelo próprio morador. As preocupações coletivas (com moradia, poluição, dificuldades econômicas, etc.) eram soltas pelo conjunto dos moradores e Heróis no final da performance. O heroísmo era então apontado como uma preocupação coletiva. A ação performática tinha como foco a transformação da paisagem mental e energética dos transeuntes. No caso, o Herói não resolvia seu problema, mas aliviava a preocupação que ele tinha com ele. A performance também desloca o campo de ação

Heróis

O Banquete dos

do heroísmo para o campo afetivo e relacional. Realizada na Praia de Copacabana em junho

de 2010 e em São Paulo, na Mostra SESC de Artes, em novembro de 2010, nas unidades do SESC Carmo, Pinheiros e Ipiranga, a performance consistia em montar um Banquete em uma mesa em lugares insólitos (debaixo de pontes, praia, praças públicas...). Na ação, os transeuntes podiam participar do Banquete - atualização do Banquete de Platão - com a condição de falar de amor com os Heróis. Eram assim geradas trocas intersubjetivas reais em espaços urbanos inusitados, que iam propondo uma lógica diferenciada de uso para o espaço público, realizando o que Michel de Certeau denomina a “invenção do cotidiano”. A especificidade desta performance consiste em ressaltar que, da mesma forma que a reflexão dos filósofos em O Banquete de Platão, há mais de 2.500 anos, ainda pode ser útil hoje em dia, os depoimentos filmados das pessoas devem ser úteis daqui a 2500 anos para as gerações a seguir. Iniciava-se então uma troca de experiências, ideias e reflexões sobre o amor, conduzidas pelo Coletivo. Em uma experiência realizada no Largo São Francisco, em São Paulo, grande parte dos participantes do Banquete


eram mendigos (para não usar o politicamente correto “moradores de rua”), que chegavam a mesa com intuito de comer. Foi interessante observar como, em dado momento, diante da fala de uma jovem mulher, Vanessa, cujo marido foi esfaqueado na rua, a atenção coletiva se voltou para ela. Foi realizada uma “energizada coletiva” da participante do Banquete, com participação de todos os convidados do Banquete, que, além da experiência de comer tranquilamente, sendo servidos pelos heróis, podiam falar de um assunto relegado ao segundo plano diante das necessidades de sobrevivência diária, onde cada um é condenado a lutar por si mesmo e sua própria sobrevivência e voltar sua atenção para o outro. Podemos constatar então que nos encontramos então diante do que Nicolas Bourriaud denomina em Radicant “Estética da Solidariedade”, e que vai para além da “Estética Relacional”: “A arte atua em cima de nossa percepção da realidade social. A arte contemporânea transforma tudo que toca em algo precário: este é seu fundamento ontológico. Trabalhando a partir de elementos que compõem nosso dia-dia e transformandoos no próprio material das obras, os artistas revelam a dimensão arbitrária, convencional e ideológica deste materiais.” (2009:115). Este foi igualmente o ponto de partida de outra ação, denominada Poder da Invisibilidade, na qual os heróis se deitam ao lado de mendigos, na mesma posição, chamando a atenção sobre esta questão que se tornou um fato invisível do cotidiano - fato este que chegou até a chamar a atenção de Ana Maria Braga, que realizou uma matéria sobre esta

ação no Programa “Mais você”, na Globo bem como da CNN Internacional, gerando assim visibilidade em cima de um fenômeno sempre mais banalizado. Citando mais uma vez Nicolas Bourriaud: “Se a arte contemporânea tem um projeto político coerente, é exatamente este: carregar a precariedade para o centro do sistema de representações, pelo qual o poder gera comportamentos, enfraquecendo assim este sistema, dando aos hábitos mais comuns a aparência de um ritual exótico” (2009:116). O heroísmo se torna visível. Dando continuidade à pesquisa, a temática da estética relacional e do ativismo poético foi o foco de um curso ministrado pelo Coletivo no Departamento de Interpretação da UNIRIO, sob minha coordenação e intitulado “Treinamento para o performer: ativismo poético”. Nesta experiência compartilhada, queríamos questionar a questão da atuação política do herói em espaços urbanos e ver qual tipo de treinamento específico poderia ser útil para tal fim. Iniciamos com nosso treinamento habitual, com base na meditação budista e ioga e alguns elementos da técnica dos View Points em um primeiro semestre de treinamento, e em seguida, partimos para a prática das performances, realizando no total três intervenções, que investigavam a questão do heroísmo discreto e da resistência. Rio Branco foi o nome da primeira intervenção urbana que foi realizada no dia 20 de setembro às 8:30h, nas ruas do centro da cidade, partindo do MAM e atravessando a cidade até a Rio Branco e a Cinelândia, passando pela Praça XV. Nesta intervenção, que aconteceu durante a Semana Nacional sem carro, cerca de 30 performers desfilaram de

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bicicleta, vestidos de branco e caracterizados como seres extraordinários concebidos e realizados pelos performers individualmente. O desfile teve por meta tornar o ciclista visível num transito que muitas vezes se organiza de forma a ignorá-lo. O branco, por si, visou a criar um fluxo branco dentro da avenida Rio Branco, transmitindo ao mesmo tempo paz, serenidade e poesia dentro do caos ambiente. Inserindo o elemento imaginário e poético no cotidiano, os seres extraordinários fizeram ações sobre bicicletas em alguns dos principais cruzamentos da avenida, alertando para a necessidade de uma maior utilização de bicicletas como forma de transporte alternativo, não poluente, saudável e que contribui para resolver os problemas do trânsito nas grandes cidades, além de propor uma temporalidade diferente para as relações humanas que, no trânsito, são tantas vezes marcadas pelo desrespeito e violência. Rio Branco foi uma ação que buscou evidenciar o ciclista em um espaço que não é próprio para ele, criando linhas de fuga para além do espaço urbano funcionalizado, voltado para os automobilistas. Logo em seguida, a segunda performance teve por foco a questão da desigualdade social com o título Salvem os Ricos. Realizada no dia 25 de outubro, nas ruas do Leblon, partindo do Restaurante Garcia & Rodrigues às 9:00 h em pequenos grupos, com um encontro marcado na Praça Antero de Quental as 10:00 para a Grande Manifestação dos Ricos, a performance se estendeu até o shopping Leblon. Nesta intervenção, que aconteceu cinco dias antes do segundo turno das eleições para Presidente, os performers, vestidos com roupas que transmitiam uma ideia de riqueza, desfilaram reivindicando questões tradicionalmente associadas às preocupações de ricos, como segurança e preservação do patrimônio, lançando um olhar irônico sobre a falta de preocupação de determinados grupos de lutar contra a questão da desigualdade social. Munidos de cartazes e faixas como “Praias da Zona Sul, só para moradores e turistas” ou “Fome é coisa de pobre, diga sim à degustação”, “Bolsa Família não - Bolsa Louis Vuitton!” ou ainda “Sonegar não é crime: não usamos serviços públicos”, os performers estabeleceram um diálogo irônico com os moradores e os convidavam para participar da manifestação. No final da ação, os cartazes permaneceram em alguns pontos estratégicos do Leblon. Partindo de um conceito de “Manifestações de direita”, desenvolvido pelos franceses Fred Tousch e Philippe Nicolle e do qual muitos coletivos e artistas de rua se apropriaram, a performance Salvem os Ricos buscou provocar uma reflexão sobre o egoísmo social de certas reivindicações antes do dia crucial das eleições, mantendo uma ambiguidade constante sobre a veracidade de tais reivindicações. O último experimento das investigações performáticas ligadas à questão do heroísmo discreto foi a performance (des)Necessitados, que ocorreu no dia 29 de novembro às 9:00 no Largo do Machado, consistiu em coletar, reunir e doar objetos (livros, roupas, CDs, utensílios domésticos, entre outros) que não foram utilizados há mais de três meses. No dia da performance, estes objetos foram reunidos pelos performers em cima de uma grande toalha vermelha, no Largo do Machado, no Rio de Janeiro. Os transeuntes podiam levar os objetos gratuitamente, com a condição de prestar um depoimento diante da câmera, respondendo à pergunta: “Por que você precisa realmente deste objeto?”. Os depoimentos foram, em seguida, editados, gerando um vídeo que aborda a questão do consumismo. Além dos objetos, performers-objetos ficaram disponíveis ao lado dos objetos para oferecer atenção,

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carinho, música, massagem e conselhos, respondendo às necessidades reais e inventadas dos transeuntes. Mais uma vez, o heroísmo revelou-se como um algo simples, longe do discurso da indústria sobre o super-herói, mas revelando a formatação inerente a este tipo de discurso, gerado por uma sociedade que precisa justificar-se a cada instante das aberrações sociais e ecológicas que ela comete para poder continuar a se sustentar. Concluindo, percebemos que o propósito central das ações performáticas consiste, de um lado, em questionar esse ideal de heroísmo que vem sendo divulgado pelos meios de comunicação e, de outro, buscar reconhecer aquelas que, na opinião de uma parcela da população, seriam as ações autenticamente heroicas na atualidade, sempre voltados para o que Bourriaud denomina “Estética da Solidariedade”, que aprofunda o conceito de Estética Relacional. Nesse sentido, como o expressa Deleuze, o

artista se torna um captador de forças tornadas visíveis, um potencializador de afetos e um gerador de novas formas de organização intersubjetivas, apontando para a urgência do fazer artístico hoje. Então, pode ser interessante relembrar um provérbio tibetano que diz: “Orientar suas vidas em função de riqueza, dinheiro e poder é a mesma coisa do que dar palha de comida a um tigre”: uma maneira de lembrar que a arte tem mais atribuições do que estas atribuídas pelo mundo espetacularizado, este mesmo mundo que ela pretende, paradoxalmente, criticar.

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A performance surgiu por acaso, devido a uma visão da performance como espaço de relação, de jogo, que considera antes de tudo espontaneidade e momento presente. Alguém reproduziu a imagem de um morador de rua deitado no chão, gerando a visibilidade dele frente aos outros que estavam passando, que olhavam, paravam e refletiam sobre o que estavam vendo. Foi um ato importante, pois permitiu aos heróis tornar pessoas invisíveis visíveis. Uma forma poética e irônica de trazer à tona uma questão tão cruel da vida urbana: trabalhadores e pessoas sem oportunidade jogados nas ruas e tornados invisíveis pelo caos das cidades. Esta realidade não é só do Brasil mas de todas as grandes cidades do mundo. Ela envolve a escolha pela tentativa de um modo de vida. As cidades ficam superlotadas, falta emprego e condições de vida e um imenso potencial das pessoas é desperdiçado. Jarbas Albuquerque Ator/performer e bolsista de iniciação artística (2011)

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Marcelo Asth Aluno da UNIRIO

enso que O Banquete dos Heróis foi a ação mais poética e mais �ilosó�ica que �izemos no Coletivo. “Comer para pensar” e “pensar para comer” eram algumas das regras iniciais para os convidados a participar da performance. Num espaço público e movimentado, uma grande mesa se estende com doze lugares marcados, com um banquete alimentício sobre uma toalha vermelha - a capa da Liga dos Heróis. Os Heróis do Cotidiano convidam os transeuntes que estão passando pelo local da ação a sentar-se e ser servidos por eles. O tema e objetivo central dos pensamentos a serem compartilhados nessa mesa é o amor. Costurando questões apresentadas por Platão no livro O Banquete com assuntos atuais e próprios da experiência de cada convidado, questões são debatidas, visões compartilhadas numa grande celebração do amor. Num espaço urbano, onde a pressa afasta as relações, o Banquete dos Heróis acaba aproximando pessoas diversas num ato inusitado, reunidas por um assunto que, no cotidiano, não é tão explorado com tantas vozes impares. Podemos inserir mais amor nos menores detalhes de nossas rotinas? A performance sempre foi �ilmada, e há um vídeo, editado por mim, que mostra trechos e a dinâmica da ação.

P

Realizado nas cidades de Miracema, Miguel Pereira, no Quilombo Machadinha (Prêmio de Circulação do Estado do Rio de Janeiro de 2011) e em São Paulo na Mostra de Artes do SESC 2011 em três praças públicas diferentes


Em maio de 2009, um grupo de artistas cênicos se reuniu a fim de realizar uma pesquisa acerca do herói na contemporaneidade. Deste encontro surgiu o Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano. No decorrer desse período, o grupo realizou uma série de performances e de intervenções urbanas a fim de atualizar o questionamento sobre o heroísmo, a pobreza e o sacrifício e de colocar em evidência outras questões envolvidas direta ou indiretamente com este tema central, como por exemplo, a representação da memória coletiva no espaço público,

a exclusão social,

o

consumo,

o

meio ambiente, a criação de um espaço

poético na esfera do cotidiano, a segregação racial, a busca de novas formas

de sociabilidade. Uma das ideias básicas do Coletivo é a criação de uma dimensão poética em espaços urbanos funcionalizados, de forma a re-territorializar e potencializar os afetos

e os fluxos. Uma das bases teóricas das ações do Coletivo é constituída pelas teorias do crítico francês Nicolas Bourriaud, que valoriza o elemento relacional na arte, isto é, focalizado menos na obra em si do que em seu processo e na relação entre criadores e espectadores, a estética relacional valoriza a criação de acontecimentos artísticos a partir da relação com o outro em seu contexto, de modo a gerar novas sociabilidades, novas formas de percepção. ações do Coletivo têm um por conduzirem Nesta perspectiva, a uma reflexão sobre o cotidiano, o uso do espaço urbano, os condicionamentos e os valores em vigor, propondo formas alternativas de ação e reação aos dispositivos sociais. Um desses condicionamentos diz respeito à própria figura do Herói, já que, atualmente, um ideal de heroísmo nas ações do cotidiano vem sendo estimulado por diversos setores da sociedade; vivemos cercados de heróis e pseudo-heróis que nos são impostos pela História e pela mídia. As intervenções questionam e repensam estes mitos acerca do Herói, gerando novas possibilidades de leitura e buscando identificar as formas de heroísmo contemporâneo. constitui uma parte significativa desta A performance produção, não somente por propor, por intermédio de uma prática artística de caráter relacional, a interseção das artes, como o teatro, o vídeo, as artes plásticas e a literatura, mas também por resgatar a proposta da pesquisa acadêmica que era desenvolvida por Gilson Motta e Tania Alice na Linha de Pesquisa “Adaptação de clássicos na contemporaneidade”, na Universidade Federal de Ouro Preto. Neste sentido, esta performance vem propor a releitura e a atualização de um texto clássico do pensamento filosófico ocidental.

as

teor político

O Banquete dos Heróis

Arte política e ativismo político

Em função da diferente formação dos componentes do Coletivo, o trabalho dos Heróis do Cotidiano baseia-se num corpo teórico bastante diversificado, que reúne Nicolas Bourriaud, Gilles Deleuze, Felix Guattari, Hakim Bey, Michel Foucault e Michel Onfray. A ideia básica do Coletivo é a criação de uma dimensão poética em espaços urbanos funcionalizados, de forma a reterritorializar e potencializar os afetos e os fluxos. As performances

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inserem-se assim no que chamamos de ativismo poético: a conciliação da ação artística com perspectivas políticas e sociais, a partir de um questionamento do uso do espaço urbano, dos condicionamentos e dos valores em vigor, de modo a gerar novas sociabilidades e a propor formas alternativas de ação e reação aos dispositivos sociais. Além desse corpo teórico, o Coletivo reflete também sobre o heroísmo na atualidade, baseando-se em autores como Lucy Hughes-Hallett, Joseph Campbell, Umberto Eco e Luc Ferry. As intervenções questionam e repensam as ideias acerca do Herói, gerando novas

possibilidades de leitura e buscando identificar as formas de heroísmo contemporâneo. Em nossas

intervenções-pesquisas práticas constatamos a assimilação por parte da população de certo ideal equivocado de heroísmo que vem sendo estimulado pela mídia, ideal este que, ao realçar o esforço individual de superação de dificuldades, oculta o plano social e político, gerando certa confusão na ordem dos valores. Esta situação nos fez acentuar a tônica política das intervenções, aprofundando a relação entre, por exemplo, a exclusão social e a participação política, de modo a revelar uma ideia radical sobre o heroísmo. Nesse sentido, observar-se que, desde a Antiguidade, o heroísmo está ligado a uma missão a ser cumprida, modelo este que é sintetizado no mito de Héracles. Esta missão, que determina mesmo o surgimento do Herói, envolve uma série de virtudes e capacidades, como coragem, força, inteligência e sagacidade. Segundo Luc Ferry, o herói grego luta contra aquelas forças que representam uma ameaça à ordem estabelecida por Zeus. Trata-se da luta das forças da ordem contra a constante ameaça das forças do . Esta concepção do heroísmo ainda se faz presente nas representações atuais. É o caso de diversos super-heróis que, para combater as forças da desordem atual - o crime organizado, as ameaças à paz, a destruição do planeta – passam a se identificar às forças de conservação e a um Estado policiado. Assim, enquanto o herói tradicional se move num mundo dicotômico, ao deslocarmos estas questões para nossos dias, tudo se torna mais complexo, pois podemos nos perguntar: quem são as forças do caos e da ordem na atualidade? Num mundo marcado pela instabilidade do sistema econômico, pelas crescentes crises climáticas, por um quadro social de crescente exclusão e miséria, pelo crime organizado, pela corrupção dentro e fora do Estado, pela omissão do poder público, pela violência praticada contra os direitos humanos pela própria polícia,

caos

torna-se impossível distinguir as forças do caos das forças da ordem, os heróis dos vilões, o bem do mal. Assim sendo, uma das questões que tem perpassado o trabalho do Coletivo é: qual a missão do herói num mundo caótico e trágico?

Resgatando e atualizando esses temas, desenvolvemos a ideia da criação artística enquanto missão. Assim como fazem os pichadores que se vangloriam de colocar suas assinaturas em lugares de difícil acesso, os Heróis do Cotidiano se propõem a realizar intervenções que envolvam perigos, dificuldades e riscos, na medida em que o risco parece mesmo ser essencial à arte da performance. Além disso, nesta perspectiva que opera com os conceitos de caos e de ordem, julgamos também que, contrapondo-

se à ideia do Herói como força ordenadora, as ações performáticas do Coletivo devem apontar para um sentido de desordem, de revelação do

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fator caótico. Assim, na performance Poder da Invisibilidade,

a missão desordenadora consiste em apontar para aqueles que, para Michel Onfray, situam-se no plano superior da “cartografia da miséria” (ONFRAY, 2001, p. 60): os indigentes, os malditos, aqueles que indicam a presença de uma regressão da espécie humana. Já na performance Des-necessitados, a desordem é revelada no próprio discurso do consumidor e na quantidade de objetos inúteis que são exibidos para a “troca” e que, surpreendentemente, terminam por serem valorizados por um consumidor. Por realizar performances e intervenções urbanas, o Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano lida com uma população bastante diversificada, onde se encontram múltiplas esferas sociais, desde a mais baixa até uma parte da população com um grande poder aquisitivo. Ao lidarmos com a camada social e econômica mais baixa, deparamo-nos justamente com aqueles que configuram o antípoda do próprio herói, isto é, o excluído social, o ser humano que, aos olhos da sociedade, perdeu sua humanidade, transformando-se em objeto, até chegar a um ponto de “invisibilidade”. São pessoas que ocupam alguns campos de visibilidade significativos, como as praças agora cercadas por grades, as escadarias de igrejas, a proximidades dos hospitais, os viadutos, entre outros. Invertendo a análise do panóptico proposta por Michel Foucault, na qual o ser submetido ao controle “é visto, mas não vê; é objeto de uma informação. Nunca sujeito de uma comunicação” (FOUCAULT, 1994, p.195), aqui o excluído vê, mas não é visto, ou melhor, só é visto quando se torna uma

ameaça para uma determinada ordem. Assim, em diversas ações, o Coletivo busca

gerar

estabelecer contato com os excluídos, tornando-os sujeitos de uma comunicação.

É

com

este

intuito

de

visibilidade , de tornar sujeito da comunicação e de estabelecer espaços de convivência real entre seres extremamente distintos do ponto de vista social e econômico que foi criada a performance O Banquete dos Heróis. O Banquete foi escrito por volta de 380 a.C por Platão. Trata-se de um dos textos mais conhecidos e acessíveis escritos pelo filósofo ateniense. No contexto cultural grego, os banquetes apresentavam-se como uma grande festa mundana, sendo a parte final das hecatombes, nas quais

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um animal era sacrificado numa cerimônia coletiva e nas quais, após a refeição, os participantes bebiam juntos, discutindo temas e ideias. Platão utiliza-se desta prática cultural grega para discutir aquele que , mas, além disso, seria, não somente um tema central da uma das disposições fundamentais da vida humana: o Neste texto, Platão desenvolve uma série de diálogos, nos quais os convivas (Sócrates, Fedro, o comediógrafo Aristófanes, o poeta Agáton, o médico Erixímaco, entre outros) expõem opiniões sobre o Amor, opiniões estas que mostram o famoso mito das um relato sobre a origem do Amor (como filho do Recurso e da Pobreza), , o amor sensual e o amor espiritualizado, o entre outros. Ao final dos discursos, Sócrates expõe sua opinião sobre o tema, revelando o Amor ou Eros como um princípio fundamental que dá . Desse impulso àquela que seria a maior das virtudes: a modo, um dos elementos que o texto nos mostra é que o convívio e o debate se apresentam como atividades fundamentais para a construção , em suma, o banquete é uma das de novos práticas em que pode brotar a atividade reflexiva chamada de Filosofia. Assim, no contexto platônico, o trabalho filosófico não se dissociava do prazer, nem era visto como uma prática isolada, feita para especialistas, mas sim como atividade comunitária. O Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano retoma este texto não somente para ouvir discursos sobre o Amor proferidos por pessoas extremamente diversificadas, mas também para exercitar uma prática um espaço de artística de caráter relacional, buscando convivência, onde aspectos da intimidade venham a ser postos em espaço público, de modo a criar novas percepções e resgatar formas de sociabilidade pouco presentes na atualidade, como é o caso da sociabilidade instaurada pelos banquetes. A performance se caracteriza do seguinte modo: os Heróis armam uma grande mesa com doze cadeiras, num lugar público, onde haja certo fluxo de transeuntes. Nesta mesa são colocados diversos tipos de alimentos (frutas, pães, bolos, café, sucos), caracterizando um cerca café da manhã, por exemplo. Os de doze para o Banquete, esclarecendo que sua participação tem uma condição: o conviva do banquete deve falar sobre o Amor. Os Heróis conduzem a discussão de acordo com os temas que são apresentados na obra de

Filosofia

Amor.

almas gêmeas,

homoerotismo

Sabedoria

conheci mentos

instaurar

O Banquete dos Heróis transeuntes

Heróis convidam


Platão, tais como o amor espiritual e o amor carnal, o amor platônico, o homoerotismo, a coragem para amar, o sacrifício por amor, entre outros, atualizando-os. Os participantes iniciam um debate sobre os temas, discutindo ideias, citando exemplos, contando histórias pessoais, fazendo perguntas, questionando-se entre si. Aos poucos, os doze participantes iniciais vão cedendo seu lugar para novos convidados. por um Herói, pois a meta da intervenção é a criação de um filme (curta-metragem) em que estejam registrados parte dos discursos gerados sobre o Amor. Ao se armar um banquete em espaço público, aberto a todos, o Coletivo parece instaurar aquilo que Hakim Bey chama de uma “zona autônoma temporária” (TAZ). Embora o autor não defina com precisão o que vem a ser uma TAZ, ele nos indica que se trata de um espaço de encontro, criado com uma finalidade revolucionária, isto é, com o fim de propiciar uma experiência de libertação das formas de controle e poder exercido pelo Estado e pela sociedade. Este espaço é criado por um grupo marcado por certo nomadismo, que busca a vivência imediata da realidade e uma intensificação dos seus afetos. Por suas características, a TAZ parece guardar certa semelhança com o conceito de heterotopia formulado por Foucault, isto é, uma utopia realizada. Interessante observar ainda que Hakim Bey se utiliza da imagem do jantar, do banquete, para caracterizar a TAZ como um encontro de natureza festiva, no qual se dá uma suspensão daquele que seria o

Toda a performance é registrada em vídeo

tempo profano e onde as estruturas de autoridade se dissolvem no convívio e na celebração:

A essência da festa: cara a cara, um grupo de seres humanos coloca seus esforços em sinergia para realizar desejos mútuos, seja por uma boa comida e alegria, por dança, conversa, pelas artes da vida. Talvez até por prazer erótico ou para criar uma obra de arte comunal, ou para alcançar o arroubamento do êxtase. (BEY, 2001, p. 9) no Segundo o autor, a TAZ teria caráter sentido em que vem intensificar a vida cotidiana, fazendo com que o extraordinário, o inabitual, o maravilhoso venham esgarçar as fronteiras do que chamamos de experienci a objetiva da realidade. Nesse sentido, há uma conexão evidente entre este conceito e a própria arte da performance na medida mesmo em que, a partir da ação performática, o espaço adquire uma nova significação durante um tempo

utópico

limitado, tempo este que vem suspender as regras habituais de vivência e que vem a gerar outro modo de estar-no-mundo. No caso específico , nota-se que, pelo da performance fato de o banquete ser criado num espaço público, dá-se a efetivação deste mesmo ato de suspensão das regras, de instauração de uma outra temporalidade e de inserção da dimensão do extraordinário no cotidiano. Como tal, este novo espaço que e gerado é também o lugar do prazer e do ócio. Valorizar o ócio implica em contrapor-se ao modo acelerado de vivência que o valor da produtividade impõe a todos os habitantes instaura um tempo para a dos grandes centros urbanos. O convivência, cada vez mais escassa em função do tempo dedicado ao trabalho e aos negócios. Neste sentido, o amor é um dos temas privilegiados para possibilitar esta transformação, tanto do espaço, quanto da disposição afetiva. De um modo geral, julgamos que é que possibilita também uma mudança radical na atitude ou disposição afetiva dos transeuntes que se propõem a participar do banquete. Isto é, o momento em que os transeuntes “entram” no novo espaço corresponde a uma passagem para a esfera poética: é nesse momento que a palavra passa a ser valorizada, é nesse momento que a dimensão da escuta se torna um valor preponderante, é nesse momento que até os excluídos da sociedade (os moradores de rua que, invariavelmente, participam destas ações) ganham um espaço para falar, para escutar, para ver e ser visto pelos , outros. Aqui se dá um pois pessoas de diferentes níveis sociais passam a conviver de modo real. É por este motivo que, nesta performance especificamente, a dimensão do discurso é fundamental: o registro e a edição das diversas falas constituem para o Coletivo uma verdadeira criação dramatúrgica, na medida mesmo em que percebemos nos diversos discursos a presença de formas narrativas (pessoas que contam suas experiências pessoais), de discursos que se confrontam, de depoimentos e lembranças marcadas por certo lirismo, de tiradas cômicas criadas a partir de uma situação repentina, de descrições de situações risíveis ou tristes, enfim, uma série de diferentes falas que terminam por compor o que chamaríamos de um texto dramatúrgico. Assim, na performance O Banquete dos Heróis, o que ocorre é que se, de um lado, os Heróis do Cotidiano criam a situação que irá gerar a diversidade dos discursos, por outro, são os

O Banquete dos Heróis ócio

transformação do espaço

essa

entrelaçar de vários discursos

o participante é, na verdade, o cocriador da obra:

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participantes que, correspondendo a essa provocação, proferem os discursos que irão constituir o núcleo da obra. Neste sentido, esta performance dialoga diretamente com a proposta de Nicolas Bourriaud, cuja teoria da estética relacional aponta para a ideia da criação de espaços de convivência, nos quais as situações venham favorecer uma troca verdadeira entre as pessoas, contrapondo-se assim aos dispositivos da cidade, que promovem sempre mais a dicotomia entre espaços públicos funcionalizados e espaços privados particulares. Assim, a ideia básica da performance é a valorização de formas de sociabilidade diferentes das vigentes nas práticas culturais atuais e, consequentemente, uma reinvenção irônica do texto platônico a partir do registro de diversos discursos contemporâneos sobre o amor. Assim, no meio de toda a miséria e desigualdade presentes em nossa sociedade, aponta para uma a performance possibilidade de uma vivência extraordinária, utópica, aponta para um espaço poético, no qual se fundem reflexão filosófica, humor, lirismo, narrativa, memórias, sofrimentos e alegrias. As performances dos Heróis do Cotidiano buscam a criação de zonas de desordem, de estranheza e de caos, enquanto modos de subversão da percepção habitual da realidade sensível e como forma de revelação do próprio estado caótico do mundo atual. Nesse sentido, o ideal de heroísmo que é promovido pelo Coletivo se distingue da posição tradicional, a qual associa o herói a alguém que assegura defende a ordem agindo contra as forças da desordem. Contudo, esta instauração da desordem não se confunde com a agressão ou a violência. Pelo contrário, partindo do principio de que a vida social contemporânea é marcada pela total falta de sociabilidade, o que se pretende aqui - enquanto ação revolucionaria - é a criação de zonas de troca e partilha reais, zonas de participação e de escuta, enfim, um espaço onde os afetos sejam partilhados com intensidade. Enfim, se busca aqui criar um espaço poético, mais precisamente busca-se um ativismo poético. Nesse sentido, assim como ocorre na teoria da TAZ proposta por Hakim Bey, trata-se aqui de se criarem eventos em que seja possível se experienciar a libertação - ainda que transitória - das forças de controle, vigilância e domínio. O banquete dos heróis dialoga assim com algumas teorias contemporâneas acerca das relações entre arte e sociedade, como a estética relacional e a TAZ, instaurando

O Banquete dos Heróis

um evento em que não se definem quem é

ator/

performer e quem é espectador, o que é

e o que não é obra de arte, o que é arte e o que é vida.

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Referências Bibliográficas 1] BEY, Hakim. Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Editora Conrad, 2001. 2] BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. 3] CAMPBELL, Joseph. O herói de mil faces. São Paulo: Cultrix/Pensamento, 2002. 4] ECO, Umberto. O super-homem de massa. Retórica e ideologia no romance popular. São Paulo: Perspectiva, 1991. 5] FERRY, Luc. A sabedoria dos mitos gregos. Aprender a viver II, Rio de Janeiro: Objetiva, 2009. . 6] FOUCAULT, Michel. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. 7] FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir. Nascimento da prisão. Petrópolis: Vozes, 1994. 8] GUATTARI, Felix. Caosmose. Um novo paradigma estético. São Paulo: Editora 34, 1992. 8] HUGUES-HALLETT, Lucy. Heróis. Salvadores, traidores e super-homens. Rio de Janeiro, São Paulo: Record, 2007. 9] ONFRAY, Michel. A política do rebelde. Tratado de resistência e insubmissão. Rio de Janeiro: Rocco, 2001. 10] SAUVAGNARGUES, Anne. Deleuze et l’art. Paris: Presses Universitaires de France, 2006.

Prof. Dr. Gilson Motta Escola de Belas Artes Departamento de Artes Utilitárias Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UFRJ)


Trata-se de uma grande faxina nas estátuas dos ditos “heróis”, edificadas nas praças e ruas da cidade. Esta faxina tem por meta restabelecer um vínculo entre os transeuntes e o espaço público, gerando uma percepção diferente do espaço e das possíveis interferências do cidadão nele. Os moradores de rua, muitas vezes, nos ajudam nestes processos. Ao mesmo tempo, questionamos o porque daquela estátua estar naquela lugar e quem a escolheu, criando um diálogo com a população sobre o espaço público. Márcio Vito Ator e aluno da UNIRIO

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Em 2011 o Coletivo ofereceu um treinamento semanal para os alunos da Graduação da UNIRIO no Curso intitulado “Treinamento para o performer”, oferecida no Curso de Interpretação. Ao total, 80 alunos participaram deste curso. As performances “Rio Branco”, “Salvem os Ricos” e “desnecessitados” foram elaboradas coletivamente ao longo do curso, que tinha por meta investigar a interdependência entre ecologia interna e ecologia externa.

Ementa do treinamento Treino específico para o performer que atua em espaços externos (ruas, praças...) de forma coletiva, com enfoque na questão do ativismo político. Serão preparadas e realizadas coletivamente performances em espaços urbanos diferentes, baseadas em uma abordagem crítica do conceito de “Estética Relacional” (Bourriaud). O curso contempla um treinamento ligado à ampliação da consciência e percepção, trabalhando as modalidades da presença, além da conceituação, elaboração, dramaturgia, realização e registro das intervenções urbanas.

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Rio Branco foi o nome da primeira intervenção urbana do curso. A intervenção foi realizada no dia 20 de setembro, nas ruas do centro da cidade, partindo do MAM e atravessando a cidade até a Rio Branco e a Cinelândia, passando pela Praça XV. Nessa intervenção, que aconteceu durante a Semana Nacional sem carro, cerca de 30 performers desfilaram de bicicleta, vestidos de branco e caracterizados como seres extraordinários concebidos e realizados pelos performers individualmente. O desfile teve por meta tornar o ciclista visível num transito que muitas vezes se organiza de forma a ignorá-lo. O branco, por si, visou a criar um fluxo branco dentro da avenida Rio Branco, transmitindo ao mesmo tempo paz, serenidade e poesia dentro do caos ambiente. Inserindo o elemento imaginário e poético no cotidiano, os seres extraordinários fizeram ações sobre bicicletas em alguns dos principais cruzamentos da avenida, alertando para a necessidade de uma maior utilização de bicicletas como forma de transporte alternativo, não poluente, saudável e que contribui para resolver os problemas do trânsito nas grandes cidades, além de propor uma temporalidade diferente para as relações humanas que, no trânsito, são tantas vezes marcadas pelo desrespeito e violência. Rio Branco foi uma ação que buscou evidenciar o ciclista em um espaço que não é próprio para ele, criando linhas de fuga para além do espaço urbano funcionalizado, voltado para os automobilistas.

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AA Grande Grande Manifestação Manifestação dos dos Ricos Ricos foi foi realizada realizada no no dia dia 25 25 de de outubro outubro de de 2011 2011 no no Leblon. Leblon. Nesta Nesta intervenção, intervenção, que que aconteceu aconteceucinco cincodias diasantes antesdo dosegundo segundoturno turnodas daseleições eleiçõespara para Presidente, Presidente,os osperformers, performers,vestidos vestidoscom comroupas roupasque quetransmitiam transmitiam uma uma ideia ideia de de riqueza, riqueza, desfilaram desfilaram reivindicando reivindicando questões questões tradicionalmente tradicionalmente associadas associadas às às preocupações preocupações de de ricos, ricos, como como segurança segurança ee preservação preservação do do patrimônio, patrimônio, lançando lançando um um olhar olhar irônico irônico sobre sobre aa falta falta de de preocupação preocupação de de determinados determinados grupos grupos de de lutar lutar contra contra aa questão questão da da desigualdade desigualdade social. social. Munidos Munidos de de cartazes cartazes ee faixas faixas como como “Praias “Praias da da Zona Zona Sul, Sul, só só para para moradores moradoreseeturistas” turistas”ou ou“Fome “Fomeéécoisa coisade depobre, pobre,diga diga sim sim àà degustação”, degustação”, “Bolsa “BolsaFamília Famílianão não––Bolsa BolsaLouis LouisVuitton!” Vuitton!” ou ouainda ainda“Sonegar “Sonegarnão nãoéécrime: crime:não nãousamos usamosserviços serviçospúblicos”, públicos”,os osperformers performers estabeleceram estabeleceram um um diálogo diálogo irônico irônico com com os os moradores moradores ee os os convidavam convidavampara paraparticipar participarda damanifestação. manifestação.No Nofinal finalda daação, ação, os os cartazes cartazes permaneceram permaneceram em em alguns alguns pontos pontos estratégicos estratégicos do do Leblon. Leblon.Partindo Partindode deum umconceito conceitode de“Manifestações “Manifestaçõesde dedireita”, direita”, desenvolvido desenvolvido pelos pelos franceses franceses Fred Fred Tousch Tousch ee Philippe Philippe Nicolle Nicolle ee do do qual qual muitos muitos coletivos coletivos ee artistas artistas de de rua rua se se apropriaram, apropriaram, aa performance performance Salvem Salvem os os Ricos Ricos buscou buscou provocar provocar uma uma reflexão reflexão sobre sobre oo egoísmo egoísmo social social de de certas certas reivindicações reivindicações antes antes do do dia dia crucial crucial das das eleições, eleições, mantendo mantendo uma uma ambiguidade ambiguidade constante constante sobre sobre aa veracidade veracidade de de tais tais reivindicações. reivindicações.

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ro no novemb e d 9 eunir tar, r u no 2 e e l o c e c t n co tiu em s donce a consis ensílio forma t e r u e o , p s d A os CD cha ilizad upas, do Ma os, ro am ut r r ro v o i f Largo l ( a o nã o b ir tos d je e u b o q s e ) r r s o o orad e doa e outr ance, por m , entr erform s s e o p s c i e t a s m d mé o dia e três ers em ers. N ais d erform m p r o f s o r há m l e p ransepe . Os t nidos a róprios u e h p l r e s o m e om ver foram alha ente, c objetos nde to tuitam a a r r estes da g g a diante objetos o de um t s o n a e r m m i a c ê lev depoi ue voc podiam tar um “Por q s e : r a untes p t n e u ntos ição d epoime à perg d d o n o d s c n O e a ”. vídeo pond objeto? a, res ndo um deste a r e e t câmer g n e dos lm os, a rea ditad o. Além e s i m , c s e i a r d p segui consum íveis , em dispon tão do s e m u foram q a v a ção, os fica orda s-objet r aten r e que ab e c e m r r e o f o , perf elhos, para objetos e cons objetos tam s e o g d o e inven assa s i m a e , ao lad r a ic loca dades o, mús nce co ecessi a n carinh m s r à o f A per do dendo longe untes. respon e , s s n e l a p r im rói, os t algo s uperhe s das d o o m o e c br ísmo ria so elar a o hero indúst a de rev o d p o , s o r dissm discu ipo de so me t s i e t r s o e p a e que e que, rente ciedad o ão ine s ç a a t a um ante form a inst do por d a r a e ela e c g e a as qu s c i r curso, g a ó l c o ifi ar. ec a just ustent ais e s i c e o s s precis a ões tinuar berraç er con das a d o p para comete

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O Coletivo resolveu se infiltrar na Parada Militar do 7 de setembro do ano de 2009. Tratou-se de uma ação curta, porque os policiais intervieram com rapidez para tirá-los de lá. Os Heróis desfilaram então de volta, em sentido invertido, sob os aplausos da população, que se misturavam ao discurso oficial transmitido via alto-falante e que celebrava os “heróis da pátria” versus os “heróis do cotidiano”, celebrados pela população, que se identificou a eles.

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A meditação da vaca é primeira intervenção rural do Coletivo. Uma meditação com vacas, onde o texto do Mestre Yongey Mingyur Ripoche, “A Meditação da Vaca”, do livro “A Alegria de Viver”, foi compartilhado com vacas. O recital, que integra musicas cantadas, coloca as vacas da fazenda em contato com a sabedoria milenar budista. Realizada por Rodrigo Abreu e Tania Alice.

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A performance, filmada e editada por Melissa Flores, ganhou o Prêmio Especial de vídeoperformance do Jury do Festival de Cinema de Washington/CD em 2012 e foi apresentado no Festival "Filmideo" in Newark, USA em 2013.


Dezenas de executivos cegos e cobertos de argila andam em c창mera lenta pelas ruas da cidade. Performance realizada em parceria com o Coletivo PI e O Desvio Coletivo de S찾o Paulo, que a conceberam.



Por que você é pobre? foi a pergunta que nos fizemos antes de querermos investigar o porquê de os outros serem pobres. A pobreza como símbolo de uma sociedade injusta, e mais adequadamente, como a maior mácula de nossa história, pode parecer a priori um tema demagogo, repetitivo ou até partidário. Quanto se falou em nome da pobreza! Seja para idealizar a sua aniquilação, seja para nela ver um ideal ascético de superioridade, seja para defender ideologias socialistas ou liberais. E se em nome do debate teórico e sócioeconômico ser pobre se torna objeto de análise, mais uma vez o objeto proporcionará a justificativa para ideologias e vidas se sustentarem. E se o ser pobre se torna sujeito e não objeto? Protagonista de uma relação que ambiciona estar além do sistema financeiro e religioso, se a pobreza tiver um lugar em que as alegrias que nela são identificadas não estejam em oposição às misérias percebidas? E se estiverem em oposição, por que entendê-las como paradoxos insolúveis e inconciliáveis? Em nossa experiência artística, partimos do desejo de a pobreza política ou moral ser forma de um fenômeno humano que pode ser classificado de formas múltiplas, de acordo com quem o classifica. Trata-se de uma tentativa de abordagem pós-ideológica em que tradicionais conceitos não comportam o valor da experiência que o expectador pode viver. Fora de escritórios de estudo, o que pessoas as mais diversas conceituam como pobreza? E como muitos desses conceitos, originais em si, afrontam os tradicionais sistemas de pensamento erguido sobre o tema? E de que maneira os conceitos que as pessoas emitem, oriundos de uma filosofia vivida, prática e experienciada no dia a dia, podem se converter em artifícios estéticos? E ainda, como produzir uma atividade artística cujo único interesse dos artistas é a materialização destas questões de forma cênica e em que a produção financeira teve uma ínfima influência? Um trabalhos sem mecenas? Uma arte que pretende romper com a pobreza e a riqueza inclusive esteticamente? O trabalho se ergueu dentro desse conceito-pesquisa que antes indagamos nós mesmos para podermos então indagar o nosso público. André Marinho Ator/performer e bolsista de Iniciação Artística

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Práticas A(R)TIVISTAS na cena contemporânea: o espetáculo POR QUE VOCÊ É POBRE? do Coletivo de performance Heróis Do Cotidiano Gilson Moraes Motta Professor da Escola de Belas Artes da UFRJ e cenógrafo de “Por que você é pobre?”

Artivismo nas ruas Embora arte e política sempre tenham sido indissociáveis ao longo da história da cultura ocidental, a arte produzida para fins predominantemente políticos apresentase como uma invenção da Modernidade. Desde os meados do século até a atualidade, observa-se a presença constante – acentuada em determinados momentos históricos em detrimento de outros – de um movimento artístico orientado para a crítica social e a transformação da sociedade. A partir da década de 1990, há um aumento significativo de coletivos de artistas atuando na Europa, nos Estados Unidos e na América Latina com propostas estéticas voltadas para a resistência cultural e política. Em Artivisme, Stéphanie Lemoine e Samira Ouardi analisam as atividades destes grupos, como os Yes Men, Parti Poétique, Church of life after shopping, Ligna, Alternative Orange, Space Hijackers, entre outros. O termo “artivismo”, segundo as autoras, se refere à articulação entre a arte e o ativismo político, apontando para a ideia de uma arte pública que engloba a militância cultural, social, política, espiritual e ecológica. Nesta articulação, subjaz a crença de que a arte pode ainda apresentar-se como uma atividade de resistência ao modelo econômico capitalista e suas consequências no trabalho humano e na natureza. Os artistas citados pelas autoras dão continuidade à tradição crítica iniciada nas vanguardas e aprofundadas no Situacionismo e não se limitam a criticar modos de vida marcados pela alienação, mas sim vem propor novas maneiras possíveis de viver, isto é, a “exploração concreta de utopias” (LEMOINE E OUARDI, 2010, p. 25). As ações são múltiplas: celebrações carnavalescas, criação de ações em redes sociais da internet, estímulo à desobediência civil, pirataria na internet, criação de mídias alternativas, ocupações, entre outras. Os alvos destas ações de curta duração são diversos: a globalização financeira, o consumo desenfreado, a degradação do meio ambiente, o sistema artístico e cultural, a privatização do espaço público, a injustiça e a exclusão social, a mídia e outros mais. Seguindo mesmo uma espécie de tradição instaurada pelo Dadaísmo, muitas destas ações negam e ultrapassam a compreensão da arte como produto feito por um indivíduo tendo em vista uma inserção no mercado de arte. Pelo contrário, muitas dessas ações são “experiências”, práticas vivenciais coletivas realizadas independentemente dos espaços de arte e do mercado artístico. Em Insurgências poéticas, André Mesquita caracteriza a arte ativista de forma semelhante: Considere que arte ativista não significa apenas arte política, mas um compromisso de engajamento direto com as forças de produção não mediada pelos mecanismos oficiais de representação. Esta não mediação também compreende a criação de

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circuitos coletivos de troca e de compartilhamento, abertos à participação social e que, inevitavelmente, entram em confronto com os diferentes vetores das forças do capitalismo global e de seu sistema de relações entre governos e corporações, a reorganização espacial das grandes cidades, o monopólio da mídia e do entretenimento por grupos poderosos, redes de influência, complexo industrial-militar, ordens religiosas, instituições culturais, educacionais, etc. (MESQUITA, 2011, p. 17)

O autor faz uma descrição bastante cuidadosa dessas formas de ação artística, considerando-as em suas diversas acepções e práticas, em contextos sociais diferentes. O autor amplia ainda os limites históricos dessas ações, observando sua presença desde os meados do século XIX. Porém, assim como Lemoine e Ouardi, o autor observa que muitas dessas práticas tendem a não mais ser vistas apenas no interior de um parâmetro estético ou artístico, o que implica uma disposição diferenciada do ativista-artista em relação às demandas de um mercado de arte fundado em relações capitalistas. Isto é, no lugar da autoexpressão, estas práticas caracterizam-se pela produção pública coletiva, de forma tal que a esfera da privacidade, da autoria, do valor de mercado, do espaço de circulação, da publicidade, entre outras, ganham um novo contorno, apontando para outro modo de se conceber a relação entre arte e sociedade. Assim, as diversas marchas, passeatas, ocupações, mobilizações que afloraram nos últimos anos, sobretudo na Europa e em alguns países da América Latina, são ações coletivas de resistência cultural feitas por artistas e por não artistas, ações que se firmam mais como ações políticas moldadas pela criatividade enquanto método de vida e de luta do que como ação artística em si. É neste sentido que André Mesquita considera que a arte ativista vem inscrever-se numa espécie de “contra-história”, não somente pelo fato de, muitas vezes, não ser e não querer ser reconhecida nos meios tradicionais de divulgação e de discussão das ideias estéticas mas também por se constituir necessariamente como uma “cultura de oposição” a todo um sistema artístico e cultural. É justamente nesta fronteira entre ativismo e arte que se situa o trabalho de vários coletivos. Conforme Lemoine e Ouardi: “O artivismo não consiste simplesmente em ser contra. Para muitos artistas, não se trata de denunciar e contestar o que parece inaceitável na sociedade, mas, sobretudo, de formular propostas positivas, podendo ir até a exploração concreta de utopias” (LEMOINE e OUARDI, 2010, p. 25). Se, ao longo dos últimos anos, várias ações político-culturais foram organizadas como formas de ativismo, o que se observa na atualidade é uma maior consciência de que todas as causas particulares estão interligadas, apontando para um problema comum. Dois bons exemplos desse processo são dados pelas ocupações que ocorreram


em diversas cidades do mundo inspiradas no movimento Occupy Wall Street, cuja marca do protesto, da indignação e de oposição ao sistema financeiro e político capitalista se fazem presentes. Outro exemplo encontra-se em toda a série de eventos ocorridos na Cúpula dos Povos, na ocasião da realização do evento Rio + 20, os quais apontam para novas formas de vivência e participação social. Tais manifestações, por sua força de contestação, nos fazem pensar no lugar que a arte pode vir a ocupar numa sociedade que busca superar a própria ideologia que conduziu e consolidou todo nosso pensamento estético e artístico desde os primórdios da Modernidade. A atividade de muitos coletivos de artistas da atualidade parece buscar alternativas para a superação destes dilemas. Retomando um movimento iniciado nas décadas de sessenta e de setenta, a produção artística brasileira dos últimos anos vem sendo marcada pelo crescimento de coletivos de artistas que vêm propondo novas relações entre a arte e a sociedade. Muitos destes coletivos buscam, por exemplo, uma transformação na leitura e vivência do espaço urbano a partir de ações que venham romper com os condicionamentos da percepção, do comportamento e do modo de agir. Muitas destas ações artísticas instauram outras formas de convivência e apontam para modos de libertação das diversas restrições impostas pela comunicação de massa. Podemos citar aqui coletivos como Teatro de Operações e Liquida Ação, Heróis do Cotidiano (Rio de Janeiro), Desvio Coletivo e Coletivo Pi (São Paulo), Grupo Poro (Belo Horizonte), As Rutes, Catadores de histórias, Contrafilé, Esqueleto coletivo, Experiência Imersiva ambiental, O Povo em Pé (São Paulo), entre outros. Todos esses coletivos atuam a fim de gerar a potencialização dos afetos e novas formas de sociabilidade dentro do contexto contemporâneo. Por se insurgirem contra as tendências do mercado e de sua ideologia, estas ações artísticas parecem fazer ressurgir o pensamento utópico, compreendido como um princípio de inconformismo e de revolta, um desejo de romper a ordem vigente. Importa observar que muitos desses trabalhos partem do princípio de que a arte da performance e as intervenções urbanas possibilitam a criação de “zonas autônomas temporárias” (TAZ), segundo o conceito de Hakim Bey: espaços de sociabilidade, criados com a finalidade de propiciar uma experiência de libertação das formas de controle e poder exercido pelo Estado e pela sociedade. Podemos chamar esses espaços de microutopias. Se, para Michel Foucault, as utopias seriam “posicionamentos sem lugar real” (FOUCAULT, 2009, p. 414-415), esses “outros espaços” criados pela arte da performance se aproximariam do que o próprio Foucault denominou de heterotopias, que seriam “lugares que estão fora de todos os lugares, embora eles sejam efetivamente localizáveis” (Ibidem). As heterotopias seriam, simultaneamente, a evidenciação paradoxal e simultânea do ser e do não-ser. Por suas características, a TAZ assemelhase ao conceito de heterotopia, sendo uma utopia realizada. Conforme observa André Mesquita, há uma relação intrínseca entre utopia, TAZ e ativismo artístico: Grandes e influentes utopias coletivas foram construídas nas duas últimas décadas do século XX. A noção de Zona Autônoma Temporária, de Hakim Bey (pseudônimo de Peter Lamborn Wilson), tornou-se quase um fetiche em determinados círculos contemporâneos de ativistas, comunidades virtuais e artistas que a veem como uma estratégia de nomadismo tático para a existência de espaços efêmeros de oposição. (MESQUITA, 2011, p. 53)

Há uma conexão evidente entre a TAZ e a intervenção urbana na medida em que o espaço adquire uma nova significação durante um tempo limitado, tempo no qual se suspendem as regras habituais de vivência e que gera outro modo de estarno-mundo. A suspensão do significado e sentido de um espaço habitual, conforme se dá nas intervenções urbanas, gera outro espaço, que possui, simultaneamente, um caráter utópico e um elemento político, visto serem espaços ideais de convivência, marcados pela harmonia social, e também espaços de desejo, em que os laços sociais são reforçados e, a partir de um rompimento com um estado de coisas, a felicidade se faz possível. Os Heróis do Cotidiano e o espetáculo Por que você é pobre? O Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano atua nas ruas do Rio de Janeiro desde 2009, tendo coordenação artística de Tania Alice e de Gilson Motta. Além do trabalho de pesquisa continuado no espaço urbano, documentado em um curtametragem intitulado “Heróis do Cotidiano”, dirigido por Antônio Pessoa, o Coletivo também participou de eventos artísticos nacionais e internacionais, como a Mostra Arte SESC São Paulo 2010, a Mostra do Filme Livre (CCBB), o Projeto 7000 Paisagens Discretas/Fórum Internacional Rio Cidade Criativa (RJ), o Encontro Internacional Arte ao Vivo Rio ao Vivo (RJ), o Encontro Internacional de Arte Contemporânea (Aix-enProvence, França), entre outros. Nesse período, o Coletivo recebeu alguns prêmios, como o Artes Cênicas na Rua da FUNARTE em 2009, ou ainda o Prêmio Circuito Estadual de Artes da Secretaria de Cultura do Estado do Rio de Janeiro 2011, que permitiu a realização de performances em quilombos do Estado do Rio de Janeiro. Com ou sem prêmios, muitas vezes com recursos próprios, desde o início da pesquisa, o Coletivo foi realizando uma série de performances/intervenções urbanas a fim de atualizar o questionamento sobre o heroísmo na Contemporaneidade, colocando em evidência outras questões envolvidas direta ou indiretamente este tema central, como a memória coletiva no espaço público, a questão do sacrifício e da exclusão social impostos pelos moldes da globalização, o consumo, a degradação do meio ambiente, a criação de um espaço poético na esfera do quotidiano e a busca de novas formas de sociabilidade. Pela intervenção direta no espaço urbano, o Coletivo visa a criar uma dimensão poética em espaços urbanos funcionalizados, de forma a reterritorializar e potencializar a circulação dos afetos. De uma forma geral, as performances fundem intervenção urbana, teatro, artes plásticas, dança, vídeo e poesia, estabelecendo um diálogo específico com o conceito de “estética relacional” de Bourriaud, afirmando o elemento processual e a relação entre criadores e transeuntes como sendo mais fundamentais do que a obra em si enquanto produto. Diferentemente das obras analisadas por Bourriaud, cujo espaço de fruição é ainda o da galeria de arte, as formas de estética relacional propostas pelos Heróis do Cotidiano se operam no espaço público, valorizando a relação com o outro em seu contexto, estreitando o espaço das relações, gerando novas sociabilidades e novas formas de percepção. Seguindo estes princípios éticos e estéticos, as ações têm um teor político por conduzirem a uma reflexão sobre o cotidiano, o uso do espaço urbano, os condicionamentos e os valores em vigor, propondo formas alternativas de ação e reação aos dispositivos

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sociais. Durante os dois primeiros anos de trabalho, o Coletivo realizou diversas ações performáticas, como O poder da invisibilidade, Em busca do herói do cotidiano, Limpeza das estátuas, Soltando preocupações, Des-necessitados, Rio Branco, Salvem os ricos, Medit-Ações e O banquete dos heróis, com as quais obteve alguma projeção na mídia nacional e internacional. Resumindo, se, de um lado, algumas intervenções são realizadas com os performers caracterizados como heróis, outras não implicam necessariamente esta caracterização, mas possuem uma ligação estreita com a questão do heroísmo. É o caso, por exemplo, da pesquisa teórico-prática (realizada entre maio de 2011 e abril de 2012) voltada para a discussão sobre as relações entre pobreza e riqueza em diversos setores da vida social e que resultou no espetáculo Por que você é pobre? Por que você é pobre? estreou em maio de 2012 no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho (Castelinho do Flamengo), no Rio de Janeiro, com direção de Tania Alice, elenco formado por André Marinho, Daniele Carvalho, Larissa Siqueira, Luciano Maia, Mariana Simoni, Renata Sampaio, Rodrigo Abreu e Tania Alice, cenografia de Gilson Motta, vídeos e fotografias de Melissa Flores. O espetáculo discutia os diversos sentidos da pobreza a partir de uma dramaturgia criada coletivamente pelos performers, com base em depoimentos pessoais dos artistas envolvidos e em entrevistas realizadas com transeuntes. O espetáculo possuía um formato diferenciado, seja por misturar teatro, palestra, artes plásticas e performances, seja por ocupar um total de oito salas do Centro Cultural, estruturando-se pelos deslocamentos, seja por ter um número de espectadores restrito a 40 pessoas por seção, mas também, e sobretudo, por dois motivos: 1) por ter sido produzido sem verbas oriundas de editais públicos ou de verbas oriundas da iniciativa privada, por intermédio de Leis de Incentivo; 2) por dividir o público segundo as classes sociais ás quais pertenciam e construir – com um ponto de vista crítico – experiências estéticas diferenciadas a partir desta divisão inicial. No que diz respeito ao primeiro aspecto, embora saibamos que muitos coletivos da atualidade produzem com recursos próprios, o fato é que, naquele trabalho do Coletivo, a decisão de não buscar recursos financeiros pelas vias já consolidadas foi uma postura ética, tanto pelo fato de o tema da pobreza incompatibilizar-se com a ideia de captar verbas de uma instituição bancária, quanto por julgarmos que o mercado teatral da atualidade é, em parte, corrompido pelo sistema de “produção cultural”, que tende a superfaturar os projetos artísticos e a lidar com a arte como mero produto, tratando de maneira hipócrita as questões sociais ou os benefícios sociais de determinado projeto artístico. Em suma, o sistema de “produção cultural” reforça os piores traços da lógica do mercado capitalista. No que se refere ao segundo ponto, no decorrer de nossa pesquisa acerca dos sentidos da pobreza, ratificamos nossa percepção acerca da relação estreita entre as diferentes classes sociais e a oferta de produtos artísticos, na cidade do Rio de Janeiro. Nota-se que alguns eventos artísticos – teatro, exposições, performances – parecem estar rigidamente direcionados para classes sociais específicas, seja em termos de localização espacial, seja em termos de discurso estético. Assim, nota-se que

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certos eventos de performance, por exemplo, são frequentados predominantemente por estudantes universitários e artistas de uma classe média-alta e alta. Do mesmo modo, no teatro, a produção caracterizada pela pesquisa e pelo experimentalismo é produzida por artistas de classe média-alta, sendo frequentada por um público com perfil social e intelectual semelhante. Conforme a perspectiva marxista, o que importa notar aqui nestas observações é que o mercado das artes se constrói juntamente com um discurso estético – produção ideológica – e uma forma artística específica de acordo com o poder aquisitivo do público. A partir desta percepção, o trabalho do Coletivo foi orientado não para romper com estas divisões – conforme se dá com boa parte dos grupos de performance e de teatro que buscam meios mais democráticos e plurais de produção e distribuição dos bens culturais - mas sim, para sua acentuá-las e evidenciá-las, refletindo sobre o constrangimento gerado por tal divisão. A intenção era fazer com que o público tivesse a experiência desta divisão no decorrer de todo o espetáculo, a fim de reforçar disposições afetivas geradas pelas diferenças sociais, como a inveja, o desejo de possuir o que outro tem e a consequente frustração e insatisfação pelo fato de ter algo que seria inferior em qualidade ou valor. Em suma, a pobreza deveria ser uma experiência constitutiva do espetáculo e não apenas o elemento temático que o estruturava formalmente. Partindo dessas observações, foi proposta uma divisão do público por classes sociais: a rica, a média e a pobre. Mas, uma proposta da direção do espetáculo é que essa determinação fosse feita pelo próprio espectador de forma que ele viesse a sentir as consequências de uma escolha. Assim, ao chegar ao espaço de apresentação do espetáculo, o espectador era questionado acerca da classe social a que pertencia, de acordo com sua resposta, recebia um crachá de identificação e deveria seguir um determinado percurso no espaço, diferente das outras classes. É evidente que havia um tratamento irônico em todo esse jogo de identidades: o modo de tratamento dado pelos performers aos ricos era muito cuidadoso do que o dado aos pobres, ricos tinham assentos mais confortáveis, enquanto que os pobres ficavam de pé, entre outros. Além do mais, a ironia se instaurava no próprio ato de escolha da classe, não somente pelo fato de o público jogar com isto naturalmente dizendo, por exemplo, “eu sou pobre, mas hoje eu quero ser rico”, mas também porque havia a necessidade de se dividir o público em três grupos de dez pessoas. Assim, mesmo que houvesse trinta pessoas ricas num determinado dia da apresentação, elas teriam mudar de classe, tornando-se médias ou pobres para que o espetáculo acontecesse. O espetáculo contava, portanto, com salas e eventos artísticos destinados para cada uma das classes sociais, espaços que detinham as características e até mesmo os clichês associados a uma forma de espetacularidade produzida para uma determinada classe social. Esta divisão implicava que cada grupo de espectadores veria um espetáculo diferente, de tal modo que a fragmentação era parte constitutiva da experiência estética de todos os espectadores: não havia a possibilidade de se obter uma visão do todo ou uma visão global do espetáculo. Para se apreender a totalidade, seria necessário assistir ao espetáculo três vezes ou trocar informações com os espectadores de outras classes.


A primeira parte do espetáculo era de cenas teatrais. Assim, numa sala era apresentado o “teatro médio”, com todos os clichês do experimentalismo cênico, como mistura de realidade e ficção, fragmentação e interrupção da ação, ausência de narrativa linear, cenografia despojada constituída por objetos, total informalidade dos atores, entre outros. Já numa outra sala, era feito o “teatro rico”, constituído por um vídeo que apresentava uma falsa campanha criada pelos Heróis do Cotidiano, seguido de uma apresentação musical. O “teatro pobre” era feito por uma suposta companhia de teatro de rua, com padrões formais inspirados nos espetáculos de diversos grupos de teatro de rua e de teatro popular. A segunda parte do espetáculo era dedicada às artes visuais. A exposição dedicada aos ricos possuía um texto de curadoria repleto de referências intelectuais, porém, feitas de modo sutil, de modo a parecer um texto verdadeiro. A exposição de médios era constituída por fotos feitas por Melissa Flores durante a pesquisa, porém, no lugar da fotógrafa, um performer (André Marinho) falava improvisadamente sobre o processo de criação das fotos e das questões estéticas nelas envolvidas. Já a exposição destinada aos pobres era feita por uma diversidade de objetos decorativos e utilitários cotidianos, objetos que tinham em comum o fato de serem de baixo valor comercial e de duvidoso padrão estético. Estes objetos eram deslocados para um contexto artístico, como se fizessem parte de uma exposição real, contendo, inclusive, legendas explicativas. Quatro performers participavam ativamente desta exposição, passando-se por pessoas de classes populares que teriam invadido o Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho para utilizá-lo como moradia. Esta descrição, bastante objetiva, tem por fim mostrar a interdependência entre o perfil sócioeconômico e a forma estética, fato este muito bem percebido pelo crítico Pedro Allonso, do site Questão de crítica: A dinâmica do acontecimento cênico prevê, para cada instância social, uma série de atrações supostamente adequadas ao perfil cultural de determinado grupo. É como se houvesse alguém ou alguma ordem estrutural que assentasse, com bastante rigor, que espécie de linguagem poética deveria ser vetorizada para determinada comunidade de classes, com juízos de gosto previamente estabelecidos em suas necessidades e limitações. Dessa maneira, a experiência de fruição entre espectador e obra estaria fundada em pressupostos rigorosos de identificação e reconhecimento, sem permitir que nenhum tipo de desordem intelectual atrapalhe a compreensão e o entendimento de sua leitura. Cada qual contempla a arte que lhe é determinada. Há opções estéticas para populares, herméticos e eruditos. Para cada coletivo, em especial no grupo dos ricos, do qual fiz parte, a atmosfera que emanava das situações cênicas pressupunha uma arte pura, isolada e pronta para satisfazer, em sua imediaticidade gratuita, um “exigente” público consumidor. Uma arte conforme a fins. (ALLONSO, 2012)

A terceira parte do espetáculo era precedida por uma palestra de cerca de vinte minutos de duração destinada aos espectadores de todas as classes. Nesta palestra, um ator-performer (Luciano Maia) jogava o papel de um professor conservador e com tendências fascistas, que propunha soluções para o problema da fome e da pobreza no Brasil. A palestra era baseada no texto A modesta proposta de Jonatham Swift, o que causava grande constrangimento no espectador, na medida em que o discurso do personagem reforçava o aspecto preconceituoso e conservador das classes

dominantes no Brasil. Em seguida tinha início a terceira parte do espetáculo, dedicado à performance, em que os espectadores eram, mais uma vez, divididos por classes sociais e se dirigiam às salas específicas. É desnecessário descrever todas essas sete performances, gostaria apenas de comentar dois aspectos que considero relevantes para este Colóquio. Considerando um tema de interesse para os debates contemporâneos, como a relação entre o artista e a sociedade1, gostaria de observar que, pelo exposto, notase que o espetáculo propunha refletir sobre o lugar do artista numa sociedade com divisões sociais e culturais acentuadas e na qual predomina, do ponto de vista ideológico, o processo de homogeneização, denunciado por Fredric Jameson2, isto é, a tendência de o sistema capitalista excluir qualquer elemento de diferenciação, estabelecendo reificação, a planificação cultural, econômica e ideológica e instaurando a mercantilização extrema da cultura. Em nossa perspectiva, um dos setores em que esta homogeneização se manifesta intensamente é justamente a religião, na qual se nota a presença de práticas e de discursos marcados pela intolerância. Isso se dá, em especial, no setor evangélico, cada vez mais crescente no Brasil. Neste sentido, uma das propostas dramatúrgicas descobertas no processo foi justamente a da adequação entre o discurso artístico e o religioso. O resultado dessas experiências aparece no espetáculo de modo interessante, pois, na dinâmica de deslocamentos constitutiva do espetáculo, três performers conduziam os espectadores, tecendo ligações entre as cenas e entre os três grupos de espectadores. Esses performers agiam e discursavam segundo um modo de ser típico de religiosos evangélicos e de missionários. Assim, num momento que precede a referida palestra, um performer (Rodrigo Abreu) emite para a plateia uma espécie de testemunho: ele revela como a arte o “salvou”, como ele foi passando de um estado de ignorância cultural para a aquisição de conhecimento. O interessante deste discurso é que neste processo de salvação, o performer descrevia como ele se iniciou na arte consumindo espetáculos de caráter popular, apresentados nos subúrbios do Rio de Janeiro, com preços módicos, até ir ascendendo, chegando aos espetáculos que seriam para ricos, apresentados em certos espaços culturais da zona sul do Rio de Janeiro. Trata-se de um processo que contraria radicalmente aquele pensamento promovido por Augusto Boal ao longo de sua vida: no lugar de “criar nossa própria cultura, sem servidão àquelas que nos são impostas, é ato político e não apenas estético; ato estético e não apenas político” (BOAL, 2009, p. 36). Isto é, o processo de “salvação” pela cultura exposto pelo performer é, na verdade, um processo de assimilação da cultura dominante, a assimilação da opressão travestida por uma retórica da salvação. Já num outro momento, a própria divisão social, cultural e econômica eram justificadas e legitimadas pelo discurso da performer Larissa Siqueira, revelando, simultaneamente, o conservadorismo e a promoção da ignorância, da apatia e de uma atitude apolítica. Em suma, a evidenciação do processo de alienação, denunciado por Marx e por Nietzsche, reforçava a presença da pobreza em seus vários aspectos. Para concluir essa descrição, gostaria de citar a cena final do espetáculo, destinada a todos os espectadores. Esta performance conciliava um tema caro ao Coletivo – a

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invisibilidade e a exclusão social – aos diversos sentidos da pobreza que constroem a experiência do espetáculo. Ao longo do espetáculo, há uma performer mulata (Renata Sampaio) cuja função é fazer serviços para os ricos (oferecer bebidas, aperitivos, acompanhamento, entre outros). Porém, ninguém sabe que se trata de uma atriz. Assim, dá-se uma justaposição entre a invisibilidade dada pela função e aquela que é dada pela cor da pele e pela potencial pobreza que lhe é associada, já que negros e mulatos formam as camadas mais pobres da sociedade brasileira. Assim, na cena final, a atriz deixava de lado sua função social e se apresentava como ela realmente é, como uma atriz mulata, classe baixa, oriunda do subúrbio do Rio de Janeiro, estudante da Escola de Teatro da UNIRIO. A atriz descrevia então como a sua cor foi determinante para a oferta de papéis/personagens que lhe eram dados. Ao longo de sua vida, a atriz só havia representado personagens que se situam à margem da sociedade, excluídos ou invisíveis sociais. A partir desta exposição, a performer busca criar estratégias para se tornar visível para os espectadores, pois, conforme era esperado, ela também havia se tornado invisível durante o espetáculo. As estratégias criadas pela atriz para se tornar visível remetem à sexualidade, causando constrangimento nos espectadores. O espetáculo se encerrava gerando um sentimento de desconforto em relação ao modo como a pobreza, em suas diversas manifestações, é percebida e vivenciada. Dessa forma, Por que você é pobre? questionava a existência de um vínculo entre as formas estéticas, a classe social e as demandas do mercado da arte, revelando a presença da pobreza em cada uma destas formas estéticas. Por esses motivos, julgo que este espetáculo está afinado com as discussões contemporâneas acerca do artista e da sociedade, e mais especificamente, da relação entre o artista e as esferas de poder. Heróis em busca da utopia Por que você é pobre? foi um espetáculo que mudou a forma e o espaço de ação do Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano. Antes, nossas ações se concentravam nas ruas do Rio de Janeiro, abrangiam temas diversificados e concebiam o elemento ativista com base na estética relacional e na construção de microutopias. Com este espetáculo optamos por focar num único tema, o que implicou uma mudança no próprio modo de se conceber a relação entre arte e política e na forma de atuar com um coletivo de artistas. De certo modo, o Coletivo fez aqui uma autocrítica julgando insuficientes as estratégias anteriores de ação e, sobretudo, julgando problemático o modo como o próprio mercado absorve a arte produzida com fins políticos. Mais precisamente, diante de um mercado que tem o poder de absorver e cooptar todas as ações de crítica ao próprio sistema, seja na publicidade, seja na arte, seja no próprio ativismo, que estratégias de resistência podem ainda ser criadas? Os comentários de André Mesquita acerca da institucionalização da arte social, descrevem perfeitamente esta problemática. Citando as críticas de Hal Foster, acerca dos mecanismos discursivos usados no mundo da arte para legitimar e patrocinar ações “marginais” nas quais o artista assume o papel de um ativista itinerante, o autor termina por identificar os limites ideológicos da estética relacional. Enquanto, de um lado, a atividade colaborativa do artista conduz a uma valorização de sua própria imagem, por outro, a própria instituição ofusca o trabalho do artista, espetacularizando-o:

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Esta estratégia vem tornando-se uma tendência administrada por alguns modelos curatoriais facilmente digeridos em mostras carregadas de um estilo “social chique” e com pouca reflexão política, como parece ser o caso do paradigma da “estética relacional”, promovido pelo curador Nicolas Bourriaud. (MESQUITA, 2011, p. 129)

A compreensão de que, na atualidade, o próprio mercado absorve e espetaculariza a arte ativista está conduzindo o Coletivo a repensar suas formas de ação na sociedade, o que nos traz de volta a relação entre arte e utopia. Para além das ações artísticas, o ideal utópico se concretiza, atualmente, nas diversas ações citadas anteriormente (arte pública coletiva, ocupações, marchas, entre outras). Situadas no limite entre a arte e a vida desejada, estas ações constroem um lugar ideal de fortalecimentos dos laços afetivos e sociais, um lugar de transformação das relações entre o indivíduo e a sociedade, apontando para uma nova sociedade possível. Trata-se de utopias de contágio, utopias geradas pela transformação das subjetividades. Vislumbram-se assim um lugar e uma atividade que transcendam os limites da esfera artística, passando a inserir-se no campo propriamente social e político, tal como ocorre, por exemplo, com as ações realizadas pelos participantes do movimento Rio de Paz. Nota-se assim um processo no qual a ação social se imiscui na ação artística e vice-versa, sem que saibamos mais sobre os limites que as unem e separam. O gesto ético e o gesto estético encontram-se assim plenamente integrados. Nesta perspectiva, o foco da criação deixa de ser orientado para aquele conjunto de capacidades e habilidades que, tradicionalmente, formam e determinam o artista. Pelo contrário, o que se afirma aqui é o próprio poder revolucionário da criatividade, a qual se mostra como um poder comum a todos os seres. Retomando assim uma afirmação de Augusto Boal, é necessário se pensar que a criatividade não é um privilégio dos artistas e que “ser humano é ser artista” (BOAL, 2009, p. 184). E, além disso, que “cidadão não é aquele que vive em sociedade – é aquele que a transforma” (BOAL, 2009, p. 22). Pensar a partir desta perspectiva é reinventar as relações entre arte e sociedade, mas é também reinventar o próprio heroísmo na contemporaneidade. O presente texto foi apresentado no II Colóquio Internacional de História da Arte e da Cultura, “O artista e a sociedade”, realizado na Universidade Federal de Juiz de Fora, MG, em setembro de 2012. 2 Cf. JAMESON, Fredric. Obras citadas. 1

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALLONSO, Pedro. Questão de crítica: http://www.questaodecritica.com.br/2012/06/a-multiplicidadedas-sensacoes/ BEY, Hakim. Zona Autônoma Temporária. São Paulo: Editora Conrad, 2001. BOAL, Augusto. A estética do oprimido. Rio de Janeiro: Garamond, 2009. BOURRIAUD, Nicolas. Estética relacional. São Paulo: Martins Fontes, 2009. FOUCAULT, Michel. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2009. JAMESON, Fredric. Pós-Modernismo. A lógica cultural do capitalismo tardio. São Paulo: Ática, 1996. ———— A Política da Utopia. In: Contragolpes: seleção de artigos da New Left Review. SADER, E. (ORG). São Paulo: Boitempo, 2006. LEMOINE, Stéphanie. OUARDI, Samira. Artivisme: Art, action politique et résistance culturelle. Paris: Éditions Alternatives, 2010. MESQUITA, André. Insurgências poéticas. Arte ativista e ação coletiva. São Paulo: Annablume, Fapesp, 2011.


A multiplicidade Crítica do espetáculo Por que você é pobre?, do coletivo Heróis do Cotidiano Publicada na Revista Questão de Crítica - Revista eletrônica de críticas e estudos teatrais

das sensações O Centro Cultural Municipal Oduvaldo Vianna Filho, o Castelinho, abrigou, durante o mês de maio, o espetáculo Por que você é pobre?. A montagem, concebida e dirigida por Tania Alice, teve sua dramaturgia processada em colaboração por integrantes do coletivo de performance Heróis do Cotidiano, formado pelos atores André Marinho, Daniele Carvalho, Larissa Siqueira, Luciano Maia, Mariana Simoni, Renata Sampaio, Rodrigo Abreu e Tania Alice. Agregaram-se a eles uma equipe técnica formada por profissionais da fotografia, do vídeo e das artes plásticas. O interesse pela temática surgiu de uma necessidade desse grupo de ir às ruas e de ouvir da sociedade o que caracterizaria, para cada um, o conceito de pobreza em suas diferentes nuances e significações simbólicas. O material resultante desse contato foi transformado em expressão estética, que joga com diversas possibilidades de recepção ao fragmentar a estrutura narrativa em eixos temporais e espaciais que estilhaçam, por completo, a possibilidade do espectador de assistir e contemplar um resultado único, coeso e totalizante. Para que possamos entender do que se trata essa operação radical de múltiplas situações cênicas a que estamos nos referindo e como ela foi engendrada em sua materialidade, é preciso esclarecer que o espetáculo é feio de deslocamentos, de itinerâncias, interferências sonoras, segregação social, pertencimentos, estágios festivos e verdades irônicas. Seu ponto de partida tem início no hall de entrada do centro cultural, em que o público, limitado a quarenta espectadores, está prestes a escolher em qual das classes sociais ele deseja se inserir até o fim da peça. Nesse instante, as regras do jogo são explicitadas de forma clara. Iniciada a contagem das senhas, cada participante deverá optar pelo grupo socioeconômico com que mais se identifica subjetivamente, optando por escolher se deseja ser pobre, médio ou rico. A partir dessa segregação espontânea, são formados séquitos que se espalham por salões, varandas, quartos e demais dependências físicas do tradicional edifício histórico, situado no bairro do Flamengo. O público participante não apenas detém a possibilidade de apreciar os detalhes arquitetônicos do interior do imóvel, como também é levado a deduzir que essa

atmosfera clássica que emana do espaço é um dado que incide, diretamente, no modo de estruturação das cenas. O resultado dessa organização ficcional contribui para o estabelecimento de uma poética de estímulos irônicos, provocados por elementos formais característicos de comportamentos e produções de enunciados exteriorizados em seus estereótipos. O jogo velado de hierarquizações também paira sobre a escolha, da direção da montagem, de delimitar o percurso e as áreas de circulação do castelinho em faixas territoriais bem restritas e segregadoras para pobres, médios e ricos. Os vários deslocamentos que ocorrem durante o espetáculo constituem momentos de interação entre todos os envolvidos no ato de produzir, receber e vivenciar o fenômeno estético. A dinâmica do acontecimento cênico prevê, para cada instância social, uma série de atrações supostamente adequadas ao perfil cultural de determinado grupo. É como se houvesse alguém ou alguma ordem estrutural que assentasse, com bastante rigor, que espécie de linguagem poética deveria ser vetorizada para determinada comunidade de classes, com juízos de gosto previamente estabelecidos em suas necessidades e limitações. Dessa maneira, a experiência de fruição entre espectador e obra estaria fundada em pressupostos rigorosos de identificação e reconhecimento, sem permitir que nenhum tipo de desordem intelectual atrapalhe a compreensão e o entendimento de sua leitura. Cada qual contempla a arte que lhe é determinada. Há opções estéticas para populares, herméticos e eruditos. Para cada coletivo, em especial no grupo dos ricos, do qual fiz parte, a atmosfera que emanava das situações cênicas pressupunha uma arte pura, isolada e pronta para satisfazer, em sua imediaticidade gratuita, um “exigente” público consumidor. Uma arte conforme a fins. Percebe-se, nesse sentido, que a pobreza não é tematizada de forma direta, mas boa parte de seus sintomas se faz presente em evidenciações de posturas arrogantes, determinadas por sujeitos (sejam eles individuais ou coletivos) que não ousam tentar, arriscar, propor meios e caminhos que indiquem novas soluções e resoluções de impasses. É interessante ressaltar que a produção da montagem não recorreu a editais governamentais de fomento à cultura, mas se estruturou a partir de parcerias e trocas de competências entre os envolvidos, no processo da pesquisa, para questionar, em linguagem expressiva, até que ponto o engajamento numa causa é possível e como ele se oferece como alternativa às já tradicionais normas e padrões prefixados em leis burocráticas. Em outro instante de peregrinação junto à “classe abastada”, foi apresentado ao público um vídeo em que figuras humanas ficcionais, supostamente bem sucedidas e de posição social elevada, divulgavam suas participações em campanhas de caridade de alcance mundial, em prol da erradicação da pobreza, da miséria e da injustiça social. O deboche na produção dos discursos misturava-se a uma expressividade patética quando pseudo-intelectuais, protegidos em seus cargos elevados e vestimenta impoluta, se reuniam para reproduzir frases de efeito já desgastadas e repetidas, anualmente, em apelos feitos à população nas mídias eletrônicas, produzindo uma massa de posturas, condutas, visões de mundo e crenças viciadas que repetem jargões, plenos de boas intenções, mas de pouca ou quase nenhuma ação política concreta.

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Pedro Allonso é ator e bacharel em Teoria do Teatro pela UNIRIO.

42 Ao darmos vazão às nossas individualidades, penso que conseguimos construir um diálogo democrático no processo criativo, em que cada um tinha autonomia e voz própria para se expressar sobre o tema, sabendo, é claro, que em momentos pontuais seria preciso fazer escolhas coletivas e objetivas para a construção final do espetáculo. E assim foi feito.

Formávamos um grupo muito heterogêneo. Haviam ali pessoas de estados e até países diversos, alguns nascidos no subúrbio do Rio e outros na zona sul da cidade. Tínhamos idades variadas, assim como experiências anteriores de trabalho muito diferentes. Pensamos que seria impossível e pouco inteligente formatar ou reduzir esta riqueza cultural para a criação do espetáculo. Portanto, ao assumirmos esta multiplicidade, encontramos nela a harmonia entre figuras diversas. Ao dar voz individual aos integrantes, conseguimos encontrar pontos harmônicos de trabalho, pontos estes baseados em uma sinceridade de opiniões e em um respeito pelos interesses pessoais/cênicos de cada um.

Desse momento em diante, proposições e provocações eram geradas pelos integrantes da pesquisa. Cada integrante oferecia um olhar focado para sua área de atuação durante o processo. Melissa pensava os vídeos, Larissa, possibilidades de iluminação, Gilson a cenografia e assim por diante. Vale dizer que este foco individual de cada integrante era constantemente atravessado pelo olhar e pela opinião do outro, mas nunca completamente abandonado.

Começamos o processo de trabalho levantando, em nossos encontros semanais, material bruto sobre o tema da pobreza. Nesta troca inicial de impressões pessoais, leitura de textos e entendimento de conceitos, nos deparamos com as muitas facetas do tema pesquisado e identificamos uma relação de interdependência conceitual entre pobreza e riqueza. Daí Tania nos propôs aquilo que daria início concreto ao levantamento de material criativo para a montagem propriamente dita. Sua proposição foi a de que respondêssemos, individualmente e de forma artística, à pergunta que acabou se tornando o próprio nome do espetáculo: Por que você é pobre?

O conteúdo desde texto foi produzido primeiramente em forma de entrevista concedida ao doutorando VINÍCIUS DA SILVA LÍRIO, durante o processo de pesquisa da tese TEATRALIDADES HÍBRIDAS: DIÁLOGOS COM POÉTICAS CÊNICAS NO TEATRO CONTEMPORÃNEO, do PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS DA UNIVERSIDADE FEDERAL DA BAHIA (PPGAC/UFBA).

Pesquisa, processo e espetáculo

Por que você é pobre?

A pletora de pontos de vista e de expectativas que o espetáculo deixa entrever aguça as intenções e vontades do participante de querer dar conta de todos os blocos de interação ao mesmo tempo. A imaginação do espectador é provocada, na medida em que as múltiplas interferências de sonoridades, constituídas por vozes, risadas, músicas, cantorias e gritarias de intensidades diversas, contribuem para instigar ainda mais a curiosidade que alimenta e serve de combustível para o público apreciar, e até comparar, o que se vê com aquilo que se ouve. A cada parada obrigatória, era interessante captar do outro esboços de impressões e resquícios de sensações, materializados ora por uma fala não elaborada ora por uma simples troca de olhares. Em diversas ocasiões, muitos dos participantes do grupo dos ricos, que me fizeram companhia, esboçavam, no calor com que se envolviam nas cenas, um certo desejo de querer estar no lugar do outro, de achar que o outro grupo socioeconômico era mais animado que aquele em que estava inserido. Havia um certo estado de apreensão, criado pelo espectador, a cada troca de lugar, a cada deslocamento que se empreendia, a cada mudança de tom e de discurso promovido pelas circunstâncias impostas na cena. O conjunto de espectadores não sabia o que poderia acontecer, para onde estaria indo, para qual direção estava sendo levado. Toda esta intensidade de emoções ocorria durante o deslocamento dos cortejos, sem que o hiato, produzido entre uma atração e outra, os desviassem de suas atenções. O contato sensível entre indivíduos e o questionamento de certas práticas políticas, estéticas e filosóficas, que consumimos e reafirmamos constantemente, são celebrados em Por que você é pobre?, espetáculo que produz vivências a partir da alteridade com que os relatos dos espectadores se encontram, no fim da peça, para confrontar sensações, afirmar pontos de vista e criar outras possibilidades de narrativa.


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Performer e bolsista de Iniciação Científica

Rodrigo Abreu

E foi essa tríade que, no fim, estruturou todo o espetáculo. Ao chegar, cada integrante da plateia era perguntado se era pobre, médio ou rico, sem que nenhuma explicação fosse dada a priori. Assim, divididos nestes três polos, cada grupo vivia experiência distintas. Para que pudéssemos instaurar curiosidade e até mesmo certa insatisfação entre os integrantes desta plateia, ao longo do percurso, estas cenas que aconteciam simultaneamente se atravessavam pontualmente, por interferências sonoras ou mesmo fisicamente, nos momentos de transição entre uma cena e outra. Por fim, em um espetáculo de duas horas, itinerante e dividido em três atos – teatro, exposição e performance – concluímos a pesquisa de um ano de trabalho árduo, porém, delicioso.

Essa compilação de questões, respostas e conceitos passou a formar então o entendimento do que chamamos ao longo do processo e também durante o espetáculo de Pobre, Médio e Rico.

Também nesse ponto da criação, percebemos em nossos encontros que a pobreza, em uma primeira instância, era associada à questão financeira. E que, neste âmbito, os conceitos de pobreza e riqueza eram bastante interdependentes em muitas de nossas leituras e falas. Porém, no sentido financeiro, não nos encaixávamos necessariamente nem em um ponto e nem em outro. Surgia então o nosso conceito de médio, que inicialmente fazia menção apenas à questão financeira, à classe-média. Para a pesquisa, a triangulação entre estes três aspectos se apresentou como uma possibilidade mais rica de abordagem e menos polarizada entre os conceitos de pobre e rico. No entanto, com o avançar dos estudos e com o aprofundamento do tema, começamos a focar nosso olhar no mercado da arte no Brasil, mas especificamente no Rio de Janeiro, e escolhemos este mote para ser um fio condutor de nosso roteiro do espetáculo. Aí, os termos pobre, médio e rico ganharam complexidade e já não representavam apenas o aspecto financeiro – ainda que este também tenha sido primordial em nossa estrutura final –, mas outros aspectos se somaram a esta conceituação própria para o espetáculo. Que arte consome cada uma das classes? Que arte produz cada uma das classes? Como sente cada uma das classes? Como se relacionam entre si? Como se comportam?

Para que pudéssemos ter liberdade nesse formato de trabalho, para que pudéssemos ter um espetáculo conceitualmente potente, entendemos que a dramaturgia seria um ponto fundamental a ser elaborado. Um bom roteiro, bem pensado e estruturado, com atuantes que o conhecessem a fundo e que pudessem reajustá-lo rapidamente em caso de necessidade, era o que faria com que um trabalho como esse fosse possível de ser realizado. Muitas reuniões e horas de trabalho foram investidas nessa construção, com um cuidado minucioso de escolha de palavras e posturas de cada atuante em cada momento do espetáculo. Vale dizer que em um espetáculo como o nosso, com cenas simultâneas e com uma itinerância que nos obrigava a montar e desmontar os espaços de maneira cronometrada, a dramaturgia era sem dúvida uma grande aliada. Em suma, a atenção a este ponto nos possibilitou sem dúvida liberdade de atuação dentro do e durante o espetáculo.

Diante desse levantamento positivamente caótico de material para a cena, fomos percebendo que precisaríamos de uma estrutura de espetáculo que desse conta da multiplicidade das propostas que vinham sendo apresentadas pelos integrantes e que, para isso, precisaríamos estar disponíveis a trabalhar com um ‘evento’ cênico que não se limitasse a definições de estilo, mas, ao contrário, pudesse reunir diversas formas de expressão artística em um só acontecimento/espetáculo.

Neste set de filmagem havia um fundo branco, três câmeras para registro de vídeo e fotografia e dois bancos. Em um dos bancos, Tania segurava uma placa que dizia “Converso sobre pobreza” e no outro, os passantes, que viam aquela estrutura montada, sentavam espontaneamente e começavam a discursar sobre o tema. Este material fotográfico e audiovisual foi de grande valia para a pesquisa, pois agregou novos olhares para o tema, permeou nosso processo de criação e, por fim, fez parte de algumas cenas do espetáculo.

Fomos para rua, montamos uma espécie de set de filmagem improvisado em praças públicas da cidade – um em região mais abastada financeiramente e outro em uma região de grande fluxo heterogêneo de pessoas, em sua maioria de classe média, mas com acesso a moradores de rua e moradores de áreas mais distantes do centro/ zona sul do Rio de Janeiro.

Das diversas experimentações feitas ao longo do processo, faço um aparte para destacar uma experiência coletiva que se tornou fundamental ao resultado final desta.

Experimentações na rua, performances individuais e coletivas, entrevistas e intercâmbio com artistas que não estavam diretamente ligados à pesquisa também foram parte fundamental de nosso processo de criação.

Dentro dessa estrutura coletiva/colaborativa de trabalho, eu assumi a função de atuante/performer e, mais a frente, de assistente de direção de Tania. Meu processo criativo foi sendo conduzido, em grande parte, por minha intuição diante do material que era levantado a cada encontro. Como mote principal de minha pesquisa individual trouxe para cena, assim como a maioria dos outros integrantes da pesquisa, material biográfico que pudesse, ao ser tratado de forma artística, aprofundar e potencializar o estudo do tema pobreza. Minha experiência em teatro musical, minhas impressões sobre o mercado da arte, meus afetos e desafetos, todos eles foram sendo utilizados em prol da criação de cenas, performances, imagens, que posteriormente, não todas, foram utilizadas no espetáculo.


Por que você é pobre? O espetáculo “Por que você é pobre?” se desenvolveu a partir de investigações performáticas, teóricas e dramatúrgicas sobre pobreza e exclusão, vivenciadas através de performances urbanas e de improvisos cênicos. A metodologia foi a da construção coletiva, a pesquisa estética focou-se em descobrir e compreender elementos e conceitos intrínsecos ao universo da pobreza. O eixo teórico buscou os vínculos existentes entre os conceitos de heroísmo e sacrifício, na contemporaneidade, e situações de pobreza; fossem elas materiais, espirituais, afetivas, políticas, filosóficas, ideológicas, entre outras. Nosso objetivo, desde o início, foi o de construir um espetáculo que se materializasse num espaço de debate e reflexão sobre a pobreza e os sacrifícios impostos à sociedade pelo sistema econômico atual. O nosso processo de trabalho, para a felicidade de todos, foi extremamente rico. O clima era harmonioso, as pessoas cuidavam umas das outras, os ensaios eram uma delícia e a pesquisa intensamente produtiva. Levantamos tanto material que, se mantivéssemos tudo dentro do espetáculo, teríamos mais de seis horas de peça. O que mais me impressionou na organização do processo foi a aplicação da metodologia para a sua construção. Tania Alice assumia o papel de mais uma das pesquisadoras do grupo, relativizando seu papéis de coordenadora e diretora, democratizados no processo de trabalho a partir da composição de um espetáculo em que todos os elementos eram construídos pelo grupo. Esta característica fortalecia os laços de todos com o projeto, no qual o mais importante era aquilo que queríamos comunicar, independentemente do texto. Este seria parte do resultado final do trabalho e traria em si o processo de ensaios.

A performatividade em O espetáculo, com duas horas de duração, era composto de três peças – uma para pobres, outra para médios e outra para ricos – que, além de itinerantes, desenvolviamse simultaneamente e eram divididas em três atos: teatro, exposição e performance. Esta descrição do espetáculo é organizacional; serve para nos orientarmos em sua dinâmica. “Por que você é Pobre?”, do início ao fim, era marcado pela performatividade cênica no sentido da fronteira praticamente inexistente entre ator e performer, da ênfase na situação cênica em detrimento dos jogos ficcionais e na eliminação de barreiras entre ator e espectador, fazendo deste último um colaborador atuante e não um mero observador. Do ponto de vista da estrutura, o caráter performativo desse trabalho era a sua maior força. Os atores/performers eram exigidos, o tempo todo, a exercitar, ao máximo, o seu grau de presença. Os espectadores/colaboradores não só eram compelidos a participar, como, de fato, o faziam. Assim, Por que você é Pobre? vivia um risco contínuo. Era instigante e motivador. O último ato, para mim, sempre foi o mais difícil. Eu fazia a performance para o espetáculo de pobre, na qual, enquanto os meus interlocutores comiam pães feitos por mim, eu preparava uma nova massa e contava para eles as dificuldades que vivi quando fui expulsa de casa e fiquei sem ter onde morar e o que comer.


A performatividade Pouco antes da estreia eu conversei com o grupo sobre meus receios com este momento. Eu achava desinteressante e perguntava a mim mesma e a eles no que a minha vida poderia interessar aos outros. Tania dizia que era um trabalho muito potente ,e decidimos manter. Eu continuava me perguntando no que minha vida poderia interessar aos outros, e precisei de algumas apresentações para entender. O primeiro dia foi mágico, o segundo melhor ainda, no terceiro as pessoas não queriam deixar a performance acabar. No que minha vida interessa?... Em nada. Absolutamente nada, senão na possibilidade de abrir um espaço relacional que permita aos espectadores refletir sobre suas vidas, suas perdas, suas pobrezas. Assim, não importa o que o meu discurso diz, mas o que ele faz; a relação afetiva que ele estabelece. Da mesma forma, não importava o que eu fazia – massa de pão – mas sim o que o meu envolvimento com a ação era capaz de suscitar. Assim, o meu discurso iniciava um movimento que ia para além dela; ele iniciava uma performance na qual todos performavam: antecipavam a minha história, queriam narrá-la por mim, pediam-me para parar e começavam a contar histórias, trocavam experiências entre si, compartilhavam receitas de pão etc.

Por que você é pobre? Ao final da performance, eu dava para cada uma dessas pessoas um saquinho de pão e pedia para que desse para alguém em situação de pobreza, fosse material, amorosa ou espiritual. Tinha gente que ria e gente que chorava. Muitos me abraçavam. E também tinha os que voltavam num outro dia e me contavam para quem tinham dado o pão. Esse envolvimento acontecia com as outras performances também. Esse envolvimento, em maior ou menor grau, acontecia ao longo de todo o espetáculo. As pessoas brincavam, dançavam, cantavam, comiam, bebiam, riam e choravam. “Por que você é Pobre?” estabeleceu um espaço artístico de reflexão e diversão que, sem dúvida, marcou a todos que o experimentaram. Daniele Carvalho Silva Atriz e bolsista de Iniciação Artística

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Performance da invisibilidade ou o estereótipo da negra nas artes cênicas É interessante observar como as relações de poder ficam mais evidentes quando um dos envolvidos é um serviçal. A palavra serviçal pode ser definida, de acordo com o dicionário Aurélio, como: 1. Que gosta de prestar serviços; servidor. 2. Criado ou criada, servo. Todo Todo ricorico queque se preze se preze tem, tem, pelo pelo menos, menos, umum serviçal, serviçal, e pensando e pensando nisso nissoé que é quesurge surgea aideia ideiadedeseseter teruma umagarçonete garçoneteno noespetáculo espetáculo Por Por que que você é pobre?. Essa serviria os ricos durante todo o espetáculo e em determinado momento faria uma performance sobre as “profissões invisíveis”, tornando-se visível. O espetáculo já estava quase pronto quando surgiu o convite para integrá-lo, o que se deu pelas afinidades que tenho com a linguagem performática e com a diretora artística do espetáculo, Tania Alice. Até então não era sabida minha afinidade com o tema. Sou filha da classe serviçal: minha mãe, imigrante baiana, junto com suas irmãs, trabalhou como empregada doméstica durante boa parte de sua vida; meu pai, carioca, ajuda a construir nosso país, trabalhando como servente de obras na construção civil. Duas pessoas de origem humilde, que sequer terminaram o ensino fundamental. Além desse histórico familiar, tenho uma afinidade profissional com o tema: sou mulher, sou negra e sou atriz, e esses três fatores fazem toda a diferença na hora da distribuição dos papéis que faço. Embora estejamos no século XXI, e eu seja uma profissional capacitada, terminando um curso universitário público - a primeira de minha família, diga-se de passagem – com diversos cursos no currículo e artigos publicados, me restam os personagens oriundos das classes mais pobres. Não raro faço papéis de empregadas domésticas, adolescentes grávidas, gostosas da periferia, prostitutas bagaceiras e variações destas, mesmo no ambiente acadêmico. Aliás, um dos motivos que me afastaram do teatro e me aproximaram da performance: a possibilidade de autonomia artística, a não hierarquização e a liberdade de falar dos assuntos que me são caros. A minha participação no espetáculo consistia em apresentar essa situação aos espectadores. Depois de servir os ricos, e todo o público num trecho específico, ao final do espetáculo, em vez de comida/bebida, trazia na bandeja documentos que comprovavam e serviam de dispositivo para falar sobre minha relação familiar e profissional com o tema. Esses documentos eram pendurados num varal, minha vida literalmente exposta para todos verem. Depois dessa apresentação, eu tirava o uniforme de empregada, armando-o no chão, ficava apenas de calcinha e sutiã fazendo poses sensuais clássicas – advindas de uma rica pesquisa virtual – ao mesmo tempo que perguntava aos ricos “Assim você me vê?”. Pergunta essa que teve vasto leque de respostas, embora não lhes fossem exigidas. Alguns diziam que me viam, outros que não, e houve aqueles que negavam solenemente a ação, olhando para o teto ou para o chão. Alguns se sentiram agredidos e saíram o mais rápido possível do local, outros vieram se justificar comigo depois, me dizer que eu não precisa me expor daquele jeito, que não havia necessidade. Houve muito choro, principalmente de mulheres, inclusive o meu em alguns dias depois da ação. Houve risos, aclamações em “cena aberta” e até uma cantada em um dia... E teve muito afeto, a tamanha exposição comoveu as pessoas e muitos abraços calorosos, dos colegas de cena e de gente que eu sequer conhecia, me esperaram ao final do espetáculo. Teve gente que não entendeu, teve gente que entendeu outra coisa, teve gente que fingiu não entender... As respostas dadas às vezes iam até mesmo contra a intenção inicial da performance, que era a critica ao estereótipo do negro no mercado cênico brasileiro, posição essa que ficava clara pelo semblante facial que não correspondia à partitura corporal apresentada. Em cena tínhamos a representação dos dois estereótipos clássicos do negro, que muito são explorados pela mídia: o uniforme no chão representando o segmento das empregadas e eu seminua representando o segmento sensual, a mulher negra enquanto pedaço de carne. Se faz necessário destacar a disposição cênica do público no momento, para que se entenda a relação entre os grupos, e destes comigo durante a ação. Os ricos sentavam-se a minha frente em um canto da sala, os pobres ficavam do mesmo modo só que do lado oposto, atrás do varal. Os médios se sentavam no chão entre as duas outras classes. Dessa forma, os pobres me viam de costas, não tinham acesso a minha vida real, pois não viam o que eu colocava no varal, mas ficavam de frente aos ricos, podendo observá-los me olhando, o que causava desconforto, pois obrigavam os ricos a olhar para mim, pois senão encontrariam o mar de olhos que os observava. Era como se ao fazer essa ação, os pobres a fizessem comigo, e daí surge a segunda parte da performance: arrasto a cadeira que está junto a mim até os pobres, começo a imitar alguns deles, e novamente perguntar aos ricos se assim eles me viam. Depois de algumas repetições, de modo bem humilde, pedia-lhes desculpas, desejava-lhes uma boa noite e saía de cena.

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A principio essa ação seria apresentada junto as outras na mostra performática, mas esta acabou se constituindo como uma boa síntese do espetáculo, por falar de várias pobrezas, inclusive a pobreza no contexto artístico. É necessário enfatizar que um dos focos desse espetáculo era discutir o mercado da arte na contemporaneidade. Assim nos pareceu mais interessante mostrá-la a todas as classes, e essa ser a finalização do espetáculo. A espacialização escolhida, muito discutida em sala de ensaio, surge como uma forma de embate entre as classes, já que até então a separação social na peça era muito divertida e se apresentava como possibilidade e não como privação; é também uma cobrança para com cada um sobre como reage às pobrezas que nos são expostas. Gostaria de dar um exemplo de como a disposição espacial nos esclarece/estimula no embate das classes ali representadas. Após verem as performances destinadas a sua classe, as pessoas retornavam à sala inicial e eram alocadas da maneira como foi descrito anteriormente. Um tempo depois que todos chegassem, eu entrava para fazer a performance. Em uma das apresentações, observei que as classes começaram a entrar em colisão, num tom de brincadeira, mas não deixava de ser um choque. As pessoas queriam mostrar que suas experiências foram melhores que a dos outros e diziam tudo o que vivenciaram num tom elevado de modo a mostrar aos outros aquilo que lhes foi excluído. Enunciações como “A minha experiência foi melhor porque...” eram constantes, seja por estar sentado o tempo todo, por ter comido em vários momentos, por ter sido servido ao longo do espetáculo, por ter-se divertido mais, por ter visto mais coisas, um jogando “na cara” do outro, numa tentativa de parece mais importante ou especial. Voltando ao poder causado pelo ser servido, pude observá-lo na pele, enquanto garçonete do espetáculo. Desde o começo existia a ideia de trabalharmos com o conceito de “profissões invisíveis”; uma rica fonte de estudo foi o relato da experiência realizada pelo psicólogo social Fernando Braga da Costa que, durante sua pesquisa de mestrado, se vestiu de gari e varreu as ruas da USP por oito anos, e se surpreendeu ao perceber que não era reconhecido por seus colegas e professores, que sequer notaram sua presença. Salvo as devidas proporções, nossas experiências foram parecidas. As pessoas de fato acreditavam que eu era apoio da peça e não integrante do elenco. Houve casos de pessoas que me conheciam não me reconhecerem, pelo fato de nem olhar na cara da garçonete. As pessoas, de um modo geral, de fato, não reparam nas pessoas que trabalham no apoio dos lugares. Aquilo que me pareceu tão chocante durante as leituras, na preparação da performance, se deu comigo ao longo do espetáculo, mesmo que nesse caso o poder fosse algo fictício, momentâneo. Na oportunidade de serem ricas, as pessoas me destratavam, uma maneira de se mostrarem superiores a mim, que era a constante presença da classe mais pobre. Qualquer pequena falha gerava uma reclamação explicita, as vezes até agressiva. No segundo dia do espetáculo deixei cair, sem querer, algumas taças de minha bandeja e as pessoas diziam que eu seria demitida, perguntavam como me contrataram para aquilo, brincavam que só mesmo como empregada eu entraria naquele lugar. É claro que tudo isso era feito em tom de brincadeira, mas a própria brincadeira já demonstra um comportamento agressivo. Assim como uma forçosa simpatia para comigo, no qual o “queridinha”, “mocinha” e outros nomes do diminutivo eram usados para me chamar, embora tentasse parecer o contrário, uma situação de inferioridade era clara. Para mim foi muito importante esse trabalho. Digo que essa foi minha peça de formatura, pois foi onde realmente pude me expor enquanto artista e pessoa. Acredito muito na obra de arte na qual podemos enxergar o artista que a fez; quando este fala de si, de suas experiências, mas não se fecha em si mesmo, ao contrário, gera um trabalho universal. “Fale de sua aldeia e falarás sobre o mundo” já dizia Tolstoi. E a performance possibilita isso. Diferente dos outros trabalhos nos quais interpretei uma serviçal, neste eu fui uma serviçal e pude sentir na pele o que é ser uma, e não representá-la, porque ficou estabelecido que meu biótipo corresponde a uma. E ao ser, pude ver claramente esse preconceito que me faz representante dela enquanto profissional. E para mim, o melhor dessa experiência foi poder me colocar diante dessa situação e, assim, fazer com que o outro também se coloque, percebendo que ele não é passivo nesse jogo. Por que você é pobre? é um espetáculo muito divertido, mas é uma comicidade ácida. Um amigo, ao final do espetáculo, disse: “O espetáculo é muito engraçado, mas é bélico também né?!”. Na verdade, bélico, cruel, é a realidade em que vivemos, é que fechamos nossos olhos para isso, o espetáculo apenas expõe aquilo que não queremos ver. E é necessário expor a realidade, para daí surgir nosso desejo de mudança, e uma outra realidade ser possível. A partir do momento em que expus a minha realidade, realidade comum a tantas jovens artistas negras como eu, passo a não mais aceitá-la e, mais do que esperar que ela seja diferente, passo a fazê-la diferente, correndo atrás, mostrando-me não apenas como uma “artista reprodutora”, mas principalmente como uma artista criadora, e é essa a riqueza que o espetáculo me deixou: a quebra de estereótipos e a possibilidade de autonomia artística! Renata Sampaio Atriz, arte-educadora e membro do Coletivo Heróis do Cotidiano

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Montar o espetáculo Por que você é pobre? sem recursos financeiros foi uma escolha coletiva que surgiu da vontade de não se submeter aos modos de financiamento atualmente existentes. A montagem do espetáculo foi realizada somente na base da troca, construindo, desse modo, uma rede de colaboradores conscientes da escolha do grupo. Se consideramos os modos de produção e criação de arte abordados por Nicolas Bourriaud em seu livro Estética Relacional - que muitas vezes, só se realizam na base do comprometimento do espectador, contando com sua participação, inclusive, ética – podemos pensar em tais colaborações como gestos artísticos de reivindicações sociais. Outro ponto relevante da discussão é a construção dramatúrgica do espetáculo, realizada a partir de histórias e referências autobiográficas dos performers do grupo e dos transeuntes, gerando uma dúvida sobre a veracidade e o lugar da enunciação dos fatos narrados, potencializando a relação entre performer e espectador. Larissa Siqueira Atriz/Performer e bolsista de Iniciação Científica

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Tania Alice

Professora da Escola de Teatro da UNIRIO e diretora de “Por que você é pobre? 1”

Criar em outro contexto é efetuar uma É apoiar-se em um olhar “de fora” para tornar legível e perceptível uma realidade que por vezes não percebemos quando imersos em determinado contexto. “Sou feliz por ser um desenraizado, porque sempre tive medo da influência que a raiz poderia exercer sobre mim”, já escrevia Marcel Duchamp . Entrar em contato com um implica abrir as janelas da percepção, manter-se atento e aberto ao desconhecido a fim de vivenciar um enraizamento precário por meio da contaminação. É esta experiência subjetiva que tomo por ponto de partida neste ensaio. Quando cheguei ao Brasil, e mais especificamente ao Rio de Janeiro, três anos atrás, me deparei com uma estrutura do espaço urbano segmentada em função da divisão das classes sociais. No Rio de Janeiro, esta divisão constitui

operação de deslocamento.

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1 Este texto foi apresentado no Second Internacional Conference on Arquiteture, Theatre and Culture, organizado pelo Laboratório de Estudos do Espaço Teatral e Memória Urbana, coordenado pela Profa. Dra. Evelyn Furquim Werneck Lima, no Rio de Janeiro, de 27 - 31 de agosto de 2012 e publicado nos Anais do Evento. 2 Marcel Duchamp, entretien avec Jean Antoine. In: MARCADE, Bernard. Laisser pisser le mérinos. La paresse de Marcel Duchamp. Paris: L’Echoppe, 2006. Citado por BOURRIAUD, Nicolas. Radicant. Paris: Denoël, 2009, p. 57.

uma realidade que se apresenta como inquestionável. A separação se reflete em todos os aspectos da vida cotidiana: da mesma forma que o espaço urbano é segmentado em função de valores econômicos, o mercado da arte - foco deste ensaio - também é dividido em produtos para ricos, médios e pobres. Estes produtos, gerados por meio de editais com orçamentos superfaturados, envolvem uma burocracia sempre maior que obrigada o artista a associar-se a um produtor que possa dar conta das demandas sempre crescentes em termos de prestação de contas e outras burocracias controladoras. Caso não queira compactuar com o superfaturamento do mercado realizado pelas produtoras, o artista se vê obrigado a consagrar grande parte do seu tempo escrevendo projetos a fim de adentrar um esquema de produção de arte, inserindo-se em determinados circuitos, ao invés de investir seus recursos criativos na criação de arte, pois, como bem sabemos, criar arte e produzir arte são atividades distintas.Vencida a batalha dos editais - com resultados muitas vezes calcados na base do favorecimento pessoal ou de interesses ideológicos, o artista pode se dedicar parcialmente à criação, mesmo tendo que ficar se dividindo entre vários projetos para garantir seu sustento. Trata-se de uma política artística pública que visa à desmobilização da classe artística, continuamente alimentada pela ilusão de um “acontecer” temporário de alguns, substituído pelo “bombar” aleatório de outros, fatos que, quando ocorrem, reforçam temporariamente o ego das pessoas elegidas e as simpatias forçadas tingidas de inveja mal disfarçada das outras. O desejo de pesquisar vias alternativas para a criação foi o ponto de partida do projeto de pesquisa teórico-prático que coordeno na UNIRIO. O projeto, que reuniu uma equipe de quinze pessoas cansadas com estes processos tradicionais de mercado, composta por professores e alunos da UNIRIO, tomou como ponto de partida a pergunta “Por que você é pobre?”. Além ser feita à nós - mesmos, a pergunta foi feita a diversos moradores do Rio de Janeiro e teve por momento de compartilhamento uma temporada no Castelinho do Flamengo em maio de 2012, momento em que dividimos com o público nossa interrogação sobre a segmentação artística em função dos espaços culturais. O presente ensaio se apresenta como uma reflexão sobre as questões levantadas ao longo desse processo criativo. A pesquisa foi iniciada em 2010, com o objetivo de realizar uma investigação teórica e prática com base nas noções de “herói”, “sacrifício” e “pobreza” na Contemporaneidade a partir do mito grego de Ifigênia. O projeto inicial consistia em investigar de maneira teórica e prática o mito clássico a partir de duas linguagens artísticas, a dramatúrgica e a performática, tomando como ponto de partida o espaço das ruas do Rio de Janeiro, assumido como território rico de possibilidades e de exploração para entender quais seriam as modalidades da “Estética Relacional” de Bourriaud nas ruas. Inicialmente pensada a partir de trabalhos realizados em galerias europeias, interessava-me investigar que tipo de relações a arte pode propor em um contexto latino-americano, em espaços

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externos, podendo ultrapassar uma simples interatividade de fachada para construir relações formadoras de subjetividades recriadas pela proposta artística. Narrada nas tragédias Ifigênia em Aulis e Ifigênia em Taurida de Eurípides, e depois em Ifigênia de Racine e Ifigênia em Taurida de Goethe, a história da morte de Ifigênia, que serviu como ponto de partida para a pesquisa, coloca a questão de um

herói, a autoconsciência do ser herói e a percepção do herói pelo poder vigente. Percebeu-se, nessa fase, que o imaginário coletivo é influenciado pela imagem do herói que circula pelos quadrinhos norte-americanos: um herói que, mesmo defendendo o oprimido, preserva a ordem e o poder vigente. A partir desta constatação, fez-se necessário entender que tipo de herói poderia ser o herói brasileiro contemporâneo. Desenrolou-se então uma longa fase de investigação performática que aconteceu durante o ano de 2011. Explorando as fronteiras das artes plásticas, da videoarte, do teatro, da poesia e do cinema, ou seja, a linguagem performática, a pesquisa consistiu em elaborar intervenções urbanas e performances que exploravam a questão do herói, da pobreza e do sacrifício, para tentar chegar à alguma definição sobre o que poderiam ser um herói, o sacrifício e a pobreza hoje. Dentro das performances realizadas, podem ser ressaltadas “O Banquete dos Heróis”, realizada no Rio de Janeiro e em São Paulo e que circulou pelos quilombos do Estado do Rio de Janeiro, “Soltando preocupações” ou ainda “Poder da Invisibilidade”. Estas performances, bem como outros experimentos cênicos, financiados por nós - mesmos ou por via de Editais públicos (Prêmio Artes Cênicas nas Ruas em 2010, Prêmio da Secretaria de Cultura do Estado em 2011) foram realizadas em diversos espaços urbanos, e apresentadas em eventos científicos e encontros artísticos, como na Mostra SESC de Artes (2010) ou no Congresso

maneira arbitrária - realidade esta facilmente observável nos bairros cariocas. Paralelamente, a tragédia coloca em questão a noção de heroísmo. Quem é o herói na tragédia de Ifigênia? É herói quem sacrifica ou é herói quem é sacrificado? Este questionamento faz eco com uma série de questões ligadas ao contexto socioeconômico da Contemporaneidade, que tende a instaurar a lógica da produtividade em todos os espaços e esferas da vida cotidiana. Conforme escreve o filósofo e ensaísta Peter Pál Pelbart, que serviu de ponto de partida para pensar estas questões:

(2010), entre outros. Um documentário sobre o Coletivo, dirigido pelo ex-aluno da UNIRIO Antônio Pessoa, também foi realizado e amplamente divulgado em várias Mostras de Arte Nacionais e Internacionais. Durante esta segunda fase da pesquisa, foi se tornando evidente a necessidade de um treinamento específico para o performer que atua em espaços urbanos. Nesse sentido, ofereci junto com o Coletivo no Curso de Interpretação uma disciplina intitulada “Treinamento para o performer”, que ocorreu durante dois semestres (120 h/a no total). O primeiro semestre foi dedicado à investigação da prática da meditação tibetana e da técnica dos View Points . O segundo semestre consistiu na realização de três performances junto com o grupo de quarenta alunos em um Curso intitulado “Ativismo Poético”, registradas em vídeo e divulgadas em festivais de cinema nacionais e internacionais . Atualmente, o treinamento se estendeu para a prática do Shintaido (literalmente, “novo caminho do corpo”), uma arte marcial da paz de origem japonesa, em um curso oferecido em conjunto com a Mestre de Shintaido Clélie Dudon. O curso, oferecido como treinamento na Escola de teatro, é intitulado “Shintaido e Performance” e tem por objetivo investigar de que forma as práticas do Shintaido podem realmente afetar o espaço urbano.

sacrifício ligado ao imperativo de leis que não são necessariamente determinadas pelos indivíduos que são sacrificados, mas que regem seus destinos de Internacional de Arte Contemporânea em Marseille, França

Que possibilidades restam, nessa conjunção de plugagem global e exclusão maciça, de produzir territórios existenciais alternativos àqueles ofertados ou mediados pelo capital? De que recursos dispõe uma pessoa ou um coletivo para afirmar um modo próprio de ocupar o espaço doméstico, de cadenciar o tempo comunitário, de mobilizar a memória coletiva, de produzir bens e conhecimentos e fazê-los circular, de transitar por esferas consideradas invisíveis, de reinventar a corporeidade, de gerir a vizinhança e a solidariedade, de cuidar da infância ou da velhice, de lidar com o prazer ou a dor? (PELBART: 2011, 22)

A partir dessas perguntas iniciais, nossa busca consistiu em tentar entender quais são as modalidades do sacrifício e do heroísmo no espaço urbano carioca, tentando compreender a repercussão do mito de Ifigênia hoje a partir das seguintes questões: O que, hoje, é objeto do sacrifício? Por

quê? Por quem?

Uma primeira investigação teórica sobre a questão do heroísmo na Grécia Antiga, no Classicismo e principalmente na Contemporaneidade teve por objetivo entender de forma prática as modalidades de construção do herói, a percepção do

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3 Os View Points, literalmente “pontos de vista” são uma técnica de composição coreográfica e cênica desenvolvida por Anne Bogart e Tina Landau na SITI COMPANY, com base no trabalho da coreógrafa Mary Overlie. Chegaram ao Rio de Janeiro via Enrique Diaz e rapidamente se tornaram uma febre, resultando em diversos grupos de treinamento, cursos e workshops, cuja estética se reflete na cena carioca contemporânea. 4 Os vídeos “Rio Branco” e “Salvem os Ricos” foram apresentados no Centro Cultural da Justiça Federal (18/11/2011) e em Guadalupe no Guadalupe Shopping (24/11) no Festival Globale Rio 2011, na Mostra de Vídeos da Escola de Belas Artes (2011) e no Festival de Cinema Internacional CineSul (2012).


Depois do treinamento da primeira fase, passamos para a terceira fase da pesquisa, que consistia na elaboração de uma estrutura dramatúrgica e teatral que pudesse dar conta das experiências teóricas e performáticas vivenciadas ao longo dos dois primeiros anos. Esta construção se deu por meio de uma investigação de possibilidade de criações cênicas e performáticas, juntamente com uma equipe de criação composta pelo Prof. Dr. Luciano Maia (UNIRIO), pelo Prof. Dr. Gilson Motta (UFRJ), pela Profa. Dra. Mariana Maia (PUC/Rio), pela bolsista de Iniciação Científica Larissa Siqueira (IC/UNIRIO), os bolsistas de Iniciação Artística André Marinho e Daniele Carvalho (Proex/UNIRIO) e pelo aluno voluntário Rodrigo Abreu. Esse trabalho, intitulado “Por que você é pobre?”, foi compartilhado com o público pela em maio de 2011, na modalidade de um site specific no Centro Cultural Oduvaldo Vianna Filho (Castelinho do Flamengo), questionando especificamente as segmentações sociais e culturais do Rio de Janeiro. O trabalho se inscreve na linha da “arte contextual” (Paul Ardenne), concebida em função de uma determinada realidade social. Conforme Paul Ardenne: A arte chamada contextual une todas as criações que se apresentam como ancoradas em dadas circunstâncias e que se mostram preocupadas em trabalhar com a realidade. (...) A arte contextual deixa para trás o território do idealismo, vira as costas para a representação e fica imersa na ordem concreta das coisas. (ARDENNE: 2004, 17-19).

Nessa fase da pesquisa especificamente centrada no aspecto contextual da arte, o Coletivo

se colocou como pergunta inicial o que seriam suas próprias pobrezas, sejam elas materiais, afetivas, de saúde, energéticas, espirituais, entre outras. A questão investigada

conduziu o grupo a optar por trabalhar sem dinheiro, ou seja, a realizar pesquisa e a temporada sem nenhum recurso privado ou público, somente na base da troca. Os encontros inicialmente semanais, foram se desdobrando até resultar em encontros diários. Inicialmente, a investigação pessoal dialogou com relatos de moradores do Rio de Janeiro que foram coletados durante uma performance intitulada “Converso sobre pobreza”, na qual, sentada em um banquinho, e com outro banquinho vazio ao meu lado, aguardava os passantes sentarem do meu lado para conversar sobre pobreza de qualquer ordem, compondo com eles a própria performance. A construção dramatúrgica do espetáculo se deu a partir dos relatos autobiográficos e autoficcionais nossos e de moradores 5

5 No contexto artístico pós-moderno, a definição pioneira em termos de autobiografia foi dada pelo crítico literário francês Philippe Lejeune em Le Pacte autobiographique, em 1975, em que o autor definia a autobiografia como sendo definida por uma fala em prosa, com a temática do passado e um olhar retrospectivo sobre as memórias de quem escreve. Em 1986, em Moi aussi,

do Rio de Janeiro das mais diversas origens, idades e categorias sociais, relatos reelaborados dentro de uma trama geral, sempre na perspectiva do que o crítico de arte Nicolas Bourriaud qualifica de “Estética Relacional” e que toma como ponto de partida, meio e fim da criação artística a transformação da relação entre performer e espectador como meio e fim. Conforme escreve Bourriaud: A possibilidade de uma arte relacional (uma arte que toma como horizonte teórico a esfera das interações humanas e seu contexto social mais do que a afirmação de um espaço simbólico autônomo e privado), atesta de uma inversão radical dos objetivos estéticos, culturais e políticos postulados pela arte moderna. (...) O regime de encontro casual intensivo elevado à potência de uma regra absoluta de civilização acaba criando práticas artísticas correspondentes, isto é, uma forma de arte cujo substrato é dado pela intersubjetividade e tem como tema central o estar-juntos, o “encontro” entre observador e quadro, a elaboração coletiva do sentido. (BOURRIAUD: 2009 - 19 -21)

Seguindo esta lógica, a construção dramatúrgica do espetáculo propunha ao espectador uma autodefinição inicial, que o fazia escolher entre a situação de rico, médio ou pobre. Em função da decisão tomada, o espectador seguia uma trajetória artística composta por teatro, exposição e performances diferenciada segundo a sua escolha, ciente de que, na sua escolha, ele perdia as possibilidades de vivenciar outro tipo de realidade. A trajetória “pobre” era composta por uma cena de teatro de rua de uma companhia fictícia de Olaria que se dizia convidada pelo Coletivo Heróis do Cotidiano e apresentava uma cena de teatro de rua com intrigas baseadas na dramaturgia de Ariano Suassuna, executadas por meio de uma atuação aparentemente improvisada, inspirada na Cia. de Amir Haddad “Tá na Rua”; em seguida, o espectador “pobre” compartilhava uma exposição/ocupação de uma sala do Castelinho que configurava um interior doméstico com objetos associados à pobreza como fotos de Santa Ceia, bibelôs e taças, apresentadas como objetos de arte, com os quais os performers interagiam de forma a recriar um ambiente doméstico que integra funk e churrasco, entre outros elementos. Nesse momento, os performers interagiam com o público afirmando: “ “Estamos Estamos ocupando este espaço cultural. Invadimos

o espaço e agora estamos morando aqui. A gente colocou estes objetos ali com umas legendas... Hoje em dia é assim mesmo. Você coloca qualquer coisa, diz que é exposição e pode ficar dentro do espaço cultural”. Afirmando sua aparente ausência de vínculo Lejeune trouxe nuances para a sua definição, especificando que poderia ser considerado “autobiografia” todo texto em prosa em que se observa uma identidade nominal entre autor, narrador e protagonista. Quando estes limites não estão claramente definidos, estaríamos no campo do que Lejeune chama de “autoficção”: uma escrita cuja enunciação não é claramente definida, mas deixa pairar uma constante dúvida sobre a identidade de quem narra e sobre a veracidade fatual do relato efetuado.

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e de comprometimento com a realidade social, a performance era apresentada como um ato independente que buscava se inserir de maneira artificial dentro de um contexto institucional, concordando nesse sentido, com o que afirma a pesquisadora e artista Maria Beatriz Medeiros em seu livro Espaço e Performance: A performance é uma exterioridade diante do mercado da arte. Sendo obra de arte efêmera, ela está muito longe de ser objeto de consumo. Sendo imaterial, ela se nega como bem de consumo. Percepção e sensação. Sendo muitas vezes realizada em grupo, ela desafia o conceito de autoria. Aberta à participação do espectador (interator), ela radicaliza seu caráter gasoso. (MEDEIROS, 2007: 114)

A última fase do espetáculo do “pobre” era composta por uma performance autoficcional sobre pão, estabelecida a partir do relato autobiográfico de uma performer que passou pela experiência da pobreza e da fome que ela relata compartilhando pedaços de um pão fabricado na hora. Enquanto isso,

a trajetória do “médio” o conduzia a um teatro de falsos relatos performáticos, View Points e dança contemporânea, com cenário composto de luminárias no chão e traços de giz, e, em seguida, a uma exposição de fotos e vídeos, na qual um artista se exibia com um vocabulário deleuzeano. Em seguida, o “médio” ainda assistia a performances sobre comunismo e Coca-Cola, que se apresentavam

voluntariamente como conflitantes e contraditórias. Simultaneamente, a trajetória do “rico” começava com uma ação beneficente que consistia em um recital lírico organizado para salvar as crianças pobres da América Latina implantando valores heroicos nas escolas públicas e pedindo uma contribuição financeira para os participantes; continuava com a exposição da artista internacional fictícia Trish Medina, anagrama de Damien Hirst, que transforma crânios de mendigos em ouro para seguir uma carreira artística internacional em feiras e Bienais, e terminava com diversas performances sobre pobreza afetiva e relacional. As três vivências eram costuradas por momentos comuns em que ricos, pobres e médios se reencontram: uma palestra, inspirada de um texto de Swift que propunha

Para que possamos entender do que se trata essa operação radical de múltiplas situações cênicas a que estamos nos referindo e como ela foi engendrada em sua materialidade, é preciso esclarecer que o espetáculo é feio de deslocamentos, de itinerâncias, interferências sonoras, segregação social, pertencimentos, estágios festivos e verdades irônicas. (...) O público participante não apenas detém a possibilidade de apreciar os detalhes arquitetônicos do interior do imóvel, como também é levado a deduzir que essa atmosfera clássica que emana do espaço é um dado que incide, diretamente, no modo de estruturação das cenas. O resultado dessa organização ficcional contribui para o estabelecimento de uma poética de estímulos irônicos, provocados por elementos formais característicos de comportamentos e produções de enunciados exteriorizados em seus estereótipos. O jogo velado de hierarquizações também paira sobre a escolha, da direção da montagem, de delimitar o percurso e as áreas de circulação do castelinho em faixas territoriais bem restritas e segregadoras para pobres, médios e ricos.6

O processo de criação coletiva buscou utilizar os pontos de inquietação pessoais como ponto de partida para a elaboração e criação das cenas. A partir das vivências pessoas, foi-se construindo o diálogo com o espaço do Castelinho, em que a montagem aconteceu. Durante as experimentações realizadas no processo de pesquisa, percebemos que a comercializar carne de crianças pobres para alimentar os inquietação pessoal colocada de ricos, e momentos de vivência de falsos cultos, nos quais evangélicos tentavam forma direta e sem a ferramenta da doutrinar de forma caricata a população sobre a importância de consumir arte criação de um personagem de cultuando Dionísio. Nesses momentos, a plateia era conduzida a vivenciar ficção constituía uma ferramenta muito momentos de celebração coletiva, cantando músicas como “Chama a arte que ela potente para a criação cênica, gerando um vem! Porque quem não paga, não tem!”. O espetáculo como um todo partia de campo de investigação autoficcional em uma inquietação comum: Que brechas ainda existem no mercado que, a partir da realidade, se constrói uma cena ou uma performance com alcance da arte atual, formatado em função dos padrões de consumo mais amplo e que se inscreve dentro dos espaços arquitetônicos com os quais de seus consumidores? Que linhas de fuga inscritas nos nossos corpos dialoga. Este diálogo permite transcender a esfera individual para podem tornar-se visíveis? Como escapar da penetração do capital na alma das se inscrever diante de um horizonte social maior. Conforme pessoas, quando esta se revela por meio da criação artística? Atrás do aparente questiona Claire Moulème em seu ensaio Art contemporain et lien social: humor, vai-se fechando um universo no qual o artista não tem mais expectativa Abaixar os braços, aceitar uma visão apocalíptica do futuro e acreditar na exaltação do de criação fora desses eixos mercadológicos, com seus orçamentos e espaços individualismo? Ou então denunciar as conseqüências regressivas de uma mercantilização correspondentes. Conforme explicita Pedro Allonso na crítica publicada sobre o sistemática de todos os aspectos da vida? (MOULENE: 2006, 13) espetáculo: 6 Cf. ALLONSO, Pedro. “A multiplicidade das sensações”. In “Revista Questão de crítica”, reproduzida aqui p. 41 - 42.

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A atualização da urgência das vivências surge nos impulsos do corpo, desorganizando circuitos previamente estabelecidos por associações involuntárias e propondo novas formas de organização para o corpo/mente. Destes novos circuitos, surge um impulso de desobediência, no sentido de afirmação de uma vitalidade que busca reorganizar os espaços interno e externo de maneira criativa. Nos novos circuitos criados, imaginação, recriação de um possível vivido e acontecimentos fatuais se misturam de forma indistinta dentro de um espaço interno e externo em perpétua transformação. Durante os ensaios, cada relato dava origem à uma experimentação que transforma a vivência pessoal em uma vivência com potência comunicativa. Dessa forma, quando o impulso vira gesto, imagem, movimento, palavra, ele atinge uma dimensão

socializável, em que ele podia ser moldado conjuntamente por performer e participante de forma estética, tecendo um fio invisível entre os impulsos internos do performer, os participantes e o espaço. Mais ainda dentro do contexto da Estética Relacional com a qual a pesquisa dialogava de forma consciente e crítica, esta ativação era fundamental, porque a disponibilidade gerada ativa a capacidade do participante de dialogar com as lembranças evocadas. Assim, no final do espetáculo, a performance de Renata Sampaio partia de um relato autobiográfico sobre questão da invisibilidade da classe social representada por seus pais, invisibilidade que se prolongou em sua própria trajetória artística quando, ingressando na UNIRIO, se viu convidada para fazer papéis de personagens “invisíveis” (empregadas, prostitutas, sambistas...). Durante toda a duração do espetáculo, a atriz serve ao grupo de espectadores

tirava então as suas vestimentas de garçonete, expondo seu corpo e perguntando à plateia rica e perguntando: “Assim você me vê?”, gerando um constrangimento por parte dos espectadores que não a tinham visto antes. O fato de iniciar a pesquisa a partir da atenção a um incômodo que poderia passar despercebido sem maior atenção e cuidado por parte da performer a conduziu a expor uma situação de grande importância social: a invisibilidade de determinados

segmentos sociais diante daqueles que os percebem de forma automatizada. O fato de a performer ser negra ainda confere à performance

uma leitura com dimensão social, explicitando o quanto o preconceito está introjetado e automatizado no olhar comum. A atenção pessoal para uma questão pessoal é transferida para uma vivência social mais ampla, atingindo o que Lemoine e Ouardi chamam de “artivismo”: uma maneira de conjugar reivindicação social e gesto artístico a partir de uma inquietação pessoal compartilhada com um público atento e que se torna então cocriador na construção de uma

utopia compartilhada. Referências bibliográficas

ARDENNE, Paul. Un art contextuel. Création artistique en milieu urbain, en situation d’intervention et de participation. Paris: Flammarion, 2004. BOURRIAUD, Nicolas. Estética Relacional. Trad. Denise Bottmann. São Paulo: Martins Fontes, 2009. BOURRIAUD, Nicolas. Radicant - pour une esthétique de la globalisation. Paris: Denoel, 2009. GUMBRECHT, Hans Ulrich. Produção de presença - o que o sentido não consegue transmitir. PUC: Contraponto, 2004. LEMOINE, Stéphanie; OUARDI, Samira. Artivisme: art, action politique et résistance culturelle. Paris: Editions Alternatives, 2010. Medeiros, Maria Beatriz e Monteiro, Marianna. Espaço e performance. Brasília: Editora da Pós-Graduação de Artes, 2007. MESQUITA, André. Insurgências poéticas, arte ativista e ação coletiva. São Paulo: Annablume, 2010. MOULEME, Claire. Art contemporain et lien social. Paris: Cercle d’arts, 2006. PELBART, Peter Pál. Vida Capital - Ensaios de biopolítica. São Paulo: Editora Iluminuras, 2011. PORTE, Sébastien; Cavalié, Cyril. Un nouvel art de militer: happenings, luttes festives et actions directes. Paris: Editions Alternatives, 2009.

“ricos”, trazendo bebidas e petiscos com uniforme de garçonete. Depois de realizar este serviço, no final do espetáculo, a performer

estende um varal, no qual pendura os programas e cartazes de peças das quais participou, falando dos diferentes papéis que interpretou, antes de dizer que, igual a seus pais, sempre foi invisível e pretende agora se tornar visível. Ela

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Ficha técnica

O projeto é vinculado ao NEPAA (Núcleo de Estudos de Performances Afro-Ameríndias) da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro (UNIRIO).

Performers André Marinho | Daniele Carvalho | Gilson Motta | Larissa Siqueira | Marcelo Asth | Renata Sampaio | Rodrigo Abreu | Tania Alice

Participação em eventos

Direção artística Gilson Motta | Tania Alice

Diagramação, Editoração e Arte Phábrica de Produções Direção de Arte | Alecsander Cavalcanti Coelho, Paulo Ciola Diagramação | Carolina Ricciardi, Marcelo Macedo, Ricardo Ordonez, Rodrigo Alves, Viviane Fugiwara Estagiário | Caio César Vídeo e filmagem Antônio Pessoa | Marcelo Asth | Melissa Flores Fotografia Eléonore Guisnet | Sammara Niemeyer | Melissa Flores Produção caseira, coletiva e a(r)tivista Parcerias artísticas pontuais Desvio Coletivo (São Paulo) Coletivo PI (São Paulo) - direção: Marcos Bulhões | Marcelo Denny Movimento Cidades Invisíveis (Rio de Janeiro): Itala Isis Bando Filhotes de Leão (Rio de Janeiro): Wellington Dias Performers e atores: Bernardo Marinho, Eléonore Guisnet-Meyer, Jarbas Albuquerque, João Petry, Luciano Maia, Mariana Maia, Márcio Vito, Mariana Nunes, Ricardo Telles. Parceria treinamento para o performer Mestre de Shintaido Clélie Dudon Parcerias em produção e divulgação EmCartaz Empreendimentos Culturais SESC São Paulo Carla Pagu

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8. Encontro do Instituto Hemisférico de Política e Performance “Corpo, cidade, ação”, São Paulo, 2012: palestra sobre as intervenções urbanas dos Heróis e performance Soltando preocupações. Second Internacional Conference “Arquitetura, Teatro e Cultura”: palestra “Por que você é pobre? Uma investigação cênico-performática”, 2012. OI FUTURO Flamengo, Seminário “Profanações”: palestra-performance “Dionísio me salvou” (trecho do espetáculo Por que você é pobre?), 2012. Festival de Cinema de Washington/DC Tricycle: vídeo-performance A Meditação da vaca (Prêmio Especial do Júri), 2012. Centro Cultural Odulvianna Filho: temporada de dois meses de Por que você é pobre?, 2012. Seminário “Artes e Subjetividades”: palestra “Performance e subjetividade”, UNIRIO, 2012. V Seminário Nacional “Arquitetura, teatro e cultura / Estudos do Espaço e Memória Urbana”: palestra “Construindo uma memória urbana inventiva: o coletivo de performance Heróis do Cotidiano”, 2011. Centro Cultural Vergueiro (SP): palestra “Eixo Cruzado: O Herói que queremos”, com exibição do documentário sobre o Coletivo Heróis do Cotidiano, 2011. “Práticas e reflexões para educadores – CCBB Rio de Janeiro”: palestra e oficina de performance e exibição do documentário, 2011. 20. Encontro Nacional da ANPAP (Associação Nacional de Pesquisa em Artes Plásticas) “Subjetividades, Utopias e Fabulações”: comunicação “Modalidades de estética relacional nas ruas: o Coletivo de performance Heróis do Cotidiano”, 2011. Operação Fomento: pelos núcleos de trabalho continuado em artes performativas para o Rio de Janeiro: palestra “Performance e mercado”, 2011. Palestra no Projeto “Anti-Corpo: oriente-se”: “Performance e ativismo poético”, 2011. VI Reunião Científica da ABRACE – Porto Alegre. “A meditação como possibilidade criativa para o performer”, 2011. MOSTRA DE ARTES DO SESC São Paulo: SESC Carmo, SESC Pinheiros, SESC Ipiranga, 2011: performance O Banquete dos Heróis. Documentário “Heróis do Cotidiano” (concepção e performance): apresentado na abertura do Festival Globale Rio, 2011, na Mostra do Filme Livre 2011, no Teatro Glauce Rocha, no Festival de Cinema Cinerock 2011. VI Congresso da ABRACE – Arte e ciência: abismo de rosas: comunicação “Heróis: uma investigação performática”, 2010. Participação e palestra no evento “L’art au XXIème siècle: un


premier état des lieux” em Marseille, França com a palestra “Brèches poétiques au sein du réel: performance et réappropriation des espaces publics”, 2010. Seminário Ser Urbano – Cidade Projétil. Performance (des)Necessitados. 2010, PUC, Rio de Janeiro. Seminário Boa Praça: palestra “Heróis do Cotidiano: performance e intervenção urbana”, Teatro Ziembinski, 2010. Palestra “A performance: um entre-lugar entre as artes cênicas e as artes visuais: Heróis do Cotidiano” no evento “Arte Papo no CCBB”, 2010. Participação no evento “Livro a Bolonhesa” do SESC Rio: exibição do Filme “Heróis do cotidiano” e palestra. 2010. “Heróis gregos e contemporâneos: uma investigação performática”. 2009.

Publicações

Gilson Motta. Micro-utopias urbanas: ‘O banquete dos heróis’, pelo Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano (ISSN: 2316-3933). Revista ECOS. Literaturas e Linguística., v. 1, p. 1, 2012. Gilson Motta. Arte e utopia. In: Anais do Segundo Colóquio Internacional de Arquitetura, Teatro e Cultura. Rio de Janeiro: UNIRIO, Laboratório de Estudos do espaço teatral e Memória urbana, 2012. Gilson Motta. Literatura, filosofia e performance : O banquete dos Heróis. In: Anais XII Congresso ABRALIC. Curitiba: Universidade Federal do Paraná, 2011.

Rio de Janeiro, 2012. v. 1. Tania Alice. Modalidades de estética relacional nas ruas: O Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano. In: Anais do 20. Encontro da Associação Nacional de Pesquisadores em Artes Plásticas: Rio de Janeiro, 2011. Tania Alice. Heróis: uma investigação performática. In: Anais do VI Congresso da ABRACE - Arte e ciência: abismo de rosas: São Paulo, 2010. Tania Alice. Construindo uma memória urbana inventiva: o Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano. In: Anais do V Seminário Nacional: arquitetura, teatro e cultura. Rio de Janeiro: Editora do PPGAC, 2011. Tania Alice. Collectif Héros du Quotidien: performances subversives, Revue Jeu - revue de théâtre (Québec, Canadá), v. 135, p. 131-138, 2010. Tania Alice. Brèches poétiques au sein du réel: performance et réappropriation des espaces publics. In: COELLIER, Sylvie et AMBLARD, Jacques. (Org.). L’art des années 2000, quelles émergences?. 1ed. Aixen-Provence: PUF, 2012.

Gilson Motta.. Teatro e Intervenção urbana: o Coletivo de Performance Heróis do Cotidiano. In: VI CONGRESSO DA ABRACE (Associação Brasileira de Pesquisa e Pós-Graduação em Artes Cênicas), 2010, São Paulo. Memória ABRACE DIGITAL - Anais do VI Congresso. São Paulo: ABRACE, 2010. Gilson Motta / Tania Alice. A(r)tivismo e utopia no mundo insano. Artefilosofia (UFOP), v. 12, p. 32, 2012. Tania Alice. A meditação como possibilidade criativa para o performer. In: Anais da VI Reunião Científica da ABRACE (Memória ABRACE), Porto Alegre, 2012. Tania Alice. Por que você é pobre? - uma reflexão cênico-performática sobre a segmentação dos espaços culturais do Rio de Janeiro. In: Anais do Second International Conference on Arquitecture, Theatre and Culture,

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Agradecimentos Zéca Ligieiro - Alunos do Curso “Treinamento para o performer”, do curso “Shintaido e Performance” e do Curso de Mestrado “Potencialização de afetos na arte contemporânea” - Lama Padma Samten - Eléonore Guisnet-Meyer - Higgor Vieira - Reinaldo Lace - Joanna Penna Socorro Bezerra - Fernanda e Elcio Abreu - Marina Rigueira - Vanessa Reis - Sylvia Heller - Lucília de Assis - Alexandre da Costa - Victor Hugo - Alexandre Duarte - Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) - Vanessa Augusta - Juliana Ribeiro - Clarice Bueno - Mathias do Valle - Carla Ferraz - Olivia Bruni - Ana Elisa Santana - Lidia Kosovski - Fazenda Santa Clara - José da Costa FUNARTE - Faperj - CNPq - Claudia Cabral - Douglas Mele e todos os entrevistados da performance “Converso sobre pobreza” e todos que não mencionamos aqui mas que nos atravessaram, nos modificaram e nos afetaram de forma direta ou indireta.

Este livro é dedicado a todos os Heróis do Cotidiano - eles sabem quem são.

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