Manejo de águas urbanas - planejamento e projeto sob os princípios permaculturais

Page 1

Universidade Federal do ABC Engenharia Ambiental e Urbana

MANEJO DE ÁGUAS URBANAS PLANEJAMENTO E PROJETO SOB OS PRINCÍPIOS PERMACULTURAIS

Ellen Emerich Carulli

Santo André - SP 2019


Ellen Emerich Carulli

Manejo de Águas Urbanas Planejamento e Projeto sob os Princípios Permaculturais

Trabalho de Graduação III apresentado ao Curso de Engenharia Ambiental e Urbana, da Universidade Federal do ABC, como requisito para obtenção do título de Graduação em Engenharia Ambiental e Urbana.

Orientadora: Profa. Dra. Luciana Rodrigues Fagnoni Costa Travassos

Santo André - SP 2019


135 fls.: il.


ELLEN EMERICH CARULLI

Manejo de Águas Urbanas: Planejamento e Projeto sob os Princípios Permaculturais

Trabalho de graduação apresentado à Universidade Federal do ABC, como requisito obrigatório para a obtenção do título de Bacharel em Engenharia Ambiental e Urbana. Monografia Aprovada em: BANCA EXAMINADORA Orientadora:

Profa. Dra. Luciana Rodrigues Fagnoni Costa Travassos

Docente Examinador:

_________________________________________________________ Prof. Dr. Caio Boucinhas

Docente Examinador:

_________________________________________________________ Prof. M.e Robson da Silva Moreno

_________________________________________________________


DEDICATÓRIA

Às pessoas cujas vidas são lutas de sobrevivência diária, àquelas sem teto, sem-terra, ou que são obrigadas a viver em uma precariedade que não é humana e nunca deveria ser tratada como algo natural. Dedico o presente trabalho a elas, às suas lutas e conquistas e a esperança de ver um mundo melhor com equidade no acesso a espaços urbanos ambientalmente e socialmente mais justos.


AGRADECIMENTOS Agradeço a trajetória ao longo deste trabalho, que tanto me ensinou e contribuiu para a determinação de qual perfil de Engenheira Ambiental e Urbana eu quero ser. Essa trajetória foi possível, graças a orientação de uma professora incrível e uma grande amiga, minha orientadora Luciana, que me apresentou a importância da luta pela redução das desigualdades sociais por meio do debate sobre as políticas públicas e a busca por outras formas de se construir a cidade. Agradeço aos permacultores que conheci e que me apresentaram a um universo tão sensível, incrível e possível. Agradeço a todas as oportunidades oferecidas pela Universidade Federal do ABC na minha formação, a arte de ensinar pelos docentes dos cursos da Engenharia Ambiental e Urbana e do Bacharelado em Planejamento Territorial. Agradeço aos meus pais, meu irmão e minha avó, pelo suporte e amor dado a mim para que eu pudesse viver essa conquista do estudo no ensino superior. Agradeço ao meu companheiro, Fernando, que me concedeu apoio, acreditou em mim e foi importante nesta trajetória. Agradeço àqueles que sem eles, em um caminho árduo, que é o da formação em uma universidade, seria insuportável: às minhas amigas e amigos, que me acolheram e me motivaram sempre a continuar. Agradeço a vó Ana da Mina e a todas as entidades que colaboraram na minha evolução para uma pessoa da qual eu tivesse orgulho e construíram a confiança em mim para desenvolver este trabalho.


“Uma flor rasgou a rua Desafiando a inércia cinza do ódio Uma flor minha e sua Florescendo trouxe vida à rua” Como una flor, Francisco, el Hombre


RESUMO

Palavras-chave: manejo de águas urbanas, permacultura, ecotécnicas de drenagem

As ações de manejo de águas urbanas, principalmente nas zonas periféricas, ainda não refletem o caminho de mudanças no discurso apresentadas pelos conceitos da Drenagem Moderna e do desenvolvimento urbano de baixo impacto. Sob este contexto, encontrou-se respostas nas diretrizes e nas práticas permaculturais como método possível de planejamento, projeto e solução de engenharia para manejo de águas urbanas. Tal método toma como base a observação da paisagem, a adaptabilidade das soluções às respostas após implementação das intervenções e do aproveitamento dos recursos disponíveis do meio natural. Além disso, a permacultura não somente se desdobra como instrumento de desenho como também concretiza em ações os princípios éticos do cuidado com a Terra, do cuidado com as pessoas, do limite do consumo e da distribuição dos excedentes. O objetivo geral do presente trabalho foi analisar as sinergias entre a Drenagem Moderna e a permacultura, o desenvolvimento de diretrizes de manejo de águas urbanas para a microbacia hidrográfica afluente da Bacia Ribeirão dos Couros em São Bernardo do Campo e o projeto de manejo de águas urbanas sob os princípios permaculturais.


ABSTRACT

Keywords: stormwater management, permaculture, sustainable urban drainage

The actions of stormwater management, especially in the peripheral areas, still do not reflect the path of changes in the discourse presented by the concepts of Modern Drainage and low impact urban development. In this context, answers were found in permaculture guidelines and practices as a possible method of engineering planning, design and solution for stormwater management. This method is based on landscape observation, the adaptability of the solutions to the responses after implementation of the interventions and the use of the natural resources available. In addition, permaculture not only unfolds as an instrument of design, but also concretizes in actions the ethical principles of care for the earth, caring for people, the limits of consumption and distribution of surpluses. The general objective of this work was to analyze the synergies between Modern Drainage and permaculture, the development of stormwater management guidelines for the affluent watershed of the RibeirĂŁo dos Couros Basin in SĂŁo Bernardo do Campo and the urban water management project under permaculture principles.


LISTA DE FIGURAS Figura 1. Escalas de análise ................................................................................................................................. 23 Figura 2. Plano de Melhoramentos do Rio Tietê de Saturnino de Brito, 1925. ............................... 33 Figura 3. Plano de Avenidas de Prestes Maia, 1930. ................................................................................. 33 Figura 4. Aumento da vazão dos rios Tamanduateí e Tietê, na RMSP. .............................................. 34 Figura 5. Estádio do Pacaembu, Praça Charles Miller, São Paulo. ........................................................ 37 Figura 6. Piscinão do Pirajussara, São Paulo, SP. ........................................................................................ 38 Figura 7. Tipos de intervenções em corpos d'água. .................................................................................. 40 Figura 8. Quadro síntese da localização das abordagens em noticiários sobre intervenções em corpos d'água em São Paulo.............................................................................................................................. 42 Figura 9. Equilíbrio do processo de intervenção em corpos d'água ................................................... 46 Figura 10. Vala e trincheira de infiltração. ..................................................................................................... 53 Figura 11. Jardins/Canteiro de chuva .............................................................................................................. 53 Figura 12. Flor da Permacultura ........................................................................................................................ 60 Figura 13. As diversas funções de uma árvore ............................................................................................ 63 Figura 14. Zoneamento permacultural. .......................................................................................................... 64 Figura 15. Jardins de chuva ................................................................................................................................. 69 Figura 16. Biovaletas. ............................................................................................................................................. 69 Figura 17. Ilustração do funcionamento de "swale". ................................................................................. 70 Figura 18. Exemplo de vala de infiltração. ..................................................................................................... 70 Figura 19. Localização e inserção da microbacia afluente do Ribeirão dos Couros ..................... 74 Figura 20. Densidade domiciliar (dom./ha)................................................................................................... 77 Figura 21. Densidade Habitacional Bruta (hab./ha) ................................................................................... 77 Figura 22. Rendimento Nominal Médio Mensal (reais)............................................................................ 79 Figura 23. Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (2010). .................................................................. 80 Figura 24. Mapa hipsométrico. .......................................................................................................................... 81 Figura 25. Uso do solo predominante ............................................................................................................ 82 Figura 26. Jardim Belita Nazareth ..................................................................................................................... 83 Figura 27. Mapeamento do PLHIS de favelas e loteamentos irregulares ......................................... 84 Figura 28. Lei de zoneamento 6.374/2014. ................................................................................................... 85


Figura 29. Hierarquia Viária - Plano Diretor de São Bernardo do Campo ........................................ 87 Figura 30. Fragmentos verdes e áreas livres ................................................................................................ 88 Figura 31. Condições dos córregos de São Bernardo do Campo (canalização aberta, tamponada ou não canalizada) ................................................................................................................................................. 93 Figura 32. Condições da hidrografia de São Bernardo do Campo ...................................................... 93 Figura 33. Condições da hidrografia da microbacia estudada .............................................................. 94 Figura 34. Garagem de caminhões à esquerda ........................................................................................... 95 Figura 35. Usos residenciais à esquerda ........................................................................................................ 95 Figura 36. Ribeirão dos Couros, exutório da microbacia de estudo ................................................... 95 Figura 37. Córrego sem intervenção e com má qualidade de água ................................................... 95 Figura 38. Av. Juscelino Kubitschek sentido bairro, desnível entre um sentido e outro da via 96 Figura 39. Canalização retangular em concreto.......................................................................................... 96 Figura 40. Canalização retangular em concreto.......................................................................................... 97 Figura 41. Região do Jd. Nazareth ao fundo ................................................................................................ 97 Figura 42. Conjunto Habitacional 3 Marias e Parque Linear .................................................................. 97 Figura 43. Canalização retangular em concreto e margem vegetada ................................................ 97 Figura 44. Canalização retangular em concreto e margem vegetada ................................................ 98 Figura 45. Trecho do córrego com margem vegetada............................................................................. 98 Figura 46. Canalização retangular em concreto.......................................................................................... 98 Figura 47. Praça e conjunto habitacional ao fundo ................................................................................... 99 Figura 48. Canalização na Av. Juscelino Kubistchek .................................................................................. 99 Figura 49. Canalização – Parque Linear no Conjunto Três Marias ....................................................... 99 Figura 50. Travessia de pedestre sobre o córrego .................................................................................. 100 Figura 51. Síntese urbanístico-ambiental ................................................................................................... 102 Figura 52. Sistemas de áreas verdes e azuis .............................................................................................. 105 Figura 53. Definição da área de detalhamento ........................................................................................ 107 Figura 54. Plano de Massas.............................................................................................................................. 108 Figura 55. Área de detalhamento .................................................................................................................. 114 Figura 56. Declividade média das vias da área de detalhamento ..................................................... 115 Figura 57. Caminhos preferenciais da água na área de detalhamento........................................... 117


Figura 58. Esquema ilustrativo do Parque Nascente .............................................................................. 120 Figura 59. Exemplo de áreas de lazer e encontro ................................................................................... 120 Figura 60. Imagem de referência para Parque Linear ............................................................................ 121 Figura 61. Imagem de referência para formação de valas de infiltração e jardim de chuva no Parque Linear ........................................................................................................................................................ 121 Figura 62. Imagens de referência para proposta de contenção de talude e aproveitamento como área livre e verde ..................................................................................................................................... 122 Figura 63. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário A .......................................................... 124 Figura 64. Imagem de referência de infraestrutura a ser instalada em cruzamentos com maior contribuição de água da chuva ...................................................................................................................... 125 Figura 65. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário B .......................................................... 126 Figura 66. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário C .......................................................... 127 Figura 67. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário D .......................................................... 127 Figura 68. Imagem de referência para pontos de ônibus com retenção de água da chuva .. 128 Figura 69. Imagem de referência para passagens de pedestre pelo rio......................................... 128

LISTA DE TABELAS Tabela 1. Quadro síntese sobre os períodos analisados e principais colocações .......................... 44 Tabela 2. Comparações entre as ecotécnicas .............................................................................................. 51 Tabela 3. Aspectos a serem considerados em um projeto de manejo de águas urbanas ......... 52 Tabela 4. Comparativo entre os princípios da Cultura Sustentável e Cultura Industrial ............. 58 Tabela 5. Exemplo de zoneamento do desenho permacultural ........................................................... 65 Tabela 6. Zonas demarcadas na microbacia (Lei de Zoneamento) ..................................................... 86 Tabela 7. Características morfométricas da microbacia afluente da Bacia do Ribeirão dos Couros ......................................................................................................................................................................... 89 Tabela 8. Coeficientes de escoamento superficial ..................................................................................... 92 Tabela 9. Plano de Massas - Tipologias de ocupação do solo ........................................................... 109 Tabela 10. Plano de Massas - Tipologias viárias ...................................................................................... 111 Tabela 11. Declividades médias por via ...................................................................................................... 115 Tabela 12. Taludes e áreas livres .................................................................................................................... 119 Tabela 13. Tipologias viárias ............................................................................................................................ 122


SUMÁRIO

Capítulo 1 - INTRODUÇÃO ......................................................................................................................................................16 1.1 OBJETIVOS .........................................................................................................................................................................21 1.1.2 Objetivo Geral .........................................................................................................................................................21 1.1.2 Objetivos Específicos ............................................................................................................................................21 1.2 METODOLOGIA ...............................................................................................................................................................22 1.2.1 Revisão Bibliográfica ............................................................................................................................................22 1.2.2 Diagnóstico ..............................................................................................................................................................22 1.2.3 Diretrizes orientadoras para ocupação e ações de manejo de águas urbanas ............................24 1.2.4 Projeto........................................................................................................................................................................24 Capítulo 2 - RELAÇÃO SOCIEDADE E NATUREZA, MANEJO DE ÁGUAS URBANAS E PERMACULTURA ..25 2.1 Manejo de águas urbanas: discursos, intervenções e seus impactos socioterritoriais .......................29 2.1.1 Breve contextualização histórica das intervenções de manejo de águas urbanas ......................31 2.1.2 Ecotécnicas de drenagem urbana e elementos de manejo de águas urbanas ............................45 2.2 Permacultura: definições e princípios.....................................................................................................................54 2.2.1 Surgimento da permacultura e suas definições ........................................................................................54 2.2.2 Princípios Permaculturais ...................................................................................................................................56 2.2.3 Elementos, zonas e setores da permacultura .............................................................................................62 2.3 Aplicabilidade da permacultura em manejo de águas urbanas ..................................................................66 Capítulo 3 - DIAGNÓSTICO DA MICROBACIA .................................................................................................................72 3.1 Caracterização geral ......................................................................................................................................................72 3.1 Características socioeconômicas.........................................................................................................................76 3.2 Aspectos Urbanísticos e Ambientais .......................................................................................................................80 3.2.1 Aspectos físicos ......................................................................................................................................................80 3.2.2 Uso e ocupação do solo .....................................................................................................................................82


3.3 Caracterização morfométrica da microbacia .......................................................................................................88 3.4 Comportamento hidrológico da microbacia .......................................................................................................91 3.5 Síntese do diagnóstico da microbacia ................................................................................................................ 100 Capítulo 4 – DIRETRIZES PARA MICROBACIA AFLUENTE DO RIBEIRÃO DOS COUROS .............................. 103 3.5.1 Diretrizes Gerais .................................................................................................................................................. 103 3.5.2 Diretrizes Específicas ......................................................................................................................................... 105 Capítulo 5 – PERMACULTURA COMO PROJETO PARA MANEJO DE ÁGUAS URBANAS ............................. 107 5.1 Plano de massas e leitura do território ............................................................................................................... 108 5.2 Propostas de Intervenção......................................................................................................................................... 118 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................................................................................. 129 7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ..................................................................................................................................... 131


Capítulo 1 - INTRODUÇÃO O território urbano nas grandes e médias cidades brasileiras apresenta desafios perante a resolução de conflitos socioambientais, e, por conseguinte, dificuldades para os ganhos em justiça socioambiental. No contexto de uma rede complexa de interesses existentes sobre a produção do espaço urbano, a dinâmica dessa produção sofre grande influência de uma lógica neoliberal e capitalista que muito conduz a implantação de infraestruturas e oferta de políticas públicas urbanas. Segundo Maricato (1996), há, em uma parte do território urbano, a segregação das classes médias e dominantes pelo confinamento em áreas restritas de circulação e concentração de infraestrutura e equipamentos públicos que, junto à colaboração da mídia1 para com a criação de uma imagem de “estilo de vida”, estabelece centralidades de interesse para o mercado imobiliário. Já em outra parte, vive uma camada da população de menor renda que ocupa as áreas não valorizadas pela camada dominante, cuja produção e ocupação do solo ocorre sob a lógica da autoconstrução2. Essa população sofre com a precarização da oferta de infraestruturas urbanas. A localização e a disputa pelo território imprimem padrões pela cidade e são influenciadas pelas elites que com o apoio do mercado imobiliário determinam as áreas atrativas e não atrativas, resultando na geração de áreas desiguais em qualidade de infraestrutura, paisagem e ambiente. Perto dos bairros residenciais de alta renda se instalam as melhores infraestruturas, ou seja, é para onde a atenção do Estado se volta,

1

Segundo McCombs & Shaw (1972), Van Dijk (2008) e Penteado & Fortunato (2015), todos citados por Travassos,

Penteado & Fortunato (2017), a cobertura midiática nas sociedades contemporâneas, produz efeitos sobre a formação da agenda política, assim como orientam e avaliam as políticas públicas e, atuam como dispositivo autônomo da reprodução das estruturas de poder social. 2

Respaldada na industrialização com baixos salários que impediu que essa população tivesse acesso ao mercado formal

de habitação, além de políticas habitacionais que não suprimiram a demanda (Villaça, 1986).

16


qualificando-as, sendo destacadas como “A cidade” ao passo que o resto é tratado como “longe”, subúrbio, por mais central que seja sua localização (Villaça, 1998). Este cenário de desigualdade no tratamento dos espaços urbanos reforça a desigualdade social e, ao mesmo tempo em que esta é resultado, é também insumo para a própria estruturação urbana (Villaça, 1998). Conforme destaca o Milton Santos (2008a) sobre a especulação imobiliária: “A especulação imobiliária é, em última análise, a conjugação de dois movimentos convergentes, a superposição de um sítio social ao sítio natural e a disputa entre atividades e pessoas por dada localização [...] criam-se sítios sociais, uma vez a sociedade urbana transforma seletivamente os lugares às suas exigências funcionais. É assim que certos pontos se tornam mais acessíveis, e também, mais valorizados. Por isso são as atividades mais dinâmicas que se instalam nessas áreas privilegiadas; quanto aos lugares de residência, a lógica é a mesma, com as pessoas de maiores recursos buscando alojar-se onde lhe parece mais conveniente. É desse modo que certas parcelas da cidade ganham ou perdem valor ao longo do tempo” (Santos, 1993, p.96).

O entendimento sobre os processos de urbanificação3, que deve ser um dos meios de garantia da justiça socioambiental nos espaços urbanos, não pode ocorrer dissociado dessa concepção da “localização” e da segregação socioespacial que estruturam as cidades, conforme aqui explicado. Segundo Travassos & Carulli (2016), as demandas sociais e ambientais nas grandes cidades são atendidas para uma parcela privilegiada da cidade decorrente da lógica do sistema capitalista desigual de produção do espaço urbano. Em que a parte não atendida se insere em um quadro de condições de vulnerabilidade social e ambiental. Ainda de acordo com as autoras, “As influências do mercado imobiliário e as dinâmicas de segregação socioespacial sobre a estruturação e produção do

3

Segundo (Silva, 1995) o termo urbanificação é aplicável sobre processos deliberados de formação ou de renovação de

solo urbano, com implementação e adequação da infraestrutura. Já o termo urbanização abarca a noção de urbanificação, mas consiste em conceito mais amplo, sendo utilizado tanto para designar os processos orientados, como processos espontâneos e incompletos de ocupação do solo em territórios urbanos (Travassos, 2010).

17


espaço urbano induziram processos de periferização de boa parte da população de baixa renda e ocupação de áreas de altíssima vulnerabilidade socioambiental, visto que esta população foi impossibilitada do acesso às áreas centrais e das áreas providas de infraestrutura,

conformando

a

disputa

entre

conservação

ambiental e habitação de interesse social e deslocando o foco de debate do conflito de fato, que é a desigualdade de direito à cidade com infraestrutura e condições

ambientais

adequadas

à

ocupação”. (Travassos & Carulli, 2016, p.2)

Nesse entendimento e sob o recorte de análise das relações entre ações de manejo de águas urbanas e habitação, o presente trabalho se desdobra buscando refletir sobre as tecnologias que são empregadas e seus paradigmas associados, onde elas são empregadas no território e quem as emprega. Assim como, assume como preocupação o modo de pensar soluções que proporcionem uma mínima garantia à justiça socioambiental nos meios urbanos, buscando ações de relação mais harmônica com a natureza e seus fluxos naturais. Este Trabalho de Graduação se propõe a dar continuidade à Iniciação Científica realizada no ano de 2016, também sob orientação da Prof. Dra. Luciana Travassos, cuja análise abrangeu o estudo da prestação de serviços socioambientais4 em áreas de preservação permanente, com foco no tratamento de fundos de vale e manejo de águas urbanas em São Bernardo do Campo, nos âmbitos de planejamento e projeto. Em primeiro momento, no desenvolvimento da Iniciação Científica foram analisados os arcabouços legais sobre APPs, cujo entendimento destaca que a legislação não é suficiente para garantir a conservação dessas áreas. E que a abordagem dada pela Lei de Proteção a Vegetação Nativa (Lei Federal n° 12.651/2012) falha quando não incorpora e trata as especificidades do meio urbano, muitas vezes inviabilizando a

4

O conceito de serviços socioambientais é uma derivação do conceito de serviços ecossistêmicos que dá ênfase à

conexão entre questões sociais e ambientais. O conceito base consiste na ideia de que processos naturais garantem a sobrevivência das espécies no planeta e possuem a capacidade de prover bens e serviços que satisfaçam necessidades do bemestar humano (De Groot et. al, 2002; Fisher and Turner, 2008).

18


conservação das APPs urbanas, principalmente, àquelas relacionadas aos corpos d’água, já que seus parâmetros são os mesmos que para as APPs rurais e cujo contexto territorial é distinto. Posteriormente, foram avaliadas em São Bernardo do Campo, as diretrizes e intervenções de drenagem urbana propostas pelos instrumentos de planejamento e as medidas projetuais de drenagem adotadas em projetos habitacionais selecionados. Esta análise se propôs a entender o estado de concepção do tratamento das áreas de preservação permanente na elaboração e execução dos projetos, em análise concomitante de como as proposições dialogam e adotam as diretrizes definidas pelo Plano de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê e os preceitos da Drenagem Moderna. O estudo concluiu que as intervenções ainda se consolidam de modo setorial, ou seja, habitação, implantação de áreas verdes e intervenções em drenagem são pensadas e executadas de forma fragmentada. Em nível mais amplo, a partir das considerações feitas na Iniciação Científica de que as discussões sobre formas alternativas de drenagem urbana tem evoluído no discurso, porém ainda não se consolidaram em nova práxis, tem-se o ponto de partida para este Trabalho de Graduação, cujo interesse é dar continuidade na discussão dessas formas alternativas de drenagem, compreendidas aqui, pelo conceito mais amplo de manejo de águas urbanas, junto à proposição de estudar a permacultura e sua possível incorporação no planejamento e projetos de manejo de águas urbanas. Considerando que a permacultura não somente se desdobra como instrumento de desenho mas também concretiza em ações os princípios éticos do cuidado com a Terra, do cuidado com as pessoas, do limite do consumo e da distribuição dos excedentes, busca-se respostas nas diretrizes e nas práticas permaculturais com objetivo de propor um método de planejamento e projeto com base na observação da paisagem e no aproveitamento dos recursos disponíveis do meio natural, resultando em um desenho que assume como embasamento os aspectos teóricos e práticos das disciplinas de ecologia de sistemas, geografia da paisagem e da etnobiologia (HOLMGREN, 2013). 19


Portanto, o objetivo geral do presente trabalho é o desenvolvimento de diretrizes de manejo de águas urbanas para a microbacia hidrográfica afluente do Ribeirão dos Couros em São Bernardo do Campo e proposição de soluções permaculturais para as intervenções de manejo de águas urbanas na microbacia, em área que foi determinada ao fim deste trabalho. O trabalho está compreendido por um capítulo inicial teórico, que abordou em seu primeiro título, uma breve contextualização sobre a visão do homem ocidental em relação a natureza e sua relação com tratamentos de águas urbanas. Em seguida, foi abordada uma revisão bibliográfica sobre os conceitos e ações de manejo de águas urbanas,

tratando

dos

diferentes

paradigmas

tecnológicos

associados,

e

posteriormente, o terceiro título tratou da conceituação de permacultura e seus princípios e apresentou as possibilidades de incorporação da permacultura como princípios e propostas para manejo de águas urbanas. Após as investigações teóricas, o presente trabalho se dedicou a elaborar o diagnóstico socioambiental da microbacia afluente do Ribeirão dos Couros, com objetivo de evidenciar as condições da bacia que tangem aspectos socioeconômicos e ambientais e que influenciam o manejo de águas urbanas, assim, permitindo a proposição de diretrizes gerais para a bacia, em âmbito de planejamento. Sob o âmbito de projeto, foi realizado um plano de massas e identificada uma área de detalhamento que contemplasse distintas tipologias e, assim, foram desenhadas as medidas pautadas sob os princípios éticos e de desenho da permacultura.

20


1.1 OBJETIVOS 1.1.2 Objetivo Geral Desenvolvimento de diretrizes de manejo de águas urbanas para a microbacia afluente da Bacia do Ribeirão dos Couros e projeto de manejo de águas urbanas, sob os princípios permaculturais. 1.1.2 Objetivos Específicos •

Revisar bibliografia sobre os princípios de permacultura, medidas compensatórias em drenagem e desenvolvimento urbano de baixo impacto;

Elaborar quadro síntese de compatibilização de propostas para manejo de águas advindos dos princípios permaculturais e ecotécnicas de drenagem urbana;

Caracterizar e descrever a dinâmica natural e urbana da microbacia afluente da Bacia do Ribeirão dos Couros;

Elaborar diretrizes gerais de ocupação e de manejo de águas urbanas para a microbacia afluente da Bacia do Ribeirão dos Couros;

Elaborar plano de massas, escolher uma área de detalhamento e desenhar o projeto de manejo de águas urbanas para a área escolhida no bairro Cooperativa, São Bernardo do Campo.

21


1.2 METODOLOGIA 1.2.1 Revisão Bibliográfica Foi realizada revisão bibliográfica sobre manejo de águas urbanas a partir de leitura de livros, artigos, teses e dissertações com abordagens sobre as diferentes tecnologias e modos de tratamento de fundos de vale e gestão das águas urbanas na escala da bacia hidrográfica; os paradigmas tecnológicos e seus contextos histórico-culturais associados; as medidas não convencionais de drenagem urbana e a modernização ecológica e os conceitos associados à recuperação da paisagem fluvial nas cidades. A revisão bibliográfica sobre permacultura foi realizada a partir da leitura de livros, artigos, teses e dissertações com objetivo de compreender o contexto de surgimento, suas características e princípios e a aplicabilidade no meio urbano, principalmente, sobre as intervenções de manejo de águas urbanas. Também foi realizada uma breve leitura sobre a relação da sociedade ocidental com a natureza, como forma de destacar os principais pontos de orientação filosófica e sociológica deste trabalho. 1.2.2 Diagnóstico O diagnóstico do presente trabalho consistiu na adaptação da metodologia adotada na Disciplina Habitação e Assentamentos Humanos, ministrada no curso da Engenharia Ambiental e Urbana, e a proposta metodológica (SILVA & Silva, 2018). A abordagem territorial do diagnóstico partiu da escala regional, com a importância e relação do município de São Bernardo do Campo na Região do ABC e Região Metropolitana de São Paulo, escala municipal, com características gerais e aspectos de planejamento e legislação municipal, e por fim, diagnóstico detalhado para a microbacia afluente da Bacia Ribeirão dos Couros.

22


Figura 1. Escalas de análise Fonte: Elaboração própria (2019).

O diagnóstico foi realizado sob cinco abordagens, sendo elas: I.

Caracterização Geral: entorno e inserção do município, informações gerais sobre a área abrangendo dados demográficos, aspectos legais e de planejamento (Plano Diretor, Plano de Drenagem, etc.).

II.

Aspectos Urbanísticos e Ambientais: aspectos físicos e uso e ocupação do solo.

III.

Caracterização morfométrica da microbacia: Informações gerais do ponto de vista hidrológico da microbacia: Área de drenagem; Forma da bacia; Sistema de drenagem e ordem dos cursos d’água, Densidade de drenagem, Declividade do curso d’água principal e tempo de concentração.

IV.

Comportamento hidrológico da microbacia: características das áreas de preservação permanente e corpos hídricos, e por meio do Método Racional, estimado o volume a ser armazenado na microbacia estudada.

23


V.

Síntese: a partir das análises realizadas foram destacadas as áreas de interesse social (do ponto de vista de habitação de interesse social) e áreas de interesse ambiental.

1.2.3 Diretrizes orientadoras para ocupação e ações de manejo de águas urbanas Para o exercício do planejamento na escala da bacia hidrográfica foram definidas, após diagnóstico, as diretrizes orientadoras para ocupação e ações de manejo de águas urbanas da microbacia estudada contribuinte à Bacia do Ribeirão dos Couros, sob a premissa da drenagem sustentável e dos princípios permaculturais. 1.2.4 Projeto O projeto de manejo de águas foi elaborado a partir da premissa da drenagem sustentável e dos princípios permaculturais, atendendo às diretrizes estabelecidas pelo presente trabalho para a microbacia hidrográfica no qual está inserido. A elaboração do projeto envolveu visita a campo, elaboração de plano de massas e foram adotadas como referências para definição das medidas propostas no projeto: Urban Street Stormwater Guide da NACTO (National Association of City Transportation Officials) e referências de outros projetos de drenagem sustentável e de permacultura.

24


Capítulo 2 - RELAÇÃO SOCIEDADE E NATUREZA, MANEJO DE ÁGUAS URBANAS E PERMACULTURA “Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o oprimem.” Bertolt Brecht

Anteriormente ao aprofundamento teórico e técnico sobre as políticas e intervenções de manejo de águas urbanas, ou ainda, antes da revisão acerca dos princípios permaculturais e de sua aplicabilidade nessas intervenções, entende-se necessária uma breve contextualização sobre a relação da sociedade ocidental com a natureza e os seus reflexos nas políticas incidentes em águas urbanas. Esta contextualização se justifica no presente trabalho sob quatro premissas: I.

A relação socialmente construída entre homem e natureza define as ações e

impactos que serão dadas sobre ela; II.

A distribuição de impactos socioambientais negativos oriundos dessa relação

não se dissemina uniformemente pela sociedade; III.

O quadro geral de intervenções sobre águas urbanas se constitui de políticas

tecnicistas e que subjugaram a natureza; IV. A proposição de incorporação dos princípios permaculturais nas intervenções sobre águas urbanas visa retomar uma visão de respeito com a natureza e de entendimento dela como aliada e provedora de maior justiça socioambiental. O enfoque aqui é dado sobre o ocidente pois foi o pensamento que se fez hegemônico e foi responsável por embasar e consolidar uma relação de controle, dominação, subjugamento e mercantilização da natureza. É importante afirmar que existem outras possibilidades de relação homem e natureza e que a modernidade ocidental com sua revolução científica não se caracteriza como o caminho único de “evolução natural” da história e nem é superior às demais culturas (Silva, 2013). Tal abordagem está compreendida, portanto, pelo domínio que se constituiu “no corpo da complexa

25


História do Ocidente, em luta com outras formas de pensamento e práticas sociais” (Porto Gonçalves, 2006a, p. 28). Segundo Silva (2013), o princípio do distanciamento do homem ocidental com a natureza teve início a partir do século I, quando a tradição judaico-cristã começou a se enraizar nas diferentes sociedades ocidentais. Na antiguidade clássica a natureza era entendida como “Grande Mãe” ou “Deusa Mãe”, àquela responsável por todas as criaturas vivas e que, portanto, era sagrada, merecendo respeito e devoção. Já na visão judaico-cristã, a natureza passou a ser entendida como presente de Deus para que o homem pudesse exercer o seu destino de reinar. Mas ainda neste primeiro momento existia um grau de organicidade na relação homem-natureza. A constituição do racionalismo clássico e o período renascentista foram mais incisivos e marcaram a natureza como uma figura passiva, transformando a visão desta como selvagem e perigosa para concepção de que tinha que ser dominada pelo homem (Capra, 1982 apud Silva, 2013). O processo de colonização e as Grandes Navegações promoveram de forma mais violenta a dominação da natureza e de outras culturas. O desmantelamento do feudalismo e a formação dos centros urbanos acarretou na expropriação de milhões de pessoas de suas terras - até então, seus meios de subsistência - causando um rompimento relevante entre homem e natureza. Vale ainda ressaltar que a visão da cidade ideal neste período se construiu sob a imagem da cidade sem sinais da “natureza”, contando apenas com aquilo que o homem era capaz de criar (Silva, 2013). O controle da natureza pela ciência se engendrou fortemente pelo positivismo, pela consolidação dos Estados-Nação e pelas modificações tecnológicas advindas com a segunda

revolução

industrial,

sustentados

pela

ciência

e

pela

ideologia

desenvolvimentista, em que as conquistas territoriais se consolidaram pelo conhecimento das leis naturais que passaram a ser descritas e compreendidas pelos homens (Silva, 2013, p. 30). 26


Na expansão global do capitalismo, na consolidação da ordem social burguesa e no avanço da ciência moderna, a relação entre sociedade e natureza não foi somente regida pelo utilitarismo e dominação, como passou a ser dada pelo valor de troca. Assim, a natureza sofreu de modo mais intenso com apropriações, transformações e destruições para atender às necessidades de acumulação do capital (Silva, 2013, p. 32).

“Para este fim, o capital se volta para a superfície do solo na busca dos recursos materiais; a natureza torna-se um meio universal de produção, de modo que ela não somente provê o sujeito, o objeto e os instrumentos de produção, mas ela é em sua totalidade um acessório para o processo de produção” (Hobsbawm, 2002, p. 88 apud Silva, 2013).

No estágio contemporâneo da sociedade, Silva (2013) defende que o processo de conscientização ambiental iniciado na década de 1960 pelo ocidente passou a ser apropriado

pelo

capitalismo

em

estratégias

reforçadas

por

conceitos

de

desenvolvimento sustentável para manutenção de sua própria existência. Citando Mészáros (2009), o autor afirma que a ideologia dominante do desenvolvimento sustentável assumiu como premissa que todos os indivíduos possuem igual responsabilidade pela degradação ambiental e que portanto, a população como um todo deve arcar com os custos da recuperação do meio ambiente, diminuindo a responsabilidade de alguns grupos sociais e algumas atividades econômicas de sua real culpa por esta degradação ambiental. As causas dos impactos sobre a natureza não são homogêneas, ou seja, os indivíduos ou grupos sociais não apresentam mesmo peso de culpa, e ainda mais, os impactos não recaem do mesmo modo sobre esses indivíduos, assumindo-se aqui como premissa a tendência da vulnerabilidade ambiental acompanhar a vulnerabilidade social, e vice-versa. Portanto, a natureza, já muito privatizada e explorada como recurso, passou a ser apropriada também no campo do discurso ideológico. Como exemplo, o autor cita a 27


defesa dos limites de crescimento, que além de surgirem sob uma preocupação econômica, muito se embasaram em um discurso neomalthusiano, que todavia não se sustenta, visto que 20% dos habitantes mais ricos do planeta consomem 80% de energia e de matérias primas produzidas anualmente. Logo, o modelo-limite não corresponde à quantidade de população na Terra, mas sim, à imposição de uma lógica mercantil e desigual ao planeta e à humanidade (Porto Gonçalves, 2006). Os fundos de vale como parte da natureza, mesmo que muito alterada antropicamente, também têm sua história influenciada pelo contexto explicado neste capítulo. O entendimento deste contexto permite pontuar algumas questões pertinentes sobre os paradigmas tecnológicos que coordenam e coordenaram as intervenções de manejo de águas urbanas ao longo da história e que serão exploradas ao longo deste trabalho: •

as técnicas convencionais de drenagem urbana são pautadas pela racionalização da natureza, orientadas por princípios tecnicistas, que resultaram em ações de opressão dos corpos d’águas e suas margens, além de processos de impermeabilização das bacias hidrográficas;

os problemas urbanos oriundos da história do desenvolvimento das cidades e muitas vezes agravados por essas intervenções convencionais, como retificação e tamponamento dos cursos d’água, promoveram dentre os seus impactos, o distanciamento da relação cotidiana e íntima com estes;

a priorização de implantação de propostas de reaproximação com os corpos d’água somente em áreas já infraestruturadas da cidade e de interesse do mercado imobiliário corresponde à apropriação da natureza no campo do discurso ideológico sob um vácuo social que não promove justiça socioambiental.

O interesse de construção do discurso deste trabalho a partir das questões colocadas acima se justifica pois não se pode perder como estrutura lógica a concepção de que as políticas e tecnologias não podem estar dissociadas das problemáticas sociais

28


urbanas, e que essas devem vir a resolver essas problemáticas e não as agravar, e nem muito menos as ignorar. Portanto, conclui-se neste capítulo que, uma nova práxis ambiental e uma nova relação da sociedade com a natureza e da sociedade com as águas urbanas, deve estar aliada às demandas das classes oprimidas e em caminho da superação do sistema de reprodução de capital, visando: I.

Oferecer propostas que caminham para maior equidade social;

II.

Reduzir os impactos negativos sobre o meio ambiente;

III.

Recuperar uma relação baseada em respeito com a natureza.

2.1 Manejo de águas urbanas: discursos, intervenções e seus impactos socioterritoriais O manejo de águas urbanas neste estudo apresenta dois objetos principais de análise em escalas diferentes, mas complementares: os fundos de vale e a bacia hidrográfica em que estes estão inseridos. Segundo Travassos & Carulli (2016), os fundos de vale se constituem em lugares-chave para a intervenção urbana, visto que reúnem em seus corpos d’água e margens um conjunto de demandas e possibilidades de urbanificação. E a análise da bacia hidrográfica se faz essencial para abranger as dinâmicas dos fundos de vale associadas aos processos de ocupação do solo no restante do seu território, principalmente, para compreender a impermeabilização da bacia e seus impactos: a) nos aspectos hidrológicos, como vazão de pico e tempo de concentração, e b) nos aspectos hidráulicos da micro e da macrodrenagem e sua relação com eventos de inundação e alagamento (Tucci, 1995). De acordo com o Centro de Estudos da Metrópole, parte relevante dos assentamentos precários nas cidades médias e grandes no Brasil estão localizados nos fundos de vale. Neles, também, há a necessidade de implantação de coletores-tronco da rede de esgotamento sanitário. Assim como, é o espaço que possibilita a extravasão de água 29


nas inundações. Dentro desta funcionalidade e da ausência de áreas verdes nas cidades, os fundos de vale também se destacam como meio possível para criação de parques e áreas verdes urbanas (Travassos, 2010). Apesar dessa co-localização de possibilidades e demandas, a presença de tratamento setorial em grande parte das intervenções em fundos de vale provoca uma urbanificação incompleta, podendo acarretar na constituição de novos passivos socioambientais, por exemplo, ao manter moradias em áreas de inundação periódica ou ao canalizar, em galeria, um corpo d’água (Travassos & Carulli, 2016). Ademais, esse tratamento fragmentado está relacionado com as bases científicas tradicionais, que redundam em tecnologias ortodoxas, estruturalmente baseadas em uma visão racionalista da natureza (Travassos & Carulli, 2016), como colocado pelo capítulo anterior. Com essas abordagens a complexidade dos problemas urbanos não recebem soluções adequadas, sendo necessária a superação da compartimentação e simplificação dos conhecimentos, passando-se a adotar o pensamento complexo, conforme destaca Morin (2006). De acordo com Funtowicz & De Marchi (2003), as soluções carecem de uma construção mútua por diversos saberes, formais ou coletivos, tradicionais ou comunitários, redundando em uma “ciência pós-normal”. Leff (2003) acrescenta que é necessária a substituição da racionalidade tecnológica/econômica pela racionalidade ambiental, na qual são integradas a razão, a ética e o conhecimento sensível, dentro da construção do conhecimento complexo e interdisciplinar. Contudo, é justo afirmar que as ciências têm avançado para adotar e incluir as incertezas inerentes à relação entre sociedade e ambiente natural, propondo-se a rever os métodos e paradigmas, em especial pelo reconhecimento crescente dos efeitos para a vida humana da degradação ambiental (Travassos & Carulli, 2016). Conforme Prigogine (1996), nas últimas décadas, a física dos processos de não-equilíbrio vem ganhando importância, este conceito entende que os eventos futuros não atendem à frequência e intensidade associada ao padrão verificado no passado, como exemplo, destaca-se o clima e, como consequência, os padrões de pluviosidade. 30


Em concordância com Travassos & Carulli (2016), que destacam Tavares (2010), os elementos do clima, temperatura, umidade e pressão atmosférica, variam no tempo e no espaço, em razão de fatores geográficos, portanto imutáveis, e fatores físicos de ocupação da área, vegetação e atividades antrópicas, que são completamente variáveis. Leff (2003) entende que a mudança deve ser dada alterando o olhar para o ambiente e passando a ter a visão de processos por diversas ordens, física, biológica, termodinâmica, econômica, política e cultural. A evolução das ciências, os avanços tecnológicos e de pensamento sobre manejo de águas urbanas serão descritos aqui a partir dos paradigmas tecnológicos por detrás das intervenções de manejo de águas urbanas. Para isso faz-se necessária a descrição do contexto histórico-cultural em que se inserem, visto que assim, permite-se a percepção e entendimento dos momentos e acontecimentos a serem estudados (Meyer, Grostein & Biderman, 2004). Dessa forma, a breve revisão histórica sobre as políticas e as intervenções de manejo de águas urbanas se dará sob o enfoque territorial das cidades brasileiras, em específico, das dinâmicas de desenvolvimento urbano na Região Metropolitana de São Paulo. O recorte temporal corresponde aos meados do século XIX até o período atual, sendo descrito por três fases: drenagem tradicional, drenagem moderna e a influência da modernização ecológica nas novas propostas sobre rios urbanos (Travassos, Penteado & Fortunato, 2017). 2.1.1 Breve contextualização histórica das intervenções de manejo de águas urbanas Em meados do século XIX, os fundos de vale na Região Metropolitana de São Paulo, mais especificamente, os rios da cidade de São Paulo tornaram-se alvo de intervenções a partir do momento em que a conjuntura nacional e internacional propiciou o desenvolvimento urbano-industrial do país (Fortunato, 2016). Segundo Travassos, Penteado & Fortunato (2017), as primeiras ações sobre o triângulo histórico de São 31


Paulo, ou seja, sobre os rios Tamanduateí e Anhangabaú, tiveram como foco as ações de saneamento, em especial o aumento de vazão para diluição dos efluentes domésticos e industriais. Já os rios Tietê e Pinheiros, tiveram as intervenções direcionadas principalmente para a geração de energia elétrica. Logo, a primeira fase está associada fortemente ao tratamento dos corpos hídricos à visão de “progresso” - pautada pelo desenvolvimento a qualquer custo - que não considerava o potencial da conservação dos fundos de vale. A presença da água era enxergada como um problema, pois era considerada fonte de doenças, devido ao comprometimento de sua qualidade, em razão da contaminação por efluentes industriais e domésticos, e também, em razão das inundações. O principal paradigma associado ao tratamento dos corpos d’água nesta primeira fase foi pautado pelo movimento higienista, cujas soluções eram dadas pela engenharia sanitária, soluções estas focadas na canalização e retificação dos rios (Travassos, 2004; Siebert, 2014). Junto das decisões sobre os corpos hídricos e suas águas, estava o debate sobre o modo de ocupar as várzeas. As três primeiras décadas do século XX testemunharam debates intensos sobre a concepção da urbanização dos fundos de vale, com projetos que incluíam os fundos de vale na paisagem de modo mais natural até seu afastamento total da paisagem, com construção de galerias subterrâneas e sistema viário (Travassos, Penteado & Fortunato, 2017). As Figura 2 e Figura 3 mostram essa divergência de concepções sobre fundos de vale, em que uma concepção respeita a várzea do corpo d’água (Plano de Melhoramentos do Rio Tietê) e outra não, restringindo os cursos d’água em canais (Plano de Avenidas). Assim, pode-se afirmar que esse confronto se deu, entre os projetos que representavam a tentativa de conciliação dos processos naturais em meio urbano que hoje, seria considerado "sustentável" e a visão positivista que imperou no século XX (Swyngedouw & Kaika, 2014).

32


Figura 2. Plano de Melhoramentos do Rio Tietê de Saturnino de Brito, 1925. Fonte: Nuno Fonseca, 2008. Disponível em: http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/c_deak/CD/5bd/1rmsp/plans/h1saturn/tie-sat0.jpg

Figura 3. Plano de Avenidas de Prestes Maia, 1930. Fonte: Prestes Maia, 1930. Disponível em: http://www.fau.usp.br/docentes/depprojeto/e_nobre/AUP274/cidade_industrial.htm

A intensificação do rodoviarismo e da priorização de implantação de avenidas de fundo de vale, decorreu do interesse econômico do incentivo ao uso do automóvel, associado à implantação de indústrias automobilísticas no Brasil. Tal característica foi 33


determinante para que o caminho a ser adotado para o planejamento das cidades e as ações de drenagem fosse pautado na canalização dos corpos d’água e na difusão das avenidas de fundo de vale, como estabelecido no Plano de Avenidas de Prestes Maia. Pouco se conhecia sobre as influências dessas ações sobre as vazões dos rios e córregos, que a longo prazo se mostraram ineficazes em relação às inundações e excludentes em relação a consideração dos serviços socioambientais que os rios poderiam prestar em áreas urbanas (Travassos, 2004). Como modo ilustrativo de um dos impactos do modo de ocupação da bacia hidrográfica e do tratamento dos corpos d’água na RMSP, destaca-se que os Rios Tamanduateí e Tietê tiveram aumento em mais de quinze vezes da vazão de pico durante um século de urbanização da bacia contribuinte (Graciosa, 2005), conforme mostra a Figura 4.

Figura 4. Aumento da vazão dos rios Tamanduateí e Tietê, na RMSP. Fonte: Revista Águas e Energia Elétrica, publicação do Departamento de Águas e Energia Elétrica do Estado de São Paulo – DAEE-SP, edições de outubro/98 e abril/99.

34


O movimento ambientalista que surgiu a partir da década de 1960, com a Teoria de Gaia (1969), as conferências internacionais realizadas pela ONU, como a Conferência de Estocolmo (1972) e a Conferência sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento - Eco 92 (1992), conduziram acordos mundiais com estabelecimento de metas e levaram à inclusão do conceito de desenvolvimento sustentável no discurso de alguns países envolvidos. Portanto, o segundo momento abrange a segunda metade do século XX e corresponde ao período de reflexão sobre os impactos das ações humanas sobre o meio ambiente e representa um momento de repercussão em escala global sobre o tema (Siebert, 2014). Segundo Travassos (2004), a Eco 92 representou um marco para o início da discussão sobre ecossistema urbano. E a partir desta discussão ocorreu um crescimento na criação de normas e legislações ambientais para os três âmbitos administrativos brasileiros que abrangeram a temática ambiental e desenvolvimento sustentável. A citar como exemplos: primeira lei que versou sobre instituição de áreas de preservação permanente para corpos d’água (1965), a Política Nacional de Meio Ambiente (1981), a Constituição Federal (1988), a Política Nacional de Recursos Hídricos (1997), dentre outras. Portanto, em uma breve recapitulação sobre o primeiro momento das intervenções de drenagem tem-se como entendimento que a melhor solução era a condução das águas para longe o mais rápido possível, aumentando a capacidade condutora do sistema. Contudo, observou-se que além de ser uma solução financeiramente dispendiosa, apenas transferia a localização do ponto de alagamento, exigindo sempre mais projetos e obras ainda mais caras e complexas (Cruz, Souza & Tucci, 2007). Logo, associada à crítica sobre as técnicas convencionais de drenagem, a partir da década de 1970, tem-se um período que foi marcado pela inserção da preocupação ambiental no desenvolvimento de marcos regulatórios e intervenções. Fazendo surgir, em contraposição à ideia de aumento de condutividade hidráulica, canalização em 35


galerias e retificação, as medidas compensatórias em drenagem e os princípios da drenagem moderna5 (Carulli, 2016). Por conseguinte, surgiu a visão de que: a) o tratamento da drenagem deve ser planejada e realizada na escala da bacia hidrográfica; b) as técnicas estruturais de drenagem devem visar à retenção das águas de chuva e à retomada de fenômenos naturais do ciclo hidrológico, como a infiltração de água no solo (Baptista et. al., 2005); c) o manejo de águas urbanas deve permitir a continuidade do processo do desenvolvimento urbano sem novos grandes investimentos em infraestrutura de drenagem, a partir da coordenação das ações estruturais e não estruturais, principalmente, sobre o que tange a forma de ocupação do solo (Baptista et. al., 2011); d) as ações de micro e macrodrenagem devem ser integradas (Martins, 2012). Esta mudança conceitual pode ser observada no Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê (PDMAT), visto que foi elaborado sob o conceito de vazão de restrição cuja metodologia é primeiro determinar uma vazão máxima para o rio principal de uma bacia, que serve de parâmetro para dimensionamento da vazão de seus afluentes, e assim segue consecutivamente. Esta metodologia busca o equilíbrio entre demanda e capacidade de vazão (São Paulo (Estado), DAEE, Consórcio ENGERPROMON-CKC, 1999). Assim, a concepção do PDMAT objetivou a retenção das águas nas cabeceiras, o monitoramento, a contenção do desmatamento e a preservação das várzeas dos corpos d’água. O PDMAT foi responsável pela previsão de obras de macro e microdrenagem para as principais sub-bacias do Alto Tietê, principalmente, evidenciando a construção de reservatórios de detenção - popularmente conhecidos como piscinões - como solução a ser disseminada. Diferentemente do reservatório de detenção subterrâneo implantado no Vale do Pacaembu na Praça Charles Miller, conforme Figura 5, os piscinões do PDMAT foram

5

Compreendidos pelos conceitos de reservação das águas urbanas, redução da condutividade hidráulica, previsão de

ações não estruturais e adoção de medidas não convencionais para as obras de drenagem (Carulli, 2016).

36


concebidos, em sua maioria segundo a experiência de Bordeaux, na França, onde as áreas destinadas ao armazenamento de deflúvios poderiam ser utilizadas no período de estiagem como espaço de lazer. Contudo, é uma solução que ignora a problemática da qualidade das águas e o padrão de geração de sedimentos das bacias urbanas da RMSP, muitas vezes promovendo cenários de riscos à saúde pública.

Figura 5. Estádio do Pacaembu, Praça Charles Miller, São Paulo. Fonte: Esportividade, 2015.

Segundo Santos (2008b), os reservatórios de detenção representam na realidade brasileira um agrave urbanístico, sanitário e ambiental, devido aos riscos elevados e custos relacionados aos processos de assoreamento por sedimentos e resíduos, além do alto grau de contaminação das águas, conforme ilustrado como exemplo o Piscinão do Pirajussara em São Paulo (Figura 6), o que evidencia a problemática dos sistema centralizado de saneamento.

37


Figura 6. Piscinão do Pirajussara, São Paulo, SP. Fonte: Blog Folha Uol - Corredor vê Campo Limpo coberto de asfalto e cinza (2013)

Fonte: Giovane Disponível em: http://mapio.net/pic/p-47032486

Disponível em: http://rodolfolucena.blogfolha.uol.com.br/2013/12/27/corredorve-campo-limpo-coberto-de-asfalto-e-cinza/

Sob estas condições é possível afirmar que: a) ações de microdrenagem pautadas pelos princípios de retenção em diversas escalas - lote, quadra e bacia - são importantes para redução do deflúvio que chega à rede de macrodrenagem e para mínimo tratamento da qualidade da água quando associadas à vegetação; b) as ações de manejo de águas urbanas devem estar associadas às outras políticas urbanas, como política de uso e ocupação do solo, saneamento básico, habitação e gestão de áreas verdes, por exemplo (Santos, 2008b). Portanto, de acordo com Travassos (2004), não é possível afirmar que o PDMAT rompeu completamente com o paradigma tecnológico vigente, visto que permaneceu a forma setorial como o problema continuou sendo tratado, denotando uma

38


manutenção de mesmos valores de atuação do poder público sobre os cursos d’água urbanos. O terceiro momento corresponde às discussões recentes nas últimas duas décadas sobre a relação do meio urbano versus rios urbanos, associadas às ideias de promoção da recuperação da paisagem fluvial nas cidades, a partir de técnicas diversas, como restauração, recuperação/reabilitação ou revitalização de rios urbanos. Segundo Cengiz (2013) essas técnicas correspondem às seguintes definições: •

Restauração: restabelecimento das relações entre o corpo d’água e a paisagem de modo a retornar o corpo d’água à condição mais próxima do natural sob todos os aspectos (químicos, físico, biológicos);

Reabilitação/recuperação: restabelecimento das condições sanitárias do corpo d’água;

Revitalização: restabelecimento das relações entre o corpo d’água e a paisagem de forma funcional, reintroduzindo o canal em nova dinâmica e novo equilíbrio. O diagrama disposto na Figura 7 permite visualizar a relação entre os

mecanismos de intervenções em corpos d’água e seus estágios entre ecossistema degradado, modificado e original, sob o ponto de vista de sua complexidade e biomassa disponível.

39


Figura 7. Tipos de intervenções em corpos d'água. Fonte: Findlay & Taylor (2006) apresentado por Alencar (2007).

De acordo com Cardoso & Baptista (2013), os projetos de revitalização apresentam como diferencial a extrapolação do tratamento do corpo d’água somente do ponto de vista sanitário, preocupando-se em integrar as diversas variáveis envolvidas: naturais, urbanísticas, sociais e institucionais. Essa discussão no âmbito de política urbana é recente no Brasil. Contudo, a ideia que promove o alicerce dessas novas possibilidades para macrodrenagem cunha-se no conceito de modernização ecológica surgida nos anos 1980, que segundo Janicke (2008) apud Travassos, Penteado & Fortunato (2017), consiste em uma tentativa de integração entre ecologia e economia, buscando atender às demandas por um caminho mais favorável do ponto de vista ambiental, considerando-se o longo prazo. Portanto, a modernização ecológica se propõe a buscar formas de intervenção cuja ideia principal é a adoção da tecnologia e política socioeconômica “certas”, pleiteando por um tipo de desenvolvimento que aconteça com a natureza e não contra ela (Pow & Neo, 2013 apud Travassos, Penteado & Fortunato, 2017). Os conceitos de modernização ecológica, mesmo que possuam caráter ético, apresentam grande dimensão global, estando inclusas em um mercado também global 40


e que portanto, não estão, a priori, comprometidas com fins sociais específicos e locais, como a justiça social (Olivieri, 2009). Logo, a modernização ecológica tem sido criticada por atuar em um vácuo social, por tratar de forma acrítica a tecnologia como um bem universal, acessível a todas as pessoas e locais (Pow & Neo, 2013 apud Travassos, Penteado & Fortunato, 2017). “A revolução tecnológica não é externa às relações sociais e de poder, é parte delas, e por isto temos esta revolução tecnológica que aí está e não outra, entre as muitas revoluções técnicas possíveis. É preciso desnaturalizar a técnica, e libertá-la dessa visão que fala de uma revolução tecnológica em curso sem se perguntar quem a põe em curso. Afinal, as técnicas não caminham por si mesmas.” (Haesbaert e Porto-Gonçalves, 2006, p. 106 apud Silva, 2013).

Conforme colocado pela citação acima, as tecnologias e os processos de mudança de paradigmas devem ser constantemente questionados sobre o ponto de vista de quem está colocando em curso e para quem serão dados os seus benefícios e ônus. Para entender melhor o desdobramento dessa discussão nas políticas de manejo de águas urbanas, cita-se o trabalho de Travassos, Penteado & Fortunato (2017) sobre análise da cobertura da mídia sobre os rios e córregos paulistanos, entre 2006 e 2016, analisando os discursos pela permanência ou ruptura do paradigma de canalização dos cursos d’água. A Figura 8 apresenta os resultados da pesquisa referente ao cruzamento dos enquadramentos paradigmáticos com a localização. Nota-se que o enquadramento da manutenção do paradigma acontece principalmente quando se trata de corpos d’água fora do centro expandido, com 67% das notícias, contra 15% no centro expandido, sendo que a leitura crítica das notícias mostrou também que, sempre que a questão dos assentamentos precários está considerada, o paradigma é o da manutenção da canalização de córregos (Travassos, Penteado & Fortunato, 2017).

41


Figura 8. Quadro síntese da localização das abordagens em noticiários sobre intervenções em corpos d'água em São Paulo Fonte: Travassos, Penteado & Fortunato, (2017).

A análise dos cruzamentos entre enquadramentos e fontes de informações 6 mostrou que o poder público municipal é a fonte mais presente quando se trata da manutenção da canalização e notícias de inundação, enquanto a crítica a esse paradigma tem como principal fonte as ONGs e afins (Travassos, Penteado & Fortunato, 2017). Portanto, a pesquisa concluiu que, em relação à localização, há uma maior presença, ainda que não muito expressiva, das críticas à manutenção do paradigma no centro expandido e nas regiões com boa estrutura. Regiões estas ocupadas pelas classes de renda média e alta. Logo, os resultados se aproximaram da hipótese inicial do trabalho: está em curso a construção de um discurso ecológico, compatível com a ideia de modernização ecológica, que tem como objetivo mudar a presença dos corpos d’água na cidade, mas que privilegia as áreas nobres e mais valorizadas (Travassos, Penteado & Fortunato, 2017). As informações apresentadas neste tópico possibilitaram identificar as principais características de cada um dos três períodos: drenagem convencional, drenagem

6

Foram consideradas fontes no trabalho: ONGs e afins (incluindo movimentos ambientalistas), poder público estadual,

poder público municipal, especialistas (envolvendo técnicos, pesquisadores e professores), população e outras fontes (Travassos, Penteado & Fortunato, 2017).

42


moderna e modernização ecológica, elencando alguns pontos positivos, negativos e críticas, sumarizados na Tabela 1.

43


Tabela 1. Quadro síntese sobre os períodos analisados e principais colocações Período

Descrição

Drenagem convencional (meados do séc. XIX - permeia até hoje)

movimento sanitarista;

macro e microdrenagem sendo tratadas de modo semelhante; •

aumento hidráulica;

Pontos destacados higienista

da

e •

condutividade

aumento da vazão de pico associado à redução do tempo de concentração da bacia;

movimento •

evolução para o princípio de reservação de água e manejo das águas urbanas do ponto de vista da bacia hidrográfica;

canalização e corpos d’água.

Drenagem Moderna

(meados do séc. XX em consolidação)

fortalecimento ambientalista;

unidade territorial de análise: bacia hidrográfica;

vazão de restrição;

princípio da retenção;

medidas não convencionais de drenagem;

consolidação ambiental

ecologia associada à economia;

promoção da recuperação da paisagem fluvial nas cidades;

Modernização Ecológica (fim do séc. XX - em consolidação)

retificação

da

relação conflituosa entre ambiente construído e ambiente natural;

do

supressão das condições naturais dos fundos de vale urbano e impermeabilização da bacia;

de

inclusão de tipologias de obras associadas à vegetação;

crítica colocada: manutenção de tratamento setorial sobre o manejo de águas urbanas;

avanço importante em discurso sobre a recuperação da paisagem fluvial no meio urbano;

proposição de técnicas de restauração, recuperação e revitalização de corpos d’água;

problema evidenciado: tratamento acrítico da tecnologia e da política pública como possível meio de prover justiça social

legislação

Fonte: Elaboração própria (2018).

44


2.1.2 Ecotécnicas de drenagem urbana e elementos de manejo de águas urbanas “Compreender o rio urbano como paisagem é também dar a ele um valor ambiental e cultural que avança na ideia de uma peça de saneamento e drenagem. É reconhecer que o rio urbano e cidade são paisagens mutantes com destinos entrelaçados” COSTA, 2006, p. 12

Este tópico abordará uma breve revisão da literatura sobre os conceitos associados aos principais elementos de manejo de águas urbanas a serem considerados na etapa propositiva do presente trabalho. Assim como, abordará a revisão de literatura sobre os conceitos referentes às ecotécnicas de drenagem urbana (Rossi & Gonçalves, 2012), que podem ser entendidas pelas medidas mitigatórias/técnicas compensatórias de drenagem, oriundas das teorias e práticas previstas no SUDS (Sustainable Urban Drainage System), LID (Low Impact Development), BMP (Best Management Practices) e WSUD (Water Sensitive Urban Design). O entendimento sobre as ecotécnicas de drenagem urbana permitirá a associação com os princípios e técnicas de desenho permacultural para embasar o conteúdo da proposta de planejamento e projeto de manejo de águas urbanas, na etapa posterior deste Trabalho de Graduação. Buscou-se elencar os principais elementos que podem compor o manejo de águas urbanas que deverão ser considerados na etapa propositiva deste Trabalho de Graduação. Segundo Alencar (2017), o equilíbrio do processo de intervenção em rios urbanos acontece quando há integração entre sete eixos temáticos: economia, hidrologia, qualidade da água, geomorfologia, ecologia, política e legislação e comunidade, conforme sintetiza a Figura 9. Do ponto de vista econômico, a autora apresenta que para a cidade de Perth na Austrália, no entorno de canais reabilitados a valorização imobiliária atingiu o percentual de 17%. O dado é apresentado em seu texto sem o 45


acompanhamento da reflexão sobre a geração de valorização diferencial oriunda das transformações urbanísticas que os processos de recuperação de corpos d’água podem prover. Em cenários de grande desigualdade socioespacial seria necessário olhar a prioridade de localização das intervenções, avaliando se concentram-se sobre áreas já infraestruturadas e que, muitas vezes resultam de pressões ou forças de interesses da camada da população de maior renda em detrimento das áreas periféricas, menos infraestruturadas e com população de menor renda.

Figura 9. Equilíbrio do processo de intervenção em corpos d'água Fonte: Alencar (2017) a partir de Findlay & Taylor (2006).

Os elementos de manejo de águas urbanas podem ser compreendidos em quatro dimensões: hidrológicos, hidráulicos, qualidade da água e planejamento e gestão. a) Hidrológico: bacia hidrográfica, suas características e componentes devem ser o ponto de partida para um planejamento e projeto de manejo de águas urbanas, visto que sob o entendimento da drenagem moderna, as intervenções não devem estar isoladas mas sim, pensadas na unidade territorial de planejamento da bacia hidrográfica. Portanto, o diagnóstico de uma bacia deve considerar a área de drenagem, a forma da bacia, o sistema de drenagem e ordem dos cursos d’água, a densidade de 46


drenagem, o relevo, solo, cobertura do solo e as implicações desses fatores no hidrograma7 da bacia e no comportamento hídrico. b) Hidráulica: os aspectos hidráulicos dizem respeito às características físicas e ao comportamento dos canais naturais e artificiais. Também corresponde às medidas estruturais da drenagem, ou seja, as obras de engenharia (Canholi, 2005). Essas obras de engenharia podem ser realizadas em duas escalas, microdrenagem e macrodrenagem. A microdrenagem é definida pelo sistema de condutos pluviais no nível do loteamento ou da rede primária urbana (Bidone & Tucci, 1995). Já a macrodrenagem consiste nas estruturas destinadas a condução final das águas captadas pela drenagem primária, que prossegue o escoamento dos deflúvios oriundos das ruas, sarjetas, valas e galerias (Martins, 1995). As ecotécnicas de drenagem também são representadas como medidas estruturais hidráulicas e devem ter seu reconhecimento como infraestrutura de manejo de águas urbanas. É importante conhecer as intervenções já existentes sobre uma bacia, assim como, deve-se planejar as medidas estruturais de modo integrado entre a escala da micro e macrodrenagem. c) Qualidade da Água: os aspectos correlatos à qualidade da água muitas vezes ficam em segundo plano nas ações sobre águas urbanas, mas se constituem de aspectos relevantes que devem estar em pauta. A qualidade da água está relacionada com as cargas poluidoras, que podem ser compreendidas em dois tipos conforme sua fonte: cargas poluidoras pontuais, cuja fonte é pontual e facilmente rastreável, e cargas

7

Hidrograma consiste em um gráfico da distribuição da vazão ao longo do tempo, permitindo identificar os valores de

pico de cheia e tempo de concentração da bacia. Sendo comumente adotado para identificar o volume a ser retido pela bacia hidrográfica para reduzir os impactos do desenvolvimento urbano (Tucci, 1995).

47


poluidoras difusas, que são aquelas geradas de forma distribuída ao longo da bacia contribuinte, sendo elas produzidas por diversos agentes poluidores, que afluem aos corpos d’água nos eventos de chuva. Quanto às cargas poluidoras pontuais a solução é dada pelo saneamento universal na bacia e da fiscalização com os lançamentos de efluentes industriais indevidos. Já as cargas poluidoras difusas são de difícil controle em relação à fonte, mas podem ser tratadas com fitorremediação, jardins filtrantes e mecanismos de retardo das águas para diminuição de carreamento de sedimentos (Alencar, 2017). d) Planejamento e Gestão: este grupo de elementos engloba as medidas não

estruturais

de

drenagem,

os

processos

participativos

do

planejamento e da gestão das bacias e as fontes de financiamento. Segundo Canholi (2005), as medidas não estruturais consistem em ações que buscam disciplinar a ocupação territorial e o comportamento de consumo das pessoas e atividades econômicas. As ecotécnicas de drenagem urbana, adotadas como termo similar aos conceitos de medidas mitigatórias/técnicas compensatórias de drenagem - SUDS (Sustainable Urban Drainage System), LID (Low Impact Development), BMP (Best Management Practices) e WSUD (Water Sensitive Urban Design) - correspondem à uma visão sustentável para o planejamento da bacia hidrográfica e proposição das intervenções (Rossi & Gonçalves, 2012). Segundo Miguez et al. (2007 apud Rezende, Miguez & Verol, 2013), a sustentabilidade em drenagem urbana implica que as inundações urbanas não podem ser transferidas no espaço ou no tempo. Ou seja, os sistemas de drenagem urbana têm que ser planejados de forma integrada com o crescimento urbano e as soluções de drenagem devem ser integradas com a paisagem urbana. De modo complementar, Alencar (2017) define que drenagem urbana sustentável prioriza a instalação de dispositivos que 48


retardam a chegada das águas nos corpos d’água resultando na redução da vazão de pico e também deve prover o controle de poluentes. De acordo com NRDC (2001), os princípios das ecotécnicas são: •

integrar a gestão de águas pluviais ao planejamento;

aproveitar funções hidrológicas naturais;

enfatizar métodos simples, de baixa tecnologia e baixo custo;

realizar o controle das águas pluviais na fonte;

realizar práticas em microescala distribuídas por toda a área de abrangência;

considerar recursos e processos naturais e criar uma paisagem multifuncional.

Um dos desdobramentos correlatos às ecotécnicas de drenagem, o conceito de Water Sensitive Urban Design, em tradução literal Design Urbano Sensível à Água, baseia-se nos princípios de Infraestrutura Ecológica8. Como prática este conceito foi adotado na revitalização de áreas portuárias como Portland, Estados Unidos, em Melbourne, Austrália, e demais cidades que procuraram desenhar seu espaço urbano de forma sensível ao ciclo hidrológico natural de seus mananciais (Souza, Morais & Almeida, 2015). Outro conceito é o Desenvolvimento Urbano de Baixo Impacto (LID, do termo em inglês Low Impact Development), cuja implementação pode ser compatível com o sistema estrutural existente, providenciando melhorias, pelo redirecionamento de águas pluviais para seu aproveitamento, infiltração e evaporação, mitigando os impactos provenientes da urbanização, por exemplo, a partir da recarga subterrânea e potencial diminuição do efeito conhecido como “ilha de calor”, pelo uso de vegetação (Souza, Cruz & Tucci, 2012).

8

Segundo Mostafavi & Doherty (2010), a infraestrutura ecológica pode ser compreendida pela remodelagem do

desenho urbano e adoção de elementos sensíveis ao comportamento hídrico da bacia e que permitem, como solução técnica, suprir às necessidades sobre vazão, volume e permeabilidade.

49


Os elementos-chave dos projetos baseados no LID são (USDoD, 2004): •

Conservação – Preservação de vegetação e solo nativos, minimizando o emprego de áreas impermeáveis e permitindo a manutenção de caminhos naturais de drenagem;

Projetos locais únicos – Elaboração de projetos que respeitem peculiaridades locais naturais e assegurem a proteção de toda a bacia, em detrimento a padronizações;

Direcionar escoamento para áreas vegetadas – Encorajar infiltração e recarga de aqüíferos, terras úmidas e riachos, aproveitamento controle e tratamento realizado pela natureza;

Controles distribuídos de pequena-escala – Empregar técnicas de manejo hídrico o mais próximo possível da fonte de geração do escoamento, de forma integrada ao ambiente, para mimetizar processos hidrológicos naturais;

Manutenção, prevenção à poluição e educação – Trabalhar a educação e envolvimento público (inclusive de profissionais) objetivando a redução de cargas de poluentes e o aumento da eficiência e longevidade de sistemas de drenagem, desonerando o poder público.

De acordo com Baptista, Nascimento e Barraud (2005) apud Rossi & Gonçalves (2012), as ecotécnicas de drenagem podem ser divididas em três tipos: 1.

Técnicas para controle na fonte: implantadas junto a parcelas ou

conjuntos de parcelas de pequenas superfícies de drenagem. Incluem os poços de infiltração, os microrreservatórios, os telhados verdes etc.. Correspondem em grande parte às medidas associadas na escala do lote. 2.

Técnicas lineares: implantadas usualmente junto aos sistemas viários,

pátios, estacionamentos, arruamentos, com uma ampla gama de porte de áreas de drenagem associadas. Incluem a biorretenção, as valas ou valetas de armazenamento e/ou infiltração, as trincheiras de infiltração, os pavimentos intertravados permeáveis etc.. 50


3.

Técnicas para controle centralizado: implantadas em áreas de

drenagem de porte mais significativo. Incluem essencialmente as bacias de detenção. Rossi & Gonçalves (2012) salientam que a melhor proposta de projeto de manejo de águas urbanas deve estar pautada pela aplicação em conjunto das técnicas descritas acima, potencializando seus impactos positivos. A Tabela 2 apresenta as comparações entre as ecotécnicas segundo o levantamento dos autores sobre os seguintes parâmetros: disponibilidade de área para construção, permeabilidade do solo, topografia natural do terreno, reuso direto da água, controle da vazão de pico em TR, área de contribuição e manutenção. Tabela 2. Comparações entre as ecotécnicas

Nota: Grande importância (G); Média importância (M); Importância pequena ou nula (P). Fonte: adaptado de Rossi & Gonçalves, 2012.

Segundo ReCESA (2007), a proposição de ecotécnicas de drenagem urbana devem considerar os seguintes parâmetros, conforme a Tabela 3.

51


Tabela 3. Aspectos a serem considerados em um projeto de manejo de águas urbanas

Aspectos Urbanísticos e de Infraestrutura

Aspectos Sanitários e Ambientais

Aspectos Socioeconômicos

Disponibilidade de espaço

Risco de poluição

Percepção da população próxima à área com relação à estrutura a ser implantada

Capacidade de infiltração do solo

Inclinação e forma de telhados

Risco sanitário associado à proliferação de doenças

Critérios relativos à manutenção e ao custo do projeto

Estabilidade do subsolo

Redes de infraestrutura existentes

Aspectos Físicos

Topografia do Local

Formas de financiamento

Nível d’água subterrâneo Aporte permanente de água Fonte: Elaboração própria com dados de ReCESA (2007).

Seguem nas Figura 10 e Figura 11 exemplos de ecotécnicas de drenagem.

52


Figura 10. Vala e trincheira de infiltração. Fonte: Gutierrez et. al. (2010).

Figura 11. Jardins/Canteiro de chuva Fonte: http://solucoesparacidades.com.br/wp-content/uploads/2013/04/AF_Jardins-de-Chuva-printdigital.pdf

53


2.2 Permacultura: definições e princípios “Permacultura não é um destino, é uma direção” Graham Bell

Este item apresenta os conceitos e definições sobre permacultura, assim como, os princípios éticos e de desenho que regem as ações permaculturais. A partir do entendimento dos elementos da permacultura e das possibilidades de arranjo entre eles, e de suas funcionalidades perante a gestão de água no contexto permacultural, foi possível a leitura e avaliação sobre a aplicabilidade da permacultura no manejo de águas urbanas. 2.2.1 Surgimento da permacultura e suas definições A Permacultura surgiu na década de 1970, na Austrália, sob o contexto de mudança de paradigma para agricultura e os modos de cultivo, com objetivo de associar os processos produtivos aos sistemas nos quais o consumo se ajusta à capacidade de suporte e se preservam espaços de mata nativa para possibilitar a absorção do impacto ambiental e a regeneração do meio produtivo (Holmgren, 2013). A Permacultura foi construída por Bill Mollison e David Holmgren, tendo sido inicialmente pensada por Mollison, que iniciou a construção dos conceitos de permacultura, com base na ideia de que a sociedade deveria organizar suas atividades de forma a evitar o colapso total dos sistemas biológicos, era um crítico radical dos sistemas industriais e políticos vigentes (Barros, 2008; Silva, 2013) e baseava-se nos cientistas Eugene e Howard Odum, da Ecologia de Sistemas. A Permacultura começou a se estruturar como um conceito em 1972, quando Mollison junto ao seu aluno David Holmgren, desenharam-na como uma estratégia focada no desenho sustentável de assentamentos urbanos e rurais. Contudo, o termo Permacultura somente foi introduzido de fato, em 1978, com a publicação do livro Permaculture One (Permacultura Um). As informações sobre Permacultura foram 54


rapidamente disseminadas e sua forma de divulgação se deu principalmente pelos cursos PDC (Permaculture Design Certificate Course) (Barros, 2008). Atualmente, Mollison é diretor executivo do Instituto de Permacultura, criado em 1979, o qual objetiva difundir as práticas permaculturais (Romero, 2001 apud Barros, 2008). São diversas as formas de expressão e definição de Permacultura, de acordo com Mollison & Slay (1998), a Permacultura visou inicialmente à produção de sistemas de “agricultura permanente”, onde as necessidades energéticas desses sistemas eram supridas por eles mesmos, assim, diferindo da agricultura convencional de latifúndios, onde a energia adotada é totalmente dependente de fontes externas. Contudo, hoje ressalta-se que seus princípios e aplicações extrapolam o sistema alternativo à agricultura tradicional. Segundo Holmgren (2013), permacultura é a ferramenta que possibilita enxergar na paisagem os sinais que os recursos da natureza oferecem para planejamento e organização de seu uso coletivo, portanto se desdobrando em “paisagens conscientemente planejadas que imitam os padrões e as relações encontradas na natureza, enquanto produzem uma abundância de alimento, fibra e energia para prover as necessidades locais” (MOLLISON, 1990 apud HOLMGREN, 2013). Mars (2008) define a permacultura como integração harmônica de desenho com ecologia, em busca de desenhar paisagens produtivas, espelhando-se na diversidade e funcionamento dos ecossistemas naturais. Assim como, pode ser entendida como um plano para maximizar e ressaltar as interações humanas com o ambiente em que o ser humano está inserido, acreditando que o cultivo é uma forma simples para as pessoas assumirem alguma responsabilidade por sua existência e se preocuparem com a Terra. Silva (2013) apresenta que a permacultura evoluiu de um tipo de sistema agrícola orgânico para um “sistema de desenho integrado”, sistema este capaz de articular diversos aspectos, técnicos e éticos, e adaptar-se a diferentes contextos sociais e 55


geográficos. Assim a permacultura passou a ser associada à promoção de uma cultura de sustentabilidade, sendo a palavra cultura entendida do ponto de vista do cultivo agrícola, mas também, sob a noção antropológica de cultura relacionada ao conhecimento acumulado, às ideias, às crenças, aos sistemas éticos, aos hábitos, modos de vida, etc. A partir da ideia de desenho de Permacultura, Mollison (1990) define que é um sistema que une componentes conceituais, materiais e estratégicos em um padrão, cujas funções devem beneficiar a vida. Holmgren (2013) acredita que o desenho de Permacultura é uma redescoberta de diversas soluções, habilidades e estilos de vida que estão sendo recriadas para possibilitar o provimento das necessidades atuais, enquanto aumenta o capital natural para futuras gerações. Romero (2001) apud Barros (2008) coloca que a Permacultura oferece uma base de ferramentas para projetar ecossistemas humanos que modelam os padrões de multifuncionalidade e interconexão da natureza, fundamentando-se no conhecimento científico e nas práticas tradicionais. Assim, a Permacultura visa à manutenção de ecossistemas criados, que detenham as características peculiares de um ecossistema natural. 2.2.2 Princípios Permaculturais A permacultura foi construída sob princípios éticos e de design. Os princípios éticos foram pautados pelo cuidado com a Terra, cuidado com as pessoas e limite de consumo, da reprodução e da redistribuição dos excedentes. Os princípios de desenho foram elaborados a partir das bases científicas da Ecologia de Sistemas, Geografia da Paisagem e Etnobiologia (Holmgren, 2013). Segundo Silva (2013), os aspectos mais notáveis e potencialmente emancipatórios da permacultura estão na maneira pela qual seu espaço é criado a partir de seus princípios. A permacultura de Mollison e Holmgren assume algumas hipóteses fundamentais que estão colocadas no livro Permacultura Um (1990): 56


O ser humano, embora possua características diferenciadas no mundo natural (consciência e racionalidade), ainda está sujeito às mesmas leis científicas (energéticas) que governam o universo material;

A extração de combustíveis fósseis ao longo da era industrial era vista como a causa primária da explosão do crescimento populacional, da tecnologia e de cada nova característica da sociedade moderna;

A crise ambiental é real e de uma magnitude que certamente transformará a sociedade industrial global moderna de modo sem precedentes. Nesse processo, o bem-estar e até mesmo a sobrevivência da população mundial em expansão estão diretamente ameaçados;

Os impactos da industrialização provocaram mudanças muito mais intensas do que as transformações vividas em séculos anteriores;

O cenário de esgotamento de recursos naturais poderá provocar um retorno gradual aos modos de viver anteriores à industrialização.

Essas hipóteses podem ser sintetizadas sob a ideia de que o balanço energético do planeta está em desequilíbrio e que o ser humano compõe boa parte das causas desse estado. Por outro lado, é possível que o ser humano se torne agente ativo para transformações com destino à relação harmoniosa com o meio e com os outros seres vivos a partir do desenvolvimento de baixa energia. A Tabela 4 apresenta a comparação entre os princípios da Cultura Sustentável e da Cultura Industrial, conforme Holmgren (2013).

57


Tabela 4. Comparativo entre os princípios da Cultura Sustentável e Cultura Industrial

Aspectos

Cultura Industrial

Cultura Sustentável

Matriz Energética

não renovável

renovável

Fluxo de Materiais

linear

cíclico

Caráter Natural

consumo

estoque

Organização

centralizada

distribuída em rede

Escala

grande

pequena

Movimento

rápido

lento

Atividade

mudança eventual

estabilidade rítmica

Pensamento

reducionista

holístico e sistêmico

Fonte: Holmgren, 2013.

Os princípios éticos da permacultura são descritos por Mollison & Slay (1998): •

Cuidado com a Terra – objetiva cuidar de todos os seres, vivos ou não, como solos, animais, atmosfera, florestas e água. Todas as ações empreendidas devem ajudar a manter os ecossistemas equilibrados e capazes de funcionar saudavelmente;

Cuidado com as pessoas – objetiva assegurar a todos o acesso ao que se necessita para viver dignamente, com saúde e segurança;

Compartilhamento dos recursos e capacidades – pretende que após se ter suprido as necessidades básicas e projetado o sistema da forma mais otimizada possível, expandem-se as influências e energias no intuito de auxiliar os outros a alcançarem seus objetivos.

Segundo Holmgren (2013), a permacultura prioriza o uso da riqueza existente para reconstruir o capital natural, enfatizando processos de redesenho de baixo para cima, partindo do indivíduo e de sua morada, como os motores de mudança nas esferas do mercado, da comunidade e da cultura e que concebe as sociedades sustentáveis pré58


industriais como fornecedoras de modelos que refletem os princípios de desenho sistêmico mais gerais. Ou seja, a permacultura deve se iniciar pelo domicílio e o indivíduo, de quais formas estes estão se relacionando e integrando ao ambiente de entorno e reverberando uma integração mais harmônica entre o ambiente construído e o ambiente natural. Assim, para Holmgren (2004) apud Silva (2013), a ética permacultural também é marcada pela aproximação das cosmovisões não ocidentais, sobretudo àquelas determinadas pelas populações indígenas, visto que tais populações viviam em relativo equilíbrio com o meio e perpassaram gerações sem ocasionar danos que pudessem impedir a resiliência do meio. Para Leff (2006 apud SILVA, 2013) a ética permacultural busca transformar-se em algo distinto dos valores morais e tradições hegemônicas que sustentam a racionalidade moderna e a sociedade burguesa, como, a competitividade, o individualismo e o princípio de dominação sobre a natureza, assumindo um papel baseado no princípio da cooperação e do respeito intrínseco pela vida. As ações permaculturais, portanto, extrapolam a aplicabilidade sobre a agricultura e permeiam diferentes setores conforme apresentado pela flor de princípios permaculturais (Figura 12).

59


Figura 12. Flor da Permacultura Fonte: Instituto de Permacultura (IPOEMA) adaptado do livro “Princípios e Caminhos da Permacultura Além da Sustentabilidade”, Holmgren, 2013.

O desenho da permacultura é orientado por doze princípios que estão compreendidos por títulos sintéticos e descritos a seguir. “Quanto aos princípios de design, estes buscam regular o modo como o permacultor deve agir diante da utilização dos recursos naturais, de maneira a aproveitar suas potencialidades com eficiência e de forma sustentável. Tais princípios são inerentes a qualquer desenho permacultural, em qualquer clima e escala, e buscam otimizar energia e economizar tempo, dinheiro e trabalho. O desenho permacultural (...) é um método de planejamento de um sistema que busca alguns princípios básicos como o aproveitamento de todos os recursos disponíveis e o uso da maior quantidade de funções possíveis para cada elemento que compõe o espaço” (Barros, 2008, p. 71).

60


OS DOZE PRINCÍPIOS DE DESENHO PERMACULTURAL Princípio 01. Observe e Interaja

A partir da observação deve-se entender o contexto do local de intervenção, mapear as necessidades dos usuários e frequentadores. Por meio da compreensão das dinâmicas existentes deve-se buscar no projeto soluções eficientes e adequadas.

Princípio 02. Capte e armazene energia

Um bom projeto deve tomar proveito dos recursos disponíveis e o desenho deve capturar, armazenar e utilizar o máximo desses recursos.

Princípio 03. Obtenha um rendimento

O sistema projetado deve garantir a sobrevivência da comunidade, potencializar benefícios e mitigar impactos negativos.

Princípio 04. Aplicar a autorregulação e aceitar feedback

O projeto deve garantir resiliência e estar apto à adaptação das respostas do sistema após implementação do projeto.

Princípio 05. Use e valorize fontes renováveis

O projeto deve promover o mínimo de impactos negativos, tanto em relação a área de intervenção, quanto o seu entorno. Assim como, seus elementos devem ter vidas úteis relacionadas com seus usos. Conforme Holmgren, “faça o melhor uso da abundância da natureza para reduzir o nosso comportamento de consumo e dependência de recursos não renováveis”.

Princípio 06. Não produza resíduos

Todo projeto deve garantir aproveitamento máximo dos recursos e minimizar desperdícios.

Princípio 07. Projete desde os padrões aos detalhes

O desenho proposto deve estar baseado nas dinâmicas da natureza que definem padrões que podem ser orientadores do projeto, e os detalhes a mais devem agregar ainda mais valor e impactos positivos.

Princípio 08. Integrar e não segregar

A localização dos elementos é crucial para promover integração dos elementos e potencializar interações e benefícios das funções.

Princípio 09. Use soluções pequenas e lentas

O projeto deve ser de fácil manutenção e arranjar elementos que garantam um sistema autossustentável, ou próximo disso.

Princípio 10. Use e valorize a diversidade

Advindo da ecologia, o princípio define que a diversidade de elementos e funções promovem resiliência ao sistema às mudanças do ambiente.

Princípio 11. Use limites e

O projeto deve entender as interfaces como áreas potenciais e 61


valorize o marginal

ricas em prestadoras de funções e interações.

Princípio 12. Use criativamente e responda às mudanças

“A visão não é ver as coisas como elas são, mas como elas serão” (Holmgren).

Os princípios de desenho permacultural podem ser sintetizados pelas diretrizes de que um projeto deve integrar os elementos promovendo funções múltiplas, garantindo diversidade, reciclando energia e recursos, baseando-se em padrões da natureza, adotando o máximo de recursos biológicos e valorizando a importância das localização dos elementos, potencializando as interações e impactos positivos, e minimizando impactos negativos. Assim como, o projeto deve ser planejado a permitir adaptação das respostas do sistema após implementação do projeto. Os princípios da permacultura podem ser incorporados no manejo de águas urbanas, por meio dos preceitos de: •

adotar a rede hídrica como estruturadora do território;

planejar na escala da microbacia hidrográfica9, para lidar com os excedentes dentro desta área e promover reciclagem dos recursos, principalmente, das águas;

adotar elementos naturais e biológicos nos projetos;

planejar soluções que sejam menos permanentes e que sejam mais adaptáveis às respostas das dinâmicas existentes e de pós-implementação.

2.2.3 Elementos, zonas e setores da permacultura Para a permacultura, segundo Mars (2008), o conceito de elemento corresponde às coisas integradas no design, mas também inclui características naturais encontradas no local. O arranjo dos elementos cumpre um conjunto de funções e deve possibilitar maior produtividade e benefícios aos impactados diretamente ou indiretamente pelo desenho permacultural.

9

Bacias hidrográficas de escala micro, tamanho menor que 3 km².

62


A função na permacultura é compreendida como utilidade, podendo ser considerada sinônimo para serviços ecossistêmicos10. A Figura 13 dispõe de algumas funções que uma árvore pode contribuir com o meio em que se insere, a citar algumas dessas funções: prevenção a erosão, fornecimento de nutrientes, retenção de CO2, promover ambientes com maior conforto, manutenção de biodiversidade e contemplação.

Figura 13. As diversas funções de uma árvore Fonte: Permacultura Pedagógica, 2013. Disponível em: http://permaculturapedagogica.blogspot.com/2013/12/as-funcoes-dos-elementos-nos.html

A permacultura defende que cada uma das funções deve ser composta por mais de um elemento, assim, se um elemento falha, existem outros para suprir a função destinada. Logo, o grande número de relações úteis entre os elementos do sistema permacultural é o que define um sistema dinâmico e funcional. A diversidade do sistema aumenta a possibilidade de sucesso, a observação dos ecossistemas comprova isso (Mars, 2008).

10

Serviços ecossistêmicos consistem em processos ecológicos que produzem, direta ou indiretamente, bens e serviços

para benefício humano (MEA, 2005).

63


Os elementos podem ser analisados a partir de suas necessidades para estarem saudáveis, suas características intrínsecas, seu comportamento, seus produtos e quais funções cumprem. A permacultura é baseada na lei de conservação de energia, o que inclui a energia humana. Portanto, o desenho permacultural deve ser pensado de forma a diminuir o gasto de energia de um sistema, os elementos do desenho devem estar articulados e possuir posicionamento estratégico. Esse posicionamento estratégico é conhecido como zoneamento permacultural, em cada zona muda-se o número, disposição e composição de elementos, sendo que as funções de cada zona devem ser complementares (Mars, 2008). Segundo Holmgren (2013), as zonas de desenho permacultural são em parte físicogeográficas, mas também em parte conceituais. Elas funcionam a partir de um núcleo de integração e força para um domínio mais amplo de incerteza e flexibilidade. As estratégias e métodos particulares que funcionam em uma zona podem não ser necessariamente eficazes em outra. A Figura 14 apresenta um exemplo de zoneamento permacultural.

Figura 14. Zoneamento permacultural. Fonte: Peter Disponível: http://www.guiadepermacultura.com.br/zoneamento_1/

64


O quadro abaixo (Tabela 5) exemplifica o que representa cada zona dentro do desenho permacultural. Tabela 5. Exemplo de zoneamento do desenho permacultural

Zonas

Características

0

Centro do sistema, a partir do qual inicia-se o trabalho na propriedade. Residência ou áreas de convívio humano.

1

Consiste na área mais próxima a Zona 0, em que exige maior frequência de cuidados. Cultivos intensivos de alimentos com mulch11, lagos, abrigos, estufas, tanques de coleta de água da chuva, casa de ferramentas. Algumas árvores frutíferas. Alguns quebra-ventos baixos próximos ao cultivo.

2

Situada um pouco mais distante da zona 0, deve compreender aqueles elementos com menor frequência de atividade/manejo. Canteiros de cultivos. Animais como galinhas ou outros animais domésticos, minhocários. Tanques ou lagos de aquicultura. Cercas vivas ou treliças usadas para efeitos de borda. Pilhas de compostos. Pequeno pomar com frutíferas.

3

Áreas que podem incluir culturas com fins comerciais, que ocupam mais espaço e não necessitam de manejo diário. Pomares em grande escala, mulches vivos, plantas comestíveis, quebra-ventos para as casas, estruturas de proteção a queimadas.

4

São áreas que podem estar mais distantes da zona 0, que não necessitam de cuidados frequentes. Matas de desenvolvimento a longo prazo, represas, agroflorestas, cercas vivas e arbustos ou árvores, moinhos de ventos, forragens. Canais, drenos, represas ou outras estratégias de coleta de água.

5

Compreendem áreas que são visitadas para aprender ou realizar coleta ocasional de sementes, região mais “intocada”, onde não há interferência cultural. Áreas naturais, florestas ou arbustos nativos. Área de coleta de água e preservação flora e fauna. Corredores para vida silvestre. Restaurações florestais e reflorestamentos.

Fonte: adaptado de Mars, 2008.

11

Cobertura do solo com matéria orgânica seca.

65


A energia que se move por um sistema pode ser direcionada, canalizada e utilizada a partir do planejamento de setores. Os setores têm suas estratégias e elementos desenhados a partir do conhecimento de ângulos solares, direções do vento, áreas de sombra, áreas alagadas e topografia. O papel da observação da paisagem e de seus componentes se faz crucial em sua delimitação (Mars, 2008). 2.3 Aplicabilidade da permacultura em manejo de águas urbanas O entendimento da aplicabilidade da permacultura em manejo de águas urbanas deve estar contextualizado por como a água é enxergada como elemento no desenho permacultural, mas também, como a permacultura pode vir a contribuir para a superação de um modelo de desenvolvimento urbano desigual social e ambientalmente. Segundo Ercole & Bonin (2013), a questão urbana pode ser entendida sob a ótica da inserção da cidade no modo de subjugamento do meio ambiente natural, advinda da cultura dos países ditos desenvolvidos, onde a ocupação urbana se deu baseada em processos de passagem, ou seja, as fontes de materiais e energia dispersas no espaço convergem para as áreas urbanas, são convertidas e consumidas para suprirem as necessidades, sendo os seus resíduos gerados dispersos nos corpos d’água, ar e solo. Mas também pode-se entender a questão urbana sob o prisma de um modelo de geração e distribuição de riquezas de modo desigual, que reflete a realidade dos países em desenvolvimento e subdesenvolvidos. Assim, ressalta-se que, para a resolução da problemática ambiental, há a necessidade de reversão do quadro de desigualdade social. Para Roley Jr. (1997) apud Ercole & Bonin (2013), as áreas urbanas não foram planejadas de modo a se integrarem aos fluxos e ciclos do ambiente natural. As dificuldades de implementação de uma cidade ambientalmente equilibrada se iniciam na percepção de que o ser humano se enxerga separado na natureza. Segundo o autor, 66


a solução avança a partir do momento que o papel de ser humano no sistema seja redefinido. Para Ercole & Bonin (2013), o raciocínio é semelhante para a superação das desigualdades sociais. É necessário enfrentar as desigualdades, criando mecanismos de superação entre as diferenças de classe, redefinindo as obrigações dos mais ricos em relação aos mais pobres, nas escalas de bairro, cidade, região, país e mundo. Segundo Oliveira (2016), grande parte das áreas urbanas se caracterizam como um ecossistema urbano heterotrófico, não autossuficiente, que funciona de modo linear. Para a autora a sustentabilidade urbana advém da saída de um metabolismo linear para um metabolismo circular, consolidando-se um ecossistema urbano autotrófico. Para isso são necessárias transformações pautadas sob: •

redução de consumo e descarte;

maximização da reutilização de recursos;

conservação dos recursos não renováveis;

consumo consciente dos recursos renováveis.

A permacultura é caracterizada pela condução de uma visão sistêmica sobre o espaço e a paisagem, onde elementos são arranjados de forma a se complementarem e cumprirem diversas funções, gerando um desenho próximo da autossuficiência. A água como elemento da permacultura aparece como recurso a ser armazenado, reciclado, e adotado como fonte de energia. A água na paisagem pode ser vista como matéria-prima, como resíduo do consumo (águas negras e cinzas) e como produto das dinâmicas naturais (águas pluviais e fluviais). A água pura e limpa deve ser prioridade para qualquer sistema permacultural (Mars, 2008). De acordo com Magrini (2009), o projeto permacultural deve objetivar a coleta, a retenção e a reciclagem da maior quantidade possível de água antes que ela evapore

67


ou passe pela propriedade. Contudo, destaca que, as técnicas para aumento da absorção de água devem sempre respeitar alguns princípios: •

impedir o escoamento superficial de água no terreno;

aproveitar de diversas formas a água que passa pelo terreno;

diminuir a velocidade com que a água passa pelo terreno;

reciclar a água tanto quanto possível;

trabalhar o excesso da água o mais próximo possível da origem do problema.

A água, sob a forma de precipitação, pode ser armazenada por cisternas, por jardins de chuva e pelo sistema de drenagem por “swales”. Os jardins de chuva são entendidos como elementos da microdrenagem e também são chamados de Sistema de Biorretenção (Tucci, 2009 apud Melo, 2011), exemplos apresentados nas Figura 15 e Figura 16. O sistema de drenagem por “swales” consistem em canais de infiltração implantados de acordo com as curvas de nível de um terreno, conforme Figura 17. Os jardins de chuva se utilizam da atividade biológica de plantas e microorganismos para remoção de poluentes das águas pluviais, e contribuem para a infiltração e retenção dos volumes de água precipitados. Estas estruturas podem ser descritas como rasas depressões de terra, que recebem águas do escoamento superficial. Os fluxos de água se acumulam nas depressões formando pequenas poças, e gradualmente a água é infiltrada no solo. Os poluentes são removidos por adsorção12, filtração, volatilização, troca de íons e decomposição. A água pode ser infiltrada no terreno para recarga de aquífero ou coletada em um dreno e direcionada para o sistema de microdrenagem. No caso de extravasão o fluxo excedente é desviado da área e encaminhado diretamente para o sistema de drenagem (FCTH, 2013).

12

A adsorção é um fenômeno físico-químico onde o componente em uma fase gasosa ou líquida é transferido para a

superfície de uma fase sólida.

68


Figura 15. Jardins de chuva Fonte: Green futures.

Figura 16. Biovaletas. Fonte: GreenPARE.

O sistema de drenagem por “swales”, pode ser comparado às valas de infiltração, segundo Mars (2008), os swales são diques em curvas de nível. Quando ficam cheios ou captam a água pluvial a estrutura não vaza, mas sim retém o fluxo permitindo que penetre no solo. Em solos arenosos há melhor funcionamento porque a água pode ser captada e será mais facilmente absorvida pelo solo. No caso de solos muito argilosos, pode ser necessário sulcar o solo e/ou adicionar gipsita para promover a coagulação 69


das partículas argilosas, melhorando a drenagem e a penetração da água nas raízes e solo.

Figura 17. Ilustração do funcionamento de "swale". Fonte: http://www.aquinta.org/water-management/

Figura 18. Exemplo de vala de infiltração. Fonte: Stormwater Maintenance and Consulting, LLC. 70


As técnicas dos sistemas de drenagem pensados no desenho permacultural muito se assemelham às ecotécnicas de drenagem. Vale ressaltar que no desenho permacultural a estrutura e construção dos elementos variam conforme a função que lhes é pensada, podendo exercer função de reservação, condução, transposição, dependendo da situação (Mars, 2008).

71


Capítulo 3 - DIAGNÓSTICO DA MICROBACIA O objetivo final deste trabalho é a elaboração de um projeto permacultural de manejo de águas urbanas no Bairro Cooperativa em São Bernardo do Campo. O presente trabalho parte da premissa que o projeto não pode estar isolado no território e para sucesso das ações a serem propostas é necessário um passo inicial de compreensão da bacia hidrográfica em que se insere. Assim, permite o alinhamento do projeto com diretrizes sobre ocupação do solo e ações de manejo de águas urbanas a serem propostas a partir de tal diagnóstico. Este capítulo apresenta o diagnóstico para microbacia onde localiza-se o Conjunto Habitacional 3 Marias, ponto de partida inicial de interesse deste estudo, baseado em uma caracterização geral e socioeconômica, abordagem sobre aspectos urbanísticos e ambientais, caracterização morfométrica da microbacia e avaliação de seu comportamento hidrológico. 3.1 Caracterização geral O município de São Bernardo do Campo é uma das cidades que compõem a Região do ABC, está inserida na Região Metropolitana de São Paulo, consistindo em uma importante conexão entre a capital de São Paulo e os portos em Santos. O município desenvolveu-se, principalmente, pelo processo de industrialização ocorrido no ABC, ao longo do eixo Tamanduateí e seus afluentes, em um primeiro momento, avançando para o divisor de água da bacia Billings e o ultrapassando, posteriormente (Travassos & Carulli, 2016). A bacia Billings no município possui 37% de sua área inserida no limite administrativo do município, contabilizando 53,7% da área total de São Bernardo do Campo, pertencente à área de proteção aos mananciais ou à vertente Atlântica, mais ao sul, protegida em grande parte pelo Parque Estadual da Serra do Mar (Travassos & Carulli, 2016).

72


Segundo o IBGE (2018), a população estimada em 2017 era de 827.437 habitantes em uma área de 406 km², possuindo uma densidade demográfica de 2.037 habitantes/km². Em 2010, o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDHm) era de 0,805, contudo, o IDHm muito alto do município não representa uma realidade em todo o seu território. Segundo PNUD, Ipea e FJP (2010), o município apresenta Índice de Gini igual a 0,54, em comparação, o Brasil foi considerado o décimo país mais desigual do mundo apresentando o Índice de Gini igual a 0,52 em 2015, assim, este índice indica existência de grande desigualdade social. Segundo o Censo do IBGE (2010), 2,4% da população encontrava-se em situação de extrema pobreza e, em 2016, a média de salários mínimos da população era 4,1 e 35% da população economicamente ativa estava ocupada com situação formal de emprego. A ocupação urbana do território de São Bernardo do Campo é intensa, heterogênea e seu solo, impermeabilizado. Assim, grande parte das várzeas estão ocupadas por edificações e avenidas de fundo de vale, com presença de assentamentos precários em áreas suscetíveis a inundação e a movimentação de massa, além da ocupação na área de manancial da Billings. Os principais cursos d’água do município são Ribeirão dos Meninos e Ribeirão dos Couros, afluentes do Tamanduateí. A qualidade dos cursos d’água está comprometida devido à poluição oriunda dos problemas de saneamento ambiental e despejos domésticos e industriais clandestinos, além da poluição difusa. A microbacia afluente da bacia do Ribeirão dos Couros foco desse estudo, possui território total localizado em São Bernardo do Campo e insere-se na Macrozona Urbana Consolidada (MUC), no limite com a Macrozona de Proteção e Recuperação do Manancial (MPRM), segundo o Plano Diretor de São Bernardo do Campo, Lei Municipal 6.184/2011.

73


Figura 19. Localização e inserção da microbacia afluente do Ribeirão dos Couros Fonte: Elaboração própria com dados da PMSBC.

A MUC objetiva a intensificação da ocupação e o adensamento populacional, inibindo a permanência de terrenos ociosos em meio urbanizado e buscando compatibilizar o crescimento com a capacidade de suporte da infraestrutura instalada e projetada. O Plano Diretor não apresenta diretrizes específicas para o tratamento das margens de rios e suas várzeas (Carulli, 2016). No entanto, de acordo com o Plano Municipal de Drenagem, as bacias do Ribeirão dos Couros e Ribeirão dos Meninos apresentam as maiores incidências de inundação do município. Essas incidências são oriundas da impermeabilização das bacias e das ocupações sobre fundo de vale, somadas aos eventos de alagamento, devido aos problemas da rede de microdrenagem, o que leva a necessidade de pensar como o adensamento populacional previsto deve acontecer. Ainda, como acompanhou os preceitos da drenagem urbana tradicional, o plano de drenagem restringiu-se a proposição de canalização retangular em concreto dos corpos d’água nas duas bacias. Assim, descartando as soluções de reservatório de detenção e canalização trapezoidal e mista, e não incluindo no estudo os reservatórios de retenção. Além de não abranger diretrizes sobre conservação e recuperação dos fundos de vale e não abordar nenhuma ecotécnica de drenagem urbana e medidas não estruturais em suas propostas (Carulli, 2016). 74


Na legislação municipal, o tratamento sobre fundos de vale aparece somente na Política Municipal de Meio Ambiente de São Bernardo do Campo (Lei n. 6.163/2011). Lei esta que dispõe sobre as diretrizes correlatas ao ambiente, desde a gestão das áreas verdes, até controle de poluição e gestão de infraestruturas urbanas, como saneamento básico. Dentro das diretrizes para a elaboração do Plano Municipal de Saneamento Básico, têm destaque para o Plano de Drenagem de Águas Pluviais: a) a ampliação da permeabilidade dos solos para a drenagem das águas pluviais; b) a gestão racional da água; c) a prevenção ou mitigação dos efeitos de enchentes e inundações. A lei apresenta um capítulo específico sobre fundos de vale, que delimita como competência ao órgão ambiental municipal, e no que couber, em conjunto com os demais órgãos municipais competentes, a definição do uso mais adequado para as áreas de preservação permanente dos fundos de vale, dando prioridade a: •

A recomposição das matas ciliares;

A drenagem e a preservação de áreas críticas;

A promoção da proteção e da recuperação dos fundos de vale compatíveis com os atributos que justificam a sua proteção;

A avaliação da viabilidade ambiental de obras viárias;

A implantação de infraestrutura urbana e de projetos de regularização fundiária em fundos de vale;

A proposição de medidas alternativas nas áreas das bacias de contribuição, visando diminuir os picos de cheias nas áreas de várzeas dos rios e córregos.

O entendimento sobre as políticas de drenagem do município considera que há um esforço, pelo menos no campo do planejamento, em promover e aplicar os conceitos da drenagem moderna, mas que, no entanto, ainda não se reverteram em ações. Assim, de modo geral, a análise integrada das políticas urbanas infere que o modelo de ocupação urbana em São Bernardo do Campo ainda não rompeu completamente com 75


os paradigmas convencionais de drenagem urbana, assim como, não adotou com vigor os atributos da natureza enquanto um ativo importante para a manutenção das atividades humanas e para a qualidade de vida. Deste modo, o arcabouço legal não é suficiente para a conservação dos fundos de vale e garantia da provisão de serviços socioambientais. O que reforça a importância do estudo sobre a microbacia afluente da bacia do Ribeirão dos Couros e da potencialidade para as ecotécnicas de drenagem urbana e dos princípios permaculturais como possível caminho norteador para o manejo de águas urbanas. 3.1 Características socioeconômicas A microbacia, nas porções do território que predominam usos residenciais, é caracterizada pela presença de altas densidades habitacionais e domiciliares, conforme indica os mapas mostrados pelas Figura 20e Figura 21. Nota-se que algumas áreas de assentamentos precários apresentam altíssimas densidades habitacionais (acima de 1.800 hab/ha). É importante comentar que o último Censo do IBGE data de 2010, portanto, o Conjunto Habitacional 3 Marias ainda não existia.

76


Figura 20. Densidade domiciliar (dom./ha) Fonte: Elaboração própria com dados do Censo IBGE 2010.

Figura 21. Densidade Habitacional Bruta (hab./ha) Fonte: Elaboração própria com dados do Censo IBGE 2010. 77


De forma a complementar essas informações do Censo 2010 sobre a região de estudo do Conjunto Habitacional 3 Marias, a partir do número de domicílios (1.236 domicílios) e pela área do conjunto habitacional (aproximadamente 40 ha) foi estimada a densidade domiciliar em 30 domicílios por hectare. Adotando-se a relação de 3,20 habitantes por domicílio (SEADE, 2010), a mesma área apresentaria aproximadamente uma densidade habitacional de 100 habitantes por hectare. Comparado as densidades habitacionais e domiciliares predominantes na microbacia, o Conjunto Habitacional 3 Marias apresenta baixas densidades. Contudo, é uma área muito impermeabilizada, o que demonstra uma incoerência entre a relação de densidade construtiva e densidade habitacional, não se atendendo a diretriz de adensamento demográfico advinda do plano diretor e de provisão de áreas permeáveis da política municipal de meio ambiente. A renda média da população da microbacia é de 975 a 1390 reais, o que na época equivalia a 1,9 e 2,7 S.M13. Contando com domicílios com rendimento menor de 490 reais, equivalente a 0,9 S.M. Essas informações permitem inferir que é uma região periférica do município com baixa renda e altas densidades demográficas.

13

Salário mínimo adotado para o ano de 2010: R$510,00. Disponível em: https://www.tabeladeirrf.com.br/tabela-do-

salario-minimo.html

78


Figura 22. Rendimento Nominal Médio Mensal (reais). Fonte: Elaboração própria com dados do Censo IBGE 2010.

A Figura 23 apresenta a distribuição territorial do Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (IPVS, 2010)14. O IPVS já está defasado, assim como, o Censo do IBGE, contudo, são dados relevantes para o diagnóstico. Assim, é possível notar áreas com vulnerabilidade de média a muito alta localizadas onde estão os assentamentos precários, maiores densidades e menor renda, próximas aos corpos d’água.

14

Este índice considera aspectos socioeconômicos e demográficos, como por exemplo, insere em seu cálculo rendimento

nominal médio, número de pessoas por domicílio, faixa etária e gênero, localização em área rural ou urbano, em aglomerado subnormal, entre outros aspectos.

79


Figura 23. Índice Paulista de Vulnerabilidade Social (2010). Fonte: Elaboração própria com dados do Censo IBGE 2010.

3.2 Aspectos Urbanísticos e Ambientais Os aspectos urbanísticos e ambientais são contemplados pelos aspectos físicos de relevo, vegetação e hidrografia; pelos aspectos de uso e ocupação do solo e pelos aspectos de saneamento ambiental. 3.2.1 Aspectos físicos Conforme IBGE (2015), a microbacia é formada por estruturas planas correspondentes aos fundos de vale (declividade até 3%), suave ondulado (presença de encostas com declives entre 3 a 8%) e ondulado (presença de encostas com declive entre 8 a 20%). Conforme mostra a Figura 24, as altitudes variam entre 763 m a 858 m aproximadamente, possuindo porções do território com declives médios entre 8 a 15%. A região possui solo classificado como cambissolo háplico, que segundo o IAC, 80


corresponde a solos que apresentam textura média ou mais fina e ausência de grande desenvolvimento pedogenético. Assim, são solos com pequena profundidade, elevado teor de minerais primários, presença significativa de fragmentos de rocha na massa do solo e outros indícios do intemperismo incipiente do solo.

Figura 24. Mapa hipsométrico. Fonte: Elaboração própria com dados da PMSBC.

Segundo o sumário de dados de São Bernardo do Campo (2012), o município apresenta três categorizações de vegetação: (i) a região próxima à Serra do Mar possui uma densa cobertura nativa de Mata Atlântica primária e secundária, existindo duas grandes áreas de reserva florestal, à leste e à sudoeste do território; (ii) as vertentes da bacia do sistema Billings possui vegetação secundária de média densidade; (iii) a área urbana tem vegetação restrita a praças e canteiros. Essas características de pouca ou nenhuma vegetação na área urbana também são encontradas na microbacia afluente do Ribeirão dos Couros. 81


3.2.2 Uso e ocupação do solo A microbacia afluente do Ribeirão dos Couros, conforme mostra a Figura 25, apresenta usos predominantemente residenciais, contudo, com presença de indústrias, algumas áreas comerciais e institucionais. A área de estudo também apresenta áreas pavimentadas não-edificadas adotadas como garagens comerciais.

Figura 25. Uso do solo predominante Fonte: Elaboração própria com dados da PMSBC.

Segundo o IBGE, a microbacia contém quatro aglomerados subnormais: Jd. Belita Nazareth (núcleo 05), Jd. Venoyama (núcleo 07), Vila Esmeralda (núcleo 04) e Vila Soares, contemplando loteamentos irregulares e favelas. Segundo o PLHIS (2012), o aglomerado subnormal Jd. Belita Nazareth (Figura 26) é classificado como tipologia 3, que é definida por: assentamentos não consolidados, caracterizados pela carência de infraestrutura, traçado regular, baixa ou média densidade e/ou 82


não apresentam a necessidade de execução de obras complexas de infraestrutura urbana, consolidação geotécnica ou de drenagem urbana. Abrigam habitações inadequadas, mas passíveis de adequação. Apresentam baixo índice de necessidade de remoções (até 5%) (p. 53, PLHIS, 2012).

Figura 26. Jardim Belita Nazareth Fonte: PLHIS, 2012.

Conforme o PLHIS (2012), estão presentes na microbacia favelas e assentamentos precários de tipologia 1 (áreas consolidadas com infraestrutura básica e habitações adequadas), tipologia 2 (composta por assentamentos parcialmente consolidados, mas que demandam execução ou complementação de alguns serviços de infraestrutura e podem ainda abrigar habitações inadequadas) e tipologia 3 (já citada).

83


Figura 27. Mapeamento do PLHIS de favelas e loteamentos irregulares Fonte: PLHIS, 2012.

A partir deste entendimento das fragilidades sociais e situações de vulnerabilidade, segundo a lei de zoneamento (conforme mostrado na Figura 28), a microbacia tem em seu território a demarcação de ZEIS 1 e 2. Além de áreas delimitadas como ZUD 1 e ZER 1, cujas definições estão no quadro (Tabela 6) a seguir.

84


Figura 28. Lei de zoneamento 6.374/2014. Fonte: Elaboração própria com dados da Lei de Zoneamento 6.374/2014.

85


Tabela 6. Zonas demarcadas na microbacia (Lei de Zoneamento)

Zona

Descrição

Zona Especial de Áreas ocupadas predominantemente por população de baixa Interesse Social 1

renda,

abrangendo

favelas,

loteamentos

irregulares

e

empreendimentos habitacionais de interesse social, em que haja interesse público em promover recuperação urbanístico‐ ambiental, regularização fundiária ou produção de Habitação de Interesse Social ‐ HIS. Zona Especial de Constituídas por áreas não edificadas ou subutilizadas, Interesse Social 2

destinadas à produção de Habitação de Interesse Social (HIS) e Habitação de Mercado Popular (HMP).

Zona

de

Usos Estão previstos usos residenciais e não residenciais, distribuídos

Diversificados 1

por nível de incomodidade, segundo a hierarquia viária

Zona Empresarial Destina‐se à ocupação por indústrias não compatíveis com o uso Restritiva 1

residencial e por atividades correlatas ou complementares ao uso industrial.

Fonte: Elaboração própria a partir do Plano Diretor (2011).

Os principais acessos à região da microbacia se dão pelas vias: Estrada Samuel Aizemberg (arterial 1), Av. Juscelino Kubistchek (arterial 2), Estradas Particulares Fukutaro Yida, Sadae Takagi e Eiji Kikuti (arteriais 2). Segundo a hierarquia viária, conforme Figura 29, as vias internas na microbacia são classificadas como vias locais.

86


Figura 29. Hierarquia Viária - Plano Diretor de São Bernardo do Campo Fonte: Elaboração própria com dados do Plano Diretor de SBC (2011).

Foram identificados os fragmentos verdes e as áreas livres a partir da imagem de satélite do Google (2018) para determinação de áreas potenciais de transformação na microbacia, o resultado do mapeamento está apresentado na Figura 30 a seguir.

87


Figura 30. Fragmentos verdes e áreas livres Fonte: Elaboração própria (2018).

3.3 Caracterização morfométrica da microbacia O comportamento hidrológico de uma bacia hidrográfica é influenciado pelas suas características físicas e bióticas, que assim estabelecem os processos de deflúvio, infiltração, evapotranspiração e os escoamentos. A caracterização morfométrica da microbacia de estudo objetivou identificar quais são as tendências dos comportamentos hidrológicos a partir da análise do tipo de bacia, ordem dos cursos d’água, densidade de drenagem, declividade do curso d’água principal, tempo de concentração e pela forma de bacia, classificado por meio do Índice de Gravellius (Kf), do Coeficiente de Compacidade (Kc) e do Índice de Circularidade (Ic). A Tabela 7 sintetiza os índices morfométricos analisados para a microbacia de estudo.

88


Tabela 7. Características morfométricas da microbacia afluente da Bacia do Ribeirão dos Couros Características Morfométricas A = Área de drenagem (km2)

1,777

P = Perímetro (km)

6,792

L = Comprimento do eixo da bacia (km)

2,542

Fator forma ou índice de Gravelius (Kf)

0,275

Coeficiente de compacidade (Kc)

1,427

Índice de circularidade (Ic)

0,484

Densidade de drenagem

1,431

Ordem da bacia

2

Declividade do curso d'água principal (%)

1,50

Tempo de Concentração (minutos)

105

Fonte: Elaboração própria, 2018.

A microbacia de estudo é uma bacia afluente de cabeceira da Bacia do Ribeirão dos Couros, possui uma área de drenagem de 1,78 km² e comprimento axial de 2,54 km. Consiste em uma bacia endorréica, ou seja, é uma bacia hidrográfica sem saída para o mar. A microbacia, conforme classificação de Strahler, é classificada como ordem 2, devido ao seu corpo d’água principal ser de ordem 2. A microbacia também é constituída por três corpos d’água de ordem 1, assim, possuindo três nascentes em seu perímetro. A densidade de drenagem calculada foi de 1,43 km², caracterizada segundo Villela e Mattos (1975), como bacia com drenagem regular, que tendem a apresentar tendências medianas de inundação. Segundo o formato dos corpos d’água e seu relevo, a microbacia é classificada como bacia retangular, consequência da influência exercida por falhas geológicas. A forma da bacia possibilita inferir o tempo de concentração, que consiste no tempo, a partir do início da precipitação, necessário para que toda a bacia contribua na seção 89


em estudo. A microbacia de estudo possui forma alongada, conforme os valores encontrados para o Índice de Gravelius (Kf = 0,27) e Índice de Circularidade (Ic = 0,48), com Coeficiente de Compacidade (Kc) igual a 1,43. Quanto menor o Índice de Gravelius mais comprida é a bacia e portanto, menos sujeita a picos de enchente, pois o tempo de concentração é maior visto que há menor probabilidade de uma mesma chuva intensa abranger toda a bacia. A microbacia possui Kf igual a 0,27, segundo Mello e Silva (2013), bacias com Kf ≤ 0,5 se constituem de forma mais alongada do que circular, logo, apresentam tendência a não ocorrência de grandes enchentes. Um valor de Índice de Circularidade mais próximo a 1 corresponde a aproximação da forma de um quadrado, o que indica uma maior propensão a enchentes. Segundo Borsato (2005), valores de Ic maiores que 0,51 sugerem que a bacia tende a ser mais circular, não favorecendo o escoamento e evidenciando uma má drenagem. A microbacia de estudo apresenta Ic (0,48), ou seja, sendo caracterizada com forma mais alongada do que circular. Assim como o Kf, quanto menor o Kc, mais circular é a bacia, apresentando menor tempo de concentração e maior a tendência de haver picos de enchente. O valor do coeficiente de compacidade (Kc = 1,42) indica que a bacia estudada apresentou tendência mediana a ocorrência de grandes enchentes (1,25 ≤ Kc ≤ 1,50) (Mello e Silva (2013). A declividade do curso d’água principal é de 1,50%, o que possibilitou estimar o tempo de concentração15, calculado em 1 hora e 44 minutos. Logo, a leitura das características morfométricas indicam que, sob as condições naturais de cobertura do solo, a microbacia apresenta maior tempo de concentração e menores chances de pico de

15

Tempo de concentração calculado a partir da fórmula, em que L é o comprimento do leito principal e S é a sua

declividade, conforme método de Kirpich (1940).

90


enchente. No entanto, não se pode descartar seu impacto a jusante, na Bacia dos Couros. 3.4 Comportamento hidrológico da microbacia As características morfométricas da microbacia afluente do Ribeirão dos Couros quando analisadas em conjunto com o uso e ocupação do solo indicam elevada impermeabilização que promovem condições favoráveis a eventos de inundação. Aproximadamente 75% da bacia estudada está impermeabilizada e em valor aproximado, somente 6% encontra-se em condições mais permeáveis com vegetação, seja superfície arborizada ou ajardinada. A Tabela 8 apresenta os tipos de áreas na bacia e seu coeficiente de escoamento superficial correspondente. A partir do método racional, conforme explicado na metodologia, adotou-se o hidrograma triangular, comparando a situação atual (coeficiente de escoamento superficial médio de 0,651) e uma situação hipotética de um solo mais permeável (coeficiente de escoamento superficial de 0,45). Assim, foi estimado o volume a ser armazenado na microbacia para evitar eventos de inundação, no caso estudado, para uma chuva de período de retorno de 25 anos e duração de 105 minutos, correspondente ao tempo de concentração da bacia. A intensidade da chuva calculada foi de 44,2 mm/h, a vazão atual calculada foi de 14,2 m³/s e a vazão hipotética foi de 9,8 m³/s. Com essas informações foi obtido o valor de volume de 36.851 m³ que deve ser armazenado.

91


Tabela 8. Coeficientes de escoamento superficial Coeficientes de escoamento superficial por tipo de superfície Tipos de Áreas na Bacia

Coeficiente

Áreas livres

19%

C1

0,6

Áreas verdes

6%

C2

0,2

Áreas construídas

Descrição do Coeficiente adotado Partes residenciais com construções cerradas, ruas pavimentadas e poucas áreas livres Áreas verdes, superfícies arborizadas, parques ajardinados Partes adjacentes ao centro, de menor densidade

75%

C3

0,7

de habitações, mas com ruas e calçadas pavimentadas

Fonte: Elaboração própria baseado em Porto, 1995.

A seguir estão apresentados os percentuais da hidrografia de São Bernardo do Campo e da microbacia de estudo em relação às suas condições: tamponada, aberta ou sem canalização, conforme dados georreferenciados da Prefeitura de SBC com atualizações de 2002 e 2011. Nota-se que grande parte dos córregos de São Bernardo do Campo não sofreram canalização, contudo, conforme indica o mapa (Figura 32), os córregos tamponados concentram-se na macrozona urbana consolidada e os córregos não canalizados concentram-se na macrozona de proteção e recuperação aos mananciais. Com a permeabilização das bacias principais de São Bernardo do Campo, Ribeirão dos Meninos e Ribeirão dos Couros, e tratamento convencional em drenagem urbana, com canalização, ou em galeria, ou em seção retangular com concreto, promove-se na região da MUC uma negação dos corpos d’água como parte da paisagem urbana e uma permanência de problemas com inundações e alagamentos.

92


Figura 31. Condições dos córregos de São Bernardo do Campo (canalização aberta, tamponada ou não canalizada) Fonte: Elaboração própria (2018) com dados da Prefeitura de São Bernardo do Campo (2016).

Figura 32. Condições da hidrografia de São Bernardo do Campo Fonte: Elaboração própria (2018) com dados da Prefeitura de São Bernardo do Campo (2016).

93


Já a bacia de estudo, conforme Figura 33, apresenta maior parte do trecho de seus córregos em canalização aberta, sendo trechos pequenos que estão tamponados e um trecho não canalizado. Segundo o shapefile disponível de áreas de preservação permanente de corpos d’água, as APPs estão predominantemente classificadas como altamente degradada, assim sendo entendidas como áreas que demandam intervenção antrópica para sua recuperação.

Figura 33. Condições da hidrografia da microbacia estudada Fonte: Elaboração própria (2018) com dados da Prefeitura de São Bernardo do Campo (2016).

Foi realizada visita in loco no dia 06 de janeiro no período da manhã16. A visita foi realizada ao longo das vias Av. Juscelino Kubistchek, Estrada Particular Eiji Kikuti e Rua Maria Messias dos Santos, que acompanham os corpos d’água da microbacia.

16

No dia anterior à visita ocorreu chuva intensa.

94


O trecho da Av. Juscelino Kubistchek, iniciado no exutório da microbacia até a Estrada Samuel Aizemberg, possui o afluente do Ribeirão dos Couros sem canalização com margens de 1,5 a 3 metros com vegetação rasteira, com água poluída e contaminada por efluentes. De um lado a área é ocupada por uma garagem de caminhões de carga e do outro lado possui usos predominantemente residenciais, com ocupação de 2 a 3 pavimentos.

Figura 34. Garagem de caminhões à esquerda

Figura 35. Usos residenciais à esquerda

Fonte: Fotos da autora, 2019.

Fonte: Fotos da autora, 2019.

Figura 36. Ribeirão dos Couros, exutório da microbacia de estudo

Figura 37. Córrego sem intervenção e com má qualidade de água

Fonte: Fotos da autora, 2019.

Fonte: Fotos da autora, 2019.

O segundo trecho do afluente consiste da Estrada Samuel Aizemberg até o encontro dos outros dois corpos d’água que o compõem, entre a Estrada Particular Eiji Kikuti e 95


a Rua Maria Messias dos Santos. Esse trecho é marcado pela canalização do córrego em formato retangular, com revestimento de concreto. A avenida neste trecho possui dois sentidos, divididos pelo córrego, com grande desnível entre as faixas que vão sentido Diadema e as faixas que seguem sentido Conjunto Três Marias. Ambos os sentidos são contemplados por três faixas e calçadas de 2 a 2,5 metros, com velocidade da via de 40 km/h. A pista com sentido Conjunto Três Marias possui usos predominantemente residenciais de 2 a 3 pavimentos. A Região do Jd. Nazareth, à direita da Av. Juscelino Kubistchek, possui ocupação habitacional mais precária. A pista no sentido Diadema apresenta residências que em suas garagens oferecem usos complementares, como comércio e serviços locais (vendinhas, cabeleireiro, dentre outros).

Figura 38. Av. Juscelino Kubitschek sentido bairro, desnível entre um sentido e outro da via

Figura 39. Canalização retangular em concreto

Fonte: Fotos da autora, 2019.

Fonte: Fotos da autora, 2019.

96


Figura 40. Canalização retangular em concreto

Figura 41. Região do Jd. Nazareth ao fundo

Fonte: Fotos da autora, 2019.

Fonte: Fotos da autora, 2019.

A Estrada Particular Eiji Kikuti apresenta em seu percurso usos e ocupações do solo variadas, com presença de conjuntos habitacionais, industrias, áreas não edificadas, favelas e cortiços. O trecho do córrego pertencente a área de projeto do Conjunto Três Marias sofreu canalização do leito menor e maior em formato retangular em concreto, junto a uma margem vegetada associada ao Parque Linear, com área aproximada de 2 hectares. A continuação do córrego e outro afluente encontram-se em galeria, sendo que uma das nascentes está aterrada sob uma grande área não edificada, que consiste em estacionamento de caminhões de carga e a outra nascente está em área particular onde não foi possível ter acesso.

Figura 42. Conjunto Habitacional 3 Marias e Parque Linear Fonte: Fotos da autora, 2019.

Figura 43. Canalização retangular em concreto e margem vegetada Fonte: Fotos da autora, 2019. 97


Figura 44. Canalização retangular em concreto e margem vegetada Fonte: Fotos da autora, 2019.

O último trecho visitado, da Rua Maria Messias dos Santos, apresenta em uma parte, canalização retangular com concreto, com margens estreitas vegetadas, e em outra parte, apresenta canalização retangular com concreto, onde as margens foram ocupadas pelas vias. Ao longo da via foram encontrados conjuntos habitacionais, residências, comércio e serviços locais, assim como, uma praça com alguns equipamentos de lazer e de saúde física.

Figura 45. Trecho do córrego com margem vegetada

Figura 46. Canalização retangular em concreto

Fonte: Fotos da autora, 2019.

Fonte: Fotos da autora, 2019.

98


Figura 47. Praça e conjunto habitacional ao fundo Fonte: Fotos da autora, 2019.

As obras de macrodrenagem da área de estudo são baseadas nos princípios convencionais da Drenagem Urbana, pelo uso do concreto, da retificação e formato retangular, o que promove o aumento da condutividade hidráulica, somente transferindo os riscos de inundação a jusante. Além de se caracterizar como aspecto negativo na paisagem urbana e oferecer riscos em casos de inundações devido às altas velocidades que as águas podem desenvolver no canal.

Figura 48. Canalização na Av. Juscelino Kubistchek

Figura 49. Canalização – Parque Linear no Conjunto Três Marias

Fonte: Fotos da autora (2016).

De forma geral os córregos da microbacia, devido ao tratamento convencional que receberam, se constituem em barreiras, visto que as ações investidas pelo poder 99


público não propuseram soluções de integração da infraestrutura à paisagem urbana, não foram implantados ao longo dos córregos pontos de encontros, travessias amigáveis e permeabilidade entre um lado e outro da microbacia. Assim como, notouse que a conformação espacial dos conjuntos habitacionais existentes é fechada neles mesmos, com baixa integração com o bairro e a microbacia. Figura 50. Travessia de pedestre sobre o córrego

Fonte: Fotos da Autora, 2019.

3.5 Síntese do diagnóstico da microbacia A partir da análise dos dados existentes sobre a microbacia, do ponto de vista físico, socioeconômico e urbanístico-ambiental, junto às vistorias realizadas ao território, foi possível a compreensão sobre alguns aspectos das dinâmicas da área estudada. A microbacia afluente do Ribeirão dos Couros localiza-se entre a região central de São Bernardo do Campo e a periferia, estando nos limites com Diadema e com a Área de Proteção e Recuperação aos Mananciais. É um território com presença de assentamentos precários, conjuntos habitacionais e galpões industriais, onde sua população, de modo predominante, possui rendimento abaixo de R$ 1200 mensais e convive com densidades habitacionais altas. Assim é uma bacia com vulnerabilidades socioeconômicas.

100


Mesmo com a presença de algumas áreas de lazer, como campos de futebol, praças e o parque linear próximo ao Conjunto Três Marias, é uma área com carência de equipamentos de cultura e lazer, assim como, carente de áreas permeáveis e verdes. As infraestruturas de micro e macrodrenagem existentes na microbacia são, predominantemente, características do tratamento convencional de drenagem urbana, com canais retangulares em concreto e profundos, junto às avenidas de fundo de vale. A infraestrutura de mobilidade urbana favorece mais ao transporte individual motorizado do que ao transporte ativo e coletivo, visto a presença de calçadas pequenas, ausência de infraestrutura cicloviária, presença de estacionamento na via. Contudo, mesmo com baixa oferta, nas visitas in-loco realizadas em 2016 e em 2019, notou-se pessoas caminhando e pedalando na região, o que demonstra o sistema existente é incompatível com as dinâmicas locais. Compreende-se as limitações do presente estudo, onde ressalta-se que seria relevante o envolvimento com a população local para entendimento mais aprofundado de suas demandas dentro da temática estudada, assim como, seriam necessárias análises de tantas outras variáveis, como avaliações geotécnicas e de riscos, avaliação aprofundada da rede existente de esgoto e de drenagem, dentre outras. Contudo, considerando-se o que foi aqui desenvolvido, o diagnóstico é finalizado pela Figura 51, onde entendese por áreas de interesse ambiental as áreas potenciais para desenvolvimento de ações voltadas à recuperação ambiental e promoção de áreas verdes, permeáveis e projetos que permitam o alinhamento com oferta de espaços de lazer e cultura; e áreas de interesse social, como aquelas onde deve-se promover melhorias urbanísticas e habitacionais.

101


Figura 51. Síntese urbanístico-ambiental Fonte: Elaboração própria (2019).

102


Capítulo 4 – DIRETRIZES PARA MICROBACIA AFLUENTE DO RIBEIRÃO DOS COUROS A partir do diagnóstico foram desenhadas diretrizes gerais e específicas para a ocupação e o manejo de águas urbanas da microbacia afluente do Ribeirão dos Couros, tendo como objetivo o desenvolvimento sustentável urbano e a promoção da melhoria de vida da população local, sob o ponto de vista da justiça socioambiental, da disseminação dos princípios permaculturais e das ecotécnicas de drenagem urbana. 3.5.1 Diretrizes Gerais As diretrizes gerais estão agrupadas em três eixos temáticos: (i) uso e ocupação do solo; (ii) mobilidade urbana; (iii) saneamento ambiental. (i) Uso e Ocupação do Solo •

Ocupação do solo de maior equilíbrio entre espaço construído e espaço permeável;

Aumento da permeabilidade do solo em toda microbacia adotando-se ecotécnicas de drenagem urbana e implementando programa de sistema de áreas verdes e azuis;

Elaboração e execução de programas de requalificação dos conjuntos habitacionais existentes, com objetivo de promoção de melhorias urbanísticas, assim como, aproximar a população dos corpos d’água;

Elaboração e execução de programas de urbanificação urbana e regularização fundiária de assentamentos precários;

Elaboração e execução de projetos de mobiliário urbano para as vias, praças e parques da microbacia;

Implantação de Centro Permacultural. (ii) Mobilidade Urbana

Priorização do transporte ativo nas ações de mobilidade urbana local; 103


Implementação, junto ao sistema de áreas verdes e azuis, de infraestrutura cicloviária;

Melhorias nas condições de caminhabilidade do pedestre.

Promoção de condições adequadas para acesso ao transporte coletivo;

Reestruturação viária para comportar os projetos de tratamento dos corpos hídricos da microbacia;

Promoção de conexões e travessias de pedestres ao longo dos córregos e entre as partes baixas e altas da microbacia. (ii) Saneamento ambiental

Elaboração e execução de programas e projetos de esgotamento sanitário da microbacia, com objetivo de atingir 100% de coleta de esgoto e implantação de Estação de Tratamento de Esgoto em 15 anos;

Implementação de três ecopontos;

Tratamento de pontos viciados de descarte inadequado de resíduos sólidos, por meio de oferta de uso para essas áreas;

Reciclagem e reaproveitamento de resíduos sólidos da construção civil nos tratamentos e contenção das margens dos corpos d’água e taludes;

Implementação de sistema de áreas verdes e azuis como forma de manejo de águas urbanas;

Elaboração e execução de programas de tratamento dos corpos hídricos da microbacia;

Inclusão de ecotécnicas de drenagem urbana em projetos viários;

Promoção de medidas de controle na fonte por meio de programas de incentivo fiscal para residências e comércios;

Implementação de projetos permaculturais nas escolas e implementação de medidas de controle na fonte em equipamentos institucionais públicos; 104


Implementação de programas de ações de educação ambiental.

3.5.2 Diretrizes Específicas As diretrizes específicas foram desenvolvidas pautadas sobre o Sistema de Áreas Verdes e Azuis. Entende-se como Sistema de Áreas Verdes e Azuis todas as áreas verdes existentes na microbacia como praças, parques e fragmentos de áreas verdes, junto as áreas livres possíveis de serem transformadas em novas áreas verdes e permeáveis; e também, as áreas azuis compreendidas pela hidrografia e suas margens, conforme mostra a Figura 52, e em microescala também devem ser entendidas como áreas azuis as linhas de drenagem pluviais.

Figura 52. Sistemas de áreas verdes e azuis Fonte: Elaboração própria (2019). 105


A partir deste conceito de sistema é possível pensar as infraestruturas verdes e azuis como estruturadoras do território, possibilitando a compreensão sobre a permeabilidade e capacidade de retenção das águas pluviais, entendendo essas áreas como prioritárias para a implementação de ecotécnicas de drenagem urbana e fomentando ações que garantam a oferta do maior número possível de serviços socioambientais. A promoção de serviços socioambientais pelo Sistema de Áreas Verdes e Azuis depende de algumas transformações das condições dos corpos d’água e suas margens. Assim, as diretrizes específicas do tratamento de corpos hídricos da microbacia estão divididos em duas fases: •

Fase I - reabilitação dos corpos d’água e das nascentes da microbacia: esta fase tem como objetivo, junto ao processo de promoção de esgotamento sanitário da microbacia, promover a recuperação dos corpos d’água e nascente, por meio do destamponamento de áreas prioritárias, a citar a nascente tamponada, e restabelecendo as suas condições sanitárias;

Fase II - revitalização dos corpos d’água e das nascentes: a partir das condições sanitárias restabelecidas, do destamponamento das outras áreas, esta etapa visa integrar como infraestrutura verde e azul na paisagem urbana os córregos e nascentes da microbacia, promovendo um ambiente de melhor qualidade que possa se constituir em espaço de conservação ambiental, espaço cultural, de lazer e de educação ambiental.

106


Capítulo 5 – PERMACULTURA COMO PROJETO PARA MANEJO DE ÁGUAS URBANAS O projeto proposto para a microbacia afluente do Ribeirão dos Couros inserese dentro das diretrizes definidas no presente trabalho e foi desenhado a partir de uma leitura mais específica do território. Por meio da identificação de tipologias de uso do solo e viárias foi definido o Plano de Massas para a microbacia. E assim, definida a área de detalhamento, cujo critério adotado foi a seleção de uma parcela do território com presença de todas (ou quase todas) as tipologias mapeadas. Ressalta-se que a área de intervenção é toda a microbacia e que a área de detalhamento foi feita para ilustrar as medidas possíveis para cada tipologia identificada.

Figura 53. Definição da área de detalhamento Fonte: Elaboração própria, 2019.

Após a definição da área de detalhamento, foi desenhado o caminho das águas, para entender a dinâmica nos fluxos das águas para a parcela selecionada. Então, com as tipologias definidas foi realizada a busca por referências para serem definidas e desenhadas as propostas. O presente capítulo está dividido em dois tópicos, em que o primeiro apresenta o Plano de Massas, a área de detalhamento e o caminho das águas, e o segundo, apresenta as propostas para área selecionada. 107


5.1 Plano de massas e leitura do território A elaboração do Plano de Massas considerou os aspectos de ocupação do solo, a partir da leitura dos lotes e das características das vias, que foram classificadas por largura e características de entorno (presença ou ausência de corpo hídrico, por exemplo). A síntese do Plano de Massas está apresentada pela Figura 54 a seguir.

Figura 54. Plano de Massas Fonte: Elaboração própria (2019).

O Tabela 9 apresenta as tipologias de ocupação do solo e o Tabela 10 apresenta as tipologias viárias.

108


Tabela 9. Plano de Massas - Tipologias de ocupação do solo

Tipo 1 Ocupação do solo densa, alto grau de impermeabilização, presença de vielas.

Fonte: Google Earth (2019).

Tipo 2 Conjuntos

habitacionais,

ocupação

verticalizada e menos densa, presença de alguma área livre.

Fonte: Google Earth (2019).

Tipo 3 Galpões ou grandes equipamentos

Fonte: Google Earth (2019).

109


Tipo 4 Taludes ou espaços com presença de declividade com áreas livres ou verdes.

Fonte: Autora (2019).

Tipo 5 Áreas com vegetação ou praças.

Fonte: Autora (2019).

Tipo 6 Áreas livres (parcialmente impermeabilizadas).

Fonte: Autora (2019).

110


Tabela 10. Plano de Massas - Tipologias viรกrias

Tipo A Rua com largura maior que 6 metros.

Fonte: Google Earth (2019).

Fonte: Google Street View (2017).

Tipo B Rua com largura menor que 6 metros

Fonte: Google Earth (2019).

Fonte: Google Street View (2017).

Tipo C 111


Rua residencial com corpo d’água parcialmente alterado

Fonte: Google Earth (2019).

Fonte: Autora (2019).

Tipo D Avenida de fundo de vale, via larga, ccom corpo d’água canalizado (aberto ou fechado).

Fonte: Google Earth (2019).

Fonte: Autora (2019).

112


Fonte: Autora (2019).

Fonte: Autora (2019).

A partir das tipologias foi definida a รกrea de detalhamento, conforme indica a Figura 55, em que tal รกrea buscou-se englobar a maior parte das tipologias lidas no territรณrio.

113


Figura 55. Área de detalhamento Fonte: Elaboração própria (2019).

De forma a complementar a análise sobre as tipologias viárias, foi realizada para a área de detalhamento uma leitura da declividade das vias por meio de perfis de elevação elaborados no Google Earth (ver Tabela 11). A síntese desta análise está apresentada pela Figura 56 a seguir.

114


Figura 56. Declividade média das vias da área de detalhamento Fonte: Elaboração própria (2019). Tabela 11. Declividades médias por via

Via

Declividade Média (%)

Rua Jorge de Moura

10%

Rua Angela M. Bonício

12%

Rua Maria Akano

12%

Rua Manoel Messias

14%

Rua Paraguaçu Paulista

7%

Rua Edson M. Santos

13%

Rua 1

10%

Rua Faustino Negri

6%

Travessa São Paulo

12%

Rua Mario Jorge Franciscon

6%

Fonte: Elaboração própria com dados do Google Earth (2019).

115


A Figura 57 apresenta os fluxos das águas identificados para a área. As vias tipo A e B cortam as curvas de nível, favorecendo maior fluxo de água por elas, devido a declividade mais acentuada e a preferência como linhas de drenagem. A via Rua Jorge de Moura consiste em linha de drenagem natural do terreno, sendo condutora principal das águas pluviais na área analisada, em seus primeiros 85 metros de comprimento, a partir de sua cota mais alta, apresenta declividade média de 14%, e após, até o encontro com a Travessa São Paulo, apresenta declividade média de 6%. A Rua Faustino Negri representa o divisor de águas da região analisada, onde parte da água segue pela própria via e outra parte verte para o parque linear do Conjunto Habitacional Três Marias. A área impermeabilizada, onde foi localizada a existência de uma nascente que está atualmente tamponada, é formada por estrutura côncava (onde localiza-se a nascente) e convexa.

116


Figura 57. Caminhos preferenciais da água na área de detalhamento Fonte: Elaboração própria (2019).

117


5.2 Propostas de Intervenção A leitura dos princípios permaculturais contribuiu no entendimento que os recursos naturais, como os corpos hídricos são estruturadores do território, que o planejamento deve ocorrer a nível da microbacia, buscando a ordem cíclica de fluxo de matéria e energia, com adoção de elementos naturais e soluções mais adaptáveis às respostas de sua implementação. Somado a isso, na busca por espaços urbanos mais amigáveis para as pessoas e sob a premissa do desenvolvimento urbano planejado junto aos aspectos de mobilidade, considerou-se também como premissas para sua elaboração: •

A rua como unidade básica do espaço urbano, por meio da qual as pessoas vivenciam as cidades;

Espaço democrático para os diferentes modos de deslocamento, com priorização para os modos não motorizados;

Estrutura viária como ecossistemas, sendo ambientes potenciais para implantação de infraestrutura verde;

Multifuncionalidade dos elementos;

Complementaridade entre as funções.

As intervenções foram divididas entre taludes e áreas livres, conforme apresentado a seguir. O primeiro grupo abarca a proposta para o Parque Linear do Conjunto Habitacional 3 Marias, o Parque da Nascente e o talude do Conjunto Habitacional 3 Marias. O segundo grupo abarca quatro intervenções-tipo para a estrutura viária.

118


Tabela 12. Taludes e áreas livres

Parque Nascente Características da área

Medidas propostas

Nascente tamponada e área impermeabilizada.

Recuperação da nascente e conservação desta; Implementação de circuito de caminhada suspenso, para conservação da nascente; Bacia de retenção (alagado confluência dos corpos d’água;

construído)

na

Implantação do Centro Permacultural. Parque Linear Características da área

Características da área

Canalização retangular em concreto do leito menor e maior, com margens vegetadas.

Leito maior com degraus com manta e vegetação; Uso de Resíduos de Construção e Demolição tratados e em diferentes tamanhos no leito menor para contenção de talude; Implantação de biovaletas e jardim de chuva nas curvas de nível; Inclusão de áreas de convívio e espaços de lazer; Jardim filtrante nas áreas de acúmulo de sedimentos no corpo d’água.

Talude Características da área

Medidas propostas

Grande declividade, instabilidade e erosão, problemas de microdrenagem, confere risco

Contenção do talude por meio de escada hidráulica com vegetação e patamares que reduzam o fluxo de água da chuva. Criação de novas passagens de pedestres entre o Conjunto Três Marias e Avenida Fênix.

119


Figura 58. Esquema ilustrativo do Parque Nascente Fonte: Elaboração própria (2019).

Figura 59. Exemplo de áreas de lazer e encontro Fonte: Elias Gardner. Disponível em: https://i.pinimg.com/originals/0d/7b/12/0d7b12953e0deef4b1d86d7b353912ae.jpg

120


Figura 60. Imagem de referência para Parque Linear Fonte: Michael Van Valkenburgh Associates Inc. Disponível em: http://www.mvvainc.com/m/projects/3/99

Figura 61. Imagem de referência para formação de valas de infiltração e jardim de chuva no Parque Linear Fonte: Street Garden Alliance, 2017,

121


Figura 62. Imagens de referência para proposta de contenção de talude e aproveitamento como área livre e verde Fonte: Giardinaggio.org Tabela 13. Tipologias viárias

Tipo A Características da área

Medidas propostas

Vias residenciais;

Via com tráfego compartilhado com segregação de piso;

Largura maior que 6 metros.

Condutor pluvial no meio do viário; Pavimento permeável no trecho de pedestre; Lombada com grelha para reduzir a velocidade da água nos trechos de maior declividade; Bolsões com biovaletas híbridas nos cruzamentos com vias que aportam grande quantidade de água pluvial.

Tipo B Características da área

Medidas propostas

Vias residenciais;

Via com tráfego compartilhado sem segregação;

Largura estreita.

Condutor pluvial no meio do viário; Pavimento permeável; Lombada com grelha para reduzir a velocidade da água nos trechos de maior declividade; Jardins verticais nos muros. 122


Tipo C Características da área

Medidas propostas

Vias residenciais;

Via com tráfego compartilhado;

Presença de corpo d’água parcialmente alterado.

Pavimento permeável; Leito menor natural e leito maior vegetado; Biovaletas para garantir proteção às casas; Trincheiras de infiltração com árvores.

Tipo D Características da área

Medidas propostas

Vias com usos mistos;

Via com tráfego segregado e implantação de ciclovia;

Presença de corpo d’água canalizado (aberto/fechado).

Pavimento permeável nas calçadas; Trincheira de infiltração com árvores; Extensão de meio fio com biovaletas; Pontos de ônibus e mobiliário urbano com mecanismos de coleta, detenção e infiltração de água da chuva; Células de biorretenção próximas aos cruzamentos para coletar o escoamento das vias; Redução da profundidade do canal e diferença de cota entre o binário na Av. Juscelino Kubistchek: adoção de margens com degraus com manta e vegetação; Implantação de jardim filtrante em área de deposição de sedimentos no canal; Implantação de passarelas e passagens pelo rio.

123


Figura 63. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário A Fonte: Elaboração própria, 2019.

124


Figura 64. Imagem de referência de infraestrutura a ser instalada em cruzamentos com maior contribuição de água da chuva Fonte: CBD Raingardens project in Bellingham Washington. Disponível em: https://i.pinimg.com/originals/a9/a5/30/a9a530eb7f4e215a89bdcc7276beb462.jpg

125


Figura 65. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário B Fonte: Elaboração própria, 2019.

126


Figura 66. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário C Fonte: Elaboração própria, 2019.

Figura 67. Esquema ilustrativo de proposta para tipo viário D Fonte: Elaboração própria, 2019.

127


Figura 68. Imagem de referência para pontos de ônibus com retenção de água da chuva Fonte: Prefeitura de Cuiabá.

Figura 69. Imagem de referência para passagens de pedestre pelo rio Fonte: InHabitat. Disponível em: https://inhabitat.com/how-the-cheonggyecheon-river-urban-design-restored-the-green-heart-ofseoul/cheonggyecheon-river-25/

128


6. CONSIDERAÇÕES FINAIS As problemáticas relacionadas às dinâmicas fluviais e pluviais em meio urbano extrapolam as causas, normalmente difundidas pelas grandes mídias e pelo senso comum, de serem oriundas principalmente do descarte inadequado de resíduos sólidos pela população ou de estarem associadas às chuvas em si. Como responsabilidade de uma futura profissional em Engenharia Ambiental e Urbana, a trajetória neste trabalho de graduação e anteriormente, desde a pesquisa científica, foi investigar, aceitando a complexidade do tema, a relação das dinâmicas fluviais e pluviais com as dinâmicas urbanas, buscando entender melhor como a engenharia trata, tratou e pode tratar o assunto, e como a produção do espaço urbano imprime padrões desiguais no ambiente e gera vulnerabilidades socioambientais. O presente trabalho considera que os padrões de urbanização estão superados e saturados, as soluções tradicionais de drenagem não são mais suficientes, dada as tantas incertezas envolvidas no meio urbano que não conferem a engenharia tanto controle sobre a natureza e que as tecnologias, por elas mesmas, não garantem proteção contra os eventos de inundação e alagamento. Tão como a legislação ambiental não é suficiente, por si só, de garantir a conservação ambiental e promover algum grau de proteção e bem-estar humano. Ressalta-se, então, que os eventos de inundação e alagamento possuem associação com os aspectos urbanísticos do desenvolvimento urbano (ocupação das margens dos corpos d'água e intensa impermeabilização do solo) e tem relação com a engenharia aplicada nas soluções (canalização e retificação dos rios, microdrenagem baseada somente em escoamento superficial). Tais eventos também estão associados ao longo do histórico de uma relação construída como conflituosa com as águas urbanas, junto ao discurso de conflitos entre vulnerabilidades sociais e ambientais, quando na verdade, estas caminham juntas e são resultado de um processo capitalista periférico de ocupação do solo, que 129


restringe o acesso da população de menor renda às terras urbanas bem infraestruturadas e com menores, ou nenhum, riscos ambientais. Ao passo que, inovações tecnológicas e melhores soluções ambientais são aplicadas às terras bem infraestruturadas, aumentando o potencial de valorização imobiliária, o que reforça ainda mais as desigualdades socioambientais. Pela busca de mudanças para as relações entre ambiente natural e construído, com interesse em outras formas de planejar, construir e transformar as cidades, o presente trabalho de graduação foi buscar na permacultura, soluções para e por uma engenharia mais respeitosa e humilde. Ao longo do trabalho, notou-se que os princípios éticos e de desenho da permacultura possuem semelhanças com a drenagem moderna (medidas compensatórias em drenagem, LIDS, SUDS, etc.). Ambos abordam a importância do tratamento cíclico dos fluxos de massa e de energia, a drenagem moderna defende a bacia hidrográfica como unidade de planejamento e a água como elemento estruturador. A permacultura acrescenta a isso a defesa da importância da localização dos elementos, da variedade desses e da multifuncionalidade de funções e do uso de elementos biológicos. Mas principalmente, permite outra visão para a engenharia, no sentido de se planejar soluções que sejam menos permanentes e mais adaptáveis às respostas das dinâmicas existentes e de pós-implementação, respeitando as incertezas, entendendo os limites das ações antrópicas sobre as dinâmicas naturais e aprendendo a conviver com elas de modo mais sustentável. Além disso, a permacultura permite pensar as soluções junto a comunidade, de forma participativa e atraindo agentes a mais para auxiliarem no cuidado com o território. Somado ao fato que em áreas com nenhuma ou pouca infraestrutura instalada apresentam ainda mais potencial para se gerar outros padrões de tratamento dos corpos d’água e de microdrenagem e novas relações dos rios com a paisagem.

130


7. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALENCAR, J.C. - Potencial de corpos d'água em bacias hidrográficas urbanizadas para renaturalização, revitalização e recuperação. Um estudo da bacia do Jaguaré. Tese de doutorado apresentada ao Programa de Pós-graduação em Engenharia Civil da Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2017. BARROS, B. R. Permacultura e Desenvolvimento Urbano: Diretrizes e Ações para a Sustentabilidade Socioambiental em Loteamentos de Interesse Social. Dissertação de Mestrado pelo Programa em Dinâmica do Espaço Habitado - Universidade Federal de Alagoas, UFAL, 2008. BARROS, B. R.; DE SOUZA, F. A. M. Espaço Urbano e Preservação Ambiental: Estudo de Práticas Permaculturais na Produção de Assentamentos de Interesse Social. In: IV Encontro Nacional e II Encontro Latino-Americano sobre Edificações e Comunidades Sustentáveis, 2007, Campo Grande. Anais.... Campo Grande: ANTAC, 2007. p. 11921201. CANHOLI, Aluísio P. Drenagem Urbana e Controle de Enchentes. São Paulo, Oficina de Textos, 2005. CARULLI, Ellen E. A prestação de serviços socioambientais em áreas de preservação permanente no município de São Bernardo do Campo. Relatório de Iniciação Científica, UFABC, Santo André, 2016. COSTA, Lucia Maria Sá Costa (org.). Rios e Paisagens urbanas em cidade brasileira. Rio de Janeiro: Viana et Mosleu: ed. PROURB, 2006. CRUZ, M. A. S.; SOUZA, C. F.; TUCCI, C. E. M. Controle da drenagem urbana no Brasil: avanços e mecanismos para sua sustentabilidade. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007, São Paulo. Anais do XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, 2007. DE GROOT, R.S., WILSON, M.A.. BOUMANS, R.M.J., 2002. A typology for the classification, description, and valuation of ecosystem functions, goods and services. 131


Ecological Economics 41, 393-408. DIAS, F. S.; ANTUNES, P.T.S.C. Estudo comparativo de projeto de drenagem convencional e sustentável para controle de escoamento superficial em ambientes urbanos. Trabalho de conclusão de curso em Graduação em Engenharia Civil - Escola Politécnica, Universidade Federal do Rio de Janeiro, UFRJ, Rio de Janeiro, 2010. FISHER, B., TURNER, R.K., 2008. Ecosystem services: Classification for valuation. Biological Conservation 141: 1167-1169. GRACIOSA, M. C. P. Trincheiras de Infiltração como Tecnologia Alternativa em Drenagem Urbana: Modelagem Experimental e Numérica. Dissertação de Mestrado em Engenharia Hidráulica e Saneamento da Universidade de São Paulo, Universidade de São Paulo, São Carlos - SP, 2005. GRACIOSA, M. C. P. Modelo de seguro para riscos hidrológicos com base em simulação hidráulico-hidrológica como ferramenta de gestão de riscos de inundações. Tese de doutorado - Escola de Engenharia de São Carlos, Universidade de São Paulo, São Carlos - SP, 2010. GONÇALVES, L.M.; SOUZA, E. R. . Ecotécnicas de drenagem urbana: urbanização de impacto ambiental reduzido. In: III Simpósio de pós graduação em Engenharia Urbana, 2012, Maringá -PR. Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana. Maringá-PR: Universidade Estadual de Maringá, 2012. v. 1. p. 97-97. HOLMGREN, D. Permacultura: princípios e caminhos além da sustentabilidade tradução por Luzia Araújo. Via Sapiens, Porto Alegre, 2013. HOLMGREN, D., MOLLISON, B. Permaculture One. Australia, Eco-Logic Books, 1990. MAGRINI, R. V. Permacultura e soluções urbanas sustentáveis. Monografia de conclusão do Curso de Bacharelado em Geografia do Instituto de Geografia da Universidade Federal de Uberlândia, Minas Gerais, 2009. MARICATO, E. Metrópole na periferia do capitalismo: Ilegalidade, desigualdade e violência. São Paulo: Hucitec, 1996. 132


MARS, R. O design básico em Permacultura - tradução por Potira Preiss. Via Sapiens, Porto Alegre, 2008. MATHIAS DA SILVA, K. R., SILVA, L. F. Proposição de projeto ambiental urbano a partir da elaboração de diagnóstico para microbacia que intercepta os bairros Jardim Santa Filomena, Jardim União e Vila Josefina no Município de Franco da Rocha – SP. Trabalho de Conclusão de Curso de Bacharelado em Engenharia Ambiental e Urbana da Universidade Federal do ABC, Santo André, 2018. MELO, T. A. T. Jardim de chuva: sistema de biorretenção como técnica compensatória no manejo de águas pluviais urbanas. Dissertação apresentada ao Programa de Pós Graduação em Engenharia Civil da Universidade Federal do Pernambuco, Recife, 2011. MOLLISON, B.; SLAY, R. Introduction to Permaculture. Taguari Publications, Australia. 1991. Edição brasileira: Introdução à Permacultura. Brasília. Tradução Soares, A.L.J. 1998. 204p. NACTO – National Association of City Transportation Officials. Urban Street Stormwater Guide. Disponível em: https://nacto.org/publication/urban-streetstormwater-guide/. Acesso em: 13 dez. 2018. NRDC – Natural Resources Defense Council. Stormwater Strategies: Low Impact Development. 2001. Disponível em: <http://www.nrdc.org/water/pollution/storm/chap12.asp>. Acesso em: 01 abr. 2018. OLIVEIRA, A. P. ; GONÇALVES, L.M. ; Barbassa, Ademir. Aplicação de técnicas compensatórias de drenagem na requalificação de áreas verdes urbanas em Guarulhos - SP. Periódico Técnico e Científico Cidades Verdes, v. 4, p. 87-101, 2016. OLIVIERI, A. G.. A Teoria da Modernização ecológica: avaliação crítica dos fundamentos teóricos. Tese apresentada ao departamento de Sociologia da Universidade de Brasília, 2009. 133


PORTO, R. L. Escoamento Superficial Direto. In: TUCCI, C. E.M, PORTO, R. L. L & BARROS, M.. Drenagem Urbana. Porto Alegre: ABRH/ Editora da Universidade/ UFRGS, 1995. p. 107-165. PORTO GONÇALVES, C.W.P. A globalização da natureza e a natureza da globalização. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2006. PORTO GONÇALVES, C.W.P. Os (des)caminhos do meio ambiente. São Paulo: Contexto, 2006a. REDE NACIONAL DE CAPACITAÇÃO E EXTENSÃO TECNOLÓGICA EM SANEAMENTO AMBIENTAL - ReCESA. Águas pluviais : técnicas compensatórias para o controle de cheias urbanas : guia do profissional em treinamento : nível 2 e 3 / Ministério das Cidades. Secretaria Nacional de Saneamento Ambiental (org.). – Belo Horizonte : ReCESA, 2007. 52 p. REVISTA ÁGUAS E ENERGIA ELÉTRICA. Drenagem Urbana no ABCD Paulista. São Paulo: Divisão de Comunicação Social do Daee, 1998. REZENDE, O. M. ; MIGUEZ, M. G. ; VERÓL, A. P. . Manejo de Águas Urbanas e sua Relação com o Desenvolvimento Urbano em Bases Sustentáveis Integradas ? Estudo de Caso dos Rios Pilar-Calombé, em Duque de Caxias/RJ. REVISTA BRASILEIRA DE RECURSOS HÍDRICOS , v. 18, p. 149-163, 2013. ROSSI, E., GONÇALVES, L. M. Ecotécnicas de drenagem urbana: urbanização de impacto reduzido. In: Anais do III Simpósio de Pós-Graduação em Engenharia Urbana, Maringá - PR, 2012. SÃO PAULO (ESTADO), DAEE, CONSÓRCIO ENGER-PROMON-CKC. Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia Hidrográfica do Alto Tietê. São Paulo, DAEE, 1999. SANTOS, M. A urbanização brasileira. 1ª ed. São Paulo: Editora da Universidade de São Paulo, 1993.

134


SANTOS, A. R. A atual estratégia de combate a enchentes urbanas na região metropolitana de São Paulo é adequada? Folha de São Paulo, São Paulo, 27 dez. 2008b. SILVA, José A. Direito urbanístico brasileiro. São Paulo: Malheiros Editores, 1995. SILVA, L. F .M. Ilusão concreta, utopia possível: contraculturas espaciais e permacultura (uma mirada desde o cone sul). 2013 (Tese de Doutorado) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas da Universidade de São Paulo, Departamento de Geografia, São Paulo, 2013. SOUSA, C. S. S.; MORAIS, L. R.; ALMEIDA, F. Estudo sobre técnicas compensatórias de drenagem urbana: um estudo de caso na revitalização do córrego Cascavel. Revista Nacional de Gerenciamento de Cidades, v. 3, p. 111-134, 2015. SOUZA, C. F.; CRUZ, M. A. S. ; TUCCI, C. E. M. Controle da Drenagem Urbana no Brasil: avanços e mecanismos para sua sustentabilidade. In: XVII Simpósio Brasileiro de Recursos Hídricos, São Paulo, 2007. SOUZA, C. F.; CRUZ, M. A. S. ; TUCCI, C. E. M. Desenvolvimento Urbano de Baixo Impacto: Planejamento e tecnologias verdes para a sustentabilidade das águas urbanas. Associação Brasileira de Recursos Hídricos (A B R H), v. 17, p. 9-18, 2012. SWYNGEDOUW, E.; KAIKA, M. Urban Political Ecology. Great Promises, Deadlock… and New Beginnings? Documents d’Anàlisi Geogràfica, v. 60, 2014. TAVANTI, D.R. Desenvolvimento de baixo impacto aplicado ao processo de planejamento urbano. Dissertação de Mestrado em Engenharia Urbana - Centro de Ciências Exatas e Tecnologia, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos, 2009. TRAVASSOS, L. Revelando os rios: Novos paradigmas para a intervenção em fundos de vale urbanos na Cidade de São Paulo. 2010 (Tese de Doutorado) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2010.

135


TRAVASSOS, L. R. F. C.; CARULLI, E. E. . Manejo de águas urbanas e habitação de interesse social: questões de planejamento e projeto. In: Anais do II Seminário Nacional sobre Urbanização de Favelas. URBFAVELAS., 2016, Rio de Janeiro. TRAVASSOS, L. R. F. C.; PENTEADO, C. ; FORTUNATO, I. . Urbanização desigual: rios, mídia e modernização ecológica. ESPACIO ABIERTO (CARACAS. 1992), v. 26, p. 61-81, 2017. TUCCI, C. E. M. Inundações Urbanas. In: TUCCI, C. E.M, PORTO, R. L. L & BARROS, M.. Drenagem Urbana. Porto Alegre: ABRH/ Editora da Universidade/ UFRGS, 1995. p. 15-37. UNITED STATES. Department of Defense [USDoD]. Unified Facilities Criteria (UFC) Design: Low Impact Development Manual. 96 p. 2004. VILLAÇA, F. O que todo cidadão precisa saber sobre habitação, São Paulo, Global Editora, 1986. VILLAÇA, F. O espaço intra-urbano no Brasil. São Paulo: Studio Nobel, p.141-153; p. 311-326, 1998.

136


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.