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Diário Covid 19
Diário Covid-19
Amândio Azevedo1
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E já lá vai mais de um ano de Covid-19 em Portugal… Na primeira semana de março de 2020, não houve um único dia em que não se falasse do tema Coronavírus. Primeiros casos na Europa, casos no país vizinho, a eminência de casos no nosso país… E eis que o primeiro caso chega a Portugal! É no dia 5 de março que recebo um telefonema com a informação de um caso suspeito no Agrupamento. Nessa mesma noite, e após apuramento de todos os factos, verifica-se que há uma confusão de nomes e de estabelecimentos de ensino. Não passou de um equívoco. Na sexta-feira dia 6, um dos nossos alunos já não comparece na escola, por suspeita de infeção pelo novo Coronavírus. No dia seguinte, antes do meio dia, chega a confirmação que não queríamos receber: um aluno, bem como os outros três membros do agregado familiar, estava infetado! Um familiar regressara de uma viagem de trabalho a Milão, acabando por iniciar uma cadeia de contágio na pacata e, até então, discreta, Vila de Barrosas. Foi uma tarde literalmente passada ao telemóvel, com o Diretor Regional da DGEstE, com o Diretor do ACES Tâmega Norte, com as Vereadoras da Câmara Municipal de Felgueiras, com a Diretora de Turma do aluno, com vários docentes e com a DGEEC. Tudo acontecia ao mesmo tempo: Encarregados de Educação, pessoal docente e não docente em pânico, medos, dúvidas que queria ver esclarecidas, perguntas às quais não conseguia dar resposta, tarefas que tinha que executar em tempo absolutamente recorde. Por volta das 21h, a Srª. Ministra da Saúde, comunica ao país a atualização de dados sobre a Covid19: confirma os casos de Barrosas e anuncia o encerramento do
1 Diretor do Agrupamento de Escolas de Idães até 31/08/2020
Agrupamento de Escolas de Idães. A comunicação ainda decorria, quando fui contactado pelo Diretor do ACES, de forma a orientar os passos seguintes, a fornecer algumas recomendações e a solicitar o envio de listagens de todas as pessoas com as quais o aluno infetado havia contactado. Entretanto, e logo nesse sábado, foram estabelecidos contactos com os diferentes membros da comunidade escolar, no sentido de darmos os primeiros passos para, sem demora, arrancar com atividades à distância. Acreditávamos que, pelo menos nos catorze dias subsequentes, estaríamos encerrados. Estávamos perto do final do segundo período, em plena época de momentos de avaliação formal. Era importante agilizar processos e colocar toda uma máquina online a funcionar. Foi uma verdadeira incursão no desconhecido, mas com plena consciência de um objetivo imediato: o de não perder os alunos. Com o “empréstimo” de uma sala de aula virtual por parte da DGEEC, na quartafeira dia 11 de março de manhã, decorre a primeira “aula” à distância com a turma do aluno infetado, entretanto hospitalizado. Fui convidado a assistir a essa aula e devo dizer que foi um momento verdadeiramente comovente. Apesar de visivelmente fragilizado, e com algumas limitações físicas, o nosso aluno assistia à sua primeira aula online a partir da cama do hospital. E não, não foi uma aula. Foi um momento de partilha de medos, de dúvidas, mas também de esperança e de algumas gargalhadas. Foi uma forma de dizermos ao aluno e à sua família (internada na mesma enfermaria) que éramos muito mais do que um estabelecimento escolar; eramos uma escola, o prolongamento da família. Como tal, estaríamos lá para o que desse e viesse, no hospital ou em casa. Só assim a escola faz sentido, com ou sem Covid. Durante a tarde desse mesmo dia, uma outra turma do ensino secundário testa a sua primeira aula. No dia seguinte de manhã, já trabalhávamos online com a turma do Ensino Profissional, a do aluno infetado, e mais duas turmas do 12º ano. Dada a impossibilidade de a plataforma suportar um grande número de utilizadores em simultâneo, fomos confrontados com a necessidade de criar uma alternativa. Foi criada uma equipa de apoio ao ensino à distância, com o objetivo de agilizar todo o processo e solucionar eventuais constrangimentos. De imediato, e durante o fim de semana, exploramos opções e experimentamos diferentes soluções, acabando por definir a plataforma Zoom como a plataforma a utilizar por todo o Agrupamento.
Entretanto, as turmas de 11º e 12º anos continuavam com as suas aulas online na sala de aula virtual. Ajustamos horários, de forma a ocorrer um desfasamento, permitindo que a plataforma funcionasse plenamente. Foi dada prioridade aos anos sujeitos à realização de exames nacionais. As coisas iam “normalizando”. Na quarta-feira seguinte, dia 18, em reuniões de Departamento Curricular, foi feita a apresentação da plataforma Zoom a todos os docentes, para que pudesse ser utilizada de imediato, quer para aulas, quer para reuniões de avaliação. Com o início do terceiro período, iniciou-se o ensino à distância, alargado agora a todo o Agrupamento. Esta modalidade de ensino prolongar-se-ia até ao final do ano letivo, para todos os níveis de ensino, à exceção dos 11º e 12º anos, que regressariam ao modelo presencial a 18 de maio. Este regresso do secundário foi mais um enorme desafio. Foi quase tão grande como organizar o ensino à distância, mas desta vez com o receio do regresso, a responsabilidade de pensar e desenhar circuitos segundo as recomendações da DGS e do ME e de assegurar a segurança de todos. Levamos a cabo, com a parceria do Exército Português, várias formações a todo o pessoal não docente, sinalizamos toda a escola, criando percursos diferenciados e adotamos procedimentos exaustivos de higienização de espaços e materiais. Foi toda uma nova aprendizagem de hábitos e rotinas, uma adaptação a uma nova realidade. A um novo normal. E regressaram os nossos alunos… Com angústias e receios. Muitos receios. Os deles, dos Encarregados de Educação e do pessoal docente e não docente. O empenho de todos em levar a bom porto tamanha empreitada foi tal, que no final do dia saímos da escola com um sentimento de dever cumprido, com uma sensação de tranquilidade e de segurança que pensávamos conseguir não atingir, dado o contexto atual. Afinal, era possível fazer da escola um local seguro. A realização da avaliação externa, foi mais uma etapa, já não tão dura. Havia já um esquema devidamente montado. A organização dos espaços estava, agora, facilitada pela implementação da lógica do regresso ao ensino presencial. Também esta foi ultrapassada com sucesso. E eis que termina o ano letivo… Mas com ele não terminam as preocupações, as angústias e os medos desta nova realidade, e das suas implicações na vida escolar.
Tentamos antecipar cenários, prevenir situações e, acima de tudo, proporcionar um início de ano letivo sereno e em segurança. Entre as várias reuniões com os diversos parceiros ao longo dos meses de julho e agosto, foi enorme o esforço de todas as partes para que tudo decorresse conforme o esperado. A 1 de setembro deixo o cargo de diretor do Agrupamento de Escolas de Idães para desempenhar um outro cargo, mas agora numa outra área do ensino. Ainda assim, acompanho de muito perto, e diariamente, a vida daquele Agrupamento, conhecendo, por isso, o trabalho e o empenho incansáveis da atual direção, no cumprimento escrupuloso das todas as normas de segurança. Mas todo este processo não se fez apenas de aspetos organizacionais. Há toda uma vertente humana que nunca será demais elogiar. Há todo um trabalho de retaguarda, inicialmente individual, e na esmagadora maioria das vezes espontâneo, por parte de professores e funcionários. Há todo um investimento a nível humano que fez com que tudo isto fosse possível, um enorme espírito de missão e de solidariedade. Sempre que me pedem que fale sobre este assunto, faço questão de realçar o excelente trabalho desenvolvido por todas as educadoras, por todos os professores titulares, por todos os diretores de turma e por todos os docentes em geral. Todos tinham um objetivo bem claro e definido: não deixar ninguém para trás! Em todo o Agrupamento, cerca de 40 alunos não dispunham de meios tecnológicos que lhes permitisse acompanhar o ensino à distância. Em menos de uma semana, e com a ajuda de associações, familiares, vizinhos e da comunidade em geral, conseguimos reunir equipamentos que supriram essas necessidades quase por completo. As famílias dos alunos que continuavam sem acesso aos meios tecnológicos foram contactadas telefonicamente ou pessoalmente, através de agentes locais, da Câmara Municipal ou das Juntas de Freguesia. E estava criada mais uma rede de trabalho: os docentes enviavam as tarefas para a EB1 da sua área de residência, os Encarregados de Educação levantavam-nas e devolviam-nas em data previamente estipulada. Em alternativa, um elemento da Junta levava o material de trabalho à residência dos alunos em causa, fazendo, posteriormente a recolha dos mesmos, para devolução na EB1. Aí, todos os trabalhos eram digitalizados e enviados para os professores das respetivas disciplinas. Um verdadeiro trabalho de equipa, de entreajuda. Simples e eficaz, sempre
em prol do aluno e sempre com um esforço enorme por parte de pessoal docente e não docente. Jamais em vão. Nunca os alunos e os Encarregados de Educação estiveram tão perto da Escola. Sempre que surgia informação importante para os Encarregados de Educação (subsídios, licenças, informação relativa à escola) era transmitida na hora. Os professores já não tinham fins de semana, ou dias sem componente letiva; já não esperavam pelo dia seguinte para comunicar a partir da escola, ou através da caderneta. Abdicando da sua privacidade, utilizavam os seus telemóveis, criavam os seus grupos de WhatsApp com alunos e pais e/ ou Encarregados de Educação. E estes contactos aconteciam em crescendo. A determinada altura, já não serviam apenas para troca de informação institucional. Passaram a ser contactos entre pessoas que se preocupavam com o outro, que tinham como intuito cuidar e apoiar. Afinal, estávamos todos no mesmo barco e o medo, esse perseguia-nos a todos. Nunca a distância aproximou tanto a escola da casa. Este foi, sem dúvida, o maior desafio que enfrentei na minha vida e é com muito orgulho que digo que fiz parte desta missão. Estou eternamente grato a todos os que colaboraram comigo e com o Agrupamento de Escolas de Idães. Sem o empenho e a dedicação de todos os nossos parceiros, dos alunos, pais e Encarregados de Educação e de todo o pessoal docente e não docente, tudo isto não teria sido possível. A dedicação e o envolvimento de todos fizeram mesmo a diferença e levou-nos aonde não imaginávamos conseguir chegar. E esta foi sem dúvida a maior das aprendizagens: onde há vontade, há um caminho.