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O que aprendemos durante o segundo confinamento [e queremos
O que aprendemos durante o segundo confinamento [e queremos].
Fátima Almeida
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Questionados sobre o que aprendemos nós professores durante o segundo confinamento, seguem-se reflexões minhas que se entrelaçam com outras feitas por alunos. Agradeço o desafio - e as palavras, identificadas com aspas, dos alunos. Agradeço à minha colega Anabela, que interpelou alguns destes alunos. A diferença entre ensinar e aprender. Já sabíamos, é certo, mas o ensino à distância, com toda a autonomia injungida, deixou clara a diferença entre o ato de ensinar e o seu efeito. (Com esta constatação, retoma-se o conceito de ‘motivação intrínseca’. Gosto sempre de ouvir que nada se pode fazer quando os alunos não querem. E pronto, adeus e tenham um bom dia. Terminaria assim a história do ensino. Se ensinar fosse fácil, era para os outros, parece dizer-nos Rui Cardoso Martins. Nenhum aluno se sente bem perante o insucesso. Retifico: ninguém se sente bem perante o insucesso. Mesmo quando nos atingem com um encolher de ombros, um arrogante ‘não quero saber’. Tu queres saber. E nós, professores, queremos saber.) Há alunos que aprendem sozinhos. Ficou claro, se dúvidas houvesse, com o ensino à distância. Somos úteis para os outros, para quem a escola é difícil: “Não gostei de ficar em casa a estudar, queria antes estudar na escola, porque estudar com computadores é difícil, na escola é mais fácil. Na escola aprendo mais!” Porque nos têm. Não aprendemos porque já sabíamos: fazemos a diferença dos alunos mais frágeis. Os outros seguem, estejamos (mais) presentes ou não. Precisamos de acarinhar o regresso dos alunos, proporcionando estruturas de apoio reforçado: “Neste regresso à escola, eu gostava que os professores dessem uma revisão geral à matéria.” Outro aluno dizia o mesmo por outras palavras: “Aprendi que não devemos desistir de ninguém
e que, quando a ESCOLA desiste, há alguém que se perderá.” Teremos de dar este tempo para que os alunos mais frágeis não sejam deixados para trás.
“Deve valorizar-se mais a escola”. Falaria da escola física. Dos intervalos, é verdade, mas também dos olhares, das idas ao lugar, em incentivos reiterados. Dos grupos de trabalho sem telas e outras máscaras –“Neste regresso à escola eu não queria usar máscara”.
“Aprendi que o afeto, a socialização, as emoções têm um poder preponderante no processo de ensino-aprendizagem.” Talvez não tenha surpreendido, mas é um facto que tudo se tornou mais impessoal: listas de tarefas enviadas e recebidas. Creio que rapidamente se reverterá esta rotina, quando pudermos retomar. Será tão estranho como quando nos apartámos da escola, o seu regresso. O ser humano rapidamente se adapta e, portanto, não surpreende que, como referem Watts Isley et al. (2021), ‘flexibilidade’ e ‘novo normal’ se tenham tornado as palavras de ordem de 2020. Só aqueles para quem a vida é mais fácil o souberam agora. Os outros sabem-no há mais tempo. Que nada deve ser dado como garantido.
“Aprendi que não devemos ter pressa.” Curiosa reflexão, porque a verdade é que não paramos de correr: tempos para entrega de trabalhos, para cumprimento de programas. Deveríamos ter aprendido a dar mais tempo livre aos alunos para que tivessem mais vida para além da escola. Aprender com os horários de outros países que terminam a escola formal cerca das 14h. Quando não puderem mais ser crianças, terão muito tempo para não ter tempo. Estão com saudades da escola porque não a têm; deixem-nos ter saudades todos os dias. Libertem-nos de uma carga horária tão pesada que não lhes dá tempo para aprender o raciocínio crítico e a criatividade em contexto real. É certo que os alunos mais frágeis necessitarão sempre de mais horas de trabalho, mas permitam-lhes terminar com tempo para serem felizes, talvez assim consigam ser felizes enquanto estudam, porque sabem que a vida não é apenas… isso. Não é fácil “encontrar mais esforço para estudar”, que é o desejo de um dos alunos a quem também perguntámos ‘como gostarias que fosse a escola neste regresso’, quando ‘esforço’ é a permanente invisível de um processo frequentemente narrado como insuficiente.
Uma escola sem computadores –“Não queria que, na escola, usássemos computadores” -, para uns, e mais interativa, para outros. Creio ser importante perceber os motivos que levam alguns alunos a preferir o ensino à distância, porque tive respostas assim ao longo de ambos os confinamentos. Kumthom e Malathum (2020) anunciam: “It is truly the time of reconciliation when all people are united so that we will pass through this challenging time altogether”… Menos. Não é esperado que aprendamos tanto em tão pouco tempo. Mas seria, de facto, bom lutar por uma escola com mais tempo e com menos pressa.
Referências bibliográficas
Kumthom, M. & Malathum P. (2020). The COVID-19 Pandemic: What We Have Learned from Thai Experiences. Pacific Rim International Journal of Nursing Research, 24(4), 431–435. Martins, R. C. (2012). Se Fosse Fácil Era Para os Outros. Dom Quixote. Watts Isley, J., Gonzales, R., Drey, J., Ritter, E. Q., Lawrence, W. R., Rowe, B., & Sosa, P. (2021). Adaptability, Change, Hope: Student Perspectives During the COVID-19 Pandemic. American Journal of Public Health, 111(1), 63–65. https://doi.org/10.2105/AJPH.2020.306033.