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A Terminologia da Cerâmica do Açúcar de Cana Naidea Nunes Nunes

Abstract The Sugar-Cane Ceramic Terminology The sugar cane ceramic terminology: the terms and the techniques of sugar cane primitive crystallization and purgation, as forma de açúcar (from Sicilia) and porrões (from Valencia), came from Mediterranean to Madeira island, where occur a development of new terminology and technology. So, in this region, appears the term sino (a big forma de açúcar with or without a hole in the bottom) that are transplanted to Canaries, Cabo Verde, S. Tome e Principe, Brazil and Spanish America.

A terminologia da cerâmica do açúcar de cana O objectivo deste nosso estudo é contribuir para o conhecimento das palavras e das coisas do açúcar de cana, mais concretamente a terminologia e a tecnologia da cerâmica do açúcar, ou seja, os termos e as técnicas associados aos recipientes cerâmicos utilizados na fase de cristalização e purga do açúcar. Trata-se de terminologia e tecnologia recebidas do Mediterrâneo, nomeadamente formas de açúcar (da Sicília) e porrões (de Valência), e termos e técnicas desenvolvidos na ilha da Madeira, designadamente o termo sino (forma de açúcar grande com ou sem furo no fundo). A partir da Madeira, os termos mediterrânicos e os novos termos e técnicas açucareiras difundemse no Atlântico – Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Brasil e América Espanhola.

A terminologia açucareira em geral e a terminologia da cerâmica do açúcar em particular apresentam, desde muito cedo, termos técnicos, específicos ou próprios de uma actividade especializada. Assim, já na Sicília, a produção açucareira era executada por trabalhadores especializados numa determinada tarefa e os respectivos ajudantes.

Interessa-nos conhecer os termos técnicos que denominam os receptáculos cerâmicos utilizados nos engenhos, na fase de cristalização e purga do açúcar: sinos, formas de açúcar, forminhas e porrões ou jarros de Castela.

O termo sino (de mel) designa o recipiente de forma cónica utilizado para cristalizar (e purgar) o açúcar, distinguindo-se da forma de açúcar pelo seu tamanho grande. As primeiras atestações deste termo ocorrem, na Madeira e nas Canárias, na primeira metade do século XVI, respectivamente com as formas sinos ou signos de melles e sinos (de barro). Parece tratar-se de um madeirensismo, ou seja, um nome da língua portuguesa comum sino, que sofreu uma termologização na ilha da Madeira, tornando-se um termo específico da actividade açucareira, para designar uma forma de açúcar grande (por analogia com a campânula do sino de bronze das igrejas). Depois, o termo sino difunde-se no Atlântico, nomeadamente nas Canárias, Cabo Verde, S. Tomé e Príncipe, Brasil e América Espanhola. A forma cónica revelada pelo nome sino parece indicar que este tem a mesma função da forma de açúcar, apresentando um furo no fundo para purgar o açúcar, separando-o do mel. Hipótese confirmada por Élvio 1. Cf. Alberto Artur, «Apontamentos históricos de Machico», in DAHM, nº 1, 1950, vol. I, pp. 8-9.

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Sousa, no seu estudo Arqueologia na área urbana de Machico. Leituras do quotidiano nos séculos XV, XVI e XVII, que, relativamente aos sinos, nos diz que «a identificação de vários fragmentos de formas de grandes dimensões pode corresponder aos sinos, tratando-se de peças com bordos de acabamento do tipo emoldurado (provavelmente para facilitar a colocação das peças nas aberturas dos andaimes de madeira)» (SOUSA 2003: 190), acrescentando, em nota de roda pé, que alguns fragmentos de pontas e paredes de peças, identificados como sinos, mostram a presença de um orifício na extremidade, referindo que esta evidência afasta a indicação de que os sinos não possuíam furo.

O sino seria utilizado para purgar maiores quantidades de açúcar, fazendo açúcar de uma cozedura, enquanto a forma de açúcar, por ser mais pequena, seria utilizada para o açúcar refinado, ou seja, de mais do que uma cozedura. Assim, o termo sino de mel, apesar do complemento determinativo de mel, parece não se referir ao recipiente que se colocava debaixo das formas para receber o mel, não se confundindo com os jarros de Castela ou porrões de Valência. Na documentação histórica da ilha da Madeira, registámos a forma sinos em 1535: «2 andaimos de sinos de seis taboas cada andaimo» (Testamento Teixeira), com a variante signos de melles, no mesmo documento: «3 jarros de castella de recolher o mel, 90 signos de melles, 900 formas», e sinos de pains pequenos em 1649: «VM me remeta dita contia em bom assuqure branco e sinos de pains pequenos» (Vieira 1996: 122). Alberto Artur1, ao transcrever o inventário do Testamento de António Teixeira, informa-nos que os signos de melles são formas grandes. No entanto, a ocorrência da expressão sinos de pains pequenos parece mostrar que estes recipientes também existiam em tamanho pequeno, sendo utilizados também no fabrico de pães de açúcar pequenos que, geralmente, eram de açúcar refinado, havendo a possibilidade do termo sino, neste caso, ocorrer como sinónimo de forma de açúcar, uma vez que os dois recipientes cerâmicos apresentavam o mesmo molde cónico. Nas Canárias, registámos o termo sinos em 1526: «se obliga a hacer y dar cocidas 30 tinajas y 100 sinos todos de barro» (Martinez Galindo 1988: 731), com a variante signos (1527) «las dichas casas e fabricación de los azúcares e com

todas las formas e signos e porrones e faros e tinglados e todas las otras cosas e aparejos a las dichas casas e ingenio anexas e pertenecientes.»

(Fabrellas 1962: 470). Em S. Tomé, encontrámos o termo synos em 1529: «E asy das caldeiras de cobre e feragem e formas e synos e tigello e feramenta.» (Brásio 1952, MMA I: 513). Embora as atestações registadas nas Canárias e em S. Tomé sejam anteriores às encontradas na documentação da ilha da Madeira, sabemos que os termos e as técnicas da produção açucareira foram levados pelos madeirenses para as novas áreas açucareiras do Atlântico. No Brasil, o termo sinos ocorre em Antonil (1711), numa descrição das formas de açúcar, em que estas são comparadas a sinos: «são as formas do assucar huns vasos de barro queimado na fornalha das telhas e tem algua semelhança com os sinos, altas tres palmos e meyo e proporcionalmente largas, com mayor circumferencia na boca e mais apertadas no fim, aonde são furadas» (Antonil: 75).

Segundo Pérez Vidal (1971: 260), a documentação de Canárias é esclarecedora, no que diz respeito à origem e ao uso dos sinos. O mesmo autor salienta que nenhum repertório lexical português regista o termo sino, com o significado de recipiente, e acrescenta que os sinos de barro tinham a forma de sino, daí o nome galego-português sino, referindo ainda a ocorrência do termo sino de la lejía, em Granada, que denomina o recipiente de forma cónica em que se depositava a decoada (composição utilizada para defecar o caldo nas caldeiras dos engenhos de açúcar). Pérez Vidal não nos dá nenhuma informação sobre a existência ou não de furo no fundo dos sinos.

Constantino Suárez, no seu Vocabulario cubano (1921), apresenta a unidade terminológica sino como termo cubano, utilizado nos engenhos para designar a forma de açúcar sem orifício no fundo, acepção confirmada por Moreno Fraginals (1978). Como o termo madeirense sino terá sido levado, a partir de Canárias, para Granada e para Cuba, poderá ter passado a denominar uma forma cónica sem furo no vértice, usada como recipiente e no fabrico de açúcar não purgado. Nelson Barbalho (1984: 19) refere que, no Brasil, o termo açúcar de sino denomina um tipo de açúcar branco, fabricado nos engenhos antigos de Pernambuco, o que parece pressupor a purga do açúcar cristalizado no sino, sendo que este termo pode ocorrer como sinónimo de forma de açúcar. Sabemos que os termos transplantados, como é o caso de sino, levado da ilha da Madeira para o Brasil e, através de Canárias, para Cuba, podem conservar o significado primitivo ou sofrer alterações de significado. Por

isso, neste caso, apenas podemos acrescentar que o açúcar resultante da cristalização (e purga) no sino, por este ser uma forma grande, seria menos purgado do que o das formas mais pequenas. Contudo, a definição do termo sino não é muito clara, confundindo-se com o termo forma de açúcar, embora se pudesse distinguir pelo tamanho e/ou pela existência ou não de furo no vértice.

O termo forma de açúcar denomina o molde cónico de barro cozido, com um furo no vértice, usado para purgar o açúcar, fazendo os pães de açúcar. Na documentação que consultámos, a primeira atestação do termo forma ocorre, na Sicília e em Valência, em inícios do século XV, surgindo já, na Madeira, em meados do mesmo século. Assim, na Sicília, registámos o termo furmis em 1411: «zucchero cum furmis et cantarellis», a par de forme di miele (1452), forme di zuccaro (1452), furmas (1443): «furmas plenas zuccari mellis stantes subtus cretam».

Em Valência encontrámos formas (1415): «mille et quingentas formas pro operando los sucres cum mille et quingentis canterellis operis terre bonas», formes (1435): «304 formes plenes de çucre», formas del çucre (1514): «una heina de ferro per a penjar las formas del çucre».

Na ilha da Madeira, o termo formas ocorre em 1452: «o meu terço do dito açucar que me ha de dar asy ho das formas como de panella apurado» (Melo 1972-1990, I: 8), em 1471: «faziam grrandes formas que as fezesem todas per huua vitolla de sete e oyto em arrova» (Costa 1995: 40) e formas do açuquar em 1505: «que nemhum laurador que rrefinar melles seja tam ousado de os purgar na casa de purgar homde se purga o açuquar por quoamto somos emformado que alguns rrefinam e fazem leuar has formas do açuquar de melles aa casa domde se purga ho açuquar das canas» (Rodrigues 1964: 137).

Nas Canárias, registámos formas de azúcar (1509): «se hizo 600 formas de azúcar», com a variante formas (1527): «las dichas casas e fabricación de los azúcares e com todas las formas e signos e porrones e faros e tinglados e todas las otras cosas e aparejos.» (Fabrellas 1962: 470) e formas de açúcar (1531): «y el señor del engeno sea obligado a le dar la mytad de las formas de açúcar y espumas y respumas que se fizieren cada diez partidos en el tendal.» (Morales Padrón 1974: 148). Também encontrámos o termo formas em S. Tomé, em 1529: «E asy das caldeiras de cobre e feragem e formas e synos e tigello e feramenta.» (Brásio 1952, MMA I: 513) e, em Cabo Verde, em 1600: «engenho moente e corrente e com todos seus aviamentos, trapiche, boi, cobre, formas, madeiras e lenha» (Corpo Documental 303). No Brasil, registámos formas de assucar (século xvi): «Em cada tarefa se gasta uma barcada de lenha que tem doze canadas, e deita sessenta formas de assucar branco, mascavado, mole e alto. Cada forma tem pouco mais de meia arroba, ainda que em Pernambuco se usam já grandes de arroba.» (Cardim: 320), com as variantes formas e formas do assucar (1711): «Das três temperas do melado e sua justa repartição pelas formas (…) Das formas do assucar e sua passagem do tendal para a casa de purgar» (Antonil: 72 e 75). Em Granada, também encontrámos formas (1582): «las formas que se pusieren an de ser de la marca de la villa» (Domínguez Garcia 1991: 37), com a variante formas de açúcar (1607): «la marca que an de tener las formas de açúcar que en ella se fabrican» (Dominguez Garcia 1991: 39). Nesta região, o termo forma de açúcar apresenta o sinónimo pilones (1680): «se pasan tres años el primero se llaman las cañas segunderas, el segundo alifas, el tercero se gasta en molerlas, quajarlas, blanquear los pilones y sus procedidos y venderlos.» (Dominguez Garcia 1995: 151), com a variante pilones de açúcar (1680): «a pocos dias de blancos los pilones de açúcar los 6 5

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encierra el administrador.» (Dominguez Garcia 1995: 223). Em Granada, o termo pilón de azúcar designa o pão de açúcar de forma cónica e, por extensão semântica, a forma de açúcar, sendo termos sinónimos. A estreita relação existente entre o pilón ou pão de açúcar e o seu molde ou forma do açúcar suscita alguma confusão semântica entre os termos formas e pilones.

Em Valência, em Granada e no Brasil, registámos também a expressão forma de barro, vaso cónico de barro usado na manufactura do açúcar, termo composto pelo nome forma com o complemento determinativo introduzido por preposição de barro, em que o segundo elemento do termo indica o material de que é feita a forma. Em Valência, encontrámos a denominação formes de terra, com o sinónimo vassos de tierra (1564): «e otros que conoscen el punto del azúcar lo ponen en vassos de tierra donde se resfria y quaja y se hazen los panes del azúcar.» (Barceló & Labarta 1988: 190), para referenciar o mesmo conceito.

Em Valência, encontrámos ainda o termo formas magnas (1433) e, na Sicília, forme grosse (1452), com a variante furmi grandi (1584). Na Madeira formas grandes (1471) e em Granada também formas grandes (1607), em que o segundo elemento do termo complexo indica o tamanho da forma.

O termo forma pequena ou forminha denomina a forma de açúcar de tamanho pequeno, utilizada para fazer o açúcar refinado. A primeira atestação que registámos deste termo ocorre em Valência, formas de refinar (1431) e formas paruas (1433), na Sicília forma piccola (1584). Na Madeira, encontrámos o termo forminhas pequenas: «setemta forminhas pequenas», no Inventário de bens de Zenóbio Acciaiolli de 15982, e, em 1649, formas pequenas: «bom assuqure branco fino de formas pequenas» (Vieira 1996: 123). O segundo elemento do termo complexo formas pequenas indica o tamanho da forma e, em forminhas pequenas, o tamanho da forma de açúcar é indicado de forma pleonástica pelo sufixo diminutivo –inha e pelo adjectivo pequena. No caso de formas de refinar, o complemento determinativo, introduzido por preposição de refinar, indica a função destas formas de açúcar.

Na produção açucareira mediterrânica, existiam formas de açúcar grandes e formas pequenas de refinar. As formas grandes eram utilizadas na purga do açúcar de uma cozedura e as formas pequenas na purga do açúcar refinado de duas

cozeduras e de três cozeduras, ou seja, eram formas de refinar o açúcar, pois quanto mais refinado mais pequeno era o pão de açúcar.

Na ilha da Madeira, com o desenvolvimento da cultura açucareira, parece ter surgido uma forma de açúcar ainda maior que as formas grandes, daí a necessidade da nova denominação sino, a par da cerâmica mediterrânica já existente: forma de açúcar, forminha e jarro de Castela (sinónimo do termo valenciano porrão que curiosamente não ocorre na documentação histórica consultada). Como podemos ver, no Testamento de António Teixeira de 1535, ocorrem os termos sinos, formas e jarros de Castela: «3 jarros de castella de recolher o mel, 90 signos de melles, 900 formas (…) 2 andaimos de sinos de seis taboas cada andaimo» e, no inventário de bens de Zenóbio Acciaiolli de 1598, enumeram-se, para além de muitos outros bens, as formas do engenho. Neste documento, surgem os termos sinos, formas e forminhas pequenas: «mil e seiscentas e trinta formas que servem do açúcar (…) novecentas e sesenta formas que foram avaliadas (…) quarenta sinos que estavam cheos (…) setemta forminhas pequenas». Os termos sinos, formas e forminhas pequenas parecem denominar respectivamente as formas grandes, as formas médias e as formas pequenas, usadas na cristalização e purga do açúcar de cana, correspondendo a três diferentes tipologias de formas. A existência desta tipologia parece ser confirmada pelo estudo de Élvio Sousa, Arqueologia na área urbana de Machico. Leituras do quotidiano nos séculos XV, XVI e XVII, que, ao analisar centenas de fragmentos de formas de açúcar, afirma que os exemplares identificados correspondem a três tipos de formas com furos nas pontas: «um de maiores dimensões, que se veio a admitir que possam corresponder aos sinos (…) apresentando um bordo emoldurado com engrossamento externo; um segundo tipo, de tamanho intermédio (…) também de bordo espessado externamente do tipo emoldurado; e um terceiro, nitidamente de menores dimensões, sem moldura exterior, exibindo um bordo ligeiramente espessado e lábio arredondado.» (SOUSA 2003: 182).

Actualmente, no Brasil, na produção açucareira artesanal e rudimentar de Minas Gerais e do Nordeste Brasileiro, já não existem formas de açúcar feitas de barro, de molde cónico e com um furo no fundo para purgar o açúcar, mas existem formas quadradas de madeira, usadas no fabrico de rapadura (açúcar de cana bruto, mascavado ou não purgado), em que não se separa o açúcar do mel, tal como acontece com o açúcar da terra de Cabo Verde. Nesta região, onde ainda encontrámos os termos e as técnicas da antiga manufactura açucareira, registámos o termo forma, em Santiago, nomeadamente forma de açúcre, com as variantes forma de açúcra e forma, e os termos correspondentes: forma de barro, forma de metal, forma de coco, forma de palha de bananeira, forma de pano. Enquanto, em Santo Antão, registámos forma de açúcar, com a variante forma e os termos equivalentes forma de mel e forma de pano ou forma de fazenda. Como podemos ver, através das denominações recolhidas, a forma de barro tende a ser substituída por formas feitas de outros materiais (de coco, de metal, de pano, etc.), deixando de apresentar um buraco no fundo, uma vez que o açúcar cristaliza sem ser purgado. Na documentação oral de Cabo Verde, registámos ainda o termo forminha para designar a forma de açúcar pequena usada para fazer o denominado açúcar de 2. Agradecemos à Professora Doutora Isabel Santa Clara Pestana que muito gentilmente nos indicou a existência e o interesse relativamente à produção açucareira deste documento que se encontra no Arquivo Regional da Madeira, em Famílias e Pessoais, Arquivo da Família Bettencourt Mimoso, S4, E5, P1, nº 5.

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nata ou açucrinha, em que a forma diminutiva do termo indica o seu tamanho pequeno, relativamente às formas de açúcar grandes. Com a industrialização do fabrico do açúcar de cana, a partir da segunda metade do século XIX, as formas de barro de purgar o açúcar foram substituídas pelas turbinas que lavam e clareiam o açúcar pela acção da força centrífuga.

O termo jarro de Castela denomina, como já referimos, o vaso de barro colocado debaixo das formas para recolher o mel resultante da purga do açúcar. As primeiras designações deste conceito ocorrem na Sicília, com o termo cantarellis (com a variante cantarelli di meli) e, em Valência, com os termos canterells (1415) e porrons (1415), com as variantes porronis (1433), porrones (1439) e porrons de terra (1607), e ainda porrón (1766): «la forma se asienta sobre una tinagilla de barro, que llamamos porrón, en que se reciben las heces, que purgan el azúcar.» (Pérez Vidal 1973: 78). Para além dos termos referidos, encontrámos ainda os sinónimos gerras melerias, jarica e tinagilla de barro. Segundo Pérez Vidal (1973), em Valência, porrón é um termo específico, enquanto os termos canterell, jarrica e tinajilla são nomes genéricos. A documentação de Valência mostra-nos que os porrons não se destinavam somente ao processo de fabricação de açúcar, sendo também utilizados como recipientes na comercialização dos produtos açucareiros. Na documentação histórica consultada da ilha da Madeira, não ocorre o nome porrões como termo especializado da produção açucareira. Apenas registámos a expressão jarros de castella, em 1535, para designar o recipiente colocado debaixo das formas de açúcar para receber o mel que escorria destas: «2 tinas grandes de

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cedro de receber o mel, 2 coxos grandes de ter mel, 3 jarros de castella de recolher o mel» (Testamento Teixeira). Na língua portuguesa, jarro é um nome genérico que designa um recipiente utilizado para depositar e transportar vários líquidos. No entanto, o termo jarros de Castela remete para um recipiente específico da produção açucareira, importado de Castela. Nas Canárias, registámos o termo porrones, em 1527, numa enumeração de variados recipientes pertencentes ao engenho: «las dichas casas e fabricación de los azúcares e com todas las formas e signos e porrones e faros e tinglados e todas las otras cosas e aparejos a las dichas cosas e ingenio anexas e pertenecientes.» (Fabrellas 1962: 470). Em Granada, encontrámos o termo porrones (em 1553): «treze porrones com myel de cañas» (Fabregas Garcia 1999: 143), com os sinónimos cantaros e vasijas de barro (1680): «en estando quaxadas y eldas las formas, se llevan a unos quartos donde descubierto el abugero las sientan de punta en unas vasijas de barro que llaman porrones, donde esta purgando la miel, que llaman de prima.»

(Dominguez Garcia 1995: 154). Como não registámos nenhuma ocorrência do termo porrões na documentação histórica madeirense e uma vez que este termo apresenta a forma castelhana porrones nas Canárias, é provável que esta unidade terminológica tenha passado de Valência para Granada e para Canárias.

Com o desenvolvimento da produção açucareira, nos engenhos da ilha da Madeira, parece ter-se incrementado um novo processo de recolha do mel que escorria das formas, na purga do açúcar. Trata-se de um sistema de correntes de furo das formas, tábuas com buracos redondos onde se colocavam as formas de açúcar a purgar, e correntes de pao ou canais de madeira inclinados, colocados debaixo das tábuas de furos, que conduziam o mel que escorria das formas de açúcar para o tanque do mel, pois, no Mediterrâneo, as formas eram colocadas sobre jarros de barro que recebiam o mel da purga do açúcar. O novo sistema de recolha do mel, resultante da purga do açúcar, parece dever-se à grande produção de açúcar e ao elevado custo da importação de cerâmica, sendo o sistema adoptado também na produção açucareira de Canárias e do Brasil.

Registámos as primeiras denominações destes conceitos, em inícios do século XVI, nas Canárias, com a forma furos e corrientes (1507): «G. F. y P. L., aserradores, se obligan a hacer a H. de H. 24 docenas de tablas para furos y corrientes de su ingenio.» (Pérez Vidal 1991: 227). Segundo Pérez Vidal (1991), nas Canárias, furos é a tábua horizontal com furos onde se colocam as formas a purgar, sendo um portuguesismo da ilha da

Madeira, tal como correntes. Na Madeira, encontrámos os termos correntes de furo das formas e correntes de pao (1535): «2 andaimos de sinos de seis taboas cada andaimo com suas correntes de pao; 6 correntes de furo das formas» (Testamento Teixeira). No engenho de António Teixeira, este sistema de purga surge juntamente com os jarros ou porrões importados de Castela, utilizados para colocar debaixo das formas na purga do açúcar, como referimos acima. No inventário de bens de Zenóbio Acciaiolli (1598), não existem jarros de Castela ou porrões. As formas de açúcar eram colocadas a purgar em andaimos de madeira, feitos de tábuas com furos e de correntes ou bicos de pau, que conduziam o mel que escorria das formas para um tanque: «cento e quarenta e outo taboas de furos e outras tantas bicos com seus cavalletes (…) hum andaimo de madeira». No Brasil, registámos o termo mel de furo, que denomina o mel que escorre das formas e que volta a ser cozido para fazer açúcar batido, a par dos termos taboado furado e correntes (1618), para designar respectivamente a tábua com furos onde se colocavam as formas a purgar e os canais de madeira que conduziam o mel da purga para um tanque: «sobre taboado que está furado se assentam as tais formas, com lhes abrirem um buraco que têm por baixo, por onde vão purgando o mel sobre correntes do mesmo taboado» (Brandão: 99). Em Antonil (1711), encontrámos o termo bicas, forma feminina do nome bicos que já ocorre no inventário de Zenóbio Acciaiolli (1598), como sinónimo de correntes: «Repartem-se as andainas por quartéis de taboas abertas (…) debaixo das ditas taboas assim abertas ha outras tantas taboas do mesmo comprimento, cavadas à maneira de regos e inclinadas na parte dianteira, que servem de bicas ou correntes, por onde corre o mel, que cae dos buracos das formas, em que se purga o assucar, aos tanques enterrados» (Antonil: 77).

Referências bibliográficas

Conclusão

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A contribuição da arqueologia, nomeadamente no que se refere à tipologia dos recipientes cerâmicos do açúcar, é fundamental para esclarecer as questões terminológicas e tecnológicas da cerâmica do açúcar, designadamente a distinção formal entre os sinos, as formas de açúcar, as forminhas e os jarros de Castela ou porrões. O conhecimento da terminologia da cerâmica do açúcar de cana pretende contribuir para a valorização do património linguístico-cultural madeirense, relacionado com a produção açucareira, actividade histórica e tradicional da ilha da Madeira.

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Legenda das Figuras 1 e 2 - Imagens do inventário de bens de Zenóbio Acciaiolli, Arquivo Regional da Madeira, Arquivo da Família Bettencourt Mimoso, S4,E5, P1, n.º5.

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