(Re)Descobrir Avis. Contributos para o estudo e valorização do património arqueológico do Concelho

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Ficha técnica

Título Actas do Encontro Arqueologia e Autarquias Edição Câmara Municipal de Cascais Editores Maria José de Almeida António Carvalho Design e paginação Delfim Almeida Impressão DPI Cromotipo Tiragem 1000 exemplares ISBN 978-972-637-243-1 Depósito Legal 332691/11

Local | Data Cascais, 2011

Capa Fotografia de Danilo Pavone


Encontro Arqueologia e Autarquias

(Re)Descobrir Avis. Contributos para o estudo e valorização do património arqueológico do Concelho

Ana Cristina Ribeiro Município de Avis arqueologia@cm-avis.pt

Resumo: O concelho de Avis reúne um conjunto de factores naturais diversificados que constituíram, desde tempos recuados, atractivos para a fixação humana. Compreendendo a importância de conhecer, preservar e valorizar o seu património, o Município de Avis desenvolveu, desde 2003, um plano de trabalhos arqueológicos, estruturado com base nas vertentes científica, pedagógica e cultural. Desde então, a dinâmica gerada em torno da Arqueologia criou um novo quadro e novas exigências que tiveram de ser correspondidos de forma a ser possível dar continuidade aos trabalhos e ampliar as diferentes actividades implementadas. Com base nesta experiência, que culmina com a criação de um espaço de diálogo entre a Arqueologia e a comunidade, é apresentada uma breve abordagem dos diferentes trabalhos desenvolvidos, os quais contribuíram para uma nova forma de encarar o património arqueológico e a Arqueologia.

Palavras-chave: Investigação, Acção Pedagógica, Divulgação, Novos Espaços.

1. Contexto Avis situa-se no Alto Alentejo, no distrito de Portalegre, e tem como zonas limítrofes os concelhos de Ponte de Sor, a Norte e Oeste, Alter do Chão, a Norte e a Este, Fronteira e Sousel, a Oeste e Sudeste, e Mora, a Sudoeste. Com uma área de 606 km2, distribuem-se pelo concelho as oito freguesias que o constituem: Alcórrego, Aldeia Velha, Avis, Benavila, Ervedal, Figueira e Barros, Maranhão e Valongo. Salienta-se, ainda, a integração no seu território da Albufeira do Maranhão e de uma pequena fracção da Albufeira de Montargil, no limite Oeste. Os factores naturais que caracterizam o concelho constituíram, desde tempos recuados, atractivos para a fixação humana. Por essa razão, encontram-se vestígios que remontam à pré-história e se prolongam até à actualidade. Parte dos vestígios associados a estas diferentes fases de ocupação do território 567


são hoje conhecidos devido aos trabalhos desenvolvidos desde o final do século XIX, os quais permitiram, apesar de realizados com objectivos e metodologias bem diversificados, reunir um conjunto de elementos fundamentais para a caracterização arqueológica da região. Compreendendo a importância de conhecer, preservar e valorizar o seu património, o Município de Avis promoveu, desde 2003, um conjunto de actividades no domínio da Arqueologia, estruturado com base nas vertentes: < Científica, através do fomento da intervenção arqueológica, com o desenvolvimento da investigação, da acção preventiva e da gestão integrada do património, criando simultaneamente as estruturas adequadas às necessidades dos diferentes trabalhos arqueológicos; < Pedagógica, mediante a abertura do mundo da Arqueologia, criando novas formas de sentir o património arqueológico, de modo a motivar e consolidar o gosto pela Arqueologia e pelo estudo da História; < Cultural, através da valorização e divulgação do património arqueológico local e do envolvimento da comunidade na preservação da sua memória colectiva.

2. Situação actual 2.1. Intervenção arqueológica A intervenção arqueológica tem sido desenvolvida em regime de continuidade, com a consequente actualização e aperfeiçoamento dos objectivos e métodos aplicados às diferentes realidades. A informação reunida tem vindo a ser progressivamente sistematizada adquirindo, à medida que se aprofunda o seu estudo, um papel relevante na construção da história local. Esta componente surge associada aos estudos e projectos de investigação, acção preventiva e projectos de intervenção. A investigação arqueológica teve origem nos trabalhos desenvolvidos no âmbito da elaboração do Plano de Pormenor de Salvaguarda e Valorização do Centro Histórico de Avis, realizado pelo Gabinete Técnico Local do Município. Após a sua conclusão, procurou-se ampliar o estudo arqueológico ao concelho, pelo que a esfera de actuação foi alargada, traduzindo-se, neste momento, na execução de dois projectos de investigação arqueológica. Simultaneamente, verificou-se o incremento da acção preventiva e foram desenvolvidos projectos de intervenção, com vista à requalificação de espaços em património classificado, de onde se destacam os projectos do Centro de Arqueologia de Avis, actualmente em execução, e da ampliação do Museu Municipal de Avis e criação do Núcleo de Arqueologia (Ribeiro, 2005, p.149-150). Ao nível da intervenção arqueológica importa destacar, pela relevância que detêm no quadro das actividades desenvolvidas, as componentes de investigação e de acção preventiva. 2.1.1. Carta Arqueológica de Avis A Carta Arqueológica de Avis, projecto iniciado em 2005, constitui um levantamento 568


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fundamental para o estudo, protecção, gestão e divulgação do património arqueológico do concelho. Os trabalhos referentes à primeira campanha permitiram, por um lado, relocalizar um conjunto de sítios referenciados em trabalhos anteriores, e, por outro, identificar novos sítios arqueológicos. A relocalização dos sítios já conhecidos foi uma prioridade na primeira campanha do projecto, uma vez que muitas das referências reunidas eram demasiado vagas ou imprecisas quanto à localização e caracterização dos vestígios, tendo-se, também, verificado o desaparecimento de alguns sítios devido à actividade agrícola e à construção da barragem do Maranhão. Era, por isso, fundamental rever os dados existentes, desenvolvendo-se, simultaneamente, estratégias orientadas para a identificação de novos sítios, que pudessem ser aplicadas e revistas ao longo do projecto. Nesta campanha, desenvolvida ao longo de 3 meses e caracterizada por condicionalismos de ordem diversa que se reflectiram nos resultados obtidos, foram registados 97 sítios arqueológicos, dos quais 50 se encontravam referidos na bibliografia, 8 estavam associados a trabalhos não publicados e 39 eram, até à data, desconhecidos. Do conjunto de vestígios registados, o elemento mais representativo está associado ao megalitismo de cariz funerário. As antas foram o objecto preferencial das intervenções arqueológicas na região desde o final do século XIX (Silva, 1895, p. 120125; idem, 1896, p. 239-240), tendo sido efectuado, na década de 50 do século XX, um levantamento mais exaustivo destas realidades (Leisner, 1959). Estes trabalhos possibilitaram o registo de 63 monumentos, dos quais uma parte significativa foi já

Fig. 1 Anta do Penedo da Moura, Figueira e Barros.

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relocalizada no âmbito da Carta Arqueológica. A identificação de novas antas no decurso das prospecções confirma as assimetrias do anterior levantamento, sobretudo ao nível da cobertura do território, deixando em aberto a possibilidade do número de monumentos megalíticos vir a aumentar. A um número tão elevado de monumentos de cariz funerário deveria corresponder um número significativo de povoados. Porém, são pouco abundantes os locais de ocupação coevos, tendo sido identificados, até ao momento, dois sítios com vestígios atribuíveis ao Neolítico/Calcolítico. Foram ainda registados alguns achados isolados ou dispersos que poderão indiciar novos locais de ocupação. Este panorama é idêntico para as Idades do Bronze e do Ferro. A natureza dos dados recolhidos, nem sempre muito abundantes, dificulta a atribuição de uma cronologia precisa aos sítios identificados. O período romano está documentado através de um conjunto diversificado de sítios, associado, em grande parte, à exploração agrícola de solos de elevada qualidade, e à proximidade à via que ligava Lisboa e Mérida, através de Alter do Chão (Saa, 1956 p. 176). Para os períodos mais tardios, os vestígios arqueológicos mais abundantes surgem associados a espaços urbanos, em particular ao Centro Histórico de Avis, pelo que a estrutura de povoamento rural é ainda pouco conhecida. Nesta aproximação ao território de Avis foi possível registar também 54 locais de cronologia mais recente, identificados no decurso dos trabalhos de campo, e que integram pontes, moinhos, de imersão e de vento, estruturas agrícolas, fontes e sistemas hidráulicos, assim como exemplares relevantes da arquitectura tradicional. O registo destes locais, ainda que efectuado de forma superficial, uma vez que ultrapassa os objectivos da Carta Arqueológica, poderá conduzir a futuros levantamentos de carácter etnográfico. Os resultados obtidos possibilitaram, no final da campanha, alterar o quadro de referência existente, e iniciar a sistematização dos dados, criando uma visão integrada dos vestígios arqueológicos. A elaboração da primeira síntese interpretativa com base nestes resultados permitiu a realização de uma primeira abordagem aos diferentes momentos de ocupação do território, contribuindo, de forma significativa, para o desenvolvimento do projecto.

Fig. 2 Machados de pedra polida. Recolhas efectuadas na Anta de São Martinho 1, em Figueira e Barros, e no sítio das Areias 1, no Ervedal. 570

Fig. 3 Cerâmica manual, Monte Ruivo, Maranhão.


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Fig. 4 Aqueduto, Monte da Horta 1, Figueira e Barros.

Os resultados destes primeiros trabalhos foram incluídos parcialmente na Notícia Explicativa da Folha 32-C da Carta Geológica de Portugal, escala 1:50 000, tendo sido publicados de forma mais detalhada no número 16 da revista Al-madan. Dos sítios arqueológicos registados nesta primeira campanha destaca-se a Ladeira que forneceu, até ao momento, um conjunto relevante de elementos relativos às ocupações pré-histórica e do período romano. Os dados reunidos a partir das recolhas de superfície estiveram na origem do projecto de investigação Intervenção arqueológica no sítio da Ladeira, Ervedal, iniciado em 2006. 2.1.2. Intervenção no sítio arqueológico da Ladeira, Ervedal A primeira menção ao sítio arqueológico da Ladeira decorre da visita de José Leite de Vasconcelos a esta região no Verão de 1912, com a paragem numa propriedade localizada no Ervedal em que por vezes aparecem restos antigos – telhas, colunas, capitéis, moedas, cacos (Vasconcelos, 1912, p. 286). A descrição sumária dos trabalhos então realizados e os materiais recolhidos indiciavam a existência de um sítio arqueológico com alguma relevância. Tal facto foi reforçado, posteriormente, por Mário Saa ao mencionar que no Ervedal localizava-se uma grande estância romana, das mais intensas desta parte da Lusitânia. Apresenta casario romano, legendas, inscrições em caracteres latinos e ibéricos (Saa, 1956, p.129). Apesar do sítio da Ladeira ser conhecido desde o início do século XX, as informações que lhe estão associadas são escassas e pouco precisas quanto à sua localização, tipologia e dimensão, mencionando-se, exclusivamente, a ocupação do 571


período romano. As prospecções, integradas na primeira campanha da Carta Arqueológica de Avis possibilitaram a recolha de um número significativo de materiais arqueológicos através dos quais se confirmou a presença romana, associada a um conjunto diversificado de materiais, sobretudo cerâmicos, dispersos por uma vasta área, e permitiram, ainda, a identificação de uma fase de ocupação, por documentar até então, atribuível ao Neolítico Final / Calcolítico e que estará associada aos monumentos megalíticos existentes nas imediações. O espólio referente a esta ocupação mais recuada, em número claramente inferior ao integrável no período romano, corresponde, na sua quase totalidade, a cerâmicas manuais, de onde se destacam os bordos espessados. Os utensílios líticos e subprodutos de talhe foram também recolhidos, integrando pontas de seta em sílex, lascas do mesmo materiais e percutores em quartzo e quartzito. A indústria sobre seixo de quartzito está também presente, através de lascas e núcleos, mas caracteriza-se pela fraca qualidade, facto que se deve à matéria prima disponível nesta zona. O espólio pré-histórico incluí ainda um elemento de mó manual em granito, um fragmento de barro de cabana, um peso de rede em xisto, um fragmento de um peso de tear em crescente, dois cossoiros em cerâmica e um recipiente de dimensão reduzida em mármore branco. Alguns dos materiais recolhidos não se integram nos períodos documentados, pelo que a confirmação da sua cronologia e respectiva caracterização ainda se encontram por avaliar. Os materiais romanos integram-se no padrão artefactual que habitualmente Fig. 5 Pontas de seta, Ladeira, Ervedal. é encontrado nos sítios romanos de dimensão mais alargada e inclui cerâmica de construção e cerâmica doméstica, com a presença relativamente abundante de cerâmica terra sigillata. Para além de vestígios de opus signinum¸ foram também recolhidos alguns fragmentos de granito e mármore, os quais estariam também associados a estruturas. Do conjunto

Fig. 6 Cossoiros em cerâmica, Ladeira, Ervedal. 572


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de materiais recolhidos, destaca-se ainda um almofariz em mármore branco. Os trabalhos de escavação realizados até ao momento correspondem a uma área reduzida, circunscrita ao sector A, localizado na zona mais elevada do sítio, onde se verificou apenas a ocorrência de materiais romanos, associados a um nível de lixeira. O conjunto de materiais integra 1536 registos correspondente, na sua quase totalidade, a cerâmicas domésticas, num total de 1405 fragmentos, dos quais 1391 são integráveis no período romano. Durante os trabalhos foram também recolhidos materiais de construção e revestimento, com a presença de estuque pintado e tesselas, fragmentos de vidro, elementos metálicos, em ferro e liga de cobre, associados, sobretudo a utensilagem doméstica, e fragmentos de escória de metal e vidro. 2.1.3. Acção Preventiva A intervenção arqueológica tem sido também desenvolvida ao nível da acção preventiva, através do acompanhamento arqueológico de obras em espaços e imóveis considerados sensíveis, contribuindo para a recuperação de elementos que eventualmente possam ocorrer no decurso dos trabalhos e que constituem dados relevantes do ponto de vista científico e/ou cultural. Nesta perspectiva, e apesar de constituir uma actividade nem sempre grata, uma

Fig. 7 Recipiente de cozinha, Ladeira, Ervedal.

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Fig. 8 Taça de cerâmica paredes finas, Ladeira, Ervedal.

Fig. 9 Lucerna, fragmento de disco com representação de Vitória alada (?), Ladeira, Ervedal. 574


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vez que impõe ritmos por vezes pouco compatíveis com as necessidades do trabalho arqueológico, a acção preventiva possibilita intervir em locais ou áreas nem sempre acessíveis, como em aglomerados urbanos consolidados ou em edifícios localizados em áreas de interesse histórico ou zonas de protecção. O acompanhamento arqueológico tornou-se, assim, fundamental na avaliação e salvaguarda de vestígios, possibilitando a aplicação de métodos de registo adequados em contextos que, em muitos casos, serão parcial ou totalmente destruídos. Das acções preventivas realizadas, destacam-se as intervenções na necrópole do Largo Dr. Sérgio de Castro, na Envolvente às Muralhas de Avis e os trabalhos de acompanhamento da instalação da rede de fibra óptica dos serviços municipais, os quais forneceram alguns elementos relevantes para o estudo do Centro Histórico de Avis. A eficácia da acção preventiva implica que a intervenção arqueológica ultrapasse o

Fig. 10 Enterramento 10, Necrópole do Largo Dr. Sérgio de Castro, Avis. 575


acompanhamento arqueológico das obras e envolva também a elaboração de pareceres no domínio do licenciamento de obras públicas e particulares, a realização de acções de fiscalização, a participação na revisão dos instrumentos de gestão territorial e a consulta na fase de elaboração de projectos, só possíveis de concretizar mediante a correcta articulação entre as diferentes partes envolvidas.

Fig. 11 Estrutura identificada na envolvente ao Mosteiro e Muralhas de Avis. Cerca Monástica.

3. As pessoas As diversas acções que caracterizaram a intervenção arqueológica no concelho de Avis colocaram a descoberto uma pequena parte do património arqueológico concelhio. Para além da componente científica, estes vestígios desempenham um papel significativo ao nível da história e identidade locais. Neste sentido, entende-se como fundamental envolver a população na sua protecção, conservação e valorização. Este envolvimento decorre, necessariamente, do contacto directo com as realidades arqueológicas e com os diferentes trabalhos que lhe estão associados, e é efectivado através da implementação de várias iniciativas de carácter pedagógico, destinadas, sobretudo, à população escolar, e do desenvolvimento de acções de divulgação e valorização do património arqueológico. 3.1. Acção educativa A vertente pedagógica foi considerada, desde o início, como uma prioridade, uma

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vez que se tornou fundamental para a criação de um elo entre a Arqueologia e a comunidade local. Através do Clube de Arqueologia, projecto iniciado em 2003 em colaboração com a Dr.ª Maria Margarida Salvador, e da participação no Programa Municipal Jovens em Movimento, criado pelo Município de Avis em 2005, foi possível promover a formação prática dos participantes e proporcionar o contacto directo com o património arqueológico. Na origem do Clube estiveram algumas das iniciativas realizadas com o intuito de compreender qual seria a relação entre as camadas mais jovens e o património arqueológico e a ligação que a partir daí se poderia estabelecer. Neste sentido, promoveu-se: < uma simulação de escavação arqueológica na Escola Básica Mestre de Avis; < o manuseamento de algum do equipamento utilizado em intervenções arqueológicas, nomeadamente em contexto de escavação: < a leitura das folhas da Carta Militar de Portugal, escala 1: 25000 correspondentes ao concelho de Avis; < a visita a sítios e monumentos arqueológicos do concelho; < o tratamento e acondicionamento de parte do acervo arqueológico do Museu Municipal de Avis. Já com o Clube de Arqueologia efectuaram-se visitas a sítios arqueológicos, realizadas com o objectivo de despertar o interesse por esta vertente patrimonial, demonstrando a sua importância e fragilidade, e privilegiou-se a experimentação de várias fases do trabalho, desde a pesquisa bibliográfica até à recolha de materiais em prospecção e escavação e o seu respectivo tratamento, não esquecendo as técnicas base do desenho arqueológico de espólio e estruturas, ensaiadas na primeira Oficina de Arqueologia, realizada com a colaboração da Dr.ª Fernanda Sousa, ou alguns dos métodos específicos de registo em campo, experimentados nas actividades complementares à primeira Palestra de Arqueologia dedicada ao Megalitismo do Alto

Fig. 12 Simulação de escavação arqueológica, Escola Básica Mestre de Avis. 577


Alentejo, dirigida pela Dr.ª Carla Martinho. Das actividades do Clube, destacam-se também as visitas fora da área do concelho, nomeadamente a Vila Velha de Rodão (Núcleo Museológico do Centro Municipal de Cultura, Castelo e Foz do Enxarrique), Vila Nova de Foz Côa (Núcleos de Gravuras Rupestre de Penascosa e Canada do Inferno), Freixo de Numão (sítios arqueológicos Prazo e Rumansil I) e Castelo de Marialva. O trabalho de campo, nomeadamente a escavação, constitui, sem dúvida, a fase mais atractiva da actividade arqueológica, uma vez que permite, por um lado, experimentar a sensação de descoberta, partilhada em grupo, e por outro lado, compreender os contextos naturais e humanos e a sua importância para a interpretação histórica de

Fig. 13 Desenho de materiais arqueológicos, primeira Oficina de Arqueologia.

determinado sítio. De forma a corresponder às expectativas criadas, possibilitou-se a participação regular dos membros do Clube, assim como a outros participantes, em regime de voluntariado ou através do Programa Jovens em Movimento, nas prospecções, integradas na Carta Arqueológica de Avis e em contexto de escavação, na necrópole do Largo Dr. Sérgio de Castro e no sítio arqueológico da Ladeira. Através dos Jovens em Movimento foi possível criar um grupo de colaboradores, os 578


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Fig. 14 Visita ao Núcleo de Gravuras da Penascosa, Vila Nova de Foz Côa.

Fig. 15 Participação na escavação do sítio arqueológico da Ladeira, Ervedal (2006). 579


quais desenvolvem, para além dos trabalhos de campo, algumas tarefas de laboratório e gabinete. A relação estabelecida com estes colaboradores permite, por um lado, transmitir um conjunto de conhecimentos diversos ao nível da Arqueologia e da História, e por outro, compreender qual é o grau de afectividade da comunidade em relação ao património arqueológico, as expectativas existentes em relação a este tipo de actividade

Fig. 16 Participação na escavação do sítio arqueológico da Ladeira, Ervedal (2007). 580


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e o grau de envolvimento que pode ser criado. De forma a manter vivo o interesse demonstrado pelos diversos elementos, foi agendado um conjunto de actividades, implementado já em 2008, com a realização de uma visita ao Museu Nacional de Arqueologia. 3.2. Valorização e divulgação A aceitação dos trabalhos arqueológicos, numa perspectiva exterior à comunidade arqueológica, passa muitas vezes pela valorização e potencialização cultural e turística do património arqueológico. Tendo por base os trabalhos realizados, considerou-se essencial Fig. 17 Boletim Municipal de Arqueologia, n.º 3. criar um espaço de divulgação dedicado à Arqueologia, através do qual se estabelecesse um elo regular com a comunidade. Foi assim que surgiu, em 2006, o boletim municipal de arqueologia Da Terra, com o objectivo de divulgar, para o público em geral, os resultados das pesquisas, das actividades e dos estudos realizados. Para além do boletim, pretende-se criar um conjunto de publicações de natureza diversa sobre o património arqueológico concelhio. A colecção de postais Pedras com História. Percursos megalíticos no concelho de Avis, associada à exposição com a mesma designação, foi a primeira experiência, que terá continuidade com a edição dos respectivos percursos arqueológicos. Numa outra perspectiva, foram criadas as condições para a edição anual de uma publicação de Arqueologia, destinada, sobretudo, à comunidade científica, complementando, deste modo, a informação que tem vindo a ser divulgada através de artigos e da participação em reuniões científicas. 3.3. Exposições e visitas A divulgação do património arqueológico concelhio passou também pela apresentação de exposições temporárias patentes em diferentes espaços, como o Museu Municipal de Avis, a Ala Sul do Claustro do Mosteiro e as Juntas de Freguesia: < Ao encontro da Arqueologia. Uma primeira leitura da Carta Arqueológica de Avis, exposição itinerante (de 28 de Setembro de 2007 a 28 de Maio de 2008); < Um, dois, três... anos de trabalho pedagógico em arqueologia (de 16 de Setembro a 31 de Outubro de 2006); < Descobrir a Arqueologia (de 18 de Maio a 15 de Outubro de 2006) 581


Pedras com História. Percursos Megalíticos no Concelho de Avis (de 21 de Dezembro de 2005 a 30 de Abril de 2006); < Construindo um mosaico. Fragmentos da presença romana em Avis (de 17 de Setembro a 14 de Outubro de 2005); < Olhar o tempo. Uma aproximação ao património arqueológico de Avis (de 1 de Setembro a 9 de Outubro de 2004); < Avis. Um percurso arqueológico (de 18 de Maio a 1 de Novembro de 2003). Na concepção das exposições houve a intenção de as integrar noutras iniciativas, como a Feira Franca de Avis, comemorações do Dia Internacional dos Museus e Jornadas Europeias do Património. Procurou-se ampliar o conceito de objecto ou espaço museológico a sítios <

Fig. 18 Exposição Pedras com História. Percursos megalíticos no concelho de Avis.

arqueológicos, criando-se um circuito de visitas guiadas a locais seleccionados para o efeito, dando a conhecer um pouco da sua história e a importância que detém em termos patrimoniais, assim como a sua relação com o território. Das várias actividades, destacamse as visitas ao Núcleo Megalítico da Ordem, ao conjunto de Antas de Ervedal e ao sítio arqueológico da Ladeira, assim como o projecto de valorização da necrópole do Largo Dr. Sérgio de Castro, em Avis, integrado na edição de 2005 da Feira Franca de Avis.

4. Um novo impulso no estudo e preservação do património arqueológico do concelho 582


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Fig. 19 Visita guiada ao Núcleo Megalítico da Ordem Maranhão. Dia Internacional dos Monumentos e Sítios (2007).

Fig. 20 Necrópole do Largo Dr. Sérgio de Castro durante a edição de 2005 da Feira Franca. 583


A dinâmica gerada em torno da Arqueologia criou, em Avis, um novo quadro e novas exigências que tinham de ser correspondidos, de forma a ser possível dar continuidade e ampliar as diferentes actividades. O Município considerou ser fundamental a criação de uma estrutura de apoio ao desenvolvimento dos trabalhos arqueológicos no concelho e à valorização do seu património. O projecto do Centro de Arqueologia de Avis foi aprovado no âmbito do Plano Operacional da Cultura, Subprograma 1 (Valorizar o Património Histórico e Cultural), Medida 1.1 - Recuperação e Animação de Sítios Históricos e Culturais, com um investimento total de 278.735,54€, destinados à recuperação e remodelação do edifício e à aquisição de equipamento necessário ao seu funcionamento. Esta estrutura ocupa uma fracção do Conjunto Monástico de São Bento de Avis, classificado como Imóvel de Interesse Público . Localizado na zona nascente da vila, o Mosteiro foi fundado no século XIII e extinto em 1834 (Keil, 1943, p. 20). Apesar da sua importância patrimonial, o Mosteiro de São Bento de Avis não tem sido alvo da devida atenção, pelo que é evidente a sua degradação, não só motivada pela acção do tempo e agentes naturais, mas também devido ao abandono, à adulteração do espaço e à destruição de elementos notáveis, factores que, progressivamente, tendem a apagar a sua imagem e monumentalidade. A área mais imponente do Mosteiro terá sido construída sobre o Castelo, ocupando toda a zona a Este. A partir do momento em que a função militar da Ordem se dilui, verifica-se a substituição das muralhas pelas paredes monásticas, com a ampliação, nos séculos XVI e XVII, do mosteiro primitivo para sul, dando origem ao Mosteiro Novo. Este novo espaço, bem assinalado na paisagem, define uma nova área, a Sul e Este da Igreja, e caracteriza-se pelo edifício de dimensão considerável, actualmente em ruína, e pelo amplo claustro, também ele com profundas alterações em relação à sua função e forma. Pela relevância histórica do espaço, e atendendo às suas características, tornase necessário a sua requalificação, só possível através da reabilitação funcional das fracções do Claustro Novo para outros fins que não habitacionais. A integração do Centro de Arqueologia nesta área possibilitará valorizar uma das suas antigas dependências, permitindo, deste modo, a fruição pública de áreas pouco conhecidas e visitadas, cujo acesso tem sido limitado pela sua função habitacional ou por se encontrarem devolutos. A fracção onde o Centro foi instalado tinha, à semelhança das restantes, uma função habitacional, que desvalorizava a estrutura do edifício, apresentando uma organização interna desadequada às funções pretendidas. Para esta sua nova função procurou-se que o projecto fosse concebido de forma a valorizar o espaço preexistente, integrando, simultaneamente, as diferentes áreas funcionais pretendidas e que correspondem às Reservas, Laboratório, Sala de Inventário, Centro de Documentação (Biblioteca e Mapoteca), Arquivo, Extensão Educativa, Espaço Multimédia e de Divulgação, Gabinetes de Trabalho, Gabinete de Desenho, Sala de Reuniões, Balneários, Instalações Sanitárias, Armazém e Áreas de apoio. Decreto 37 450, DG 129, de 16-06-1949.

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Fig. 21 Aspecto geral do Claustro Novo na sua utilização actual.

Fig. 22 Planta do Centro de Arqueologia de Avis (sem escala). 585


Os espaços foram criados de forma a serem visitados, física ou visualmente, factor que determinou as soluções arquitectónicas adoptadas, as quais passam, em termos genéricos, pela libertação da sala principal, criando um sistema de divisão que valoriza o edifício original, até à utilização de transparências em todas as áreas localizadas no piso inferior. Deste modo, procurou-se quebrar as barreiras físicas e visuais entre o público e os espaços convencionais de trabalho, possibilitando acompanhar o percurso dos materiais arqueológicos e conhecer o interior de zonas geralmente vedadas ao público, factores que tornam o Centro um espaço vivo de divulgação da actividade arqueológica. A experiência adquirida desde 2003 através dos diferentes trabalhos desenvolvidos e que culmina com a criação do Centro de Arqueologia de Avis, abre novas perspectivas de actuação que serão, sem dúvida, tão gratificantes como aquelas desenvolvidas até ao momento.

Fig. 23 Aspecto geral da sala principal durante os trabalhos de recuperação.

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