Relatório CET-Rio

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Projeto Criança Pequena em Foco

Relatório parceria CET-Rio: Trânsito Seguro com Participação das Crianças Pequenas

CECIP Centro de Criação de Imagem Popular FBvL Fundação Bernard van Leer Instituto C&A IPP Instituto Pereira Passos CET-Rio Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de

Janeiro

Centro de Criação de Imagem Popular Rua da Glória, 190, sala 202, Glória 20241-180 · Rio de Janeiro · RJ Tel/Fax (55 21) 2509 3812 E-mail cecip@cecip.org.br . www.cecip.org.br CNPJ – 29.260.676/0001-04


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Índice 1. Apresentação .................................................................. 3 2. Justificativa ...................................................................... 7 3. Transformar falas de crianças em políticas públicas ........ 9 4. Ação experimental ..........................................................11 a. Oficina com crianças pequenas sobre caminho casaescola ............................................................................11 b. Realizando intervenções com a participação das crianças .........................................................................21 5. Conclusão ......................................................................25 6. Glossário ........................................................................28 7. Equipe CECIP ................................................................29 8. Equipe CET-Rio..............................................................30 9. Equipe Rio+Social ..........................................................31

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1. Apresentação O Projeto Criança Pequena em Foco (CECIP) realizou, durante o ano de 2013, em parceria com a Prefeitura do Rio de Janeiro, através do Programa Rio+Social1 e da Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CET-Rio)2, uma ação experimental para promover a inclusão da participação de crianças pequenas (6 anos) na formulação e Fachada da Escola Municipal Professor Affonso Várzea.

implementação de políticas públicas na área do trânsito. A ação experimental foi realizada como um a complementação ao projeto “A caminho da escola”, da Companhia de Engenharia de Tráfego do Rio de Janeiro (CET-Rio). O êxito da parceria com o projeto Criança Pequena em Foco abriu portas para um projeto de parceria mais amplo, que será realizado em conjunto com estas instituições entre 2014 e 2017. O Centro de Comunicação e Educação para o Trânsito (CCE) da CET-Rio, desde 2008, desenvolve o projeto “A caminho da escola” que consiste em visitas a escolas municipais levando uma apresentação teatral e uma série de atividades relacionadas a uma proposta de trânsito

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O Rio+Social Programa da prefeitura do Rio de Janeiro que tem como missão mobilizar e articular políticas e serviços municipais nos territórios com Unidade de Polícia Pacificadora. Até 2014, seu nome era UPP Social. 2

A CET-Rio é um orgão da Prefeitura do Rio de Janeiro responsável pela organização do trânsito da cidade.

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seguro para crianças. Entre as ações realizadas, as crianças de 9 a 11 anos produzem uma maquete e preenchem um questionário com o diagnóstico que elas fazem do trânsito da região no entorno da escola. Esse material é enviado para o setor de engenharia da CETRio que faz sua avaliação técnica e, quando possível, realiza intervenções concretas na área. A ação experimental, realizada no âmbito da parceria entre CECIP, Rio+Social e CET-Rio, complementar à ação do “A caminho da escola”, visou desenhar um modelo metodológico e realizar uma ação bem-sucedida para demonstrar aos gestores públicos, tanto da própria CET-Rio como de outros contextos, que a participação das crianças pequenas (até 8 anos) é viável e pode contribuir para o aperfeiçoamento de uma gestão de qualidade. Entendemos que a participação da população (em geral e das crianças) na elaboração de intervenções em suas comunidades, bairros ou cidade, é fundamental para a apropriação e aceitação dessas transformações. Incluir a participação infantil nas discussões sobre problemas e soluções de trânsito nos locais onde elas circulam colabora para torná-las conscientes e atentas, o que pode ajudar acidentes, além de formar agentes propagadores das mudanças. A ação experimental foi feita numa escola que atende os moradores da favela Complexo do Alemão, no Rio de Janeiro, com crianças da Escola Municipal Professor Affonso Várzea, envolvendo também o corpo docente e a associação de moradores local. Durante o processo, foram realizadas três oficinas com uma turma de crianças do 1º ano da escola (com cerca de 6

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anos) para provocar uma reflexão sobre o caminho que percorrem da casa à escola e, a partir do levantamento de hipóteses e questões, estimulá-las a pensarem soluções para os problemas que venham a identificar. Como solução a um desses - o desrespeito ao sinal próximo à escola - elas sugeriram a colocação de uma placa com os dizeres: “Respeite o Sinal”. Neste processo, é importante ouvi-las e, na medida do possível, acatar suas sugestões em uma negociação, mesmo quando parecem redundantes. Para elas, uma placa com esses dizeres é necessária, pois o desrespeito ao sinal mostra que só o sinal não basta. Em seguida, foi feita uma reunião com a participação dos parceiros envolvidos no projeto e de algumas crianças representantes da turma. Nesta reunião foram reunidos os diagnósticos feitos pelas crianças do 1º ano, durante as oficinas do CECIP, aqueles realizados nas oficinas da CETRio com crianças mais velhas, os dos professores, assim como recomendações produzidas pela equipe do programa Rio+Social a partir da opinião dos moradores adultos da comunidade. Nesse encontro também foram discutidos os passos seguintes, como um passeio à fábrica de placas da CET-Rio, além das tarefas de cada instituição para essa ação integrada. As crianças visitaram a fábrica de placas da CET-Rio, onde produziram a placa pensada por elas. A sinalização foi, posteriormente, instalada no local indicado pela turma. Em seguida, foi realizada uma vistoria no entorno da escola, quando as demandas das crianças e adultos foram colocadas para a equipe técnica da CET- Rio, que se comprometeu a executá-las assim que possível.

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Como desdobramento dessa experiência-modelo, será realizado um novo projeto com duração de três anos, com a parceria da CET-Rio e do Rio+Social. O Criança Pequena em Foco II tem o objetivo principal de prevenir a violência contra crianças. Serão construídas as diretrizes de uma política pública baseadas num modelo de ação com uma estratégia multifacetada, localizado em uma comunidade escolhida. Haverá participação das crianças e de suas famílias, envolvendo diversos outros atores para assegurar uma circulação segura das crianças dentro de um contexto de cultura de paz para redução da violência contra as crianças.

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2. Justificativa: Por que ouvir crianças pequenas? A ideia de escuta das crianças pequenas e sua inclusão na formulação e execução de políticas públicas vem sendo discutida em diferentes instâncias e espaços, numa parceria entre universidades, movimentos sociais e políticos, ONGs e o próprio poder público. Essa valorização parte de uma concepção, que vem se consolidando, de infância(s) múltipla(s) e da criança como sujeito produtor de cultura. Escutar as crianças abre um precedente inédito, uma mudança de paradigma, que contrasta com a concepção corrente de criança passiva e de infância como preparação para um devir. A ideia de escutá-las passa por um novo olhar por parte dos adultos, reconhecendo de que elas têm Desenho feito por uma menina mostrando com quem ela vai para a escola: mãe, irmão e prima.

muito a dizer e a contribuir, ao participarem de ações sociais e políticas a elas direcionadas. D

Portanto, deve-se estar atento a algumas questões: e 

s O que sabem as crianças? e

n Como significam as ações que lhes são direcionadas? h

O que o seu o olhar revela sobre o seu entorno, sobre as

ações das quais f participam? e Queremos provar a possibilidade de serem escutadas e de i terem suas opiniões, hipóteses, soluções e reflexões t incorporadas nas pautas das políticas públicas, abre uma o nova relação com o poder público, distinto em tudo do p o r u m a

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modelo atual, pois permite às crianças de se verem como sujeitos atuantes, cujas necessidades não só recebem atenção do poder público, como este poder as escutas e implementa sugestões feitas por elas. Ainda que as questões apresentadas pelas crianças não possam ser incorporadas de imediato ou não sejam totalmente viabilizadas pelo poder público, a escuta, permite que as crianças participem de um processo no qual podem viver, de forma relevante, sua contribuição à ação pública. Essa proposta entende a importância e estimula que a própria criança mobilize ações no seu entorno, assim como envolva a comunidade e outras entidades. Dessa forma, à medida que as crianças pequenas participam de processos com possibilidades de mudança com a escuta do poder público e participação de sua comunidade, elas vivenciam um lugar de sujeitos na transformação de sua realidade. Neste processo, sua posição como cidadãs fica enfatizada, num processo de aprendizado de cidadania, indelevelmente marcante nas suas vidas.

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3. O desafio de transformar falas de crianças em políticas públicas O Projeto Criança Pequena em Foco parte do princípio de que as crianças têm conhecimentos sobre as experiências que vivenciam e têm capacidade de elaborar propostas de soluções para os problemas que enfrentam. Queremos mostrar que o poder público deve incluir a escuta das crianças na elaboração e execução de políticas públicas destinadas a elas, já que as crianças têm Aluno da E.M. Prof. Affonso Várzea durante oficina sobre trânsito.

saberes específicos sobre sua realidade e ideias criativas para transformar os problemas que as afetam. Alguns desafios, no entanto, perpassam essa proposta: 1. Como ouvir as ideias das crianças pequenas a partir de suas formas singulares de expressão? 2. Como negociar com elas aquilo que pode ser realizado e o que não pode, entre o imaginário e a realidade do adulto? Como compatibilizar conhecimentos distintos sobre o mundo que vivenciam? 3. Como propiciar uma discussão entre as demandas das crianças e os agentes do poder público (permitido um diálogo entre as perspectivas infantis e os agentes com seus saberes técnicos), a partir de sensibilidade e metodologias apropriadas?

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Nesse sentido, acreditamos que adultos/colaboradores têm papel importante na colocação em prática dessa proposta, atuando como parceiros das crianças pequenas no processo como um todo. Por fim, apostamos que, neste caso específico, do caminho da casa à escola (no Complexo do Alemão), assim como em outros contextos, é possível, com participação de entidades locais, da comunidade, terceiro setor e do poder público e das próprias crianças, realizar ações que as beneficiem.

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4. Ação experimental A ação experimental ocorreu em etapas de diferentes objetivos. Além de oficinas, aconteceram reuniões entre todos os envolvidos no projeto e ações decorrentes das etapas iniciais, como a intervenção no trânsito e exposição de encerramento do projeto. a. Oficina com crianças pequenas sobre caminho casa- escola Crianças posicionando peças no jogo

No âmbito do Projeto Criança Pequena em Foco foram realizadas três oficinas com crianças de seis anos da Escola Municipal Professor Affonso Várzea, na comunidade da Nova Brasília, no Complexo do Alemão. As oficinas, realizadas com a turma 1101, tinham como objetivo estimular a reflexão das crianças pequenas sobre o caminho que fazem entre suas casas e a escola e, a partir do levantamento de hipóteses e questões, estimulá-las a propor soluções para os problemas que enfrentam. As oficinas aconteceram nos meses de junho e agosto de 2013 em articulação com a referida escola, o Rio+Social e a área de educação para o trânsito da CET-Rio. Na mesma semana na qual a equipe do CECIP realizou as duas primeiras oficinas com as crianças, a equipe da CET-Rio realizou ações do projeto “A Caminho da Escola” na mesma instituição com alunos mais velhos (entre 9 e 11 anos).

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Com a turma de crianças do 1º ano da escola, o objetivo foi contribuir metodologicamente na parceria com a CET- Rio, incorporando a participação e escuta das crianças menores. Metodologia As perspectivas e propostas de promoção da escuta e participação das crianças devem considerar suas especificidades, como sujeitos do seu tempo, imersos em experiências plurais, que se manifestam de forma distinta das de jovens e adultos e, que em parceria e colaboração com os adultos, são capazes de elaborar e sistematizar o que sentiram: Como as crianças se expressam? Como os adultos significam e dão visibilidade à escuta e Caderno de Metodologias Participativas

participação das crianças?

Nos encontros realizados pela equipe do Criança Pequena em Foco, na E. M. Prof. Affonso Várzea, tais perspectivas foram descritas por meio de oficinas planejadas e elaboradas de forma a possibilitar e estimular a fala e a escuta das crianças. Adotamos algumas estratégias abordadas no Caderno de Metodologias Participativas desenvolvido no primeiro ano do Criança Pequena em Foco, para viabilizar a escuta qualitativa do maior número de crianças possível (considerando as que desejam participar). Desse modo, as conversas foram construídas a partir de perguntas provocativas, que visavam estimular as colocações, observações e compreensões das crianças. Algumas estratégias adotadas para estabelecer um diálogo criativo com as crianças foram a realização de jogos, brincadeiras e desenhos. Foram preparadas

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conversas e perguntas provocativas, para estimular as suas colocações, observações e compreensões. O caráter dialógico das atividades é essencial, para que suas opiniões possam, de fato, serem expressas. Também foram realizados registros, escritos e gráficos, sugestão de elaboração de desenhos a partir do que vivenciam. É importante salientar que os registros cumprem dupla função no processo da oficina: primeiro, documentam o processo, o que torna possível construir materiais e dados para análises futuras; segundo, constituem memória coletiva do processo vivenciado, seja para os que propõem as oficinas, seja para os grupos que delas participam. Um exemplo disso é o fato de que, depois das oficinas realizadas com as crianças, os materiais produzidos com todo o grupo – crianças, professora e gestora – foram socializados com o grupo escolar, desdobrando-se em projetos e ações que, em alguma medida, reverberaram no grupo institucional. Desse modo, as oficinas impactam os envolvidos para além dos seus objetivos iniciais. Planejamento dos encontros Primeiro dia (10/06/2013): Reflexão e discussão com base na apreciação das fotografias. Planejamento: Objetivo: estimular/provocar as crianças a falarem de suas impressões, a partir de fotografias, sobre a proposta da oficina: trânsito, trajeto, caminho casa- escola, entorno da escola, situação do trânsito.

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Na chegada, realizar apresentação da equipe do CECIP para as crianças da turma. Convidar todos para fazerem uma roda e confeccionarem crachás para identificação. A seguir, conduzir uma conversa provocativa a partir da apreciação das fotos, com perguntas como: Você já viu o que está registrado nesta foto? O que é isso? As pessoas respeitam essas Crianças vendo as fotos das redondezas da escola

sinalizações que mostramos? Por que sim? Por que não? Que lugar é esse? Vocês usam algum desses transportes pra vir pra escola? Qual? Quem traz você? Como é que vocês vêm pra escola? Acha algo perigoso no caminho? Durante discussão, as opiniões são registradas em papel pardo. Ao final, são produzidos desenhos a partir daquilo que foi discutido. Segundo dia (11/06/2013): Jogo “Os caminhos das crianças da casa para escola”. Objetivo: que as crianças apontem no mapa o que reconhecem como problema no trajeto/caminho casaescola, bem como possíveis soluções. Planejamento: Depois de um exercício de fala e ecos do dia anterior, mostrar-lhes um mapa do entorno da escola e perguntar se sabem que lugar é aquele. Dividir o grupo para brincarem de posicionar sobre o mapa peças que possam compor o ambiente (placas, quebra molas, guardas, sinais de trânsito, faixas de pedestre, motos, carros, ônibus, kombis, pessoas,

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árvores). Estimular as crianças a brincarem com as peças em cima do mapa e, com isso, conversar sobre o porquê de suas escolhas e sobre questões relativas ao trânsito. Depois disso, discutir eregistrar em papel pardo problemas e soluções relacionadas ao caminho casa-escola. Ao final, produzir desenhos sobre aquilo que foi discutido e vivenciado. Terceiro dia (26/08/2013): Elaboração de placas de trânsito confeccionadas pelas crianças. Objetivo: que as crianças reflitam sobre as soluções por elas dadas e produzam placas de sinalização de trânsito. Planejamento: Em um primeiro momento, estimulá-las a falar sobre os encontros anteriores, a partir da apreciação coletiva dos desenhos – produção plástica - e fotos produzidos e socializados nos dias 10 e 11 de junho, afixadas em um mural. No segundo momento levá-las a refletir e falar especificamente sobre os problemas e soluções por eles levantados nos encontros anteriores sobre o caminho entre a casa e a escola. Com as crianças divididas em minigrupos, cada um dele com uma facilitadora, retomar algumas questões: a velocidade excessiva dos motociclistas (“moto voadona”), os avanços de sinal, a total falta de sinalização ou a necessidade, por eles apontada, de haver mais sinalização.

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Crianças e suas vivências de trânsito no Alemão Para melhor compreensão das oficinas, consideramos pertinente contextualizar a vivência das crianças na comunidade onde moram, a partir de suas falas. Sobre sua relação com a comunidade em que vivem, percebemos que elas, mesmo muito pequenas, conhecerem bem o local (“Já sei, é o meu Alemão!” – disse uma das crianças quando mostramos um mapa da comunidade) e tem um elo muito especifico com esse espaço (“Moro perto do teleférico”; “Passo pelo muro”, “Passo pelo barzinho e pela praça” – disse outra contando sobre seu trajeto até a escola). Menino fazendo placa durante oficina.

Pelos seus relatos, a maioria das crianças vai para escola acompanhada de um adulto, porém algumas crianças disseram que vão sozinhas ou com outra criança (irmão, primo ou vizinho) menor de idade. As crianças demonstram ter uma percepção distinta sobre a rua, o entorno, seus usos e a maneira como circulam. Para alguns, ela é vista como uma coisa ruim e perigosa (“Não pode brincar de bola na rua porque pode ser atropelado”). Porém, para outros é um dos poucos, senão o único, espaço de lazer que a comunidade oferece (“eu brinco de bola na rua”). As crianças remetem, muitas vezes, a seus pais, as indicações de ocupação do espaço da rua. De acordo com elas, alguns pais consideram a rua perigosa e não permitem que seus filhos brinquem fora de casa. Outros avaliariam que a rua é o local mais adequado para as brincadeiras, outros, ainda, não considerariam

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a rua segura, mas prefeririam o uso desse espaço em detrimento de outros (algumas falas das crianças podem ajudar a entender parte dessa questão: “Às vezes minha avó não deixa ir no campinho, acha melhor eu ir pra rua”; “Minha mãe não deixa brincar na rua, porque tem carro e à a noite tem bandido”). Em relação às crianças que brincam na rua, elas têm estratégias (talvez transmitidas por seus pais) para lidar com a circulação dos carros. Porém se implicam em sua proteção: “Jogo bola na rua, quando carro vem, vou para o cantinho”. Já parece estar bem naturalizado para algumas delas que podem brincar na rua, mas quando o carro passa, elas têm que se resguardar. Mesmo assim, ainda identificam riscos. Uma criança disse: “Vai pro canto! Minha irmã foi atropelada. Ela foi jogar bola com o meu irmão e o carro atropelou ela!”. Outra dificuldade apontada pelas crianças que brincam na rua é a questão dos buracos, que dificultam o jogo. Disseram: “Tem que ter cuidado pra bola não ir pro buraco!” e “[não dá pra jogar futebol] porque senão a bola vai pro buraco”. Falaram ainda da dificuldade de andar de bicicleta por não haver um espaço especifico destinado a esse transporte. Segundo as falas das crianças foi possível entender que percebem que sua circulação pelo Complexo do Alemão apresenta riscos, mas também apontaram que os idosos também enfrentam dificuldades em sua locomoção. Problemas e soluções no caminho de casa à escola Durante as oficinas, as crianças identificaram problemas no caminho casa-escola e propuseram soluções. Algumas

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soluções dadas pelas crianças partiam de situações que eles enfrentavam e as soluções propostas apenas as implicava na sua resolução. Uma criança disse: “Sempre que vou jogar bola eu olho para um lado e outro”. Ou seja, algumas de suas soluções partiam daquilo que estava ao seu alcance. No entanto, também propuseram alternativas que seriam alcançadas a partir do acionamento do poder público ou a partir de diálogos comunitários. Uma das questões mais significativas que percebemos pela fala das crianças se refere às motos. Em geral há muitas motos - principalmente moto-táxis - nas comunidades e as crianças percebem que elas, normalmente, não respeitam a sinalização de trânsito e andam em alta velocidade, oferecendo riscos aos pedestres. Um menino disse em relação ao sinal de trânsito próximo à escola: “Os ônibus param e a Kombi também, mas a moto não”; e outro complementa: “a moto passa voadão”. As crianças tiveram diversas ideias para esse problema, que vão desde uma conversa com os moto-taxistas até uma sinalização especifica para esse meio de transporte (um menino sugeriu uma placa escrita: “Moto, respeite o sinal!”). Há ainda uma noção geral de que a “polícia” (eles não fazem muita distinção entre a função da polícia e do guarda de transito) tem que multar e até prender aqueles que não respeitam as leis de trânsito: “podia ter guarda que dá multa”. Outra criança sugeriu: “moto vai rapidão, pode ter quebra-molas na rua da escola”. Tais proposições nos levam também a questionar como as crianças se apropriam dos discursos socialmente veiculados. São crianças de seis anos, moradoras de uma favela com histórico de violência, recentemente pacificada através da implementação de quatro Unidades de Política

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Pacificadora - UPPs e que, ao longo das suas experiências de vida, convivem, escutam e assimilam, distintas formas e tratamentos de organização e funcionamento das políticas de correção e coerção dirigidas às pessoas moradores de favelas. Outra questão recorrente foi o problema do lixo. As crianças percebem esse problema, não só pela questão da insalubridade (“dá rato” e “chega perto do lixo, tá fedendo”), mas também como o lixo acumulado nas calçadas atrapalha a circulação das pessoas: “atrapalha para passar” e “não pode continuar andando com entulho”. Surgiu ainda a questão da calçada, que é estreita, e seu incômodo com os carros que estacionam sobre ela, obrigando as pessoas a passarem pela rua. As crianças identificam que isso está errado (“Calçada é para pessoa andar”, disse uma delas). O discurso mais comum para resolver esse problema é aquele que as coloca como implicadas na sua resolução. Uma criança disse: “tem que andar no canto quando não tem calçada. Tem que ter cuidado com os carros”. Porém, elas ainda deram outras sugestões como: “pedir pro moço tirar [o carro da calçada]” e “cimentar” (para aumentar o tamanho da calçada).

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Problemas identificados (falas das crianças entre aspas)

Soluções propostas (falas das crianças entre aspas) “Sinal”

Ônibus, motos, carros que não respeitam sinal

“Polícia dar multa” “Tem que prender” “Não atravessar a rua sem a mãe” “Polícia tem que dar multa” “Fazer placas para as pessoas respeitarem”

“Uma placa escrita: moto respeite o sinal” Motos “voadonas”

Conversa com os moto-taxistas

Buraco

“Prender quem tirou tampão” “Tampar buraco”

Lixo na calçada

“Caminhão de lixo tem que tirar lixo todo”

“Placa” “Pedir para o moço tirar” Carro parado na calçada

“tem que andar no canto quando não tem calçada. Tem que ter cuidado com os carros”.

Falta de calçada

“Colocando cimento”

Dificuldade em atravessar rua

“Sempre que vou jogar bola eu olho para um lado e outro”

Perigos na rua em frente à escola

“Pode ter quebra-mola na rua da escola"

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b. Realizando intervenções com a participação das crianças Pensando os próximos passos com a participação das crianças Como parte do processo, depois das oficinas, em agosto de 2013, foi realizada uma reunião com a presença do CECIP, Rio+Social, CET-Rio, Associação de Moradores da Nova Brasília (área do Complexo do Alemão), professoras da escola e quatro representantes de turma (dois do 1º ano e dois do 4º ano) para pensar coletivamente qual seriam as ações seguintes. Nessa reunião, foi produzido coletivamente um diagnóstico do trânsito do entorno da escola abrangendo as informações, análises e propostas das crianças do 1º ano da escola que participaram das oficinas do CECIP, das crianças do 4º ano da escola participantes das atividades da CET-Rio, dos professores da escola, além de adultos da comunidade que colaboraram em conversa com a equipe de campo do Rio+Social. Depois, foram pensados os próximos passos dessa experiência-modelo: produção e instalação da placa sugerida pelas crianças, vistoria no trânsito no entorno da escola com técnicos da área de engenharia da CET-Rio e uma exposição no colégio.

Menino fazendo placa durante visita à fábrica.

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Produção e instalação de placa Após a realização das oficinas com as crianças e reunião com a gerência da CET-Rio, foi organizada, em ação conjunta, uma visita do grupo à oficina de placas de trânsito da companhia de tráfego. O encontro possibilitou que as crianças conhecessem o processo de produção e instalação de placas de trânsito, bem como, vivenciassem, por meio de experimentação, algumas situações do tráfego na cidade, de veículos e pedestres. As crianças foram convidadas a confeccionar suas próprias placas de recordação, além da placa com a mensagem criada por elas: “Atenção. Respeite o sinal”. No dia 22 de setembro de 2013, a placa feita pelas crianças foi instalada e inaugurada próxima a um sinal na Avenida Itaóca, no bairro de Inhaúma, local apontado como problemático por elas e onde sugeriram colocar a placa. Além da equipe da CET-Rio, do CECIP e do Rio+Social, estavam presentes algumas crianças que participaram das oficinas e seus responsáveis, além de um grupo de jovens ligados ao Centro Comunitário de Saúde da região. Junto com a inauguração, como parte dos eventos em homenagem ao Dia Mundial Sem Carro, um artista do bairro grafitou na faixa de pedestre desse sinal e estampou a mensagem “Agora que você viu a faixa, vamos respeitar?”, em ação promovida pela ONG Rio Eu Amo, Eu Cuido. Vistoria para realização de intervenções no entorno da escola A vistoria de trânsito com a área de engenharia da CETRio no entorno da E.M. Prof. Affonso Várzea ocorreu no dia 28 de novembro de 2013. Estavam presentes uma representante do CECIP, Mauro Ferreira e Sheila Castro

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da CET-Rio, Rosane Oliveira e Carla Fagundes do Rio+Social e a Bairro-Educadora como representante da escola e da comunidade. O diagnóstico produzido coletivamente guiou a vistoria. Entre as demandas estavam aquelas trazidas pelas crianças nas oficinas realizadas pelo Criança Pequena em Foco. As crianças haviam pontuado para o desrespeito ao sinal de trânsito que fica a cerca de 200 metros da escola. A Bairro - Educadora, que participou da vistoria, reiterou esse problema e sugeriu radares de avanço de sinal e de velocidade. As crianças, professoras e comunidade ainda haviam se referido, no diagnóstico, sobre a necessidade de colocação de quebra-molas nas ruas do quarteirão da escola e da instalação de um sinal em frente ao colégio, pois há um ponto de ônibus do outro lado da via. Respondendo a essas demandas, a equipe técnica da CETRio informou durante a vistoria que o projeto do sinal em frente à escola já tinha sido aprovado e entraria no orçamento de 2014. Sobre os quebra-molas, avisaram que seria necessário um abaixo-assinado feito pelos moradores pedindo a ondulação. O recolhimento das assinaturas será conduzido pela equipe de campo do Rio+Social. Sobre os radares, a CET-Rio irá verificar a disponibilidade do equipamento.

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Exposição Para encerrar as atividades de 2013, no dia 3 de dezembro foi realizada uma exposição na escola com o material produzido pelas crianças ao longo das atividades, além de fotos e informações sobre o processo. A exposição ficou montada por três dias e pode ser apreciada por todos os alunos da escola e pelos responsáveis que foram convidados na inauguração da exposição (ver foto 11)

Crianças apreciando fotos durante exposição na escola.

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5. Conclusão A ação experimental liderada pelo Projeto Criança Pequena em Foco e desenvolvida em parceria com a CET-Rio e o Rio+Social foi pensada e desenvolvida para criar um protótipo que possa ser replicado em larga escala. Em avaliação à parceria, Mauro Ferreira, diretor do Centro de Comunicação e Educação para o Trânsito da CET- Rio, disse: “O projeto Criança Pequena em Foco ampliou a escuta às crianças menores. Uma experiência enriquecedora, pois apesar da idade, conseguem identificar tão bem, ainda que com outro tipo de Placa feita por uma criança durante oficina.

linguagem, quanto as crianças maiores. O trabalho realizado na E.M. Prof. Affonso Várzea, resultou em ações educativas voltadas para o respeito à sinalização semafórica. As crianças tinham a consciência de que o local era bem sinalizado e o problema era a falta de respeito a esta sinalização por parte dos motoristas”. Cada uma das ações realizadas ao longo de 2013 – oficinas, reuniões, passeio, vistoria e exposição – teve seu papel e se encaixou de forma complementar na estrutura do projeto para que esse fosse bem sucedido. Porém, não conseguimos envolver a comunidade da Nova Brasília, em especial os moto-taxistas, da forma como gostaríamos e consideramos ideal. Para estabelecer uma relação com os

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moradores é necessária uma articulação mais profunda e em prazo mais amplo, o que não pudemos fazer no escopo deste projeto, que previa uma ação mais pontual para criar o modelo metodológico e sensibilizar o poder público. Entendemos que a participação da comunidade – não só das crianças – é fundamental para que qualquer projeto de intervenção urbana seja considerado bem sucedido (tanto no que diz respeito ao processo quanto no resultado final). Apesar disso, entendemos que foi muito importante realizar um processo no qual as crianças pequenas fossem ouvidas pelo poder público e dessem sugestões sobre o trânsito da região onde estudam e moram, permitindo que elas sejam incluídas como cidadãs e se percebam – e os adultos as percebam - como sujeitos. Em outubro de 2014, como desdobramento dessa ação experimental, em parceria com a CET-Rio e Rio+Social, se iniciou o Projeto Criança Pequena em Foco II: cultura de paz e participação infantil. Essa experiência mostrou os possíveis caminhos para a realização de um modelo mais completo onde a participação infantil perpassa todas as ações que visam prevenir a violência contra as crianças, através da promoção de uma cultura de paz, incluindo e envolvendo outros atores que fazem parte, direta ou indiretamente, da vida das crianças. Para isso, será desenvolvido um modelo de ação com uma estratégia multifacetada com a participação das crianças e de suas famílias, envolvendo atores do poder público. Vale ressaltar que o projeto pretende envolver novos órgãos municipais, além daqueles já envolvidos nesta primeira etapa do projeto. Iremos ainda promover a circulação segura das crianças pelas vias que percorrem o local escolhido. Serão

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realizadas ações que propõem uma cultura de paz, disseminando conceitos e estratégias não-violentas de resolução de conflitos. Será escolhida uma favela carioca, com alto índice de acidentes de trânsito contra crianças, para atuar. Com a participação dos alunos de até cinco escolas da região, pais, professores, comunidade, entidades locais, poder público e outros, será construído e implementado um plano de ação para reduzir esses índices e estimular o envolvimentos dos pequenos e dos grandes nos assuntos relacionados ao desenvolvimento comunitário. Entendemos ainda que a participação comunitária ajuda a prevenir a violência contra as crianças.

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6. Glossário Bairro-Educador: O Bairro Educador (BE) é um projeto da Secretaria Municipal de Educação do Rio de Janeiro, integrado ao programa Escolas do Amanhã. O foco é a apresentação de novas possibilidades de planejamento e realização de ações pedagógicas nas escolas utilizando como metodologia a integração e articulação dos potenciais educativos do bairro e da cidade (espaços, pessoas, instituições, serviços públicos, empresas, entre outros) às escolas. CET-Rio - Companhia de Engenharia de Tráfego: Órgão da Prefeitura do Rio de Janeiro responsável pela organização do trânsito da cidade. Isso inclui educação, fiscalização e engenharia de trânsito. UPP - Unidade de Polícia Pacificadora: Programa do Governo do Estado do Rio de Janeiro que foi criado para ser um novo modelo de Segurança Pública e de policiamento, tendo o intuito de promover a aproximação entre a população e a polícia. Rio+Social: Programa multidisciplinar da Prefeitura do Rio de Janeiro, coordenado pelo Instituto Pereira Passos em parceria com a ONU-Habitat – Programa das Nações Unidas para Assentamentos Humanos. Seu objetivo é promover a melhora na qualidade de vida de populações que moram em territórios pacificados, através de informação, articulação e implementação de serviços e políticas públicas para essas áreas. Promove ainda ações integradas com a iniciativa privada e o terceiro setor. Até agosto de 2014, o Programa se chamava UPP Social.

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7. Equipe CECIP (responsรกvel pelo relatรณrio) Claudius Ceccon Diretor-executivo do CECIP Claudia Ceccon Coordenadora de Projetos do CECIP Flora Moana Mascelani Van de Beuque Coordenadora do Projeto Crianรงa Pequena em Foco Mariana Koury Pinheiro Pesquisadora Nazareth Salutto Pesquisadora

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8. Equipe do Centro de Educação para o Trânsito da CETRio Mauro Cezar de Freitas Ferreira Diretor do Centro de Educação para o Trânsito CET-Rio Sheila Castro Teixeira da Silva Coordenadora de Projetos Débora Cecílio de Lima Assistente Administrativo Jonathan Machado Assistente Administrativo Leonardo Barbosa Cavalcante Coordenador de Equipe Externa Luiz Eduardo Pires Programador Visual

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9. Equipe Rio+Social Cristina Tepedino Assessora de Mobilização e Parceria Ingrid Reis Analista de Mobilização e Parceria Rosane de Oliveira Gestora de Campo Complexo do Alemão Carla Monteiro Assistente de Campo Complexo do Alemão Maria Carolina Dysman Assessora de Gestão Institucional David Boloventa Analista de Gestão Institucional

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