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A VIDENTE

A VIDENTE

Fernanda e Tânia são colegas no mesmo escritório. No final de semana saem para festas, bares ou pizzarias. Numa dessas festas, conheceram um rapaz magrinho com cerca de dezessete anos, moreno, barba rala, tatuagem nos braços e brinco numa das orelhas. Suas vestimentas destoavam do restante dos outros homens já que era aniversário de um jovem advogado e este havia convidado colegas do Forum, do Tribunal de Justiça e escritórios de advocacia. Os convidados e o aniversariante trajavam calça, camisa e sapatos sociais, alguns ainda estavam com blazer; outros, mais acalorados, de mangas de camisa. Conforme o tempo foi passando, a conversa fluindo, o volume das conversas e o calor foram aumentando, as mangas das camisas foram sendo enroladas nos braços, as gravatas foram retiradas, mas isso não diminuía a elegância dos advogados.

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O rapaz magrinho estava de tênis velho, calça jeans, camiseta muito usada e boné com a aba virada para trás. Tânia notou a diferença, mas não se importou. Fernanda notou e ficou com um pé atrás. – Você vai dizer que sou preconceituosa, mas esse rapaz aí é bem estranho, não? – diz Fernanda apontando o magrinho com o queixo. – É... Achei que ele é um estranho neste grupo, mas no grupo dele não destoaria nadica. – E qual é o grupo dele? – Ora Fer, percebe-se de cara que ele é um morador de uma comunidade pobre, né? – responde a intelectual Tânia. – Mas até que é bem bonitinho... – Hã hã. Venha comigo. – fala Tânia, já puxando a tímida Fernanda pelo braço e encaminhando-se até o magrinho.

Contando com o desembaraço de Tânia, logo os três novos amigos já estavam em animada conversa. O papo não fluiu com temas de alto padrão, tendo em vista que a diferença cultural era grande, mas o que fez com que as moças permanecessem na prosa foi o que ouviram do magrinho.

Fernanda e Tânia não se lembram de como foram parar nesse assunto, mas após alguns drinques, estavam cochichando sobre adivinhar o futuro. E o magrinho disse: – Minha avó é vidente! E das boas!

– É? – gritaram as duas. – Vixe se é! Tem um montão de freguesas que saem daqui das “grãfinage” e vão lá pedir conselho prá velha. – Ah Tânia! Sempre tive vontade de fazer umas perguntinhas para alguma vidente, mas você sabe, né? Sou uma medrosa. – disse Fernanda timidamente. – Onde mora sua avó? – quis saber Tânia. – É logo ali depois dos trilhos. Querem ir lá agora? Ela vai dormir sempre por volta da meia noite. É cedo ainda! Levo vocês lá.

As duas se olham. Tânia percebe o medo nos olhos da amiga. É o medo do desconhecido, da escuridão. – Vamos sua boba. Não temos nada a perder. Essa é sua oportunidade. – fala Tânia, a despachada.

Os três saem do clarão da festa, para a escuridão da rua. Caminham um quarteirão, atravessam os trilhos do trem, viram à esquerda e ali já não tem mais asfalto e nem calçamento nas ruas. São ruas de terra batida. Caminham mais uns quatro quarteirões. A escuridão é quase total, já que a maioria das lâmpadas dos postes de iluminação pública está queimada. – Falta muito? – indaga Fernanda com os olhos arregalados, já quase se arrependendo desse passeio noturno. – Não. Já estamos quase chegando. Estão vendo aquela casa lá? É a casa das primas! Minha avó mora quase em frente – diz o magrinho apontando para uma casa vermelha com o muro vermelho. – Suas primas? – quis saber Fernanda. – Não, sua boba! – responde rindo sua amiga Tânia. – Casa das primas é como se chama a casa das quengas, das mulheres da vida. Entendeu?

Os três caminham mais um pouco e chegam numa casa bem humilde, com pintura gasta pelo tempo, com o muro e as paredes sujas de manchas de umidade. O magrinho abriu o portão velho de madeira e foram entrando num corredor escuro ao lado da casa, até chegar na porta dos fundos que estava aberta. Entraram.

Ali encontraram uma sala pequena, iluminada por uma fraca luz amarela. Calor. Muito calor. Cheiro de comida e suor. Sofá rasgado coberto por uma manta velha, mesa para refeições com quatro cadeiras. Tudo velho e pobre. No fogão velho, a mãe do rapaz magrinho terminava de esquentar o leite e preparar as mamadeiras dos gêmeos.

– Chegou? Demorou, ein? Tava boa a festa dos bacanas? – a mãe perguntou já levando as mamadeiras e as crianças para o quarto, sem nem esperar pela resposta do magrinho. – Vó! Trouxe duas amigas que querem conhecer a senhora. – diz o magrinho dirigindo-se para uma senhora numa cadeira de balanço. – Oh! Que lindas suas amigas! Venham meninas! Aproximem-se! Não precisam ter medo desta velha feia! – diz rindo, com hálito de alho e mostrando a boca sem dentes. A avó era magra no rosto enrugado e gorda da cintura para baixo. Usava uma blusa estampada bem colorida, com babados nas mangas curtas e no busto; saia vermelha, longa e rodada. Nos pés, chinelos corroídos pelo tempo e unhas com esmalte descascado na cor vermelha. Seus longos cabelos grisalhos e desgrenhados estavam presos num coque quase desmanchado.

Depois dos cumprimentos, a avó se levanta e diz: – Me acompanhem. Vamos até minha salinha preferida. É meu “atelier”, como disse uma freguesa.

Encaminham-se para outra peça da casa, que não tem porta, mas é dividida por uma cortina de chita colorida, suja e ensebada. A avó segura a pobre cortina para as jovens entrarem. – É agora... – pensa Fernanda. – Não vejo a hora de tudo terminar e sair daqui correndo. Não gostei nada deste lugar. Povo meio estranho. Estou com medo. – É agora... – pensa Tânia. – Nunca acreditei em videntes, mas já que estou aqui, porque não? Aí deve ter uma mesinha com uma bola de cristal, velas e baralho...

Entram na sala e se deparam com uma jovem magra que está experimentando um vestido bege com listas douradas. – Gostaram de meu vestido novo? Está ficando lindo, não? Minha mãe é que está costurando para eu ir numa festa! – diz sorridente a irmã caçula do rapaz magrinho, dando uma volta em torno de si, fingindo estar desfilando. – Lindíssimo! – as moças concordam.

(Continua mais tarde ou você pode terminá-lo para mim. Aceita o desafio? Aguardo sugestões).

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