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O (in)sustentável peso da distância ecos de sete semanas de E@D
O (in)sustentável peso da distância – ecos de sete semanas de E@D
Ana Luísa Melo
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Desengonçada, a minha cadeira abanou quando me levantei. Acabaram as sete semanas do ensino à distância. Finalmente. Não foi do agrado de nenhum de nós, nem dos professores, nem dos alunos. Teve que ser e, por isso, aconteceu. Mas não gostámos. Funcionou bem? Há opiniões. Eu penso que funcionou melhor do que a experiência anterior. Nessa altura, foi uma novidade, apanhou-nos a todos desprevenidos, foi uma emergência à qual tivemos que responder sem planeamento. Desta vez, porém, essa resposta pôde ser preparada, pensada e trabalhada com outro conhecimento e experiência. Foi assim que a entendi. Trabalhámos muito e foi muito cansativo. O mais difícil terão sido as incontáveis horas em frente ao ecrã do computador, quer em aulas propriamente ditas, quer em preparação de tudo o que estas envolvem, desde a preparação e didatização de materiais até a todas as reuniões que se impunham. Tudo, literalmente tudo, foi feito em frente ao ecrã. Muito mais agilizado do que no ano anterior, esse tempo correu melhor, mas nem por isso foi agradável. O tempo foi-nos favorável. O frio e a luz do inverno convidavam ao aconchego da
casa.
No dia definido para o início das aulas, começámos a trabalhar em frente aos ecrãs e reencontrei os meus alunos. Uns, que já conhecia do ano anterior; outros, os que tinha recebido pela primeira vez no início do ano. E foi um reencontro inesquecível porque, ao fim de quase metade de um ano letivo, deslumbrei-me ao ver, então, pela primeira vez, a cara dos meus alunos. Foi uma revelação. Pareceram-me muito mais novos, muito mais leves, muito mais frescos. Eram tão mais jovens! A alguns, foi-me até difícil reconhecê-los. Essa descoberta
foi muito estimulante e permitiu esquecer a experiência do ano anterior em que as câmaras não tinham sido usadas. E com esta descoberta do rosto, começámos um tempo novo para ensinar e aprender. Fizemos todos melhor. Do que fiz e me foi dado perceber, julgo que os professores trabalharam a partir do que sentiram que resultou melhor na experiência passada, quer ao nível da produção e adequação de materiais, processos e instrumentos, quer ao nível da gestão dos tempos do trabalho em aula. Ainda assim, não estavam preparados para as intermináveis horas já referidas. Este é um ofício que exige uma coreografia variada, em que o espaço físico supõe capacidade dramática mais ou menos acentuada. A maioria dos professores não dá uma aula completa sentado, nem em frente a um pequeno retângulo interativo. Apresenta-se aos seus alunos numa área, qual palco em que se movimenta, fala, expõe, interroga, dialoga, gesticula, enfim, um sem número de gestos que compõem e constroem o saber que se quer fazer entender. Sentado, limitado a um metro quadrado de espaço à volta do computador e a um ângulo muito restrito de uma câmara, o professor está, claramente, coartado. Por mais atraente que o seu discurso seja, não dispondo da sua presença e do seu espaço físico de eleição – uma sala de aula – o professor não consegue despertar a emoção imprescindível à aprendizagem. A este respeito, conversei com os meus alunos sobre a arte do teatro que envolve uma forte componente de pathos num auditório. Todos concordámos que uma aula também disso vive, das emoções que in loco consegue proporcionar. Reconheçamos: ensina-se e aprende-se, mas sem o gosto ou fruição que o “ensinar” pode oferecer. Os alunos prepararam-se de modo mais consciente escolhendo, quase na sua maioria, um local específico para terem as aulas. Reparei que muitos trabalhavam no seu quarto ou em locais que aparentavam relativo sossego que, idealmente, ajudariam a um ambiente mais favorável à aprendizagem. Outros, pouco ou nada pareciam importar-se com isso. Diziam que aspetos de ordem técnica assim o exigiam (a net não dava bem noutro sítio da casa) e, não raramente, percebíamos, além do aluno, todo um ambiente de alguma agitação típica do quotidiano de uma casa de família. Esta forma de ver os alunos é muito estranha e cansa muito. O ecrã fica cheio de caras e, visualmente, o cenário é excessivo e pouco homogéneo. Numa área mínima,
estão demasiados estímulos visuais. Imagino que para os meus alunos também, pois era frequente dizerem-me que se sentiam cheios de dores de cabeça após algumas horas de aulas. A visão plana e simultânea de vários ambientes torna-se muito cansativa. Houve aspetos negativos. Há que enfrentá-los. No que se refere aos equipamentos e estruturas disponíveis emergiram, novamente, as desigualdades sociais e económicas que fazem apertar o coração daqueles que querem ensinar. A escola em casa amplia essas desigualdades. E mais uma vez foi dado aos professores sentirem a frustração de quererem chegar a todos e não ser materialmente possível consegui-lo. A escola e tudo o que ela permite, tal como o ar que respiramos, tem que ser de todos. Ainda teremos mais duas semanas deste já tão longo processo de ensino à distância. O que é que, afinal, já aprendemos? Várias coisas. Acredito que questões estruturantes da pedagogia como, o “para quê”, o “para quem” e, sobretudo, o “como”, questões que moldam a essência da nossa profissão nos revisitaram ao longo destas sete semanas. É assim quase sempre; nos momentos de questionamento, aprende-se muito. Aprendemos, mais uma vez, que sabemos aprender. Que somos capazes. Que ensaiamos modelos, porque queremos chegar aos nossos alunos. Que devemos ouvi-los. Que lhes queremos bem e que queremos que o mundo lhes seja grande. Se temos esta consciência, prossigamos; estamos no bom caminho. Confirmámos que uma cadeira, uma mesa, o manual, o caderno, o lápis, os computadores, …, os materiais, as “coisas” não fazem, por si só, aprender. Há que estar lá, inteiro, nós e eles, os nossos alunos. Se nós, professores, lá não estivermos, eles não aprendem; se não estiverem lá eles, também não. Portanto, aprendemos que, para sermos capazes, temos que “lá” estar todos, de alma e coração, expostos aos olhos, às vozes, aos corações uns dos outros e olharmo-nos olhos nos olhos. Confirmámos algo que suspeitávamos, mas não tínhamos, ainda, clara consciência. Que as máscaras, que permitem a proximidade possível na escola, nos afastam muito. À distância, cada um dos meus alunos esteve, paradoxalmente, mais próximo. Afastada a barreira que esconde a face, todos nós estamos mais próximos uns dos outros. Somos, finalmente “nós”.
Vivemos um período cinzento e buscamos mais luz. Os dias e as semanas foram passando e, à medida que o tempo se estendia, “a escola em casa” tornou-se mais escura. Revelava-se no esforço de alguns e na progressiva desvinculação de outros. Mostrava-se na interpelação que ficava sem resposta, no silêncio que confirmava a ausência, no olhar vago de quem não estava lá. Foi revisitar uma vivência triste e já conhecida do ano passado e, aquele vazio que um professor sente quando reconhece essa desistência, essa abdicação, voltou. É aquele silêncio que fica, aquela escuridão em que ecrã e alma coincidem quando nos despedimos de uma turma e dizemos “fiquem bem e até à próxima aula”! Reconhecemos, também, que os nossos alunos foram ficando com menos cor. Em casa, privados do sol, do ar livre e da luz que o convívio traz aos dias, foram perdendo brilho, ficaram pálidos, num tom que a luminosidade do ecrã acentua, esbranquiçado e baço. Cor assética, de infelicidade. Em resposta às minhas questões foram, em larga maioria, sinceros ao assumirem que as horas de aula eram excessivas e se sentiam seguros em casa, mas infelizes. Era excessivo o tempo que passavam em tarefas escolares, muito triste a ausência da socialização entre pares, muito esforçada a atenção às aulas on-line, persistentes as dores de cabeça ao fim do dia. Muito tristes, mas resignados. A precisarem de luz. Foi isto que também aprendemos: sem presença, não nos enlaçamos; e sem sol, não há ensino.