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2 Enquadramento científico
Durante a concretização das tarefas propostas neste documento, os alunos deverão trabalhar frequentemente de forma cooperativa. Um grupo é funcional quando conclui atempadamente as tarefas, trabalha de forma ativa para promover a construção e manutenção do grupo enquanto um todo, e contribui para o desenvolvimento pessoal/profissional de cada um dos seus elementos (revisto em Salazar et al., 2011 e Fernandes & Coelho da Silva, 2016). A nível individual, exige o desenvolvimento de diferentes competências sociais que Hesse et al. (2015) identificam e avaliam. Implica também que os alunos conheçam e apliquem estratégias que lhes permitam operacionalizar o funcionamento dos grupos, nomeadamente, através do reconhecimento e desempenho de papéis diferenciados, identificados como essenciais para o sucesso de um grupo (revisto em Salazar et al., 2011). A exploração das competências de trabalho cooperativo implica a planificação de tarefas explicitamente orientadas para a cooperação entre os alunos, fornecendo-lhes informação sobre os objetivos de aprendizagem relativos às competências a desenvolver, como o fazer e instrumentos que lhes permitam avaliar o desenvolvimento das mesmas (revisto em Johnson & Jonhson, s.d.). Durante a aula, o docente deverá monitorizar o desenvolvimento dos trabalhos, ajudando os alunos a identificar e ultrapassar os problemas que afetam a performance do grupo (revisto em Johnson & Jonhson, s.d.). Sugere-se, ainda, que sejam reservados espaços de tempo de aula para que os alunos possam fazer a sua avaliação, discutir a forma de funcionamento do grupo e planificar atividades para melhorar o seu desempenho individual e coletivo. Durante as tarefas propostas no guião do aluno, procurámos criar situações que permitam desenvolver este trabalho em pequeno grupo ou grande grupo. Para tal sugerimos que os alunos conheçam, reflitam, discutam e avaliem as suas competências de trabalho cooperativo, usando a tabela, adaptada de Hesse et al. (2015) e incluída no anexo 4. Com base nestas avaliações, os alunos poderão identificar as competências que têm mais desenvolvidas e aquelas que necessitam de ser mais trabalhadas, sendolhes fornecidas pistas sobre o que deverão fazer. Para algumas tarefas propomos ainda que, dentro de cada grupo, os alunos desempenhem papéis diferenciados (Salazar et al., 2011) e discutam sobre o desempenho do grupo e a forma de melhorar a sua prestação. Para a consecução destas tarefas, sugere-se a presença simultânea de um docente de Ciências Naturais e de um docente de Matemática na sala de aula. Na eventualidade desta forma de gestão não ser possível, propõe-se que os docentes de Ciências Naturais e de Matemática partilhem nas suas aulas a gestão das diferentes tarefas a realizar pelos estudantes.
2 Enquadramento científico
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Gregor Mendel (1822–1884) lançou as bases científicas da genética, estudando a transmissão de caracteres hereditários em plantas. Para tal, selecionou espécies para servirem de modelo nas suas experiências, as quais seriam plantas com as seguintes características: ● facilmente cultiváveis; ● variedades com caracteres facilmente diferenciáveis e constantes (como por exemplo: a cor da corola ou a forma da semente); ● híbridos1 férteis; ● polinização cruzada difícil.
1 Uma planta híbrida resulta do cruzamento entre plantas progenitoras de linhagens puras (homozigóticas) e geneticamente diferentes entre si. Esse cruzamento origina plantas híbridas fenotipicamente homogéneas.
Com base nestes critérios, a escolha recaiu sobre as ervilheiras do género Pisum e os feijoeiros do género Phaseolus. Nestas espécies, Mendel (1866) analisou diversos caracteres polimórficos, ou seja, caracteres que apresentavam características diferentes (Figura 1).
Caracter Características Caracter Característica
Figura 1. Caracteres polimórficos das ervilheiras (Fonte: Bear et al., 2016). Mendel (1866) debruçou-se sobre a transmissão hereditária de cada um dos caracteres variáveis cruzando indivíduos pertencentes a diferentes linhas puras (cruzamento parental – P, na figura 2). As linhas puras resultam de plantas autopolinizadas cujos cruzamentos sucessivos originam uma descendência que expressa sempre a mesma característica para um determinado caracter. Destes cruzamentos Mendel observou as características apresentadas pelos: ● híbridos da primeira geração (F1) resultantes do cruzamento parental (P) entre plantas de corola vermelha e plantas de corola branca; ● indivíduos da segunda geração (F2) resultantes da autopolinização dos híbridos da 1.ª geração. De acordo com Mendel (1866), os híbridos de primeira geração apresentavam características intermédias entre as duas características parentais, para caracteres como, por exemplo, o tamanho e a forma das folhas. No entanto, para os caracteres descritos na Figura 1, os híbridos da primeira geração eram todos iguais exibindo a característica apresentada por apenas um dos progenitores, designada dominante, não se observando descendentes com a característica da outra linhagem parental, designada recessiva. Independentemente de ser proveniente da planta dadora de pólen ou da planta dadora de óvulos, a variedade dominante era a mesma, manifestando-se sempre nos híbridos. No entanto, Mendel observou que da autopolinização destes híbridos de primeira geração surgiam descendentes que exibiam quer a variedade dominante, quer a recessiva, numa proporção de
aproximadamente 3:1 - três indivíduos com a característica dominante para um indivíduo com a característica recessiva. Na figura seguinte pode-se observar os resultados obtidos por Mendel para um dos caracteres que analisou nas ervilheiras: a cor da flor.
Figura 2. Experiências mendelianas de hibridismo (Bear et al., 2016). A partir da observação destes resultados Mendel propôs que (Mendel, 1866; Feijó et al., 2009, p. 81): ● Cada indivíduo possui dois fatores para cada caraterística. Por exemplo, na experiência representada na figura 2, como na geração parental as plantas eram de linhas puras, uma das plantas possuía dois fatores iguais para a cor violeta (VV) e a outra dois fatores iguais para a cor branca (vv). ● Em cada indivíduo, aquando da formação dos gâmetas, os fatores separam-se. Cada gâmeta fica apenas com um fator de cada par – princípio da segregação fatorial. Voltando à experiência da cor da flor, como na geração parental cada planta tinha dois fatores iguais, as de corola violeta apenas originaram gâmetas com o fator para essa cor (V) e as de corola branca apenas originaram gâmetas com o fator para a cor branca (v). ● Cada indivíduo resulta da união de dois gâmetas, cada um transportando um fator para cada caracter. As combinações possíveis do cruzamento dos gâmetas de dois progenitores podem ser representadas num xadrez mendeliano como o representado no quadro seguinte.
Quadro 1. Xadrez mendeliano da geração F1, com os resultados do cruzamento da geração parental para o caracter cor da planta.
Gâmetas
V v
Vv v
Vv
V Vv
Vv
No caso das ervilheiras da geração F1 da figura 2, como cada uma das plantas progenitoras era homozigótica para a cor da corola, cada indivíduo da geração F1 resultou da fusão de um gâmeta feminino (♀) que transportava o fator para corola violeta (V) e de um gâmeta masculino (♂) que transportava o fator para a corola branca (v). Esta fecundação originou descendentes com fatores diferentes (Vv). Como os descendentes possuíam a mesma informação (Vv), todos expressavam a cor violeta - uniformidade dos híbridos de 1ª geração. ● Em indivíduos que possuem dois fatores diferentes para o mesmo caracter o fator que se expressa designa-se dominante e o que não se expressa designa-se recessivo. No exemplo da figura 1, a corola violeta era o fator dominante e a corola branca o fator recessivo porque os indivíduos da geração F1 expressavam todos a corola violeta. As características recessivas apenas se manifestam quando os indivíduos possuem dois fatores recessivos iguais. ● No entanto, cruzando os indivíduos da geração F1 entre si, a característica recessiva volta a manifestar-se nos descendentes (F2) (Quadro 2). Quadro 2. Xadrez mendeliano da geração F2, com os resultados do cruzamento dos híbridos da geração F1.
Gâmetas
V v V
VV vV v
Vv vv
O reaparecimento de indivíduos com características recessivas na geração F2 explica-se com base nos princípios enunciados. Quando os indivíduos da geração F1 (todos Vv) originaram gâmetas, metade transporta o fator dominante (V) e metade transporta o fator recessivo (v). Durante a fecundação, resultante de um processo de autopolinização, estes gâmetas unem-se de forma aleatória, esperando-se que na geração F2 (Quadro 2): ▪ 25% dos descendentes sejam VV, tendo por isso corola violeta; ▪ 50% dos descendentes sejam Vv, tendo por isso corola violeta; ▪ 25% dos descendentes sejam vv, tendo por isso corola branca; Os resultados anteriores explicam a razão de 3:1 observada por Mendel na geração F2, para os diversos caracteres que analisou. Mendel (1866) realizou ainda experiências em que cruzou duas linhagens puras que diferiam em dois dos caracteres que estudou (por exemplo na cor e na forma das sementes). Com base nos resultados destas experiências, propôs que a segregação dos fatores para um carácter ocorria de forma
independente da segregação dos fatores para outro carácter.
A descoberta dos cromossomas e dos genes conduziu a que os resultados anteriores fossem reinterpretados à luz do que se passou a designar Teoria Cromossómica da Hereditariedade (Boveri, 1902; Sutton, 1903). Essa teoria organiza-se nas seguintes ideias (Douarin, 2005; Pierce, 2012): ● Cada organismo possui um número variável de cromossomas; ● Os cromossomas são as estruturas responsáveis pela transmissão dos caracteres hereditários; ● Cada cromossoma é constituído, no início do ciclo celular, por uma molécula de DNA; ● No decurso do ciclo celular, o DNA sofre duplicação, formando-se duas moléculas filhas de DNA idênticas a partir da molécula de DNA mãe. Após este processo, o cromossoma passa a ser constituído por dois cromatídeos, cada um deles correspondendo a uma das moléculas filhas de DNA; ● Cada molécula de DNA é constituída por diferentes genes; ● Os genes são as unidades físicas e funcionais da hereditariedade e correspondem aos fatores de Mendel. Cada gene consiste num segmento de DNA composto por uma região transcrita e por sequências reguladoras; ● Os genes podem apresentar formas alternativas, que se designam alelos, responsáveis por variedades diferentes, por exemplo, corola vermelha e corola branca, ou o alelo que codifica a sensibilidade à Feniltiocarbamida (PTC) e o alelo que não codifica a sensibilidade à PTC (ver Figura 3).
Figura 3. Um organismo diploide, isto é, cujos cromossomas se organizam em pares de homólogos, possui dois alelos localizados nos cromossomas homólogos. No caso deste exemplo, o cromossoma possui um gene que codifica uma proteína recetora do sabor amargo. Este gene possui dois alelos bastante frequentes: um codifica uma variante do recetor que é sensível à Feniltiocarbamida (PTC) e outro codifica uma variante não sensível a este composto. Assim, dependendo do genoma do provador, este composto pode parecer muito amargo ou praticamente sem sabor. ● Os gâmetas formam-se por um processo de divisão celular designado meiose. Na meiose, os cromossomas organizam-se aos pares (ver Figura 4). Cada par de cromossomas é constituído por um cromossoma paterno e um cromossoma materno que possuem genes para os mesmos caracteres (cromossomas homólogos);
Cromossomas homólogos
Disjunção dos cromossomas homólogos
Segregação de alelos
Figura 4. Meiose (Original image from NCBI; original vector version by Jakov - File: MajorEventsInMeiosis variant.svg, which is a derivative work of an image found on NCBI; tradução: Patrícia R.). ● Na parte final da meiose I ocorre a disjunção dos cromossomas homólogos, ou seja, as célulasfilhas resultantes recebem apenas um dos cromossomas homólogos de cada par; ● Este fenómeno é aleatório. Cada gâmeta pode conter qualquer combinação de genes de origem paterna e materna porque a disjunção de um par de cromossomas homólogos é independente da disjunção dos outros pares. Salienta-se, no entanto, que cada gâmeta possui genes que expressam todos os caracteres do progenitor. Os alelos desses genes é que podem diferir entre si; ● Finalmente, na meiose II ocorre a separação de cromatídeos irmãos, isto é, cada gâmeta recebe os alelos que pertencem a um dos cromatídeos do cromossoma; ● Durante a fecundação os gâmetas unem-se de forma aleatória. Do processo de fecundação obtêm-se ovos, cada um com genéticas únicas; ● Da aleatoriedade dos processos de disjunção dos homólogos e da fecundação, surge uma enorme possibilidade de combinações de alelos que se traduzem na variabilidade que se observa dentro de uma espécie. Mendel (1866), nas suas experiências, observou que, ao contrário do que acontecia nas ervilheiras onde a cor da flor só podia ser branca ou violeta, nos feijoeiros resultantes do cruzamento de plantas de flores brancas com plantas de flores violeta, os híbridos exibiam flores com uma gradação de cores que iam do violeta ao violeta claro, havendo apenas uma planta a exibir flores de cor branca. Mendel propôs que essa variação de cores poderia ser explicada se a cor do feijoeiro fosse o resultado da mistura de diversas cores, cada uma codificada por um par de fatores independente. De facto, atualmente sabe-se que nas diversas espécies de seres vivos há caracteres que resultam da interação de diferentes genes que muitas vezes segregam de forma independente. Esses caracteres designam-se poligénicos. Muitos dos caracteres observáveis no ser humano são deste tipo, resultando
da interação de dezenas de genes, como por exemplo, a cor da pele ou dos olhos (Beleza et al., 2013a, 2013b). A maioria destas apresentam grande variabilidade e padrões hereditários mais complexos. A frequência d genéticas das populações depende de processos evolutivos como a seleção natural, sexual e artificial ou a deriva genética. Esses que, num dado ambiente, permitem aos indivíduos deixar mais descendentes, tornam-se cada vez mais frequentes ao longo das gerações, ao passo que, as que diminuem a capacidade reprodutiva dos indivíduos vão desaparecendo. Este processo, descrito por Darwin e Wallace em 1858, pode ser devido a: ● diferenças na capacidade de sobrevivência e reprodução dos indivíduos em ambientes naturais seleção natural (Darwin, 1858; Wallace, 1858); ● diferenças na capacidade de reprodução dos indivíduos por terem maior facilidade de acesso a parceiros de sexo oposto - seleção sexual (Darwin 1858 e 1859). A seleção sexual pode escolher que tornem os indivíduos mais capazes de encontrar, atrair e lutar por indivíduos do sexo oposto, ou que lhes confiram maior capacidade de produzir gâmetas ou estarem sexualmente ativos por mais tempo (revisto em Sá-Pinto, Cardia e Campos, 2017. 2 Darwin (1859) introduziu ainda o conceito de seleção artificial que consiste na alteração da frequência de populações de espécies domésticas por intervenção de criadores e produtores que selecionam os indivíduos reprodutores com base em caracteres que lhes interessam do ponto de vista da produção ou utilização dessas espécies. As diferentes raças de cão são um excelente exemplo deste processo. Para complementar a informação sobre as temáticas anteriores, sugere-se a consulta dos seguintes documentos da Casa das Ciências®: Conceitos Referência online Alelo http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Alelo Ácido nucleico http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/%C3%81cido_Nucleico Cariótipo http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Cari%C3%B3tipo Cromossoma http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Cromossoma Cromossomas homólogos http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Cromossomas_Hom %C3%B3logos
Darwin DNA
http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Darwin http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/ADN Evolucionismo http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Evolucionismo Fenótipo http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Fen%C3%B3tipo Gene http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Gene Genótipo http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Gen%C3%B3tipo Heterozigótico http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Heterozig%C3%B3tico Homozigótico http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Homozig%C3%B3tico Meiose http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Meiose
2 Para exemplos de caracteres sob seleção sexual, pode consultar o recurso didático traduzido de SáPinto, Cardia e Campos 2017 disponível em https://drive.google.com/open?id=1Jq1xqGxpKojENnkGwWn6_cbcu4ZSs4M. Para saber mais sobre as causas e consequências deste processo sugere-se que consulte a recente revisão de Sá-Pinto, Cardia e Campos (2017).
Mendel Mitose Morgan Teoria cromossómica da hereditariedade http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Mendel http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Mitose http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Morgan http://wikiciencias.casadasciencias.org/wiki/index.php/Teoria_Cromoss %C3%B3mica_da_Hereditariedade
Sugere-se, ainda, a consulta dos seguintes recursos sobre evolução disponíveis na Casa das Ciências®: Os Factos da Evolução – Capítulo 1 Os Factos da Evolução – Capítulo 2 Os Factos da Evolução – Capítulo 3 Os Factos da Evolução – Capítulo 4 Os Factos da Evolução – Capítulo 5 Os Factos da Evolução – Capítulo 6 Campos, R. (Ed.) et al. (2013). Um livro sobre evolução. CIBIO, Centro de Investigação em Biodiversidade e Recursos Genéticos. Porto, Portugal. https://www.casadasciencias.org/recurso/8141