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Plantando Plantando água água

Na zona norte de Belo Horizonte, moradores da Ocupação Izidora encontraram nas práticas da agroecologia a fórmula para produzir alimentos saudáveis, preservando a natureza e a diversidade cultural

Por Mariana Martins Fotos: Bruno Figueiredo e Lucas Bois

Em 2015, a Ocupação Izidora, na zona norte de Belo Horizonte (MG), entrou para o imaginário nacional como símbolo de resistência. Naquele ano, no maior conflito fundiário urbano já visto no país, cerca de 30 mil moradores protagonizaram uma ferrenha batalha pelo direito à cidade e à moradia. O terreno de 900.000 metros quadrados havia sido ocupado em 2013, por oito mil famílias sem-teto, que deveriam ser expulsas para dar lugar a um megaempreendimento comercial. Com a mobilização, angariando o apoio de movimentos sociais da capital mineira, a comunidade venceu a guerra. Cinco anos depois, o Izidora abriga uma experiência pioneira de agroecologia. Segundo o engenheiro florestal João Portella Sobral, do Coletivo Agroecologia na Periferia, a preservação ambiental teve papel fundamental para garantir a integração de posse aos moradores: “A conservação do meio ambiente está na origem dessa luta”.

Afinal, o que é agroecologia? De acordo com o Dicionário da Educação do Campo, publicado em 2012 pela Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio (EPSJV/Fiocruz), trata-se de “um conjunto de conhecimentos sistematizados, baseados em técnicas e saberes tradicionais (dos povos originários e camponeses) que incorporam princípios ecológicos e valores culturais às práticas agrícolas”. Para João Portella, a agroecologia vai muito além de produzir alimentos sem agrotóxicos: “Falar de agroecologia é falar de preservação ambiental, conservação das águas, do respeito às diversidades culturais, de gênero, de religião. Em suma, de formas mais cordiais e solidárias entre homens e mulheres”, comentou.

Moradores do Izidora desde os primórdios da ocupação, o casal Ana Maria Souza e José Adão da Silva cultiva hortaliças, frutas e legumes no quintal de casa. Durante o processo de implantação da comunidade, a dupla conheceu a agroecologia, por meio de grupos como a AMAU (Articulação Metropolitana de Agricultura Urbana) e o Coletivo. “No começo eu fiquei com um pé atrás. Não acreditava que dava para plantar sem veneno. Lá no Norte de Minas, de onde eu venho, a gente mexia com horta também, mas tudo com adubo químico”, lembrou José Adão. Ele conta que, aos poucos, percebeu que não só dava como era melhor produzir sem fertilizantes químicos. “Fui vendo que ia brotando e fui gostando. Aí parei de usar produto químico”, diz ele. A diferença se sente no bolso e na mesa, garante. “Barateou muito o custo. E o sabor da verdura também melhorou, o cheiro… Só de andar na horta você já sente”.

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Além de alimentos mais saudáveis, as práticas agroecológicas, conforme explicou João Portela, reduzem em 90% o uso de água: diversificação da produção, estratificação por altura (plantas de diferentes alturas no mesmo terreno) e cobertura do solo. “A cobertura do solo não deixa a água evaporar, ajuda na infiltração. O solo se mantém fresco, então facilita a conservação da umidade. Qualquer água que venha de um processo erosivo para na cobertura do solo e tem a tendência de infiltração, abastecendo o lençol freático. Plantar água deve ser entendido como o processo de infiltração de água no solo”, comentou o engenheiro florestal.

O terreno do Izidora ainda possui mata nativa – uma transição entre a Mata Atlântica e o Cerrado, e guarda cerca de 200 nascentes e 64 córregos. Segundo Paula Cristina Fonseca da Silva, conhecida na comunidade como Paulinha, a preservação das nascentes é prioridade devido à falta d’água na região. “Tem um setor da ocupação onde não chega água, então eles canalizaram uma nascente e utilizam a água para abastecimento próprio. A gente também fura poços para garantir água. Mas tudo é feito com cuidado, plantando em volta das nascentes para que a água fique mais pura”, contou ela.

Por outro lado, há a preocupação constante com a qualidade da água consumida. “A gente já pediu estudos em relação a isso diversas vezes, mas ninguém vem fazer. Mas todos aqui são muito precavidos. Mesmo com a falta de infraestrutura (não temos esgoto, por exemplo) a gente tenta ao máximo preservar. Já fizemos uma fossa ecológica na comunidade e temos projeto para mais uma. A fossa ecológica ajuda na conservação do solo e é uma solução para evitar que as pessoas façam suas próprias fossas de maneira incorreta, poluindo o solo. O custo é muito alto para uma população carente como a nossa, mas pretendemos fazer mais”.

O agro não é pop

“A agroecologia está para a vida, assim como a agricultura convencional está para a morte”, afirmou o engenheiro florestal João Portella. “De toda a água consumida no Brasil, 70% é gasta na agricultura e uma parte muito considerável é perdida com as práticas ineficientes utilizadas na agricultura convencional, com uso de pivô central, sistema de irrigação por sulcos de grandes volumes que causam uma perda por evapotranspiração gigantesca”.

Na agricultura convencional prevalece a busca da maior produtividade através da utilização intensa de insumos externos e predomina o cultivo de monoculturas, o que favorece o aparecimento de pragas, doenças e ervas invasoras, aumentando o uso de agrotóxicos. Ela visa, acima de tudo, produção, deixando em segundo plano a preocupação com a conservação do meio ambiente e a qualidade nutricional dos alimentos.

Um estudo do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) mostra que a produção e o consumo de produtos orgânicos no mundo têm crescido significativamente, impulsionados pela expansão da demanda por alimentos e bebidas orgânicas, principalmente nos países da Europa e da América do Norte, além da China, que se tornou o quarto maior mercado de orgânicos no mundo, desde 2013, atrás somente dos Estados Unidos, da Alemanha e da França. O crescimento médio anual das vendas no varejo de produtos orgânicos no mundo foi superior a 11%, no período de 2000 a 2017.

No Brasil, o estudo mostra que a produção e o consumo de produtos orgânicos também aumentaram, mas em um ritmo mais lento. A demanda foi impulsionada não somente pelo mercado externo, mas também pelo mercado doméstico. O papel das compras institucionais para a alimentação escolar e os serviços de alimentação de alguns órgãos governamentais possibilitou a valorização da produção orgânica, especialmente da agricultura familiar.

Apesar disso, a produção orgânica no Brasil enfrenta inúmeros desafios. O Brasil é o maior consumidor de agrotóxicos do mundo. Para Portella, “essa é uma luta de Davi contra Golias. Se você olhar quanto do financiamento agrícola do governo vai para a agricultura convencional e quanto vai para a agroecologia, chega a ser vergonhoso. A diferença é gritante, é uma luta muito desigual. Mas sim, é possível enfrentar o agronegócio. É trabalho de formiguinha, e cada vez mais tem gente trabalhando no sentido de promover a agroecologia”.

97% da água no mundo é salgada e apenas 3% é doce. Destes, 2% estão em geleiras e 1% é a quantidade de água disponível para consumo. Do total de água doce disponível para consumo, estimase que 70% é consumido pela agricultura, 23% pela indústria e 7% é a quantidade para consumo humano.

Prefeitura de Belo Horizonte incentiva hortas comunitárias

Um projeto piloto do chamado Programa Territórios Sustentáveis foi implantado na Ocupação Izidora, com o objetivo de investir no fortalecimento da agroecologia e da agricultura urbana, favorecendo a segurança alimentar, a geração de renda, a conservação ambiental e a inclusão social.

Criado em 2017, por meio da Secretaria Municipal de Assistência Social, Segurança Alimentar e Cidadania, o programa que incentiva a plantação de hortas comunitárias fornece mudas e sementes, auxilia no desenvolvimento de quintais produtivos, oferece oficinas de formação e apoia o processo de organização para a comercialização quando a produção excede o consumo doméstico. O programa também orienta os moradores sobre cultivo de alimentos dentro dos princípios da agroecologia, sem uso de agrotóxicos, com baixo consumo de água, buscando a produção sustentável de alimentos saudáveis e recuperando o meio ambiente.

A ocupação Izidora conta com três áreas produtivas nos territórios Rosa Leão, Esperança e Vitória, beneficiando 116 famílias que recebem visitas periódicas de técnicos da Subsecretaria de Segurança Alimentar e Nutricional. Os técnicos acompanham o desenvolvimento das plantações e auxiliam em diferentes demandas relacionadas à agroecologia e à sustentabilidade. Outros órgãos municipais também participam do programa.

A SLU (Superintendência de Limpeza Urbana), por exemplo, auxilia na orientação sobre a produção de compostagem com o lixo orgânico, o que permite tanto a adubação natural das hortas quanto a diminuição da quantidade de resíduos que é depositada nos aterros sanitários.

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