Patrimonio cultural corticeiro em risco: o caso da Fabrica do Ingles

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Património industrial corticeiro em risco: o caso da Fábrica do Inglês

Encontro “O Mundo do Trabalho no Sul de Portugal” Portimão , 3 de Junho de 2011


Património industrial corticeiro em risco: o caso da Fábrica do Inglês Sumário:

1. Breve introdução/caracterização do que foi o projecto de reabilitação e musealização da Fábrica do Inglês/Museu da Cortiça. 2. Programa/projecto do Museu da Cortiça. 3. Dos valores patrimoniais ímpares da Fábrica e do museu. 4. Da situação actual e do futuro.


Ideias base por detrás da reabilitação Fábrica do Inglês/Museu da Cortiça: • Qualidade, originalidade e bom estado de conservação do edifício fabril oitocentista, o que permitia constitui-lo como raro exemplar a conservar. • Consenso quanto ao facto de preservar em Silves, cidade de memória corticeira, algo da sua história industrial e operária. • Importância e bom estado de conservação de muita da maquinaria original, grande parte in situ, testemunho da evolução da indústria corticeira nacional e internacional. • Necessidade de readaptações (sobretudo de interiores) para que o espaço pudesse albergar novas funcionalidades que sustentassem financeiramente o projecto. • Vontade de conseguir aliar num mesmo projecto o desenvolvimento turístico e a conservação do património cultural, de forma que se auto-sustentassem mutuamente.


A Fábrica pára de laborar (1995)

A Fábrica do Inglês S.A. adquire o espaço fabril (1997)

Bases Programáticas do Museu

Projecto Arquitectónico

(Jorge Custódio

(Arquitecta Margarida Simões Gomes)

e Manuel Ramos) Equipa Museológica Local (Coord. Manuel Ramos)


O projecto arquitectónico da autoria da Arq.ª Margarida Simões Gomes teve em conta a conservação e reabilitação do espaço fabril construído em 1894.



O projecto do museu permitiu uma acção de salvaguarda importante, no domínio da maquinaria corticeira… Antes...

...e depois


Da arquitectura


Da salvaguarda do extraordinário arquivo documental….


…e até na salvaguarda de algum do património oral, em perigo de se perder.


Entre estas duas imagens, a primeira de 1998, a segunda de 1999, construiu-se um programa museol贸gico que pretendia, melhor, pretende:


• Contribuir para o melhor conhecimento da cidade e da sua história industrial e operária, da cortiça e das suas variadas potencialidades.

•Incentivar o conhecimento e a investigação histórica em redor das temáticas corticeiras, industriais e laborais, para isso preservando , catalogando e tornando público o importante acervo documental em sua posse. • Realizar o inventário do património corticeiro da região de Silves. • Aprofundar os laços de cooperação com museus e outras instituições que prossigam os mesmos objectivos, seja na área corticeira ou na do património industrial. •Reforçar os laços com as escolas de modo a aproximar o museu da comunidade em que se insere e cuja história documenta.


Dos valores patrimoniais ímpares que a Fábrica do Inglês guarda… Da Arquitectura: trata-se de um edifício que mantém no essencial a sua traça original oitocentista, com pormenores decorativos muito próprios e que valorizam a construção.

Lanternins

Remates decorativos dos telhados


テ田ulos de vidro colorido

Cunhais em alheta Estruturas em asna de madeira de Riga nos telhados

Lanternim e decoraテァテ」o interior do chalet Portテオes de ferro decorados e rematados por cunhais em pedra



Do património industrial: sendo um espaço que evoluiu de uma oficina manufactureira para uma fábrica (o primeiro motor central a gás foi instalado nos anos vinte do século XX), possui testemunhos desses vários momentos tecnológicos, alguns deles únicos a nível mundial.

Calibradora manual de rolhas dos finais do século XIX, adaptada para ligação ao veio motriz.

Contadora manual de rolhas (séc. XIX), com campainha.


Tanques de lavagem de rolhas com maquinaria de apoio.

Tambores para enxugar rolhas ligados ao veio motriz.


Garlopa para grandes rolhas (batoques) dos inícios do séc. XX.

Garlopa dos finais do século XIX.


Motor central a diesel dos anos 40 do sĂŠculo XX.


Instrumentos de corte do perĂ­odo manufactureiro.

Variada panóplia de produtos realizados no espaço fabril.


Colecção de objectos de realização artesanal, património cultural da cidade corticeira.


Do património documental: o arquivo privado da fábrica remonta à sua antecessora a “fábrica velha” de Gregório Mascarenhas. O documento mais antigo até hoje encontrado remonta à década de 70 do século XIX. São abundantes os registos deste século, designadamente Livros de Razão (a construção da fábrica encontra-se profundamente documentada num deles), Livros de Semanadas, Catálogos de maquinaria e, verdadeiro tesouro arquivístico, várias copiadores de correspondência em papel Bíblia.

Importante destacar também o conjunto de várias publicações periódicas (Boletim da Junta nacional da Cortiça, Gazeta das Aldeias, Indústria Portuguesa, Anuários comerciais), plantas e desenhos. Do século XX existe um importantíssimo registo comercial e correspondência, nomeadamente com o porto de Portimão, de onde saíam os navios carregados com cortiça.



Copiador de correspondĂŞncia em papel bĂ­blia (carta de 3 Setembro de 1909).


Finalmente, e entre muitos outros tesouros, o arquivo da Fábrica guarda o espólio fotográfico de José Custódio, fotógrafo profissional que trabalhou em Silves, entre os finais dos anos cinquenta e os anos 80 do século XX. Milhares de negativos, e cópias fotográficas em papel, com imagens da cidade e do concelho, dos acontecimentos sociais e de centenas de pessoas que se fizeram por ele retratar. Este importante arquivo, de um dos dois fotógrafos então existentes na cidade, foi resgatado in extremis pelo museu quando se encontrava ainda em constituição.

Casa de Gregório Mascarenhas, patrão da Fábrica, em Armação de Pêra (demolida)


Outros patrimónios : para além do registo fotográfico e videográfico exaustivo que foi realizado pelo museu durante as obras de reabilitação da Fábrica do Inglês, conservam-se vários registos vídeo e áudio de entrevistas a antigos trabalhadores corticeiros, como foi o caso de José Vitoriano, um dos resistentes antifascistas que mais tempo passou nos calabouços da PIDE, mais tarde deputado e vice-presidente da Assembleia da República.


Outros patrimónios: Refira-se também a existência de variados objectos em cortiça, nomeadamente quadros, mobiliário da velha fábrica e objectos de escritório.


Da situação actual e do Futuro: O museu e a Fábrica do Inglês encerraram portas em 18 de Maio de 2010, Dia Internacional dos Museus! O seu encerramento foi imposto pela difícil situação financeira em que se encontrava a sociedade Fábrica do Inglês, S.A., e a empresa maioritariamente detentora do seu capital social: a Alicoop. Em Maio de 2010 a Câmara Municipal de Silves deliberou distinguir a Fábrica como Imóvel de Interesse Concelhio. Em Junho de 2010 realizou-se em Silves um encontro patrocinado pelo ICOM.


Neste Encontro foram avançadas as seguintes conclusões: 1. É urgente assegurar a classificação da Fábrica do Inglês nos termos do Decreto-lei nº 309/2009 de 23 de Outubro.

2. É urgente assegurar a manutenção dos espaços de ar livre e o acesso ao núcleo museológico. 3. É recomendável proceder à identificação das entidades e as formas de participação dos potenciais intervenientes ou parceiros locais, nacionais e internacionais tendo em vista um projecto de reabertura e de reprogramação do conjunto patrimonial em que se integra o Museu da Cortiça. 4. É consensual a convicção de que o “modelo de negócio” que esteve subjacente ao projecto inicial da Fábrica do Inglês está ultrapassado. Importa, pois, que a Fábrica do Inglês se centre de forma mais incisiva naquilo que deve constituir o seu núcleo central, ou seja, na valorização dos seus patrimónios e na projecção do Mundo da Cortiça. 5. É desejável continuar, e intensificar, as acções de sensibilização da opinião pública, em primeiro lugar da comunidade local silvense, para o reconhecimento da importância patrimonial do que está em causa e para a sua salvaguarda e valorização, como recurso de desenvolvimento cultural e identitário local, regional e até nacional.


Entretanto: - O Igespar não deu parecer favorável à classificação da Fábrica como Imóvel de Interesse Público. Argumento invocado: o edifício foi alvo de variadas intervenções desde a sua construção! O Algarve, o país, para não dizer o mundo, despreza um edifício oitocentista, da era pré-industrial, único no género, com importante acervo patrimonial entre portas, como atrás vimos, por ter sofrido alterações ao longo da sua história! Entretanto, o IGESPAR classifica com esse mesmo estatuto (interesse público) qualquer edifício que tenha um vestígio com mais de 200 anos, seja qual for o seu estado de alteração ou conservação. - A direcção regional da Cultura e o Instituto dos Museus comprometeram-se com o director do museu a providenciar o mais urgente: a preservação do arquivo documental, por depósito no Arquivo municipal ou no arquivo regional. Até hoje nada aconteceu… - A Câmara Municipal de Silves, detentora de direitos e deveres sobre um imóvel que ela própria entendeu classificar como património concelhio, continua sem iniciativa, paralisada pelo jogo político protagonizado pelas forças partidárias que a compõem. - Vários partidos políticos apresentaram na Assembleia da República projectos de resolução com recomendações ao Ministério da Cultura a favor da rápida solução do problema. - Dos responsáveis regionais ligados ao turismo, à hotelaria e ao comércio nem uma palavra. Continuam sendo beneficiários do património cultural algarvio, foram beneficiários da Fábrica e do museu enquanto esteve aberto (só em 2001 mais de 100 000 pessoas visitaram o museu).


- Os apelos, vĂŞm dos mais variados quadrantes, atĂŠ dos jovens do concelho, que na Assembleia Municipal Jovem de Silves colocaram este desafio. Mas tudo parecer cair em saco roto.


Entretanto o Tempo passa, e os seus efeitos acumulam-se:

ALGO TERĂ QUE SER FEITO!


Afinal, nem todas as regiões se podem orgulhar de possuir dois espaços premiados como melhores museus industriais europeus, a escassos 15 quilómetros entre si. É um privilégio que o Algarve não pode ignorar. Entretanto, com alguma ironia, e enquanto o de Silves continua fechado, é no de Portimão que faço esta triste apresentação.

Muito obrigado!


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