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O súdito e O súdito e a majestade a majestade

Na cidade de Anadia, interior de Alagoas, o ambientalista Dimas Cavalcante, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Miguel, guarda um tesouro: a impressionante coleção que percorre a vida e obra de Luiz Gonzaga

Por Deisy Nascimento / Fotos: Edson Oliveira

Quem chega à casa do alagoano Dimas Cavalcante, presidente do Comitê da Bacia Hidrográfica do Rio São Miguel, na cidade de Anadia, interior do estado, não tem dúvida: ali mora um fã de Luiz Gonzaga. Para começo de conversa, o visitante é recepcionado por uma estátua do rei do baião, talhada em madeira, em tamanho natural. A presença impõe respeito, afinal o pernambucano de Exu tinha 1,94 m. Ao adentrar o recinto, depara-se com uma memorável coleção de discos raros, objetos inusitados, fotografias, revistas e livros que contam a trajetória de um dos mais importantes artistas brasileiros, nascido em 1912 e morto em 1989, aos 77 anos.

“Meu nome é Luiz Gonzaga. Não sei se sou fraco ou forte. Só sei que, graças a Deus, té prá nascê tive sorte”: e foi com o poema biográfico, publicado pelo jornal Última Hora, edição de 16 de setembro de 1971, que Dimas começou a mostrar o valioso acervo. “A primeira canção que tratou do Velho Chico foi ‘Riacho do Navio’, composição de Zé Dantas e Luiz Gonzaga, gravada em 1955, em disco de 78 rotações”, disse ele, mostrando uma das preciosidades de sua coleção. A princípio, o que chamou a sua atenção na obra de Luiz Gonzaga foi o sentimento tão fundo do sertão, traduzido em músicas que resgatavam a sua própria vivência de sertanejo. Como bem dizia a letra de “Riacho do Navio”: “Sem rádio e sem notícias das terra civilizada”.

Tudo começou quando tinha 10 anos e ouvia nos autofalantes de Anadia a voz de Luiz Gonzaga. No ar, ressoavam outros bambas, como Jackson do Pandeiro, mas o que ele gostava mesmo era daquele sertanejo arretado. Na juventude, mergulhou numa profunda pesquisa das referências musicais do artista, além de comprar revistas, livros, tudo que contasse um pouco da vida do ídolo. Ao longo dos anos, acumulou peças que pouquíssimos colecionadores têm acesso, algumas únicas e de enorme valor sentimental. Ironicamente, porém, só viu Gonzagão ao vivo uma única vez, num show em Maceió, no Trapichão.

“Acabei conhecendo Daniel Gonzaga, filho de Gonzaguinha, Joquinha Gonzaga, sobrinho de Luiz Gonzaga, que seguiu seus passos, mora em Exu (PE) e cuida da fundação Vovô Januário”, relatou Dimas. “Luiz Gonzaga tocava o coração das pessoas. Sua morte trouxe grande tristeza. Tinha orgulho de ser nordestino, era um ícone que exaltava o Nordeste e colocou a região na rota da música. Suas canções sempre traziam histórias tristes, alegres, mas relatos verdadeiros do sertão”.

De Exu para o mundo

O ambientalista sabe de cor a biografia do pernambucano. Luiz Gonzaga nascera na fazenda Caiçara, em Exu, interior de Pernambuco, no dia 13 de dezembro de 1912. O pai chamava-se Januário e a mãe, dona Santana. Teve oito irmãos: João (Joca), Zé Januário, Severino, Aluísio, Geni, Socorro, Muniz e Chiquinha. O gosto pela música herdou do pai, que tocava fole de oito baixos e consertava sanfonas. De acordo com Dimas, foi uma infância feliz, apesar da dureza da Caatinga. “Em suas músicas sempre buscou relatar a própria vida, dos parentes, dos amigos, do sertão, do Nordeste”, comentou. “Mas precisou dar uma pausa na sua carreira como sanfoneiro porque entrou no exército, onde trocou a sanfona pela corneta”.

No início dos anos 40, de mudança para a capital da República, o Rio de Janeiro, Luiz Gonzaga cantou em bares e cabarés. Vestido de terno e gravata, como era a moda entre os músicos profissionais, não empolgava ninguém. Até que, numa bela noite, conseguiu se apresentar no programa de Ary Barroso, na famosa rádio Nacional. “Tocou um estilo ainda desconhecido, o vira-e-mexe, e levou o público ao delírio”, relatou Dimas. “Luiz Gonzaga tinha visão, era um gênio. No Rio de Janeiro, logo percebeu que, para fazer sucesso, tinha que tirar o terno e assumir as raízes nordestinas. Foi assim que adotou o gibão de couro e o chapéu”.

De acordo com Dimas, daí em diante, Luiz Gonzaga virou o ícone que o Brasil inteiro conhece, apresentando ao país, além do baião, o xaxado, o forró coco, o arrasta pé e a marchinha junina, influenciando grandes artistas, como Raul Seixas, Alceu Valença, Geraldo Vandré, Elba Ramalho, Geraldo Azevedo, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Tim Maia e Fagner. “Quase todos os grandes regravaram alguma música dele”. Apesar do sucesso, nunca abandonou as raízes: “Ele foi para a cidade grande, mas seu coração foi sempre do Sertão”.

Na Marquês de Sapucaí

Entre as histórias que marcaram a vida de Luiz Gonzaga, como a relação tumultuosa com o filho Gonzaguinha, Dimas mostrou uma revista trazendo os bastidores da última grande homenagem ao ídolo. Em 2012, a escola de samba Unidos da Tijuca desfilou sob o enredo “O dia em que toda a realeza desembarcou na Avenida para coroar o Rei Luiz do Sertão”. “Guardo essa revista com muito cuidado e carinho. Essa é uma peça de colecionador e poucos tiveram ou terão a oportunidade de tê-la”, explicou Dimas. “Luiz Gonzaga não foi homenageado à toa. Ele deixou um grande legado musical e de representatividade nordestina. Ressalto o quanto ele foi revolucionário para os padrões da época e sigo dizendo que por meio dele outros artistas tiveram seus trabalhos reconhecidos”.

Para levar Luiz Gonzaga para a avenida, a bateria da Unidos da Tijuca misturou forró e samba. O samba-enredo conclamou a torcida: “Canta Tijuca. Vem comemorar. Inté Asa Branca encontrar o pavão para coroar o rei do baião”. Como não podia deixar de ser, naquele ano de 2012, a escola sagrou-se campeã do carnaval carioca. “Para mim, ele vai ser sempre o maior artista brasileiro e jamais será esquecido”, finalizou Dimas.

O colecionador Dimas Cavalcante

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