Jornal das Ciências - número 18

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Ribeirão Preto, Maio de 2008 - N°18 Ano 08

PROJETO EDUCACIONAL CTC FACULDADE DE MEDICINA DE RIBEIRÃO PRETO CENTRO REGIONAL DE HEMOTERAPIA

Um minúsculo animal que possui exatamente 959 células somáticas - um homem adulto possui alguns trilhões de células-, é utilizado em pesquisas sobre genes e morte celular, e sua relação com doenças como o câncer. Da família da lombriga, o Caenorhabditis elegans é um nematóide que vive na superfície da terra, encontrado em todo o mundo; de vida livre, não é parasita, nem transmite doenças. É difícil visualizar este animal, pois mede 1 mm quando adulto - para observá-lo é necessária a utilização de microscópio óptico. Dentre os poucos pesquisadores no país que trabalham com este pequeno verme, está o professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, José César Rosa, do Centro de Química de Proteínas. Os primeiros estudos com C. elegans surgiram em 1963, com o pesquisador sul-africano Sydney Brenner, que o estabeleceu como um novo modelo experimental de organismo - o qual lhe rendeu o Prêmio Nobel de Medicina e Fisiologia em 2002, juntamente com outros cientistas. Os motivos da escolha como modelo para estudos de biologia são as suas características, tais como: curto ciclo de vida, tamanho pequeno, corpo transparente, a facilidade de cultivo e de cruzamento. “É um animal multicelular e possui os mesmos mecanismos biológicos de um animal tão complexo como o homem”, afirma César Rosa, que possui formação em Farmácia e Bioquímica. Ele se alimenta de bactérias do solo, ou quando cultivado em laboratório é alimentado com Escherichia coli, uma cepa de bactéria

Elegante e versátil que é depositada como um filme na superfície do meio de cultura composto por agar (obtido de algas marinhas) e sais minerais. Desenvolvimento Este nematóide vive de 11 a 20 dias e seu desenvolvimento embrionário dura 11 horas. Seu organismo é envolto por uma película transparente (rica em colágeno) o que permite acompanhar todo o seu desenvolvimento e observar as diferentes linhagens de células que

C. elegans: verme usado como modelo em pesquisas. Escala 0,7 µm

compõem seu corpo. Estudos mostram que, eliminando uma determinada célula do embrião, em um determinado tempo da embriogênese, o animal adulto será deficiente ou deformado naquela estrutura específica, a qual, a célula embrionária destruída, dará origem. Desta forma, é possível estudar mecanismos biológicos envolvidos no desenvolvimento do animal e comparálos com os de animais superiores, como o homem. Os estudos de mutações em genes específicos também são facilitados. “Geralmente induzimos uma mutação para verificarmos características fenotípicas que, em C. elegans, podem ser um aumento ou uma Hermafrodita - organismo que possui órgãos sexuais d i m i n u i ç ã o d a masculino e feminino no mesmo indivíduo. Mutação - mudanças estruturais que ocorrem nos genes. l o n g e v i d a d e , u m a Pode ter origem casual ou induzida na informação genética. d e s c o o r d e n a ç ã o d o s A mutação só é passada para os descendentes de movimentos, ou uma organismos complexos se ocorrer em células germinativas. menor resposta a odores”, Fenótipo - constituição e aparência física que varia entre indivíduos, como a cor dos olhos. É determinado até certo explica o professor. ponto pelo genótipo, conjunto de genes de um indivíduo. Quanto ao sexo, C.

elegans são hermafroditas e 0,5% da população são machos. Os hermafroditas carregam mil células germinativas e, por autofecundação, podem gerar milhares de novos indivíduos similares. É muito utilizado em pesquisa genética, pois dos cruzamentos entre si, é possível reduzir a variabilidade genética, conseguindose manter uma população homogênea ao longo do estudo. “É um modo de manipular geneticamente uma população e em três dias já se tem uma prole muito grande”, explica. Outra curiosidade é que, de suas 959 células somáticas (formam tecidos e órgãos do corpo), 302 são neurônios ligados a placas motoras e células sensoriais. Como não possui olhos, 'enxerga' por meio dos odores. Ele possui um movimento de cenosóide, como da minhoca, e traça seu caminho de uma forma coordenada e elegante, daí o adjetivoem seu nome cientifico (elegans).

Morte celular Todas as células do nosso organismo um dia morrem e são programadas para isto, fenômeno chamado de apoptose. E C. elegans mostra isso de maneira muito clara: de suas 959 células somáticas, 130 são programadas para morrer durante o ciclo de vida do animal. Conhecer os mecanismos que determinam esse destino ajuda as pesquisas de alguns tipos de câncer, como melanoma (de pele) e leucemias (do sangue). “Nas pesquisas, desejaríamos que as células cancerosas tivessem a morte programada acelerada, interferir nos genes que vão produzir proteínas -que disparam toda cascata de apoptoseque acabaria com aquela célula que está anormal, não-funcional”, afirma o professor. Também para entender qual o papel de genes e seus produtos -as proteínas- que agem na intercomunicação celular, e comandam


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Editorial Esta edição do Jornal das Ciências fala sobre pequenos animais, usados como modelos para pesquisas, os quais provavelmente você nunca ouviu falar. O C. elegans é um deles, um verme que é encontrado em todas as parte do mundo, na superfície da terra, possui uma membrana transparente e os mesmo mecanismos biológicos do homem. Já a mosca Bradysia hygida é pesquisada no Laboratório de Morfologia (FMRP), cuja a história é publicada com exclusividade pelo Jornal das Ciências. E na página 02 resgatamos um texto da pesquisadora Iara Bravo, formada na FFCLRP, ex-aluna do professor Maurílio, sobre mais um inseto modelo. E para fechar com chave de ouro, uma entrevista com o pesquisador Dr. Dimas Tadeu Covas, sobre o livro recémlançado, e premiado, sobre células-tronco. No Trilha, os alunos, como sempre, nos surpreendem. A peça de teatro “Agonia de uma Célula”, criada em 2002 pelos alunos, juntamente com sua professora, foi encenada em Brasília, na IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, em outubro. Boa leitura! Errata Na última edição do Jornal das Ciências, as fotos dos alunos Kelvin Henrique Souza de Oliveira e Eduardo Henrique da Silva Fernandes, no encarte Trilha da Ciência, saíram com os nomes dos alunos trocados.

Como ocorre em outros animais, vários insetos escolhem os parceiros com quem vão se acasalar. Isso em biologia se chama seleção sexual e tem conseqüências importantes para a ecologia e evolução das espécies. Em muitos insetos são as fêmeas quem fazem essa escolha, baseadas em diferentes características dos machos. Uma espécie interessante e que pode servir de modelo para esse tipo de estudo é a moscadas-frutas, Ceratitis capitata, que pertence à família Tephritidae. Essas moscas, em sua fase imatura (larvas) são pragas de frutas. As fêmeas adultas ovipositam logo abaixo da casca de frutos semi-maduros e quando as larvas eclodem se alimentam da polpa destes. No final da fase larval elas “saltam” dos frutos e pupam no solo e, após um determinado período nesse estágio, emergem as moscas

adultas. É na fase adulta que ocorre a seleção sexual. Os machos se agregam em folhas das árvores, exalam um feromônio (cheiro) e exibem um comportamento de corte (batendo as asas em diferentes ritmos) para atrair as fêmeas. Essas, por sua vez, ao se aproximarem do grupo de machos escolhem alguns deles para acasalar. Nos vários estudos realizados para saber que características dos machos são importantes para a escolha das fêmeas, têm-se visto que o tamanho, a boa nutrição e a idade dos machos são fatores essenciais. Essas moscas são facilmente criadas e suas características físicas, como o tamanho, e suas características fisiológicas, como a nutrição e a idade podem ser artificialmente manipuladas, adequando-se a diferentes testes em laboratório. Sendo assim, estudos sobre seleção sexual podem ser realizados com sucesso e baixo custo utilizando-se esses insetos como modelo.

* Iara Sordi Joachim Bravo Instituto de Biologia (Universidade Federal da Bahia) M o s c a C e r a t i t i s capitata, utilizada como modelo em pesquisas.

O Jornal das Ciências é uma publicação da Casa da Ciência do Hemocentro de Ribeirão Preto/USP e distribuído gratuitamente nas escolas. É parte do Projeto Educacional CTC/CEPID/FAPESP. Coordenadores: Dimas Tadeu Covas, Marco Antonio Zago, Marisa Ramos Barbieri. Coordenadora Casa da Ciência e MuLEC: Marisa Ramos Barbieri. Redação e edição: Gabriela Zauith (MTb: 31.145) e Mara de Lima Alem (MTb 49.134). Revisão: Alzira Soares Sene. Diagramação: Mara de Lima Alem (MTb 49.134), Sandra Navarro e Vinícius Moreno Godói. Equipe Casa da Ciência: André Perticarrari, Eliana Cristina da Silva, Flávia Fulukawa do Prado, Fernando Trigo, Francisco A. da Silva Jr., Maria José de Souza G. Vechia, Vinícius Moreno Godoi. Apoio: Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto, Fundação Vitae, Fapesp e BT- Coseas/USP. Fotos: Divulgação/Casa da Ciência. Endereço: Rua Tenente Catão Roxo, 2501. CEP: 14051-140. Ribeirão Preto-SP. Telefone: (16) 2101-9308. Internet: http://ctc.fmrp.usp.br/casadaciencia. Email: casadaciencia@hemocentro.fmrp.usp.br. Tiragem: 3.500 exemplares. Distribuição Gratuita. É permitida a reprodução, desde que citada a fonte.


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Nas décadas de 50 e 60, no Brasil começaram a ser desenvolvidas pesquisas com insetos-modelo, como as abelhas, as drosófilas e a Rhynchosciara. Naquela mesma época, em Ribeirão Preto, pesquisadores descobriram um pequeno inseto que foi usado para vislumbrar os mistérios de cromossomos gigantes e a regulação dos genes. Hoje, essa descoberta pode ser comparada à descoberta das célulastronco. O inseto em questão é a Bradysia hygida, coletada no Campus da USP de Ribeirão Preto pelo professor Maurílio Antônio Ribeiro Alves, no final de 1965, época em que era aluno do curso de Biologia (Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras) e estagiário no laboratório de Biologia Celular (departamento de Morfologia da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto), orientado pelo professor Heni Sauaia. Maurílio coletou duas fêmeas, próximo à faculdade, e as levou para o laboratório. Colocou-as em caixas, esperando que botassem ovos e que, a partir delas, surgisse uma criação. “E por lá ficaram. A cada vez que olhávamos, estavam passando para as fases de larva e pupa, e assim iam se disseminando mesmo com a comida não sendo renovada”, afirma Maurílio. O inseto de uma vida inteira Algum tempo depois, ao consultar a literatura, para saber de que inseto se tratava, Maurílio verificou que a espécie não estava descrita. A descrição foi publicada em 1968, na revista Papéis Avulsos de Zoologia- número 22. O nome hygida foi escolhido porque este inseto era mais forte e resistente do que sua companheira de pesquisas, a Rhynchosciara angelae. Os estudos com a Rhynchosciara duraram quatro anos, pois os pesquisadores enfrentavam dificuldades para mantê-las no laboratório. “Para estimulá-las a se acasalar, apelamos para o som de bolero para ouvirem”, conta Maurílio. No final, não se acasalaram mais, e a espécie deixou de ser utilizada para pesquisas. Mas, estava ali, ao alcance do pesquisador, a Bradysia hygida. A equipe do professor Sauaia trabalhou, por cerca de 30 anos, com a espécie e até hoje a cultura está mantida no Laboratório de Morfologia,

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servindo para pesquisas. As moscas adaptaram-se facilmente às condições do laboratório, como conta o técnico em laboratório, Luiz Alberto Martins de Andrade que, por três décadas, foi o responsável pela manutenção dos M o s c a d o g ê n e r o insetos: “Primeiramente, foram Bradysia sp. alimentadas com rama de batata doce, que estava difícil de se encontrar. E, após várias tentativas, descobri pelo cheiro similar que a rama exalava, que o chimarrão, fermentado, poderia dar certo. Deu, e é assim até hoje”. A visão de um cromossomo Assim como a Rhynchosciara, a Bradysia tece seu casulo com a saliva e, por isso, as glândulas salivares são muito desenvolvidas - nelas estão localizados os cromossomos politênicos (cromossomos gigantes), “os mais lindos”, segundo Maurílio. E completa: “normalmente o cromossomo politênico, no núcleo, está emaranhado. Na Bradysia, após o esmagamento (técnica que faz com que as células se espalhem), os quatro cromossomos politênicos ficam facilmente separados. E isso não é uma coisa fácil de se conseguir.” Com os cromossomos politênicos são estudados os pufes de RNA e DNA, sendo os últimos locais de amplificação gênica, fenômenos hoje estudados com técnicas do DNA recombinante (leia mais abaixo). “Podíamos dizer a hora em que o pufe ia aparecer, o que permite estudar a regulação gênica, o principal objetivo do laboratório”, diz o professor. Morfologia Durante as pesquisas a Bradysia, devido as suas características morfológicas, mostrou-se também como um excelente material didático. A fase larval possui quatro estágios, facilmente identificados pela alteração da cor de sua cabeça (quando ocorre a muda da larva) e ainda por ter uma membrana quase “transparente”, possibilitando uma visão interna de sua constituição.

Os cromossomos politênicos são encontrados nos insetos, protozoários e em células vegetais; e quase sempre são relacionados a uma grande atividade funcional. Nesses cromossomos há replicações sucessivas do genoma, permanecendo os filamentos reunidos, e cada vez que determinada região precisa tornar-se ativa, são formados os pufes, onde há síntese de RNA -denominados pufes de RNA. Na família Sciaridae (dos insetos) em regiões específicas dos cromossomos politênicos se desenvolvem os pufes de DNA em que ocorre amplificação do DNA - múltiplas cópias do segmento gênico antes do início da transcrição gênica.

A técnica de DNA recombinante permite combinar pedaços de DNA de diferentes organismos. Isso significa que uma célula pode ser reprogramada para sintetizar uma proteína A . C r o m o s s o m o P o l i t é n i c o e B . particular, que normalmente não seria produzida nesta célula. Quando colocada em meio cultura, C r o m o s s o m o a u t o s s o m i c o d e a célula multiplica-se e as células-filhas, que possuem o mesmo material genético da célula-mãe, Bradysia hygida. 1 e 2 a podem também sintetizar a proteína desejada. comparação em escala. 2

A

B


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Entrevista

Os insetos são animaism o d e l o usados nas pesquisas em biologia molecular, em especial o DNA (material genético da célula). Atualmente, as técnicas de DNA recombinante possibilitam interferir na atividade gênica e replicar o gene de interesse. Para falar um pouco sobre esses conceitos complexos, conversamos com Aparecida Maria Fontes, bióloga e pesquisadora do CTC (Centro de Te r a p i a C e l u l a r d a F u n d a ç ã o Hemocentro de Ribeirão Preto - SP), que durante dez anos participou dos estudos com a Bradysia hygida, iniciados quando era aluna da Faculdade de Filosofia Ciências e Letras da USP/ RP. Jornal das Ciências - Qual a importância da Bradysia sp, como inseto modelo para as pesquisas em biologia molecular? Aparecida M. Fontes - A Bradysia hygida é um organismo muito interessante pois apresenta uma característica rara entre os organismos eucariotos: os Pufes de DNA localizados nas suas glândulas salivares. Eles são as regiões especializadas dos cromossomos politênicos que apresentam genes cujo DNA é amplificado (possui várias cópias do mesmo gene) de maneira regulada, ao longo do desenvolvimento. Isso significa que o nível de proteína dos genes localizados nos Pufes de DNA é controlado por dois mecanismos distintos: amplificação gênica (controle a nível de DNA) e transcrição gênica (controle a nível de RNA). Para comportar essas 'maquinarias' de amplificar o DNA e transcrever o RNA, a cromatina sofre uma expansão, conhecida como Pufe de DNA. J.C. - E as técnicas de DNA recombinante?

A.M.F. - Como o próprio nome diz, DNA recombinante é uma molécula híbrida. Um gene de interesse é colocado em um DNA circular, denominado plasmídeo. O plasmídeo possui a propriedade de se replicar em uma célula bacteriana ou eucariota e nos permite obter grandes quantidades da molécula recombinante relativa ao gene de interesse. J.C. - Qual a importância do DNA recombinante para a ciência? A.M.F. - Pretendemos elucidar, a nível molecular, de que modo as proteínas essenciais participam dos mecanismos de amplificação e transcrição gênica. Isso é possível com a tecnologia do DNA recombinante pois, desta maneira, um gene específico pode ser amplificado in vitro, isto é, podemos repeti-lo em um tubo de ensaio no laboratório, mas em uma escala muito maior. O que pode ocorrer em um organismo, por exemplo, durante o desenvolvimento do pufe de DNA? Muitas cópias de um mesmo gene. Esse gene amplificado in vitro pode ser seqüenciado para definirmos a proteína codificada por esse gene. Por fim, conforme a complexidade da proteína, podemos optar pela produção da mesma em uma célula procariota (núcleo não organizado) ou eucariota (com núcleo organizado). Se a proteína apresenta sítios de glicolisação (adição de açúcar) a mesma requer a produção em um sistema eucarioto. Caso contrário, pode ser produzido usando-se uma célula procariota para obtermos grandes quantidades de proteína, e tendo em mãos grandes quantidades de proteína, podemos proceder à sua purificação para futuras caracterizações bioquímicas e funcionais do gene previamente isolado do pufe de DNA. Outra Saiba mais maneira elegante de realizarmos a - Replicação de DNA: Síntese de uma nova caracterização funcional de um gene fita de DNA a partir de uma fita-mãe. seria introduzirmos em uma - Transcrição gênica: Síntese do RNA a Drosophila sp porque essa mosca partir do DNA. possibilita avaliarmos como se dá a

regulação do pufe ao longo do seu desenvolvimento e verificarmos em quais tecidos ele é expresso de maneira regulada, entre outras questões. J.C. - Durante o período em que trabalhou no laboratório com a Bradysia sp, qual foi a contribuição que trouxe para o seu ambiente de trabalho atual? A.M.F. - O conhecimento de um ambiente científico, mais os desafios a que somos submetidos no dia-a-dia e a alegria quando encontramos a resposta para nosso questionamento inicial. A contribuição que cada um de nossos trabalhos pode trazer para futuras investigações em um campo específico ou em outra área do conhecimento. J.C. - No universo da ciência, quais são os conceitos importantes que um professor deve trabalhar com os alunos em sala de aula? A.M.F. - Replicação de DNA; Transcrição Gênica; Cromossomos; Cromossomos Politênicos; Dogma Central: DNA RNA Proteína. * Aparecida Maria Fontes foi estagiária de IC, fez mestrado e doutorado no Laboratório de Biocélulas com a professora Maria Luíza Paçó Larson . Desde 2001, é pesquisadora na Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto (SP), ligada ao CTC pelos programas do Fator VIII, para pacientes com hemofilia e, também, às pesquisas sobre célula-tronco mesenquimal.

Sabemos que as principais maquinarias das

células,

entre

elas,

as

de

replicação, transcrição e tradução, são conservadas ao longo da evolução. A elucidação

das

mesmas,

organismo

eucarioto

em

modelo,

um que

permite detectar - por uma alteração morfológica da cromatina -, os sítios de amplificação

e

transcrição

gênica,

poderá trazer importantes informações para a ciência.


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Um espetáculo Vocês estão lembrados daquela dramatização apresentada aqui no Trilha, em 2003? Estamos falando de “Agonia de uma célula”, esta apresentação, que já foi premiada em Ribeirão Preto (veja mais no boxe da página seguinte), foi convidada a se apresentar na IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia em outubro de 2007 (04 a 07) realizada B r a s í l i a , D F. A dramatização aborda temas relacionados à célula, vírus e

Apresentação da peça “Agonia de uma célula” no Museu Nacional, em Brasília. (Fotos: Carlos Cruz)

sistema-imunológico, estudados pelos jovens da Casa da Ciência. Eles fizeram seis apresentações: duas em escolas nas cidades satélites de Brasília (Paranoá e Taguatinga), e quatro no Museu Nacional. Após cada espetáculo, alguns personagens (Núcleo, Macrófagos, Vírus e a narradora Ana) esclareciam os assuntos abordados durante a peça, exemplificando com fatos do nosso dia-a-dia e relatados na mídia, que muitas vezes provocam dúvidas não esclarecidas, como, por exemplo, as relativas às células do sangue e às suas funções. Os quinze alunos, quando não estavam no palco, passeavam pelas exposições da IV Semana Nacional de Ciência e Tecnologia, no Museu Nacional, com cartazes que indicavam os horários das apresentações. Essa foi uma forma que os alunos encontraram para estender a peça para outros locais da feira. Vestidos com fantasias (figurino) e maquiados, despertavam a curiosidade do público, pois o objetivo era convidá-lo para ver a apresentação. Além disso, com algumas entrevistas realizadas pelos próprios atores, com crianças, pais, donos de escola, alunos de graduação, do ensino infantil, eles puderam comprovar a compreensão dos conceitos apresentados em palco, mesmo por crianças de cinco, seis anos, que provavelmente nunca tinham tido contado com temas de ciência. A representação da “Agonia de uma célula” em Brasília foi uma realização múltipla para os alunos, que trouxeram experiências novas na bagagem de volta. Na feira, durante os poucos momentos de lazer, eles puderam trocar idéias com estudantes de lá e adquirir novos conhecimentos, além do passeio ao Museu Juscelino Kubitschek e Palácio do Planalto. “Foi uma experiência única principalmente porque, além de levarmos as informações sobre as células para as

crianças através do teatro, tivemos a oportunidade de conhecer outras pessoas, outras culturas e ainda visitar alguns dos pontos turísticos de Brasília. O Ensaio da peça “Agonia de uma célula” que eu mais gostei foi do Congresso Nacional, da construção e da arquitetura do local”, afirma o estudante Kelvin Henrique S. de Oliveira, 14 anos. Bastidores Aceitar o desafio de Brasília, a convite do CNPq (Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico) dependeu do apoio da Fundação Hemocentro e da equipe da Casa da Ciência. Os componentes da peça, que vinham do primeiro elenco (2003), tiveram liberdade para selecionar o novo grupo, organizar os horários, montar a coreografia das danças, escolher os figurinos, a trilha sonora de cada cena, cuidar das compras e da produção da maquiagem. Dividiram as tarefas até para dirigir os ensaios, com responsabilidade e seriedade, o que os levou ao sucesso. Tudo em perfeita sintonia. No grupo havia cinco alunos da cidade de Luís Antônio (60 km de Ribeirão Preto), escolhidos entre os que vêm toda semana participar de programas da Casa da Ciência. A preocupação e o compromisso dos alunos não ficaram restritos às apresentações, mas incluíram dramatizar e relacionar os conceitos que gradativamente foram aprendendo. A peça, sob a orientação dos pesquisadores, representa a missão dos jovens no avanço dos estudos; o texto está atualizado e adaptado aos novos conteúdos adquiridos, pensando no público, que se reveza, e no próprio elenco, que sente a necessidade de expor os conceitos que aprende. Diálogo do Vírus com dois alunos: V:Quem sou eu? A:O Vírus. V:O que eu faço? A:Comanda a Célula. V:Depois que o vírus comanda a célula, o que ele faz com ela? A: Mata e depois o vírus se multiplica. V: Depois que o vírus se multiplica, Quem vem para salvar as outras céluas? A: Os macrófagos! (Fotos: Carlos Cruz)


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Acompanhe, abaixo, os trechos das aulas dos nossos jovens: Núcleo - Mara Elisama da Silva “Os ácidos nucléicos são moléculas capazes de armazenar e expressar informações genéticas, existem dois tipos: o DNA e RNA. O DNA armazena informações genéticas dos pais - genótipo e fenótipo. Fenótipo são as características externas: formato de nariz, cor dos olhos, da pele etc. O genótipo é a estrutura molecular dos ácidos. O DNA é formado por nucleotídeos, moléculas que possuem um grupo fosfato, uma pentose e uma base nitrogenada: adenina (A), timina (T), guanina (G) e citosina (C). A estrutura do DNA é uma dupla fita helicoidal, ligada por pontes de hidrogênio. O RNA é uma fita simples, também formada por nucleotídeos, e as bases nitrogenadas: adenina, guanina, citosina e uracila (U), ao invés de timina. O RNA expressa informações que o DNA armazena em forma de proteínas”. Macrófago - André F. Camargo A nossa pele, os cílios, os olhos que lacrimejam, a cera do ouvido, tudo isso faz parte do nosso sistema imune-inato, que nasce com a gente. Mas, depois que o vírus atravessa essas barreiras inatas e caem na corrente sanguínea, os macrófagos e neotrófilos englobam o patógeno e os exterminam. E, quando eles falham, vem a nossa resposta imune específica, que a nossa amiga Ana, já explicou”. Macrófago - Paulo C. Teodoro Júnior “No processo de síntese de proteína, o RNA sai do núcleo para ir até o ribossomo, que é uma proteína ligada ao RNA-Ribossômico. A fita de DNA abre e a informação genética armazenada “é transferida” ao RNA. Depois de fazer essa cópia, ele sai do núcleo e vai ao hialoplasma. O RNA se liga ao ribossomo, que traduz a informação produzindo proteínas. Esse é o processo da síntese que acontece em qualquer célula do nosso corpo”. Vírus – Ádamo D. Diógenes Siena “Se alguém tiver contato com o vírus, vai produzir células de memória e na reinfecção a resposta imunológica será mais rápida e a pessoa não desenvolverá sintomas. Geralmente, quando somos picados por cobras, escorpião, aranha, o veneno, que pode ser uma proteína, pode espalhar muito rápido pela corrente sanguínea e o organismo não ter tempo de gerar uma resposta imediata. O veneno da cobra é inoculado no cavalo porque o cavalo consegue produzir anticorpos que, posteriormente, são retirados do cavalo, filtrados para a produção do soro é, então, usado em caráter emergencial. Por outro lado, a vacina é para desenvolver no corpo humano a resposta imunológica e gerar anticorpos”. Vírus - Felipe O. Baptista e Danilo L. Mazzocato Pedro “O vírus é formado por um capsídeo (corpo do vírus) e dentro é armazenado o material genético - DNA ou RNA. Essa variação difere em cada tipo específico de vírus. Mas, como o

vírus consegue sobreviver e se multiplicar? Ele tem afinidade com a membrana plasmática das células, por isso o capsídeo viral, ao chegar próximo de uma membrana plasmática, adere a essa membrana deixando seu material dentro dessa célula”. Narradora - Daianne Maciely A. de Carvalho “Se por acaso os macrófagos e neotrófilos não forem suficientes, o macrófago pode agir como uma APC (Célula Apresentadora de Antígeno) e enviar um sinal para ativar células do sistema imune. O antígeno é como se fosse o “RG” do microorganismo que invadiu. Ele é apresentado a uma outra célula, que pode ser o linfócito T (uma das células do sistema imune). Se o linfócito reconhecer o antígeno e for específico, começa a se dividir e a liberar citocinas. Mais células são recrutas para ajudar a terminar o trabalho que já havia começado, como macrófagos, neotrófilos, ou ele pode também ativar uma célula chamada linfócito B - célula que produz anticorpos”. (Fotos: Carlos Cruz)

Trajetória: “Agonia de uma célula” foi criada e apresentada pela primeira vez, há cinco anos, por alunos de 14 anos, da 8ª série do Ensino Fundamental da Escola Estadual Dom Romeo Alberti, de Ribeirão Preto. Junto com a professora de Ciências, Leonízia Maria Nakamura, eles participavam do curso de especialização para professores: “As células, o genoma e você, professor” (CTC-Cepid/Fapesp/ Fundação Hemocentro). O primeiro rascunho foi elaborado pela aluna Pâmela Cristina da Silva, com 10 minutos de duração, revisto e modificado pelos alunos Ádamo Davi Diógenes Siena (Vírus) e Daianne Maciely A. de Carvalho ( narradora - Ana), que adaptaram para 40 e 20 minutos. A dramatização foi sendo modificada à medida que os alunos conviviam com os pesquisadores da Fundação Hemocentro de Ribeirão Preto. No início, foram realizadas mais de três apresentações, uma delas, no Segundo Festival de Dança, Música e Teatro de 2004, promovido pela Diretoria de Ensino da cidade. “Agonia de uma célula” foi premiada em segundo lugar.



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