PERMACULTURA como prática política
Cassia Grabert Neves Yebra
Autorizo a reprodução e divulgação total ou parcial deste trabalho, por qualquer meio convencional ou eletrônico, para fins de estudo e pesquisa, desde que citada a fonte.
Catalogação na Publicação Serviço Técnico de Biblioteca Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Yebra, Cassia Permacultura com Prática Política / Cassia Yebra; orientador José Eduardo Baravelli. - São Paulo, 2018. 134 P. Trabalho Final de Graduação (Bacharelado em Arquitetura e Urbanismo) - Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo. 1. Permacultura. 2. Permacultura Urbana. 3. Horticultura Urbana. I. Baravelli, José Eduardo, orient. II. Título.
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Elaborada eletronicamente através do formulário disponível em: <http://www.fau.usp.br/fichacatalografica/>
PERMACULTURA COMO PRÁTICA POLÍTICA Cassia Grabert Neves Yebra Trabalho Final de Graduação apresentado à Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo Banca Examinadora Profo. Dr. José Eduardo Baravelli (orientador) Ms. Tomaz Lotufo Profa. Dra. Catharina Pinheiro 3
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AGRADECIMENTOS
Esse trabalho é fruto de uma longa e intensa jornada na FAU USP, e só pôde ser realizado com o apoio e companheirismo de muita gente. Agradeço primeiramente à minha família, que me motivou e me apoiou em toda essa jornada de entrada e saída da faculdade. O amor de vocês é fundamental. Amo vocês. Mami, Papi, Tatá, Vó, Tê, Titio. Agradeço ao meu orientador, Zé Baravelli, recém ingresso nessa escola, pelas orientações objetivas, reflexivas, provocativas e com caráter Aos membros da banca, Tomaz e Catharina por aceitarem participar dessa discussão. Vocês são muito admirados e queridos por mim. A todos companheiros que prestaram algum apoio direto ao trabalho, Milka, opinando por whatsapp e me dando apoio Gê, minha inesquecível compañera de piso, tratando meus desenhos Mari Kuraoka, por compartilhar aflições comigo ao Vitrola e ao Li pela assessoria permacultural Marcella Arruda pelas conversas e trocas A todos que dedicaram um tempo para compartilhar as belas experiências vividas dos estudos de caso. Vida longa a estes projetos! Damasceno: à Noêmia e ao Fernando Ecoativa: Jailson, Silvana, aos meninos da Adrião Quebrada Sustentável: Vinícius, Maria, Vizinha Jandira: minha enorme gratidão à querida Cris Brasileira e ao querido Dani Shinzato pela paciência e disposição, e também ao Roberto e a Josi Ao pessoal do Escola sem Muros e Sem Muros Arquitetura Integrada, por terem me ensinado e me inspirado nesse novo universo da permacultura, de forma politizada e competente Ao pessoal do DPH, e da Proplan Unifesp, que foi sempre muito solidário e atensioso comigo Agradeço a todos amigos de turma que tornaram essa fase da minha vida divertidissima, e aos bons e inesquecíveis momentos que compartilhamos; Lucinha, Ana Carol, Tarsi Ricardo, Leo Oda, Artú, Barbs, Paulinha, Adão, Dani Sombra, Caio Paula, Giuli, Milka, Clara, Ruby, Lu, Lucas, Luizinho, Nicolá, Julia Lara, Ana Flávia, Helen Light, Nat Nico, Lu Amoroso, Cata, Play, Borba, Pimentinha, Will’s, Fefis, Dedé Sahm, Martim, Michel, entre outros companheiros! Às minhas companheiras de equipe que passei pela USP; à atual geração Seleção BF divas, e sobretudo ao BFFAU e HFFAU, grandes orgulhos da Atlética, que tive o prazer de ganhar muitos campeonatos com vocês, e aprender muito sobre a forma mais divertida de trabalho coletivo. Agradeço às diversas gerações pela amizade e por darem tanto sentido à minha graduação E claro, ao Pedro, meu amor, agradeço todos os dias a oportunidade de tê-lo como companheiro. Gratidão imensa pela base emocional fundamental nesse período e pela ajuda direta revisando textos e fazendo mapas para mim
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“Vou criar uma canção para poder existir Para mover a terra aos homens e sobreviver Para curar meu coração e mente, e deixá-la fluir Para o espírito elevar e deixá-lo chegar ao fim Eu não nasci Sem causa Eu não nasci Sem fé Meu coração bate forte Para gritar aos que não sentem E assim buscar a felicidade Vou criar uma canção para o céu respeitar Para mover as raízes deste campo e fazê-lo brotar Para mover as águas e o veneno verde que há por aí Para elevar o espírito e deixá-lo viver em paz Eu não nasci Sem causa Eu não nasci Sem fé Meu coração bate forte Para gritar aos que nos mentem E assim buscar a felicidade E assim buscar a felicidade É um direito de nascença É o motor do nosso movimento Porque reivindico liberdade de pensamento Se não o peço é porque estou morrendo É um direito de nascença Comer os frutos que os sonhos nos deixam Em uma única voz y sentimento E este grito limpe nosso vento Vou criar uma canção para poder exigir Que não tirem dos pobres o que tanto lhes custou construir Para que o ouro roubado não afaste o nosso porvir E aos que têm muito, não lhes custe tanto dividir Eu vou elevar minha voz para fazê-los acordar Para aqueles que estão dormindo ao longo da vida, sem querer olhar Para que o río não leve sangue, mas leve flores e cure o mal Para elevar o espírito e deixá-lo viver em paz“ TRADUÇÃO LIVRE
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“Voy a crear un canto para poder existir Para mover la tierra a los hombres y sobrevivir Para curar mi corazón y a la mente dejarla fluir Para el espíritu elevar y dejarlo llegar al fin Yo no naci Sin causa Yo no naci Sin fe Mi corazón pega fuerte Para gritar a los que no sienten Y así perseguir a la felicidad Voy a crear un canto para el cielo respetar Para mover las raíces de este campo y hacerlo brotar Para mover las aguas y el veneno verde que hay por ahí Para el espíritu elevar y dejarlo vivir en paz Yo no naci Sin causa Yo no naci Sin fe Mi corazón pega fuerte Para gritar a los que nos mienten Y así perseguir a la felicidad Y así perseguir a la felicidad Que es un derecho de nacimiento Es el motor de nuestro movimiento Porque reclamo libertad de pensamiento Si no lo pido es porque estoy muriendo Es un derecho de nacimiento Mirar los frutos que dejan los sueños En una sola vos y un sentimiento Y que este grito limpie nuestro viento Voy a crear un canto para poder exigir Que no le quiten a los pobres lo que tanto les costó construir Para que el oro robado no aplaste nuestro porvenir Y a los que tienen de sobra nos les cueste tanto repartir Voy a elevar mi canto para hacerlos despertar A los que van dormidos por la vida sin querer mirar Para que el río no lleve sangre, lleve flores y el mal sanar Para el espíritu elevar y dejarlo vivir en paz “ UN DERECHO DE NACIMIENTO NATALIA LAFOURCADE
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ÍNDICE
INTRODUÇÃO 11
1. CONFLITOS URBANOS E PERMACULTURA Reflexões sobre Agricultura Urbana 16 Urbanização e Segregação 22
2. PERMACULTURA - HISTÓRIA, CONCEITO E APROPRIAÇÃO História 25 Conceituação 35 Apropriação 42
3. PERMACULTURA PERIFÉRICA- ESTUDOS DE CASO CASA ECOATIVA | ZONA SUL 54 QUEBRADA SUSTENTÁVEL | ZONA LESTE 64 ESPAÇO CULTURAL JARDIM DAMASCENO | ZONA NORTE 82 HORTA NO LINHÃO EM JANDIRA | ZONA OESTE 98
4. ENSAIO PROJETUAL ESTUDO PRELIMINAR DE UM ESPAÇO DE APOIO PARA A HORTA DE JANDIRA 117
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INTRODUÇÃO O ano de 2018 nos trouxe uma sequência de acontecimentos que provocaram calorosos debates no Brasil. Um dos fatos mais impactantes diz respeito à greve dos caminhoneiros ocorrida em maio, didática para a compreensão de ciclos de dependência da sociedade e da economia brasileira em diversos âmbitos. A greve nos mostrou, a partir de um cenário que se configurava quase como um ensaio de uma distopia, que o abastecimento dos grandes centros urbanos brasileiros é dependente de um modal, que, por sua vez, é dependente de um combustível fóssil finito, cujo preço é dependente das oscilações do preço do barril do mercado internacional, mesmo que mais que a metade do petróleo consumido no país seja nacional. A paralisação das grandes cidades de um país inteiro em função da greve de uma única categoria nos indica a urgência em discutir meios de abastecimento das cidades menos dependentes em relação a este modal. Para além da discussão de mobilidade urbana, o planejamento urbano precisa debater e propor alternativas de como as cidades podem ser mais autônomas em diversos aspectos em geral, e em específico em relação ao abastecimento, a partir da diminuição dos circuitos entre produção e consumo de alimentos, como defendem diversos movimentos de horticultura urbana. O planejamento urbano também deve agir diante da premência da gestão de resíduos, diminuindo o impacto sobre os aterros, e o descarte de materiais nas águas, e sobretudo a Construção Civil que é um dos setores da economia que mais gera resíduos sólidos É partir dessa busca pela criação de assentamentos humanos mais autônomos e resilientes, que se insere a discussão da Permacultura, uma ferramenta que procura instrumentalizar comunidades para ação, com a intenção de construir uma cultura permanente, integrada de forma respeitosa ao meio natural.
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Desta forma, ao pensar em melhorias para uma cidade como São Paulo, um urbanista deve considerar alternativas que minimizem as desigualdades socioespaciais, a partir da desconcentração e criação de novas centralidades. O Plano Diretor Estratégico de 2014 do município de São Paulo(pág 5 ESTRATÉGIAS ILUSTRADAS)afirma que o seu grande objetivo é “garantir a melhoria da qualidade de vida em todos os bairros” e se coloca como “um plano para reequilibrar e humanizar São Paulo. Ao evidenciar a necessidade de “reequilibrar”, pressupõe-se o evidente desequilíbrio existente na cidade, em que há concentração de empregos e infraestrutura em um quadrante específico. A necessidade de descentralizar e criar zonas mais autônomas e menos dependentes em relação ao eixo mais central e bem servido, é diretriz do planejamento urbano desde o antigo PDE. A metrópole de São Paulo, entretanto, desenvolveu-se voluptuosamente sem um plano diretor, e a maioria avassaladora da população vive em regiões periféricas autoconstruídas com a atuação mínima do Estado. A autonomia e autogestão em estes territórios, portanto, são pressupostos à sua existência Estes territórios, alheios à cidade formal, vêm encontrando, recentemente, novas formas de fazer cidade, atreladas a pautas ambientais. A segregação da cidade autoconstruída tem relação direta com a segregação ambiental, pois as áreas ambientalmente sensíveis, como áreas de proteção; reservas, mananciais e várzeas, alheias ao interesse do mercado imobiliário formal, foram os espaços livres remanescentes para a ocupação da população de baixa renda. A incorporação da pauta ecológica em comunidades que reivindicam o direito à cidade, portanto, nos chamou atenção, além do ineditismo, pela sensibilidade à necessidade do desenvolvimento humano atrelado à proteção da natureza, e pela intensidade da agitação desses movimentos comunitários nas redes sociais, relacionados principalmente a horticultura urbana, com a ocupação de terrenos ociosos, e adotando a Permacultura como bandeira. Esta agitação, que foi atestada a partir de um mapeamento, presente no Capítulo 3, provocou a curiosidade que motivou o desenvolvimento da análise, que consolidou a Permacultura na Periferia como objeto de estudo. Este trabalho, portanto, está estruturado da seguinte maneira; primeiramente será apresentada uma contextualização da presença da
Permacultura atrelada aos conflitos urbanos. Como o caminho que ela apresenta relaciona-se às recentes ocupações de terrenos para a produção de alimento dentro do solo urbano, e como a alternativa da Permacultura compõe um conjunto de diversas reinvidicações relacionadas à crise urbana e a luta pelo direito à cidade, reforçada pela pauta ecológica. Na parte II do trabalho serão esclarecidos os conceitos e parte da curta história da Permacultura no Brasil e em São Paulo, especificando sua chegada elitizada no país, até o momento da Parte III, que mostramos como ela foi apropriada e reinventada para um meio que ela não teria sido originalmente pensada; na periferia paulistana, para isso, serão apresentados 4 estudos de caso em diferentes regiões da RMSP, a fim de compreender como estes “modestos” projetos escolhidos para análise englobam uma série de potencialidades referentes à construção coletiva local desses espaços autônomos periféricos, e como se configuram em um insurgente vetor de transformação urbana, e enfrentamento indireto à alienante e segregadora produção capitalista do espaço urbano. E, por último, haverá um ensaio projetual para um destes quatro espaços, especificamente, um espaço de apoio à horta da Associação Cáritas em Jandira. É relevante pontuar que todos os estudos de caso têm a motivação e o caráter de serem espaços educadores, dessa forma, se constituem como um espaço de construção coletiva de promoção da liberdade e emancipação. Se constituem, portanto, como espaços transformadores sociais e urbanos, em que seus participantes assumem um forte protagonismo nesse processo de democratização da cidade. Este trabalho, que traz como pauta a permacultura, procura aproximar o debate para a prática permacultural dentro do espaço urbano e periférico, e evidenciar este local onde ela é capaz de ser mais revolucionária, se afastando de uma possível associação a um caráter estritamente elitista e tecnicista, configurando-se enquanto um instrumento de qualificação urbana e de prática política. A vontade que motivou a produção deste trabalho deve-se também a escassez de trabalhos acadêmicos voltados para o tema da Permacultura em São Paulo, e da necessidade de compreendê-la a partir de uma ótica relacionada ao seu desenvolvimento urbano. A força e a capacidade dos projetos escolhidos em transformar positivamente o meio local e inspirar novas práticas também fomentou o desejo em narrá-los a partir de um trabalho acadêmico, para que se desenvolva o debate do tema neste meio, e possa alcançar novas discussões.
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PARTE I PERMACULTURA E CONFLITOS URBANOS 15
REFLEXÕES SOBRE AGRICULTURA URBANA “A agricultura urbana encontra-se presente em diversas civilizações e períodos da História. Entretanto, é na segunda metade do século XX, no contexto dos movimentos contraculturais (com início nos anos 1960/1970), que ela se materializará enquanto resultado de ativismos urbanos, destacadamente via guerrilha verde/ guerrilla gardening, ou seja, mediante ações em terrenos públicos ou privados sem permissão prévia. Com isso, hortas comunitárias se tornaram símbolos da luta pela reestruturação do espaço urbano e ampliaram as reflexões sobre a apropriação do espaço público” Gustavo Nagib
Este trabalho inicia-se necessariamente com reflexões sobre os diversos aspectos da prática da agricultura urbana na cidade de São Paulo. Esta escolha deve-se, dentre um dos principais motivos, por uma compreensão da definição do termo “Permacultura”, explicitada no livro “Introdução a Permacultura”, em que, Bill Mollison, ao conceituá-la, afirma que uma cultura permanente e sustentável não pode sobreviver sem uma agricultura com as mesmas características. Esta cultura refere-se a assentamentos humanos em geral, seja no meio rural ou urbano. Uma das formas de garantir que a cidade se desenvolva de forma sustentável e permanente, é a partir do desenvolvimento de uma agricultura urbana também permanente, que garanta uma maior autonomia em relação ao campo no âmbito do abastecimento. Condição que se faz necessária, principalmente ao considerar as possíveis lições da já citada greve dos caminhoneiros A agricultura urbana, segundo o geógrafo Gustavo Nagib, é considerada uma atividade capaz de reestruturar o espaço urbano e propor alternativas para a cidade contemporânea, em diversos 16
aspectos, considerando, por exemplo, o planejamento urbano, a geração de renda, os usos do espaço público, à regeneração e conservação de áreas de matas, a inclusão socioespacial, a introdução e desenvolvimento de práticas agroecológicas, a produção e consumo em circuito curto, boas práticas socioambientais etc “Acredita-se que a agricultura urbana, que se materializa em espaço público de livre acesso na condição de horta comunitária, e que é decorrente de um processo ativista e de mobilização cidadã de escala local, pode ser analisada enquanto um mecanismo capaz de “reorientar o caos” e de democratizar “o planejamento e a gestão do espaço urbano”, além de estimular a cidadania participativa (ROGERS, 2013) e de propor uma forma melhor de lidar com os “desarranjos” do meio ambiente urbano.” [ NAGIB, PÁG 18]”
A partir do estudo de diversos autores, Nagib tenta compreender esta multiplicidade de questões e manifestações que a horticultura urbana é capaz de abarcar, investigando as raízes históricas desse movimento, sobretudo sob seu viés ativista, a partir da tomada de espaços públicos ou privados ociosos, para a produção de alimentos e/ou para a revitalização (estética, social, comunitária etc.) do espaço urbano, geralmente expressa pelo modelo de hortas. Este tipo de movimento também encontrou seu lugar na década de 1960/70, assim como a Permacultura, através de um movimento que ficou conhecido como ˜guerrilha gardening”, que se constituía também como um movimento contracultural, contra os rumos da sociedade de então. Este processo nos dias atuais emerge enquanto resistência à “um capitalismo internacional brutalmente neoliberalizante que vem intensificando sua agressão às qualidades da vida cotidiana desde os primeiros anos da década de 1990” (HARVEY, 2014, PÁG 14). Estes espaços decorrem de mobilizações sociais que almejam novas formas de relação social, mais pautadas em outra forma de 17
ocupar e de viver a cidade, que condenam o estilo de vida fincado no individualismo, imposto pela cultura de cidades rodoviaristas, que predominam shoppings e condomínios fechados, calcada em um estilo de vida individualista, como São Paulo. Sobre isso, Nagib afirma; “Este tipo de ativismo preocupou-se em apresentar soluções alternativas que alcancem a dimensão da esfera comunitária, aí reside o empenho em ocupar espaços públicos urbanos e materializar hortas comunitárias, rompendo os limites individualistas da sociedade de consumo. Dessa forma, parte fundamental de suas matrizes ideológicas está associada aos teóricos e movimentos anarquistas, assim como também é vivenciada por outros tipos de movimentos ou grupos sociais, a exemplo dos camponeses. Mesmo que a relação com a terra tome outras proporções e funções, os ativistas urbanos, ao reconfigurar o espaço por intermédio de hortas comunitárias, também querem alcançar “a utopia da produção comunitária”. E também compreende, ao buscar suas inspirações ideológicas, que[...] um olhar mais atento para a história nos mostra que a discussão sobre a organização da produção coletiva e comunitária [...] foi fruto das contradições impostas pelo desenvolvimento do capitalismo, que tornavam latente a necessidade de organização de uma nova sociedade” (pág 186)
Considerando que a própria noção de “direito” sendo objeto de uma luta, e essa luta deve ser concomitante a luta para materializálo (HARVEY 2014 PÁG 20) Essas insurgências tornaram-se tão constantes que diversas formas de organização coletiva entre elas ganharam corpo, e que garantem uma certa unidade e fortalecem estas manifestações locais, além de ajudar a construir pautas verdadeiramente comuns na escala urbana, alcançando uma força capaz de influenciar o poder público. Hortelões Urbanos, o MUDA(Movimento Urbano de Agroecologia), são exemplos de coletivos que têm ações nesse sentido. Em São Paulo, por exemplo, podemos citar a lei da Merenda 18
Orgânica, que determina que parte(20% é uma das metas iniciais)da merenda das escolas municipais sejam proveniente da agricultura familiar e orgânica, vêm de um longo processo de reivindicação de diversos movimentos que têm a pauta de de alimento com base nas práticas agroecológicas. É imprescindível analisar a horticultura urbana ativista, que regularmente adota princípios e práticas da Agroecologia e Permacultura como bandeira, em resposta à qualidade dos produtos agrícolas produzidos no Brasil para consumo interno, que são recheados de agrotóxicos. Nosso país, cuja economia é historicamente calcada na exportação de produtos primários, foi um dos que mais abraçou o pacote tecnológico de “modernização” da agricultura advindo com a Revolução Verde. “Revolução” imbuída da justificativa que acabaria com a fome no mundo, era abraçada pela FAO, da ONU, que, por sua vez, neste ano de 2018, revolucionou ao encorajar publicamente que a ˜revolução verde” deve ser novamente revolucionada para evoluir para sistemas de produção agroecológicos.
1 Reportagem: “ONU deixa a ‘Revolução Verde’ para trás e adere à agroecologia [https://economia.uol.com.br/ noticias/afp/2018/04/03/onud eix a-revolu c ao-verd e - p a ra t ra s - e - a d e re - a - ag ro e c o l og i a . htm?cmpid=copiaecola]
“Precisamos promover sistemas alimentares duráveis (...) e preservar o meio ambiente: a agroecologia pode ajudar a chegar lá”, declarou, nesta terça, o diretor-geral da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO), José Graziano da Silva, na abertura do segundo simpósio internacional sobre agroecologia em Roma. E complementa: “O sistema de produção alimentar baseado nos sistemas agrícolas utilizando muitos inputs e recursos teve um preço alto para o meio ambiente. O resultado foi que os solos, as florestas, a água, a qualidade do ar e a biodiversidade continuam a se degradar, enquanto o aumento da produção a qualquer preço não erradicou a fome”1
Felizmente, segundo Miguel Altieri, agrônomo professor da Universidade da Califórnia, e um dos principais difusores desta ciência nos meios acadêmicos, afirma que o Brasil é reconhecido 19
como referência mundial nesse campo(pág 9). Assim como um dos movimentos sociais mais importantes das Américas, o Movimento dos Sem Terra, que adota a Agroecologia(que será melhor conceituada no capítulo 3)como bandeira, almejando a construção de formas de produção de alimentos e de replicação societária, antagônicas à imposta pelo capitalismo predatório do agronegócio. Agronegócio este, que de fato garante o PIB nacional, mas que faz também o Brasil ser um dos líderes mundiais no uso de agrotóxicos. Atualmente, este tema está em amplo debate, devido à aprovação em julho de 2018, pela Comissão Especial da Câmara dos Deputados do Congresso Nacional, o retrógrado e absurdo PL 6299/2002, o “PL do Veneno”, que busca flexibilizar o uso de agrotóxicos proibidos em diversos países do mundo, contrariando diversas instituições de saúde brasileiras. É a poderosa bancada ruralista implantando seu lobby acima da saúde dos brasileiros. Parte da população brasileira, felizmente, segue mais informada e disposta a lutar pela segurança alimentar, não aceitando qualquer imposição de uma categoria. A Agroecologia e a Permacultura trazem um debate fundamental nesse sentido, por questionarem estes modelos de produção agrícola, e instrumentalizarem para ação em sentido contrário. A alimentação é um aspecto destacado que também constitui uma forma de segregação social. Um dos principais supermercados brasileiros, o gigante Pão de Açúcar, vende os produtos orgânicos a preços exorbitantes, tornando seu consumo impossível à maioria da população brasileira, e provocando um claro distanciamento, e até uma relação preconceituosa por parte dos que não são capazes de arcar com estes custos. Retomando o tema da horticultura urbana, é importante diferenciar estes movimentos enquanto suas manifestações da zona central, normalmente limitada em áreas livres apropriáveis, portanto limitando também a produção em grande escala, e às 20
manifestações de agricultura periurbana, que é capaz de abastecer centros comerciais. A agricultura urbana na zona central, por ter menos terra e menos produção, acaba tendo dificuldade em gerar renda, convertendo-se, portanto, em um espaço que exige o trabalho voluntário de seus participantes, sem provocar emancipação econômica destes. Na periferia ocorre de maneira distinta. Reconhecendo o trabalho da ONG Cidades sem Fome, que tem como intenção implantar diversas hortas em terrenos livres, como linhões, por exemplo. Hans Dieter Temp, um dos líderes da ONG, explica o eixo de ação:
1 Disponível em [https:// www1.folha.uol.com.br/ ambiente/2015/06/1639423agricultura-urbana-gera-renda-ecomida-limpa-na-zona-leste-desp.shtml]
“A ideia é implantar essas hortas por toda a periferia, barateando o preço das hortaliças para as camadas mais pobres da população. “Em pouco tempo, quase 90% da população mundial estará morando em grandes cidades. É preciso inventar um modo para que as pessoas possam se alimentar de forma saudável, sem ter de importar alimentos imprescindíveis de lugares longínquos”1
Os projetos da ONG incorporam a população local, geram renda e trabalho digno aos seus trabalhadores. Além da ONG, devemos destacar a Associação de Produtores da Zona Leste, que também adota a transição à agricultura agroecológica como meta, e forma um coletivo relevante na região. Destacam-se como sistemas inovadores de comércio de produtos agroecológicos o CSA, Comunidade que Sustenta Agricultura, que se estrutura da seguinte maneira: “O CSA é um sistema econômico que funciona por meio de um grupo de pessoas ou famílias que se compromete a bancar o planejamento (geralmente anual) de um grupo de pequenos agricultores que, por sua vez, devolvem em troca um determinado volume de itens produzidos em suas terras. A diferença entre esse modelo e um grupo comum de compras é que a comunidade suporta o agricultor antes de saber “o que vai dar” ou até mesmo “se vai dar”,
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e o suporte continua mesmo se a produção for pequena ou não acontecer. Isso aproxima as pessoas da produção de seus alimentos, diminuindo seus ciclos e seus impactos no planeta, fomenta uma agricultura saudável social e ambientalmente, de pequena escala e geralmente orgânica, e proporciona segurança econômica ao produtor.”
Estes exemplos de horticultura urbana nos trazem algumas soluções bem sucedidas de um início de um processo de minimização da segregação socioespacial por meio da democratização da alimentação saudável e reaproximação da população urbana em geral, em especial à periférica, com lutas urbanas que vêm adotando a pauta ambiental.
URBANIZAÇÃO E SEGREGAÇÃO “A segregação ambiental é uma das faces mais importantes da exclusão social e parte ativa dela. À dificuldade de acesso aos serviços e infra-estrutura urbano(transporte precário, saneamento deficiente, drenagem inexistente, dificuldade de abastecimento, difícil acesso aos serviços de saúde, educação e creches, maior exposição à ocorrência de enchentes e desmoronamentos, etc.) somam-se menos oportunidades de emprego (particularmente do emprego formal), menos oportunidades de profissionalização, maior exposição à violência(marginal ou policial), discriminação racial, discriminação contra mulheres e crianças, difícil acesso à Justiça oficial, difícil acesso ao lazer. A lista é interminável.” Ermínia Maricato
É necessário pontuar alguns contornos mínimos referentes à urbanização da cidade de São Paulo para compreender a discussão trazida pelos estudos de caso. Dessa forma, destacar “A segregação ambiental como uma das faces mais importantes da exclusão social e parte ativa dela.” a partir 22
da análise da Ermínia Maricato, nos traz um importante aspecto sobre a periferia, uma vez que ; é nas áreas desprezadas pelo mercado imobiliário privado e nas públicas, situadas em regiões desvalorizadas que a população trabalhadora pobre vai se instalar: beira de córregos, encostas de morros, terrenos sujeitos a enchentes e a outros tipos de risco, regiões poluídas ou áreas de proteção ambiental(onde a vigência de legislação de proteção e a ausência de fiscalização definem a desvalorização(PÁG 219 MARICATO 2004) Esta população que chega sem recursos a estas áreas de proteção ambiental, faz cidade pela autoconstrução,e normalmente passam anos ou décadas de ocupação, sem acesso à água e tratamento de esgoto, despejando os resíduos dessa ocupação, em córregos e outros espaços sem ocupação humana. O loteamento, dificilmente bem feito, acaba sendo limitado em drenagem, provocando frequente deslizamentos e desmoronamentos. Em três dos estudos de caso escolhidos; Casa Ecoativa, às margens da Billings, o Espaço Cultural Jardim Damasceno, ao pé da Serra da Cantareira, e a Quebrada Sustentável, na várzea do Tietê, a questão ambiental nestes territórios é parte ativa da conformação urbana local. Não cabe a nós culpabilizar esta população diante de tamanha tragédia ambiental. As escolhas referentes à estruturação urbana por parte da prefeitura paulistana, como o Plano de Avenidas na década de 1930 e a construção das marginais na década de 1920, já evidenciavam a relação predatória que a cidade estabelecia com seu meio natural. Até os dias atuais é notável o descaso por parte do poder público, sobretudo o Estadual, com relação às águas.É sabido que a Sabesp despeja assumidamente esgoto não tratado em córregos, e a falta de ação para enfrentar as secas nos reservatórios que abastecem a metrópole É possível relacionar o processo de intensificação da urbanização 23
da cidade de São Paulo, ocorrido na década de 1970 com a adoção, por parte das elites agrárias, do “pacote tecnológico” acompanhado da narrativa desenvolvimentista advinda a partir da Revolução Verde, e pela consolidação do projeto de modernização posto em marcha a partir da década de 1960 pelo Estado brasileiro, em aliança com setores agrários conservadores e com empresas dos ramos da agroquímica e da motomecanização. (ALTIERI pág 7) O agronegócio, a mais pura manifestação do capitalismo no meio rural, consolidava-se de maneira mais violenta e estrutural através de três principais pilares: o poder econômico, expresso no domínio de mercados, fluxos financeiros e de renda; o poder fundiário, patente na gritante desigualdade no acesso e posse de terras em um país, segundo nos mostra o Censo Agropecuário de 2006, 1% dos proprietários possui 50% das terras; e o poder político, cuja expressão máxima é a chamada “Bancada Ruralista” ou “Frente Parlamentar da Agropecuária”; um dos maiores lobbies político-institucionais do mundo, composta por pelo menos 200 parlamentares, entre deputados federais e senadores, que instrumentalizam seus cargos eletivos para garantia de benefícios pessoais e de seu seguimento.”
Este processo mecanização expulsava os trabalhadores rurais, intensificando um êxodo urbano, tanto no interior paulista, quanto nas regiões Norte e Nordeste, que migraram massivamente neste período, e passaram a ocupar às margens da da cidade de São Paulo. Os trabalhadores rurais, provenientes de uma outra forma de segregação, migravam para os centros urbanos em busca de novas oportunidades de trabalho e de autonomia, mas entravam também em um novo processo de segregação, dentro da produção capitalista do espaço urbano. Este processo de segregação provocou também o desenvolvimento de uma população com uma cultura específica, distinta à do centro. Após décadas de consolidação da ocupação periférica em São Paulo, a cultura exerceu papel fundamental na formação da identidade e consciência de classe de parte dessa população. 24
Manifestações culturais como o Rap, o Funk, internacionalizaram estes movimentos, e agregaram a um processo de construção de auto-afirmação Um dos entrevistados no 3o capítulo, Jailson Lara, membro da Ecoativa, que trabalha ativamente junto a outros coletivos periféricos pela ressignificação do termo periferia. Querem associálo exclusivamente ao seu significado geográfico, e faz questão de combater o lugar comum que periferia é sinônimo de escassez. E ,é a partir da construção dessa nova narrativa, de emancipação e construção de autonomia da população periférica, que iniciamse os próximos capítulos.
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PARTE II PERMACULTURA: HISTÓRIA, CONCEITOS E APROPRIAÇÃO 27
“Trazemos essas reflexões porque é mister considerar o potencial integrador da permacultura na conexão entre tais categorias[ética, estética, técnica e política]. A permacultura não existe dissociada de uma ética profundamente calcada em três pilares(cuidado com os outros, cuidado com a natureza, e partilha justa dos excedentes). Tampouco existe permacultura sem preocupação estética na realização das inúmeras ações, construções e plantios - além da funcionalidade, o design traz também considerações de natureza estética ao se projetar uma área. As técnicas reunidas na permacultura apontam para emancipação humana, e são caminhos concretos na busca por autonomia e conexão com o entorno e com os outros seres: são os conhecimentos técnicos os que nos possibilitam encetar uma relação sustentável com agricultura, com a água e com nossas construções; é preciso domínio técnico de seus elementos e fatores. Por último a política encontrase também presente no fazer permacultural, uma vez que este aponta para transformações sociais e coletivas profundas, propiciando outras relações entre os seres humanos e seus sistemas de organização e governo. Logo, poderíamos, em síntese, dizer que a permacultura é uma metodologia de design acoplada a determinada ética, e que ela traz consigo técnicas de subsistência e de reprodução social distintivas das hegemônicas, apontando para outras possibilidades organizativas e políticas” Djalma Nery
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O capítulo anterior foi dedicado à compreensão da discussão da permacultura dentro de uma multiplicidade de pautas de reivindicação urbana, materializada majoritariamente através do desenvolvimento de hortas, e também pela luta por construção de espaços urbanos públicos mais democráticos e comunitários, corroborando com um dos objetivos deste trabalho, ao mostrar que os conceitos da Permacultura podem e devem ser incorporados
ao planejamento urbano, para a construção de uma cidade mais sustentável. Explicitada a discussão inicial do trabalho, é necessária uma explanação sobre o tema que o permeia: a Permacultura. Desenvolvida na década de 1970 na Austrália, por Bill Mollison e David Holmgren a Permacultura começou a ser trabalhada e estudada no Brasil há menos de 3 décadas, iniciando-se oficialmente em 1992. Apesar de ser uma prática oficial por parte de inúmeros grupos e Institutos que trabalham com Permacultura1 Dessa forma, foi uma tarefa difícil encontrar uma bibliografia especializada sobre o tema. Felizmente, o geógrafo Luís Fernando de Matheus e Silva e o cientista social e permacultor Djalma Nery são um dos pioneiros na análise crítica e acadêmica do tema, e dedicaram, respectivamente, a tese de doutorado e a dissertação de mestrado ao estudo crítico e desta prática no Brasil e na América Latina. Silva e Nery, portanto, constituem-se como autores essenciais para o desenvolvimento deste trabalho, e serão, portanto, amplamente citados, pois a contextualização crítica aqui presente parte diretamente desses trabalhos. O objetivo desta etapa do trabalho é clarificar alguns conceitos essenciais da Permacultura, a partir do seus Princípios e Pilares Éticos, desenvolvidos por Mollison e Holmgren, contextualizando sua origem estrangeira e sua chegada ao Brasil, Esta parte servirá também para a compreensão de alguns conceitos fundamentais, que estarão presentes nos projetos analisados pela seção “Estudo de Caso”, que, pelo que foi observado após as visitas à campo, incorporam muito mais os princípios e pilares éticos da Permacultura, do que estritamente as ferramentas desenvolvidas como metodologia de design para intervenção na paisagem. Assim, a análise os instrumentos técnicos e metodológicos de compreensão e aplicação de funcionamento dos sistemas naturais, sistematizados por Mollison e Holmgren, não fará parte do escopo deste trabalho
1 Djalma Nery fez um mapeamento colaborativo que mostrou que no mínimo 100 sítios, fazendas, ecovilas, casas etc que se autodeclaram trabalhando com Permacultura. Após a pesquisa(feita em 2016)diversos grupos se manifestaram dizendo que haviam sido excluídos. Isso significa que muitos não foram contabilizados. ela ainda é pouco consolidada no Brasil, enquanto ciência acadêmica, como a Agroecologia, por exemplo, que possui Institutos de Pesquisa vinculados a Universidades, curso de graduação, etc.
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Holmgren, Silva e Nery, nos apresentam a necessidade de compreender o contexto em que a Permacultura se desenvolveu para tomarmos conta que ela é parte uma manifestação de um longo processo, por diversas gerações, atrelada à história do desenvolvimento dos movimentos de ecologismo e ambientalismo, e suas “teorias verdes” e também a movimentos contraculturais da década de 1960 e 70, que mostram os anseios e insatisfações relativos ao rumo da sociedade, acumulados e remodelados ao longo dos anos, vão tomando diversas e distintas formas, conformando campos e proposta práticas de resistência ao hegemônico e de combate ao estabelecido. A permacultura é uma dessas formas, dentre tantas outras análogas, anteriores e posteriores. (NERY pág 71) Em 2013, David Holmgren escreveu o livro “Princípios e caminhos além da sustentabilidade”, que, dentre diversos pontos tratados, avalia de forma mais crítica o que significou a Permacultura ao longo desses anos de apropriação por diversas comunidades pelo mundo: ”O conceito de permacultura foi o produto de uma relação de trabalho intensa, porém curta, entre Bill Mollison e eu em meados dos anos 70. Foi a resposta à crise ambiental que se impunha à sociedade moderna. A publicação de Permaculture One, em 1978, foi o ápice daquele trabalho inicial e um ponto de partida para a evolução do conceito e para a emergência do movimento mundial da permacultura.” (pág 23 HOLMGREN)
É importante compreender a Permacultura como resposta aos efeitos provocados pela Revolução Verde, e o início dos efeitos relacionados aos pesticidas, especialmente o DDT, e sobretudo ao modo insustentável e abusivo com o qual a agricultura vinha conduzindo sua relação com a natureza, dominando-a com a força tecnológica e da ciência, e também à Crise do Petróleo, e seus debates subsequentes, que evidenciavam a finitude desse combustível fóssil. Os autores se mostram bastante críticos em 30
estes dois aspectos: agricultura predatória, e a energia baseada no petróleo. Bill Mollison, originário de Stanley, Tasmânia, viveu até os 28 anos em um vilarejo com profundo contato com a natureza, trabalhando como pescador, padeiro e guarda florestal. Em 1954 ingressa na Commomwealth Scientific and Industrial Research Organization, na seção de Pesquisa de Vida Silvestre e para o Departamento de Pesqueiros Interiores da Tasmânia, e passa a trabalhar com afinco na investigação agrícola. Após dez anos, em 1964 se desliga da organização para estudar biogeografia na Universidade de Hobart, onde se torna professor em 1968, ajudando a fundar a unidade de Psicologia Ambiental da Universidade da Tasmânia. Mas logo no início dos anos 1970 demite-se do emprego e decide isolar-se por dois anos(1972-4) em um terreno de aproximadamente dois hectares, onde começa a investigar e sistematizar o que viria a ser a permacultura. Em seu retorno após o isolamento, conhece David Holmgren, estudante do curso de Design Ambiental em Hobart, cuja a família possuía um histórico de militância em questões ambientais. David vira seu orientando e amigo e passam a viver juntos por um ano, e nesse período desenvolveram uma série de reflexões e experiências práticas, sobre outras formas de agricultura e cultivo, ligada aos ciclos naturais e embasadas em referenciais teóricos tais como a biodinâmica, agricultura natural e agricultura biológica. O objetivo de ambos era o de encontrar uma metodologia agrícola que pudesse se estender indefinidamente no tempo, que pudesse ser “permanente”. É desse processo que surge a teoria prática que viria a ser chamada de “permacultura”, com a publicação do livro “Permaculture One”, em 1978, que provocou um certo impacto em algumas comunidades do país. “A partir de 1978, com a publicação de “Permaculture One”, despontaram diversos grupos regionais dedicados a estudar a permacultura e seus participantes passaram a se encontrar frequentemente com o objetivo de criar redes, articular-se 31
1 O PDC, ou Permaculture Design Course, é o principal método
utilizado
para
a
difusão
e
replicação
permacultura. O curso deve possuir no mínimo
da 72h
de carga horária, com partes práticas e teóricas e deve abordar, de forma holística, diferentes tópicos relacionados aos princípios éticos e de design da permacultura. , que, organizado com base em uma estrutura curricular básica e universal, transformou-se no principal modelo para a formação de novos quadros de praticantes e instrutores, fomentando, assim, o surgimento de novos institutos, centros de formação e grupos organizados em diversos países e lugares, bem como o estabelecimento de redes de contato e de intercâmbio que culminaram em encontros regionais, nacionais e, posteriormente, nas primeiras conferências internacionais, ou IPC’s.
politicamente, realizar alguma ação prática ou mutirão de trabalho, trocar informações, sementes, mudas, etc.Trinta e seis desses grupos surgiram na Austrália naqueles primeiros quatro anos. Tínhamos demonstrações e palestras em todo lugar, grupos começando a fazer coisas. E cada um daqueles grupos parecia estar cumprindo uma função diferente”, recorda Andrew Jeeves. Também naquele mesmo ano de 1978, foi editada a primeira revista de permacultura de que se tem notícia – a Permaculture Magazine –, que desempenhou um papel importante para impulsionar o movimento em sua etapa inicial. Em 1979, Bill Mollison funda o “Permaculture’s Institute”, onde foram formadas (oficialmente) as primeiras gerações de permacultores australianos. Mais ou menos na mesma época, foi publicado o livro “Permaculture Two”, que, junto com outras publicações e artigos, ajudou a definir melhor os princípios que norteiam a “criação permacultural do espaço”. Pouco depois, Mollison começou a viajar para outros países, realizando palestras e cursos de capacitação que tiveram grande aceitação e contribuíram para transformar a permacultura em uma alternativa cada vez mais conhecida e praticada fora das fronteiras australianas.” (PÁG 162 SILVA)” Após a publicação do livro e o empenho e entusiasmo de Mollison, Holmgren e outros pioneiros, ocorreu um grande crescimento do movimento permacultural na década de 1980, na Austrália e fora dela. Holmgren passa a aplicar diretamente a prática na propriedade que adquire em Daylesford (próxima a Melbourne), considerada um dos melhores exemplos de produção espacial em “permacultura intensiva” do mundo, e também passa a prestar assessorias(de pesquisa e intervenção) por meio do Holmgren Design Services. Mollison cumpre a função de difusão da permacultura, e torna-se o grande vetor de sua expansão até o início dos anos 1990. Antes de iniciar essa profusão mundial mais intensa, Mollison e Holmgren estruturam em 1984 o curso de formação básico PDC1
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É nessa época que a Permacultura chega oficialmente ao Brasil, em 1992, com a vinda de Bill Mollison e a realização do primeiro PDC, em um cenário favorável, embalado pelos debates em torno da questão ambiental provocados pela ECO 92. Antes de sua chegada, Nery mostra que a Permacultura já havia chegado, de maneira difusa e não sistematizada, anteriormente em algumas “comunidades alternativas” como ecovilas rurais, influenciadas pelo movimento hippie, tropicalismo, no período em que a ditadura militar brasileira vivia seu auge. Após a chegada oficial, passaramse quase três décadas, que foram estudadas e sistematizadas por Nery em esta linha do tempo: (PÁG 120)
A permacultura foi se espalhando pelo Brasil, quase que exclusivamente no meio rural, ou no litoral, a partir da formação de Institutos, alguns dedicados a biomas específicos brasileiros, como o IPEMA(Instituto de Permacultura e Ecovilas da Mata Atlântica)ou o IPEC(Instituto de Permacultura de Ecovilas do Cerrado), outros autônomos com questões locais, que serviam de espaço de formação e capacitação para novos permacultores através dos PDC’s. Os 33
encontros também eram uma forma de compatibilização e troca entre os seus praticantes. Em 1998 inicia-se a Revista Permacultura Brasil, que cumpriu o papel de disseminação dos conhecimentos nesse meio, que dura até 2004. O foco do presente trabalho, entretanto, situa-se no momento que ele caracteriza como “etapa crítica“ e popularização”. A etapa crítica(2004-08), segundo o autor, inicia-se com a formação da Rede Permear, no Sítio Beira Serra, em Botucatu, SP, uma rede cujos encontros se materializavam em um espaço de rica formação e troca, que promovia uma série de encontros, vivências, cursos e etc. E é nessa época que se começa a discutir a possibilidade e a necessidade de se tornar a Permacultura mais popular, com PDC’s a preços mais acessíveis e ter mais alcance através de um canal como um site(hoje extinto) e uma revista. O bioarquiteto e permacultor Tomaz Lotufo(pág 141) acredita que mesmo que a Permear tenha se “desformalizado”, ela cumpriu um papel em semear alguns outros grupos como o Veracidade, o Curare e o PermaSampa. “Surge então uma leva de grupos e indivíduos que apontam para o que, mais tarde, seria entendido como ‘permacultura popular’. Ou seja: ações permaculturais preocupadas com a democratização e a popularização da prática e do conhecimento da permacultura. Essas ações se multiplicaram na forma de PDCs a custos reduzidos, na distribuição de bolsas de estudo, nos programas de voluntariado e vivência, e em outras inúmeras formas não monetárias de tornar menos exclusivo o acesso à permacultura e levá-la a espaços periféricos, socializando seus saberes e incorporando novos grupos e indivíduos. Mas ao falar em ‘popularização’, tal abordagem não se restringe à difusão pura e simples do conhecimento, mas sim do empoderamento das camadas sociais historicamente desfavorecidas e marginalizadas; ou, em outras palavras, os sujeitos oprimidos e oprimidas. Não se trata de levar a eles o conhecimento como uma luz salvadora, mas justamente do oposto: trazê-los para dentro do movimento como sujeitos fundamentais para fazer daquela ferramenta algo realmente emancipador. Essa inversão demonstra como há realmente uma rua de duas mãos em jogo: as pessoas
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podem se beneficiar a partir da permacultura; e a permacultura se beneficia com o afluxo dessas pessoas que dela se empoderam.” ( NERY, pág 142)
Esse processo se concretiza no Estado de São Paulo com ações como PDC’s populares do grupo Curare em Botucatu, nos trabalhos da associação Veracidade em São Carlos, PUPA em São José dos Campos, da Estação Luz em Riberão Preto, o Permaperifa na RMSP, que será novamente citada no próximo capítulo. A Permacultura no Brasil seguiu um caminho quase que natural ao iniciar por práticas afastadas dos grandes espaços urbanos, no meio rural, no litoral, até chegar em médias cidades, e por fim, alcançar os espaços periféricos de uma Metrópole como São Paulo A explicação do que é a Permacultura costuma trazer múltiplas definições por parte de seus praticantes e entusiastas. Serão colocadas algumas destas com o intuito de refletir sobre elas e de seus significados. Segundo Bill Mollison em “Introdução à Permacultura” (1993original em inglês 1991) “A Permacultura é um sistema de design para a criação de ambientes humanos sustentáveis. A palavra em si não é somente uma contração das palavras permanente e agricultura, mas também de cultura permanente, pois culturas não podem sobreviver muito sem uma base agricultural sustentável e uma ética do uso da terra. Em um primeiro nível, a Permacultura lida com as plantas, animais, edificações e infra estruturas (água, energia, comunicações). Todavia a Permacultura não trata somente desses elementos, mas principalmente, dos relacionamentos que podemos criar entre eles por meio da forma em que os colocamos no terreno” (PÁG 13)
E David Holmgren em “Permacultura: princípios e caminhos além da sustentabilidade”(2013): “A palavra permacultura foi cunhada por Bill Mollison e eu em meados dos anos 1970 para descrever um “sistema
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integrado, em evolução, de espécies animais e vegetais perenes ou autoperpetuadoras úteis ao homem” Uma definição mais atual da permacultura, que remete a expansão do foco implícito em Permaculture One, é “paisagens conscientemente planejadas que imitam os padrões e as relações encontrados na natureza, enquanto produzem uma abundância de alimento, sobra e energia para prover as necessidades locais”. As pessoas, suas construções e os modos como elas se organizam são centrais para a permacultura. Assim, a concepção de permacultura como agricultura permanente (sustentável) evoluiu para uma de cultura permanente (sustentável).”
Luiz Fernando de Matheus e Silva, em “Ilusão concreta, utopia possível”: “Síntese de princípios, práticas e técnicas de caráter híbrido, em que saberes tradicionais e recursos (naturais e culturais) locais misturam-se com formas de sociabilidade, tecnologias e conhecimentos próprios da modernidade, a permacultura tem se notabilizado como uma das características mais marcantes das contemporâneas contraculturas espaciais, constituindo a base da organização e de produção espacial de muitas destas novas experiências. O termo – incrustado no pensamento holístico-sistêmico que caracteriza boa parte das “teorias verdes” contemporâneas – começou a ser desenvolvido em meados dos anos 1970, na Austrália, pelas mãos de Bill Mollison e David Holmgren. (pág 160)
Djalma Nery, por sua vez: Empresto aqui uma formulação que aprendi do amigo André Fossaluza, durante suas aulas de introdução à Permacultura que tive o privilégio de assistir por mais de uma vez. Ele apresenta o tripé da permacultura baseado em três pilares: ecologia, ética e design. Concordo com sua sistematização. Na falta de algum desses elementos, talvez não estejamos falando de permacultura, mas de outra coisa. Permacultura sem ética é pura técnica; permacultura sem ecologia não é sistêmica; permacultura sem design não é funcional. Aí está um dos seus grandes diferenciais: é preciso aliar, no mínimo esses três aspectos simultâneos. Trata-se, portanto, de uma ferramenta funcional, ética, sistêmica que nos apresenta uma
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alternativa para a sociedade em que vivemos. (pág 69)
. Além das dos princípios e bases éticas apresentados acima, o bom planejamento permacultural deve considerar algumas regras; 1. Localização relativa: cada elemento(casa, tanques etc.) é posicionado em relação à outro de forma que se auxiliem mutuamente 2. Cada elemento executa muitas funções; 3. Cada função é importante e apoiada por muitos elementos 4. Planejamento eficiente do uso de energia para casa e os assentamentos(zonas e setores) 5. Preponderância do uso de recursos biológicos sobre o uso de combustíveis fósseis 6. Reciclagem local de energias(ambas; as humanas e as combústiveis) 7. Utilização da sucessão natural de plantas, visando o estabelecimento de sítios e solos favoráveis 8. Policultura e diversidade de espécies, objetivando o estabelecimento um sistema produtivo e interativo
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9. Utilização de bordas e padrões naturais para um melhor efeito E por fim, o sistema de design, que para ser executado, devem ser dominados dois instrumentos: o zoneamento e a setorização. As “zonas são estabelecidas de acordo com o fluxo energético de cada área do espaço a ser planejado, e se trata de uma classificação que enumera quais são as áreas mais e menos trabalhadas do sistema. (fig PÁG 35) Apresentadas estas definições básicas, entende-se que a Permacultura, em linhas gerais, é um sistema sustentável de planejamento do espaço para a existência dos habitantes da Terra a partir da assimilação e aplicação de determinados padrões da natureza. Não trata exclusivamente de gerar um mínimo impacto, mas de gerar um impacto positivo, no sentido de regenerar áreas degradadas, enriquecer o solo, “fazer brotar água” etc
É importante pontuar que a Permacultura propõe um caminho para a sustentabilidade de forma mais holística, em que a sistematização de uma metodologia de intervenção no meio ambiente propõe soluções não somente para agricultura, mas para assentamentos humanos em geral, em diferentes climas e escalas e múltiplas esferas. A Permacultura, como já foi afirmado, não é e nem pretende ser uma única ciência de planejamento Faz-se relevante conceituar brevemente a Agroecologia a fim de entender as aproximações entre estas ciências, e como se complementam. O campo teórico prático da metodologia da Permacultura tem forte vínculo(mesmo que indireto) com o de outras ciências como a Agrofloresta, Agricultura Biodinâmica, que se baseiam na observação e na replicação de padrões da natureza, que possuem forte autonomia e resiliência. De acordo com o agrônomo chileno Miguel Altieri, grande referência para teóricos e praticantes da Agroecologia; “A Agroecologia fornece as bases científicas, metodológicas e técnicas não só no Brasil, mas no mundo inteiro. Os sistemas de produção fundados em princípios agroecológicos são biodiversos, resilientes, eficientes do ponto de vista energético, socialmente justos e constituem os pilares de uma estratégia energética e produtiva fortemente vinculada à noção de soberania alimentar. As iniciativas orientadas pelo paradigma agroecológico procuram transformar os sistemas de produção industrializados ao promoverem a transição da agricultura baseada no uso de combustíveis fósseis e dirigidos à exportação e biocombustíveis para agriculturas diversificadas voltadas para a produção nacional de alimentos por camponeses e famílias agricultoras rurais e urbanas a partir da inovação nocal, dos recursos locais e da energia solar (...) A idéia central da Agroecologia é ir além das práticas agrícolas alternativas e desenvolver agroecossistemas com dependência mínima de agroquímicos e energia externa. A Agroecologia é tanto uma ciência quanto um conjunto de práticas. Como ciência, baseiase na aplicação da Ecologia para o estudo, o desenho e o manejo de
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agrossistemas sustentáveis” (pág 16)
A partir dessa definição, é possível aproximá-las para além das semelhanças técnicas. É necessário compreender que ambas possuem uma ética intrínseca relativa ao social e aos direitos fundamentais dos seres humanos. Enquanto “cuidar das pessoas” e “fazer a partilha justa de excedentes” fizer parte da Permacultura, e a Agroecologia se dedicar à ao fortalecimento do trabalho justo dos camponeses e da agricultura familiar, elas serão plenamente contempladas em seu conceito e filosofia, sem cair em um viés exclusivamente tecnicista das práticas. Como nos afirma Nery (pag 277) “Quando os grupos e institutos de permacultura preocupam-se demasiada ou exclusivamente na reprodução e aperfeiçoamento de técnicas como a bioconstrução, agrofloresta ou saneamento ecológico, por exemplo precisamos nos atentar para os perigos então anunciados, e apresentar alternativas que historicizem e deem amplitude às práticas, tornando-as um projeto de sociedade em vez de um simples amontoado de técnicas e conhecimentos”
Nesse sentido, convém nos mostrar uma crítica relacionada a algumas ecovilas, que buscam a criação de comunidades alternativas, pela insatisfação com os rumos da vida urbana.
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“Muitas vezes, percebe-se no movimento de ecovilas, a mesma falta de coerência teórica e comprometimento político que Bookchin atesta com os “anarcoindividualistas”. Assim, o que nasce originalmente de uma proposta de vida comunitarista, sustentável e anti-establishment – herdeira direta da tradição inaugurada pelas contraculturas espaciais do século XIX – acaba domesticado pelas forças dominantes, sendo reduzida a um mero referencial fetichizado de um estilo de vida “alternativo”, “espiritualizado” e “ecológico”. Nesse sentido, nunca é demais lembrar que a inflexão de determinados movimentos surgidos durante a contracultura dos anos 1960/70 (como o ambientalismo e as próprias experiências de contraculturas espaciais) à lógica do sistema produtor de mercadorias
– ao retirar-lhes seu caráter contestatório original – não somente os torna inofensivos (em termos sociais e políticos), mas faz com que sejam condizentes e úteis aos propósitos de outra sustentabilidade, aquela do capital.” (SILVA, PG 43)
Compreende-se que a Permacultura é diretamente contrária ao capitalismo, uma vez que se baseia numa relação de cooperação e integração com a natureza, sem explorá-la e submetê-la à expansão do capital. E também com os demais seres humanos, buscando ao máximo relações horizontais, e uma prática não alienada do trabalho. “A produção permacultural do espaço”, portanto, é antagônica à “produção capitalista do espaço”. Uma vez afastado de um corpus teórico e ideológico mais crítico e “de esquerda”, o movimento institucionalizado de ecovilas deixa de colocar em cheque a sociedade capitalista, preferindo deslocar suas críticas à “sociedade industrial” ou ainda à “civilização” (muito raramente a palavra capitalismo aparece), uma manobra que: encobre o papel específico e principal do capital e das relações mercantilizadas na formação da sociedade moderna (...). As relações sociais básicas da exploração e da dominação capitalista são ofuscadas por generalizações metafísicas sobre o ego e a technique, confundindo o público no que diz respeito às causas fundamentais das crises sociais e ecológicas – as relações mercantilizadas que dão origem aos agentes corporativos do poder, da indústria e da riqueza (BOOKCHIN, 2011, p. 84-85). (pág 142)
Diferente dos movimentos das Ecovilas, surgem os movimentos na periferia de São Paulo, em locais diversos, e pela Rede Permaperifa que se afastam dessa produção alienada da Permacultura, que questionam e enfrentam o “establishment” da segregação imposta pela produção capitalista do espaço urbano.
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APROPRIAÇÃO “A chegada da permacultura no Brasil(...) ficou restrita ao circuito alternativo das classes mais abastadas e alguns círculos técnicos. A partir de 2012, a permacultura começa a chegar nas periferias através dos projetos de educação ambiental, com forte influência do movimento agroecológico que sempre atuou em paralelo no campo pela popularização da pauta ambiental e pela luta por alimentos sem agrotóxicos a preços populares. Podemos considerar que a Rede Permaperifa reflete também um movimento de instatisfação da juventude com as estruturas vigentes (que também desaguaram nos protestos de 2013)e a necessidade de construir novas estruturas para a gestão política dos bairros e das cidades. Assim, a chegada da permacultura na periferia cria um território existencial para esse sentimento de indignação, canalizando esta revolta numa campanha pró ativa de gerar de forma autônoma a qualidade de vida a partir da regeneração do ecossistema do entorno, do cultivo de alimentos agroecológicos, da bioconstrução, do manejo ecológico da água, e da produção de energia limpa” Lucas Ciola [NERY, PÁG 214]
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Lucas Ciola, um dos articuladores e fundadores da Rede Permaperifa, nos traz resumidamente, os importantes aspectos relacionados à chegada da Permacultura no meio periférico urbano. A Permacultura, cuja origem vincula-se a agricultura e ao meio rural, é continuamente apropriada e ressignificada a partir do momento em que se desenvolve em um espaço em que não foi originalmente pensada, mesmo se considerarmos a proposição holística dos primeiros livros da Permacultura, ao tratar de “assentamentos humanos sustentáveis” de modo geral. Acreditamos que a periferia urbana é o território em que a prática da permacultura pode ser mais potente e revolucionária,
em diversos aspectos. Dessa forma, quando Lucas afirma que “a chegada da permacultura na periferia cria um território existencial para esse sentimento de indignação, canalizando esta revolta numa campanha pró ativa de gerar de forma autônoma a qualidade de vida a partir da regeneração do ecossistema do entorno”. nos mostra que a prática da permacultura nesse meio se relaciona diretamente à forma autônoma e ativa de se fazer cidade, sendo, necessariamente, uma prática política vinculada ao que pode se afirmar como “ecologia social”. Retomando a parte que mais nos interessa da historiografia de Nery, classificada como “etapa crítica”, mostra que após um certo tempo de propagação da permacultura no Brasil, mesmo que em círculos restritos, começou a haver um processo de conscientização pela necessidade pela de democratização e popularização da prática. (PÁG 142) Nery nos traz diversos momentos e institutos responsáveis pela busca da popularização da permacultura no Brasil, destacando o belo trabalho em pequenas e médias cidades no Estado de São Paulo, como da Rede Permear[ano], do Grupo Curare[ambos de Botucatu, vinculados ao sítio Beira Serra], PUPA(São José dos Campos), Veracidade (São Carlos), que trabalham com PDCS populares, práticas e vivências relacionadas a permacultura a preços acessíveis. (PÁG 212) “Eu sou a favor da politização da permacultura, acredito que a permacultura tem que estar mais presente nos processo de construção política com os movimentos sociais e ambientais. Ela deveria se pautar e se tornar política pública, a exemplo da agroecologia. Mas a permacultura é um movimento bastante elitizado, onde a maior parte dos permacultores no Brasil é branca, são filhos de da classe média e classe média alta, que não têm formação política(...)acho que a permacultura no Brasil precisa se voltar mais para os movimentos sociais e para as comunidades tradicionais, democratizar mais esses cursos, viabilizá-los financeiramente, e não transferir o custo do curso para as inscrições, e de alguma forma a
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1 cartazes de divulgação do PDC popular da Fundação Julita. Fonte: Página da Fundação no Facebook
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gente começar a pensar numa federação ou numa Associação Brasileira de Permacultores e que possa ter uma incidência política forte nessas instâncias legais“ Thomaz Enlazador (NERY pág 144)
Estas referências, do Thomaz e Lucas, nos mostram a importância de popularizar a Permacultura para que esta seja mais fiel em sua ética. Estes lutam e trabalham por essa popularização e consideram a necessidade de difundir e ampliar os efeitos e alcances dessa Revolução Silenciosa chamada Permacultura. Em busca desse caminho, alguns permacultores como Diogo Menezes, perceberam a necessidade e importância de se trabalhar em rede, a fim de articular e potencializar as iniciativas, de forma local e global, e realizando ações, com vivências, troca de mudas e sementes, e mutirões com uma periodicidade, em espaços múltiplos na periferia. Encontros estes que se iniciaram em 2015, e já está na 13ª edição, diversas trocas. Como disse Sara, uma das membras do Permaperifa em uma roda de conversa que participei, trabalhar com Permacultura com a Permaperifa é uma forma de “compartilhar a responsabilidade da vida na cidade” Além da Rede, algumas lideranças desenvolveram de forma empreendedora assessorias permaculturais voltadas a educação ambiental, como o Eparreh, e também o MEGÊ Design Sustentável. É também notória a promoção do PDC popular 1na Fundação Julita(Zona Sul de SP)em um espaço bioconstruido em um sítio historicamente ligado à agroecologia. É importante também destacar o trabalho do Coletivo Permasampa, formado por educadores ambientais, fundado em 2015 cujo eixo de ação é justamente fortalecer a prática da Permacultura Urbana, com viés político, e focada na qualificação de espaços periféricos, realizando práticas(como em lugares como em 3 dos estudos de caso do presente trabalho) a partir da dos PDCs , em associação com o Instituto Casa da Cidade na Vila Madalena. “Antes, as pessoas faziam um PDC e guardavam aquele conhecimento para aplicar futuramente, daqui a 20 anos talvez, quando pudessem deixar a cidade, comprar uma terra ou se aposentar. Nós queremos que a permacultura seja para hoje”, diz Marjory Mafra,
coordenadora do coletivo PermaSampa e organizadora do curso que já teve quatro edições e formou mais de 147 permacultores, sendo 20 com vagas sociais, gratuitas e destinadas a lideranças comunitárias e pessoas com potencial multiplicador em territórios periféricos da cidade.”1 A parte que motivou o desenvolvimento deste trabalho, surgiu com o mapeamento das iniciativas comunitárias, entre cooperativas, institutos e hortas comunitárias que se autodeclaravam e agiam com responsabilidade ambiental ou que eram inspiradas e norteadas pela permacultura. Neste mapeamento estão presentes nossos estudos de caso, que serão introduzidos logo em seguida.
1 retirado de http://envolverde. cartacapital.com.br/coletivopermasampa-fortalecepermacultura-urbana-em-saopaulo/
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PARTE III ESTUDOS DE CASO 47
INTRODUÇÃO Em entrevista à Revista Forum [ h t t p s : / / w w w. rev i s t a f o r u m . com.br/digital/126/nossa-forcadepende-da-capacidade-de1
“Podemos pensar nesses diferentes exemplos como rachaduras ou fissuras, como rupturas na estrutura de dominação. Quando nos concentramos nisso, percebemos que o mundo está cheio de fissuras, cheio de revoltas. Todas são contraditórias, todas têm seus problemas, mas a única maneira que eu penso a revolução, hoje, é em termos de criação, expansão, multiplicação e confluência dessas fissuras, desses espaços ou momentos em que dizemos: “Nós não aceitamos a lógica do capital, vamos criar outra coisa”. John Holloway1
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Esta etapa constitui-se a mais densa deste trabalho. Foram escolhidos para análise projetos que tivessem como filosofia e prática, alguns conceitos da Permacultura. Outros critérios também foram considerados, como caráter multidisciplinar desses espaços, que são necessariamente, comunitários e educadores , e produzem seu alimento em solo urbano, para venda ou consumo próprio. Cada estudo de caso possui interessantes particularidades, devido a seus diferentes territórios e processos históricos. Mas
também possuem seus pontos de contato, a partir de diversos aspectos comuns em suas trajetórias. O estudo destes contribui para a oferecer uma compreensão do tema deste trabalho. A opção pela diversidade de estudos de caso deve-se pela intenção de oferecer uma compreensão geral dos processos enquanto conjunto. O estudo de um único caso não teria a mesma força argumentativa. Os estudos de caso foram analisados a partir da pesquisa e leitura de material bibliográfico acadêmico, além de blogs, sites, reportagens e, inclusive, redes sociais. Também foram realizadas visitas técnicas e entrevistas com lideranças, trabalhadores e usuários desses projetos. Não é objetivo deste bloco estudar profundamente cada território, mas sim cada projeto a partir do seu contexto específico, sendo necessário o esclarecimento de certas questões primordiais. O mapa existente na página seguinte, elaborado por Pedro Filippo, pretende analisar os estudos de caso na RMSP, a partir da sobreposição dos dados referentes a áreas de proteção ambiental e parques, e a bacia hidrográfica, com o intuito de mostrar que todos projetos escolhidos, com exceção de Jandira, têm alguma questão ambiental urbana intrínseca
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1. CASA ECOATIVA (ILHA DO BORORÉ) 2. QUEBRADA SUSTENTÁVEL (UNIÃO VILA NOVA) 3. ESPAÇO CULTURAL JARDIM DAMASCENO (JARDIM DAMASCENO) 4. HORTA CÁRITAS(SAGRADO CORAÇÃO - JANDIRA)
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1
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C A S A E C OAT I VA
P O N T O D E C U LT U R A Q U E B R A DA S U S T E N TÁV E L 52
ESTUDOS DE CASO
E S PAÇ O C U LT U R A L J A R D I M DA M A S C E N O
H O RTA C Á R I TA S E M J A N D I R A 53
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GRAJAÚ
RODOANEL SUL
ZONA SUL | ILHA DO BORORÉ | CASA ECOATIVA
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CASA ECOATIVA 1 A APA Bororé-Colônia abrange porções das Prefeituras Regionais de Capela do Socorro e de Parelheiros. A APA possui inúmeras nascentes, córregos e ribeirões que drenam para as Bacias Guarapiranga e Billings, ambas pertencentes à Bacia do Alto Tietê, contribuindo de forma essencial com a formação dos mananciais e recursos hídricos que abastecem cerca de 30% da Região Metropolitana de São Paulo estando também inserida na APRM da Billings. Segundo a Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente (SVMA), a função destas áreas é proteger a diversidade biológica local, através da disciplina do processo de ocupação e da promoção da sustentabilidade do uso dos recursos naturais, compatibilizando o desenvolvimento econômico e social da área com a conservação dos recursos naturais. É gestionada por um Conselho Gestor Participativo, composto por membros do poder público e da sociedade civil. [http://www.prefeitura.sp.gov. b r / c i d a d e / s e c re t a r i a s / m e i o _ ambiente/unid_de_conservacao/ apa_bororecolonia/index. php?p=41963]
INTRODUÇÃO A Casa Ecoativa é um “centro de ecologia e cultura” no bairro da Ilha do Bororé, no Grajaú - Zona Sul de São Paulo. O espaço está em um território em que se predomina a necessidade do cuidado ambiental. A península, apelidada de ilha, é margeada pela Represa Billings, ou seja, se situa na APRM (Área de Proteção e Recuperação de Manancial) da Bacia Hidrográfica desse reservatório e também pertence à APA (Área de Preservação Ambiental) Bororé-Colônia.1 A região da Ilha do Bororé apresenta dificuldades comuns à bairros periféricos,2 além da inusitada situação peninsular e a profunda relação com a represa, que lá determinam características singulares no território paulistano. É surpreendente pensar que em um bairro da capital a obtenção de água é feita a partir de poços artesianos, e uma das principais atividades de lazer dos moradores é a pesca.
2 Estudo aponta que Grajaú é o pior distrito para se viver em São Paulo. [http://mural.blogfolha.uol. com.br/2013/06/10/estudoa p o n t a - q u e - g ra j a u - e - o - p i o rdistrito-para-se-viver-em-saopaulo/]
identificação do bairro da ilha do bororé. Fonte: TFG Flávia Tadim
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identificação da APA Bororé Colônia. Fonte: Geosampa
Como já foi apresentado na primeira parte deste trabalho, a Casa Ecoativa promove o combate ao lugar comum em que a periferia é apresentada como sinônimo de escassez. Lá existe um esforço em trabalhar pela ressignificação desse termo dentro do contexto urbano geográfico. Dessa forma, o espaço desenvolve atividades educativas com o propósito de empoderar a população e desenvolver a autonomia da comunidade. Dentre os coletivos mapeados no início deste capítulo, a Casa Ecoativa é um dos projetos educativos mais antigos que incorporam a causa ambiental, dada à especificidade deste território, “com uma cultura ribeirinha”, cuja paisagem natural ainda é bastante preservada, se comparada a outros bairros periféricos. A potência de transformação urbana que a Ecoativa representa, vinculada à peculiaridade de seu espaço geográfico, motivaram a escolha deste projeto para análise.
vista geral da casa com a represa ao fundo. Foto da Autora. Maio/18
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HISTÓRIA E OCUPAÇÃO O terreno do projeto da Casa Ecoativa, situado ao lado do acesso à balsa, é uma propriedade privada da EMAE (Empresa Metropolitana de Águas e Energia), e a casa é parte uma antiga vila residencial, que desde segunda metade da década de 1990 encontra-se desocupada. Há um acordo verbal com a empresa pelo uso do espaço, porém sua ocupação ainda não é regularizada. O início da ocupação do terreno ocorre a partir da mobilização da AMIBE (Associação de Moradores da Ilha do Bororé), que idealizava um espaço para discussão e construção coletiva de reivindicações por melhorias para o bairro e para a população frente ao poder público. A partir de então, foi progressivamente ocupada por coletivos culturais e passou a desenvolver também atividades educativas voltadas à cultura, à ecologia e ao desenvolvimento sustentável da região. Conforme os diversos coletivos ocupavam o espaço, este, cada vez mais, se transformava em uma casa multidisciplinar, que servia não apenas como um lugar de convivência para discutir melhorias do bairro, mas um polo plural de geração de ideias. Nessa construção estavam envolvidos diversos atores sociais; integrantes de movimentos culturais e pedagógicos, como o hip hop e saraus. O caráter educador e democrático do espaço se construía coletivamente, prezando a horizontalidade, sem cargos específicos, assim como as pautas, que eram levadas para espaços de discussão oficiais; como assembleias, chamamentos, etc. Jailson Lara, entrevistado por mim, um dos integrantes do “núcleo duro” da Casa Ecoativa, aponta que entre 1998 e 1999 havia sido produzido um livro-dossiê do projeto, que já trazia conceitos da permacultura, fato que evidencia o caráter ambientalista do que foi produzido na época. O processo educativo, construído junto à única escola do bairro, formou diversos indivíduos e coletivos mobilizados pela questão ambiental, assim como o próprio Jailson Lara, que se afirma como “cria” da Casa Ecoativa. Em 1998, houve o início da discussão pela criação da APA para a península, a partir da mobilização da AMIBE, junto aos técnicos da SVMA, que realizam visitas técnicas e produziram relatórios sobre o território. A
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discussão se expandiu para a esfera da - à época - Subprefeitura de Capela do Socorro e mobilizou diversos agentes dos distritos que a compõe. O processo se estendeu por oito anos, até que em 2006 foi criada a APA, com protagonismo da Ecoativa, que cumpria essa função como espaço de encontro e mobilização comunitária. Nesse período, também era pautada a regularização do terreno, a partir da cessão pela EMAE, para a criação de um centro que viabilizaria a Gestão Ambiental Participativa de forma autônoma. Entretanto, sem maiores explicações o projeto foi suspenso e retornou oficialmente apenas em 2013, quando os organizadores foram contemplados com recursos de um edital da Virada Sustentável, permitindo algumas reformas no espaço. Ao longo desse período fechado, a luta pela regularização do terreno frente ao poder público permaneceu, através de algumas atividades e ocupações simbólicas, mas a morosidade da ação pública pela resolução desses processos, principalmente devido a trocas de gestões, criam um empecilho para esta regularização, e para a continuidade do projeto da Ecoativa. Em 2013, com a reforma da casa, eles retomam as atividades, impulsionadas sobretudo pela parceria com a E.E. Adrião Rodrigues, e potencializam o projeto que começaram a desenvolver em 1996, ampliando o leque de parcerias e atividades desenvolvidas pela casa.
PROJETOS ATUAIS O projeto atual da casa é formado por um “núcleo duro” de sete membros, com representantes de diferentes coletivos, como o Imargem, Sarau de Cordas, AMIBE, E.E. Adrião e outros, que se dedicam exclusivamente à Ecoativa. Quanto à dinâmica de organização dos grupos, eles afirmam que não há uma liderança entre os coletivos que compõe a Casa, mas um latente protagonismo da comunidade, visto a forte legitimidade histórica que essa apresenta para compor o front do projeto. A força deste projeto se estabelece principalmente graças à capacidade de articular e mobilizar parceiros, seja no extremo Sul, ou no restante do município. Tais parcerias são responsáveis por tecer redes entre
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Cartaz de divulgação do encontro Permaperifa na Casa Ecoativa, e as fotos da vivência. Fonte: Página Ecoativa Facebook
Uma das atividades relacionadas a meio ambiente e cultura. Fonte: Página Ecoativa Facebook
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coletivos próximos ao seu território, que têm propostas ideologicamente semelhantes, e formam uma coalizão importante para a identidade e fortalecimento da cultura periférica. Um dos principais coletivos integrantes do espaço estudado é o Imargem, que se descreve como uma iniciativa multidisciplinar, que propõe um olhar cuidadoso para a paisagem povoada da periferia, fomentando o pensar e agir diante das potencialidades e problemáticas da sociedade. O coletivo promove; por meio de ações como: murais, esculturas, oficinas e debates articulados; uma arte acessível e politizada ressignificando lixo, espaço e fronteiras. Em 2016 o Imargem foi vencedor do prêmio de Artes Visuais, na Seção Expressões Culturais do Prêmio Brasil Criativo. Além dos coletivos que compõem a Casa, já foram feitas parcerias com o CEU Navegantes Meninos da Billings e o SESC Interlagos e desenvolvido atividades fora do Bororé, disseminando a experiência em outros espaços. As atividades realizadas na casa também atraem bastante gente de fora, com esse engajamento social e comunitário do espaço, pela proposta de vivências relacionadas à bioconstrução, permacultura, agrofloresta e alimentação saudável, enfatizando, sobretudo, um ideário de pensar a cidade a partir das margens. A população local tem um envolvimento significativo, principalmente a comunidade escolar. A Casa serve de incubadora às atividades da escola, que atende ao programa Escola Aberta do MEC. A diretora do colégio, Silvana Marques dos Santos, ratifica a importância da Ecoativa para o desenvolvimento da educação ambiental para os alunos. Na E.E. Adrião Rodrigues são desenvolvidas disciplinas, cujo projeto final se
Intervenção de Mural Cartográfico produzido pelo coletivo Imargem. Fonte: Página Imargem Facebook
desenvolve na Casa Ecoativa, como o projeto de reciclagem que os alunos desenvolveram. Segundo a diretora, alguns professores vêm a parceria com uma certa desconfiança e afirma que a maioria da população da Ilha ainda não compreende o papel deste importante espaço, tampouco a sua potencialidade, como fazem os estudantes, que o utilizam como ponto educativo e cultural. O impacto positivo também se reflete em outras práticas que surgem diretamente a partir da mobilização conjunta com a Ecoativa, como o Núcleo de Juventude/Grêmio da Escola, e da participação cooperativa no Projeto de Alimentação Saudável (CSA), no Sítio Paiquerê, produtor de orgânicos vizinho à Casa Ecoativa. São perceptíveis também melhorias nas dinâmicas educativas e um engajamento político na escola, que propicia um retorno muito positivo nesse meio. Segundo Jailson Lara, a UBS também tem exercido um protagonismo interessante nesse processo de atrair a comunidade para o local para este centro de ecologia e cultura. Há um esforço por parte do núcleo em mensurar o impacto da Casa no bairro. Puderam observar um impacto positivo pelo aumento do número de participantes nas atividades do espaço e de devolutivas dos frequentadores e moradores em geral. Impactos concretos na vizinhança são perceptíveis, uma vez que o projeto promove, junto dos moradores, atividades de limpeza, coleta de resíduos e mutirão.
A Casa promove o escoamento de diversos produtores orgânicos da região. Fonte: Página Ecoativa Facebook
Sarau de Cordas. Fonte: Página Ecoativa Facebook
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A PERMACULTURA DENTRO DO PROJETO “A gente não faz isso[a Permacultura] porque é legal, a gente faz porque é ferramenta de existência” Jailson Lara Atualmente, a Ecoativa é um importante pólo difusor de Permacultura, pois funciona como um centro permacultural, que desenvolve atividades semanais, e recebe, como já foi dito, vivências e cursos que ensinam sobre a prática, de espaços como UMAPaz, IAB e outros, além dos festivais como Reverbere, Virada Sustentável, Mostra Ecofalante e a Pétala por Pétala; este último colocou em evidência o Sul como território onde resiste a sociobiodiversidade e ponto de partida de onde podem emergir outros olhares e caminhos para o enfrentamento da crise ambiental e civilizatória em que nos encontramos. Progressivamente, a Permacultura é incorporada para além do conceito, dentro do espaço físico, desde o assentamento da casa, com pouco impacto ambiental, já que reutiliza uma edificação pré-existente, além da incorporação de tecnologias de baixo custo e apropriadas, como sistemas de coleta e tratamento de água, de compostagem. É, também, importante ressaltar o uso de recursos locais e a produção de alimentos agroecológicos, e, por fim, a valorização da produção artística local. O senso comunitário de construção coletiva, do bem comum, dentro da filosofia da Permacultura, é contemplado de diversas maneiras neste espaço. horta de PANCs
composteira
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forno bioconstruído e teto verde
parque de bambu cisterna
Sobre a produção de alimentos, há um sistema de horta mandala e agrofloresta. É feito majoritariamente o plantio de PANCs, hortaliças e frutos da mata atlântica. O que é plantado é determinado pela sazonalidade, relações no território e por quem consegue se doar um pouco para o trabalho. O que é produzido é consumido internamente ou distribuído gratuitamente para a comunidade. A horta cumpre primordialmente a função pedagógica de ser uma sala de aula a céu aberto. Não há geração de renda com a produção de alimentos. Entretanto, há trocas de mudas e sementes com a comunidade e com o banco de sementes da Cooperapas. Apesar da incorporação de diversos aspectos da Permacultura, a Casa não possui um sistema de design de acordo com a Metodologia de Bill Mollison. O sistema foi pensado empiricamente, enquanto uma construção coletiva, a partir das vivências; e é bastante relacionado à demanda, ao tempo, e ao contexto. Ainda existe muita dificuldade em deslanchar atividades experimentais, por conta de muitas pendências burocráticas a serem resolvidas, uma vez que o terreno até então é da EMAE. A Casa exerce um importante papel no debate da democratização de orgânicos, soberania alimentar. Participa do Projeto “O que cabe no meu prato”, e recebe diversas atividades relacionadas à culinária e alimentação saudável, com a incorporação de PANCs, etc. Cumprem também o papel de escoar cestas de orgânicos produzidos pelo Cooperapas para a comunidade do Bororé. Apesar da satisfação com o que já foi construído e alcançado pela Casa, há muitos horizontes que ainda podem ser implementados; querem o espaço regularizado, assumido pela SVMA, com gestão compartilhada. São diversos de projetos que querem implantar; melhorar a Agenda com a Escola, Gastronomia Orgânica, formar Agentes Socioambientais Urbanos e construir um Guia de Turismo. Há a intenção de expandir o espaço físico, ocupando outras casas abandonadas da EMAE, em que idealizam uma vila ecológica, que possa ser referência na cidade, com diversos equipamentos, como uma casa de cultura; escola; centro da juventude, etc. O foco atualmente, entretanto, é a manutenção do espaço a partir da sua regularização. A Casa Ecoativa desenvolve atualmente um trabalho de interesse para São Paulo. Querem portanto, solidificar o projeto, agregar maior participação popular na Ilha, no Grajaú e na cidade.
Cisterna
Forno de barro bioconstruído e teto verde
Experimentações com bambu
Composteira
Interior da casa. Reaproveitamento de Pallets
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RIO TIETÊ AV. JACÚ PÊSSEGO
ZONA LESTE | UNIÃO VILA NOVA | QUEBRADA SUSTENTÁVEL
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ANTIGA VILA DE SÃO MIGUEL PAULISTA - HISTÓRIA O terreno que é atualmente o Ponto de Cultura Quebrada Sustentável, situado na União Vila Nova, do Distrito de Jacuí e a Prefeitura Regional de São Miguel está em um bairro da várzea do Rio Tietê, que já foi parte do curso original deste mesmo rio. A região que compreende os bairros da União Vila Nova e Vila Amália, como mostra o mapa, demonstrava, até a retificação do trecho, em 1983 as características originais da área em questão, com uma grande várzea alagadiça cheia de meandros e lagoas intermitentes do Tietê,
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Mapa Sara Brasil 1930. Fonte Geosampa
O bairro em que está situado o projeto, já foi considerado em 2007, o 3º maior assentamento precário da cidade, e detentor do pior IDH OLIVEIRA PÁG 59), e foi objeto de estudo da dissertação[REF ANO] cujo tema era precariedade urbana. Este trabalho foi fundamental para a elaboração desse panorama histórico do bairro. A área atual do bairro localizava-se na região da antiga Vila de São Miguel, cuja ocupação pelo homem branco é uma das mais antigas da cidade, remetendo ao século XVI. A história deste território, é marcada por emblemáticos momentos históricos da cidade de São Paulo, pois trata da ocupação da várzea de seu principal rio, e a intensa luta por moradia. Esta história merece ser contada, mesmo que brevemente, para a compreensão do valor de um projeto como a Quebrada nesse território. A antiga região de São Miguel Paulista , até 1560, era ocupada exclusivamente pelo aldeamento indígena Guaianás. Nesse ano foi construída a Capela de São Miguel Arcanjo, durante a visita do Padre José de Anchieta. No século XVIII, São Miguel já alcançava o status de vila, graças à prosperidade econômica oriunda das atividades agrícolas aí desenvolvidas. Tal prosperidade não se manteve pelo século seguinte, e a Vila foi perdendo sua importância, tornando-se dependente da freguesia da Penha nesse período. No século XX começaram a surgir algumas indústrias na cidade de São Paulo, e as principais atividades do bairro no início do século eram a indústria cerâmica e as olarias. A chegada de trabalhadores para as olarias, provocou um aumento na demanda do deslocamento Centro de São Paulo – São Miguel. Este percurso era complicado, pois a estação São Miguel da estrada de ferro ainda não existia, e as estações mais próximas; Itaquera e Lajeado eram distantes. A dificuldade de comunicação entre São Miguel e a região central promoveu um desenvolvimento urbano ao redor da antiga Capela. 67
1 Órgão do Governo do Estado responsável pela Habitação Criado em 1984, ele foi substituído em 1989 pela CDHU
A construção da rodovia São Paulo - Rio de Janeiro na década de 1920, e a posterior inauguração da estação de trem São Miguel, da variante da Central do Brasil, em 1934, dinamizaram a comunicação do bairro com o centro da cidade. Atenta à essa dinamização, a Companhia Nitro-Química Brasileira(Grupo Votorantim) se instalou nos arredores da estação no ano seguinte, inaugurando o período industrial da região. Na década de 1940, também se instalou na região a Indústria Celosul(de papel e celulose) do Grupo Matarazzo devido a chegada das indústrias de grande porte como a Indústria Celosul, houve um crescimento econômico e populacional vertiginoso local. Na década de 1950, a antiga vila foi subdividida em 6 distritos. Esta descentralização administrativa ajudou na resolução de problemas sociais e urbanísticos, que haviam se agravado com o intenso crescimento demográfico da região, em um curto período de tempo, impulsionando pela chegada das indústrias. promovendo também melhor integração do bairro com o sistema viário da capital, propiciando a implantação de novas linhas de ônibus. URBANIZAÇÃO E LUTA POR MORADIA NA VÁRZEA DO TIETÊ O Brasil durante as décadas de 1960,70 e 80 foi marcado por intensos processos inflacionários, que, atrelados às políticas socioeconômicas definidas pelos governos militares, agravavam a desigualdade social no país. Dessa forma, o déficit habitacional caminhava junto com o processo da urbanização, e grande parte da população urbana que ascendia, era incapaz de pagar aluguel ou comprar um imóvel próprio, e se via obrigada a ocupar terras para sobreviver. No final da década de 1980, a Zona Leste foi a região da cidade em que esse processo de ocupação de terras pelos “sem terra” de então ocorreu de forma mais intensa O poder público se via diante de diversos impasses frente essa
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questão. A capacidade dos órgãos públicos em prover habitação era bastante inferior à demanda habitacional. As áreas ocupadas em áreas ambientalmente sensíveis provocavam desastres socioambientais, que obrigavam a intervenção do poder público. Em 1987 a CDH1 entregou um número de unidades habitacionais muito aquém do prometido para aquele ano. Frente a essa debilidade, o Estado tentava negociar com as famílias de outras formas; “Neste cenário de negociação, em agosto do mesmo ano[1987], cerca de 250 famílias que se encontravam em áreas invadidas em Guaianases e São Miguel Paulista foram conduzidas a um terreno público em Ermelino Matarazzo onde viveriam provisoriamente, até que suas moradias definitivas estivessem prontas. O local escolhido pela Secretaria de Habitação contava com cerca dez mil metros quadrados e se localizava entre o Rio Tietê e a Avenida Assis Ribeiro (Antiga Estrada São Paulo – Rio), lá a Polícia Militar do Estado de São Paulo, a serviço da Defesa Civil, ergueu os barracos de lona que abrigariam as famílias por cinco dias, prazo dado para que as mesmas construíssem barracos de madeira onde viveriam até sua transferência (FSP, 1987- 30 de setembro, pag. A14).” [OLIVEIRA, PÁG 39]
Como é de praxe, o caráter provisório da ocupação foi se perdendo com o passar dos anos, com o aumento populacional e com a provisão possível de melhorias necessárias promovidas pelas próprias famílias A área destinada às famílias, de várzea alagadiça, delimitada por dois córregos e pelo trecho recém retificado do leito do Tietê, sofria com sucessivas enchentes, e precarizava a qualidade de vida no bairro. Em 1995 houve uma grande enchente em uma região vizinha, que obrigou o Governo a se mobilizar para intervir. Após um longo processo, foi decidido que parte das famílias da região seria removida e remanejada etapas (por questões financeiras e operacionais). 69
Áreas de Remoção Jd. Helena (OLIVEIRA PÁG 56)
Algumas das famílias provenientes das áreas de risco do Jardim Helena foram encaminhadas para União de Vila Nova, onde 700 unidades foram construídas sob regime de mutirão em um setor não inundável. O GOVERNO ESTADUAL DECIDE AGIR Ao longo da primeira década de ocupação do bairro, houve uma intensificação no número de habitantes. No Censo 2000, é possível notar um novo incremento populacional, lembrando que em 1987 chegaram 340 famílias, em 1991 já existiam 868 domicílios ou 3.892 habitantes, e em 2000 havia 5.955 famílias ou uma população de 23.428 pessoas. (OLIVEIRA pág 53). Após esse período de ocupação precária e irregular, com fortes enchentes, que fez com que a União de Vila Nova adquirisse o dramático status de 3º maior
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fonte: CDHU [http://www.cdhu.sp.gov.br/]
assentamento precário da cidade de São Paulo, detentor do pior IDH, Índice de Desenvolvimento Humano, do Município 0,689 (OLIVEIRA pág 53), o Governo do Estado através da CDHU decidiu finalmente intervir através das necessárias obras de urbanização. Entre os anos de 1998 e 2000 foram instalados os sistemas de água e esgoto, e também a rede elétrica,que trouxeram a primeira escola da região e viabilizaram a geração de comércios e serviços locais É em 2000 que também é fundada o Instituto Nova União da Arte, o NUA, ONG que desempenha um importante papel socioeducativo no bairro, e mobilizou o projeto do Quebrada Sustentável. O NUA foi organizado por um grupo de moradores em convênio com a PUC-São Paulo, que colabora com o desenvolvimento de programas para as aulas, e também com um grupo de professores e alunos principalmente da psicologia. Este projeto é financiado com verbas da Prefeitura e do Governo do Estado, que custeiam os salários dos monitores e fornecem alguns materiais. O projeto de urbanização da área da União Vila Nova é parte
Localização do Programa. (OLIVEIRA PÁG 83). É Possível observar o Viveiro Escola em um local diferente do atual
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de um projeto maior do Governo do Estado, chamado “Projeto Pantanal” que tinha como objetivo a recuperação de trechos da Várzea do Tietê na Região Metropolitana de São Paulo, resgatando sua função ambiental (OLIVEIRA pág 81). O papel da CDHU neste projeto era reassentar as famílias retiradas das áreas de risco, em condomínios habitacionais e promover equipamentos públicos que promovessem mais urbanidade A CDHU encontrou o Bairro União de Vila Nova subdividido em três núcleos: União de Vila Nova, Jacuí A (unidades habitacionais referentes à população transferida em 1998) e Vila Nair (área separada pelo Córrego Jacu). Um terreno com 980 mil m², com cerca de 8.310 famílias cadastradas e uma população estimada de 32.000 habitantes. A CDHU promoveu a construção do Galpão de Reciclagem, do Núcleo de Costura, do CADS (Centro de Apoio ao Desenvolvimento Sustentável) e o Viveiro Escola passou a fazer uso de espaço e estrutura antes ocupados pela Cooperativa de Reciclagem. Os demais equipamentos tiveram suas áreas reservadas para construção futura, por intermédio das secretarias responsáveis. APROPRIAÇÃO DO PROJETO E IMPLEMENTAÇÃO DO VIVEIRO ESCOLA No projeto de urbanização havia sido designado um terreno para a execução do projeto de um Viveiro Escola, por demanda da comunidade. Em 2010 foi instalado o viveiro, (em um terreno próximo ao que tinha sido originalmente previsto) que passou a usar o espaço e a estrutura que eram antes ocupados pela Cooperativa de Reciclagem. O viveiro ficou sem uso até 2014, quando o espaço foi re-ocupado, a partir da liderança de Hermes Santos, um dos fundadores do NUA, que desejava construir uma horta comunitária. Desde o princípio havia o desejo de produzir um espaço pedagógico, que trabalhasse com educação ambiental. Dessa forma, Hermes 72
convocou o permacultor Vinicius de Moraes para desenvolver e coordenar o projeto, enriquecendo o plano original, a partir da incorporação de conhecimentos sobre permacultura, agroecologia, agrofloresta, etc. O NUA desempenhou papel fundamental na organização e mobilização inicial do projeto, em busca de recursos que pudessem viabilizá-lo economicamente. Houve diversas etapas de financiamento ao longo desses 4 anos. Inicialmente foi feito um convênio com o FUMCAD(Fundo Municipal da Criança e Adolescente), justificada pelo trabalho pedagógico e atividades continuadas com escolas, sobretudo do bairro. Após o fim do convênio, Hermes conseguiu verba a partir da Secretaria de Cultura do Município, convertendo o projeto em um “Ponto de Cultura”. Atualmente a Quebrada recebe uma bolsa da Secretaria do Trabalho, que paga o salário de parte dos trabalhadores, e mantém o espaço. Em maio/2018 eram 5 mulheres e 1 homem. A Quebrada também foi contemplada com um edital do Fundo Socioambiental CASA em 2015, que viabilizou a compra de ferramentas, possibilitando a abertura de uma marcenaria que utiliza com madeira descartada na produção. O financiamento também viabilizou a compra de uma Kombi, que auxilia bastante a logística do projeto. Este meio de transporte, por exemplo, permitiu que os produtos fossem levados e vendidos(Vinicius recolhia de varios produtores da ZL) ao conhecido Instituto Chão, na Vila Madalena. O terreno ainda pertence ao CDHU, que concede o uso para o projeto. O órgão é responsável por acompanhar a rotina da Quebrada, que deve apresentar relatórios de atividades mensais. A CDHU também intervém em algumas ações, interferindo, de certa forma, um pouco na autonomia do projeto “alternativo” desenvolvido por Vinicius, que saiu no final de 2017 da gestão do projeto, e atestou diversas mudanças nesse afastamento. Alguns canteiros “não 73
tradicionais” foram modificados, um espaço bioconstruido lúdico para crianças foi derrubado, a sala de reuniões e aulas também bioconstruída foi transformada em depósito, além da diminuição das atividades no local, pois Vinicius também cumpria essa frente de irradiação do projeto e diálogo.com diversos agentes ambientais. PARCERIAS E ATIVIDADES O design atual do terreno foi constituído em diversas etapas; o espaço é permanentemente construído e re-desenhado, muitas partes do terreno foram construídas em mutirões e vivências realizadas ao longo desses anos. Esse tipo de atividade é parte do “projeto pedagógico” do local, que busca, além de fornecer alimento sem agrotóxico para a comunidade, e desenvolver um projeto de economia solidária, busca sensibilizar, educar as crianças, jovens, adultos e idosos, para que atuem de forma consciente e crítica, no processo de recuperação e preservação ambiental do bairro, que se localiza em um território em que a presença da natureza é latente(sobretudo pela força dos rios), e passem à ação pela construção de uma comunidade que tenha sensibilidade e vontade de se tornar sustentável. O espaço possui atividades semanais no período da manhã e da tarde (no contra-turno escolar), às segundas, quartas e sextas, para que promova uma formação continuada de facilitadores ambientais. Com esse objetivo, estimula conversas participativas em roda, oficinas de variados temas, como agroecologia urbana, sementeiras, canteiros de hortas medicinais, compostagem doméstica, tintas naturais, reaproveitamento de materiais, ecoturismo, práticas de cartografia do bairro Isso tudo regado a muitas brincadeiras, claro, além de intervenções artísticas e paisagísticas na comunidade. As crianças e jovens que visitam o local através das escolas, além de participarem dessas vivências, aprendem a plantar, e o fazem diretamente nos canteiros 74
É um local de convivência comunitária, onde são realizados eventos socioambientais, mutirões, além de reuniões semanais com lideranças comunitárias para o fortalecimento e desenvolvimento de vínculos sociais. Com isso, juntos, eles planejam o desenvolvimento sustentável local e a co-gestão do espaço. “É despertar, nas crianças e nos jovens, um olhar mais sensível e lúdico sobre a natureza e seus processos, na busca por uma quebrada mais sustentável.” Vinícius
O projeto, que já foi espaço para muitas vivências, faz muitas parcerias, com o SESC, diversas fundações, instituições, coletivos, como o Permasampa, por exemplo, que já desenvolveu atividades de mutirão no local, através do curso do PDC. Escolas locais frequentam intensamente, mas já receberam a presença de escolas de elite, como o Bandeirantes. Vinicius acredita que o projeto educativo atraia muito mais gente de fora da comunidade do que da própria. Os eventos, saraus e oficinas expandem a prática e mobilizam vários participantes. Há uma percepção dos trabalhadores da Quebrada que o fluxo da comunidade no local é pequeno, considerando a quantidade de moradores do bairro. O escoamento da produção da horta, atualmente, é feito pela distribuição direta para a comunidade local. Muitos moradores O terreno do viveiro em 4 tempos, da esquerda para a direita: 2009, 2012, 2016. O projeto atual criou uma “florestinha”
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vêm comprar e colhem diretamente do pé. Ultimamente também há a contribuição de uma moradora do bairro, Daniele, que recolhe alguns produtos da horta e de outros produtores orgânicos e revende em forma de cestas. Vinícius afirma que a produção atual é inferior a de outros anos. A Quebrada faz parte da Associação de Agricultores da Zona Leste, que coaliza os agricultores agroecológicos urbanos da região. O tema da alimentação é bastante presente, já foram realizados diversos eventos com essa temática, como buffets, produção e revenda de produtos produzidos pelas trabalhadores da Quebrada. Algumas das trabalhadoras do local, como Maria e Vizinha, que não remuneradas a partir da bolsa da Secretaria do Trabalho, geram renda a partir da venda dos produtos, e contribuições a partir das atividades do local. Também complementam com a venda de pratos feitos com PANCs da horta, cosmética natural, e outros ofícios não relacionados à horta. casinha bioconstruída: sala de reuniões e depósito agrofloresta
viveiro de mudas cozinha/ refeitório
vermifiltro
espiral de PANC’s (em processo)
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canteiros
PERMACULTURA A Quebrada como um todo, tanto a filosofia do projeto pedagógico, quanto o plano do seu espaço físico, incorpora os princípios da Permacultura, e, a partir deles desenvolve os designs dos sistemas que compõem o local, que também é um sistema. Como já foi dito, esses “designs”, foram construídos coletivamente em diversas etapas, em mutirões e vivências Sobre as práticas de aproveitamento de recursos, podemos citar: a utilização das águas tratadas pelo vermifiltro(ciclo de bananeiras) para irrigação da horta. Nos canteiros utiliza-se biomassa com podas trituradas da prefeitura No viveiro faz-se a reutilização de materiais como a garrafa pet para plantar etc
viveiro visto de fora
à esquerda: as bananeiras do vermifiltro e a casinha ao fundo
canteiros e condomínio do CDHU ao fundo
casinha e o entrevistado, Vinícius de Moraes
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A casinha, inicialmente utilizada para reuniões e cursos, foi construída com resíduos urbanos, para servir de exemplo aos visitantes. Vinicius também desenvolve um projeto de movelaria com madeira reutilizada. Lá fazem trocas de mudas e sementes. O plantio é focado em plantas medicinais e PANCs, mas é plantado bastante conforme a demanda, o convencional que as pessoas mais consomem. IMPACTO POSITIVO O projeto da Quebrada, com menos de quatro anos de existência, provocou um forte impacto positivo em diversos aspectos; sobretudo no ambiental e social. A transformação do espaço físico salta aos olhos; o lugar que era um “areião” abandonado, converteu-se em uma pequena floresta. O impacto social para os trabalhadores e frequentadores do espaço, pôde ser atestado a partir das entrevistas realizadas com algum deles.
à esquerda, uma cliente da horta, e à direita, a “Vizinha” uma das trabalhadoras da horta
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Entrevistou-se duas trabalhadoras da horta, Maria e “Vizinha”. Ambas vieram da zona rural da Bahia, vivem em São Paulo há mais de 30 anos e já tinham experiência com a agricultura. Embora tenham começado a trabalhar na Quebrada em períodos distintos, as duas afirmaram que estavam com depressão antes de começarem a trabalhar no local.
“A terra faz nossa terapia” “Vizinha”. Trabalhadora da Quebrada desde o início
Vizinha afirma que trabalhar em contato com a terra, e a vivência agradável no ambiente de trabalho, foram responsáveis pela superação da doença. Nos conta também que aprendeu a cozinhar com plantas diferentes(PANCs) a sua alimentação melhorou, que perdeu peso, e está feliz. Vinicius que acompanho o processo das trabalhadoras desde o início, acredita que houve um grande empoderamento por parte dessas mulheres que trabalham na horta, no âmbito da terapia ocupacional e autogestão, afirma que, progressivamente se mostraram mais ativas nas rodas de conversa, e foram incentivadas pelo próprio, a criar uma organização de trabalho de mulheres, a Cosméticos Naturais, a vender produtos de culinária com PANCs. A recuperação social do bairro, que já foi considerado um dos mais violentos da cidade, vêm crescendo há muitos anos, fortalecida pela urbanização do bairro, e atuação de ONG’s, como o NUA. A Quebrada Sustentável surge para agregar à esse processo, e também inspirar outros novos projetos. Surgiu recentemente uma outra horta agroecológica comunitária no bairro, liderada por o dono de uma creche. O projeto que atualmente possui até um lago, teve apoio dos trabalhadores da Quebrada.
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DESAFIOS A maioria dos moradores do bairro e dos trabalhadores do projeto veio do Nordeste. Muitos vieram do meio rural e tem dificuldade a se adaptar ao canteiro agroflorestal, uma vez que aprenderam o canteiro tradicional. É uma trabalhosa mudança de paradigma. Há uma dificuldade em manter certos aspectos do design permacultural. Algumas práticas da Permacultura foram apropriadas, porém, a continuidade delas depende da gestão vigente, e sobretudo da intervenção do CDHU. O órgão dita as regras sobre o terreno; e, durante as visitas frequentes, questiona alguns aspectos, como o canteiro não tradicional, a casa bioconstruída, etc. A parceria entre a CDHU e o projeto é amistosa, porém alguns pormenores relacionados às burocracias da gestão dificultam a implementação do projeto mais “alternativo”. O CDHU valoriza a posse do local, houve inclusive uma filmagem no espaço, em que ao CDHU se apresentava como responsável pelo projeto.
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PERSPECTIVAS São diversos os anseios por parte dos coordenadores. Há o potencial do terreno ser assumido pelo NUA, criando uma Cooperativa autônoma, e também existe o desejo e possibilidade de uma parceria com o CCA do bairro, para que forneçam alimentos. Espera-se que o espaço educador seja mantido, com cursos e oficinas para que haja a geração de renda. Existe inclusive, um projeto arquitetônico para a construção de uma cozinha industrial, e um bar-café com alimentos da horta. Está em curso um projeto de “AGROFIT”, para que no espaço também sejam praticadas atividades esportivas ao ar livre. Atualmente, o espaço precisa encontrar mais formas de arrecadar dinheiro, para atrair gente para trabalhar no local
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SERRA DA CANTAREIRA
CEU PAZ
ZONA NORTE | JARDIM DAMASCENO | ESPAÃ&#x2021;O CULTURAL JD.DAMASCENO 83
1 Noêmia de Oliveira Mendonça, 59, cearense, moradora do bairro desde o início de sua ocupação, na década de 1970, quando não havia água encanada, luz nem pavimentação. É educadora popular, e uma das vozes mais ativas da região, desde o começo da ocupação do Centro. Sua colaboração através da entrevista, foi fundamental para a elaboração deste estudo. Trabalhou muitos anos com o Padre Ivo - padre do bairro -, aproximando sua relação com o local e fortalecendo o engajamento pela construção do espaço.
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INTRODUÇÃO O Espaço Cultural Jardim Damasceno localiza-se ao pé da Serra da Cantareira, no bairro do Jardim Damasceno, na Brasilândia – Zona Norte de São Paulo – em uma paisagem de confluência do meio natural com o urbano. O bairro está que encrustrado em um morro com 80 metros de desnível, em um relevo característico da Serra, completa 46 anos de história em 2018. É delimitado por três córregos, dentro da bacia do Cabaçu de Cima; Canivete, Carumbé e Bananal. O encontro destes está muito próximo ao terreno do Centro Cultural que será estudado. Este terreno, de acordo com Noêmia1, foi uma das únicas áreas livres não loteadas durante a ocupação inicial. Havia a pretensão de construir uma praça ou uma escola no local.
mapa de localização produzido pelo coletivo Escola sem Muros
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1 Fonte: [https://www.semmuros. com/single-post/2017/11/08/ Jardim-Damasceno-e-suahist%C3%B3ria]
Croqui Patrimonial. Geosampa
1
Fonte:
HISTÓRIA E OCUPAÇÃO O Jardim Damasceno é parte dos diversos morros que compõem a região da Brasilândia, território que era formado por fazendas e chácaras. Os primeiros moradores deste território vieram de moradias populares e cortiços existentes no Centro, demolidos para dar lugar às grandes avenidas durante a gestão do Prefeito Prestes Maia, e também, sobretudo, das regiões Norte e Nordeste do Brasil, durante o intenso processo migratório ocorrido para o município de São Paulo. Esse território ambientalmente sensível, cercado por matas, nascentes e córregos, não tinha valor para o mercado imobiliário, viabilizando a compra de lotes irregulares pela população de baixa renda. A data de aniversário do bairro (16 de Março) é em função do registro formal, no ano de 1972, do primeiro loteamento desse, que, todavia já possuía moradores vivendo em ocupações irregulares nos limites da Serra da Cantareira, uma das últimas áreas verdes naturais da Grande São Paulo. A situação natural do local, rodeada por mata fechada e animais silvestres, dificultava a ocupação humana, mas não impedia o avanço da ocupação. Até a década de 1980, a população vivia em uma situação de intensa vulnerabilidade socioambiental, em uma zona acidentada, cortada por córregos, sem água, luz ou pavimentação das ruas. “Em 1969, já tinha umas dez casas por aqui. Era um mato fechado, não tinha nada. Para tomar um ônibus era preciso andar cerca de 2 km”, conta o líder comunitário Quintino José Viana, 68, um dos primeiros a chegar no bairro. Nesta época, a vizinhança se abastecia com a água de uma mina, localizada ao lado de uma capelinha construída quando tudo ainda era a fazenda de um senhor chamado Damasceno. Quem cuidava da capela, hoje uma paróquia, era o Padre Ivo, um dos nomes mais importantes pelas evoluções das periferias da região.”1
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Documentário da EMPLASA de 1979 mostra a região no período das primeiras ocupações.
É nesse período, no começo da década de 1980, após o loteamento, que começa a ser utilizado o terreno na várzea do córrego do Canivete, em reuniões da comunidade, para que pudessem reivindicar melhorias básicas para o bairro, como saneamento, iluminação e asfalto. A Emurb (Empresa Municipal de Urbanização de São Paulo) construiu um galpão escritório (conhecido atualmente como “Barracão”) para atender e orientar os moradores do bairro, para que pudessem adquirir as escrituras dos terrenos, e outros fins. O BARRACÃO COMUNIDADE
NO
PROCESSO
DE
FORTALECIMENTO
DA
Em 1991, o Damasceno sofreu um trágico deslizamento de terra, provocando mortes e o desalojamento de muitas famílias. Após o incidente, o Barracão passou a servir como abrigo provisório das
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vítimas. Com a saída das famílias, o espaço passou a ser o local central da associação de moradores do bairro e abrigou diversas atividades que antes eram desenvolvidas nas ruas ou em casas alugadas. Transcorrido o trágico episódio, a prefeitura se mobilizou pela reconstrução do local, e contratou uma empresa para executar as obras. Após o desmoronamento, parte do morro desabado foi reocupado. De acordo com o que nos conta Noêmia, no início das obras, foi oferecido à comunidade o terreno do galpão, pelos técnicos da empresa e da prefeitura. A doação, entretanto, não foi formalizada com escrituras, e não havia nenhum documento oficial que pudesse comprovar a ação. Essa situação criou um grande impasse referente à gestão e propriedade do espaço, que permanece até hoje, inviabilizando o projeto de reforma em vigor pensado coletivamente entre a comunidade e o coletivo Escola sem Muros. Os agentes comunitários se mantinham engajados pela manutenção de atividades contínuas no espaço, para que fosse assegurada a autonomia da gestão do local pela comunidade. Com essa finalidade, ocorreram algumas ampliações no espaço. Foi construída uma casa para abrigar um caseiro (que não permitiria intervenções clandestinas no local, sem a autorização da comunidade) e posteriormente, a partir de um financiamento, foi construída a cobertura que serve de espaço para diversas atividades no local (foto). Houve também a construção da mureta para que servisse de banco, tendo utilidade para atividades em grupo. Dentre essas atividades para ocupar o espaço, a oficina Comunitária de Corte e Costura foi a primeira delas. Essas oficinas não tinham apenas um caráter pedagógico, mas também serviram como produção de renda, houve uma parceria com as escolas do bairro, em que as costureiras vendiam as peças para virarem uniformes.
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Posteriormente, começaram as atividades com crianças e adolescentes, conhecidas como Arte na Rua. Tais atividades buscavam um resgate da história da ocupação do Jardim Damasceno sob o tema: Damasceno ontem, hoje e amanhã. Foi empreendida uma apresentação dos trabalhos e posteriormente o projeto continuou a ocupar o Barracão com atividades de arte, educação, esporte, cidadania e meio ambiente. Contando, inclusive com o apoio da Prefeitura. O convênio com a Prefeitura, que criou o CCA (Centro para Crianças e Adolescentes) Arte na Rua, funcionou até o início das obras do parque linear do Canivete, quando foi transferido em 2012 para outra casa no bairro. O CCA teve uma grande importância na ocupação e significação do espaço, fortalecendo a ideia do caráter pedagógico desse espaço aberto em uma APP (Área de Preservação Permanente), com atividades de educação ambiental, sem muros, integrado ao ritmo urbano. Apesar desse valor, a dedicação exclusiva do espaço ao CCA, distanciou a força do local enquanto sítio de reunião comunitária, fermentador de ideias, e de luta para construção coletiva de um bairro melhor. A chegada da Prefeitura também significou uma série de imposições e regras para o uso do espaço, que dificultava o processo autônomo desenvolvido até então. E, as atividades ao ar livre, que constituíam o diferencial do caráter educador do espaço, se tornaram uma questão para a Prefeitura e os pais das crianças, que reclamavam da segurança dos adolescentes e crianças que utilizavam do espaço. Há um reconhecimento da ousadia do projeto, de Gestão Compartilhada com o poder público, tanto na época do CCA, quanto atualmente, no tocante à questão relacionada ao impasse atual do espaço. Segundo Noêmia, há uma dificuldade em aceitar essa proposta por ser muito inovadora, por “dar muito trabalho”.
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“é difícil [implantar um projeto mais ousado], por que a gente tem essa cultura mesmo né, dos muros, das grades.” Noêmia de Oliveira Mendonça
SAÍDA DO ARTE NA RUA E INÍCIO DA PARCERIA COM O PDC
ocupação removida para a implantação do parque (TCC FGV pg 60)
fotos antes durante e depois da implantação do parque (TCC FGV pg 63)
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A entrada e saída do CCA provocou um grande impacto no espaço e, como já foi exposto, ocasionou um distanciamento da função do lugar enquanto local de encontro no bairro. Desde a década de 1990 a questão ambiental era parte da pauta tanto do CCA quanto dos agentes comunitários do local. Os moradores que frequentavam o espaço, frequentemente oriundos do meio rural, tinham uma relação com a terra, e tentavam plantar algo por lá. O plantio dos canteiros, entretanto, na década de 1990, era atrapalhado, curiosamente, pela existência de ovelhas, que eram soltas no local por um produtor, e se alimentavam do que era ali plantado. Um frequentador do Centro fez um curso de jardinagem no Parque da Água Branca e aplicou o conhecimento de manejo no local. Começaram a plantar com as crianças, de forma espontânea, mas o resultado do plantio, muitas vezes era criticado pelos moradores, que falavam que “era bagunçado, não tinha cara de jardim”. As árvores frutíferas plantadas no começo daquela década, geram frutos e produzem alimentos para as atividades do espaço. Alguns agentes também buscaram cursos e estabeleceram uma relação com a UMAPaz. Após a saída do CCA, 2013 foi um ano de busca de alternativas para o fortalecimento do espaço. “rolaram muitas assembleias, pediram fogão emprestado, biblioteca comunitária, movimentos semanais para pensar estratégias de como agir com o poder público”, contou Noêmia. Nesse meio tempo, a conexão com a UMAPaz foi estreitada e lá tiveram contato com o grupo Instituto da Casa da Cidade, com
mapa das remoções e mapa do projeto. (PÁG 75)
quem realizaram em parceria uma ação tão frutífera no espaço, que fomentou a outras. Em 2014 começou a parceria com o PDC, tendo início uma nova etapa do Espaço Cultural. Antes dessa etapa, entretanto, ocorreu a implantação do Parque Linear do Canivete, cuja história é bastante entrelaçada à essa nova fase. IMPLANTAÇÃO DO PARQUE LINEAR A várzea do córrego do Canivete, além de ser ocupada pelo Barracão, também contava com a presença de dois grandes assentamentos irregulares, em situação de risco e vulnerabilidade; um na encosta, e outro imediatamente junto ao córrego. A área que se encontravam esses assentamentos, com cerca de 600 famílias, havia sido escolhida para implementação da primeira fase do Parque Linear do Canivete, projetado pela SVMA. A Secretaria Municipal do Verde e Meio Ambiente da Prefeitura de São Paulo havia concebido, a partir das diretrizes do Plano Diretor Estratégico de 2002, o Programa “100 Parques”. De acordo com Cazzuni, Aidar e Machado “o cenário na primeira década dos anos 2000 era muito favorável para a implementação de parques na cidade: havia direcionamento político e institucional nesse sentido, bem como recursos financeiros disponíveis, especialmente advindos do Fundo Desenvolvimento Urbano (FUNDURB), por sua 91
vez abastecido por outorgas onerosas do direito de construir no auge da expansão imobiliária no município”. A remoção das famílias dessa zona de risco exigia cautela, e foi viabilizada em parceria com a SEHAB, responsável por realocar a população que ocupava a área em ações executadas no âmbito do Projeto Urbanização de Favelas. A partir de 2006, parte dessa população começou a ser deslocada para conjuntos habitacionais em outros bairros da cidade, enquanto outros optaram por receber indenização. A execução dessa primeira fase do projeto do Parque Linear do Canivete, além da ação conjunta entre SVMA e SEHAB, contou com a parceria da Secretaria Municipal de Infraestrutura Urbana e Obras (SIURB) e da então Subprefeitura da Freguesia do Ó/Brasilândia. Antes de se aproximar da realidade do bairro e da relação que este possuía com o terreno do atual Espaço Cultural, a SVMA chegou a considerar a possibilidade de desocupar o terreno e construir um edifício de apoio à manutenção do parque, como um escritório, e uma casa de vigilância, ou um outro equipamento público para a comunidade. Maquete para estudo do projeto arquitetônico, elaborada pelos técnicos da SVMA, para o possível equipamento público na área pública onde hoje há o Espaço Cultural Jardim Damasceno. A proposta da construção desse espaço foi, todavia, rechaçada pelo núcleo organizador do Barracão, levando os técnicos do SVMA a pensarem em uma nova solução. Após a compreensão do valor do espaço para a comunidade, houveram discussões a respeito da incorporação ou não do terreno no projeto do Parque Linear, que também não se efetivou e até foi pensado um novo espaço para o local, em maior diálogo com a comunidade. A inauguração da primeira fase do parque ocorreu em 2010. Durante a obra, os trabalhadores usufruíram da área do Espaço Cultural para almoçar e relaxar, segundo relato de Noêmia. Hoje, também são abrigadas na edificação do antigo Barracão, diversas 92
ações pontuais do Parque Linear por parte de Secretarias Municipais no território, uma vez que há escassez de equipamentos construídos na região. É importante destacar que os serviços de manutenção do Parque Linear do Canivete são de responsabilidade da SVMA e do córrego e margem imediata, são da Prefeitura Regional, que amplia, marginalmente, a sua área de atuação. Em uma das visitas a campo, observou-se a equipe desse órgão removendo lixo e roçando uma faixa de dois metros para cada lado do córrego. O valor do parque é reconhecido por sua qualidade urbana ambiental e por potencializar as atividades que ocorrem no Espaço Cultural Jardim Damasceno. O ESPAÇO ATUALMENTE E AS NOVAS PARCERIAS: PDC E ESCOLA SEM MUROS
barracão horta com canteiros elevados
espaço de reunião e atividades cozinha comunitária pomar
A parceria junto ao Instituto Casa da Cidade iniciada em 2014, com a realização das primeiras atividades do PDC teve como objeto de trabalho o Espaço Cultural e forneceu um importante respaldo nesse momento de reestruturação após a saída do CCA. O vínculo de caráter educativo e propositivo, trouxe mais gente de fora do bairro para construir e pensar coletivamente o espaço. Para Noêmia, este apoio mostrou aos moradores que eles não estavam sozinhos nessa luta e trouxe novas ideias e perspectivas, com atividades de 93
baixo custo para envolver e desenvolver com a população. Esses laços, aliados a criação da página no Facebook, impulsionaram a popularidade do Espaço e o alcance das atividades que lá ocorriam, colocando o local em evidência, aproximando a relação com diversos coletivos de cultura da cidade. Após a formação de três turmas de PDC, que tinham o Espaço Cultural como objeto de trabalho, através da realização de intervenções pontuais em forma de mutirão ou projetos maiores como a reforma do espaço, desenvolvida pelos arquitetos Tomaz Lotufo e Cássio Abuno.
Nesse contexto surgiu o programa Escola Sem Muros, que se caracteriza da seguinte forma em seu site:
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“O Escola Sem Muros é um programa político pedagógico que visa propiciar um aprendizado prático e colocar o conhecimento da permacultura e arquitetura a serviço da sociedade, somando aos saberes da própria comunidade. A metodologia é baseada na aproximação, construção e cuidado, propondo um aprendizado através de atividades como cartografia afetiva, práticas de consciência corporal, jogos populares, plantio, ações culturais e construção com materiais de baixo
impacto ambiental. Um processo de formação integral que busca potencializar a autonomia de todas as pessoas envolvidas, ativando assim territórios educadores.”
A reforma seria viabilizada financeiramente a partir de um financiamento coletivo realizado no final de 2017, com a campanha feita na internet. A execução do projeto coletivo, selecionado para integrar o Pavilhão do Brasil “Muros de Ar” da 16a Bienal de Arquitetura de Veneza, entretanto, foi surpreendida por uma ação da Subprefeitura. Antes do início da imersão que construiria o espaço, seria feito um reforço nas estruturas da fundação do terreno, para suportar a nova estrutura. Até o momento de publicação deste trabalho, a situação segue indefinida. Em seu site, ao tratar do projeto, o coletivo Escola Sem Muros caracteriza assim o papel da arquitetura no projeto: “Aqui a arquitetura tem sua força na apropriação e legitimação do território, junto aos moradores. Um espaço aberto e livre, em um bairro adensado e vulnerável, é potencialmente o lugar de conexão, aproximando escolas, moradores, organizações sociais e comerciantes, promovendo condições para o desenvolvimento integral da comunidade.”
Apesar do embargo da obra, a imersão programada ocorreu de forma simbólica ocorreu de 19 a 28 de janeiro de 2018. Com o apoio de cerca de 70 pessoas, entre elas estudantes, facilitadores e membros da comunidade, foram construídas as estruturas de bambu da cobertura – que depois foram desmontadas – e proporcionou diversas rodas de conversa, aulas, oficinas e vivências, relacionadas, sobretudo, à sustentabilidade e cultura. A irregularidade da situação do terreno frente aos registros municipais deu início à mobilização direta, nos espaços de representação oficial, com integrantes do núcleo do Espaço Cultural, junto à Escola Sem Muros e outros colaboradores. 95
Noêmia - abril 18
atividade de cartografia abril 18
crianças no campinho abril 18
Enquanto o local passa por essa fase transitória, com o Barracão interditado (sendo usado para depósito), a cozinha e o banheiro improvisados e o piso do espaço de reunião em mal estado para a realização de algumas atividades como capoeira e dança, o Espaço Cultural trabalha para a manutenção de diversas ações no território. Atualmente é palco de uma série de atividades prestadas por divisões locais de Secretarias Municipais que, a despeito da situação irregular do centro comunitário, utilizam seu espaço para programas da Unidade Básica de Saúde local, da Semana do Meio Ambiente (organizada pelo DGD/SVMA), do Centro da Criança e do Adolescente, dentre outros. Vale notar que as atividades realizadas no Espaço se estendem, a depender de sua natureza, para a área do parque. Além das programações fixas, estão sempre recebendo para conversa; curiosos, e sobretudo estudantes, de escolas e universidades, de diversas faixas etárias. A questão ambiental, abordada lá desde a década de 1990, se fortaleceu com a chegada dos conhecimentos da Permacultura, através da UMAPaz e dos PDCs. Desde aquela época, como anteriormente descrito, buscam realizar cultivos, hoje em dia enfrentam novas complicações, porque o solo do terreno apresenta muitos resíduos de entulho, dificultando o plantio, que é realizado, dessa forma, em canteiros elevados. A consolidação do espaço da horta como produtora de alimentos para o território é recente. O que é produzido é consumido internamente ou vendido em pequena escala para a comunidade. SONHOS E PERSPECTIVAS
crianças em uma das atividades da Escola sem Muros - jan 18
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Atualmente, o Espaço Cultural vive uma batalha pela regularização do terreno e legitimação do projeto por parte dos órgãos municipais. Existe o desejo por uma Gestão Participativa,
porém, que se mantenha a autonomia da comunidade. Noêmia acredita ser necessário o trabalho conjunto ao poder público. O espaço se mantém financeiramente com apoio e dedicação da comunidade e de um núcleo gestor, composto por nove pessoas, além de doações. Para que possa continuar a crescer é necessário conquistar o desembargamento da reforma, criando um novo lugar para educação e geração de renda, além de atrair mais gente engajada em trabalhar no local, por exemplo, para produzir alimentos em maior escala, e vendê-los. Sobre esse anseio de produzir mais alimentos, há inclusive um projeto desenvolvido em um dos PDCs com um grupo de hortas urbanas em uma área de interesse, pertencente à SABESP. Um projeto social de horta que incorpore a população mais fragilizada do bairro, que está desempregada ou que vive com problemas de álcool e drogas; é desejado. Uma cozinha escola também é sonhada para lá, de forma que complemente as atividades pedagógicas do Espaço Cultural, com oficinas, lugar de formação, etc. A longo prazo, Noêmia diz que gostaria de ver um espaço com um anfiteatro, para que continue a ser “este pólo educativo”, e se orgulha ao falar que as crianças que frequentam o local, apresentam entusiasmo para com o Espaço e comentam com afeto sobre as atividades que lá desenvolvem. A partir de vivências pessoais no local, pude observar a intensidade do fluxo de moradores no Espaço Cultural. O edifício autoconstruído, de desenhos simples, possui uma força urbana de agregação impressionante. Acredito que além da história, e da relação de afeto que a comunidade tem para com este lugar, a localização estratégica contribui imensamente para essa vitalidade.
hortinha - abril 18
imersão escola sem muros - jan 18
mapeamento afetivo do Damasceno - maio 18
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Córrego São João
Estação CPTM Sagrado Coração
ZONA OESTE | SAGRADO CORAÇÃO, JANDIRA | HORTA AGROECOLOGICA CÁRITAS
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Municípios da Região Metropolitana de São Paulo. Mapa elaborado por Pedro Filippo
INTRODUÇÃO
1 O nome do município deriva do Tupi-Guarani e significa abelha melífera, já que nessa região havia muitas abelhas. O apelido de Jandira, justamente por esta característica, é “Cidade Favo de Mel”.
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O último estudo de caso escolhido para o ensaio projetual deste trabalho é uma horta agroecológica da Associação Cáritas, que está localizada no município de Jandira1, Região Metropolitana de São Paulo. O início de ocupação urbana no território do município relaciona-se à instalação da antiga Estrada de Ferro Sorocabana, atual CPTM. A cidade, com apenas 17,5 km², é a terceira menor da RMSP, compreendendo uma população estimada superior à 120 mil habitantes e uma densidade demográfica altíssima de 6.575 hab/ km², oitava posição na RMSP; segundo dados do IBGE. De acordo com o relatório produzido pelo USINA para a elaboração do Plano Diretor do Município de 2017, sugere uma problemática habitacional
significativa. Esse relatório, preocupado em compreender as dinâmicas e as demandas reais do município, contradiz a classificação usual de Jandira enquanto “cidade dormitório”, a partir de dados da EMPLASA. Segundo o relatório: “Muitas vezes o município de Jandira é erroneamente caracterizado como município dormitório. Ao contrário, Jandira apresenta importante dinâmica econômica própria, e apresenta movimentação cotidiana de população relativamente baixa para
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1 Mapa retirado do relatório produzido pelo USINA-CTAH (p. 25).
outros municípios. Se em termos migratórios Osasco ‘assume’ importância central, o município de Barueri apresenta-se como uma importante subcentralidade econômica, pela localização de diversas sedes de empresas e indústrias. O mapa a seguir demonstra que Barueri é o destino cotidiano de trabalhadores moradores de Itapevi, Jandira, Carapicuíba, Osasco e São Paulo.” USINA, p. 24
Mapa com as viagens diárias totais produzidas.
BREVE HISTÓRIA DA OCUPAÇÃO DE JANDIRA Em 1912, com a chegada do italiano Henrique Sammartino, foi criado “Sítio das Palmeiras”, local que hoje compreende o município. O embrião da Vila de Jandira, até então parte do município de Cotia, formou-se a partir da instalação de um posto de telegráfo no quilômetro 32 da Estrada de Ferro Soracabana, em 1925. O terreno 102
da horta, vizinho à Subestação da Eletropaulo de Jandira, está inserido no bairro do Sagrado Coração, cujo desenvolvimento esteve relacionado a uma estação de trem, inaugurada na década de 1950, sob o nome Coração de Jesus, atual estação Sagrado Coração. A cidade, que entre 1948 e 1956 teve sua rede elétrica instalada pela Light, foi, em 1958, anexada por Barueri, antes de se tornar emancipada em fevereiro de 1964. No ano de 1976, a rede de abastecimento de água de Jandira foi finalizada, levando água potável e esgoto ao município. Outro momento importante foi nos anos 1990, com a inauguração da Estrada Intermunicipal Barueri-Itapevi e da subestação de eletricidade Sagrado Coração da Eletropaulo, garantindo maior mobilidade e o abastecimento elétrico na cidade. Atualmente o município está na área de previsão de influência da obra do Rodoanel AUTOCONSTRUÇÃO, CÁRITAS E A COMUNA URBANA Apesar de ser outro município, com uma história distinta em relação à capital, Jandira insere-se dentro da problemática da segregação provocada pela urbanização paulistana, tratada no primeiro capítulo deste trabalho. A cidade possui características semelhantes às encontradas em bairros periféricos da capital, principalmente no que diz respeito à forma de fazer cidade, visto que as edificações autoconstruídas são dominantes na paisagem em Jandira. “A habitação construída pelos próprios moradores compõe a paisagem dominante da cidade de Jandira. A ampla maioria da população vive em casas construídas durante os finais de semana, com rara ajuda estatal, sem acompanhamento profissional e em lotes individuais que aos poucos vão abrigando mais do que uma família. O fenômeno é parte de um processo amplo que remete ao processo histórico da urbanização brasileira, constituindo a paisagem dominante na maior parte das cidades das periferias metropolitanas.” USINA, p. 193
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A autoconstrução é reflexo dos impraticáveis valores de aluguel para uma população de baixa renda arcar, atrelada à cultura brasileira que estimula o desejo à casa própria, e sobretudo, da incapacidade do Estado em prover habitação à essa população, seja na forma de produção de unidades habitacionais ou na efetivação de instrumentos urbanísticos que garantam o direito à moradia. “E assim, sem apoio estatal, e com salários que não contemplam o custo da habitação, que famílias de baixa renda de Jandira construíram, e continuam a construir, a maior parte da cidade.” USINA, p. 195 Nestes territórios em que o poder público não contempla, é comum o surgimento do apoio social por parte de ONGs, movimentos sociais organizados, ou instituições vinculadas à Igreja Católica. Em Jandira, destaca-se o papel da Associação Cáritas São Francisco, constituída pelo Padre João Carlos Pacchin, em 1983, que, além de liderar diversos projetos sociais, também é responsável por gerenciar 8 escolas na cidade. A Cáritas é responsável pelo projeto da horta que será estudada. É importante destacarmos o protagonismo do Padre João Carlos à frente da instituição, e sobretudo o seu papel dentro de Jandira. No ano 2000, uma área muito próxima a estação Sagrado Coração, na várzea do córrego Barueri Mirim, começou a ser ocupada por uma comunidade conhecida como Vila Esperança, que chegou a ser composta por 250 famílias. Os moradores situados em essa área ambientalmente frágil, sofriam com alagamentos causados pelas cheias do córrego, e, além disso, no ano seguinte à ocupação, passaram a ser ameaçados com a ação de reintegração de posse por parte da CPTM. Foram quatro anos de resistência até o despejo, em 2005, em uma ação que não previa realocação às famílias desalojadas. Grande parte dessa comunidade buscou 104
o apoio da Pastoral da Moradia, Pastoral da Terra e MST, que por sua vez buscou a assessoria técnica do USINA. Essas parcerias construíram o primeiro assentamento do MST no solo urbano, a Comuna Urbana Dom Helder Câmara. A experiência é referência tanto no âmbito organizacional do movimento, quanto na qualidade do projeto arquitetônico desenvolvido pelo USINA em cooperação com a comunidade. O projeto de habitação popular foi capaz de articular diversas reivindicações e contemplar espaços e edificações complementares à moradia requisitados pelos futuros residentes, por exemplo, creche e escola infantil, quadra esportiva, oficinas de trabalho, lugar de festas, padaria comunitária, praça, horta e viveiro comunitários com bases agroecológicas, espaço para atividades de formação, assembleias e celebrações.
O Padre João Carlos em conversa com as famílias realocadas no pátio do que seria o claustro da edificação do Seminário dos Padres Salesianos, abandonada antes da ocupação. Essa dinâmica do espaço comunitário desempenhou um papel importante para a coesão do movimento.
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Perspectiva desenhada pelo USINA para a construção da Comuna.
A Comuna ainda está sendo erguida, contendo 128 casas, uma creche, uma escola e um berçário, que juntas, atendem mais de 120 crianças de 0 a 12 anos, tanto do seu território quanto do bairro. Nesses espaços de educação, as crianças aprendem desde cedo a reconhecer o meio social em que vivem, uma vez que aprendem a pensar de forma crítica, recebendo uma formação adequada para lutarem contra as injustiças sociais que vivem. A Comuna também conta com espaço em que são feitos círculos educativos para pais e familiares. A biblioteca ainda está sendo finalizada. Já a padaria comunitária está em pleno funcionamento, podendo fornecer pão para todas as creches e a comunidade, assim como a horta comunitária. Todas as casas possuem espaço para uma horta própria, geridas para o bem comum, a feira do coletivo Comuna. Um dos eixos de atuação do MST diz respeito à produção agroecológica de alimentos. A Comuna Urbana também tem a pretensão de incorporar a prática disso, através do programa que será apresentado. “BROTAR” – PROJETO DE EDUCAÇÃO AMBIENTAL APLICADA O projeto atual da horta do linhão, talvez um dos planos mais antigos relacionados à Agroecologia e Permacultura dentre os desenvolvidos pelo Padre João Carlos, é parte de um conjunto de iniciativas relacionados a um projeto de educação ambiental aplicada, sistematizado por Josileine Nascimento, formada em Ciências Agrárias, e expandido para ser um projeto ecológico na comunidade, pela parceria com a permacultora e agricultora biodinâmica Cristina Brasileira e o arquiteto e professor da Escola da Cidade, Luis Octávio Farias, o Li, que fez a ponte do projeto com a plataforma Habita-Cidade, da Escola. Esta parceria desenvolveu projetos para intervir na horta do linhão, que se insere no núcleo 106
Sagrado Coração, também nos outros núcleos da Cáritas; a Comuna Urbana, Tata-Loreta, Fátima, Analândia e Recanto. O projeto de educação ambiental aplicada, chamado “BROTAR”, cujo eixo é a produção de alimentos, consiste em aulas teóricas e práticas, que são desenvolvidas na sala de aula e em canteiros pedagógicos. Estes canteiros começaram a ser implementados após o início do trabalho(começou em 2016) com o apoio técnico da Cris e do Li. Segue alguns desenhos do Li dos projetos para os núcleos Cáritas
A Cáritas possui 8 espaços, entre creches e escolas, do infantil até o fundamental I e II, que atendem 1200 crianças e adolescentes. Atualmente, 4 destes espaços possuem os canteiros pedagógicos. “BROTAR - Projeto Jandira Orgânica Grande Oeste (JOGO)” é um projeto de educação ambiental aplicado à produção de alimentos, que fornece merenda escolar orgânica, gera renda, protege nascentes e capacita jovens, formando agentes transformadores comunitários através da agricultura biodinâmica, da permacultura e da agroecologia. O projeto desenvolvido pela Associação Caritas São Francisco visa atuar onde o poder público não chega, e a sua associação com a Pastoral da Terra busca sempre associar a construção de igrejas à escolas e terrenos que proporcionem a
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educação ambiental através da produção biodinâmica de alimentos e a solução dos problemas locais.
Os módulos teóricos são divididos em eixos, existe um voltado à alimentação saudável, e os outros são pensados conforme os elementos da natureza ; Ar, Terra, Fogo e Água. As aulas iniciam-se com a parte teórica, normalmente ministradas dentro das salas de aula(mas também são feitas em outros espaços)e terminam com uma vivência na horta, quando produzem alguma receita crua a partir da colheita, como saladas e sucos. Também é parte do “BROTAR” o projeto social “Escola e Vida”, que acolhe crianças fora do período escolar, que não podem ser cuidadas pelos pais em horários específicos. Nesse projeto são ministradas oficinas, onde aprendem e praticam temas ambientais através de técnicas como a de sanar a água enquanto irrigam a lavoura, compostar os resíduos orgânicos transformando-os em adubo para a terra, além de formas de evitar a contaminação dos
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solos e corpos hídricos, eliminando vetores e doenças, por exemplo. “Dessa maneira, modificam seus hábitos e tornam-se agentes transformadores, convocando a comunidade a aplicar o programa quintal verde no espaço disponível em seus lares e transformando o bairro, que deixa de ser uma favela com lixo à deriva e passa a ser uma freguesia verde, que propicia fonte de renda digna e prazerosa”
Esse eixo do projeto é de suma importância, pois recupera áreas urbanas antes abandonadas e estimula a reapropriação dos espaços públicos pela comunidade — um dos terrenos utilizados para produção de alimentos era um lixão e outro é um espaço de torre de transmissão de energia elétrica, que teve sua concessão liberada através de parceria com a Eletropaulo, com área total de 8 mil metros, sendo esta a horta matriz. No núcleo Tata-Loreta além da produção de alimentos, existe ainda duas nascentes que vêm sendo tratadas e preservadas.(pág 4 relatório BROTAR) A horta matriz do projeto está no núcleo Sagrado Coração,
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Fotos do PDC
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debaixo da torre de transmissão de energia elétrica da Eletropaulo. Todos os núcleos são abastecidos semanalmente com merenda agroecológica, com alimentos produzidos no local. O terreno é vizinho à subestação de Jandira, implantada na década de 1990, e trata-se de um espaço não edificável, por estar debaixo de uma das torres de transmissão elétrica. Por esta característica, não foi ocupada com moradia, mas por muitos anos foi um espaço ocioso de descarte de material. A Cáritas, através da figura do Padre, procurou a Eletropaulo e o apoio outras entidades a fim de iniciar uma parceria, para que a concessão desta área livre e degradada fosse liberada para a construção de uma horta comunitária. Desde o início do projeto, quando na época a horta chamavase “HORTA PASSO A PASSO” - havia a preocupação que no espaço houvesse a produção de alimentos orgânicos. Ao longo desses anos a horta foi cuidada por diversos gestores, até que a gestão imediatamente anterior à atual, foi responsável por contaminar o solo com o uso de agrotóxicos. O gestor dessa época, que está com um processo trabalhista nas costas, afirmava-se como produtor orgânico, mas comprava produtos químicos proibidos em um manejo orgânico, e vendia os alimentos com esse selo(mesmo sem certificação). A gestão atual, composta pela Josi e Cris(e na época pelo Li), iniciou o trabalho de implantação da horta agroecológica e biodinâmica no início de 2017, e promoveram um processo de limpeza do solo, que estava “empesteado” com os químicos usados pelo antigo produtor. Nessa época foi formalizada a estrutura do curso de Permacultura desenvolvido pela Escola da Cidade, que eu participei diretamente, em que um dos trabalhos de campo seria ajudar a construir, em formato de mutirão, o espaço da horta, com um pequeno núcleo de apoio. Nesse curso, foram realizadas atividades divididas em 5 frentes de trabalho, para um fim de semana: Produção de canteiros e bomba de sementes
Bioconstrução com a execução do muro de pau a pique e piso Bioconstrução com a produção do teto verde do espaço de apoio Bioconstrução com a execução do banheiro seco Execução da composteira No campo também aprendemos um pouco sobre a função de algumas plantas na horta, e também participamos do enterramento do adubo biodinâmico. Na época das atividades (maio/2017), há um ano, o terreno estava praticamente vazio, sem canteiros, apenas com algumas árvores. Bastante atuante nesse meio, a Cris foi responsável por trazer muitos voluntários, e por disseminar o projeto nessa fase de implantação, muito mais para fora da comunidade de que para dentro. Durante este período segundo o que nos conta Josi, vieram muitos voluntários e estagiários para trabalhar no local, e também nos outros canteiros, e foi uma fase bastante prolífica. A geração de renda é outro foco importante, com o excedente da produção direcionada à merenda das crianças sendo comercializada via rede CSA (Comunidade que Sustenta a Agricultura), que tem seus lucros socializados entre os trabalhadores envolvidos. Na bioeconomia da gestão financeira foi estabelecido que, do valor arrecadado com o excedente da produção, 70% será destinado ao caixa do projeto (gastos com equipamentos e insumos da horta, sob responsabilidade da Associação Caritas) e os 30% restantes serão destinados para mão de obra da equipe técnica, responsável pela manutenção da horta e administração da rede de escoamento com assinaturas mensais de cestas de produtos que está sendo desenvolvida. A assinatura garante que cada consumidor tenha uma cesta por semana do tamanho escolhido (a cesta pequena serve até 2 pessoas, a média até 4 pessoas e a grande até 6 pessoas) disponibilizada no 111
centro de distribuição, também escolhido por cada consumidor. O modelo de assinatura foi escolhido por facilitar a administração da verba, ao menos durante a fase de consolidação da rede. Durante esse período, a Associação se reconheceu no meio de um impasse; em que a produção agroecológica biodinâmica da horta produzia mais para o escoamento para fora do bairro, enquanto as creches eram abastecidas com alimentos de qualidade inferior, provenientes de doação do CEASA. Dessa forma, após a consolidação da rede e da horta, a Cáritas decidiu focar a produção para o abastecimento dos núcleos da Associação, e hoje a horta é responsável por abastecer todos os núcleos. No espaço, a Josi é responsável pela capacitação do único trabalhador remunerado da horta, o ex metalúrgico Roberto Carlos. Ele é responsável pela manutenção dos canteiros(com adubação, plantio, colheita irrigação etc) e o transporte até os outros núcleos é feito pelo motorista da Cáritas. Às sextas feiras há uma nutricionista da Associação que visita a horta, e planeja as refeições conforme a disponibilidade dos alimentos. Às terças feiras, a Cris vem com alguns voluntários para cuidar da horta, e ministra junto ao psicólogo Daniel Shinzato, aulas no período da manhã em uma das creches. Essa atividade em específico, chama-se “Terça Ambiental”, e mobiliza voluntários através das redes sociais. Desde o início do ano, entretanto, houve uma mudança na gestão da associação, e a Josi saiu da parte coordenativa e deliberativa, e ocorreu uma cisão no próprio espaço, pois a gestão não queria a manutenção do projeto biodinâmico. Atualmente parte da horta é com manejo agroecológico tradicional, voltada para a produção massiva para o abastecimento das creches, mantido pela Cáritas, e a outra parte “para fins de pesquisa” há o canteiros biodinâmicos que também contribuem para a merenda. O cultivo que sobra é vendido para comunidade local, como forma de manter o projeto. 112
Este retorno ao manejo exclusivamente agroecológico é considerado uma “regressão”, por ser um manejo menos completo. Por mais que o projeto cumpra a função que se propôs inicialmente, de abastecer as creches, enfrenta alguma dificuldade em se expandir por conta da falta de recursos, tanto para mecanizar as práticas, através da compra de material, quanto para financiar mais trabalhadores, uma vez que os dois trabalhadores fixos não dão conta da demanda de tantos núcleos. Os responsáveis pelo BROTAR estão sempre em busca de editais para que estas questões possam ser melhoradas. São necessários projetos sociais e políticas públicas que atendam essa demanda. Atualmente estão à espera de dois projetos. Um deles, de irrigação para a Comuna já foi aprovado.
banco de sementes
banheiro seco
viveiro
composteira
PERSPECTIVAS Há a vontade de se retornar em todos os canteiros o cultivo biodinâmico. Porém, Josi reconhece que “para trabalhar o biodinâmico tem que estar de coração aberto” e que “poucos vão ter esse olhar sensível para essa filosofia”. Acredita que haverá o retorno a esse sistema, mas não acredita que será imediato 113
“Quando vc não consegue ganhar uma luta no conceito, tem que vencer na prática.” Que é o que eles conseguiram com o projeto, seguindo uma hierarquia e comprovando os resultados. Há a ambição de que o projeto seja difundido na comunidade, porque reconhecem que uma parte da vizinhança não sabe da potência do projeto que é implantado no local. “A parte de divulgação aqui dentro[do bairro] seria a ferida a ser curada” Há a vontade também de ter recursos para manter estagiários e trabalhadores no local, mesmo que seja com a contribuição de ajuda de custo, para que o projeto de Educação Ambiental como uma intervenção na comunidade tenha continuidade e força para ser um pólo irradiador de técnicas. Em um dos editais que os organizadores se inscreveram, sistematiza esses objetivos, e mostra como seria implantado:
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O projeto também soluciona um problema crônico no município ao desenvolver formas de gestão de resíduos na comunidade; como a prática da compostagem e oficinas de reciclagem aplicadas via gestão sistêmica. Dessa forma, os resíduos são encarados como recursos naturais que servem como matéria-prima para a produção de artesanato e estrutura para bioconstrução, funcionando ainda como suporte para que as crianças e adolescentes participantes compreendam o processo industrial, a importância da agrofloresta no sequestro e incorporação do carbono, do tratamento de água e controle do microclima, apresentando a permacultura como possibilidade de nutrir o solo permanentemente em um ciclo saudável, que respeita as características locais. Um dado importante é o fato do certificado técnico emitido aos participantes estar condicionado à entrega de um projeto de ação a ser executado em seus próprios quintais ou em espaços públicos da comunidade, o que vincula a educação à transformação da realidade, propiciando a cultura dos quintais verdes.
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PARTE IV ESTUDO PRELIMINAR PARA UM ESPAÇO DE APOIO À HORTA DA CÁRITAS 117
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“Uma arquitetura sã não pode produzir-se sem o uso racional e econômico dos materiais de construção. Mesmo se falando em arquitetura enquanto arte em seu nível mais elevado. Em última análise, não há uma diferença essencial entre o econômico e o moral. É moral aquilo que nos leva à realização final humana e para essa realização é indispensável uma utilização racional e respeitosa dos recursos naturais. Este é o sentido da palavra economia: uso cuidadoso e, portanto, profundo das possibilidades do natural, por isso está justificada a busca das formas que se adequem de modo mais íntimo às leis que regem a matéria, sempre tendo como princípio que o homem é que deve elaborar e trabalhar sobre a matéria.” Eladio Dieste
Este projeto pretende atender uma demanda e um desejo de expansão do Projeto de Educação Ambiental desenvolvido pela Associação Cáritas de Jandira. Após a conversa com a Cris Brasileira, uma das colaboradoras mais ativas e líder do projeto biodinâmico da horta vizinha, construiu-se um programa. O desejo era de um espaço que fosse um lugar educativo, associado ao projeto pedagógico das creches. Naturalmente surgiu no programa do edifício, como um dos carros-chefe, uma cozinha escola, considerando a necessidade de aproximar as crianças alimentação saudável e da segurança alimentar Outra vontade era que houvesse o espaço para divulgação do projeto e venda dos produtos para a comunidade. Seguindo os parâmetros da Permacultura, pensou-se que várias partes do edifício, tanto no que diz respeito ao seu programa, quanto aos sistemas e às escolhas de plantio, deveriam “cumprir múltiplas funções”. O espaço de circulação que funciona como horta e viveiro, a sala multi-uso, o pequeno anfiteatro externo, 119
o pomar agroflorestal, as PANC´s que funcionam como elementos paisagisticos, e outras plantas que tratam o esgoto.
Durante o mapeamento e visitas a campo, buscou-se áreas livres que pudessem receber este novo edifício. Foram identificadas algumas áreas, não contíguas a horta, que foram analisadas para receber o projeto. É interessante observar que dentre as áreas livres identificadas, dentre terrenos ociosos e amplos fundos de quintal, há muitas árvores de grande porte(; inclusive uma araucária. Estas áreas curiosamente são contiguas(embora separadas por muros) e apresentam um forte potencial a se tornar um corredor verde, ou comunicar a vizinhança dessa quadra de forma ecológica Finalmente encontrado um imenso terreno vizinho, pouco aproveitado em termos de ocupação humana e vegetal, e que possuia uma divisão parcialmente murada. A partir da análise das fotografias áreas disponibilizadas pelo Google Earth e pelas bases Prefeitura de Jandira, percebeu-se que a pequena casinha de aproximadamente 70m2 situada no fundo do lote, de área. 120
Decidiu-se portanto, intervir nesse terreno privado, a partir da proposição da compra ou aluguel ou um acordo que pudesse intervir e qualificar o terreno e a habitação que se manteria do usuário. Foi proposto um parcelamento artificial, em que se interviria em 12m de testada na Rua Maria Aparecida Pedrosa e 30m de fundo
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CROQUIS elaborados pela autora, com intervençþes do orientador
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Scanned with CamScanner
DIAGRAMAS
Pensou-se o acesso para os educadores e crianças em nível ao edifício a partir de uma porta que seria implantada no muro da horta. O acesso a partir da rua de baixo se faz por uma escadaria. O acesso ao espaço da feira esta no nível da rua, aberto à circulação pública
Scanned with CamScanner
CIRCULAÇÃO E ACESSOS
O edifício foi posicionado de forma a garantir a luz matutina em todos os cômodos, e o viveiro foi posicionado na face poente para proteger-los, e também os pilares de bambu. O calor armazenado no viveiro pode servir para manter os espaços aquecidos em dias frios. Scanned with CamScanner
INSOLAÇÃO E CONFORTO TÉRMICO
VENTILAÇÃO Foi proporcionada ventilação cruzada em todos os cômodos(considerando a porta do viveiro aberta ao longo do dia). Adotou-se o pé direito elevado em função da necessidade de escoamento do ar na cozinha
“DESENHAR COM PLANTAS” As plantas escolhidas cumprem mais que a função de embelezar ou qualificar o ar.
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FACHADA OESTE
A escolha de materiais foi feita considerando o uso de tecnologias apropriáveis, que pudessem ser autoconstruídas, se não, acompanhadas de algum profissional capacitado que desse orientações mínimas para a produção em série da estrutura do edifício
Privilegiou-se o uso de estruturas com materiais menos processados como bambu, madeira e terra crua, que privilegiam outras cadeias de produção, mais sustentáveis, que não as convencionais do concreto e aço.
Foi feito um corte de terra e aterrado no próprio terreno O muro de arrimo projetado com pneus descartados 124
Há uma intenção futura em plantar um pomar e enriquecer o solo com o manejo de uma agrofloresta, integrada à vegetação existente
A implantação do edifício no terreno garante a insolação e a vista da casa existente
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ESTUDO DA HORTA VIZINHA E IMPLANTAÇÃO ESCALA 1:500
RUA MARIA APARECIDA PEDROSA
RUA MARIA APARECIDA PEDROSA cozinha solar
espaรงo para feira
cozinha escola
sala multiuso viveiro quarto visitantes
wc
ESCALA 1:200 COTA 754.40
escritรณrio
ESCALA 1:200 COTA 758.62
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COZINHA ESCOLA
HORTA MANDALA
COZINHA SOLAR
É o espaço pivô do edifício, com aulas de culinária buscando a alimentação saudável e a diversificação do que é consumido, como PANC’s
É um espaço pedagógico para compreender de forma lúdica o plantio nesse eficiente sistema, emblemático da permacultura
É um espaço com estantes e pequenas caixas autoconstruídas e espelhadas, que servem para cozinhar com a luz do sol, e outros sistemas para desidratar alimentos e até vendê-los no espaço de feira
VIVEIRO/ JARDIM DE INVERNO Espaço dedicado ao cultivo de mudas e germinação de sementes, e de plantio de ervas de apoio direto à cozinha. É um espaço pedagógico, que estimula o encontro, e possui uma vista privilegiada, para horta e para uma parte bonita da cidade
ESPACIALIZAÇÃO DO PROGRAMA
espaço para aulas ao ar livre
quarto para visitantes sala multiuso
escritório WC
horta mandala de PANC’s
cozinha escola
corredor com viveiro de mudas e canteiro com plantio de ervas culinárias (convencionais e PANC’s) e medicinais
cozinha solar espaço para feira
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Para esse projeto, era fundamental que houvessem sistemas que superassem a lógica linear de recursos, e reutilizasse as águas e os resíduos orgânicos, de forma a economizar o máximo de energia, e despejar o mínimo de esgoto no canal público. Utilizam-se métodos biológicos para o tratamento das águas, como a Bacia de ETP, para o tratamento de águas negras, e o jardim filtrante para águas cinzas. Ambos sistemas já são bastante conhecidos e formalizados, como em uma cartilha da Embrapa, por exemplo. As cisternas garantiriam o armazenamento de águas da chuva, e das águas tratadas pelo saneamento ecológico seriam reaproveitadas para irrigação das hortas por gotejamento, e outros fins domésticos. O biodigestor tem dinâmica e tecnologia inspirada por Fábio Miranda para o Instituto Favela da Paz. É um sistema vertical que não necessita aterramento, e pode fornecer gás de cozinha para a vizinhança também Todos os sistemas portanto, também são de tecnologia apropriada. A cozinha solar que não aparece no esquema ao lado também é parte de um sistema que evita desperdícios, e direciona o excedente para venda no espaço de feira e gera renda.
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SISTEMAS DE REAPROVEITAMENTO DE RECURSOS
4
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biodigestor
USO DO EDIFÍCIO 1. cozinha 2. banheiro CANTEIROS 3. horta ervas e viveiro 4. horta PANC’s
2
1
3
cisterna bacia de evapotranspiração jardim filtrante
4
fluxo de saída fluxo de chegada resíduos orgânicos adubo biogás
composteira
água da chuva águas negras águas cinzas água tratada
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SOLUÇÃO ESTRUTURAL modular, apropriável e de baixo impacto ambiental
telha ecológica (ex ecotop) pilares, tesouras e ripamento em bambu (guadua ou mosso)
taipa de mão
laje de cascaje
pilares e vigas de caibros de madeira
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policarbonato ou lona translúcida
CORTE TRANSVERSAL
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