Manejo de Águas Urbanas e Habitação de Interesse Social

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Seminário URBFAVELAS 2016 Rio de Janeiro - RJ - Brasil

MANEJO DE ÁGUAS URBANAS E HABITAÇÃO DE INTERESSE SOCIAL: QUESTÕES DE PLANEJAMENTO E PROJETO

Luciana Travassos (UFABC) - luciana.travassos@ufabc.edu.br Professora Adjunta do Centro de Engenharia, Modelagem e Ciências Sociais Aplicadas. Bacharelado em Ciências e Humanidades e Bacharelado em Planejamento Territorial

Ellen Emerich Carulli (UFABC) - emerich.carulli@gmail.com Graduanda em Engenharia Ambiental e Urbana


Manejo de águas urbanas e habitação de interesse social: questões de planejamento e projeto

RESUMO Esse artigo busca contribuir para a compreensão da interação entre as questões habitacionais e ambientais, com enfoque para o tratamento de fundos de vale e para o manejo de águas urbanas, nos âmbitos de planejamento e projeto de habitação, considerando que a relação de exclusão entre natureza e cidade se encontra em processo de mudança conceitual, caminhando para uma relação mais orgânica e integrada. Para tanto, também é necessário analisar a construção da intersetorialidade nas políticas públicas, aspecto essencial para a atuação conjunta no território. O estudo de caso foi realizado no município de São Bernardo do Campo, considerando no âmbito do planejamento, o Plano Municipal de Drenagem e o Plano Local de Habitação de Interesse Social, e como projeto, a obra do Conjunto 3 Marias, no bairro Cooperativa. O artigo tem como premissa que a conexão entre esses dois níveis de ação pública podem resultar em soluções que visem, ao mesmo tempo, assegurar a conservação ambiental e a justiça social. Palavras-chave: produção habitacional, planos e projetos, manejo de águas urbanas, qualidade socioambiental, fundos de vale.

1. INTRODUÇÃO A dinâmica de expansão urbana brasileira seguiu uma tendência de subjugamento das áreas naturais, pautada por paradigmas tecnicistas e higienistas, que junto ao crescimento populacional intenso, com periferização da camada mais pobre da população e o espraiamento das manchas urbanas, teve como consequência uma péssima qualidade ambiental nas cidades. Nestas condições, os espaços da natureza e o espaço urbano, em especial, as periferias, disputam território, e a relação ambiente e cidade se dá sob a lógica de exclusão e sob o discurso de conflito. Contudo, desde o final do século passado avançou-se a discussão sobre novas possibilidades de uma construção harmoniosa entre ambiente e cidade. Também é necessário ressaltar que a origem dessa relação está no processo de urbanização das metrópoles brasileiras, que aconteceu, por um lado, baseado na autoconstrução pela industrialização a baixos salários1 e por outro, na concentração da população de renda mais alta em áreas valorizadas com infraestrutura disponível2. As 1 2

Villaça (1986) Villaça (1998)


influências do mercado imobiliário e as dinâmicas de segregação socioespacial sobre a estruturação e produção do espaço urbano induziram processos de periferização de boa parte da população de baixa renda e ocupação de áreas de altíssima vulnerabilidade socioambiental, visto que esta população foi impossibilitada do acesso as áreas centrais e das áreas providas de infraestrutura, conformando a disputa entre conservação ambiental e habitação de interesse social e deslocando o foco de debate do conflito de fato, que é a desigualdade de direito à cidade com infraestrutura e condições ambientais adequadas à ocupação. Os fundos de vale3 foram ocupados e impermeabilizados, parte por avenidas e pela cidade formal, nas áreas mais valorizadas e com infraestrutura adequada, mas serviram e servem de local de moradia para a população mais vulnerável. As vertentes de suas bacias também foram intensamente ocupadas e impermeabilizadas, o que intensificou a frequência e a intensidade das inundações. Consequentemente, essas inundações afetam diretamente a população vulnerável, social e ambientalmente, que habita, em assentamentos precários, os fundos de vale. Portanto, é importante destacar que a relação habitação versus ambiente natural não ocorre de maneira concorrente, as demandas sociais e ambientais são relegadas pela urbanização resultante do sistema capitalista4, resultando na urbanização precária de áreas de interesse ambiental. Ou seja, a vulnerabilidade social não está dissociada da vulnerabilidade ambiental, e vice-versa. Quando a urbanificação5 chega a esses territórios, as intervenções ainda se concretizam de maneira setorializada, habitação, implantação de áreas verdes e intervenções em drenagem são pensadas e executadas de forma fragmentada. A produção habitacional apresenta evolução sobre o debate de tratamento das áreas verdes dentro dos projetos, porém, ainda pouco se alterou nas propostas de drenagem dentro dos projetos de urbanização de favelas e construção de novos conjuntos habitacionais. A manutenção do subjugamento de corpos d’água e suas margens dentro desses projetos nas metrópoles paulistas, principalmente, projetos de urbanização de favelas, são justificadas pela baixa disponibilidade de áreas públicas ou áreas livres para realização de projetos com melhor tratamento das áreas ciliares. Por mais que, de fato, essa disponibilidade de áreas seja um fator a ser considerado nos projetos, é necessário também considerar as diversas alternativas da drenagem que vem surgindo - algumas dessas alternativas serão apresentadas mais adiante por este artigo -, que possibilitam prover maior qualidade ambiental e social, bem como a manutenção de passivos ambientais resultantes de intervenções convencionais. O presente artigo busca contribuir para a compreensão sobre a relação entre as questões habitacionais e ambientais, com enfoque para o tratamento de fundos de vale e drenagem, nos âmbitos de planejamento e de projeto de habitação. Para tanto, também tratará da intersetorialidade, presente ou não, na ação pública sobre assentamentos precários e na construção de habitação de interesse social, em sua interface com áreas de interesse ambiental, entendendo que essa ação pública representa uma oportunidade para que novas relações entre ambiente construído e proteção ambiental sejam construídas. 3

Compreende-se como fundo de vale o sistema completo de rios, calhas menores e maiores, que se estendem até os terrenos secos. 4 Ainda que, contemporaneamente, essa urbanização pretenda recuperar nas áreas mais valorizadas, alguns atributos da natureza, essa acontece reproduzindo o padrão de desigualdade de acesso, advogando para si uma modernização ecológica sem justiça socioambiental. 5 A urbanificação consiste no processo deliberado de formação de solo urbano, ou de renovação de solo urbano, com implementação e adequação da infraestrutura (Silva, 1995). O termo urbanização engloba a urbanificação, e sendo mais amplo, é utilizado tanto para designar esses processos como processos espontâneos e incompletos de ocupação do solo em territórios urbanos (Travassos, 2010).


O estudo de caso foi realizado sobre o município de São Bernardo do Campo, considerando-se como instrumentos de planejamento, o Plano Municipal de Drenagem e o Plano Local de Habitação de Interesse Social, e como proje, a obra do Conjunto 3 Marias, no bairro Cooperativa. A conexão entre esses dois níveis podem resultar em soluções, seja para mais ou seja para menos, ambientalmente sustentáveis e socialmente justas. O município de São Bernardo do Campo é uma das cidades que compõe o ABC e está inserido na Região Metropolitana de São Paulo, consistindo em uma importante conexão entre a capital de São Paulo e os portos em Santos. Além do que, o município desenvolveu-se, principalmente, pelo processo de industrialização ocorrido no ABC, ao longo do eixo Tamanduateí e seus afluentes, em um primeiro momento, avançando para o divisor de água da bacia Billings e o ultrapassando, posteriormente. A presença da bacia Billings no município revela sua importância sobre parte da produção de água da RMSP6, que possui 37% de sua área inserida no limite administrativo do município, com isso, 53,7% da área total de São Bernardo do Campo pertence à área de proteção aos mananciais ou à vertente Atlântica, mais ao sul, protegida em grande parte pelo Parque Estadual da Serra do Mar. Situado sobre a Bacia Sedimentar de São Paulo, o município apresenta relevo suavizado de morros e espigões de alturas que atingem máximas de 986,50m e mínimas de 60m. Portanto, sua hidrografia é muito rica, formada pelas Bacias do Rio Tamanduateí, composta pelo Ribeirão dos Meninos e dos Couros e afluentes, cuja porção urbana considerada consolidada se desenvolveu, e do Rio Pinheiros, composta pelo represamento do Rio Grande e seus afluentes7. A cidade também apresenta diversas complicações em relação as questões habitacionais, contendo ocupações em áreas de risco por deslizamento e inundação e ocupação em áreas de manancial, sendo, então, relevante em ser estudada. O artigo está organizado em três momentos, em um primeiro instante serão trazidos aspectos teóricos sobre a relação entre planejamento urbano e proteção ambiental, com ênfase no tratamento dos fundos de vale e bacias, correlação entre escalas e conexão entre nível de planejamento e projeto, e modos de análise da produção habitacional, em um segundo instante serão apresentadas algumas soluções alternativas sobre drenagem urbana e por fim, será apresentado o estudo de caso focado em São Bernardo do Campo.

2. RELAÇÃO ENTRE MEIO AMBIENTE NATURAL e MEIO CONSTRUÍDO COM ENFOQUE NA PRODUÇÃO HABITACIONAL

AMBIENTE

Os fundos de vale se tornaram, nos últimos anos, lugares-chave para a intervenção urbana, uma vez que reúnem nos seus corpos d’água e margens uma série de demandas e possibilidades de urbanificação. É ali que se localiza uma parte importante dos assentamentos precários nas cidades médias e grandes, como é possível ver no relatório de assentamentos precários nas regiões metropolitanas, do Centro de Estudos da Metrópole8. Também é nos fundos de vale que os coletores-tronco do sistema de esgotamento sanitário precisam ser implantados, além de darem lugar à extravazão de água nas inundações. Em razão dessa última função e da ausência de áreas verdes nas

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A Represa Billings beneficia 1,8 milhões de habitantes e fornece 11% do abastecimento de água da RMSP (SABESP). 7 Prefeitura de São Bernardo do Campo, disponível em: http://www.saobernardo.sp.gov.br/prefeitura 8 Marques, 2007.


cidades, os fundos de vale também se apresentam como interessante possibilidade para a implantação de parques e áreas verdes9. Apesar dessa co-localização de demandas e possibilidades, observa-se um tratamento setorial em grande parte das intervenções em fundos de vale, o que tem como consequência a urbanificação incompleta, na qual as questões não são plenamente resolvidas, podendo, inclusive, acarretar a constituição de um novo passivo socioambiental, ao manter, por exemplo, moradias em áreas de inundação periódica ou ao canalizar, em galeria, um rio. Mais que isso, a forma que adquire esse tratamento está relacionada com as bases científicas tradicionais, que redundam em tecnologias ortodoxas, profundamente apoiadas em uma visão racionalista de controle da natureza. Tais abordagens não respondem adequadamente à complexidade dos problemas colocados. É necessário superar a compartimentação e simplificação dos conhecimentos, passando-se a adotar o pensamento complexo, como aponta Morin (2006). Leff (2003) complementa este pensamento a partir da proposição de substituição da racionalidade tecnológica ou econômica por uma nova racionalidade, a ambiental, na qual se integram a razão, a ética e o conhecimento sensível, com vistas à construção de um conhecimento interdisciplinar e complexo. Para Funtowicz& De Marchi (2003), as soluções devem surgir a partir da construção mútua por diversos saberes, sejam eles formais ou coletivos, tradicionais ou comunitários, resultando em uma “ciência pós-normal”. De fato, as ciências têm evoluído para considerar as incertezas inerentes à relação entre sociedade e ambiente natural, começando a rever os seus métodos e paradigmas, em especial pelo reconhecimento crescente dos efeitos para a vida humana da degradação ambiental. Com relação aos conhecimentos que dão suporte aos projetos de drenagem, é possível destacar o pensamento de Prigogine (1996), para quem o determinismo e a previsibilidade que caracterizavam o estabelecimento de leis científicas fundamentais vêm sendo revistos, o autor destaca a importância crescente, nas últimas décadas, da física dos processos de não-equílibrio, conceito que suporta a ideia de irreversibilidade e de sistemas dinâmicos instáveis, ou seja, o fato de que os eventos futuros não atendem à frequência e intensidade, ao padrão verificado no passado, dentre esses sistemas, destaca-se o clima e, como consequência, os padrões de pluviosidade. Para além dos fenômenos da natureza, que não podem ser controlados pela ação humana, embora sejam por elas modificados, a alteração do sistema natural, como o processo de impermeabilização e ocupação dos fundos de vale, aumenta de maneira intensa as incertezas dos modelos adotados para as soluções de drenagem urbana, pela própria dinâmica das cidades. Contudo, ainda que não houvesse intervenção humana, as próprias variáveis que influenciam o clima e o tempo são diversas e impossibilitam a previsibilidade perfeita sobre os eventos. Segundo Tavares (2010) os elementos do clima, temperatura, umidade e pressão atmosférica, variam no tempo e no espaço, em razão de fatores geográficos, portanto imutáveis, e fatores físicos de ocupação da área, vegetação e atividades antrópicas, que são completamente variáveis. Para Leff (2003), a mudança deve ser dada alterando o olhar para o ambiente e passando a ter a visão de processos por diversas ordens, física, biológica, termodinâmica, econômica, política e cultural. Com relação ao urbanismo, há uma série de movimentos que procuram responder de forma mais completa as demandas entre conservação ambiental e assentamentos humanos. Dentre esses movimentos, destacam-se a Arquitetura da Paisagem e o Ecourbanismo, cujas raízes podem ser identificadas em urbanistas como Ildefonso Cerdà, Olmstead, Charles Elliot, Patrick Geddes e Ebenezer Howard. Como destaca Travassos (2010), o Ecourbanismo assumiu como foco o planejamento regional, visando a criação 9

Travassos, 2010.


da paisagem como resultado do equilíbrio entre as áreas ocupadas e as áreas livres, beneficiando a comunidade ao considerar de forma interdependente os sistemas físico, ecológico e social. Até então, outras propostas de intervenções sobre a paisagem eram essencialmente higienistas: por mais que resultassem em boas soluções para a paisagem, cumpriam um papel ecológico limitado. A autora reforça ainda que a Arquitetura da Paisagem, por sua vez, é o mais forte movimento que trata essa relação, em várias escalas e de forma relativamente interdisciplinar, apesar de sua vinculação frequente com o paisagismo. Mais contemporaneamente, é interessante apontar o movimento de Urbanismo da Paisagem, em especial porque esse traz o aspecto da incerteza como atributo inerente ao processo de produção do espaço urbano, mesmo que projetado. A soma de incertezas, dessa forma, é fator para a concepção de um novo rol de planos e projetos urbanos. Além da incerteza, outro fator essencial para elaboração de um projeto de intervenção urbana, seja ele qual for, é a relação entre escalas. Mais especificamente, os projetos que lidam com rios e suas várzeas precisam assumir como premissa essa relação, visto que a rede de drenagem é um sistema complexo e que a ação sobre um trecho pode modificar o regime das águas e dos sedimentos à jusante e gerar diversos impactos socioambientais10. Portanto, adotando-se as bacias hidrográficas como unidades de planejamento e gestão, junto ao entendimento de escala local e regional, pode-se caminhar para soluções com maior efetividade, que assegurem qualidade de vida, segurança e a incorporação do ambiente natural, com suas funções, como elemento constitutivo e essencial dos ambientes urbanos. Em paralelo, um avanço conceitual importante para a drenagem urbana foi dado pelo surgimento das concepções sobre vazão de restrição e redução da condutividade hidraúlica, cujas premissas criticam a hidrologia urbana tradicional e adotam a ideia de reservação das águas pluviais e limitação das vazões dos corpos d’água para controle das inundações por bacia, reduzindo impactos a jusante. A partir disso, começam a surgir novas possibilidades de infraestrutura de macro e microdrenagem que podem ser aplicadas em conjunto nas diversas escalas. Como premissa deste artigo, considera-se que a incorporação dessas soluções alternativas para drenagem em projetos de habitação podem possibilitar maior qualidade ambiental para a população a ser beneficiada, seja pelos projetos de urbanificação de assentamentos precários ou por construção de novos conjuntos habitacionais. As escalas existentes dentro de um projeto de habitação, que precisam estar conectadas, são, pelo menos, a unidade habitacional, o lote, a quadra, a bacia e a cidade. O tratamento desconectado dessas escalas leva à precariedade urbanística na provisão habitacional11. A simplificação e replicação de modelos prontos, advindos principalmente do Urbanismo Moderno, trouxeram alguns impactos negativos naprovisão de habitação, como a reprodução de condições mínimas de habitabilidade, que na prática se traduziram em reduzir a habitação em alojamento; a rua, marca do local de encontro e troca social, em mero percurso; e, as áreas de lazer em áreas verdes não funcionais; situações planejadas que levam ao sentimento de não pertencimento do morador em relação ao bairro12. A construção de conjuntos habitacionais descolados do tecido urbano tende a formar guetos e essas grandes áreas somente de moradia, sem diversificação de uso e flexibilização de ocupação, possuem grande influência no aumento de violência13.

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Travassos, 2010. Taylor, 1967. 12 Carrasco, 2005 apud Samora, 2009. 13 Jacobs, 2000. 11


3. ALTERNATIVAS PARA AS INTERVENÇÕES EM MANEJO DE ÁGUAS URBANAS A mudança de paradigma trazida pelo Plano Diretor de Macrodrenagem da Bacia do Alto Tietê, em 1999, que visou sair da lógica do aumento da condutividade hidráulica para a dereservação de água nas proximidades de onde essa se precipitar - com base principalmente no estabelecimento do conceito de “vazão de restrição” que limita as possibilidades de aumento de vazão nos afluentes de dado corpo d’água -, ensejou quase exclusivamente a implantação de reservatórios de retenção, os piscinões, à despeito de outras formas de reservar água e, além disso, não mudou de forma contundente o tratamento das calhas dos rios, gerando assim, duas estruturas com funções paradoxais: os canais continuam sendo construídos para expulsar rapidamente as águas, e os piscinões, para retê-las. Dessa forma, mesmo quando há um tratamento paisagístico das margens dos córregos, as calhas seguem sendo concretadas, em canais retificados e de seção quadrada, permitindo vazões altas com grande velocidade. Soma-se a isso, a manutenção da implantação de uma microdrenagem convencional, também destinada a levar a água rapidamente para o fundo de vale14. Para além das questões relacionadas à conservação de serviços ambientais, a forma de canalização acima descrita representa riscos à população, em especial em eventos extremos de precipitação, pela velocidade das águas. Gobster&Westphal (2004), ao estudar os acidentes em parques lineares de beira de rio, em Chicago, entendem que os afogamentos são mais frequentes em canais retificados e concretados. Na RMSP, os casos de morte por afogamento em rios e córregos estão relacionados tanto com inundações em canais abertos, como o ocorrido em São Caetano do Sul, no Ribeirão dos Meninos, no princípio de 2016, quanto com galerias fechadas e enxurradas. Dessa forma, os novos tratamentos para drenagem urbana são interessantes do ponto de vista ambiental e de drenagem, mas, também, social e paisagístico. Para tanto, se faz necessário, além de tratar as margens adequadamente, tratar o canal do rio de forma a torná-lo um elemento de valorização do espaço público. Porém, para que os corpos d’água tenham esse papel, não basta lidar com as questões de drenagem e do ciclo hidrológico somente nos fundos de vale. A inundação, bem como a poluição, que se produzem na bacia, só poderão ser satisfatoriamente tratadas na bacia. Os parques lineares são soluções interessantes para dotar os bairros de áreas verdes e de lazer e também para dar lugar às inundações e diminuir a poluição difusa, porém, dado o padrão de impermeabilização das bacias, eles podem não ser suficientes, exigindo uma difusão maior do tratamento pela bacia. Em português, parte desses tratamentos, em especial aquele que se refere à microdrenagem e retenção de águas pluviais, tem se convencionado chamar de “técnicas compensatórias em drenagem urbana”15, uma vez que tentam compensar a perda de infiltração e capacidade de armazenamento da bacia, dada pela urbanização; nesse processo, contribuem para a diminuição da vazão de pico e, portanto, das inundações e contribuem para a melhoria da qualidade da água e para a manutenção da vazão de base de rios e córregos, ao permitir a recarga de aquíferos e lençol freático. São medidas estruturais como valas de infiltração ou gramadas, biorretenção, telhados verdes, reservatórios no lote são exemplos de dispositivos que compõe esses sistemas16.

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Travassos, 2005. Na literatura em inglês, encontram-se comumente os termos LID, LowImpactDevelopment(EUA),SUDS, SustainableDrainage System (UK) ou WSUD, WaterSensitiveUrbanDrainage (Australia) (Fletcher et al, 2014). 16 Souza et al (2012) 15


Com relação aos canais, também há uma série de formas de tratamento possíveis, que possuem cunho ambiental, ou seja, que pretendem, na medida do possível, recuperar a qualidade da água, bem como a fauna e a flora associadas ao corpo d’água e suas margens. Vão desde técnicas de restauro, procurando recuperar funções e ecossistemas de forma global, até aqueles denominados melhoria, que procuram devolver ao sistema algumas de suas funções originais. Uma questão importante com relação ao tratamento ambiental de corpos d’água em meio urbano é a falta de estudos que possam dar um suporte a essas ações. Eden&Tunstall (2006), colocam que essas intervenções tem sido amplamente estudada do ponto de vista das ciências naturais, principalmente ecologia, geomorfologia e hidrologia, mas não são avaliadas em seus aspectos sociais e políticos. No contexto brasileiro, a pequena incidência desse tipo de tratamento também não permite uma exploração maior em pesquisas, embora haja o relato positivo de experiências nos municípios de Belo Horizonte e São Paulo. 4. ESTUDO DE CASO: Conjunto Habitacional Três Marias e articulação urbanoambiental A complexidade territorial de São Bernardo do Campo apresenta peculiaridades interessantes para se analisar a relação entre ambiente natural e ambiente construído, visto que o município é constituído, em mais da metade do território, de área de manancial e proteção ambiental, possui uma rede de drenagem rica e diversa, porém, também apresenta uma urbanização intensa e diversas problemáticas habitacionais que evidenciam questões ambientais. O estudo de caso analisou, no âmbito do planejamento, o Plano Local de Habitação de Interesse Social, o Plano Municipal de Drenagem e o projeto do Conjunto Habitacional Três Marias, cuja localização está apresentada pela (fig. 1). O Plano Municipal de Drenagem Urbana de São Bernardo do Campo traz um breve diagnóstico, para focar em alternativas e propostas para as intervenções estruturais17para as bacias Ribeirão dos Couros e Ribeirão dos Meninos, dentro de uma série de períodos de retorno18 de 25, 50 e 100 anos. As soluções propostas pelo Plano descartam a implantação de novos reservatórios de detenção19, além daqueles que estão sendo construídos, devido ao alto preço da terra para as desapropriações e a ausência de áreas disponíveis. O Plano também não apresenta propostas de reservação de retenção, somente propõem obras de canalização em seção retangular, descartando a alternativa em seção trapezoidal e mista, para as bacias do Ribeirão dos Couros e Ribeirão dos Meninos, adotando tipologias de canalização que induzem o aumento das vazões.

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As medidas de intervenção de drenagem podem ser classificadas entre medidas estruturais e medidas não estruturais, as medidas estruturais compreendem as obras de engenharia, já as medidas não estruturais consistem em ações que buscam disciplinar a ocupação territorial e o comportamento de consumo das pessoas e atividades econômicas (Canholi, 2005). As ações estruturais geram sensação de falsa segurança e podem induzir a ampliação da ocupação das áreas inundáveis (Tucci, 2002), já as ações não estruturais tendem a resolver o problema pela causa, e resultam em maior efetividade e menores custos a longo prazo (Canholi, 2005). 18 Segundo Porto (1995), o período de retorno é o inverso da probabilidade de um determinado evento hidrológico ser igualado ou excedido em um ano qualquer. Ao se decidir, portanto, que uma obra será projetada para uma vazão com período de retorno de T anos, automaticamente, decide-se o grau de proteção conferido à população. Trata-se, portanto, de escolher qual o “risco aceitável” pela comunidade. 19 Os reservatórios de detenção, comumente conhecidos como piscinões, são estruturas de acumulação temporária das águas de chuva, que possuem função de contribuir para a redução das inundações urbanas.


Sendo as obras de canalização uma tendência das ações de drenagem tradicional, as obras propostas geram o aumento da condutividade hidráulica, aumentando a vazão e transferindo o problema das inundações à jusante. O PDMAT define as vazões de restrição para as bacias Ribeirão dos Couros e Ribeirão dos Meninos, que deveriam ser adotadas para promover intervenções de reservação de retenção, contudo, o Plano entende a reservação somente por meio dos piscinões, e ainda assim, descarta essa opção por questões já apresentadas. De qualquer maneira o volume excedente de água precisa ser considerado, dessa forma, o Plano evoca a possibilidade de reversão de bacias, noção que consiste na reversão de vazões acima da capacidade das calhas dos rios para outras bacias hidrográficas. Este aspecto foi avaliado em 1999 para o desvio das vazões excepcionais do ribeirão dos Meninos e do ribeirão dos Couros para o reservatório da Represa Billings, também como forma de alívio das vazões de cheias no rio Tamanduateí. Porém, esta proposta técnica, apesar de ter sido discutida nas esferas municipais e de organismos comunitários dos municípios do ABCD envolvidos, foi considerada inviável devido aos impactos negativos que a reversão de águas pode trazer. O Plano não dispõe de nenhuma diretriz sobre obras que podem ser feitas para projetos de outros setores, como por exemplo, projetos de habitação, promovendo pouco diálogo intersetorial. Em uma análise geral o Plano ainda se mantém dentro do paradigma da drenagem tradicional, não havendo o aproveitamento dos investimentos públicos para o desenvolvimento de projetos que adotem medidas não convencionais de drenagem e que promovam medidas dispersas de retenção das águas nas próprias bacias.


Figura 1. Localização do Conjunto Habitacional Três Marias Fonte: Prefeitura de São Bernardo do Campo, mapa elaborado pelas autoras

O Plano Local de Habitação de Interesse Social de São Bernardo do Campo consiste no instrumento de planejamento das ações da Política Habitacional de Interesse Social, que


visa abranger às famílias de baixa renda que não conseguem ser atendidas pelo mercado formal. A sua elaboração atendeu aos requisitos previstos na Lei Federal nº 11.124/05, que dispõe sobre a obrigatoriedade de adesão ao Sistema Nacional de Habitação de Interesse Social para acesso dos municípios aos recursos do Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social. O PLHIS assumiu papel essencial no diagnóstico da situação habitacional do município. Até 2009, São Bernardo do Campo não dispunha de base de dados técnica e conhecimento suficiente da dimensão das problemáticas habitacionais. O processo de desenvolvimento do PLHIS foi iniciado em 2010, contudo, algumas iniciativas tiveram início no ano anterior e contribuíram para uma elaboração mais rica do instrumento, por criarem mecanismos para participação popular e articulação e integração das políticas setoriais, como o Plano Plurianual Participativo e o Conselho da Cidade e Meio Ambiente. A elaboração do PLHIS foi realizada seguindo o conteúdo delimitado pelo Guia de Adesão ao SNHIS, produzido pelo Ministério das Cidades, que divide o Plano em três etapas: Proposta Metodológica, Diagnóstico Habitacional e Estratégia de Ação. Para o presente artigo, o relevante na leitura do PLHIS é o diagnóstico habitacional, a construção intersetorial e as propostas para as ações, que afetam os fundos de vale de São Bernardo do Campo, que servirão de base para as intervenções na escala de projeto. O diagnóstico habitacional foi realizado para todo o município, o mapeamento identificou 261 assentamentos precários e/ou irregulares, com uma contagem de 86.820 edificações com percentual de erro de 5% para mais. Após essa identificação, os assentamentos foram classificados por macrorregião e localização, o município é composto por sete macrorregiões, sendo elas: Montanhão, Cooperativa, Alvarenga, Centro, Riacho Grande, Batistini, Rudge Ramos. De acordo com o mapeamento, Montanhão e Alvarenga apresentam maior percentual de assentamentos. A macrorregião Cooperativa em que está localizado o Conjunto Três Marias, apresenta 22 assentamentos precários. Em relação a localização, os assentamentos foram classificados por estarem em área de manancial e estarem fora de manancial, o município apresenta 83 assentamentos em área de manancial e 87 fora de manancial. As favelas localizadas fora de manancial se concentram na macrorregião do Montanhão, área caracterizada por topografia muito acentuada, portanto, desfavorável a ocupação e com alto custo para a implantação de infraestrutura e para intervenção urbana. Além da identificação dos assentamentos precários também foi realizado o diagnóstico da situação desses assentamentos, em relação aos riscos, à consolidação e à infraestrutura básica. A partir desse diagnóstico foi possível agrupar os assentamentos em relação às condições que se mostravam semelhantes, para isso o PLHIS criou seis tipologias que estão apresentadas no quadro a seguir.


Quadro 1. Classificação dos assentamentos precários e/ou irregulares por tipologias Fonte: Plano Local de Habitação de Interesse Social de São Bernardo do Campo, 2012 Tipologia

Total de assentamentos precários e/ou irregulares

Total UHS mapeadas

Tipologia 1. Assentamentos Consolidados que só demandam Regularização Fundiária

53

12.675

Tipologia 2. Assentamentos Parcialmente Urbanizados, que precisam de obras complementares de infraestrutura e Urbanização simples semremoções

66

21977

Tipologia 3. Assentamentos Irregulares Parcialmente Urbanizados, que precisam de obras complementares de infraestrutura e Urbanização simples comremoções

36

9834

Tipologia 4.Assentamentos Precários e Irregulares Consolidáveis com carência de toda infraestrutura, Urbanização complexa e percentual significativo de remoções

69

33119

Tipologia 5.Assentamentos Irregulares Não Consolidáveis, Remoção Total

25

2028

Tipologia 6. Conjuntos Habitacionais Irregulares promovidos pelo Poder Público

11

3429

Projetos SEHAB

12

7187

272

86820

Total

A partir do diagnóstico, foi possível que a prefeitura conhecesse a fundo os diversos problemas habitacionais do município e que também tivesse subsídio para planejar as prioridades de ação e pudesse construir os condicionantes sobre remoção. Como apresentado no quadro, cada tipologia prevê critérios sobre remoção de acordo com parâmetros de consolidação do assentamento, para os assentamentos não consolidáveis o PLHIS prevê remoção total, para assentamentos que dependam de urbanificação complexa, o documento apresenta um valor de remoção mínima de 40%. Analisando o total de assentamentos precários, temos que aproximadamente haverá uma necessidade de remoção de aproximadamente 24% dos domicílios em assentamentos precários de São Bernardo do Campo, o que gerará grande demanda para a construção de habitação de interesse social.


Em entrevista20 cedida pela coordenadora de Projetos da Secretaria de Habitação de São Bernardo do Campo foram indicados os critérios de remoção considerados dentro dos projetos de habitação, tais critérios estão listados a seguir em ordem de prioridade de remoção, da mais alta para mais baixa: a) construção feita de madeira; b) construção em área de risco; c) construção localizada em área de preservação permanente (margens de corpos d’água não canalizados em galeria, raio de nascente e declividade maior que 45°); d) construção localizada em área em que a implantação de infraestrutura dependa da remoção para ocorrer; e) diversidade de graus de consolidação de unidades habitacionais dentro de uma única área21. Ainda de acordo com as informações passadas durante a entrevista, afirmou-se que o município, desde a elaboração do PLHIS, vem reduzindo a porcentagem de remoções, restringindo-as ao essencial, conscientizando os profissionais que realizam os projetos sobre garantir a permanência de forma a reduzir impactos sobre os modos de vida e relações da população a ser afetada. A parte propositiva do PLHIS foi construída por linhas programáticas, programas, ações e prioridades. Foram criadas cinco linhas programáticas, essas linhas programáticas tratam da urbanificação dos assentamentos precários, da produção de novas unidades habitacionais, do desenvolvimento institucional pautado pelo diálogo intersetorial e abertura para participação popular e sobre o ajuste de marco jurídico. Diferentemente do Plano Municipal de Drenagem, o PLHIS traz mecanismos de participação popular, para todas as etapas da realização dos projetos de habitação e também incorpora, dentro de cada etapa, todos os outros setores da prefeitura. Contudo, a relação com os outros setores ainda se dá de forma departamental, como pode-se notar no trecho retirado do próprio texto do PLHIS: “Cabe registrar que a “Ação Pontual de Urbanização das Secretarias Municipais Correspondentes” (...) demandadas pelas tipologias 2 e 3, bem como a urbanização simples, demandadas por alguns assentamentos precários, não são tema da pasta da habitação, conforme definição da gestão atual - intervenções deste tipo devem ser foco das outras secretarias correspondentes (ex: drenagem, serviços urbanos, 22 pavimentação, etc.), portanto, não são objeto do plano que ora se apresenta.”

Um avanço com relação às questões tratadas aqui, seria o próprio PLHIS prever diretrizes sobre tratamento não-convencional de drenagem, visando um melhor tratamento da paisagem urbana e possibilitando maior qualidade nos projetos de habitação, pensando as intervenções como oportunidades de criar uma nova relação entre conservação ambiental e ocupação urbana. Tais diretrizes serviriam como condicionantes para as demais secretarias, na elaboração de seus projetos. Para análise neste artigo, será apresentada com maior detalhamento a Linha Programática 2 - Produção Habitacional. Esta linha possui como objetivo a produção de novas unidades habitacionais por meio de empreendimentos promovidos pelo poder público, pela iniciativa privada ou em parceria com agentes públicos ou movimentos sociais. A oferta de nova habitação destina-se ao atendimento do déficit habitacional quantitativo acumulado, resultante da necessidade de reassentamento (parte das Tipologias 3 e 4, e toda Tipologia 5). Segundo o PLHIS, são diretrizes constitutivas para a implementação deste programa, as seguintes considerações:a existência de equipamentos públicos na vizinhança ou bairro; 20

Entrevista cedida por Karla Sanches, coordenadora de projetos da Secretaria de Habitação, no dia 29 de março de 2016, a Ellen EmerichCarulli. 21 Este critério considera que se em uma determinada área houver algumas casas em boas condições dispersas e houver majoritariamente casas em condições precárias, será tomada a decisão de remoção completa para fornecer banco de terras para produção habitacional, ou seja, a substituição total do tecido. 22 p. 58, SÃO BERNARDO DO CAMPO, 2012


a inserção no setor urbano com usos urbanos e faixas de renda mistos; implantação de plena infraestrutura na área; a busca de elevar os padrões mínimos estabelecidos nas normas técnicas de edificação; e, por fim, a observância das normas da Acessibilidade Universal. Esta linha programática prevê três tipos de sub-programa: ● Sub-Programa de Produção de Unidades Habitacionais para Reassentamento de Famílias em áreas de Risco, Proteção Ambiental e Não Consolidáveis e de apoio à Urbanização Integrada: visa atender a população que precisou ser removida de áreas de risco, de áreas de proteção ambiental, que vivem em áreas não consolidáveis ou que integram os Projetos de Urbanização Integrada complexa que demandam reassentamento externo, e abrange produção habitacional a ser providenciada pelo poder público. ● Sub-programa de Subsídio à Habitação Produzida pelo Mercado: visa estabelecer mecanismos de incentivo aos empreendedores privados e setores econômicos para a produção de moradias para toda as faixas de renda, mas especialmente da faixa 1, por meio do Programa Minha Casa Minha Vida. ● Sub-programa de Produção Habitacional em Parceria com Movimentos Sociais e Associações Pró-Moradia: visa apoiar a produção de moradias via autogestão. O Projeto Conjunto Três Marias está alinhado com o Sub-programa de Produção de Unidades Habitacionais para Reassentamento de Famílias em áreas de Risco, Proteção Ambiental e Não Consolidáveis e de apoio à Urbanização Integrada e teve suas obras iniciadas no ano de 2009 e concluídas em 2013. Este projeto surgiu para atender ao reassentamento externo de famílias cujas moradias não puderam ser consolidadas no âmbito do Projeto de Urbanização do PAC Alvarenga e também abrigou famílias que foram removidas aos Alojamentos Provisórios do Município, onde estavam expostas a condições muito precárias de habitabilidade. As ações tiveram como objetivo promover a recuperação ambiental, assegurando o direito à moradia adequada e a eliminação de condições de riscos à vida para as famílias residentes nos assentamentos precários em questão, combinando obras de infraestrutura e produção habitacional, com ações de recuperação ambiental de áreas degradadas, regularização fundiária e trabalho social, por meio do qual vem sendo desenvolvidas ações junto aos moradores para a conservação dos investimentos implantados. A análise deste projeto foi feita a partir da leitura das plantas de projeto de drenagem e da leitura do território, a partir de visita técnica realizada em 11 de junho de 2016. O projeto do Conjunto Habitacional Três Marias (fig. 2) consistiu na construção de 1.236 unidades habitacionais, com destinação de áreas para destinação de áreas para implantação do Centro de Educação Unificada – CEU, com recursos da Secretaria de Educação e Centro de Reciclagem, sob responsabilidade da Secretaria de Serviços Urbanos. Também instalou-se um centro comercial, uma área de lazer (praça) e um parque.


Figura 2. Vista aérea do Conjunto Três Marias Fonte: Prefeitura de São Bernardo do Campo

O bairro Cooperativa, localizado próximo ao Alvarenga e ao limite da APRM (Área de Proteção e Recuperação ao Manancial) consiste em uma área extensa com a presença de diversos conjuntos habitacionais, sendo que ainda há áreas disponíveis, que vêm sendo adquiridas para a construção de novos nov conjuntos. Anteriormente à visita técnica, foram analisadas as plantas do projeto de drenagem (microdrenagem emacrodrenagem). De maneira geral as propostas são completamente convencionais, com canalização de córregos em seção u, adotandoadotando-se concreto armado como material de revestimento, e as propostas de microdrenagem não apresentam nenhum tipo de medida para a redução de escoamento superficial ou velocidade das águas. Com exceção de um elemento, que pode ser considerado interessante para esse fim (fig. 3), dentre todas as propostas do projeto, que consiste em um bueiro simples de concreto que, contudo, possui uma pequena área preenchida com pedra de mão e argamassa, que pode servir para retardo da água pluvial antes desta chegar no córrego. Esse elemento,, entretanto, não foi encontrado na visita de campo, que será descrita a seguir.

Figura 3. Planta e vista do bueiro simples de concreto Fonte: Prefeitura de São Bernardo do Campo


A visita técnica, como pode ser observado nas fotografias tiradas pelas autoras a dispostas na fig. 4, mostrou como o conjunto foi projetado dando as costas para o córrego e como não foram adotadas medidas alternativas, que saíssem do convencional e que diminuíssem a possibilidade de construção de um novo passivo socioambiental relacionado elacionado à drenagem urbana, como por exemplo, ter utilizado os próprios edifícios como forma de vencer o relevo do local. Foi possível identificar, nesse sentido, situações de risco para a população, um novo passivo muito rapidamente configurado: devido, possivelmente, a problemas de microdrenagem e de construção, o talude existente entre o patamar dos prédios e o sistema viário no fundo de vale está desmoronando, chegando próximo ao muro as edificações, esse processo acelerado provocou, inclusive, o deslocamento ocamento de uma árvore, de acordo com moradores do local e como mostram as imagens (fig. 5). A visita técnica também foi importante para compreender a dimensão do conjunto habitacional e como foram tratadas, para além da questão de drenagem, os espaço público ico livre e coletivo. A presença de um CEU e de um centro comercial, de fato, constitui-se se em um ponto positivo para o projeto, assim como, a instalação de um pequeno terminal de ônibus. Isso é relevante, pois cria focos de uso diferente ao residencial no conjunto. Também foi implantado um arque, na outra margem do córrego, à montante do conjunto, que possui alguns equipamentos e que faz limite com o centro comercial e com a CDHU existente no bairro. Contudo, a área destacada na planta como sistema de área de lazer não se caracteriza na prática como uma área de lazer, nem minimamente como um ponto de encontro, visto que, como mostra a imagem (delimitação verde na fig. 4), é um espaço verde com ausência de qualquer equipamento. Durante a visita notou-se notou que as crianças brincam diretamente na rua, o que é importante do ponto de vista da apropriação do espaço, mas que é preocupante do ponto de vista da segurança, pois também foi notado que as pessoas no conjunto utilizam muito de motocicleta e automóveis para se s locomover.

Figura 4. Trecho da planta do projeto Conjunto Habitacional Três Marias e fotos da visita de campo Fonte: Planta (Prefeitura de São Bernardo do Campo). Fotos:EllenEmerichCarulli, 2016


Figura 5. Trecho desbarrancando, próximo ao ponto de ônibus e perto do nível do muro do conjunto Foto: Ellen EmerichCarulli, 2016

O conjunto é margeado por dois córregos, o primeiro deles (fig.6), canalizado há mais tempo, possui uma seção em U muito profunda e uma avenida de fundo de vale ao longo de seu eixo. Osegundo (fig. 7), cuja intervenção aconteceu paralelamente à implantação do conjunto habitacional, também possui uma seção em U convencional e abriga outra avenida de fundo de vale, porém, apresenta suas margens arborizadas, revelando que a preocupação com a manutenção de parte das funções ambientais existiu, ainda que seus efeitos sejam bastante reduzidos pelo tratamento do canal. No entanto, esse é o único elemento que pode denotar a diferença no tratamento da macro e da microdrenagem no projeto, no restante, nota-se a implantação de um sistema de bueiros convencional e a grande impermeabilização do solo, o que deve recrudescer os eventos de inundação, não naquela área, uma vez que se manteve o aumento da condutividade hidráulica, mas, à jusante, no Ribeirão dos Couros, inclusive.


Figura 5. Canalização do Córrego afluente do Ribeirão dos Couros Fotos: Ellen EmerichCarulli, 2016

Figura 7. Canalização do Córrego afluente do Ribeirão dos Couros resultante do projeto Conjunto Habitacional Três Marias. Fotos: Ellen EmerichCarulli, 2016


5. CONSIDERAÇÕES FINAIS Planos e projetos públicos representam as melhores oportunidades para mudar a relação entre conservação ambiental e ocupação humana, em especial quando se trata de assentamentos urbanos. Nas cidades brasileiras, que, à despeito da grande desigualdade de acesso à terra urbanificada, contou com um modelo de desenvolvimento urbano que não considerou os atributos da natureza enquanto um ativo importante para a manutenção das atividades humanas e para a qualidade de vida, a reestruturação da periferia, por seu caráter de urgência e de justiça socioambiental pode e deve ser foco de novas formas de tratamento urbano, visando construir ali essa nova relação. Dessa forma, a visão setorial e convencional aplicada a projetos urbanos, como a observada no projeto e implantação do conjunto habitacional Três Marias, não aproveita a oportunidade de existência de recursos públicos e, ao não considerar todas as demandas em sua concepção, termina por reproduzir o padrão inadequado da relação cidade/meio ambiente, historicamente construído. Uma vez que os projetos de habitação acatam completamente as diretrizes advindas dos projetos de drenagem, o resultado é a tradicional canalização de córregos, sem um olhar sobre a função socioambiental desses elementos da natureza no projeto. Mais que isso, ao tratar a bacia e os fundos de vale de forma tradicional, a implantação do conjunto habitacional contribui para o aumento da vazão dos corpos d’água para jusante, pressionando ainda mais o Ribeirão dos Couros e contribuindo para que sua vazão de restrição seja sobrepujada. Medidas alternativas, técnicas compensatórias em drenagem urbana e tratamentos de cunho ambiental de corpos d’água em projetos de habitação de interesse ambiental, então, possuem múltiplas funções: valorização paisagísticas, criação de áreas de lazer, manutenção de serviços ambientais, retardamento de vazão de pico e espaços adequados para inundações e diminuição de poluição difusa estão entre as principais e, por essa razão tais alternativas devem ser pensadas em conjunto com as demais demandas em planos e projetos.


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