JORNADA DE ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL 19 de Junho de 2014
MUSEU DA CORTIÇA DA FÁBRICA DO INGLÊS – SILVES MOÇÃO O que está a acontecer, hoje mesmo, ao Museu da Fábrica do Inglês, em Silves, é o que há de mais ignóbil na política patrimonial portuguesa contemporânea. Mostra ainda o que há de mais absurdo e perverso na natureza humana. A história da humanidade está pejada deste tipo de atitudes e comportamentos que mostram o modo intencional como se age a coberto do poder ou da sua loucura, hoje contra os bens culturais, amanhã contra os direitos humanos, depois contra a própria humanidade. A coberto de decisões judiciais e de preceitos de leilões impessoais, começaram a surgir no interior do recinto da antiga Fábrica de Cortiça Avern, Sons & Barris, de Silves, uma série de «vândalos» - é esse o nome que se dá a esse tipo de pessoas que não têm qualquer sensibilidade quanto aos valores culturais e à herança patrimonial dos nossos antepassados - a arrancar um corrimão, retirar portas (como se faz com os salvados de uma demolição), deslocar um compressor para venda no mercado, meter uma máquina numa camioneta, reduzir o espaço de convívio a uma ruína, transformando as estruturas decoradas, cheios da vida de há poucos anos e com diversos bens integrados, em esqueletos, mostrando aquela «apagada e vil tristeza», que falava Luís de Camões, pelo simples valor venal dos objectos. Esse recinto e nesse imóvel de arquitectura industrial reside o Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês e deles é parte integrante. No caso do Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês pode ver-se o que entendem os nossos políticos por património. Confundem a herança cultural com o conceito de mercadoria com valor de uso e valor de troca, não respeitando a legislação portuguesa. O que estamos a falar é de património cultural. Não está o edifício da Fábrica classificado como imóvel de «valor municipal»? Não foi este valor cultural aprovado em Assembleia Municipal e reunião de Câmara? Não pode a Caixa Geral de Depósitos, que adquiriu um dos lotes do leilão público, pôr cobro ao vandalismo leiloeiro, no seu próprio espaço? Aconteceu em Portugal, aquilo que lá fora se procura impedir e travar com unhas e dentes. Pelos políticos, pela sociedade civil e pela acção pública. Mas senhor Presidente da República é necessário respeitar a Constituição da República; mas senhores ministros, senhores autarcas «os museus não estão à venda», o «património cultural e a arqueologia não estão à venda». Uma empresa particular criou um facto inédito na história do património cultural português: comprou o recheio, os bens
culturais móveis do museu da fábrica do inglês por 36 mil €. Não tarda muito que o Museu Nacional de Arte Antiga esteja à venda! Pagaria a dívida de Portugal. Estamos a voltar à era da «barbárie» com a indiferença da comunicação social, com o aval das instituições públicas, com os trocadilhos dos corredores das autoridades políticas centrais e locais. A nova Câmara agitou-se e quis (quer) salvar muitos meses de apatia, indiferença e de inconsciência do que significava a perda do Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês para Silves, para o Algarve, para o Turismo e para o País. Estão em causa, não apenas o Museu, mas o Edifício da Fábrica do Inglês, com a sua particular estrutura arquitectónica industrial, pouco comum num Portugal de banalidades. No momento em que Portugal – o maior produtor de cortiça a nível mundial – busca novas formas, parcerias e mercados com o objectivo (unanimemente reconhecido) de um significativo e militante desenvolvimento económico que se deseja autosustentado, permitir a destruição de um museu referencial e premiado internacionalmente pertencente à museologia portuguesa de feição industrial é a todos os títulos paradoxal, kafkiano, logo absurdo. Não é a cortiça um produto histórico da Identidade Nacional? Não é a cortiça sempre invocada como a marca perene da Economia Portuguesa? Não é a cortiça, um produto da inovação, ontem na prancha e na rolha, depois no isolamento térmico, hoje no design e na moda? Então porque é que o Estado não trava tamanho desaforo? Os museus são para além de locais de memória, montras de Portugal, que nos projectam cultural e, também, economicamente no Mundo. A APAI – Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial, na Jornada de Arqueologia Industrial, realizada no dia 19 de Junho de 2014, em Lisboa, vem por este meio, manifestar a sua apreensão e repulsa por este atentado contra os valores do património industrial e cultural praticado na sequência do leilão dos bens imóveis, bens integrados e dos bens móveis do museu. Apreensão também com o destino do Museu da Cortiça da Fábrica do Inglês, premiado em 2001, com o Prémio Internacional «Luigi Micheletti». A APAI tem conhecimento dos esforços desenvolvidos pela autarquia para que os bens móveis e integrados do Museu possam ser devidamente acautelados. O Museu é uma peça essencial do património cultural do concelho. Mas a Fábrica é uma peça fundamental do urbanismo silvense e um valor já reconhecido a nível internacional do património industrial português. A APAI declara que irá empenhar-se em encontrar soluções para travar esta alienação absurda e «vandálica», seguindo em pleno século XXI as pegadas de Alexandre Herculano, ao mesmo tempo que irá promover um conjunto de iniciativas para se poder chegar a um entendimento entre as várias partes envolvidas. Assim pretendemos:
a) Remeter a presente moção às entidades políticas e culturais da administração central e local, ao Turismo de Portugal, à DGPC e a todas as Direcções Regionais de Cultura do País e órgãos culturais das Regiões Autónomas; b) Enviar esta moção a todos os órgãos de comunicação social, para que continuem e aprofundem as vias para um conhecimento mais objectivo das razões que impediram a compra do espólio pela autarquia local; c) Convidar o ICOM, o ICOMOS, o TICCIH, a APOM e a Câmara Municipal de Silves e outras organizações que queiram aderir para se manifestarem numa acção pública e cívica, conjunta, seguida de um debate sobre o tema «os museus e o património não se encontram à venda», a realizar em Silves, em data a anunciar brevemente. Lisboa, 19 de Junho de 2014 Aprovado por todos os participantes por unanimidade e aclamação
A Direcção da APAI - Associação Portuguesa de Arqueologia Industrial Jorge Custódio Pedro Aboim Borges Susana Domingues Sandra Marques Rui Marques João Sequeira Mafalda Paiva