Nem tudo o que se vê se fala Anide Araújo Ducilene Araújo Vanilde Gonçalves Povo Xakriabá
Nem tudo que se vê se fala ciência, crença e sabedoria Xakriabá
Presidência da República Ministério da Educação Secretaria Executiva Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão Diretoria de Políticas para Educação do Campo, Indígena e para as Relações Étnico-Raciais Universidade Federal de Minas Gerais Reitor: Clélio Campolina Diniz Vice-Reitora: Rocksane de Carvalho Norton Faculdade de Letras Diretor: Luiz Francisco Dias Vice-Diretora: Sandra Maria Gualberto Braga Bianchet Núcleo Transdisciplinar de Pesquisas Literaterras Coordenadora: Maria Inês de Almeida Orientação Betty Midlin | Cristina Borges (monitora) Ilustrações e fotografias As autoras Preparação dos originais Lívia Kelly Valentim Assis - Labed/ Fale/ UFMG Projeto gráfico e diagramação Ana Carvalho - Fernando Ancil | Casa Paraisópolis Coordenação Editorial Maria Inês de Almeida
Anide Araújo Ducilene Araújo Vanilde Gonçalves Povo Xakriabá
Nem tudo que se vê se fala ciência, crença e sabedoria Xakriabá
Literaterras | Fale |UFMG Belo Horizonte 2013
Dedicamos este livro ao povo Xakriabá, que contribuiu para a realização deste produto e especialmente aos entrevistados das aldeias Brejo Mata Fome, Riacho do Brejo, e Imbaúba. Dedicamos também aos coordenadores, orientadora e monitores que ajudaram na organização deste trabalho.
Agradecemos primeiramente a Deus por nos ter dado inteligência e o dom da sabedoria. Depois, à nossa família que nos deu apoio durante essa caminhada e nos ajudou para que essa pesquisa fosse realizada, contribuindo com o que sabia e nos orientando. E ao nosso povo que a todo momento estava disponível para nos ajudar no que precisávamos. E também aos professores, orientadores e monitores que foram uma ponte forte, que nunca quebrou nem nos deixou cair. Sempre compartilharam as suas experiências e sabedorias de mestres. Não podemos nos esquecer dos nossos alunos que sempre estão dispostos a contribuir no que precisar, e que contribuíram, inclusive, com as ilustrações presentes neste livro.
Chegou tempo de Deus molhar o jardinzinho dele. Seu Marinho
CIÊNCIA: é palavra muito usada pelo nosso povo, no
sentido de cautela, de saber fazer alguma coisa. Está relacionada com proporcionar o bem e a saúde. Até na forma de organizar um ritual, não pode ser qualquer um de qualquer jeito, tem que seguir uma regra porque, senão, aquilo que vai fazer poderá não ser realizado, cumprido e surtir efeito. Essa regra é a ciência.
CRENÇA: tem o sentido de se acreditar no que diz respeito
a todos os nossos costumes, não só material e visual, mas também espiritual, ou seja, diz respeito às coisas concretas e às abstratas.
SABEDORIA: é tudo aquilo que vem guardado na
memória, coisas que há muito foram acontecidas, e também tem a ver com o significado de saber alguma coisa, no sentido de ser inteligente e conhecer além daquilo que é ensinado na escola ou na família. A pessoa já nasce com aquele saber. Essas três palavras caminham juntas, esse trio não pode separar.
SUMÁRIO
APRESENTAÇÃO
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BREVE HISTÓRIA DO POVO XAKRIABÁ
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CIÊNCIA DOS ALIMENTOS Conservação dos alimentos Preparação dos alimentos
23 24 25
CIÊNCIA DA MATA Sobre as plantas Encantados
27 28 28
CIÊNCIA DA LINGUAGEM Coisas que não podem ser ditas Coisas boas de serem ditas
31 32 33
CIÊNCIA DA RELIGIÃO Quaresma Benzimentos Promessas Rezas
35 36 37 38 39
CIÊNCIA DOS MORTOS O que fazer para evitar a morte Comportamento durante sentinela e enterro Cuidados com o corpo do morto Significado do sétimo dia e luto
41 43 43 44 45
CIÊNCIA DA CASA Cuidados com a casa
47 48
CIÊNCIA DO SABÃO E DO AZEITE Como fazer
51 52
CIÊNCIA DA MULHER E DA CRIANÇA O que a menina ou moça não pode comer Menstruação Gravidez Resguardo
55 56 56 58 59
CIÊNCIA DE BICHO RUIM Lacraia Cobra Caranguejo
63 64 64 65
CIÊNCIA DO CÉU Lua Sol e sereno Estrela Caminho de Santiago Chuva Profecia de São João Vento Neve Cova de Eva e Adão Arco-íris Céu Zelação
67 68 68 69 69 69 70 71 71 72 72 72 73
CIÊNCIA DA CAÇA Orientações
75 76
CIÊNCIA DO CORPO Cuidados gerais Saúde do homem Cuidados com a criança
79 80 80 80
CIÊNCIA DO SONHO Significado dos sonhos
85 86
CIÊNCIA DA VIAGEM Antes da viagem e durante a viagem: os cuidados Sinais de má sorte e boa sorte
89 90 90
CIÊNCIA DOS REMÉDIOS E DA CURA 3 remédios para herna Animais que servem de remédio Cuidados com os animais Purgante Receita do purgante de azeite Plantas
93 95 95 96 96 97 97
CIÊNCIA DA ROÇA Informações gerais
99 100
CIÊNCIA DOS ANIMAIS Pássaros: os pássaros também nos informam Outros animais
103 105 106
CIÊNCIA DO CASAMENTO Casamento com tição de fogueira de São João: casamento de antigamente Cuidados do noivo e da noiva
109 110
ENTREVISTADOS Aneli Cardoso de Araújo – Brejo Maria Pereira da Conceição – Brejo Euvira Gomes de Oliveira – Brejo Joana Cardoso de Araújo – Brejo João Gomes de Oliveira – Brejo Mata Fome Vicente Gomes de Oliveira – Imbaúba Joana Gomes do Nascimento – Imbaúba Rosilene Gomes de Oliveira – Imbaúba Marinho João de Araújo – Brejo Mata Fome Maria Gomes de Oliveira – Brejo Mata Fome
115
110
Anália Gomes de Oliveira – Terra Preta Iracema Teixeira de Oliveira – Riacho do Brejo Delmiro Pereira de Souza – Brejo Mata Fome Rosa Gomes de Oliveira – Riacho do Brejo José Paulo Santiago – Brejo José de Araújo Souza – Brejo Mata Fome Laurentino Gomes de Oliveira – Riacho do Brejo AS AUTORAS Anide Araújo Ducilene Araújo Vanilde Gonçalves
125 127 127 129
CONCLUSÃO
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GLOSSÁRIO
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APRESENTAÇÃO Este livro é o resultado de uma pesquisa sobre as sabedorias, crenças e ciências do povo Xakriabá, relacionadas aos fenômenos e elementos da natureza e também relacionados aos hábitos e comportamentos do povo Xakriabá. O que é uma ciência para os Xakriabá? Uma ciência já vem do tempo antigo, tem a ver com os segredos, uma coisa que a gente conheceu das pessoas mais antigas e foi sempre acompanhando. E não são todas as pessoas que podem falar. Fica só na cabeça, quem sabe morre levando o conhecimento para baixo do chão. Às vezes, nem neto nem filho podem saber. O segredo é contado para as pessoas escolhidas, os mais velhos já sabem para quem contar, por causa dos comportamentos das pessoas. Uma brincadeira não é uma ciência. Uma ciência não é uma brincadeira. Brincadeira qualquer pessoa pode falar para qualquer pessoa. Esta pesquisa foi realizada em três aldeias: Imbaúba, Brejo Mata Fome e Riacho do Brejo. Depois do contato com pessoas não índias e com os conhecimentos trazidos por elas, muitas pessoas das aldeias, principalmente os jovens e crianças, estão deixando de lado os conhecimentos dos velhos Xakriabá. Escolhemos pesquisar o tema sobre a sabedoria, ciência e cultura Xakriabá, porque são coisas que fazem parte do nosso cotidiano e englobam vários assuntos importantes, que devem ser valorizados. Cada uma das pessoas entrevistadas tem conhecimentos diferentes, adquiridos de várias formas. Umas por experiências próprias e outras com a convivência com outras pessoas. Cada um desses conhecimentos vem sendo passado de geração para geração e faz parte da cultura Xakriabá. São conhecimentos que dizem respeito a nossa saúde, religião, reprodução, diversão, tra19
balho, alimentação, moradia, relações sociais, enfim, tudo o que é essencial para que um grupo possa crescer vivendo em harmonia. A comunidade pode participar da revitalização da cultura através de conversas, reuniões, trabalho na sala de aula etc, a fim de identificar melhor as principais sabedorias dos velhos Xakriabá, estimulando a curiosidade em saber sobre cada ponto mais especificamente. Este produto será muito importante porque poderemos fortalecer nossa identidade étnica, mostrar as coisas que estão quase extintas no nosso povo e recordar várias coisas que há muito tempo estão adormecidas. Nós sabemos que muitas das tradições explicadas neste livro são fruto da mistura da cultura indígena com outras, como a católica e a que veio com os africanos. Ser Xakriabá é ser essa mistura, e é sobre ela que falamos neste livro.
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BREVE HISTÓRIA DO POVO XAKRIABÁ A terra do povo Xakriabá localiza-se no Norte de Minas Gerais, às margens do rio São Francisco, município de São João das Missões. A população que vive na área legalizada é de aproximadamente 9 mil pessoas, vivendo em 32 aldeias. O nosso território foi demarcado em 1979 e homologado e oficializado em 1987. Atualmente, a extensão territorial é de 54.614 hectares. No período da tirada dos posseiros, houve vários conflitos e derramamento de sangue entre os Xakriabá e os posseiros que não queriam desocupar a terra. Nessa retomada da terra, muitos Xakriabá saíram do território para as cidades vizinhas com medo de serem mortos. Outros, porque não queriam ser identificados como Xakriabá. Então, eles estão espalhados em várias cidades, como Januária, Miravânia e Belo Horizonte, e em outros estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Goiás, Bahia, Brasília etc. O povo Xakriabá vive da agricultura e da criação de animais de grande e pequeno porte. Por ser uma região muito seca, muitas pessoas saem todos os anos para os cortes de cana e outros serviços no próprio estado, e em outros. Não só os homens saem para trabalhar fora, mas também as mulheres. Muitos retornam para a aldeia, outros levam a família e acabam morando em outros lugares, alguns que são solteiros arrumam família e acabam ficando longe mesmo, só voltam a passeio. Muitos desses Xakriabá, mesmo morando na cidade, ainda seguem preservando alguns dos costumes. É o caso de nosso tio Francisco, que mora em Osasco, São Paulo, há 36 anos, e de nossa tia Benedita, que mora em Carapicuíba, São Paulo também. Eles ainda seguem muitas regras em relação às ciências Xakriabá. E por essa característica e pelas tradições que seguem são identificados como índios. 21
CIÊNCIA DOS ALIMENTOS Sem alimentos não vivemos, mas precisamos estar informados sobre como e quando podemos consumir cada um para que ele não prejudique a nossa saúde. Para os alimentos ficarem mais tempo conservados, temos que tomar alguns cuidados: saber como colher e onde guardar. Devemos observar se o alimento não está estragado e se está em boas condições para ser consumido.
CONSERVAÇÃO DOS ALIMENTOS O feijão-catador, verde, não pode ficar embolado, porque nascem uns brotinhos que precisam ser retirados antes de cozinhar. E o feijão-de-arranca, se ficar embolado, fica todo azul. Se torrar a farinha e não deixar esfriar para pôr no saco, ela dá bolor. É preciso deixar esfriar. Se arrancar a mandioca e deixála pegar vento, ela fica azul, igual podre, não presta para comer. Tem que arrancar e colocar no saco logo, ou, então, na geladeira (não são todas as casas que têm geladeira). Se a gente põe a carne no sol para secar, só pode virar de um lado para o outro quando o sol esfriar, senão, ela perde. Para fazer carne seca em época de chuva, pode fazer tipo um varal (de arame ou pau, ou algo equivalente) e acender um fogo (fogo baixo, só para alentar) abaixo da carne. Quando não tem geladeira, para conservar a carne é necessário salgar. Se não quiser salgar tudo, faz um furinho no meio da carne e coloca sal lá dentro – um bolinho de sal. Na hora de fazer a carne, tira o bolinho. Se deixar o fubá sem torrar de um dia para o outro e numa vasilha fechada, ele azeda e muda de cor, fica vermelho. Para não acontecer isso, coloca uma brasa acesa no meio da vasilha que tiver com o fubá. Pode deixar até no outro dia sem consumir que ele fica bom. Se quiser que o pé de laranja dê muita laranja, coloque milho na saia, na barra da saia virada, no dia 24 de junho, dia de São João, e salte a fogueira. Coloque junto dos caroços de milho um pedaço de rapadura. Para a laranja ficar doce, jogue este milho no pé de laranja. Quanto ao pé de manga, para ele dar muito, é preciso repicar a parte debaixo do tronco da mangueira, na época da floração, com um machado, fazendo um monte de cortinhos nele. É importante saber que quando a mulher estiver menstruada, elanão pode cortar carne para deixar para outro dia, porque a carne perde, azeda. 24
PREPARAÇÃO DOS ALIMENTOS Se o arroz queimar, coloca o garfo ou a colher no meio da panela que o cheiro de queimado sai e acaba, ou, então, pegue um bolo de arroz e coloque no fogão ou no chão, e coloque a panela em cima, assim, o cheiro de queimado também sai. Este bolo de arroz precisa ficar embaixo do fundo da panela e no meio. Para a carne de caça não ficar rabugenta, freventar com folha de mandioca. Assim, a carne fica boa. Para o bolo não ficar rabugento, tem que tirar aquele negocinho do ovo, ou seja, um tipo de um olhinho branco, que é pra quando vai nascer pintinho. Para pisar milho é bom que seja na madrugada velha, lá pras 3 horas, porque é um horário que está mais fresco. Em hora de sol forte, o sol acaba com as forças da gente mais rápido. Ao preparar um frango, deve-se cortá-lo em cruz. Se cortar uma asa, corta depois a coxa do lado oposto, se cortar a coxa, corta, então, a asa oposta.
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CIÊNCIA DA MATA Precisamos ter cuidado ao andarmos pela mata, porque nela há vários mistérios que nos trazem coisas boas ou ruins. Precisamos seguir algumas regras, para não acontecer coisas desagradáveis. Tem umas lapas que são encantadas. Algumas pessoas (pessoas que não são do lugar) não podem entrar nelas. Se entrar, a lapa fecha a boca e prende a pessoa lá dentro.
SOBRE AS PLANTAS A arruda fulora na sexta-feira da paixão, meia-noite. Ela fulora e se a gente conseguir pegar as flores, fica rico. Mas tem que lutar com um monte de espírito mau que vem para pegar também. No pé de jenipapo sempre se encontra fruto (maduro, verde, pequeno, grande) e flor. O pé de jenipapo produz direto. E se a gente for vê-lo e não tiver nada disso é que o mundo vai acabar. Os mais velhos contam que tem uma rama na mata que faz a pessoa ficar perdida se saltá-la. Só que ninguém sabe o nome dessa rama, só sabe que existe. Até hoje, acontece de alguém ainda se perder na mata. E a gente acredita que ainda existe essa rama desconhecida. E também ninguém a vê, é como se ela fosse invisível. Algumas árvores choram, adivinhando chuva. Uma delas é a pataquinha. ENCANTADOS Bicho-homem é um bicho parecido com um homem, é muito cabeludo. Tem dois metros de altura e fica no fundo das matas, onde quase não passa gente nem cachorro, é muito perigoso. Se ele conseguir pegar alguém, ele come. Temos uma grande sorte, nos livramos do bicho-homem, porque ele tem medo de cachorro, tem o espinhaço duro e não passa debaixo do arame. Também não tem faro. O Bicho do morro é parecido com um jegue. É muito perigoso se ele enxergar alguém e conseguir alcançar, pois ele come a pessoa. Vive na mata onde quase não passa ninguém. Xibungo é um bicho também conhecido por pé-de-garrafa, 28
porque tem os dois pés parecidos com um fundo de garrafa, sóque um é maior do que o outro. Ele vive na mata, mas, à noite, vem próximo das casas roubar galinha – quando não consegue outra comida na mata. Ele tem o espinhaço duro e dorme em pé, encostado numa árvore. Se a gente descobrir a árvore que ele dorme e cortá-la, o coitado chega para dormir, encosta sem olhar para trás, pensando que a árvore está no lugar, cai e morre se não achar nada pra segurar.
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CIÊNCIA DA LINGUAGEM Precisamos ter cuidado com o que falamos, pois nem tudo o que fazemos pode ser revelado e há palavras que não podemos falar, porque pode acontecer algo ruim.
COISAS QUE NÃO PODEM SER DITAS Os mais velhos não gostam que se fale caverna, o nome mais adequado é lapa, eles entendem que é um nome mau, para falar de lugares maus, como inferno. Cão também não pode falar, que significa nome mau. Liossário é capeta. Existem uns nomes que não podemos nem escrever aqui, porque é proibido, e trazem coisa ruim. Os mais velhos não gostam de falar sobre menstruação. Quando a pessoa fala “dei certo” é porque ficou menstruada. Quando não vem, fala “tá atrasado”, “esse mês não veio pra mim”. A primeira menstruação da menina chama quebrar o pote. Hoje em dia, fala mais é de brincadeira. Quando a mulher está menstruada e brava que nem boi, se diz que ela “tá de boi” ou “tá com bichado” ou “tá luada”. Esta última expressão pode ser usada para qualquer situação em que a pessoa estiver nervosa, na lua nova tem gente que fica nervoso. Quem sente a doença do ar não pode saber que sente. Ninguém pode contar pra ela. E não pode contar pra ela também quais foram os remédios dados (semente de croá, espinho de caixeiro, caroço de café cru, arroz com casca, couro de michila, chifre, mostarda e outros). O mesmo é com remédio para curar bronquite. A pessoa com bronquite tem que tomar um chá ou outra bebida, contendo lesma torrada, ou mocotó torrado, ou barba do pai torrada. E não pode saber por que tomou. Tem que ser escondido. Para sarampo, a pessoa tem que tomar uma água em que foi escaldada uma lagartixa viva, e não pode saber disso. Ou, então, deve comer a carne de uma lagartixa sem saber (misturada com outras carnes). As rezas não devem ser ensinadas para qualquer um, nem escritas. Se escrever a oração, ela enfraquece. Rezas para 32
benzer,se uma mulher souber e julgar adequado ensinar para alguém, tem que ensinar para um homem,um homem escolhido para aprender e que quiser aprender. E um homem deve ensinar para uma mulher, para a reza ficar forte. A gente tira o óleo do pau d’óleo (copaíba) e não pode falar o nome dele, senão, não sai o óleo. Findingo é um remédio de horta, também não pode falar o nome perto da planta, senão, ela morre. Outra palavra que não pode dizer é “chuva de pedra”, tem que falar “chuva de flor”. COISAS BOAS DE SEREM DITAS No ano novo, é bom fazer esse diálogo com alguém encontrado. Tem que ser antes do almoço e antes de cumprimentar: “– Me paga minha boa entrada do ano. – Me paga minha festa também.” A pessoa que falou primeiro deve receber um presentinho da segunda (que pode ser um pouco do almoço de ano novo ou qualquer outra coisa que a pessoa quiser dar). Depois, a pessoa que ganhou retribui de algum modo. Dar a bênção na hora de dormir ou na hora de sair é muito importante. A pessoa diz: “Vai com Deus!”, ou: “Dorme com Deus!”. E a outra responde: “Amém. Fica com Deus também!”, ou: “Dorme com Deus também!”. Se a pessoa se esquecer de dar bênção ou for alguém que não tem costume de dar bênção (alguém novo, por exemplo), a gente diz: “Tô indo!” para a outra perceber que é para dar a bênção. Quem recebe a bênção fica mais confiante, seguro. Ao invés de falar “Obrigado” é melhor falar “Deus te ajuda”.
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CIÊNCIA DA RELIGIÃO Religião é aquilo que nos ajuda, cura, guia, com poder divino e espiritual.
QUARESMA Quaresma são os dias mais finos, dias de guarda. A Quaresma são 7 semanas e meia. A Quaresma é tempo de fazer coisas boas, dar bênção aos pais, aos parentes, aos padrinhos, às pessoas mais velhas em volta, visitar os doentes e outras pessoas. Durante a Quaresma, não podemos comer carne às quartas e sextas-feiras. Quando entra a Semana Santa, ninguém come carne a semana inteirinha. Na última semana da Quaresma, só trabalhamos segunda, terça e quarta até o meio dia, porque são dias finos. Antigamente, rezava todos os dias da Quaresma, hoje, só se reza nas sextas-feiras e, na Sexta-feira da Paixão, reza a noite toda até o sol sair. As rezas da Quaresma só acabam domingo de Páscoa. As rezas podem ser comunitárias ou individuais. As rezas comunitárias são uma sequência de textos, cantos, palavras sabidas de cor, e são rezadas em uma ordem certa, em festejos, promessas e outras situações. Quando jejuar, tem que deixar um pouquinho de comida no canto da casa para os insetos comerem e morrerem. E jogar um pouco no riacho para os peixes. É uma caridade com os peixes. Os mais velhos acreditam que no céu tem um rio e, quando a gente for para o céu e tiver que atravessar esse rio, os peixes vão ajudar. É para quando morrer e chegar do outro lado do mundo, os peixes ajudarem. Tem que falar para os peixes na hora de jogar a comida: “É para você me ajudar a chegar do outro lado do mundo”. Tem que falar a falinha. Na Quaresma, a gente costuma beber bebidas amargas para ti rar os pecados, as impurezas do corpo. Não pode comer coisa doce. Até o café tem que ser amargo. Na sexta-feira, a gente espera o galo cantar. Se o galo não canta, no outro dia não vai sair a aleluia. A aleluia sai junto com o 36
sol, bate na vasilha de água. A aleluia é um símbolo que se vê no sol, é um reflexo. Eles colocam uma vasilha de água de frente ao lugar que o sol sai e conseguem ver aleluia nesta água. A aleluia pode ser uma estrelinha, uma flor ou uma cruzinha. Se alguém enxergar a aleluia, solta foguete, faz comida e fica alegre. Se não ver, não tem nada. Tem uma reza específica, que eles rezam quando o sol sai, para agradecer a aleluia. Pode ser um bendito ou uma oração. BENZIMENTOS Aquilo que cura benzendo com ramo: dor de dente, quebrante, dor no corpo, dor de cólica e bicheira. No benzimento, junto com o ramo, tem também uma reza, que não pode ser dita nem escrita. Dor de cabeça, dor de garganta, dor no estômago e engasgo benze com o dedo, fazendo um gesto. Para todas essas dores, fazse o mesmo gesto, mas a oração é diferente. Para isipa e para cortar íngua, benze com tição de fogo. É bom andar com um dente de alho, para não ser pego pelo espírito do mal, para ele não encostar. Espírito do mal é algo que não se vê, mas se sente. É invisível, só quem foi pego por este espírito é que vê. Às vezes, essa pessoa conversa com ele e mostra para outras pessoas, mas ninguém vê nada. Alguns dizem que foi alguém que praticava o mal e que morreu e que não conseguiu um lugar bom depois da morte. Outros dizem que é um ser do mal mesmo, que nunca foi gente. Pode aparecer em forma de animal ou de pessoa. Não se pode dormir com nenhuma ferramenta (faca, canivete, arma etc) na cama, porque, desse jeito, o anjo que nos guarda não encosta na gente. Dormir com o livro debaixo do travesseiro ou na cabeceira ajuda a abrir a memória, aprender mais. 37
Para fechar o corpo da criança, pega a criança na Sexta-feira da Paixão e passa 3 vezes por baixo da perna do pai. O pai fica no meio da porta, uma pessoa fica de um lado da porta e outra do outro lado, para pegar a criança. Quando a gente está com queima (azia), coloca o dedo polegar, o indicador e o anelar na cinza e passa na ponta da língua 3 vezes, que assim acaba a queima. PROMESSAS Se a pessoa estiver doente, alguém faz um juramento para um santo. Manda rezar uma ladainha, soltar fogo ou dá algum presente para o doente. Em cada promessa, a pessoa que a faz determina qual será o tipo de reza: São Gonçalo, Reis, ladainha etc. Se você sentir uma dor, você pode fazer um boneco de cera, representando a parte do corpo que dói. Então, coloca-se este bonequinho no pé de um santo. Quando o neném está doente, ele pode ser dado para um santo, como uma consagração, mas aí este neném não pode casar quando crescer. Se casar, ele morre. Se não cumprir, acontece alguma coisa de ruim com a pessoa. Durante uma promessa, a pessoa não pode fazer baile, porque, senão, a promessa não fica cumprida. Se quiser fazer um samba, aí tudo bem, porque isso é uma cultura antiga. A festa de Santa Cruz não pode parar, de 7 em 7 anos, o dono dos festejos sai e outro entra no lugar e fica mais 7 anos. Não pode rezar bendito de incelência na época de chuva. Se rezar, não chove. Bendito de incelência é um bendito contado, que envolve números, cada verso fala de um número. É um tipo de bendito muito comum entre nós, porque ele é forte. Quando morre uma pessoa numa época em que está invernado, e a chuva para, pode-se dizer que rezaram uma incelência. Só pode rezar na época de seca. 38
REZAS A reza é muito importante, porque é por meio dela que evocamos o poder espiritual, demonstramos nosso sentimento e agradecemos pela conquista recebida. A maioria das rezas são aprendidas oralmente e não devem ser escritas, porque, senão, perdem seu poder. Se alguém precisar de uma reza, mesmo que ela não saiba rezar aquela oração, pode contar com a ajuda de quem sabe. Os benzedores não ensinam tudo o que sabem, mas estão sempre com boa vontade para curar. O benzedor escolhe apenas as pessoas de confiança para ensinar e aquelas em quem eles percebem o dom de curar. Isso vale para as rezas mais sérias (tirar espírito mau, por exemplo). Rezas para problemas simples (quebrante, mau-olhado, dor de dente, dor de cabeça etc), todo mundo pode saber, basta ter interesse em aprender e procurar alguém que saiba.
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CIÊNCIA DOS MORTOS Os mortos também precisam de cuidado e respeito porque, mesmo depois de mortas, as pessoas continuam importantes. Existem regras que precisamos seguir, senão, podem acontecer coisas desagradáveis. Para o povo Xakriabá, os espíritos dos mortos continuam ajudando a lutar, dando coragem e nos livrando dos perigos.
O QUE FAZER PARA EVITAR A MORTE Você não pode deixar a sandália ou sapato com o solado para cima nem pode colocar as mãos no cangote, porque o pai ou a mãe pode morrer. Não pode também andar de costas, porque agoura seu pai e sua mãe. COMPORTAMENTO DURANTE SENTINELA E ENTERRO Quando morre uma pessoa, a gente não pode sair antes de meia-noite do velório. Se sair, a pessoa fica assombrada e a alma do morto acompanha aquela pessoa que saiu. Alguns acreditam que quem chega à sentinela à noite, só pode sair depois das 5 h da manhã, quando estiver clareando. Se a pessoa for embora antes dessa hora, vê livuzia. Já aconteceu de livuzia deixar muita gente assombrada. O certo é sair da sentinela depois do enterro. Depois, os parentes do morto têm que dormir 7 noites com a família do morto. Se não puder ficar os 7 dias, não pode dormir nem um dia, porque faz mal. Eles também não podem trabalhar em serviço nenhum. Tudo o que se fizer é para o morto. Se estiver trabalhando tem que parar. Pode ser qualquer serviço. Quando morre parente, não se pode comer ovo ou banana. Se a gente comer, quando morrer, fica podre antes de enterrar. Não pode comer nada de doce, senão, incha a barriga. Se comer e inchar a barriga, tem que ir ao cemitério, pegar terra da sepultura, cozinhar e beber para melhorar. Isso acontece com muita gente. Não pode comer também coisa de rama (abóbora melancia). Se comer, puxa a família (as pessoas morrem mais rápido, antes da hora). Quem abrir a sepultura tem que tomar banho logo depois 43
e trocar de roupa. Quem for na sentinela também. Quando sai da sentinela, não pode despedir e não pode dizer que vai embora, porque nesse dia é só quem morreu que pode despedir do povo e do mundo. CUIDADOS COM O CORPO DO MORTO No velório, o corpo do morto que é pecador – quando não é criança – é colocado com os pés virados para a porta. Quando for sair para enterrar, não pode virar. Sai de casa com os pés já virados para o cemitério. O corpo é enterrado com os pés virados para a cruz, para quando a alma levantar, já estar virado para ela, ajoelhar e fazer a penitência. O anjo (pessoa que morre ainda criança) é colocado no velório com a cabeça virada para a porta e enterrado com a cabeça virada para a cruz, para quando ele levantar, abrir os braços para ela, porque ele não tem pecado. Quem cuida do corpo do morto, deve ser alguém que toma pinga. Ou, se não tomar, tem que ter a pinga para lavar as mãos e cheirar. A pinga evita que entre doença e ajuda a criar coragem. As pessoas mais velhas fazem ou mandam fazer a mortalha. Quem manda fazer a mortalha, demora mais para morrer. A mortalha de mulher deve ser de manga comprida, branca ou de outra cor clara, a gola deve ser arredondada e a costura deve ser de alinhavo. A mortalha de homem tem ceroula e calça comprida. Às vezes, essas mortalhas são feitas com antecedência, pela própria pessoa ou por encomenda. Se não tiver mortalha já pronta, procura-se uma costureira às pressas. Os mortos usam também um cordão de São Francisco: um cordão grande, trançado, com nós – como se fosse contas de um terço. Na ponta, há uma parte desfiada. A pessoa que faz o cordão reza durante a fabricação do cordão. Esse cordão é pra livrar do demônio. Na hora que ele vem, o espírito da pessoa usa o cordão 44
para se defender, porque o demônio não gosta das rezas, e o cordão é benzido. Algumas pessoas já deixam avisado se vai querer ser enterrado no caixão ou na rede. As pessoas mais velhas preferem ser enterradas na rede (a rede serve só para levar o corpo do morto, ela não é enterrada). Algumas também preferem ser enterradas na aldeia onde nasceu. Nesse caso, o trajeto até lá é feito a pé. Quando a vontade do morto não é satisfeita e o corpo é enterrado num lugar que não era onde o morto desejava (por algum motivo, como chuva ou outra dificuldade de transporte), o defunto pesa muito e atrapalha o transporte. Então, tem que dar uma chicotada no caixão ou na rede, e aí fica leve. Quando a gente morre, a gente cresce, a gente estica mais um pouco. SIGNIFICADO DO SÉTIMO DIA E LUTO Durante os 7 dias depois da morte, o espírito do morto ainda vigia a casa. Depois dos 7 dias, o espírito dele afasta. Quando morre uma pessoa, depois do velório, assim que o povo sai, não pode varrer a casa, senão, o rastro das pessoas pode ir junto com o defunto, e mais gente pode morrer. Só pode varrer no outro dia. Não é todo mundo que segue esta ciência, tem uns que acreditam de outro jeito: eles varrem a casa assim que o corpo sai, e jogam o lixo para o rumo que o povo está levando o corpo. Desse jeito, não vai morrer gente daquela família tão logo. Se morrer alguma pessoa que seja parente próximo da gente, tem que ficar uns três meses sem fazer várias coisas, não pode rezar algumas rezas e ir a festas só depois de seis meses. Se a pessoa que morrer for do grupo de dança Xakriabá, os outros participantes, mesmo se não for parente, também não podem dançar por 6 meses. Tem que ter a reverência. 45
CIÊNCIA DA CASA Temos que ter cuidado na casa, desde a construção até quando já estamos morando dentro dela. Temos que saber a posição das portas, janelas, o jeito de posicionar a casa no terreno, de zelar, para vivermos felizes e termos bons amigos.
CUIDADOS COM A CASA Não pode varrer casa jogando o lixo da cozinha para a varanda nem varrer terreiro até na estrada, porque isso corre com as visitas e ninguém vai à casa da gente. Quando alguma pessoa da casa sai para fazer algum negócio, também não pode varrer a casa, porque, se varrer, a pessoa não consegue resolver. Se precisar varrer, não pode jogar o lixo fora, tem que juntar em algum cantinho dentro da casa. Não pode varrer a casa nem o terreiro na sexta-feira, porque a gente fica atrasado, ou seja, não consegue arrumar nada. Também não pode varrer casa e terreiro quando uma pessoa viaja, porque a pessoa fica atrasada e não tem sorte boa. Quando chega um bêbado ou uma pessoa que você não gosta na sua casa e você quer que ele vai embora, jogue sal ou pimenta no fogo, ou vire a vassoura com o cabo para baixo e deixe atrás da porta, que ele vai embora. Também pode virar o guardanapo do pote (paninho que tampa os potes) do avesso, que a visita indesejada vai embora. Se uma pessoa pedir fogo na sua casa, não pegue a brasa com a colher, porque está mandando ela ir embora. Quem fizer casa no ano bissexto, precisa colocar um caibro a mais. Se não colocar, acontece qualquer desastre. O ano bissexto é um ano desastroso. Não pode brincar com a tramela da porta, porque fica linguarudo (fofoqueiro). Não pode dar asa de frango para o namorado na primeira vez que ele for a sua casa, porque está mandando ele “voar”, ir embora. Quando você sair de casa para fazer algo, ao trocar de roupa, não pode deixar a roupa que tirou do lado avesso, porque dá tudo errado. Não pode deixar a faca fincada na parede, porque se tiver acidente com alguém da família, em qualquer lugar, enquanto a faca estiver na parede, é perigoso que essa pessoa morra. 48
CIÊNCIA DO SABÃO E DO AZEITE O sabão é feito de várias sementes de árvores, como tingui, pinhão, tripa, pinó, pequi, mamona, mandacaru e barriguda, e é complementado com uma espécie de caldo chamado dicuada, retirado da cinza de várias árvores: surucucu, tapicuru, angico, cavi etc. O azeite é um tipo de óleo feito da mamona, e serve para gripe, para curar umbigo, para passar em furúnculo, para usar como purgante e para má digestão. Antigamente, era usado em lamparinas. Quando a criança nasce, ela toma uma colher deste azeite para limpar o intestino. O sabão e o azeite têm que ser feitos na lua crescente, senão, não rende.
COMO FAZER Para fazer o azeite de mamona, pisa a mamona no pilão, joga na panela de água, vai mexendo e o óleo vai subindo. A bucha da mamona fica embaixo e o óleo fica em cima. Um prato de mamona dá uma garrafa. A medida é um prato de mamona e uma panela cheia de água. E depois que depura o óleo, pode pôr mais água e tirar o óleo de cima. Seca numa outra panelinha e mexe para tirar o resto de água. Mistura esse óleo com o outro que já tinha sido depurado. Para fazer o sabão, pega uma das sementes das plantas citadas. Algumas são descascadas e outras são raspadas. Pisa no pilão até ficar uma pasta, coloca na panela e despeja a dicuada e mexe. A dicuada vai secando e a gente vai colocando mais dicuada, até cozinhar. Deixa secar e ficar duro. Para fazer sabão e azeite tem que ser longe de casa para livrar de olho ruim. Se acontecer de chegar alguém quando se estiver fazendo o sabão ou o azeite, essa pessoa que chegar tem que dar uma mexida na panela, para livrar de olho ruim. Deve-se fazer uma cruz de capim e jogar dentro da panela de azeite para livrar de olho ruim.Quando for fazer sabão, colocar mandacaru raspado e uma raspinha do pilão dentro do sabão, para não bromar. Algumas pessoas não têm cabeça boa pra fazer azeite, se quem não tem cabeça boa for fazer, pode acontecer de o azeite pular, misturar com a massa. Aí não rende, e demora a chegar no ponto. Para fazer o azeite, sempre mexer para o lado direito com um pau de mamona. Na hora de tomar o azeite, não pode vomitar. Para ajudar, tem que segurar uma chave de porta, que aí tranca. Se for criancinha, amarra a chave no pescoço. E, logo depois que tomar, emborcar o copo embaixo da cama para ajudar a obrar. 52
Para não vomitar, a mãe (ou outra pessoa, pode até ser a própria pessoa que tomar mesmo) pode ficar passando a mão na goela (do lado de fora). Isso ajuda a não vomitar.
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CIÊNCIA DA MULHER E DA CRIANÇA A mulher precisa ter vários cuidados para ter uma boa saúde do corpo, da alma e da mente. É através da mulher que surge o fruto da sociedade, por isso ela tem que ser bem cuidada e valorizada.
O QUE A MENINA OU MOÇA NÃO PODE COMER As meninas e as moças Xakriabá não podem comer de tudo. Se ela come juriti, esmagrece e fica cinzenta. Se comer lebre, pato, veado, manga e mamão, esmagrece. Se comer úbere, esmagrece e fica com caroços ou outros problemas no peito. Em algumas famílias, as meninas e as moças não comem essas coisas em época nenhuma. Em outras, elas só não comem se estiverem menstruadas ou de resguardo. A mulher de resguardo também não pode comer feijão durante oito dias. Depois disso, só pode comer até o meio-dia, de noite não. E ela não pode pegar peso, sol, chuva e nem colocar peso na cabeça. Quase tudo na terra serve de alimento. Se a pessoa estiver com fome, pode comer de tudo, mas nem tudo se deve comer. O que a menina não pode comer: úbere, juriti, passarinha de porco. Depois que a mulher tem filho, já pode comer úbere. Quando a menina está demorando a nascer o seio, é só pegar a colher de pau e bater de leve 3 vezes no lugar do seio, por três sextas-feiras, e rapidinho o seio cresce. MENSTRUAÇÃO A menina-moça, quando fica menstruada pela primeira vez, tem que mastigar três carocinhos de coentro, cuspir a massa fora e engolir água. Esse remédio faz a mulher ficar menstruada só três dias, mas tem que ser feito só quando a menstruação vem pela primeira vez. Quando a mulher está menstruada, ela não pode comer algumas coisas. Não pode comer, porque fica doente. Desse jeito,ela vai só acabando, porque não teve cautela com o corpo. 56
Alimentos que a mulher não pode comer quando está menstruada: abóbora, principalmente abóbora-jacaré, que é a mais perigosa; cuiúda; alguns tipos de mel; banana-roxa, banana-caturra, banana-nanica e caturrão; cabeça de bicho nenhum; cabeça de nego; carne de porco; cocá; coisa gelada; comida dormida; fava; feijão-catador, porque é quente, faz quentura; feijão-cordeiro; feijoada; galinha-nanica; galinha-pescoçopelado; galinha-sura; goiaba vermelha; laranja (só chupa se outra pessoa descascar); lebre; lima; limão; mamão; manga, principalmente mangarosa; miúdo de bicho nenhum (bofe, pé, fígado, coração); ovo; pato; peru; pitomba; queijo; quiabo; surubim; tatu; tripa; veado. A mulher não pode banhar e molhar a cabeça quando está menstruada, senão, a mãe do corpo inflama e a gente morre. Se não quiser ficar sem banhar, pode banhar: é só cozinhar remédios do mato: favaquinha, capim-santo, macela, mentraço, fedegoso, picão. Não pode pegar peso nem sol. A mulher não pode saltar homem, ou seja, passar por cima dele. Principalmente, se estiver menstruada. Se saltar, ele fica atrasado, as coisas não dão certo para ele, e ele pode ficar besta (ser traído e outras coisas, e nem perceber). Para a menstruação diminuir, colocar na comida cominho ou tomar chá de cominho. Se a mulher não quiser ficar menstruada, porque tem que fazer uma coisa que ela acha que vai atrapalhar, e estiver nos dias da menstruação chegar, é só trocar as trempes do fogão de lugar que ela não chega. Só chega quando destrocar, se não destrocar, não vem mais nunca, por isso precisa fazer isso com muita atenção. Bico de abóbora é bom pra cólica. Raspar, colocar na água fervendo e tomar. Se comer carne de veado durante a menstruação, a pessoa vai secando até o dia que morre. Em algumas famílias, a mulher não pode comer juriti. Se comer, fica cinzenta e vai secando até o 57
dia que morrer. Em outras, as mulheres só não comem em algumas épocas, como resguardado e época de menstruação. GRAVIDEZ Quem nasceu de parto demorado não pode passar atrás de mulher grávida, deve observar isso se ela estiver perto da parede ou de alguma outra coisa que faça um caminho estreito atrás dela, porque, senão, o parto dela também fica demorado. Para saber se a criança é homem ou é mulher, alguém corta o coração da galinha no meiozinho e coloca para cozinhar junto com a carne. Faz esse corte já com o pensamento de saber o sexo da criança. Se o corte abrir é porque é mulher, se ficar fechado é porque é homem. Na hora que está costurando, se chegar mulher, é porque o neném vai ser mulher e, se chegar homem, é porque vai nascer homem. Esse é o “ultra-som” dos índios. Quando a mulher está grávida, não pode comer beiju de tapioca, senão cola a placenta e o bebê não sai. A pena de galinha-arrepiada, torrada, machucada e misturada com água serve para a mulher beber quando estiver sentindo que vai ganhar neném. Ganha mais rápido. Gergelim preto também é a mesma coisa, machuca-o e dá para a mulher tomar com água. A paçoca do gergelim branco e do preto é boa para gripe. Faz paçoca, põe sal ou doce e come com farinha.
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RESGUARDO Quando nasce a criança, solta fogo, dá pinga e café para os visitantes que forem ver a criança. O fogo faz a criança ficar esperta e avisa a aldeia que chegou mais uma pessoa. Coloca arruda na pinga e dá pros visitantes. A mulher de resguardo não pode comer as mesmas coisas que a mulher menstruada não come. Mas a mulher de resguardo tem que ter mais cautela ainda. Quando a mulher ganha neném, não pode comer feijão e arroz durante três dias, aí come só pirão de galinha com farinha de mandioca, ao meio-dia. De noite, come farofa. Sempre frio de sal. Só depois de 8 dias é que pode comer feijão. Antes de 8 dias, come só ao meio-dia. Só pode comer mais de uma vez ao dia depois de um mês. Também não pode beber água dormida e tampar a panela de comida. Só pode comer na hora que tirar do fogo, porque, se passar tempo, a comida fica choca. O café também só bebe na hora que faz. A mulher que ganha neném tem que beber vários remédios, usar uma cinta com os remédios, fazer esfregação e beber encerrada. Se não fizer esfregação e não amarrar a cinta, a mãe do corpo fica solta. A parteira tem que beber encerrada junto com a mãe. A mulher, quando ganha neném em casa, fica dentro do quarto 3 dias. Com 3 dias, já sai com a criança. A mulher precisa colocar algodão no ouvido com pano na cabeça, porque a mulher não pode escutar muito barulho e o vento entra no ouvido, dá dor de cabeça e zoeira no ouvido. A mulher não pode caminhar ligeiro, nem sentar de qualquer jeito. Por exemplo, não pode sentar de cócoras, não pode sentar no chão com as pernas cruzadas. Quando sentar no chão, tem que ser com as pernas unidas, para o mesmo lado. Não pode comer cabeça de nada de animal. Não comer fato de gado, só quando o neném estiver com 3 ou 6 meses. Para desidratação (desnatação), tirar 3 dedos de raspa do caule da condessa e fazer o chá. 59
Esse mesmo chá serve para evitar diarreia em criança quando está nascendo dente, momento em que a criança costuma sentir diarreia. A pena de galinha-rupiada serve para remédio. Colocar o pozinho da pena queimada no umbigo do bebê para cicatrizar. Antigamente, a criança vestia a primeira roupa ao avesso e ficava sete dias com ela para livrar do mal de sete dias. Não molhava o umbigo enquanto não caísse e não sarasse, porque se molhasse, enchia de água e não sarava. No sétimo dia, a mãe deixava a luz acesa e não dormia, porque, se apaga a luz, a bruxa vem chupar o umbigo da criança. Também antigamente, a mãe ficava 3 meses sem se banhar com água pura. Cozinhava remédio e banhava o corpo, só não lavava a cabeça. Tinha uma vasilha, que chamava gamela-de-pé, onde colocava a água com o remédio para tomar o banho. Pegava a água com as mãos ou com uma vasilha menor para jogar no corpo. Quando a mulher ganha neném e tem dor de cabeça, coloca um pouco de terra com uma brasa dentro dessa vasilha chamada gamela-de-pé e dá à mulher para cheirar a fumaça. A dor de cabeça passa. No sétimo dia, a parteira que cuidou da mulher tem que dormir na casa da mulher. A parteira não pode pegar em água fria, porque ela faz os remédios finos. Lava a mão com pinga, álcool ou água morna. É bom para a criança tomar banho com folha de algodão e mentrasto. O umbigo do neném precisa ser curado com azeite de mamona pra cair. Depois que cai, para de colocar azeite, então coloca pó de hortelã no dia que cair, depois coloca pó de pena de galinha. Se não sarar, coloca sola queimada. Coloca também pó de flecha de cana. A criança, na hora que nasce, precisa tomar uma colher de azeite de mamona para limpar o intestino. Com isso, vai ser difícil ela ter bronquite, asma e outras doenças de respiração ou de estômago. 60
Se pegar o pé da criança e ela encolher o pé e assustar, é porque mais tarde ela vai sentir doença do ar. Na hora de deitar, a mãe tem que colocar o neném na frente da cama, e ela tem que deitá-lo do lado da parede. Se ele ficar deitado do outro lado, ele sente dor de cólica. Quando sai de casa com o neném sem batizar, tem que chamar pelo nome três vezes, assim: “Vamos embora [fala o nome]”. Se for atravessar o riacho, faz a mesma coisa.
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CIÊNCIA DE BICHO RUIM É considerado bicho ruim aqueles que nos causam doença ou perigos, através de picadas ou traição: cobra, lacraia, caranguejo. Para afugentar bicho ruim, queima palha de alho e chifre de gado dentro da casa.
LACRAIA Quando estiver aparecendo muita lacraia (escorpião) na casa, deve-se matar uma e amarrar na casa de cabeça para baixo, que para de aparecer. A réstia de alho pode ser queimada para afastar bichos ruins. Queima um pedacinho todo dia. Outra forma para afastar lacraia é ajuntar um monte de pano e botar fogo nele. Depois, coloca no rumo de onde ela costuma aparecer.Isso também serve para afastar cobra, marimbondo, abelh a e outros insetos. COBRA Se a cobra nos vê e não a vemos, ficamos doentes, com febre, dor de cabeça, dor no corpo. Se a gente andar com alho, ela (ou outro bicho ruim) não consegue atrair a gente. Quando acontece de atrair, a gente fica com febre, dor de cabeça, dor no corpo, sem saber por quê. Quando a gente vai andando e encontra cobra verde, diz que é sorte boa. De outra cor, é sorte ruim. Se deixar a criança dormir sozinha na cama e se deixar chorar à noite, a cobra-preta, que é a cobra que sempre vai dentro de casa, vem caçar lagartixa. Ela vem e coloca o rabo na boca da criança e mama na mãe da criança. A criança vai esmagrecendo e adoece. Uma vez, uma mãe viu isso acontecer. O marido matou a cobra e saiu um monte de leite da barriga dela. Pipocou a barriga e derramou um monte de leite. Ela também engole uns pintos da galinha, papa-pinto. É sempre bom de andar com o caroço de xixá e a raiz de manacá no bolso, porque assim nem cobra nem 64
escorpião conseguem picar a gente. A raiz de manacá e o alho livram de espírito ruim. Pode ser espírito de um morto, de um animal ou das águas. A gente considera que a cobra é um espírito mau. Tipi também livra de espírito ruim. Espírito ruim é o espírito que não vai para o céu, fica bestando por aí. Esses bestão que morre (morre pela mão deles mesmo, alguém brigador, que anda matando) e ficam aí aborrecendo os outros, ficam no ar, não vão para o céu. Ficam pelejando para encostar nas pessoas. Se o espírito da gente for forte, ele não encosta não. Quando encosta, a gente fica doente, vê sombras, fica espantado, assombrado, fica desorientado da cabeça, sente depressão. O remédio é o curador (pessoas que fazem benzimento e dão remédio) que dá. Quanto mais a pessoa vai ao médico, mais o espírito ruim fica forte. Médico não dá jeito nele não. Dormir com alho na cabeceira afasta os espíritos maus. Quando cobra ou escorpião pega uma pessoa, só as pessoas que estavam na hora que podem ver, ou os da mesma casa, porque muitas pessoas têm o olho ruim e a pessoa picada passa mal. Por isso, até hoje, muitas pessoas não vão ao médico quando isso acontece, porque no hospital se encontram muitas pessoas, e alguma delas pode ter olho ruim. Para curar, usam remédios da aldeia e orações. CARANGUEJO É uma aranhona, toda cabeluda (aranha-caranguejeira). Não é bom de matar porque os caranguejos advinham chuva. Mas ele queima a gente também. Algumas pessoas matam os caranguejos porque têm medo deles. O cabelo dele fica caminhando no corpo e vai entrando na ferida quando ele queima. Ele morde também, mas só de queimar já vira ferida. 65
CIÊNCIA DO CÉU O céu para nós é muito sagrado. Através dele, podemos perceber alguns sinais que trazem muitos conhecimentos. Tudo o que a gente faz aqui na terra depende do que está no céu, porque nada está separado, cada coisa tem uma ligação com a outra.
LUA Quando ela está nova, não podemos olhá-la de lado, só olhar de frente, porque precisa salvar para livrar de doenças. Quando ela está novinha, fininha, a gente não a vê, mas quando está nova, caminhando para a fase crescente, já dá pra ver. Quando a lua está nova ou minguante e está pendida, ela está marcando chuva para o próximo mês. Quando a lua está com uma lagoa d’água em volta, é indicação de que vai chover. Se quiser que o cabelo cresça, cortar na lua crescente. Se quiser que renda e pare de cair, lua cheia. Na lua minguante, ele diminui, baixa o volume. E a lua nova faz o cabelo cair e ficar quebrado. Mulher tem que cortar o cabelo de manhã, se cortar depois de meio-dia ele não cresce. Homem pode cortar a qualquer hora. Não pode deixar molhar o cabelo no dia que corta. SOL E SERENO Se você pega muito sol ou sereno, você fica com dor de cabeça, porque tem muito sol ou sereno na cabeça. Para tirar sol e sereno, usa-se uma garrafa branca, de vidro, com água, e põe um pano branco na cabeça. Depois, reza na boca da garrafa. A água de dentro da garrafa começa a ferver. Quanto mais bolinhas saem, mais sol e sereno estão saindo.
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ESTRELA Quando você olha para o céu e as estrelas estão tremendo, é certeza de que a chuva vai chover. A estrela da guia é companheira da lua, mas fica afastada. Quando uma pessoa está para ficar doente, ela vai só chegando para perto da lua. Quando ela está quase dentro da lua, a pessoa morre e, quando a pessoa tem de escapar, ela vai perto da lua e volta, afastando devagarinho. CAMINHO DE SANTIAGO É uma parte mais estrelada do céu, que anda muito, muda muito de lugar. Talvez, seja o que os físicos chamam de Via-Láctea. O Caminho de Santiago vai andando... quando ele ficar atravessado em cima da casa de um pai de família, pode observar: é que uma das filhas da casa está para casar. Quando o Caminho de Santiago está todo manchado de preto significa que uma pessoa vai ficar viúva (alguém próximo de quem está observando isto). CHUVA Quando a chuva demora a chover, as mulheres e crianças fazem uma novena, levando água e rezando até chegar no cruzeiro (cemitério). Lá, só molham a sepultura dos anjos. A seriema quando canta está avisando que vai chover. A andorinha também avisa chuva. Quando está custando a chover, algumas árvores começam a chorar, são elas: caatinga de porco e pau-ferrinho. Quando a nuvem de chuva vem do lado que o sol entra, é porque vai invernar. E se for do lado que o sol sai, a chuva vai ser 69
rápida, vai estiar rápido. Se estiver chovendo e aparecer tanajura ou machado, é porque vai estiar. E se aparecer mariposa quando estiver chovendo, vai invernar. Se a cigarra começar a cantar enquanto estiver chovendo, é porque vai estiar. A cigarra também advinha chuva. Ela canta para chover e depois para estiar. Quando a cigarra está renovando a pela, quando sai do buraco renovando a pela – ela canta para estourar a pelinha –, é porque vai chover. É uma alegria. Só nas bocas das águas é que elas começam a aparecer (setembro/ outubro). Existe uma simpatia para estiar a chuva por um dia: quando tem casamento, se tiver chovendo, é só trocar três telhas do eitão da casa do lado que a chuva vem. Logo a chuva passa. No outro dia, quando a festa já passou, torna a destrocar, e a chuva continua normalmente. Tem uma simpatia também para evitar chuva de tempestade: quando a chuva vem com vento, é só colocar chifre de boi para queimar. PROFECIA DE SÃO JOÃO Para saber se o ano vai ser bom de chuva, no dia 24 de junho, à noite, coloca-se um pouco de sal em cima de uma pedra. Quando for no outro dia de manhã cedo, se o sal estiver todo derretido, é que o mês vai ser bom de chuva. Colocando cada noite um pouco de sal, por seis noites, cada noite vale um mês. Se o sal derreter seis vezes, conta seis meses de chuva. E por aí vê se vai ser um ano de muita chuva.
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VENTO Quando de repente vem um vento quente, que dá aquela quentura, você não pode falar nada. Não pode falar “ai, que quentura”, porque é um vento mau. Pode-se contrair doença, porque aquilo é uma doença. Quando você está longe de casa, num lugar que não tem nenhuma casa, e você sente um cheiro de comida que você gosta muito, um bolo, carne frita, cheiro de café, não pode falar nada, não pode falar “ai, que cheiro de comida”, porque fica doente. Não pode abrir a boca, que a doença entra. Quando está ventando muito, que tem chuva de vento, a gente vira as costas e dá três passos pra trás, de costas para o vento. E, sem olhar para trás, joga um pouco de água benta na direção que o vento vem. Para o vento parar, é bom acender uma vela benta, queimar chifre com palha de alho ou rezar o bendito do padre Cícero. NEVE Quando a neve está na baixa, a chuva não vai chover. Quando está na serra, significa que vai chover. Como dizem os mais velhos: “Neve na baixa, Sol que racha. Neve na serra, Chuva na terra.”
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COVA DE EVA E ADÃO São dois sinais que tem no céu, que se vê de noite, tipo uma nuvem. Quando uma some, diz que está buscando chuva. Quando estão as duas juntas, vai demorar a chover. ARCO-ÍRIS Se a gente vê o arco do lado que o sol entra (se põe), a pessoa vai ter mais 7 anos de vida, além dos anos que já ia ter mesmo. É muito raro ele aparecer do lado que o sol entra, é só de vez em quando. Se ele aparecer com a ponta voltada para o lado que o sol nasce e a outra ponta para o lado que o sol se põe, é porque o mundo vai acabar. Até hoje, isso não aconteceu. Ver arco-íris de noite significa mais anos de vida para quem viu. Como não tem o sol, ele fica branquinho. Se o arco-íris engolir a gente, a pessoa muda de sexo. Mas já sai morto. Se sair vivo, sai abestalhado. Quando o arco-íris engole a pessoa é como um vento que puxa. Quando umas das pontas dele dá na água do riacho é porque ele está bebendo água para levar para outro lugar. Quando isso acontece, venta muito. E é perigoso de ele engolir a gente. Às vezes, acontece de ele puxar uns peixinhos quando está bebendo água e depois joga em qualquer lugar, até na estrada. Como não acreditar nisso se a gente vê? De acordo com o vento, os peixes saem. Já teve gente que viu esses peixes.
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CÉU Quando, à noite ou à tardinha, o céu está avermelhado é sinal de frio. Quando dá olho de boi no céu (tipo um arco-íris, só que redondo, em volta do sol), é sinal de chuva de vento, tempestade. Quando está formando chuva e as nuvens ficam pretas e com barrado vermelho, andando rapidinho, é sinal de chuva de pertenente, tempestade. ZELAÇÃO Luz que passa rápido no céu, espalhando faísca (corresponde à estrela cadente). Quem vê não pode apontar nem falar que viu. Se falar, fica fuxiquento, linguarudo, não sabe guardar segredo. Não saber guardar segredo pode causar problemas para a pessoa, nem tudo que se vê se fala (as rezas, acontecimentos da família, assuntos pessoais etc).
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CIÊNCIA DA CAÇA Para termos sucesso na caça, temos que tomar alguns cuidados antes de sair para caçar, na hora da caçada e ao comer a caça. Existem várias ciências que fazem o caçador ter boa sorte. Algumas podem ser reveladas e outras não. Algumas pessoas não são bons caçadores, porque não seguem estes conhecimentos. O bom caçador não fica correndo atrás da caça, afrigelado, ele usa os conhecimentos.
ORIENTAÇÕES Quando for caçar, não pode chamar o nome do cachorro no mato, só pode assobiar, porque espanta os bichos. É preciso estrumar o cachorro (assobiar). Quando sair de casa, também não pode chamar o cachorro. Não pode caçar nem segunda, nem terça. Não pode falar que vai caçar, deve-se falar que vai lá dar uma volta no mato ou, então, sai calado. Se falar que vai caçar, o dono dos bichos escuta e avisa eles, aí o caçador não mata nada. Ao comer a caça, não pode jogar o osso em qualquer lugar, para não passar por cima dele sem querer. Se passar, o caçador não consegue matar mais. Isso espanta o bicho. Não pode trocar de roupa quando for caçar, tem que ir de roupa suja, senão, não encontra nada. Ou então tira a camisa. Se o animal sentir o cheiro do sabão, ele corre. Quando é caçador mesmo, tem a roupa de caçar. Roupa mais escura é melhor. Roupa muito branca, o bicho vê a gente de longe. Caçar à noite é melhor. Se for mata verde, o caçador põe roupa verde; se for na seca, põe roupa mais parda; ser for no morro, a roupa pode ser mais escura ainda para disfarçar. Quando for caçar veado, colocar estrume do próprio veado para queimar (fazer o defumador). Quando coloca o defumador dele mesmo, ele sente o próprio cheiro e vem mais rápido. Quando vai caçar o barbado (o barbado serve para remédio, o gogozinho que ele tem serve para quando a criança não conversa), a preferência é o macho. Às vezes, acontece de o caçador se preparar para atirar na guariba e ela estar com filhotinho, então, ela mostra o filhotinho, que é para mostrar que não é para matá-la, que ela está dando de mamar. Para se proteger do caçador, a guariba e o barbado procuram o pé de itapecuru. A folha serve de remédio para ferimento. 76
Se o macaco perceber que está sendo perseguido, ele coloca uma folha de itapecuru na boca. Ao receber o tiro, se ele não morrer na hora, ele coloca a folha de itapecuru no ferimento e fica bom. Nesse caso, o caçador o caçador costuma desistir de matar o bicho, com dó e admiração da inteligência. Mas se o caçador teimar em matar, só com 7 tiros que consegue fazer ele cair, e depois ainda tem que acabar de matar com um pedaço de pau. Itapecuru é bom para ser humano também, protege o ser humano. Dependendo do que encontrar, a pessoa desiste da caça, porque, mesmo sendo dia próprio para caça, pode ser um sinal de que aquele dia não é bom. Se os cachorros saírem na frente, por exemplo, se eles entrarem na mata, latirem e ficarem acuados, olhando um pé de árvore onde não tem nada, o caçador vai olhar e não vai ver nada, e o cachorro já vai para outro lugar e ficar olhando, acuando. Se a pessoa teimar em caçar mesmo assim, não consegue caçar nada. É um aviso de que aquele dia não é bom para caçar. Para caçar lebre (coelho), se ele correu da cama (o ninho, buraquinho em que ele fica deitado), da moradinha dele, a pessoa não precisa preocupar de ir atrás, porque no dia seguinte ele vai voltar. Para ele voltar, tira um cabelinho da pestana e faz um pedido para ele voltar, e ele volta. Mas não pode falar o nome dele, fala “meu boi”. Fala: “meu boi, venha buscar seu capucho (o cabelinho)”. E ele volta.
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CIÊNCIA DO CORPO O nosso corpo precisa de vários cuidados para que ele continue saudável e forte. Por isso, precisamos obedecer a algumas regras necessárias. Para o nosso povo, o homem, a mulher e a criança precisam seguir algumas regras para continuar com saúde e viver bem. Há muitos alimentos que a mulher não pode comer em certos períodos. Há coisas que não deve fazer. Alguns alimentos, o homem não pode comer porque acabam com as forças dele, e ele então, não aguenta os serviços pesados. Há algumas ciências que devem ser feitas com a criança para ela crescer boa, obediente e saudável.
CUIDADOS GERAIS Quando cai a campainha de uma pessoa, quando tosse muito, levanta a campainha com a colher de pau. Enterra a colher de pau no borralho, tira e passa três vezes no pescoço. Ao mesmo tempo, puxa de levinho uma moitinha de cabelo, do meio da cabeça. Quando a gente está com queima, que é também chamada de azia, a gente coloca o dedo polegar, o indicador e o anelar na cinza e passa na ponta da língua três vezes, que acaba a queima. Se a gente dormir com a barriga para cima, a gente sente um peso. A pisadeira vem enforcar a gente, senta na gente e fica um pesão, fica até dormente. A pessoa geme e chama por alguém, como se estivesse falando “mãe”, mas com a boca fechada. Se a pessoa quiser dormir de barriga pra cima e não quiser que aconteça isso, tem que cruzar as pernas. SAÚDE DO HOMEM A primeira vez que o rapaz vai fazer a barba tem que pedir licença à mãe ou ao pai. Homem não pode engolir caroço de limão, senão, não pode ter filho. Não pode comer passarinha de animal nenhum, senão, fica cansado e não aguenta serviço pesado. CUIDADOS COM A CRIANÇA Quando nasce o primeiro dente da criança, a primeira pessoa que vê o dente tem que pagar com uma moeda para o dente ficar forte. Nem que seja cinco centavos. 80
Menino gago, a gente chega e joga água no rosto dele, para parar a gagueira. Se for gente grande, pode jogar também, mas cuidado, porque tem gente que acha ruim. A pessoa fica gaga, porque ri demais quando é bebezinho. Não pode fazer cócegas demais nele, porque na hora que começa a conversar fica gago. Para o menino aprender a conversar rápido, dá água no chocalho de boi para ele beber. Dar água no búzio também serve para a mesma coisa. E tem outro: lavar as colheres, colocar numa vasilha com água, mexer para fazer o barulho e dar a água para ele beber. Como já foi dito, o gogozinho do barbado também serve de remédio. Uma outra coisa é feita na hora que a pessoa está preparando a comida. Pergunta para o bebezinho: “Tá bom?”. Todo dia faz isso. No dia que ele responder “tá”, a partir daí, ele já começa a falar outras palavras. Tem uma planta, que dá uma frutinha cheia de ar, chamada xique-xique. Pega ela e estoura na boca do menino para ele começar a falar. Para a criança andar rápido, põe o pezinho dela dentro do pilão por três vezes, como se ela estivesse pisando o pilão. Aí, arrodeia a casa também por três vezes segurando a criança pela mão enquanto outra pessoa vai varrendo o rastro atrás e dizendo: “Caminha fulano [diz o nome da criança]!”. Pegar cinza morna no fogão, molhar e passar na pataca do joelho do bebê por três vezes também é bom para o menino aprender a andar. Essas ciências devem ser feitas por três sextas-feiras. Quando mata o boi, pega o líquido que sai do joelho do boi, da junta do mocotó, e passa no joelho da criança, também para aprender a andar. Isso faz quando mata algum boi. Tem uma lama que solta do casco do cavalo quando seca. Fica tipo um sapatinho do cavalo. É a mesma coisa de a gente estar olhando o rastro do cavalo. Pega isso e bate três vezes no joelho do neném, também para ele aprender a andar. Durante três sextas-feiras é bom pôr a criança para andar no caminho das formigas. 81
Tem umas formigas que andam à noite, formiga de mandioca. E, de dia, de tanto elas passarem, fica o caminhozinho. É esse caminho que usa. Outra maneira é pegar a água que usou pra despenar o frango (não pode ser franga), coloca para esfriar e quando estiver morna lava as pernas da criança. Para aprender a sentar, põe o menino sentado no pilão, pega o machado ou o facão e ruma no pilão, atrás da criança, falando “Tô cortando o seu toco procê aprender a sentar”. Para a criança engordar, não ficar desnutrida, é só tirar a pela da moela de galinha, lavar bem lavado, colocar para secar e moer. Depois, coloca no leite ou na comida para a criança comer. Quando o menino está soluçando, pega uma linha vermelha, molha com a saliva da criança e coloca na testa dela para parar de soluçar. Quando a pessoa é grande, tem que falar que ela roubou o ninho de ovo do vizinho. É só falar: “Eh, ladrão de ovo!”. Para não colocar quebrante na criança, a pessoa deve soprar o rosto da criança três vezes, aí não pega quebrante nela. Quando a gente for dengar a criança, se juntar saliva na boca da gente, não pode engolir,também para não botar quebrante. Quando uma criança recém-nascida completa o sétimo dia, não pode apagar a luz à noite, porque, senão, os espíritos do mal vêm e chupam o umbigo da criança e pode levar a óbito. Quando os dentinhos de uma criança estão quase para nascer, a mãe faz um patuá, com um dente do caranguejo, para amarrar no pescoço. Para o dente nascer forte, não pode matar o caranguejo. Para não apodrecer o dente da criança, ela cospe na boca do caranguejo.
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CIÊNCIA DO SONHO Os sonhos têm vários significados. Através deles ficamos informados do que irá acontecer de bom ou de ruim. Quem coça a cabeça enquanto está sonhando logo na hora que vai acordando, esquece os sonhos com mais facilidade. Sai da memória. Se você sonhar com alguém de quem você gosta e quiser que ele também sonhe com você, é só virar o travesseiro assim que acordar. Ou, então, muda de sentido na cama. Quando a gente sonha, é o espírito que sai andando e passa em tudo quanto é canto e depois volta e conta para a gente. Quando a gente acorda, a gente sabe de tudo. Espírito da gente quando sai andando e encontra a vida da gente boa, a gente tem que seguir. Mas não é bom contar. Guarda para ele mesmo, senão, pode até desmantelar. Pode dar mauolhado. Quando o sonho é bom, é bom contar. Alguns sonhos não podem ser contados.
SIGNIFICADO DOS SONHOS Sonhar com ovos significa fuxico. Ao sonhar com ovos, não pode contar para ninguém. Levanta da cama bem cedinho, antes que o sol saia, vai ao fogo e abre um buraco no meio das cinzas e cochicha três vezes, dizendo que sonhou com ovos. Pode também abrir um buraco e pôr a pedra no buraco e enterrar, para o fuxico não sair. Ou, então, conta o sonho no buraco e tampa. Depois que tampa, pode contar para as pessoas. Sonhar que alguém da família morreu significa felicidade ou muitos anos de vida para a pessoa com quem a gente sonhou. Sonhar com piolho significa morte ou fuxico. Se tem uma pessoa doente, e a gente sonha que ela melhorou, está boa, é o contrário, ela morre. Sonhar com peixe, fumo, água suja, carne de boi, carne significa morte ou desastre. Sonhar com banana ou defunto significa que alguma pessoa vai morrer. Se você sonha com sangue e for caçar, você vai ter sorte de achar a caça. Sonhar com uma pessoa casando é alguma pessoa que vai ficar viúva. Sonhar com cobra significa dinheiro. Sonhar com fezes também. Se você pega, fica com nojo na hora, no sonho, mas no outro dia vai pegar em bolão de dinheiro. Se for sonho ruim, de morte, se a gente contar, não acontece. Se for sonho bom, não pode contar para acontecer. Sonhar que está comendo faz a gente acordar com o estômago ruim. Sonhar que a gente está comendo coisa doce significa que a gente vai sentir dor. Às vezes, já acorda sentindo a dor. Sonhar que está voando é perigoso, pois a pessoa pode cair 86
da cama. Mas é bom, porque é sorte boa. É um sinal de que a gente está no caminho bom. Se for criança, é bom pra crescer. E se for adulto, é bom para ter sorte boa. Dormir com sede não pode, senão, a gente vai beber água no riacho no sonho e pode morrer afogado. Quando alguém morre dormindo, às vezes, pode ser porque estava com sede. Foi beber água no sonho e morreu. Antes de dormir, é sempre bom beber água, principalmente as crianças. Sonho com missa e sal não pode contar. Diz que é bom para a gente, sinal de felicidade para a gente. Sonhar com nenenzinho é encontrar com o anjo da guarda, o anjo que acompanha a gente. Sonhos com o ato de cortar cabelo, cortar unha, arrancar dente é que alguém está morrendo. Sonhar com noivos quer dizer que alguém vai ficar viúvo. Tem sonho que parece que a pessoa está morrendo, alguém tem que chamar. Aí, o espírito volta rápido da volta que estava dando. Quando a pessoa está falando de noite, se for coisa boa, é só bater na cabeceira da cama que ela conta tudinho. Se for coisa ruim, não bate não. Deixa a pessoa ou a acorda. Quando fica fazendo “uh, uh”, gemendo, é melhor chamar a pessoa, porque aí não deixa a pessoa sofrendo no sonho. Se tiver conversando bonito, aí, deixa. Se sonhar que a gente mesmo morreu, a gente não vai morrer logo. É sinal de muita felicidade e muitos anos de vida. Se sonhar que está magro, vai engordar. Se sonhar que está gordão, vai esmagrecer.
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CIÊNCIA DA VIAGEM Para fazer boa viagem, tem que ter alguns cuidados, antes da saída e durante a viagem. Temos umas orações que nos protegem dos perigos.
ANTES DA VIAGEM E DURANTE A VIAGEM: OS CUIDADOS Algumas pessoas quando vão sair à noite, para não ficar com medo, chamam um parente que já morreu para acompanhar. Quando chega no lugar que queria ir, pega um punhado de terra e joga para trás, para ele voltar. Quando alguém sai para viajar, não pode deixar a sua própria roupa às avessas, se deixar, algo pode dar errado na viagem. Se for fazer compra, pode se esquecer de parte das coisas que ia comprar, também pode ser que aconteça de perder o transporte ou o pneu pode furar. É bom também, quando for viajar, colocar um dente de alho no bolso para livrar de espírito mau, doença ruim, gente ruim que anda querendo fazer o mal para os outros. Para não enjoar, não comer banana. Cheirar a casquinha da laranja ou do limão também é bom para evitar enjoo. SINAIS DE MÁ SORTE E BOA SORTE Não pode varrer a casa quando alguém da casa viaja. Se precisar varrer, não pode jogar o lixo fora, junta em algum lugar dentro de casa para o viajante não ter má sorte. Se tropeçar com o pé direito, é porque vai ter azar. E se for com o pé esquerdo, é porque vai ter sorte boa, alguma coisa boa vai acontecer. Se, ao sair de casa, a primeira pessoa que encontrar for uma mulher, pode acontecer de não ter um dia bom, não ter sorte boa, de não ser feliz no que vai fazer. Para fazer boa viagem é bom pegar com Deus. A pessoa que vai viajar deve sempre fazer uma oração para viajar, existe uma oração certa, que faz parte dos segredos Xakriabá. 90
CIÊNCIA DOS REMÉDIOS E DA CURA Para curar as doenças, precisa ter vários cuidados com os remédios, desde o momento de retirar até o momento de carregar, guardar, preparar e consumir. E tem que guardar o resguardo do remédio direitinho.
3 REMÉDIOS PARA HERNA 1 - Molhar a terra de cupim da cerca (o cupim faz um trilho na cerca) e colocar no umbigo que estiver com herna. Assim que voltar a terra do cupim para o lugar, o umbigo vai sarando. 2 - Acender o fogo no chão, tirar o fogo e jogar água no lugar quente. A água jogada ferve. Pegar na borbolha três vezes e colocar no umbigo. 3 - Cortar um tampinho do caule da bananeira do tamanho do umbigo e colocar no umbigo, e depois, colocar este tampinho de novo no mesmo lugar de onde tirou. Assim que for sarando onde cortou na bananeira, o umbigo também vai sarando. ANIMAIS QUE SERVEM DE REMÉDIO Alguns animais, além de servir de alimento, servem de remédio. Outros nos avisam que vai acontecer alguma coisa boa ou ruim. Devemos ter cuidado, tanto com os animais da mata quanto com os de estimação, pois dependemos deles para a nossa sobrevivência. A canela do veado serve para banhar a criança para ela aprender a caminhar. Cozinha o osso por três sextas-feiras e banha. As crianças que banham nessa água caminham mais ligeiro que as outras, que vão bem devagarinho. Animais de caça que servem para remédios: veado (chifre), caititu (bucho) e muitos outros. O osso do caititu serve para reumatismo. Pega o osso, enterra durante 9 dias, depois arranca e faz o chá para beber. A cabeça do caititu serve para melhorar zoeira na cabeça da pessoa. O mocó é bom para duas coisas: comer a carne e beber o 95
caldo, sem sal, para tirar zoeira na cabeça. O cabelo da cutia serve para bronquite. A banha do teiú serve para curar doença do ar (epilepsia) e para colocar no ouvido para tirar a surdez. A moela do zabelê serve para abrir o apetite. Limpa, coloca para secar, mói e coloca na água, para tomar ou comer junto com a comida. Para matar o zabelê, tem que ficar contra o vento para ele não sentir o faro. O casco do tatu-galinha serve para dor na coluna. Torra o casco, mói, coloca na água e bebe. Tatupeba serve para cafubira. Passar o sangue no local ou comer a carne. O couro do michila serve para coceira e ferida. O casco e o osso do cágado servem para reumatismo. Torra, mói, põe na água e toma. O osso do gambá é bebido na pinga e é bom para reumatismo. O osso do cágado é a mesma coisa. CUIDADOS COM OS ANIMAIS Quando o animal estiver sentindo qualquer dor, é só passar a mão de pilão, em cruz, na barriga dele, três vezes. A cada vez, bate no chão com a mão de pilão, formando também uma cruz. Pode também raspar a raiz de tiú e colocar no sal e dá para comer. Se o animal estiver sentindo dor, dá batata de purga e casca de ovo. Quando um animal estiver com dor de barriga, é só rumar o chinelo, em cruz, na barriga dele, três vezes, que ele melhora. PURGANTE Quando a gente toma purgante, tem que beber muito caldo de carne para obrar muito. Quando tomar purgante, não pode ver pessoas diferentes. Se chegar alguém em casa, tem que ficar escondido, não receber ninguém. Senão, não obra, só dói a barriga e escurece as vistas. 96
Não se molhar com água fria. Se molhar, incha. Se inchar, precisa tomar outro purgante, do mesmo que foi tomado. Também não pode trabalhar e não é bom estudar, porque dá problema nas vistas. O resguardo do purgante é de 5 dias. Comer quase sem sal. Não pode molhar (nem tomar banho nem molhar de outro jeito). Não pode comer verdura. RECEITA DO PURGANTE DE AZEITE Cozinhar três partes de remédio: 1 raiz de marva branca 1 raiz de erva cidreira 1 pé de capim-santo Como o resguardo do remédio dura três dias, pode-se dizer que cada parte do remédio é um dia. A vasilha deve ficar emborcada nos pés da cama. No primeiro dia, só pode comer o pirão de carne. No outro dia, comer feijão seco uma vez por dia. A aguardente, que é um purgativo encontrado na farmácia, não pode ser tomada sozinha, senão, dá dor de barriga. PLANTAS Todo remédio que é feito com planta, raspar o remédio para cima, senão, o mal não sai. Tirar o remédio e jogar para cima três vezes. Para cozinhar o remédio, colocar o remédio em cruz, na água.
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CIÊNCIA DA ROÇA A roça precisa de cuidado, quando for roçar, derrubar, queimar, serrar, encoivarar, cercar, plantar, limpar e colher. A maioria da alimentação Xakriabá é produzida na roça de cada família. Os alimentos mais encontrados nas roças Xakriabá são: feijão (andu, catador, de arranca, feijoa), milho, abóbora, mandioca, melancia, gingilim, melão, dentre outros.
INFORMAÇÕES GERAIS Existe um besouro, por nome de carrega-mundo. Ele é tão pichutitinho que é uma gracinha. Ele carrega tudo, várias coisas de várias cores. Quando ele está com muitas coisas nas costas, isso quer dizer que aquele ano vai ser de fartura. E quando ele aparece quase sem nada nas costas significa que aquele ano não vai ter fartura de alimentos. No meio da plantação, tem que sempre colocar um litro branco para não adoecer a plantação quando houver eclipse ou olho ruim. Eclipse é a lua que vai ficar doente. O litro é uma garrafa de vidro, transparente, colocada de boca para baixo numa vara. É colocado no meio dos mantimentos. O feijão é o que costuma mais adoecer. O eclipse embola as folhas do alimento, dá cinza nas folhas, por cima. Aí, não sai mais nada naquela plantação. Se o eclipse for para o alimento, o litro branco pega o claro do tempo. Como se fosse um para-raio que fosse puxar o mal para o claro do litro. A garrafa puxa o mal que iria para o mantimento. Isso também pode ser feito com uma cruz. Essa cruz é feita de algodão, em uma vara, e funciona para a mesma coisa do litro. Para a plantação não pegar olho ruim, coloca um chifre de gado na porteira da roça. Na Sexta-feira da Paixão, deve-se colocar um litro de água em cima da mesa do jejum. Durante o tempo que se faz jejum e oração, ela fica benta. Essa água que ficou benta serve para colocar nos cantos das roças para livrar de insetos. É recomendado que na Quarta-feira de Cinzas se faça uma cruz de algodão para colocar no meio da plantação para não pegar cinza. A cruz tem que ser colocada na terça-feira. Se o feijão pegar cinza, ele enrola as folhas, fica cinzento e não dá vagem. Quando as mundiças estão começando a estragar as plantações, 100
a gente pega uma lagarta e desavesta em 3 cantos da roça. Depois, joga no meio. Sempre deixa um canto para elas saírem. Depois, pega uma trouxinha delas, amarra e põe por cima do fogo. Assim, elas acabam deixando as plantações livres. Não pode queimar roça no dia de domingo, porque se o fogo morre. Para a semente resistir mais tempo, deve ser colhida na lua crescente. O milho deve ser dobrado antes da lua minguante. Precisa dobrar o milho para a feijoa dar boa. Dobra-se o pé do milho para a espiga ficar para baixo. Se colher a roça na lua nova, a semente fica fraca, dá gurgulho e caruncho. Melhor mês de colocar roça é março. É bom plantar na quadra certa da lua. Se a chuva for meio desconsolada, é melhor plantar na quadra cheia. O mantimento sai mais reforçado. Na lua nova, sai mais fraco.
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CIÊNCIA DOS ANIMAIS Alguns animais, além de servirem de alimentos, servem de remédio, outros, como o cachorro, ajudam a gente a corrigir a casa ou correr com alguma coisa mal que vem pra nos prejudicar, o gato é outro exemplo, que come os ratos, que não são bons para nossa saúde. Os animais também servem de companhia para a gente. Outros nos avisam que vai acontecer alguma coisa boa ou ruim. Devemos ter cuidado com os animais, tanto os do mato quanto os de estimação, pois dependemos deles para nossa sobrevivência.
PÁSSAROS: OS PÁSSAROS TAMBÉM NOS INFORMAM Quando a coan assenta e canta em uma árvore verde, está adivinhando chuva. Se ela assentar e cantar em uma árvore seca, é sinal de morte. Quando o vim-vim chegar próximo à nossa casa cantando, é aviso de que uma moça vai se perder ou que alguém vai chegar na nossa casa. Ele avisa que vem alguém em casa, ele canta assim: “vem vino, vem vino”. Quando o galo canta fora de hora, antes da meia-noite, é avisando que algum rapaz roubou alguma moça. Nos tempos de hoje, com a energia elétrica, o galo às vezes canta a qualquer hora. A galinha quando canta que nem galo e ainda bate as asinhas com o papinho para riba, é que vai acontecer alguma coisa ruim, uma morte ou um acidente. Para que isso não aconteça, a gente tem que cortar a cabeça dela de um golpe só e deixar o sangue escorrer. A pessoa daquela família não pode comer. Tem que dar para alguém que não for parente. Se não tiver ninguém para dar, tem que jogar fora. Quando o pássaro-preto voa à noite, é avisando que vai ter luto. A coruja, quando entra dentro de casa, é avisando que algo de ruim vai acontecer. É avisando que vai morrer alguém. E, quando algum parente da gente vai ganhar neném, a coruja chora como neném, avisando o nascimento da criança. O tesoureiro, quando passa por cima da casa, é avisando que aconteceu ou vai acontecer algo de ruim. O tico-tico e o tesoureiro também avisam morte. O tesoureiro quando faz um barulho no voo, semelhante ao barulho de cortar um pano, é como se estivesse cortando a mortalha. Quando o pirro canta, alguma coisa de ruim vai acontecer. Se o joão-de-barro, que também é chamado de joanica-de105
barro, assentar-se várias vezes perto da casa e sair em direção ao cruzeiro é que vai morrer alguém daquela família. Esse bicho é tão danado, que não se pode comê-lo, senão, dá sete anos de atraso, não arranja nada na vida (emprego, dinheiro, por exemplo). Urubu, quando sai o rebanho para ao lado do cemitério, é morte. Se o urubu assentar em cima da casa de alguém, é porque vai morrer alguma pessoa da casa. O beija-flor quando vem até a gente e se for verde é avisando coisa boa, esperança, se for do peito branco avisa chegada de carta e, se for preta, avisa luto. O periquito avisa a esperança de qualquer coisa boa. Quando vem do lado da serra e passa por cima do cemitério, é avisando que alguém vai morrer. OUTROS ANIMAIS Quando a mulher ganha neném, a lagartixa gosta de ficar olhando lá da parede. Se for menina, ela gosta. Mas a lagartixa não gosta de menino-homem, e aí ela joga praga, esconjura, porque os meninos gostam de matá-la. Tem até uma história da lagartixa que é assim: Diz que iam duas lagartixas para um quarto onde alguém tinha ganhado neném. Uma fica escondida, e as duas ficam conversando. Uma pergunta: “O que é o neném?”, a outra responde: “É menina”, e a primeira diz: “Deus que conserva!”. E se for homem, ela fala: “O diabo que carrega!”. Até os bichos conversam. Quando cachorro espirra ou fica com a barriga para riba, é um aviso de que vai chegar hóspede. Quando cachorros estiverem brigando, jogue água neles que eles separam. Se você vir dois garrotes e quiser que eles briguem, jogue torrão neles que eles brigam. Se quiser que eles parem de brigar, rodeie-os três vezes, tire o chapéu da cabeça e dê um grito, que 106
eles saem correndo e param de brigar. Ir a algum lugar e encontrar égua no caminho é sinal de que o que você for fazer não dará certo. Quando estiver em uma festa e os cachorros começarem a brigar, é que vai ter briga de gente também na festa. E quem não quiser assistir à briga pode preparar para ir embora. Quando você for em algum lugar e encontrar homem ou gado no caminho, terá sorte boa no que irá fazer. Quando um animal some e não aparece para o dono, é só pegar três sabucos de milho, amarrar um no outro em cruz, rezar três pai-nossos com três ave-marias e encomendar as almas para segurar os animais no lugar onde estiverem. Assim, o dono do animal consegue achá-los com facilidade. Não pode deixar a corda do cavalo amarrada no pau quando for soltar o cavalo ou se for trocar de corda para sair. Se fizer isso e acontecer de o cavalo tropeçar, o cavalo morre. É perigoso para a pessoa que está montada no cavalo também. Deve-se tirar a corda do pau quando ela não estiver sendo usada.
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CIÊNCIA DO CASAMENTO Para que o casal seja feliz, tem que seguir algumas ciências básicas: na saída para o casamento, na hora do casamento, durante a festa e depois da festa.
CASAMENTO COM TIÇÃO DE FOGUEIRA DE SÃO JOÃO: CASAMENTO DE ANTIGAMENTE Corta três paus de São João e coloca na fogueira para queimar, depois, tira os três pedaços e coloca nos três cantos da casa e faz o casamento, fazendo juramento para São Pedro, São Paulo e todos os santos. O batizado antigamente também era feito assim. CUIDADOS DO NOIVO E DA NOIVA A noiva não pode ir à saída do noivo. A saída do noivo é a despedida de solteiro, ele e seus amigos fazem uma festa. Se ela for, eles não vão ter uma boa vivência depois do casamento. Mesmo que o noivo convidar, ela tem que saber que não deve ir. A festa do casamento, na casa dos pais da noiva, é chamada chegada. Não se costuma convidar falando que é para a festa do casamento. Convida-se para ir assistir à chegada. O convite de casamento é feito de casa em casa. Os convidados não se contentam de receber apenas um convite de papel. A noiva tem que caminhar até a casa de todos os amigos e parentes para chamar para a chegada. É nesse momento que a noiva recebe os presentes. Muitas vezes, ela leva uma amiga para ajudar a carregar. As pessoas de mais intimidade também são chamadas para ir à igreja e/ou cartório. Apenas quem participa da missa ou da celebração do cartório senta-se na mesa da chegada. A não ser que seja alguma visita especial que tiver na casa, aí também pode se sentar à mesa. Os outros podem comer, mas não se sentam à mesa. As bebidas só são servidas na mesa. Os tocadores mais o povo que está na casa esperam os noivos na chegada (que é na estrada, perto da casa), caminha todo mundo 110
junto até a casa e dá três voltas na casa, da esquerda para a direita, para dar sorte e união boa. No casamento, tem que ter o sabonete para lavar a mão e o rosto dos convidados. Pois a maioria dos convidados vem de longe, anda muito e precisa lavar a mão e o rosto para ficar uns convidados cheirosos. A madrinha da noiva (convidada pela noiva) é que serve a comida dos dois, a comida é colocada num prato só. Se não comer junto, é mais difícil de unir. É um ritual para união. O banco em que os noivos se sentam é forrado. Os noivos ficam na parte mais central da mesa, virados de frente para a casa. A mesa é colocada no fundo da casa. Forrar o banco é uma mostra de mais garantia aos noivos para não sujar a roupa. Antes, na mesa, eram colocados uns montinhos de farinha espalhados na própria mesa, em cima da toalha, e as pessoas iam comendo. Hoje, coloca é na vasilha mesmo. A comida tem que ser para o reúne de todo mundo. Na organização da mesa, os pratos ficam emborcados de fora a fora, com o garfo em cima. No meio da mesa, ficam as bebidas e as comidas. Entre as comidas, sempre tem galinha cheia (galinha cortada, sem as tripas, e depois recheada de carne temperada, por último, frita) e carnão (carne assada no forno). É assim que é feito, é a tradição dos mais velhos. Hoje, a lei está mais nova (mas quem nasceu na lei velha tem que morrer na lei velha). No casamento, os pais não acompanham os filhos. Nessa hora, o amor que tinha com os pais tem que repartir com o marido e com a esposa. É depois que casa que vira homem. Era menino, depois vira rapaz e aí é que vira homem, na hora que casa. Tem que mudar o pensamento, o modelo da moça é um; depois que casa, é outro. Se não fizerem essa mudança, eles ficam moça e rapaz toda a vida. Na festa de casamento, a noiva joga perfume nos convidados. O perfume é dado pelo noivo, é ação para ser bem recebido. Para dar as boas vindas, tem que jogar em todo mundo: homem, mulher, criança, adulto. 111
Quem se sentar à mesa não pode levantar antes de alguém falar a loa aos noivos (que normalmente é feita por quem está na cabeceira da mesa). Às vezes, acontece de alguém que não está na mesa falar as loas. É quando ele quer beber um pouco da bebida da mesa. O “preço” da bebida é a loa. Quem vai falar a loa senta-se na cabeceira da mesa. Às vezes, a cabeceira fica vazia, só na hora de falar as loas é que senta alguém. A mesa é comprida (hoje, a família junta várias mesas dos vizinhos, pega emprestado, mas, antes, a mesa era feita de vara mesmo, tipo um jirau bem grandão). Na hora que termina as loas, fala um verso assim: “viva de lá pra cá e viva de cá pra lá” e o pessoal responde “viva”. O pessoal todo fica de fora a fora da mesa. Durante a festa, os noivos têm que dar atenção aos convidados e não ficar só os dois juntos. Às vezes os convidados até saem, porque os noivos não deram atenção. É uma forma de mostrar ação, nenhum convidado gosta de ser recebido por gente sem ação. Depois que casa, a noiva tem que andar na frente do marido, quando é para passear. O homem que carrega a mulher atrás é porque já é a segunda mulher, já está no segundo casamento. Depois que casa, o casal tem que dormir por três noites na casa dela. Depois, o marido pode levar a noiva para a casa deles. No dia de sair, os avós, os tios, os pais e os irmãos se reúnem para dar o conselho para eles viverem bem. Tem os mandamentos do bem viver: os carinhos que tem que ter, o que fazer para viver bem. A família da noiva não pode soltar foguete antes do casamento, mas a do noivo pode. Deve ser porque o noivo costuma dar calote mais frequentemente que a noiva. No dia do casamento, assim que os noivos chegam, os sogros não podem receber o genro na porta da varanda. Só na porta do meio, porque, se receber na porta da varanda, ele fica toda a vida com vergonha de ir ao fundo da casa, ou seja, na cozinha. Isso ajuda no entrosamento da família. E é uma mostra que o amor que os pais têm pela filha, agora, eles têm que ter pelo marido dela também, pois ele passa a ser como um filho. 112
Quando ainda está namorando, o noivo não vai à cozinha. Mas hoje, nem todo mundo segue esta regra, porque é normal ter mudanças, apesar de se admirar dessas mudanças. Quando casa a última filha, tem que quebrar a panela. É assim: a gente frita uns pedações de galinha, ou compra balas, ou faz bolo, ou pega um pouco de todas as comidas que tiver na festa e coloca numa panela de barro, toda enfeitada. É uma comemoração, porque é o derradeiro gasto que a família faz com festa de casamento. Na hora de quebrar a panelinha, a mãe da noiva ou qualquer pessoa boa de dançar, no momento da valsa (que é forró mesmo), leva a panelinha na cabeça, requebrando, dá três voltas ao redor da casa. Na derradeira vez, vai para quebrar a panelinha, faz uma roda ao redor, e a pessoa que está dançando dá um jeito no corpo e faz a panela cair. As balas ou a carne caem no chão e todos pegam. Para não sujar a comida, o chão fica bem lavadinho e sem terra. Às vezes, coloca-se os pedacinhos de carne na sacolinha. A panelinha é equilibrada em cima de uma rodilha de pano e não pode colocar as mãos. No final, fica todo mundo batendo palmas. Os convidados e os noivos seguem a pessoa da panelinha. A panelinha de barro muitas vezes é comprada. Outras vezes, é feita. Os noivos têm que vestir de branco, que é sinal de boa vivência. Mas agora, o homem já veste terno completo. A valsa tem que ser dançada na hora que se chega na varanda, depois que termina de rodear a casa. Os pais também podem dançar na hora (e mais quem quiser). A música que toca costuma ser forró.
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ENTREVISTADOS
ANELI CARDOSO DE ARAÚJO – BREJO Dona Aneli tem 55 anos e trabalha na roça até hoje colhendo os alimentos. É costureira e faz o serviço de casa. Teve 20 filhos, dos quais morreram 7. Faz remédio para várias doenças, benze de quebranto, dor de cabeça, dor de dente, dor de barriga e picadas de animais peçonhentos. Sabe oração de esconder, orações para viajar e sabe várias brincadeiras, histórias e músicas. Fiava algodão para tecer e fazer roupas para os filhos. Dona Aneli é uma mulher muito disposta, alegre, feliz, engraçada, que gosta de contar causos e fazer amizades. É uma pessoa muito forte e corajosa. Não desanima com qualquer coisa. MARIA PEREIRA DA CONCEIÇÃO – BREJO Dona Maria tem 82 anos, nunca morou fora da reserva e diz que trabalhava na roça e em casa desde os 14 anos. Era cozinheira, cozinhava nas festas, costurava e fiava algodão para fazer roupa para seus filhos. Quando as mulheres ganhavam neném, fazia os remédios e cuidava da criança. Ela teve 16 filhos, dos quais 6 morreram. Atualmente, ela só faz o serviço de casa. É conselheira dos filhos, sobrinhos e netos e sabe muitas coisas sobre a cultura Xakriabá. Dona Maria é muito animada, conversa muito, é engraçada, disposta, adora fazer amizades, é educada, muito religiosa e exige que todos façam a coisas certas. EUVIRA GOMES DE OLIVEIRA – BREJO Dona Euvira tem 72 anos e teve 9 filhos dos quais 7 faleceram. Os dois que restaram se casaram e atualmente ela mora sozinha. Antigamente, ela trabalhava muito em casa e na roça, 117
fiava linha e mandava tecer e fazia roupas para os filhos. Ela fazia muito remédio para os doentes da aldeia, era rezadeira e benzedeira. Ela ainda tem vontade de fazer tudo isso, mas não pode porque está doente. Tem resguar-do quebrado, quase não está enxergando, tem reumatismo e não pode andar. Ainda sabe muita coisa boa e passa para quem quiser aprender. Ensina a rezar, fazer remédio e outras coisas. Dona Euvira paga para fazer o serviço da roça e de casa para ficar vendo o movimento do serviço e distrair. Apesar de muitos problemas que há vários anos enfrenta, é uma mulher muito disposta e feliz. Gosta de tudo organizado e é muito religiosa. JOANA CARDOSO DE ARAÚJO – BREJO Dona Joana tem 63 anos e era parteira. Ela teve 11 filhos, mas 5 morreram. Ganhou todos em casa com as parteiras Juliana, sua madrinha, e Joana, sua mãe de leite. Antigamente, não tinha médico nem hospital. Ela já entendia um pouco sobre parto, que aprendeu com sua mãe Joana, mas o primeiro parto que fez foi junto com Maria Verde. Daí para frente, aprendeu tudo e continuou fazendo os partos sozinha. Ela fez o parto da maioria das crianças nascidas na vizinhança. A primeira criança a nascer por suas mãos teria hoje aproximadamente 28 anos, mas infelizmente faleceu há cerca de um ano. Atualmente, não faz mais esse trabalho, porque ficou doente da visão e ficou cega, mas ainda sabe muita coisa sobre parto. Dona Joana ainda faz alguns serviços de casa como catar feijão, fazer café e costurar. Ela é uma mulher muito forte. Ficou viúva muito nova e acabou de criar os 6 filhos sozinha, trabalhando na roça. Ela anda muito doente, mas, mesmo assim, é muito feliz e adora receber visitas.
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JOÃO GOMES DE OLIVEIRA – BREJO MATA FOME Senhor João é um homem muito simpático, que gosta de contar histórias e piadas engraçadas. Gosta de brincar com todos, com jovens, adultos e crianças. Adora assistir futebol na televisão e no campo, quando tem jogo na aldeia. VICENTE GOMES DE OLIVEIRA – IMBAÚBA Seu Vicente tem 65 anos, sempre morou na aldeia Imbaúba, trabalha na roça desde pequeno, gosta de caçar e aprendeu com os bons caçadores, no caso, com seus tios. Faz vários tipos de remédio com sua própria experiência e sabedoria. Os remédios que ele faz, ele vai sempre experimentando, fazendo e curando alguns males, e vendo se vai dando certo. Faz também vários benzimentos. Vicente é muito engraçado, gosta de contar piadas, versos, aloas e histórias. É uma pessoa disposta e inteligente. JOANA GOMES DO NASCIMENTO – IMBAÚBA É muito religiosa. A maioria das pessoas da aldeia do Brejo e Imbaúba aprendeu as rezas tradicionais com ela. Tem 59 anos. Mudou para aldeia Imbaúba quando estava sentando, pois morava na aldeia Retiro (Caatinguinha). Ela trabalha na roça, fia linha de algodão, costura, cuida da casa, faz farinha de milho e mandioca, reza para curar as pessoas (como promessa para curar de algum mal). ROSILENE GOMES DE OLIVEIRA – IMBAÚBA É uma jovem muito calma, obediente e religiosa. É muito sorridente e adora fazer amizades. É filha de dona Joana. Rosilene 119
é também muito corajosa e estudiosa. Ela costuma ir sozinha para a escola, que fica longe de sua casa. Mora junto com a mãe e os dois irmãos, tem 26 anos. Cuida da casa, estuda a 2a série do ensino médio, ajuda a mãe a rezar desde pequena. Ela trabalhava na roça com sua mãe e os irmãos. Agora, não pode mais trabalhar porque um de seus irmãos ficou paraplégico, devido a um acidente que aconteceu com ele e ela é que fica com ele para cuidar. com ele e ela é que fica com ele para cuidar. MARINHO JOÃO DE ARAÚJO – BREJO MATA FOME Senhor Marinho é muito religioso, alegre e gosta de passar seus conhecimentos para quem estiver interessado em aprender. Sabe escrever e ler. Hoje em dia, não lê mais, porque não enxerga. Tem 70 anos e morou fora da reserva 2 anos porque saiu pra trabalhar na roça, não por querer, mas por necessidade. Antes, não tinha outro jeito de ganhar dinheiro. Teve 14 filhos e morreram 2. Ele criou todos trabalhando na roça. É cantador de Reis. Até hoje, canta Reis apesar de ter ficado cego e não poder andar muito longe. Disse que todos que pedem para ele cantar o Reis, ele explica como vão ser as regras, que devem seguir e respeitar. Antigamente, os companheiros dele, de cantar Reis, eram Onofre, José, Bernardo (seu sogro). Agora, são Martins (seu primo), os filhos Gelson, Seliane e sua esposa Maria. Ele explica que tem que ter respeito aos acompanhantes do Reis e o dono da promessa. Se fizer alguma coisa errada durante o Reis, a promessa não fica cumprida. Quando canta o Reis, não pode fazer festa de forró. MARIA GOMES DE OLIVEIRA – BREJO MATA FOME Dona Maria é alegre e gosta de contar causos. Tem 48 anos. Ela é rezadeira. Nunca morou fora da reserva, nasceu na aldeia Olha d’águão e atualmente está morando na aldeia Brejo Mata Fome 120
Teve 6 filhos, dos quais morreu 1. Além do serviço de casa, gosta muito de trabalhar na roça. É rezadeira, sabe muito sobre os remédios tradicionais, já fez alguns partos. ANÁLIA GOMES DE OLIVEIRA – TERRA PRETA Dona Anália sabe muito sobre a cultura Xakriabá. É rezadeira e gosta de contar causos. Só teve um filho. IRACEMA TEIXEIRA DE OLIVEIRA – RIACHO DO BREJO Dona Iracema é extremamente paciente, alegre, mas um pouco tímida. Tem 52 anos, teve 17 filhos, morreram 5. Já trabalhou em várias fazendas fazendo serviço de roça para ajudar o marido e criar os filhos. Trabalhava na plantação e colheita de tomate e feijão. Sabe fazer alguns remédios tradicionais. É mulher de Lauretino. DELMIRO PEREIRA DE SOUZA – BREJO MATA FOME Delmiro Pereira de Souza tem 63 anos, trabalha na roça desde criança. Nasceu e mora na Reserva Xakriabá, já morou nas aldeias Brejinho e Riacho do Brejo e atualmente mora na aldeia Brejo Mata Fome. Ele é pai de 20 filhos, criou todos com seu trabalho da roça, ele nunca abaixou a cabeça diante dos problemas. Gosta de contar casos. À noite, se reúne com os filhos, netos e a esposa para tocar violão, bater bumba, cantar música de batuque e outras. Ele faz artesanato de madeira como colher de pau, pilão, gamela. Faz outros artesanatos de fibra de umburuçu, de croatar e de barrigudada (tapiti, saia e cabresto). Faz uru de palha de coco e cachimbo do fruto do coco. Ainda continua trabalhando na roça, 121
fazendo plantação de milho, feijoa, feijão-catador, de arranca, de corda, andu, melancia e abóbora. Seu Delmiro gosta muito de ajudar as pessoas tanto no trabalho da roça quanto na parte de alimentação, destribuindo partes de suas compras que faz com o dinheiro que recebe de sua aposentadoria. ROSA GOMES DE OLIVEIRA – RIACHO DO BREJO Dona Rosa é muito emotiva, é alegre, trabalhadeira e adora receber visitas. Tem 47 anos e sempre morou na reserva. Teve 13 filhos, 3 morreram. Tem 5 netos. Trabalha na roça e em casa. JOSÉ PAULO SANTIAGO – BREJO Senhor José tem 40 anos e nunca morou fora da reserva. Sua profissão é trabalhar na roça desde os 8 anos de idade. Ele é casado e teve 8 filhos, dos quais um morreu. Atualmente, já tem 4 filhos casados e 3 netos. Senhor José sai quase todos os anos para trabalhar no corte de cana para firmas de Minas Gerais e de outros estados, como São Paulo e Mato Grosso. Sai no início do ano e só retorna no fim do ano. Quando saiu pela primeira vez para trabalhar em firma, tinha 18 anos. Ele gosta mesmo é de trabalhar na sua própria roça. Sai para trabalhar fora porque precisa sustentar a sua família e não tem outra alternativa. Além de trabalhar na roça, gosta de cuidar dos animais. Ele é um homem muito compreensivo, calmo e um pouco tímido, mas gosta de fazer amizades. Gosta de vários tipos de jogos, principalmente, do futebol. JOSÉ DE ARAÚJO SOUZA – BREJO MATA FOME José de Araújo Souza tem 28 anos e é professor de cultura das aldeias Brejo e Imbaúba, quase sempre morou na reserva. Saiu apenas dois anos para o trabalho de corte de cana em Mato Grosso 122
Ele é um bom professor de cultura, dedica parte de sua vida aprendendo coisas novas com pequisas feitas com os mais velhos para colocar em prática nas suas aulas. José é muito inspirado, aprende tudo com muita facilidade. Faz vários artesanatos: peneira, balaio, bumba, cestos, flecha, lança, borduna, gamela, saia, tapiti, crochê, bodoque, cocar, colar etc. Também gosta de caçar, cantar, fazer música e pinturas corporais. Conhece e fala algumas palavras da língua Xakriabá. Ele é um pouco tímido e tem muita paciência, sempre ajuda os outros que precisam. LAURENTINO GOMES DE OLIVEIRA – RIACHO DO BREJO Tem 54 anos, nasceu na aldeia Brejo Mata Fome, teve 17 filhos e morreram 5. Tem 17 netos. Trabalha na roça desde os 8 anos de idade. Com 10 nos, já trabalhava fora da reserva, nas fazendas, para ajudar seu pai a cuidar dos irmãos mais novos. Ele faz artesanato de madeira: porta, janela, prateleira, porta-copos, pilão e outros objetos pequenos. Ele acha que as roças não estão mais boas como antes, porque várias pessoas estão usando coisas que não devem ser usadas, como os agrotóxicos. Tem vários conhecimentos sobre a lua. É marido de Iracema.
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AS AUTORAS
TANIDE ARAÚJO Meu nome é Anide Araújo, tenho 34 anos, moro na aldeia Brejo Mata Fome, na reserva indígena Xakriabá, no município São João das Missões, Norte de Minas Gerais. Comecei a trabalhar aos 10 anos de idade, na roça e ajudando nos serviços de casa. Entrei na escola com 13 anos, nessa época só tinha aula de 1ª a 4ª série. Com 17 anos, comecei a trabalhar nas fazendas vizinhas, plantando tomate, colhendo feijão e milho. Dormia na roça a céu aberto, à beira de uma fogueira. O dinheiro que ganhava era pouquíssimo. Trabalhei também em casa de família para as professoras não índias e para o chefe do posto da FUNAI. Não por querer, mas por uma necessidade. Toda vida tive vontade de ajudar meus pais. Fiz o curso de magistério indígena entre 1996 a 1999. Nesse mesmo período, comecei a trabalhar com turmas de 1ª a 4ª série e, em 2003, com turmas de 5ª a 8ª série. Atualmente, dou aula de matemática, geografia, história e arte. E estou também fazendo o curso de Licenciatura Indígena na UFMG. Com esse curso, aprendi que vale a pena lutar por algo que vem ajudar a nossa comunidade, apesar das dificuldades que enfrentamos e da saudade dos familiares. Em tudo que fazemos, encontramos pedras, espinhos, mas não é por isso que vamos parar, temos que erguer a cabeça e seguir em frente, acreditar que somos capazes de realizar nossos sonhos e conseguir alguma coisa para deixar para as futuras gerações. A pesquisa também me ajudou muito, pois é sabendo o passado que pensamos no presente. DUCILENE ARAÚJO Meu nome é Ducilene Araújo, tenho 29 anos, sou filha de 126
Anelir e Delmiro. Eu tinha 19 irmãos, só que 7 morreram, atualmente, são 12. Moro na Reserva Indígena Xakriabá, aldeia Brejo Mata Fome, no Norte de Minas Gerais. Quando eu era criança, brincava muito com meus irmãos e primos. Brincava de roda, de breia, de boneca de barro, brincava no córrego, fazia casinha, ralava milho e fazia comidinha, como cuscuz, angu e canjiquinha. A gente batia cana para fazer garapa e beber com cuscuz. Desde essa época, eu já ajudava minha mãe nos serviços domésticos e cuidava de meus irmãos mais novos. Comecei a estudar com 7 anos de idade em uma escola da FUNAI e as aulas eram só até a 4ª série. Na escola, descobri a importância da leitura e da escrita, gostava muito desta arte difícil e legal de fazer. Completei a 4ª série e parei de estudar, pois, para continuar os estudos, tinha que ir para a cidade e não tinha transporte nem condições financeiras. Quando cresci um pouco, comecei a pegar um servicinho mais pesado e tive que assumir algumas responsabilidades, como tomar conta de casa, lavar, varrer, cozinhar, pisar milho, café, fazer beiju, buscar água no riacho. Lembro que, à noite, mãe velha (minha vó Maria) sentava comigo e meus irmãos para ensinar as orações de cura e benditos. Explicava quais poderiam ser rezadas a qualquer hora e quais não poderiam ser reveladas, como as orações de cura e de proteção. Contava histórias que trazem ensinamentos, algumas engraçadas e outras que a gente ficava com medo. Como o meu pai ficava muito fora de casa, porque tinha que trabalhar na roça ou até mesmo fora da reserva, a minha educação ficou mais a cargo da minha mãe e minha vó materna. Após os 14 anos, comecei a trabalhar nas fazendas vizinhas com minhas irmãs mais velhas, meus cunhados, primas e tios, na colheita de feijão e tomate. Ganhávamos pouquíssimo, não tínhamos um local adequado para dormir, dormíamos na roça debaixo da árvore. Após 6 anos fora da escola, voltei a estudar no ano 2000, no ensino fundamental. Neste mesmo ano, fui escolhida pela 127
comunidade e pelo saudoso cacique Rodrigo para participar do curso de magistério indígena. Em 2001, comecei a dar aula, por uma necessidade da comunidade, porque ainda não tinha concluído o magistério. Em 2006, comecei o curso de Licenciatura Indígena na UFMG, fazendo parte da área de “Língua, Arte e Literatura”. Esse curso incentivou-me a pesquisar sobre meu povo, principalmente em um assunto que é abstrato, sempre praticado, mas que quase não era discutido dentro da aldeia. Percebo que sem isso, pouca coisa conseguimos, essa parte que eu falo é a crença, ciência e a sabedoria do nosso povo. Entendo que crença é a forma de acreditar em tudo aquilo que não enxergamos com olhar físico, mas com a imaginação e o poder espiritual. Ciência é o cuidado que temos com tudo nas práticas cotidianas. Sabedoria é todo conhecimento de um povo, coletivo ou individual. Com essa pesquisa, eu aprendi muito a prestar mais atenção e valorizar mais as práticas cotidianas do meu povo, que, às vezes, na convivência, era tão normal que eu esquecia de observar. Aprendi não só nas aulas, mas também com os colegas de curso, com os mais velhos, na calmaria da aldeia e na correria da cidade. Aprendi também que professor precisa ser pesquisador para enriquecer seu trabalho. Às vezes, achava complicado porque tinha que assumir várias responsabilidades: dar aula e, ao mesmo tempo, estudar, além de outros compromissos da aldeia. Mas em nenhum momento pensei em desistir, porque sabia que esse trabalho não era só meu, mas de todo meu povo. VANILDE GONÇALVES Meu nome é Vanilde Gonçalves, tenho 37 anos, sou casada, tenho dois filhos: Némerson, de 13 anos, e Jucyrema, de 12 anos de idade. Atualmente, sou professora, e estudante do curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG. 128
Nasci e fui criada na aldeia Brejo Mata Fome, e vivo lá até hoje. Venho realizando minha pesquisa através dos conhecimentos dos nossos mais velhos, nas aldeias interligadas e mais próximas à aldeia Brejo: Riacho do Brejo e Imbaúba. Mas, ao todo, os Xakriabá vivem em 32 aldeias, divididas em um território de aproximadamente 54.614 hectares de extensão territorial. Eu comecei a trabalhar na roça desde os 5 anos de idade, e também cuidei dos meus irmãos mais novos, da casa e da comida. Cuidar da comida era algo que eu fazia muito. Eu fazia farinha, beiju de milho e de mandioca, pilava e ralava milho e mandioca, fazia paçoca de milho, de coco, de castanha de pequi, de carne de caça, fazia também quibebo de mamão e de taioba, fazia quileme de banana, fazia engrolado de farinha de mandioca com caldo de toicinho de porco e fazia escaldado de ovo. Pegava frutos do mato e do gerais - como cabeça de negro, manga, pequi, tinqui, barriguda, pinó, umbu, cagaita, cangerana, mamãozinho, grão de galo, coco, bananinha, ananás, caiçara, marmelada, jurebeba. Para fazer sabão, aprendi a descascar pinhão, tingui, pinó, fruto de barriguda e a pegar cinza da coivara para colocar na estiladeira, depois eu pegava água para colocar junto com as cinzas para tirar a dicoada. Pegava água no riacho para consumo da família. Tudo isso, eu aprendi com a minha mãe. Com meu pai, aprendi a capinar na roça e a pegar os animais para dar água. Com 12 anos de idade, entrei para a escola. As aulas eram ministradas por professoras da FUNAI. Fiz de 1ª a 4ª série do ensino fundamental. Isso foi de 1986 a 1989. Então, fiquei um tempo sem estudar, porque só tinha até essa série. Foi quando fui trabalhar como empregada doméstica para os funcionários da FUNAI. Trabalhei nas casas desses funcionários por um período de 4 anos. Quando foi no ano de 1993, fui para uma cidade do interior de São Paulo, chamada Pontal, onde fui cuidar dos filhos do meu tio, que trabalhava no corte de cana-de-açúcar. Fiquei por lá um ano, voltei para minha aldeia, onde retornei aos trabalhos domésticos nas casas das professoras da FUNAI. Isso durou por volta de 2 anos. 129
Quando foi no ano de 1995, houve a proposta do curso de magistério indígena. Fui escolhida pela comunidade e pelo saudoso cacique Rodrigo. Esse curso começou em 1996 e foi até 1999. Foi aí que comecei a atuar como professora, regente de turmas de 1ª a 4ª séries, o que durou até 2000. Em 2001, comecei a atuar nas séries de 5ª a 8ª do ensino fundamental. Em 2005, houve uma demanda dos alunos e da comunidade para o funcionamento do ensino médio. Foi quando comecei a dar aula de língua portuguesa. No ano de 2006, comecei a fazer o curso de Licenciatura Indígena na UFMG, com habilitação na área de “Múltiplas Linguagens”. E venho desenvolvendo minha pesquisa juntamente com minhas duas cunhadas: Anide e Ducilene. Esta pesquisa é muito significativa para nós com objetivo de revitalizar a crença, a ciência e a sabedoria de nosso povo.
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CONCLUSÃO Decidimos pesquisar sobre sabedoria, crença e ciência porque sabemos que a maioria destes conhecimentos está na memória dos nossos velhos e, se não registrarmos, vão se perdendo. Atualmente, jovens e crianças estão cada vez mais deixando de praticar esses conhecimentos Xakriabá que não podem ser deixados de lado, porque fazem parte de nosso cotidiano. Para começar a pesquisa, fizemos uma lista com os nomes de quem iríamos entrevistar. Depois, conversamos com cada um sobre o nosso curso e sobre a pesquisa e falamos os objetivos da mesma. Sentimos que todos gostaram e aceitaram. Marcamos o dia para ir fazer a entrevista na casa de cada um deles. Para colher as informações que queríamos, não seguimos o questionário, ele só foi usado como base para que as pessoas não ficassem tímidas para falar. Deixamos contar o que queriam. Depois de um bom tempo, entramos nos assunto da pesquisa. Pelo meio da conversa, fizemos algumas perguntas e anotamos os pontos relacionados à pesquisa. Além das informações das pessoas entrevistadas, anotamos também algumas coisas que sabemos e vivenciamos. Percebemos que todas as pessoas entrevistadas ficaram interessadas em nos ajudar e, ao mesmo tempo, preocupadas com o fato de esses conhecimentos deixarem de ser praticados. Aprendemos com essa pesquisa a valorizar e a respeitar mais as pessoas mais velhas e a natureza e que há várias formas de conhecimento sobre o mesmo assunto. No decorrer da pesquisa, lemos muitas obras indicadas pelos professores do Curso de Formação Intercultural de Professores Indígenas e por nossa orientadora Betty Mindlin. De autoria de nossa orientadora, lemos O couro dos espíritos e Terra grávida. Lemos também Cadernos do tempo, publicação organizada pelo 133
Programa Literaterras (FALE/UFMG), Origem dos mitos e O povo da floresta, dentre outros. Aprendemos que a pesquisa, quando é feita com vontade e cuidado, é uma forma de valorização das pessoas. Essa pesquisa ajudará na revitalização da nossa cultura e no fortalecimento de nossa identidade étnica.
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GLOSSÁRIO
A, a
afrigelado: característica de uma pessoa que fica com o coração acelerado, o coração sente um frio e um calor, não consegue as coisas de bem para ele mesmo, porque quer na hora. Pessoa aflita. andu: fruto do anduzeiro, tipo de feijão. angico: árvore. anjo: pessoa que morre ainda criança. ataiá: atalhar. ataiar o fogo: fazer o aceiro para o fogo não atravessar e apagar com ramo.
B, b
barbado: espécie de macaco, marido da guariba. barriguda: árvore. bater cana: é como se fosse moer, mas é com a mão e um pedaço de pau. Bate a cana para tirar garapa. bicho ruim: animais peçonhentos, tipo cobra, escorpião (lacraia). boca da noite: 6 ou 7 horas da noite. breia: é uma brincadeira em que uma pessoa passa a breia para a outra. Esta pessoa, então, fica com a breia e pode passar para outro. É como se fosse uma brincadeira de pegador, quem estiver no pique ou estiver com uma folha verde na mão e falar palavras do tipo “tatinho, tatão, quem pegar eu é filho do cão” não recebe a breia. bromar: estragar.
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C, c
cabeça de nego: cafubira: doença que faz coçar os dedos, axilas, partes íntimas e outras partes. caixeiro: animal de caça, mamífero, tem espinho. campainha: úvula. capucho: um molho de cabelo ou de algodão. caranguejo: aranha. caruncho: besourinho que dá na madeira. caturra: tipo de banana. chuva pertenente: tempestade. coan: acauã, pássaro. cocá: galinha d’angola. comida choca: comida que não é feita na hora. condessa: árvore que dá fruto que serve de alimento. O fruto também se chama condessa. cotela: cautela. coví: árvore. croar: é uma planta de rama que dá fruto, a fruta dela é parecida com berinjela, só que maior. croatar: planta da qual se faz corda. cuiúda: que não é capada (pra porco). curador: pessoa que faz benzimento e dá remédio natural.
D, d
dengar: dar carinho. desavestar: tirar do lado avesso, virar para o lado certo. desnatada: desidratada. dias finos: dias em que não pode trabalhar, comer certos alimentos, tem que rezar e fazer coisas boas. dicuada: caldo tirado das cinzas das árvores. doença do ar: epilepsia.
E, e
eitão: a parte do lado da casa. 138
encergação: esfregação. encerrada: um tipo de remédio feito com chifre, alho, ervas, brasa com cinza, sal e água que serve para dor de cólica e regular a menstruação. esconjurar: jogar uma praga em alguém. esmagrecer: emagrecer. espinhaço: coluna vertebral. espinho de caxeiro: animal branco que salta uns espinhos. É parecido com porco-espinho, mas é branco e menor. Os espinhos têm as pontinhas amarela, preta e branca. espírito: é um ser invisível que age sobre a gente. estambo: estômago. estiladeira: é uma estrutura feita de madeira e palha de bananeira, em que se coloca as cinzas com água para fazer a dicuada (soda para fazer sabão). estrumar: fazer cocô.
F, f
faro: sentir o cheiro. fato de animal: intestino. fava: um tipo de feijão. favaquinha: alfavaca. feijão-cordeiro: igual ao feijão-catador, mas tem vagens maiores. É plantado junto com milho e tem mais ramas, enrama no pé de milho. feijão-de-arranca: é um feijão que é colhido com a raiz e tudo, não só as vagens, como acontece com outros feijões. feijoa: tipo de feijão, fava, plantado junto com milho pra enramar nele. ficar bestando: ficar sem assunto, sem acompanhar a conversa dos outros, ficar “no ar”. findingo: é uma planta de horta, serve para fazer remédio. freventado: sem paciência. freventar: aferventar. frio de sal: que tem pouco sal. fulorar: florescer 139
G, g G, g
galinha-pescoço-pelado: de galinha quetem nãopenas tem penas galinha-pescoço-pelado: raça raça de galinha que não no pescoço. no pescoço. galinha-rupiada: galinha-arrepiada, raça de galinha de galinha-rupiada: raça raça galinha-arrepiada, raça de galinha de penugem arrepiada. penugem arrepiada. galinha-sura: de galinha não tem galinha-sura: raça raça de galinha que que não tem rabo.rabo. gingilim: gergelim. gingilim: gergelim. gurgulho: besourinho dá sementes. nas sementes. gurgulho: besourinho que que dá nas
H, h H, h
herna: hérnia. herna: hérnia.
I, i I, i
invernado: tempo de muita chuva, chove parar. invernado: tempo de muita chuva, chove sem sem parar. invernar: chover muito, muitos parar. invernar: chover muito, muitos dias dias sem sem parar. isipa: erisipela. isipa: erisipela.
L, lL, l
lacraia: escorpião. lacraia: escorpião. lado que sol entra: pôrsol. do sol. lado que o soloentra: pôr do sol nascer sai: nascer do sol. ladolado que que o solosai: do sol. livuzia: faz medo vulto, fantasma). livuzia: coisacoisa que que faz medo (tipo(tipo vulto, fantasma). loa, versos aloa: versos de homenagem, de agradecimento ou de aniloa, aloa: de homenagem, de agradecimento ou de animação. mação.
M, m M, mo macho da tanajura. machado:
machado: o macho tanajura. madrugada nova: 4 ou 5da horas da manhã mais ou menos. madrugada nova: 4 ou 5 horas da manhã ou menos. madrugada velha: 2 ou 3 horas da manhã maismais ou menos. velha: ou 3 horas da manhã mais éou menos. mãemadrugada do corpo: não é um2órgão do corpo, é invisível, a parte mãe do corpo: é um órgão corpo, invisível, do corpo responsável pornão estarmos bem,do que cuidaé de nós. Seé aa parte bem, que cuida de nós. Se a mãe mãedo docorpo corporesponsável estiver mal, por nós estarmos adoecemos. domão corpo estiver mal, nós adoecemos. de pilão: o pau do pilão, usado para bater. mão pilão: o pau do pilão, usado para bater. mau dos de 7 dias: tétano. mau dos 7 já dias: mau-olhado: é tétano. a inveja mesmo. Acontece quando mau-olhado: já é a inveja Acontece quando não alguém alguém manda um sentimento de mesmo. raiva para outra, porque 140
tem aquela qualidade que a outra tem. Às vezes, fica elogiando, mas, por dentro, sente raiva. A pessoa que recebeu o mau-olhado sente os mesmo sintomas do quebrante e também fica com o olho doente. A pessoa adoece quando alguém não gosta dela e fica fingindo que gosta, às vezes, conversa com ela ou olha passando rabo de olho, mas, no fundo, está com raiva. mentrasto: planta que serve de remédio. michila: é um tipo de caça, também tem o nome de meleta. mocó: animal de caça, mamífero. morotó: é um bichinho que gera dentro do coco, uma lagartinha. mundiça: lagarta ou outro inseto que dá em planta ou animal e que os destrói. Quando a galinha está pixiringada (com piolho), fala que é mundiça.
N, n
neve: névoa.
P, p
passarinha: órgão que tem no boi e no porco, que tem o formato de uma língua e que fica junto do intestino, o baço. pataca do joelho: parte mais alta e bem central do joelho. pau-d’óleo: copaíba. pela: pele. pendida: descida mais para um lado do que para o outro. pertenente: um tipo de chuva, tempestade. Quando usado para pessoas, significa que é uma pessoa enjoada, chata. pichutitinho: pequenininho. pinhão: planta que dá frutos. pinó: fruto do pinozeiro. pirro: espécie de pássaro de hábitos noturnos. pisadeira: está relacionado às livuzias, coisa que dá nas pessoas e que faz com que elas passem mal sem saber explicar, como um sonho ruim que faz a pessoa ficar agoniada, aflita, sem conseguir sair daquela situação. pisar milho: bater no pilão. 141
Q, q
quebrante: é diferente de mau-olhado. Quando uma pessoa gosta demais da outra, dá uma doença na que recebe o gostar. Uma pessoa fica olhando, elogiando, querendo o bem demais. É mais perigoso quando chega o sol quente. A pessoa que recebeu o afeto fica com mal-estar no corpo, preguiça, bocejando toda hora. Pega mais em criança (nesse caso, dá dor de barriga e dor de cólica, quando pega nas tripas), pode pegar em pessoa maior e em bicho também, até no cabelo quando alguém elogia demais. Parece um pouco com inveja, mas acontece quando a pessoa quer bem demais à outra. É uma inveja sem querer. Quando a gente gosta demais da pessoa, a pessoa pode adoecer, se for exagerado. quentura: doença em que sai ferida no corpo, dá dor de barriga, problema na urina.
R, r
rabugento: que tem mau-cheiro. remédios finos: que precisa guardar o resguardo. resguardo quebrado: depressão pós-parto, ou alguma conseqüência relacionada ao período de resguardo. réstia: palha do alho. rumar: bater. rupiada: um tipo de galinha.
S, s
salvar: cumprimentar. sentando, arrastando, ficando em pé, caminhando: idades. sentinela: velório. sura: galinha sem rabo. surucucu: tipo de árvore, cheia de espinhos.
T, t
tabuleiro: gerais, onde há muitas árvores que servem de remédio e para comer. tapicuru: árvore grande, cuja semente serve de remédio. 142
tapiti, tipiti: utensílio feito de embira para espremer massa. tesoureiro: pássaro de hábitos noturnos que emite som parecido com tesoura ao bater as asas. tinguí: fruto do tinguizeiro, árvore dos gerais que dá frutos. tipi: planta que serve para remédio. tiú: árvore que serve de remédio. traição: forma de atrair que um bicho pode exercer (a cobra, por exemplo, atrai). tripa: parte do intestino.
U, u
ubre: úbero. umburuçu: tipo de árvore da qual se tira corda para fazer utensílio e artesanato. uru: utensílio feito de palha de coco do tabuleiro, serve para apanhar frutas.
V, v sala.
varanda: é o que as pessoas de Belo Horizonte chamam de
vim-vim: espécie de pássaro de pequeno porte, de cor cinza ou acinzentado.
X, x
xixá: planta que serve de alimento e remédio.
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Ficha catalográfica elaborada pelos Bibliotecários da Biblioteca FALE/UFMG
N433
Nem tudo que se vê se fala : ciência, crença e sabedoria Xakriabá / Anide Araújo... [et al.]. – Belo Horizonte : FALE/UFMG : Literaterras, 2012. 96 p. : il., fots., color.
Este livro foi produzido no âmbito do curso de Formação Intercultural de Educadores Indígenas da UFMG, sob orientação da professora Betty Mindlin, como um dos requisitos para obtenção do título de professor multidisciplinar dos ensinos fundamental e médio: línguas, artes e literatura. A monitoria foi de Cristina Borges, Edílson Gomes, Sandro Lúcio Oliveira Dourado, Fabrício Xavier de Oliveira e Nemerson Gonçalves de Araújo. ISBN: 978-85-7758-192-4 xxx-xx-xxxx-xxx-x 1. Índios Xakriabá – Brasil – Usos e costumes. 2. Índios da América doxxx-xx-xxxx-xxx-x. Sul – Brasil – Usos e costumes. 3. Indios Xakriabá – ISBN: Brasil – Cultura. 4. Índios Xakriabá – Brasil – História. I. Araújo, Anide. II. Mindlin, Betty. III. Universidade Federal de Minas Gerais. CDD : 980.41
Impresso em supremo alta alvura 90g (miolo) e supremo 250g (capa), fonte Palatino. Belo Horizonte, 2013.