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anos
Alegre
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Brasil
Um projeto de formação continuada em dança que possibilite a experiência diária e coletiva de criação com conceituados profissionais da área. Assim nascia, em 20 07, o Grupo Experimental de Dança da Cidade, oferecendo um programa de aulas gratuitas. Neste livro, relatos de alunos, professores, artistas e gestores traduzem o processo de reflexão e vivência intensa desse projeto e seus desdobramentos. O depoimento plural e afetivo registra a memória de uma iniciativa que vem ajudando a transformar a cena local da dança na capital gaúcha. Em 2017, o Grupo Experimental de Dança completou 10 anos de existência.
Porto
Alegre
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RS
grupo p en d
an a
10
anos Organização Air ton Tomaz zoni Paula Finn
Por to Alegre, 2018
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Brasil
Prefeitura de Por to Alegre
Prefeito Nelson Marchezan Junior
Secretário Municipal da Cultura Luciano Alabarse
Secretário-Adjunto Municipal da Cultura Leonardo Maricato
Coordenador do Cent ro Municipal de Dança Air ton Tomaz zoni
Equipe Cent ro de Dança Ilza Maria Praxedes do Canto João Antonio Pereira João Augusto Pereira Melissa Silveira Torales Neca Machado
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Cent ro de Dança Centro Municipal de Cultura Avenida Erico Verissimo, 3 07 CEP 90110 -170 Por to Alegre/RS Brasil
© 2018 / Centro Municipal de Dança
Organização Air ton Tomaz zoni e Paula Finn
Textos Air ton Tomaz zoni Design Gráfico Clô Barcellos Editoração Libretos Revisão Lucia Maria Goular t Jahn Tratamento de imagens Maximiliano Graña Dias Impressão Ideograf
Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Bibliotecária responsável Renata de Souza Borges CRB10/1922 G892 G r upo ex per imental de dança : 10 anos / O rgani zação: Ai r ton Tomaz zoni e Paula F inn. – Po r to Aleg re : Secreta r ia Municipal da Cultu ra, Edito ra Canto Cultu ra e A r te, 2 018.
252 p.: i l.; 21,5x 25,5 cm. I SBN: 978 - 8 5 - 69814 -16 - 0
1. Dança. 2. Projeto de dança. 3. G r upo ex per imental de dança - H istó r ia. I. T ítulo. I I.Tomaz zoni, Ai r ton. I I I. F inn, Paula. CDU 793. 3
3
histórias virtuo
P
arabéns ao Grupo Experimental de Dança da Cidade pela publicação desta bela obra, onde se registra a trajetória de sucesso de uma iniciativa que formou bailarinos e bailarinas para Porto Alegre e para o mundo.
Especial menção se faz necessária ao nosso colega da Secretaria da Cultura
de Porto Alegre, o Coordenador de Dança, Airton Tomazzoni, um dos maiores incentivadores da dança que conheço e mentor do referido grupo e do presente livro, a quem devemos render entusiástico aplauso e agradecimento. Ao longo dos anos de trabalho do Grupo Experimental de Dança da Cidade algumas pessoas, de reconhecida qualidade, como Jussara Miranda, Eva Schul, Alexandre Rittmann, Daggui Dornelles, Luciana Paludo, Liane Venturella, Maria Helena Bernardes, Maíra Coelho, entre muitos outros importantes mestres da dança, da cenografia, das artes visuais e do teatro, colaboraram no sentido de que essa trajetória bem-sucedida entrasse para a história da cultura de nossa Porto Alegre. Espero que este seja o primeiro volume de uma série a relatar a trajetória de um grupo experimental de dança, com acesso gratuito às suas atividades, que se firma como um espaço de referência democrática e de qualidade em formação artística no universo da dança. Iniciativas com o escopo do Grupo Experimental de Dança servem como exemplo a ser seguido por outros setores de nossa sociedade. Os resultados positivos e permanentes das ações artístico-educacionais nos provam a vital importância da atividade cultural, que se mostra como modificadora da vida das pessoas e transfor4
madora da maneira como as pessoas percebem e interagem com o ambiente e as comunidades que as cercam. As histórias deste livro provam, mais uma vez, como a cultura de uma comunidade constitui-se em agregadora e multiplicadora de valores humanos, e, por conseguinte, econômicos.
Luciano
Alabarse
Secretár io da Cultura de Por to Alegre
sas e vitoriosas
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Sum Prefácio 8
16 42 68 90 110 130 154 172 198 216 236
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Epílogo 248
Créditos das fotos
251
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Prefácio
premissas delin Airton
A
Tomazzoni
ideia original surgiu dentro do projeto Escola Livre de Dança, em 20 05, quando assumi a direção do Centro de Dança. O que era uma ideia, em 20 06 começou a ganhar forma, com o esboço de uma de suas ações: um Grupo E xperimental de
Dança da Cidade. Essa iniciativa foi alimentada pela experiência como bailarino e coreógrafo desde a década de 1990, pela experiência docente no curso de graduação em dança da UERGS, no doutorado em Educação na FACED/UFRGS, no intercâmbio por experiência pelo Brasil (como o Colégio de Dança do Ceará), no mestrado em Ciências da Comunicação na Unisinos (trabalhando com adolescentes, dança e videoclipe), na observação e diagnóstico agudo da dança na cidade de Porto Alegre. Tudo isso entrecruzado com leituras provocativas de arte, filosofia, educação por onde conviviam John Dewey, Isabel Marques, Michel Foucault, Georges Noverre, Sandra Meyer, Henry Giroux, Gilles Deleuze, Jorge Larrosa (especialmente em Pedagogia Profana). Leituras por sua vez alimentadas por conversas com colegas como Eva Schul, Luciana Paludo, Tatiana da Rosa, Roberto Pereira, Lu Coccaro, Neca Machado, entre outros tantos. Assim se desenhou a proposta de abrir um espaço de formação com viés contemporâneo, não uma escola de dança contemporânea, mas um espaço contemporâneo de dança. E aqui a ordem dos fatores muda o resultado sim. A perspectiva contemporânea não no sentido de tentar enquadrar-se em parâmetros (sempre re-
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dutores) do que é identificado como dança contemporânea, mas sim pelo objetivo de refletir, pensar, fazer, experimentar as relações da dança com as questões do mundo, com a vida essa que nos apresenta condições singulares no nosso tempo. Condições de sociabilidade, da globalização, de redimensionamento de tempos e espaços, de transformações tecnológicas constantes, de novos modos de conviver, de perceber e interagir com o mundo e com o outro. Esse foi o alicerce do projeto. Fruto de uma série de percepções do contexto local de dança.
earam escolhas A primeira percepção era de que estava se perdendo uma certa cultura de se fazer aulas, de se manter um treinamento diário, de uma rotina de prática. Uma realidade que se dava tanto pela dificuldade de oferta quanto pelo custo financeiro de um estudante pagar aulas diárias. A outra percepção era a de cada vez menos se ter a vivência do trabalho coletivo, com cada vez mais intérpretes-criadores trabalhando isoladamente ou em núcleos reduzidos. Além disso, tirando a experiência universitária em dança (que naquela época inexistia em Porto Alegre), identificávamos a dificuldade de encontrar reunidos e articulados diferentes saberes, abordagens e professores para quem tinha interesse em formação em dança. Ao mesmo tempo, entendíamos que o projeto do grupo poderia ampliar o acesso a essa formação, tanto por ser gratuito, quanto por não limitar a participação por formação educacional, diplomas, títulos, provas de marcar cruzinha, mas sim pelo interesse e disposição em trafegar por esses saberes e trocar com esses agentes. Dentro dessa perspectiva se começou a procurar um espaço para realização das aulas (o maior entrave para o início e continuidade do projeto) e a reunir artistas-educadores que aceitassem participar da experiência. Assim, iniciamos a alinhavar alguns pontos fundamentais que guiariam a construção de uma linha pedagógica, ainda que esta só tenha vindo a se desenhar no andamento do projeto com maior clareza. Sendo assim, algumas premissas delinearam as escolhas nesse percurso:
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Arte
como
experiência
A primeira delas dizia respeito a encarar o projeto como experimental, ou seja, de ter como foco a valorização da experiência e seus possíveis desdobramentos. Não queríamos que o Grupo Experimental fosse um “grupo oficial”, uma “companhia”, mas sim um espaço que permitisse experimentar a dança, a articulação de saberes, a reflexão crítica, a criação, com todos os riscos e sabores aí envolvidos. A ideia – que, no início, era atravessada mais por uma intuição, uma percepção e também pelo desejo, do que por uma construção teórica – encontrou mais tarde a sua tradução na filosofia de John Dewey, em sua obra A Arte como Experiência. “O gosto pelo fazer, a ânsia de ação, deixa muitas pessoas, sobretudo no meio humano apressado e impaciente em que vivemos, com experiências de uma pobreza quase inacreditável, todas superficiais” (Dewey, 2010, p.123). Era a tentativa de poder nutrir as experiências em dança que moveu o projeto. De dar tempo e cuidado para uma outra vivência, para aquilo que pudesse proporcionar em alguma medida o enriquecimento da experiência, cujo empobrecimento Walter Benjamin já havia alertado com propriedade.
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Ênfase
no
processo
Consequência dessa primeira escolha era a de ter-se o foco nos processos, mais do que nos resultados acabados. Montagens, espetáculos, performances deveriam ser desdobramentos possíveis e não fins obrigatórios. O importante era poder dar ênfase ao percurso, poder ir e voltar quantas vezes fosse necessário, avaliar, reavaliar, recomeçar de outro ponto se necessário fosse, ou mesmo insistir. Tanto nos processos das aulas quanto no processo de constituição do próprio projeto do Grupo Experimental. E assim como as aulas ou uma montagem, a ideia de currículo, de proposta pedagógica não se estabeleceu como um modelo dado, rígido, mas está em constante processo de elaboração frente à dinâmica dos encontros, dos acasos, da vida. Isso não significa não se ter definições, não estabelecer regras, mas estar sempre disposto a reavaliar os percursos frente às experiências. Por isso esse relato é uma verdade modesta e provisória. Procuramos estabelecer um permanente estado de reflexão e construção.
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Diferença
como
potencialidade
Não partir da homogeneidade, unidade, uniformidade. Apostar na diferença como riqueza da experiência. Essa perspectiva vinha marcada pela ideia de transgressão positiva, produtora de diferenças e criadora de novas possibilidades estéticas e éticas de existência, como muito aparece na obra de Deleuze e outros autores dessa linhagem. Por isso, optamos pela seleção por alunos com diferentes experiências, das muitas danças e das muitas artes. Muitas idades. Muitas trajetórias. Mas isso também foi traduzido na aposta de uma formação plural e heterogênea, apostando tanto na experiência docente universitária quanto no dito ensino informal, do trabalho com corpos treinados e não treinados, virtuosos ou não. Portanto, o reconhecimento e ênfase na singularidade foram condições para o trabalho no que se referia a alunos, a aulas e a professores.
Técnica: não como o fim, mas o começo de uma viagem Sim, precisamos dela, mas alargando o seu entendimento. Então, partiríamos 12
da compreensão de que técnica não é um fim, mas um meio que pode nos dar valiosas e fundamentais pistas, sinalizações, orientações para a elaboração de um caminho. Afinal, sair viajando pode levar a vagar ou a dar voltas no mesmo lugar. Como desdobramento, a noção de que técnica não é só o que está devidamente codificado e/ou reconhecido/oficializado, um conjunto rigidamente organizado, mas todos os procedimentos que nos instrumentalizam o fazer.
Não
existe
uma
técnica
universal
Técnicas são saberes importantes, fundamentais, mas na perspectiva contemporânea fica difícil eleger uma técnica que “resolva” os problemas de criação de um mundo e uma vida tão complexos. “Cada projeto coreográfico terá de forjar seu suporte técnico”, como já havia destacado num artigo intitulado Essa Tal Dança Contemporânea – publicado na Revista Aplauso e no site idança.net. Ou melhor dizendo, terá de escolher o seu caminho técnico. Não partimos da premissa de que há uma técnica universal ou superior, mas a mais adequada às singularidades de cada projeto, seja a partir dos corpos que solicita, das ideias que mobiliza, das crenças que afirma. Por isso a proposta é mais do que “formar” artistas nessa ou naquela técnica, a proposta é a de oferecer um horizonte de saberes sobre o corpo e sobre a dança, para que cada aluno possa ter como desdobramento escolhas individuais mais significativas e críticas.
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Ética
e
estética
As maneiras e formas que escolhemos para atuar na dança, seja em sala de aula ou no palco, legitimam, autorizam, desautorizam, estabilizam e desestabilizam. Em cada ação dessas afirmamos sobre que corpo pode e não pode, de que jeito o corpo pode ou não pode. Enfim, são escolhas que não passam impunemente, ajudam a consolidar um certo modo de vida, um certo tipo de mundo. Uma coreografia não é apenas um entretenimento, por mais que possamos simplesmente nos deleitar com ela, é um modo de ver e falar do mundo. Assim, como uma aula de dança não é apenas uma escolha de treinamento, é uma escolha de postura para consigo e com os outros, e estas são questões éticas.
Prático,
intelectual
e
afetivo
Alinhados a muitas experiências e perspectivas de arte contemporânea, tínhamos também o desejo de não separar instâncias muitas vezes tratadas em compartimentos separados. O projeto baseava-se na crença de que a experiência de dança envolve a prática, a racionalidade e também as emoções. Razão e emoção, pensamento e sentimento eram dicotomias que limitariam e reduziriam a possibilidade de vivência e entendimento do processo de criação em dança. E de novo, o eco de Dewey: “Não é possível separar entre si em uma experiência vital, o prático, o intelectual e o afetivo e jogar as propriedades de uns contra as características de outros.” (Dewey, 2010, p.138).
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Isso tudo foi se delineando em um cenário no qual todos esses princípios se conectaram de maneira natural e progressiva. Acertos, revisões, frustrações, insistências, afetos, tensões, compartilhamentos. Tudo isso fez parte desse processo que vem possibilitando experiências dançantes d e s d e 2 0 0 7.
guma Faz de Conta que..., a convite de uma amiga do elenco. Aquelas montagens ficaram guardadas na memória, e lá estão até hoje. Em 2011, tive a opor tunidade de ingressar no estágio do Centro
dific
C
onheci o GED em 2010, assistindo aos espetáculos Pulp Dance e
de Dança. Essa experiência modificou todo o meu entendimento sobre dança e sobre o trabalho nesse campo. Desde então, passei a acompanhar o Grupo
aulas. Em 2012, par ticipei da residência com Douglas Jung, que resultou no espetáculo ...Foi pro espaço..., apresentado com ex- integrantes do projeto. E eu, que nem tinha entrado, já par ticipava como ex- integrante.
toda
E xperimental, par ticipar das produções e, quando possível, frequentar algumas
Em 2014, decidi encarar a experiência completa. Finalizado o estágio (mesmo que continuando na equipe da Coordenação), dediquei um ano intei ro ao Grupo E xperimental de Dança. Algumas escolhas modificam toda a nossa vida. Tenho uma relação profunda com esse projeto, e acredito nele como uma das bases na qualificação dos ar tistas que atuam em Por to Alegre. Considero
vi
o Grupo E xperimental um marco na gestão do Centro de Dança, e também no crescimento da dança na cidade. É um projeto gratuito, sem necessidade de pré - requisitos – além da dedicação e do compromisso de estudar dança diariamente por um ano –, oferecendo uma “formação” que provoca um senso crítico e político (uma das características do trabalho ar tístico de Air ton Tomaz zoni). O Grupo E xperimental é hoje um projeto consolidado, pois foi construído a par tir de um programa consistente e peculiar, linkando a dança com outras artes, como teatro, ar tes visuais e per formance. A grande quantidade de ar tistas e coletivos advindos do Grupo e atuantes na cidade é mais uma demonstração da vitalidade desse projeto. O convite para par ticipar de uma publicação como essa e registrar esta história só reafirma a força do GED e a profunda modificação que provocou, e provoca, nas nossas vidas. Foi um prazer rever cada momento desse percurso. Enquanto coorganizadora, lembro ainda que todos os textos não assinados são de Air ton Tomaz zoni e que, no alto das páginas, há miniaturas em sequência que darão à leitura um gostinho de movimento. Boa leitura!
Paula
Finn
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uma sala na qual as aulas pudessem ser realizadas ao longo do ano, diariamente...
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Em março de 2007 finalmente conseguimos o que era fundamental para podermos dar início ao projeto do Grupo Experimental: uma sala na qual as aulas pudessem ser realizadas ao longo do ano, diariamente. Tivemos a possibilidade de contar com um espaço no oitavo andar da Cia de Arte (Rua dos Andradas, 1780), que era de uso da Prefeitura. Ainda que com piso de parquet e em condições longe das ideais, o local poderia servir para começarmos a experimentar, como um projeto-piloto. Tratamos de pintar a sala, trocar lâmpadas, colocar linóleo. Paralelo a essa conquista, tínhamos alguns desafios: estabelecer um programa de aulas, definir o perfil do corpo docente, definir o perfil dos alunos e como faríamos a seleção. Para isso foi preciso, antes de mais nada, definir o período de funcionamento e verificar os recursos que seriam necessários para manter um programa de aulas. Como precisaríamos de um prazo para planejamento, divulgação e seleção, definimos que as aulas iriam acontecer de junho a dezembro. Quanto ao perfil dos alunos, em função dos objetivos e do curto espaço de tempo que teríamos, seria necessário que os alunos já tivessem algum conhecimento de dança, independente de linguagem, estilo ou modalidade. Era uma aposta na heterogeneidade da turma e na tentativa de evitar o privilégio de alunos com formação em uma técnica apenas. A ideia era trabalhar com duas aulas semanais que se manteriam até o final do ano, como eixo central do programa pedagógico, e nos demais horários trabalharíamos com módulos mensais com diferentes técnicas e abordagens. O objetivo, mais do que “formar” bailarinos em técnicas específicas, era abrir espaço para descoberta e experimentação de informações e práticas que pudessem se complementar, permitir ao aluno/a vislumbrar um horizonte de formação amplo, permitindo que, no futuro, eles fizessem escolhas coerentes para os seus treinamentos pessoais.
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Seleção Para a seleção, solicitamos a cada candidato/a que nos enviassem um currículo e uma carta de intenção com os motivos de integrar o projeto. Este material serviu para realizarmos uma pré-seleção daqueles alunos que não tivessem qualquer experiência em dança, bem como daqueles que acreditavam ser o projeto uma formação em técnicas específicas, como balé ou dança de salão. A partir da pré-seleção, foi realizada uma entrevista com cada um dos candidatos/as com o objetivo de esclarecer o perfil e verificar o interesse, disponibilidade e compromisso para com o projeto.
A
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primeira
Aline Karpinski Ana Lucia Hellmeister Constance Peterlongo Douglas Jung Fernanda Bignetti Fernando Faleiro Graziela Silveira
turma Janaína Leão Janaína Nocchi Jenifer Guedes Luciana Hoppe Luiza Moraes Márcio Canabarro Nicole Fischer
Paula Hanke Ricardo Gregianin Roberta de Savian Sane Vianna Pereira Thaís Alves Valter Santos
A diversidade da turma foi um diferencial positivo para o Grupo. Tínhamos alunos graduados ou graduandos de cursos de dança da Ulbra e da Uergs, bailarinos e bailarinas de outras companhias da cidade, alunos de outras áreas, como
da publicidade, com experiência em dança de rua, danças folclóricas, balé, dança flamenca. Uma riqueza para o trabalho, mas também foco de inevitáveis conflitos. A convivência diária, intensiva, a exigência das diferentes aulas (gerando facilidade e conforto para alguns, dificuldades e angústias para outros) e as expectativas singulares de cada um geraram na metade do percurso uma forte crise que, como todas as crises, foi fundamental para o amadurecimento e avanço da turma enquanto Grupo. Foi um momento difícil, mas decisivo para a continuidade e coesão da turma. As diferenças não foram apagadas, mas revelou-se a possibilidade de compreendê-las e transformá-las. O que poderia ser fragilidade transformou-se em potência para criação, na troca, na cooperação com o outro. Dentre outros desafios, era preciso enfrentar a evasão. Desde o começo prevíamos eventuais abandonos do projeto pela exigência física de fazer aulas todos
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os dias, pelo compromisso diário exigido ou ainda por dificuldades sócio-econômicas, que podem ser decisivas para quem precisa pegar mais de um ônibus para chegar ao local das aulas, por exemplo, ou ainda pela não identificação com o programa de aulas.
Aulas
e
professores
A definição da duração do programa de aulas nos deu o primeiro susto: teríamos 360 horas/aulas. Um susto tanto pela extensão, quanto por, consequentemente, os custos, uma vez que naquele momento contávamos com um orçamento anual de 40 mil reais para todos os projetos do Centro de Dança. A primeira ação foi buscar parcerias, em especial com a Coordenação de Descentralização da SMC, que contava com professores para Oficinas de Dança, Capoeira, Música, entre outras atividades. Conseguimos desta forma a cedência de carga horária de dois professores: um de Dança Moderna (Eva Schul) e um de Capoeira (Guto).
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Para complementar o programa, convidamos alguns dos principais artistas da capital para completar o corpo docente, buscando a diversidade de abordagens e linguagens. Dessa forma, a primeira turma do Grupo Experimental pôde contar com os seguintes professores: Alexandre Rittmann
Fernanda Carvalho Leite
Balé
Contato e Improvisação
Carlos Nunes
Luciana Paludo
Dança de Rua
Estudos Contemporâneos em Dança
Jussara Miranda
Airton Tomazzoni
Dança Contemporânea
Laboratório de Improvisação e Composição
Luciane Coccaro Dança Contemporânea
Daggui Dornelles Dança Moderna
Tatiana da Rosa
Eva Schul Dança Moderna
Guto (Mario Augusto) Capoeira
Abordagens Somáticas para a Dança
Além das aulas, o programa pedagógico foi complementado com atividades como sessões de vídeo na sala P.F. Gastal, com obras de coreógrafos e companhias.
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J
á se passaram anos desde o dia 6 de junho de 2007, quando se reuniu a primeira turma do Grupo Experimental. Das 18 pessoas sentadas no círculo, eu conhecia uma ou duas e, ao mesmo tempo que me sentia um pouco estranho, lem-
bro de estar super empolgado com a ideia de fazer parte do projeto. Naquele dia se iniciava um tempo bom, de novas ideias e fértil de estímulos e questões. Um tempo de “ver o que há” e “como se faz”. O início do processo no Grupo me apresentou e aproximou do entendimento de como trabalhar com a diversidade de abordagens e práticas, das possibilidades e do potencial de cada uma delas. Sobretudo, esse início deu para ver, de maneira sutil a relação “investimento/ retorno” no trabalho com o corpo. Era urgente dedicar tempo e atenção no trato com o meu instrumento e as transformações que aconteciam dentro e fora dele. Havia espaço e informação de sobra para alimentar a curiosidade. As ideias e sensações se multiplicavam e, mesmo que naquele início não se desse a compreensão de todas as questões, o desenvolvimento do trabalho e o amaciar do corpo ajudavam a manter o processo vivo. O corpo estava encharcado de novas vontades. Participar do Grupo foi, de certa forma, como estar num observatório do que se passava ao redor. Era um ponto estratégico de onde se podia ter uma boa ideia do que acontecia na cidade, entender de onde vinham muitas das referências do que se via em cena e qual era o meu lugar dentro dessa rede. O Grupo oferecia segurança em poder fazer uso desse observatório em favor de mapear quais seriam os meus interesses e lugares possíveis, ao mesmo tempo em que eu também era visto por outros membros da comunidade de dança. Mapear e definir possibilidades, conectar-se com outros artistas, entender e desdobrar ideias, estar atento às oportunidades, manter-se curioso... Todas essas questões fizeram parte do meu aprendizado. Não de maneira óbvia e didática, mas esse tipo de informação esteve presente no decorrer do período em que estive no 22
Grupo. Creio que uma das habilidades importantes do artista contemporâneo é justamente o desafio de conectar-se de maneira eficaz. De construir a sua própria rede de contatos e possibilidades de geração de trabalho, de renovação das suas ideias e desejos. Para mim, essa foi a parte mais bonita da experiência no grupo: o contato com as pessoas. No Grupo Experimental fiz alguns dos melhores amigos que tenho. Pessoas que fazem parte das memórias daquela época e que seguem comigo. Trocando, traba-
lhando juntos, dividindo a cena e compartilhando da mesma experiência que começou a se entrelaçar com a deles naquele círculo. Muitas ideias e convicções daquele período me acompanham até hoje, num cenário que mudou muito e muitas vezes, mas a essência das questões do presente está conectada à experiência do Grupo. Depois de quatro anos fora de Porto Alegre, é sempre muito bom voltar e encontrar o Grupo cada vez mais sólido. Sempre com rostos novos, questões novas e talvez alguns dos problemas antigos, mas com o mesmo propósito: de ser um espaço de descoberta, observação, conexão e de experiência. Um lugar que abriga àqueles que acreditam no valor da prática, da tentativa, da aposta nas suas e em outras ideias. Vida longa ao Grupo Experimental!
Douglas Jung Bailarino e coreógrafo formado na SEAD - Salzburg Experimental Academy of Dance, em Salzburgo (Áutria). Idealizador d’O NINHO escola de dança contemporânea, diretor artístico do Coletivo Moebius e integrante do quadro de professores e coreógrafos residentes da Casa Cultural Tony Petzhold e da New School Dreams.
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P
rovavelmente estes depoimentos soarão nostálgicos, e são! O encontro com essas pessoas no Grupo Experimental foi um grande acontecimento para mim na dança e na vida. Dos
professores aos colegas. O contato com visões e técnicas di-
versas, a troca de experiências e conhecimentos foram e são essenciais na minha formação como ser que ama, faz e quer cada vez mais a dança. No Grupo Experimental tive o prazer de encontrar grandes amigos que quero sempre perto na vida e na arte (se é que faz diferença). Pessoas onde encontro ideais e desejos comuns e visões diferentes que alimentam minha alma, minha dança. Fecho os olhos e quase sinto a sensação que sentia naquela manhã. Novas caras, novos professores, novas experiências e a velha vontade de mergulhar na dança. Já de cara, Eva Schul. Lembro o nervosismo que sentia no primeiro “enrola um” da aula, descobri depois que esse sentimento não cabia só a mim! Claro que começar algo novo sempre dá certo medo, mas não era só isso, era uma sensação que ali naquele lugar seria o início de muitos outros inícios. Muitos artistas maravilhosos. Lu, Tati, Daggi, Cibele, Jussara e tantos outros formavam um time de peso, com muito a dividir, e nós sempre sedentos aos ensinamentos e visões artísticas da cada um. Cada professor trouxe algo valiosíssimo para a formação daqueles seres ali e agradeço muito por isso. Mas quando penso no Grupo as imagens que enchem meus olhos e coração são as lembranças das manhãs com meus colegas queridos: da dança, das conversas, boas risadas, choros, brigas, festas. Da Aline com seus desejos e narcóticos, do cigarrinho e ombro amigo do Doug, da parceria do Make, da fofura da Thata, das semelhanças com a Lux, do humor da Nanda, do groove da Jeni, das viagens do Fê, da acidez da Grazi, da doçura do Nilti, da good vibe da Jana, da dedicação da Lu Hoppe... Mesmo sem vê-los mais todas as manhãs levo todos no coração, a contribui24
ção dada foi descomunal, dividimos um início de caminho que espero não findar. Tenho certeza que a visão sobre dança de cada um de nós tem o tempero desse grupo querido que teve a sorte (leia-se Airton) de se encontrar! E não posso terminar sem agradecer ao Marcelo pela grande ajuda para que eu fizesse parte desta história. Folias Fellinianas Algumas cadeiras, uma mesa e tarefas, assim começou o processo de cria-
ção do Folias. Lembro do momento crise, nada vinha, nem uma ideia. Lembro do Márcio de cabeça para baixo escalando a parede também em crise, assim como a grande maioria. De repente começamos a brincar e essa brincadeira foi evoluindo, evoluindo e quando vimos o grupo jogava, intercalando grupos, duplas, solos e assim abriram-se os trabalhos. Nos encontros seguintes o Dire foi agrupando pessoas, dando tarefas e experimentando trilhas. O barato do Folias foi toda essa experimentação em grupo, todos se envolveram para ele nascer, malas de roupa para o figurino, idas à Redenção, festas enlouquecidas, camisetas, cartazes. Tudo isso regado com a vontade de estarmos ali juntos dançando. Isso acontecia em cena, essa troca, essa brincadeira. Tínhamos que estar em cena sempre, sem coxias a solução era manter o jogo ou ir para o camarim, e óbvio que estar em cena era muito mais divertido. Foi prazeroso e divertido estar no palco com amigos feitos no dia-a-dia, que dividiam dúvidas, frustrações e sonhos. Era como se reunir com amigos de infância para brincar, com toda cumplicidade, sinceridade e vontade de estar ali. ...ou algo assim que me intrigue Trabalhar com a Lu(x) Paludo é algo fora do comum. O corpo se dilata, o espaço fica denso, quase se consegue tocar o ar. Nas aulas já se busca essa inteireza que acaba aparecendo no palco, um estado corporal e energético que modifica a percepção de quem dança e de quem olha. Sou suspeita para falar, sou fã da Lu, ela modificou muito minhas percepções quanto à dança, corpo e mobilidade. Mudou também minha cervical. Mas confesso que foi um processo difícil, mesmo com tudo isso. Era um novo início de grupo, alguns amigos haviam saído alçando novos voos, percorrendo novos caminhos e muitos novos companheiros entraram e tínhamos pouco tempo para nos conhecermos, entendermos essa nova fase até a estreia do trabalho. No fim, a Lu fez um lindo trabalho, sensível, político, com momentos delicados, momentos pesados e divertidos, tudo isso com pessoas absurdamente diferentes umas das outras e com pouco tempo de convivência e trabalho.
Nicole
Fischer
Bailarina, coreógrafa e professora.
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E
u tenho tentado escrever um texto que não consigo escrever, não só por falta de habilidade, mas por tentar falar em passado. Existem situações que ainda são recorrentes, estímulos que
se perpetuam no tempo e ainda vertem no corpo. Tentar falar
de passado nunca caberia, nem auxiliaria a tentativa de tatear um testemunho. A vivência em meio ao primeiro ano do Grupo Experimental de Dança da Cidade em Porto Alegre, ainda reverbera e é residente nessa pele. Algumas experiências do sensível desconsideram a lógica, em especial a lógica da minha palavra escrita, ora que não sou poeta para transformar esse código desenhado em sensação. Seria mais justo e honesto de minha parte transpor, o que me acontece quando penso nessa curva do tempo onde a dança se mostrou a mim, em movimento. Acho que o faço a cada fragmento de instante onde o dançar anseia e sem dúvida fiz há uma semana, onde estreei minha primeira dança com o dito: profissional. Título desdencadeado pelo projeto em Porto Alegre. As sutilezas divididas fizeram-me cruzar o mar e viver de dança. E a cada momento em que crio conhecimento kinético ou testemunho do corpo em movimento prolongo essa história que teve início na Rua dos Andradas no ano de 2007. Existe em mim uma gratidão enorme por esse período, se hoje vivo experiências indizíveis, se minha percepção e propiocepcão continuam a expandir, se o corpo se tornou manifesto, se meus desejos de ser em poética derramam, se consigo vivenciar trocas e compreender conhecimento como uma prática viva, é devido aos desdobramentos desse projeto que aos meus sensos foi tão generoso, instigador e inspirador.
Márcio
Canabarro Bailarino da Hodwworks/ Budapeste / Hungria
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E
m 2007, tive a oportunidade de participar como professora do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, uma brilhante iniciativa da coordenação de Dança da Cidade, ideia original de
Airton Tomazzoni – Coordenador de Dança. Considero um luxo ter sido parte do corpo docente qualificado deste projeto que vem se consolidando cada vez mais e com sucesso. Uma proposta de formação artística a introduzir no mercado de dança contemporânea bailarinos múltiplos e instigantes. Uma Porto Alegre ansiosa por um corpo de baile oficial de dança há muitos anos, algo que não se concretizou até o momento num formato de companhia estável ligada a um Teatro Municipal. O Grupo Experimental de Dança é uma versão mais abrangente do que seria um corpo de baile oficial de dança da cidade, considero o Grupo Experimental já um corpo de baile, só que numa outra proposta, ligada ao ensino de dança e à formação artística. Começando pela seleção dos integrantes, feita através de currículo, mas prioritariamente em função de uma entrevista que aborda as motivações dos aspirantes, o que configura um formato mais democrático e demonstra um pensamento arejado sobre o que é ou pode ser um bailarino contemporâneo. O grupo. Bailarinos jovens com variadas formações em dança, alguns mais e outros menos introduzidos na cena de dança contemporânea da cidade. Alguns atores, alguns alunos das diferentes universidades de dança do estado, portanto, com formações diversas. Em meio à diversidade de corpos e experiências, uma única meta, fazer parte de um coletivo de dança, fazer parte de um grupo de dança, aprender mais sobre a dança, mas, sobretudo, compartilhar o desafio de trabalhar em grupo, com todas as implicações decorrentes desta escolha. Méritos. Trabalhar em grupo é uma proposta louvável, uma vez que na cidade há muitos espaços para se trabalhar isoladamente ou em pequenos grupos por afinidade. O Grupo Experimental agrega diferenças, e em grupo aprender a lidar com elas me parece um desafio para quem pretende se profissionalizar, uma escola possível para o entendimento do que seja tornar-se profissional em dança. Poderíamos comparar a experiência no Grupo Experimental como um trampolim à carreira artística. Esta diversidade está presente também nos professores, nas dinâmicas das aulas, nas propostas diferenciadas. O aluno tem aula de balé, contemporâneo, educação somática, hip hop e aulas de criação e composição coreográfica. Uma formação voltada para a prática diária de
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dança. E esta formação integral é bancada pela Prefeitura de Porto Alegre. Minha participação. A proposta desenvolvida por mim junto ao grupo foi uma espécie de laboratório de criação, cada aula, uma oficina diferente a investigar as relações entre os participantes, criação em duplas, em trios, em grandes grupos, com objetos levados por mim, mas de livre escolha do grupo. Cada um escolheu seu objeto e imediatamente este objeto lhe foi presenteado e fez parte de alguma cena, a relação com a música ou ausência de, foi tema investigado. Além da relação com os espaços; espaços sonoros, espaços internos do corpo, espaços entre a dança e o teatro. Pesquisa desenvolvida. O foco de atenção nas oficinas estava nas presenças cênicas desenvolvidas a partir das três energias Potence, Radiance e Buoyance criadas por Arthur Lessac – energias da lama, dos choques elétricos e da flutuação no elemento água. A estas energias relaciono o estudo de caráter iniciado em Freud e desenvolvido por Reich – caráter Anal que corresponderia ao Potence, o Uretral ao Radiance e o Oral ao Buoyance. São possibilidades de identificar e caracterizar a predominância de cada intérprete, algo que pode abrir uma porta a um autoconhecimento e a uma consciência maior sobre si mesmo na hora de criar e de ir para a cena. Além de um estudo sobre o tom e a energia apropriada para cada cena. Algo que vem sendo cada vez mais tema de minha investigação como professora, bailarina e atriz. A dinâmica. Nos encontros semanais com o grupo tentava olhar para o grupo, para cada um individualmente e levava um tema de investigação para desenvolver um laboratório de criação com base em improvisação. De minha ideia primeira iam se desdobrando propostas do grupo. Num processo de criação coletiva, somente possível graças ao entendimento do grupo já incorporado numa noção de coletivo. Meu papel talvez não tenha sido o de professora neste projeto, 28
mas o de incitadora coreográfica, nome carinhosamente sugerido por Laura Backes sobre meu jeito de criar em trabalhos que realizamos juntas na Cia Lucoc em 2006. O espetáculo. Um dos méritos do projeto Grupo Experimental é a realização de um espetáculo de dança a cada final de ano, espetáculo e não uma mostra de processo. Tive a alegria de na primeira montagem do grupo, que chamava Folias Felinianas, sob a direção de Airton Tomazzoni, reconhecer em cena uma
partitura coreográfica trabalhada em meus laboratórios com a turma, e eles me fizeram uma homenagem a colocando em cena, de forma bem apropriada. Mais uma experiência. Em 2008, estava realizando o espetáculo Estados Corpóreos, financiado pelo FUMPROARTE – Fundo de Fomento à Cultura. Uma das contrapartidas deste projeto era a realização de quatro oficinas de criação. E a convite de Airton Tomazzoni, lá estava eu de novo a realizar as oficinas junto ao Grupo Experimental de Dança. Foi bárbaro. Tive oportunidade de investigar junto ao grupo a preparação de dois dos estados cênicos desenvolvidos para meu espetáculo, foi uma troca maravilhosa poder compartilhar o caminho de entrada – gatilho – num estado corpóreo específico. Experiência riquíssima vê-los acessando os estados trabalhados a partir das mesmas técnicas pesquisadas por mim na criação do espetáculo. Ótimo aprendizado ouvir o feedback do grupo sobre suas sensações corporais ao entrar em cada estado. E na última oficina contamos com a presença de Fábio Mentz, músico, parceiro no projeto Estados Corpóreos, foi um aulão de corpo e voz com base nos ritmos, proposta de Fábio. Enfim, agradeço muito a rica oportunidade de ter feito parte de um projeto como o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, iniciativa que admiro. Um celeiro de jovens artistas em ebulição na construção de um senso de coletividade. Uma escola de formação de bailarinos criadores, e que por estar não vinculada a nenhuma instituição de ensino superior pode se dar ao luxo de seguir um formato maleável. O aluno não ganha uma nota por seu desempenho anual, o professor não cumpre o papel de avaliador, pois há um encontro num outro lugar, o de produtividade e troca artística. Muitos destes artistas hoje estão no mercado dentro e fora do país. Alguns que foram alunos, hoje voltam ao grupo como professores, fomentadores de novas propostas de pesquisa e investigação em dança contemporânea. Eu voto em vida longa a esta promissora iniciativa da Coordenação de Dança de Porto Alegre. Espaço de pesquisa, ensino e criação artística.
Luciane
Moreau
Coccaro
Professora do Curso de Dança do Departamento de Arte Corporal / UFRJ. Doutora em Ciências Humanas – Sociologia / UFRJ. Bailarina e atriz
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A
os 23 anos, resolvi retomar a carreira de bailarina. Voltei para faculdade no então Curso de Tecnologia em Dança da Universidade Luterana do Brasil / Ulbra. Por dois anos, consegui conci-
liar os estudos em dança com a profissão de jornalista, mas a dança falou mais alto e decidi largar de vez o jornalismo enquanto atividade profissional regular. Na faculdade, entrei em contato com a dança contemporânea e sua forma de pensar e comecei a dançar numa companhia de Porto Alegre que atualmente chama-se Geda Cia de Dança Contemporânea. Na época, apenas engatinhava na dança com os pés descalços, pois até então havia dançado balé clássico e flamenco. Senti necessidade de me aprofundar tecnicamente na dança contemporânea e recebi um e-mail sobre uma seleção para um novo projeto: o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre. Sem nada a perder e com vontade de trabalhar com arte, resolvi enviar currículo e, depois de alguns dias, recebi o telefonema de Airton Tomazzoni dizendo que eu era uma das selecionadas. As aulas na Cia de Arte foram momentos de profundo aprendizado corporal e mental. Fui exposta a pessoas, estéticas e técnicas corporais diferentes e complementares. O encontro com o chão foi absurdamente dolorido, mas aquele grupo de pessoas era maravilhoso e fazia tudo valer a pena. Acho que foi principalmente pela capacidade daquele grupo que conseguimos fazer um espetáculo que foi sucesso de público: o Folias Fellinianas. Um sucesso de público que foi um prazer poder dançar. Era maravilhoso dividir o palco com aquelas pessoas. Ainda hoje, sinto falta daquela energia. Infelizmente, depois de participar do espetáculo ...Ou Algo Assim que me Intrigue de Luciana Paludo no ano seguinte, tive que sair do grupo, pois este tem um caráter apenas de formação e os compromissos profissionais acabaram exigindo meu afastamento das aulas. Hoje vejo que meu esforço em me aprimorar está sendo recompensado, pois em 2011, fui indicada ao Prêmio Açorianos de Melhor Bailarina pelo espetáculo Cem Metros de Valsa e Um Grama 30
da Geda Cia de Dança Contemporânea. O tempo que passei na turma pioneira do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre foi um dos mais importantes da minha vida. Além de representar a volta para um sonho antigo: o de poder fazer aulas de dança todos os dias e, com isto, possibilitar corporalmente a dança enquanto profissão, o contato com aquele grupo de pessoas foi essencial para minha sanidade mental durante a reviravolta que minha vida pessoal sofreu justo na hora em que conseguia tornar realidade meu maior desejo: dançar! Junta-
mente com os colegas do Geda, do Tablado Andaluz e da minha família, o Grupo Experimental de Dança me salvou da depressão profunda. Dançar e poder ser profissional da área são umas das maiores bênçãos que Deus me deu. Agradecer por isto todos os dias ainda é pouco diante da gratidão que sinto por ser uma artista de dança com direito a DRT na carteira de trabalho. Desejo longa vida ao Grupo Experimental e que ele possa no futuro expandir sua atuação e, quem sabe ter, além do caráter de formação também o profissional, possibilitando um novo campo de trabalho para os bailarinos formados ali.
Graziela
Silveira
Jornalista, bailarina, bailaora e professora de Flamenco e integrante da GEDA Cia de Dança Contemporânea
E
ntrei no Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre no mesmo ano em que entrei na Universidade no curso de Dança. Trabalhava como atriz há algum tempo e senti a necessidade de investir no aperfeiçoamento
do corpo criativo e inteligente através da disciplina da dança. Tive a oportunidade de receber a influência de grandes artistas da dança que me ensinaram antes de tudo o respeito que devemos ter pelo nosso corpo. Aprendi a me distanciar do conceito de que nosso corpo é nosso instrumento de trabalho. Ver o corpo desta maneira é reduzi-lo e nos distancia de infinitas possibilidades de descobertas que se abrem quando aprendemos a escutá-lo. Foram dois anos de descobertas, me perdi e me encontrei inúmeras vezes. O processo nem sempre é tranquilo. Pode nos envolver em dúvidas, mas assim temos certeza de estarmos vivos. O meio é sempre o corpo. Com aulas práticas e teóricas foi possível o desenvolvimento do meu entendimento de todo processo cênico. A experiência de compartilhar processos em arte com artistas renomados foi catalizador importante no meu processo de profissionalização.
Roberta
de
Savian
Graduada em Dança pela UERGS, Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS, vencedora do prêmio Klauss Vianna em 2010 e 2012.
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C
omeçou tudo a partir de um sonho, de uma ideia colocada em experimento. Grupo Experimental de Dança. Nada mais coerente poderia surgir para nominar o que lá iria acontecer. Grupo: pa-
lavra que supre a necessidade de referência de um determi-
nado conjunto de pessoas unidas a um determinado fim. Palavra corriqueira, mas que, quando empregada, torna-se uma referência familiar para quem está inserida no mesmo. Experimental: pode soar como uma justificativa para um trabalho iniciante, porém, neste caso, está ligada uma proposta real de autoconhecimento, autocontrole e busca do/de algo mais. Dança: expressão máxima daquilo que nos move, daquilo que o corpo não suporta mais silenciar e projeta à pele, imprimindo assim um evento que ganha um bailar único e intransferível. Grupo Experimental de Dança. Tendo eu participado do primeiro ano, sinto hoje, uma alegria e uma sensação de saudosismo singular. De certo, muitas coisas aconteceram nesses anos e que foram de extrema importância e superação para o trabalho de cada jovem lá atuante. No entanto, (que a modéstia me permita falar) o que aconteceu no primeiro ano do Grupo, resultando em um trabalho lembrado por muitos até os dias de hoje, foi o que minha mãe chamaria de “o Manjar dos Deuses”. Folias Fellinianas, espetáculo de excelência para a cidade, conferiu a mim a credibilidade de um processo constituído. As diferenças nos fizeram e o amor nos uniu em um universo paralelo tão intenso e significante dentro de nós. Aquela família experimental alçou voos desde então, cada um foi buscar sua dança, seus motivos e seus próprios experimentos. Talvez de tudo que ficou (e não foram poucas coisas), a sensação de pertencimento da própria dança foi o que marcou esse grupo. Essa doce loucura felliniana jamais sairá da gente por mais tempo que se passe... Inesquecível folias! Inesquecível Grupo Experimental de Dança da Cidade! Parabéns a cada um! 32
Fernanda
Bignetti
Bailarina, coreógrafa e professora da rede municipal de Porto Alegre, vice-diretora da escola EMEF João Antonio Satte.
Agosto
a
Dezembro
de
2007
No mês de agosto começamos a trabalhar uma manhã por semana no processo de criação. Um processo guiado mais pela possibilidade de experimentações e descobertas do que por definições já estabelecidas para uma montagem. Ainda que houvesse algumas ideias, como a de criar um espetáculo sobre lembranças de Porto Alegre e mesmo uma leitura contemporânea para o Natal, já que teríamos datas no teatro próximo a essa data. Mas saber o resultado final era o que menos importava nesse momento. Frente a um grupo heterogêneo de corpos, trajetórias, técnicas, vivências cênicas, optei pelo trabalho tarefas de improvisação, visando num primeiro momento buscar o estímulo à imaginação, ao acionamento de vocabulários pessoais de movimentos e o exercício com elementos como tempo, espaço, relação entre os corpos, o jogo cênico, o foco, entre outros. A tarefa central era brincar com o movimento, tomar consciência, intimidade, manipular motivos, jogar.
Um Grupo Experimental, experimentando Estabeleci então exercícios de experimentação. O primeiro deles foi realizado em duplas, no qual cada par deveria estabelecer relações de contrastes. Quando um estivesse no plano baixo, o outro deveria trabalhar no plano alto, quando um estivesse se movimentando lentamente, o outro deveria trabalhar de maneira acelerada, quando um estivesse num movimento fluido e contínuo, o outro trabalhasse com pausas frequentes. Enfim, eles também podiam definir outros contrastes. O objetivo central era começar a promover a interação entre os alunos, estimular a percepção, foco da tarefa e a capacidade de jogo entre eles. Num segundo encontro o exercício foi retomando, com um desdobramento, cada aluno poderia modificar ao longo do exercício seu elemento de contraste, ficando o outro atento a perceber essa mudança e procurar o novo contraste proposto.
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Como prosseguimento destes exercícios também partimos para improvisações em grupos, explorando o espaço num primeiro momento concentricamente, em um grupo que, de uma concentração, se expandia pela sala e voltava ao centro, bem como pela exploração do espaço em trajetórias de linhas retas. Posteriormente estes dois exercícios eram variados, a partir da mudança de dinâmica dos deslocamentos que surgiam. Complementando essa primeira etapa de experimentações, também realizamos o exercício em duplas, que deveriam afastar-se e aproximarem-se, valendo-se do nível baixo. Quando estivessem muito próximos ou muito afastados deveriam experimentar movimentos de braços e mãos, como se esculpissem o ar. Esses primeiros encontros permitiram que começassem a se desenhar vocabulários individuais e a possibilidade de jogo entre os integrantes do grupo. Ainda que persistisse uma certa ansiedade em saber que materiais seriam utilizados e para que coreografia ou espetáculo. Mas ainda era o momento de experimentar sem “ancorar” o material que começava a aparecer e evitar um direcionamento que pudesse impedir experimentações menos condicionadas por outros elementos que não o movimento em si.
Insistência, permanência estruturação
e
A segunda etapa do processo envolvia o desafio de retomar alguns fragmentos que já insinuavam sua potência e a possibilidade de organizá-los, estruturá-los. Como então retomar um material sem deixar que o “frescor” que apareceu não se perdesse? Como poder insistir num mesmo material e deixá-lo aberto para possíveis mudanças? O que se ganha e o que se perde na permanência de uma mesma estrutura de movimentação?
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Dessa forma, começamos exercícios de seleção e combinação. Alguns materiais já apareciam nas improvisações em duplas ou trios ou mesmo em pequenos grupos. Mas outros tomei a liberdade de propor aproximações para evidenciar “parentescos” ou mesmo contrastes entre diferentes materiais individuais. A partir daí, fui sugerindo mudanças de combinações, modificações no movimento individual dos participantes e embrionariamente desenhando pequenas cenas. Cabe salientar que quando se trata de sequência em momento algum estabelecemos, como tradicionalmente acontece, um “contagem”. Buscamos resgatar os fragmentos sem a necessidade de aprisioná-los em uma medida de tempo rígida ou num parâmetro de precisão a ser reproduzido a cada retomada. O importante era resgatar a intensidade daquela descoberta, mesmo que ligeiramente modificada, alterada, ressignificada. Para isso trabalhávamos às vezes com música, às vezes sem música. Às vezes experimentávamos com uma trilha mais intimista, às vezes com uma trilha mais dinâmica, às vezes com uma trilha brega. E íamos tentando perceber que resultados diferenciados produziam. Mesmo com essa nova etapa, tive a percepção que a turma estava querendo que enfim, tivéssemos “alguma coreografia”. Busquei então, sem abrir mão do processo de experimentação, brincar com elementos das aulas de balé que eles vinham fazendo. A partir de port de bras, começamos a estruturar uma pequena coreografia, mas utilizando-se como trilha um samba. Isso dava uma estranheza interessante à sequência que começava a nascer. Além disso, foram sendo incluídas experimentações: o uso da pausa – um elemento que raramente aparecia nas improvisações –, equilíbrio, sustentação, dentre outros elementos. Aliado a isso, percebi que a tentativa de estruturar a coreografia de balé, se por um lado, amenizava a ansiedade por uma coreografia “pronta”, por outro lado tinha, de 35
Ainda para produzir material complementar foi lançada a proposta de trabalharmos com desajustes coreográficos: 1. mancar 2. repetir demais um mesmo movimento 3. parar “de soco” seguidamente 4. um membro do corpo não obedece 5. tontear (perder referência no espaço) 6. achar graça de um(ns) movimento(s) que faz 7. se invocar se alguém chega perto demais 8. recomeçar sem nunca estar satisfeito com a sequência 9. parar para anotar as sequências que faz 10. calcular (estudar) cada passo antes
de realizá-lo 11. atrapalhar-se com o que veste
(calcinha-cueca na bunda/sutiã/ calça) 12. só conseguir dançar quando está sendo foco de atenção de alguém 13. tirar e guardar coisas da bolsa 14. dançar preocupada em não desarrumar o cabelo 15. xingar a parte do corpo que não está funcionando como você queria 16. outras alternativas serão bem-vindas
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certa forma interrompido o fluxo criativo do processo que começava a florescer.
Iniciando uma Folia, bem felliniana O material produzido, bem permissivo que era, possibilitava ser encaminhado em várias direções. E escolher um caminho dentre muitas opções é sempre difícil. E foi um momento bastante tenso, quando isso aconteceu, depois de alguns encontros experimentando. Mas uma melodia de Amarcord, de Nino Rota, certo dia ficou comichando os pensamentos inquietos, enquanto assistia àquela turma se movendo deliciosamente. Resolvi então propor entrarmos no território do cineasta italiano Federico Fellini. Estávamos diante de vasto repertório imaginário que seus filmes deixaram, repletos de figuras e situações que revelam seus olhares meio de soslaio para a vida. E neste percurso foi saboroso para alguns serem apresentados a este universo, e não menos instigador para os que o revisitavam enquanto dança. Procuramos então entender do material que tínhamos, o que apresentava características “fellinianas”: inusitadas, frágeis, à margem e ao mesmo tempo efusivas, festivas, cheias de vitalidade. Procuramos um jeito de dar vida a movimentos e encontros anônimos, daquelas pequenas coisas quase imperceptíveis e até mesmo desvalorizadas. Foi então que fomos realizar uma sessão na Sala P.F. Gastal, de Amarcord, de Fellini, filme que apenas uma das alunas do grupo já tinha visto. Depois dessa sessão cada aluno passou a buscar referências do universo de Fellini em outros filmes, em trilhas, na internet. Tinha sido desencadeado um processo fundamental para criação: a curiosidade e o interesse. Ao mesmo tempo, uma preocupação que eu dividia com eles: a de não reproduzir cenas dos filmes. Não era esse nosso objetivo. Queríamos poder traduzir em dança um universo felliniano. E precisávamos descobrir as estratégias para esse intuito. Ao mesmo tempo aquelas figuras e cenas eram muito próximas de figuras e cenas com as quais tropeçávamos cotidianamente pela cidade, nesta Porto Alegre meio metrópole, meio província, meio Roma, meio Rimini. A partir daí começamos a estabelecer pequenas cenas, como um duo de Márcio e Roberta que tinha como mote central a ideia da percepção não-visual. Márcio deveria acompanhá-la de maneira “cega”. A cena de grupo em
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que explorávamos trajetórias foi batizada “a praça”. Nela o movimento de cada intérprete criou uma galeria de figuras que se encontravam, se desencontravam, reagiam e interagiam no espaço. Ao mesmo tempo, incorporamos material de improvisação nascido na aula da professora Luciane Coccaro, que acabou virando a cena das “Noivas”, na qual apenas as mulheres do grupo dançavam em uma sequência alucinada, que as ia levando à exaustão. Também propus um exercício de movimentar-se em trio. Dois trios de mulheres que gradualmente se transformava em um sexteto. Enquanto íamos entendendo esse material, surgiam propostas de improvisação, como uma cena que estruturamos a partir de uma lista de ações para serem realizadas por cada um, como: acenar para alguém, dar dois passos para direita, tirar o sapato, girar, dar três passos para esquerda, flertar com alguém, correr em círculos ao redor do mesmo lugar. Depois de cada um ter seu próprio material, todos deviam executar simultaneamente essas tarefas em grupo. Cada um realizando a sua, mas cada ação ao mesmo tempo que o outro. Na procura de poder traduzir em dança as possibilidades fellinianas, iam nascendo a cada ensaio novas propostas. Algumas deixadas de lado, outras ganhando forma mais delineada. Umas encontrando a música tão esperada, outras vagando entre melodias de Nino Rotta. Foi assim que nasceram solos como o da Jenifer, que foi acrescido de algumas dificuldades: realizá-lo com pés de pato e máscara de mergulho e encerrá-lo dentro de uma enorme câmara de pneu de caminhão inflada. Para Nicole foi dado o desafio de realizar sua partitura de movimento individual inspirada em pin-ups de revistas da década de 50. E Luiza ficou com o desafio de incorporar uma diva do cinema, envolvida com dois fãs dispostos a tudo para agradá-la (Márcio e Douglas).
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Ainda como proposta de criação, busquei aproveitar singularidades e afinidades entre os intérpretes. Assim, em um ensaio pedi para Márcio e Douglas, que tinham dificuldade em “ficar parados”, para usarem a sala do andar debaixo e criar uma cena em que eles gastassem muita energia, incluindo literalmente subir pelas paredes, rolar, saltar etc. Eles voltaram no final da manhã e tínhamos um engraçado fragmento de dois jovens que procuravam formas de enganar um ao outro com ações interrompidas, desvios e “ciladas cinéticas”. Por outro lado, Aline e Fernando gostavam muito de trabalhar a partir do estímulo musical. Começamos a pensar num fragmento coreográfico inspirado em Ginger Rogers e Fred Astaire, que apareciam em Ginger e Fred, de Fellini, reconstruídos de maneira magnificamente precária por Marcello Mastroianni e Giulietta Masina. Conforme a escolha musical foi definida, a cena transformou-se não mais em um casal de bailarinos, mas em um noivo e uma noiva atrapalhados com o ges tual de ir para o altar. Ainda nesta perspectiva, sugeri um duo com Taís e Graziela, mais intimista, com exploração de pontos de apoio e investindo no plano baixo, construindo uma cumplicidade rasteira, frágil.
39
Um
provisório
fim
Com essas cenas, começamos o exercício de composição efetivamente pensando em como juntar fragmentos, estabelecer uma atmosfera, criar ligações, transições entre cenas. Para isso, criamos uma cena inicial bastante livre em que cada aluno deveria explorar o espaço cênico como desejasse. Definimos um final que incluía uma versão de Nino Rotta cantada por Caetano Veloso, Que não se vê, na qual deveria ser aberta a porta externa ao fundo do palco, pela qual gradualmente todos deveriam sair em direção ao beco iluminado atrás do teatro. Foi meio que inevitável pensar em improvisar um baile, a partir de partituras individuais que cada um tinha do trabalho inicial de improvisação, descobrindo possibilidades que fossem surgindo do jogo entre cada aluno em cena, que acabou rendendo duas cenas: Baile I e Baile II. A pesquisa de figurinos auxiliou bastante e deu um certo “brilho” a todos. As vestimentas foram buscadas em brechós da cidade, com peças dos anos de 1940, 1950, 1960. Na proporção que foram chegando vestidos, bolsas, sapatos, chapéus, luvas, entre outros acessórios e peças, cada cena foi ganhando relevo: descobrindo outras possibilidades de arranjo, adaptando-se a limitações (que eram positivas) ou transformações inovadoras. Fundamental, ainda, foram os ensaios no próprio palco do Teatro Renascença, quando decidimos usar a caixa cênica toda aberta, com alternativas de uso de espaço tanto das coxias, das varandas de luz, camarins. Literalmente descortinar o universo que estávamos construindo. Deixar o piano de cauda em cena, poder usar aberta ou fechada a porta do alçapão que dava para o porão do teatro (e por onde acabaram saindo as bailarinas em uma das cenas). Ao mesmo tempo, surgiam os elementos cenográficos de Zoé Degani: a escolha por bicicletas tão presentes no imaginário felliniano, janelas móveis, bancos de praça. Foi assim que fomos criando o nosso próprio universo, povoado de frag40
mentos de memórias, lembranças, associações, sugestões, invenções, numa grande folia dançante. Em momento algum quisemos representar ou encenar as obras de Fellini, nem reviver personagens. Preferimos ser fiéis a esse criador de outro jeito, exercitando o que ele mais defendia: a mentira é sempre mais interessante do que a verdade. E, neste exercício, buscar aquilo que ele postulou em suas obras: “Não há nenhum fim. Não há nenhum começo. Há somente a paixão da vida.”
CrĂtica publicada na Revista Aplauso, nÂş 91 (http://grupoexperimentalpoa.blogspot.com.br/2010/07/as-folias-fellinianas-no-palco-por-luiz.html)
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deixar então nascer os movimentos, as percepçòes, os afetos
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Em 2008, o projeto deu continuidade à turma de 2007. Depois de realizar a abertura da Mostra de Dança Verão em janeiro, o Grupo voltou às aulas em fevereiro. O desafio no segundo ano foi, além de dar seguimento e complementação às aulas, aprimorar a montagem e o aprendizado de questões de produção do espetáculo Folias Fellinianas. Para isso, os alunos passaram a organizar uma série de atividades como divulgação, produção de material gráfico, envio de material para festival, produção de fotos, clipes de vídeo. Fruto desse trabalho foi a realização de duas temporadas no Teatro Renascença, participação no Festival Dança Bagé, no Festival Dança Alegre Alegrete e no Porto Alegre em Cena, e ainda a abertura da Mostra Sesc Diálogos da Dança. A montagem fez também o encerramento do Seminário Nacional de Dança e Educação. Além disso, o espetáculo ganhou uma versão de rua, apresentada no Parque da Redenção, na Semana de Porto Alegre e foi responsável pela cerimônia de entrega dos Prêmios Açorianos de Dança e Teatro, transmitida pela TVCOM.
Professores
(fevereiro
a
setembro)
Cibele Sastre
Tatiana da Rosa
Sistema Laban de Análise do Movimento
Abordagens Somáticas para a Dança
Liane Venturella
Silvia Canarim
Máscara Neutra
Dança Flamenca
Alexandre Rittmann
Eva Schul
Balé Clássico
Dança Moderna
Alunos Aline Kaspinsky Douglas Jung Fernanda Bignetti Fernando Faleiro Graziela Silveira Jenifer Guedes Juliana Vicari
Lindsay Gianoukas Luiza Moraes Marcio Canabarro Nicole Fischer Nilton Gafree Roberta de Savian Thaís Alves
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Nova
turma
2008
Em junho, no turno da tarde, uma nova turma foi aberta. Alessandro Rivellino Aline Brustolin Bibiana Altenberd Fabiana Saikowski Flora Adams Gabriela Martins
Joana Vieira Juliana Rutkowski Muriel Vieira Raquel Purper Renata de Lèlis Ricardo Oswald
Roberta de Savian Sheila Amaral Stephania Vasconcellos Tuti Muller
Professores Cibele Sastre
Tatiana da Rosa
Sistema Laban de Análise do Movimento
Abordagens Somáticas para a Dança
Airton Tomazzoni
Silvia Canarim
Laboratório de Improvisação e Composição
Dança Flamenca
Alexandre Rittmann
Dança Moderna
Balé
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Eva Schul
Algo
assim
que
me
intrigue
A turma da manhã, que vinha de 2007, ao longo do ano teve uma redução devido a bons motivos. Alunas passaram a atuar na rede municipal e estadual de ensino. Dois alunos ganharam bolsa para estudar no exterior: Douglas Jung, na Folkwang, em Essen, Alemanha e Márcio Canabarro, na SEAD, Salzburg, Áustria. Frente a esse contexto, ficou impossível manter a montagem de Follias Fellinianas. Então foi aberta nova audição e a turma dedicou-se a uma nova montagem, conduzida pela coreógrafa Luciana Paludo, que resultou no espetáculo ...Ou Algo Assim que Me Intrigue.
Alunos Bethany Martinez Graziela Silveira Isis Marks Ribeiro Juliana Vicari Laura Rosa
Lindon Shimizu Luiza Moraes Nicole Fischer Nilton Gafree Patricia La Machia
Roberta de Savian Stefania Vasconcellos Thaís Alves
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fragmentos
de
um
processo
Começar respirando. Essa foi a escolha para os laboratórios de criação da montagem com turma que tinha entrado em junho de 2008 no Grupo. Respiração. Percepção. Mobilidade. Depois do Folias Fellinianas, em 2007, tentamos evitar as ciladas de fórmulas e modelos que deram certo e buscar entender e perceber as singularidade daquela turma e suas potencialidades. Deixar então nascer os movimentos, as percepções, os afetos (entendidos como sentimentos, mas também como o modo se deixar afetar por si e pelos outros). Confiar. Confiar em não se ter um fim determinando. Confiar em se ter parceiros. Confiar que as diferenças são uma rica matéria-prima. Confiar na aventura do mover-se e ESTAR nesse momento, intenso, por inteiro. A partir daí, encontrar espaços, possibilitar fluxos. Respirar com a cabeça, com as mãos, com a cintura, com os pés. Deixar a respiração levar ao movimento, ao deslocamento. E o deslocamento, por sua vez, levar ao encontro. E nos encontros descobrir as relações possíveis, os jogos, as trocas, as combinações, os contrastes, as semelhanças. Talvez se tivesse de escolher um momento do processo, seria “a caminhada”. Cada um começava a sua e gradualmente um grupo ía se constituindo, respirando e passando juntos. Ao mudar a direção, quem assumia a frente propunha um novo movimento que se propagava pelo grupo em movimento. Aos poucos o grupo voltava a se separar, cada um encontrando seu “lugar de aconchego”, por vezes sozinho, por vezes amparado por um colega, num abraço, num ombro, num colo. 46
Ainda não sabíamos a direção da montagem. Em uma viagem para a Bienal de Dança de Fortaleza, li em uma parede a pichação: “Eu me faço simples por você”. E o indício de como conduzir a montagem, por momentos banais da vida, muitas vezes os mais valiosos. Então partimos para o desafio de começar e fizemos disso a própria cena: como se começa alguma coisa, um movimento, uma coreog rafia?
Seguiram-se outras cenas, como a das poses de fotografias para aniversário, casamento, viagens, churrasco de final de semana. Fragmentos de duos ou trios geraram outras delicadas cenas. Percursos pelo espaço e composição de imagens criaram outras. Ainda a manipulação do próprio corpo
como
marionetes
dese-
nhou outro momento. Ao mesmo tempo, tentamos preservar esses momentos simples, não apenas em fotos, mas também em vídeos. E daí decidimos utilizar inserções de vídeo entre as coreografias. Depoimentos dos alunos e alunas sobre como começar algo, de como ficar na frente da câmera e tentar (inutilmente) ser natural, de seus medos, de seus prazeres simples (como tomar um banho de mangueira no pátio). 47
O
ano é 2007 e vigora a primeira turma do Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre. Airton Tomazzoni, diretor e idealizador do projeto, juntamente com o grupo de baila-
rinos, está no processo de criação que originará o espetáculo
intitulado Folias Fellinianas, a primeira experiência cênica do grupo. A criação cenográfica da obra, por sua vez, era assinada pela artista plástica e cenógrafa Zoé Degani, com quem ocasionalmente trabalho como free lancer, acompanhando seu processo criativo e estabelecendo relações conceituais entre a obra da artista e o pensamento sobre arte (prática que atualmente vem compor uma pesquisa de mestrado junto ao PPGAC-UFRGS1). Lembro de, neste momento, observar o grupo com distância e admiração, não sabia ao certo do que se tratava a proposta a que aquela gente se submetia, mas ao cruzar com eles pelos corredores do Centro Municipal de Cultura – acompanhada da nada discreta Electra, minha cachorrinha de estimação – havia uma energia neófita e inspiradora, própria de aventuras precursoras. Este foi o primeiro contato estabelecido com o grupo onde iria residir minha futura incursão pela dança. Eu era da equipe da cenógrafa, acompanhada do weimaraner efusivo que estava naturalmente ambientado ao teatro (já que a Electra costumava acompanhar toda produção artística que o atelier da artista desenvolvia). Alguns membros do grupo eu já conhecia, pois sendo a dança berço da minha formação artística, naturalmente já cruzara com alguns deles por salas de aula, encontros e espetáculos da classe. Airton, por sua vez, sabia quem era com a devida cautela empreendida por quem observa os artistas à distância, sua prática e discurso, através dos textos no site i-dança.net, e ainda por ser muitas vezes avaliador de obras nas quais eu participava em editais e festivais da área. Era, portanto, uma possibilidade distante que eu pudesse ingressar àquele espetáculo e, menos imaginável ainda, àquela equipe de trabalho que havia passado por um rigoroso 48
processo de seleção para estar ali, mesmo porque havia um ano que eu estava afastada dos palcos e das aulas de dança. Felizmente a possibilidade distante é ainda potência e, sendo assim, se materializou pelo motivo mais improvável, que habita os meandros da criação e que
1 Programa de Pós-Graduação em Artes Cênicas, Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Pesquisa sob orientação da Profa. Dra. Silvia Balestreri Nunes.
permite agregar força à obra de arte. A cena requeria o universo de Federico Fellini, a versossimilhança absurda característica da obra do cineasta e, para isso, Tomazzoni precisava de animais em cena, queria no palco a recorrência da vida irônica como aparecia nos filmes que inspiravam o trabalho – animais paradoxalmente coadjuvantes e imprescindíveis compõem um dos elementos fundamentais da obra de Fellini: o inusitado estranhamente factível ajuda a pincelar a magia que abriga a obra do artista. – Zoé, vamos colocar galinhas em cena... Precisamos ter animais no palco porque todos os filmes do Fellini têm muitos bichos no elenco, afirma Airton. – Galinhas?, questiona a cenógrafa. – Pois é, eu não sei como é que vou fazer para que elas se restrinjam ao espaço da cena, não quero que invadam a área do público. Evidentemente, a cenógrafa sabia do que se tratava, já que pinta em cena quadros em movimento, acopla à sua criação esculturas móveis, possibilidades para os corpos. Assim, restringir o espaço da cena e o espaço do público é a primeira instância deste teatro, desta dança, que ocupam o palco italiano. As aves, por sua vez, dificilmente serão coreografadas para seguir uma partitura limitada a ambientes específicos. No decorrer da conversa, fruto da proliferação criativa que antecipa os acontecimentos cênicos, chegou-se à conclusão que seria mais apropriado recorrer a um canino. Muitos cachorros também nos filmes do diretor italiano. Da constatação sobre a necessidade deste elemento, sempre difícil de trabalhar (já que os animais, pela sua verdade absoluta, tendem a romper o universo representativo das artes cênicas), à consideração da Electra como convidada especial, foi só virar a cabeça para o pátio do teatro... Feito! Electra integraria o espetáculo. Primeiramente queriam que a própria cenógrafa a conduzisse em cena, pois a canina em questão é de sua propriedade também. Apesar de suas incursões ocasionais pelo palco, Zoé desta vez não se dispôs a tal e prontamente sugeriu que eu empreendesse a tarefa. Assim, cheguei ao espetáculo conduzida pela pata da Electra (graças à ousadia de Airton e o empurrão de Zoé, claro), meu personagem era a dama do cachorrinho. Repleta do medo que catapulta as ações, assumi o papel. Claro que, como não era integrante do elenco até aquele instante, já vésperas da estreia, não contava com figurino, posição no palco ou partitura de movimento. Desafiando o bom senso, tirei do cabide um vestido de época e da gaveta os acessórios. Zoé
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Degani providenciou os sapatinhos vermelhos e Rodrigo Tomazzoni (responsável pela caracterização dos personagens) aprovou o cabelo e a maquiagem, enquanto a Electra já nascera pronta para aquela cena: estava delineada a figura que comporíamos para o espetáculo. Da composição da figura ao movimento que ela desenvolve em cena, meu background em dança contemporânea e clássica foi providencial para que eu pudesse habitar o ambiente cênico em conformidade com os outros corpos e elementos que a integravam. Tínhamos, eu e Electra, três cenas, as quais habitamos plenamente, imersas na obra que antes fascinava e da qual agora fazíamos parte. Foi uma temporada excepcional. Quanto às sensações da cachorra, só sei que adorava a fila que se formava no camarim, antes de entrarmos em cena, perante ela sentada, onde todos disputavam dar-lhe frutas e biscoitos. De resto, se comportava muito bem, participou de todos os ensaios que antecederam a estreia e acompanhava o aquecimento do grupo e a roda de concentração que fazíamos. Eu também estava sendo alimentada, mas de poesia e beleza. O encontro com o grupo fez alargar nossas relações, fui bem-vinda à equipe, desta vez como elenco, e as trocas eram vastas e profundas, leves e poéticas, tratavam da dança e da vida, da técnica e das emoções. A trilha de Nino Rota traduzia o universo que havia se instalado no Teatro Renascença, éramos todos seres que poderiam ter habitado um filme de Federico Fellini, mas residíamos no palco, na primeira obra do Grupo Experimental de Dança, que arrancava do cinema o elemento que compunha, agora em movimentos, a esfera cênica a que pertencíamos. Orgulhosamente apresentávamos ao público o resultado de um trabalho sensível e delicado, tratado com seriedade e exigência, onde a doação era requisito fundamental. Ao término da temporada, quando me preparava para me despedir de todos, com uma sensação de morte que acompanha todo fim de trabalho, eis 50
que sou convidada a prosseguir a jornada juntamente com o grupo, oficializar minha participação e integrar as aulas e demais atividades. Lisonja é pouco para definir a satisfação. Por esses intermédios que a vida traz, pelas deliciosas surpresas que nos reserva (esta certamente foi uma delas), me entreguei ao convite como uma noiva desesperada no altar. Eu dizia para o diretor: “Aceito! Aceito! Aceito!”. Aberta em sorrisos e apoiada nos pulos que não me continha em dar.
No ano seguinte, 2008, era eu mais uma integrante do Grupo Experimental de Dança, ambiente que fez multiplicar o conhecimento, a técnica e a reflexão na área. Pela frente veríamos o reconhecimento do trabalho, com muitos convites para apresentações do espetáculo, culminando na adaptação da obra para ser o leitmotiv da cerimônia de entrega dos Prêmios Açorianos e Tibicuera daquele ano. Nas atividades daquele oitavo andar do prédio da Cia de Arte, no centro da cidade, eram aulas de balé clássico e dança contemporânea, street dance e máscara neutra, improvisação e videodança etc, as quais participava todas as manhãs com fascínio e dedicação. Havia uma miríade de universos naquela sala e migrávamos entre eles nos desenvolvendo enquanto artistas, sendo injetados de possibilidades, trocando e crescendo, doando e aprendendo. Víamos passar o tempo preso no relógio paralelo ao tempo que residia em nossos corpos expressivos e aprendizes, em nossos espíritos artísticos e insaciáveis, um tempo inapreensível, inenarrável. Neste instante, em que recorro à memória para redigir este texto, percebo que não é no passado que reside esta experiência, este convívio, mas no presente. O legado que esta vivência deixou está impregnado nos poros, nos tendões e músculos, na minha visão e formação de mundo, no próprio conceito de arte que exercito hoje. Desenvolvemos àquela época, mais que exercícios: afetos, mais que discursos: práticas. Posteriormente, as atividades do grupo se fragmentaram (existe agora o Grupo Experimental de Teatro), se adaptaram a um novo modus operandi, possui hoje uma trajetória, com muitos alunos e artistas no currículo: anos depois, o projeto exibe sua maturidade. Quanto a mim, vivi sua precocidade, digna de uma aprendizagem compartilhada: como uma tripulação de navio que, orientada pelo comandante, se joga ao mar, já que nele o movimento é mais interessante. Vivíamos a religião da dança, o culto ao aperfeiçoamento, o apego em desbravar instâncias poéticas do palco e de nós mesmos. Nesses instantes de felicidade, em que o sujeito esfrega os olhos para ter certeza de que não está sonhando, é que relaciono a experiência junto ao grupo. O legado que me acompanha não está restrito às linhas do meu currículo, se expande pelas camadas da vida, se insere nos pilares da própria formação profissional, na edificação do meu ser. Como saber ao certo a quem agradecer: ao Airton, ao Fellini, à Electra, aos colegas, aos professores? Por uns ingressei e por outros fui conduzida, diz respeito a estas oportunidades da
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vida que, mesmo operando nas instâncias do inusitado, não podem ser negligenciadas. Afinal, é no atípico que se constrói a singularidade de um artista e, se lhes tenho como memória constitutiva, como experiência de vida, vos agradeço amplamente, mesmo porque“não existe fim, não existe início, apenas a infinita paixão da vida...” 2
Lindsay
Gianoukas
Atriz e Bailarina (dança contemporânea e sapateado americano). Mestre em Artes Cênicas pelo PPGAC/ UFRGS.
2
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Fellini em Fellini (1976) editado por Anna Keel e Christian Strich
A
experiência em ministrar aulas de flamenco no Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre foi extremamente gratificante para mim em diversos níveis, tanto profissional como pessoal.
Como o Grupo era formado por alunos com um perfil diferente dos que eu estava acostumada a lidar, tive que reformular bastante o conceito e a didática das minhas aulas. Acredito que um dado interessante seja o fato de eu ter participado do Grupo como aluna e como professora, inclusive simultaneamente, no caso do segundo curso. Dessa maneira, tive o privilégio de “me movimentar” nesses dois lugares/ espaços distintos. Isso foi fundamental para que eu entendesse melhor a proposta e pudesse dirigir as aulas de forma mais produtiva para os alunos. Foi apaixonante ver como eles se surpreenderam com o flamenco e suas possibilidades expressivas. Lembro inclusive de uma mensagem que o Douglas enviou comentando sobre as aulas de flamenco que ele teve em uma companhia europeia onde fez residência. Logo depois dos cursos, fui morar em Sevilha por dois anos e, retornando ao Brasil, reencontrei alunos daquelas duas turmas, que me procuraram e seguiram fazendo aula comigo. Também, hoje, assisto a trabalhos de outros componentes da época, onde percebo que alguns movimentos do flamenco estão presentes. Creio que tenha contribuído de alguma forma para enriquecer o repertório deles e acredito que ampliei muito minha visão em relação ao reconhecimento do flamenco como uma ferramenta potente de expressão e de possibilidades de movimento para qualquer intérprete.
Silvia
Canarim
Bailarina, coreógrafa e professora de Flamenco. Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. Diploma de Estudos Avançados em Flamenco pela Universidad de Sevilla.
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N
o ano de 2008, despretensiosamente escrevi uma carta de interesse e mandei meu currículo para a seleção dos novos alunos do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre. Eu já havia dançado
balé na minha infância, jazz e street dance na adolescência,
porém, ao iniciar minha vida artística no teatro, nunca mais havia tido contato com a dança. Não imaginava que seria selecionada, pois naquele momento, pensava que não estaria apta para entrar numa Escola de Dança... (... Anos depois que parei de fazer aulas de balé, participei de uma audição para um grupo de jazz – o Transforma – e fui eliminada da audição de uma forma brusca. Cada participante tinha um número e a professora, no decorrer da aula, eliminava os números... nunca me esqueci dessa experiência e acredito que ela tenha marcado fortemente meu olhar sobre a minha dança e colocado em dúvida minha capacidade de dançar novamente...) Porém, meu retorno à dança foi um reencontro com a Raquel bailarina que, aos 32 anos, se percebeu capaz de voltar a dançar... encontro cheio de surpresas, intensidades, trocas, criações, convívio... O Grupo Experimental de Dança mudou minha vida. Transformou meu pensamento sobre a dança, sobre o corpo que dança, sobre o ser humano que dança. Nesse lugar incrível de muito aprendizado e autoconhecimento, pude viver os momentos artísticos mais intensos da minha vida... um local de compartilhamento entre pessoas muito diferentes com experiências artísticas diversas... onde o olhar sobre si e sobre o outro se fundem num encontro profundo. Passei três anos da minha vida em um estado de entrega... conhecendo corpos e almas dançantes... vivendo e pensando a dança em um ambiente democrático, aberto... alunos e professores em conjunto, criando, recriando, aprendendo, reaprendendo... Dançar e pensar a dança, hoje, é a minha vida. Encontrei o sentido da minha existência. Ter participado desse espaço foi crucial para as decisões que 54
tomei ao longo desses três anos e essencial para minha formação como profissional da dança – dançando e ensinando... ensinando e dançando... respirando profundamente a dança.
Raquel
Purper
Diretora, coreógrafa e professora de dança.
H
á como transformar em palavras as experiências? Há como traduzir uma linguagem que ultrapassa a própria linguagem? Por vezes se pensa que a dança se faz de corpos que se
movem; outras, por corpos que se movem e pensam; outras por corpos que se movem pensam e sentem; outras ainda por corpos que se movem, não movem, pensam, sentem, refletem, socializam, exploram, criam, compartilham. Foi a partir de meu envolvimento com o Grupo Experimental de Dança da Cidade que ampliei meus horizontes acerca da dança e da criação artística e me aproximei de uma possibilidade mais complexa de entender e vivenciar a arte de dança. Instigando meu quebra-corpo-cabeça a aprender e desaprender. Fiquei três anos como aluno e um como professor, e hoje me percebo muito mais inteiro em meu posicionamento artístico; isso se dá, também, graças à interferência positiva do Grupo na minha vida; percebo mudanças tão internas e ao mesmo tempo tão materiais que passam pela maneira como danço mas que vão muito além disto. A partir de minhas experiências como aluno e professor dentro do grupo, posso dizer que é impossível passar por este rio sem se molhar. Transformações acontecem.
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Que bom que houve muitas pessoas que permitiram e facilitaram que eu fizesse e inclusive redescobrisse o que amo. Creio que, das idas e vindas, os que permanascem (isso mesmo) por algum tempo no grupo tem um imenso potencial de estabelecerem-se, no mínimo, como grandes criadores e intérpretes de dança.
Alessandro
Rivellino
Artista multimídia interessado no que pode um corpo. Bailarino, professor, diretor, performer e coreógrafo. Integrante do coletivojoker.
Q
ue piso errado, me apoiando nas beiradas dos pés Que abri minha caixinha de Pandora e ela estava guardada na minha escápula esquerda, e que havia muita dor ali Que muitas pessoas, muito próximas a mim, me causam fobia e
falta de ar
Que tenho dificuldade em dobrar a coluna Que tenho um belo peito de pé Que flexibilidade tem mais qualidade que força bruta Que podemos estar em movimento, mesmo estando em repouso Que podemos encontrar espaços inimagináveis dentro do nosso corpo E que esses espaços acessam movimentos suaves e amplos Que usamos nosso corpo inapropriadamente a maior parte do tempo Que a dança é um mergulho para dentro E que nesse mergulho, encontramos tesouros perdidos. *** Eu tinha escrito isso em novembro de 2008. Amei ter tido essa experiência 56
com todos do Grupo Experimental. Foi uma síntese do que eu sentia. Descobertas, sensações e a ansiedade por pisar no Renascença pela primeira vez. Mas até aí a dança é algo maravilhoso, pois é uma doação e eu consegui fazer essa entrega. Descobertas e percepções.
Sheyla
Amaral
Mãe, dona de casa e aprendiz
T
rabalhei com o Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre em quatro ocasiões: duas vezes ministrando aulas de dança (2007 e 2008); um processo de montagem coreográfica
(2008), o qual resultou na coreografia ...Ou Algo Assim que me Intrigue; e numa remontagem do mesmo trabalho, para um grupo parcialmente diferente, no primeiro semestre de 2009. O que pretendo narrar aqui começará pelo processo da montagem de ...Ou Algo Assim que me Intrigue, coreografia que
se configurou como uma das primeiras vivências que me impeliram a desenvolver o estudo de minha tese, a qual desenvolvo no Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Analisar certos fatos e procedimentos dessa ocasião fez com que eu iniciasse uma observação mais específica de como se dá o meu funcionamento nos processos de criação em dança – especificamente quando se trata de coreografar para outros corpos. Trabalhar com corpos diversos, com formações diversas em dança movimenta entendimentos relativos a estéticas e possibilidades de configurações em dança. Assim, dificilmente ficaremos imóveis em nossos “cômodos lugares” de pensamentos. Os pensamentos, por sua vez, dificilmente se fixarão como verdades plenas e acabadas. Outubro de 2008... Era o primeiro encontro que teria com aquela turma, e um fato já estava dado: ao final de um período de três meses e meio, teríamos que aprontar uma coreografia. Os anos de experiência no ensino da dança tinham propiciado o contato com uma porção muito diversa de corpos e possibilidades de movimento. Mas, o que me instigava tanto na nova experiência? O que estava diferente das outras vezes? Não conseguia localizar. Aos poucos passei a compreender. Era a primeira vez que ganhava a tarefa e assumia o compromisso de formar para corpos que não conviviam diariamente com meu trabalho de aula. O problema, então, não estava na diversidade; estava no curto espaço de tempo que teria para “descobrir uma metodologia possível” para aquela circunstância. Quando se está num início de trabalho coreográfico, a intencionalidade se pronuncia de uma maneira muito intuitiva, pelo menos no que posso observar quando componho. As peculiaridades da criação, o ato de dar sentido a uma série de elementos, de modo que se configure um todo que comporte uma significação particular é uma das tarefas mais difíceis que se tem na arte.
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O primeiro procedimento que fiz para formar a coreografia foi dar aulas de dança. As seis horas semanais eram usadas para fazer aula. Precisava, minimamente, criar signos em comum de entendimentos de corpo e percepção, de modo que tivéssemos vocabulários para estabelecer diálogos. Percebia que proceder assim seria uma espécie de escuta; uma abertura aos corpos e às ideias, para que a dança pudesse se pronunciar ali. Nos exercícios, sugeria a eles, através do uso de imagens (procedimento inspirado na Ideocinese), que buscassem intenções para gestos, movimentos e deslocamentos específicos no espaço. Lidar com as pausas, situar a cintura escapular no espaço nas dimensões da largura, profundidade, o que gera um resultado específico na altura. Todos esses eram procedimentos meus para a minha dança, os quais estavam vindo à tona em palavras. Aos poucos percebia que o fato de eu não dançar a coreografia estava propiciando este recuo, e, delicadamente, uma elaboração do que me era tão particular. O que saliento dessa experiência de montagem coreográfica foi que estabeleci muitas reflexões a respeito da relação entre técnica, poética e estética; vejo que essas três camadas são a trama de uma mesma coisa, faces de um mesmo objeto. Às vezes o objeto só não se mostra em todas essas fases, mas, já comporta em si a potência. Por exemplo, se estou a dar aulas, há uma inventividade e uma intenção em cada elemento; posso não estar preocupado em formar uma coreografia, mas, ela poderá se organizar como consequência daqueles movimentos, em acordo à intenção que tenho, ou não, de formar algo. O conceito de técnica em dança é muito amplo; 58
há muitos mitos e interpretações a respeito de ser ou não necessária a “técnica”, como se ela fosse um ente que estivesse pairando nalgum lugar. Outro mito é o de acolher apenas uma técnica, como necessária e fundadora. Compreendo a questão da técnica em dança como todo esse aparato criado, em determinadas épocas e contextos, a partir de necessidades peculiares dos praticantes dessa arte. Se pudermos repetir algumas organizações e nos basearmos em sistemas de movimento, certo é que cada tentativa é uma re-invenção
daquele gesto nos corpos e no mundo. Aquele procedimento vem à tona, é remontado a partir do que já sabemos; com isso podemos instaurar e propor novas tentativas, entendimentos e arranjos. No caso de ...Ou Algo Assim que me Intrigue, ao iniciar o trabalho com o grupo não tinha nenhuma intenção a priori; a intenção foi se engendrando. Como era final de ano, as propagandas de natal, as músicas de natal, os bonecos de natal e o frenesi das pessoas com seus pacotes de presentes nos shoppings, lojas e ruas da cidade foram nossos primeiros motivos de pesquisa e inspiração para criar movimentos. Certo dia perguntei a eles: “o que intriga vocês?”. Sugeri que, além das observações da época de Natal, trouxessem algo que fosse mais pessoal, e fizessem uma frase de movimento. Passamos a trabalhar nossos incômodos, a trazer para o movimento, de maneira abstrata, pois sempre se trata de uma transferência de signos e de linguagem. A partir dessas tarefas realizadas foram, aos poucos, surgindo organizações de pequenos blocos; tínhamos uma pesquisa musical que corria paralela, em músicas novas que ocupava para dar aulas e para experimentar os exercícios e tarefas propostas e criadas. Vejo que circunstâncias específicas geram comportamentos relativos a tais realidades. Também criamos comportamentos nesse processo coreográfico. Mais do que metodologias de criação; inventamos modos de operar com o nosso corpo durante a semana. Tornamos-nos cúmplices e o que solicitava a eles era “para não desligar” do processo nos dias em que não nos encontrávamos – por isso as tarefas de criação, as quais geralmente lhes propunha no último encontro da semana (na quinta-feira, para serem apresentadas no início da semana seguinte. É difícil “desligar o botãozinho”, quando se está criando... Eu ia embora ao final de uma manhã, depois de um trabalho de três horas e, decididamente, o processo não se encerrava com o final das horas de trabalho. Os corpos permanecem em mim. Minha retina confere a memória visual necessária; a sensibilidade e o envolvimento fazem com que as horas seguintes sejam uma continuidade da criação. Assim, propunha a eles no-
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vas tarefas, às vezes por e-mail; ou então, escrevia no caderno de notas e lhes passava no encontro seguinte. Na expectativa, sim, mas, também na compreensão da possível e certeira defasagem, própria, tão própria da dança. Formular espécies de pensamento tem relação com o ambiente e a organização social e política que se engendra em relação ao objeto que estamos a lidar. Pude pensar e elaborar várias coisas a partir dessa circunstância vivida no Grupo Experimental de Dança, cuja organização se constitui no formato de uma Escola Livre de Dança, respaldada pelo Centro Municipal de Dança da Cidade de Porto Alegre e sua Coordenação, vinculada à Secretaria Municipal de Cultura. Esse caráter oficial nos coloca em evidência; há uma cobrança em termos de resultado – estético inclusive. Não emitirei pareceres quanto ao resultado estético de ...Ou Algo Assim que me Intrigue. Digo que ela cumpriu sua função, dentro do contexto que se propôs a ser criada e a existir. Dentro, também, de meu contexto de artista da dança. Digo que tivemos a feliz oportunidade de movimentar modos de pensamento em relação à dança, à criação; aos problemas estéticos e de recepção. Movimentei minhas concepções e, por certo, convidei ao movimento os bailarinos. Hoje é mais fácil falar de certas questões de meus processos de criação em dança, por conta dessa experiência fundadora, que “me intrigou”, colocou-me em conflito. E o conflito é este maravilhoso motor da criação. Alguém, por acaso, quer sossego?
Luciana
Paludo
Bailarina, bacharel e licenciada em Dança. Mestre em Artes Visuais, doutora em Educação, professora do Curso de Dança da UFRGS. Coordenadora do Mimese Cia de dança-coisa .
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M
inha experiência no Grupo Experimental foi extremamente importante e transformadora. Eu fiz parte do primeiro grupo de bailarinos privilegiado pelo projeto, e tenho certeza de
que aquele foi um momento fundamental para muitos de nós. O início, com aulas todas as manhãs na Cia de Arte, me proporcionou a primeira oportunidade de treinamento diário profundo e diversificado, abrindo possibilida-
des até então desconhecidas no meu corpo e modificando o meu entendimento do que significa ser bailarina no contexto da dança contemporânea. Lembro que naquele primeiro ano nenhum de nós tinha segurança sobre o futuro do projeto, tudo era ainda um terreno de tentativas e apostas às quais nos engajamos plena e alegremente. O processo de criação coreográfica nos levou ao espetáculo Folias Fellinianas, que rendeu viagens, temporadas, apresentação do Prêmio Açorianos de Dança e Teatro, muito engajamento de grupo e a sensação de termos atingido um momento de maturidade que tinha um gosto de representar publicamente a consistência do projeto. O grupo se tornou uma família baseada na força da experiência compartilhada, e os projetos conjuntos começaram a extrapolar os limites do Grupo Experimental.
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O ano seguinte foi palco das primeiras despedidas dolorosas mas orgulhosas, os primeiros bailarinos deixavam o grupo para alçar voos mais altos. Logo em seguida, novos colegas se uniram à turma já entrosada para a criação de ...Ou algo assim que me intrigue, com direção de Luciana Paludo. Tudo o que me restou na memória do processo de criação e do espetáculo resultante tem um tom de sensibilidade extrema, de refinamento e entrega no movimento, na relação entre os bailarinos e na interação generosa da coreógrafa com o grupo. Desde lá, o tempo voou. O caminho que começou no Grupo Experimental me levou para (geograficamente) longe de Porto Alegre e das pessoas que fizeram parte deste momento da minha vida. Quando penso no grupo, o sentimento inevitável é a saudade. Saudade dos professores, dos amigos-colegas-bailarinos, do frescor das primeiras descobertas, da confiança adquirida neste caminho denso. Foi daqueles acontecimentos na vida em que experiências intensas se concentram em um período de tempo relativamente curto. É incrível pensar em tudo o que se passou naqueles primeiros anos do grupo. Me orgulho de ter feito parte desta primeira turma, de ter construído laços que se mantiveram no tempo, de ter feito a minha parte para consolidar este projeto. Recupero um trecho de um texto que publiquei no blog do grupo quando comemorávamos um ano: “Não encontro exemplo melhor do que o que segue pra ilustrar a mudança que se operou nos corpos/mentes destes experimentais. Nas famosas e indispensáveis conversas de corredor, um questionamento geral e recorrente ( impertinente, até) nos primeiros meses de aula era “será que eu vou ser bailarino mesmo um dia? será que dá? será que eu consigo?”. Pois o fato é que eu, o Doug e a Nicole temos conversado há um tempo sobre as mudanças que se operaram, motivados pela proximidade das comemorações de um ano do grupo. Percebemos o seguinte: há um ano atrás, ao preencher qualquer daqueles formulários, cadastros, 62
etc., em que a gente tem que dizer até a cor da calcinha, o campo profissão era bastante problemático. Eu, por exemplo, sempre colocava “profissão: estudante”, ou seja, não sou nada ainda, sou um projeto. Comentamos que agora, depois da experiência com o grupo, o campo profissão de qualquer formulário passou a ser bem mais simples. Profissão: bailarina. Sem hesitar. Esse é o tamanho da mudança que o grupo promoveu na minha vida e, acredito, nas dos outros balarinos que têm a oportunidade de fazer parte dele. Não pode faltar: obrigada, Airton, pela
coragem, pela primeira e maior aposta, que tornou possíveis todas as outras. Com toda a certeza, o crescimento que percebemos nas aulas da Tati hoje não seria o mesmo sem os professores que enfrentaram com a gente os diferentes momentos do grupo. Obrigada, queridos professores. Que venham mais apostas, mais conquistas, mais folias, fellinianas ou não. Um grupo de bailarinos muito afinado se formou. Ao final de um ano, temos o mais importante para que novas conquistas venham: fichas, muitas fichas para apostar.”
Luiza
Moraes
Mestre em dança, criação e performance pelo CNDC/Angers e Université Paris8, performer independente atualmente baseada em Budapeste, Hungria.
E
ntrei para o Grupo Experimental sem saber de que forma aquilo me afetaria. Sem noção das descobertas, dos corpos que se transformam, expressam, traduzem, que criam. O Grupo me sensibilizou para a quantidade de dança que existe em cada gesto, olhar e rotina.
A dança que passa despercebida no cotidiano. E, principalmente, a dança particular que mora dentro da gente, que briga pra sair. Eu nunca havia dançado formalmente, e assim que entrei para o grupo tive que enfrentar prazerosamente aulas de dança moderna, contemporânea, street dance e ballet; descobrir novas energias, vértebras, músculos e a existência das escápulas. Mergulhei de cabeça nesse universo novo e apaixonante, que me transformou. Permaneci no grupo por cerca de um ano, de 2008 a 2009, e fiz parte do elenco do espetáculo Eu me faço simples por você, que materializou meses de experiências e entregas. Só tenho a agradecer a todos os professores, colegas e, principalmente, ao Airton, pelos estímulos, descobertas, sorrisos e excelência. A sociedade precisa dançar mais.
Ricardo
Oswald
Produtor e professor de Yoga, residente em Berlim.
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P
articipei como professora do Grupo Experimental nos anos de 2007, ministrando uma oficina ao longo de um mês e como professora permanente no ano de 2008. Trago aqui brevíssimas
reflexões sobre o papel das abordagens somáticas do movimento em uma escola de formação de bailarinos. Costumo chamar minha aula de “Improvisação e abordagens somáticas do movimento”, ou algo aproximado. O faço na tentativa de evitar o nome “dança contemporânea” e a redução a um estilo coreográfico daquilo que poderia ser uma disposição para encararmos a dança, ou diferentes tradições de dança como artes em criação, em movimento, em mudança, em estado de pergunta. O nome “dança contemporânea” tende a colar em certas soluções cênicas, em certas práticas pedagógicas (como por exemplo a improvisação e aquelas reunidas sob o guarda-chuva da educação somática), mas, principalmente, em um certo repertório de movimentos (rolos no chão, articulações colapsadas, etc.). No contexto de uma proposta como a do Grupo Experimental o compromisso com essas posições e discussões torna-se maior. Mas também solicitei ao Airton que acrescentasse a palavra “dança” ao nome de meu curso na ficha técnica deste livro, pois há uma segunda formulação que baliza muitas de minhas escolhas como artista de dança e que precisei trazer à tona agora: a da noção de formatividade, presente no nome do Centro de Formatividade em Dança , do qual fui aluna em 1991. A teoria da Formatividade de Luigi Pareyson entende que “formar [uma obra] significa fazer inventando ao mesmo tempo o modo de fazer”, isto é, que não é possível separar técnica de criação. Com isso se diz não só que o criar não é produto da inspiração livre, que é condicionado, plasmado pelos seus procedimentos, mas também que a técnica não é um fim em si mesma e que é modificada pelas necessidades da criação. Ou seja, é preciso que se entenda as técnicas agrupadas sob o nome “educação 64
somática” não só como instrumentos para a garantia da saúde dos bailarinos ou seu aperfeiçoamento técnico, mas como ferramentas que, ao aproximarem-se da experiência vivida do corpo, ao incluirem a propriocepção do bailarino nas práticas pedagógicas, tornam-se práticas e estatégias de criação. E que, num contexto artístico, conversam com o desejo de dança, são guiadas por ele. De maneira muito geral (ou generalista), podemos dizer que essas técnicas incluem a consciência, ou a atenção do praticante ao movimento enquanto exe-
cutado, exigindo, em muitas delas, um tônus baixo, o repouso e a sua repetição lenta. Através de abordagens assim, que parecem à primeira vista negar o mundo altamente cinético da dança, o bailarino entra em contato minucioso com o reconhecimento das estruturas de seu corpo e de movimentos básicos que permeiam seu cotidiano e os diferentes passos de dança que experimenta. Mas esse contato se dá pelo próprio sentir, ou melhor, por uma valorização que essa pedagogia traz ao sentir – e do qual o professor tem que ser cúmplice e estimulador –, revertendo, no ato, a relação de poder professor-aluno. É nesse âmbito apaixonante da sensação pequena, do que poderia ser apenas íntimo, que os significados da dança ganham ampliação em cada bailarino, que a comunicação ganha espaço. Se refino o meu sentir, refino a possibilidade de sentir e perceber o outro e a realidade a minha volta. Se ganho o aval para o meu sentir, passo a bancar as imagens que emergem em minhas explorações próprias. Trabalhar na intensidade de um ano com a primeira turma do Grupo permitiu não só a emergência dessas experiências, mas um gosto do que pode ser um aprofundamento. Foi possível instaurar um ambiente de trocas nas aulas e, principalmente, uma confiança em tais procedimentos. Sem confiança nada nesses métodos funciona, eles não são mecânicos, não são lineares. Na primeira turma do Grupo reencontrei muitos ex-alunos da Graduação em Dança – Licenciatura UERGS/Fundarte, onde fui professora. Nesse novo momento, o que apresentavam era uma fome pela imersão na prática de dança, que o formato do Grupo podia proporcionar. Havia para eles a perspectiva de participar de um espetáculo, a inserção era artístico-profissionalizante, portanto engajada em um projeto em comum, em torno da criação. Se na graduação procurei sempre decupar procedimentos de forma mais analítica, busquei, no primeiro contato com o grupo, no curso curto de 2007, lhes dar um banho de movimento (e de alegria), trazer logo a experiência de que as práticas lentas modificavam diretamente movimentos grandes com risco e gosto de virtuosismo. Lembro de trabalharmos o pequeno jogo entre o cóccix e a cabeça, que dá maciez e continuidade ao impacto de saltos, e de realizarmos diagonais amplas saltando com o corpo espalhado no ar para resolver a queda em um rolo. Vivemos ali o desafio que se instala por um movimento que o corpo não acessa de imediato, de forma, acredito eu, estimulante e divertida. Isto porque a solução não vinha à força, vinha no investimento nas práticas sobre a sensação própria, abertas portanto a
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resultados que uma aula não consegue conter, que um professor não consegue suspeitar. Desenhávamos um espectro em que o virtuosismo e as práticas suaves e aparentemente indulgentes de abordagens somáticas se complementavam, assim como, acredito, o desejo de criação e apropriação do processo se insinuava em cada um. Foi com este gosto que nos reencontramos no ano seguinte, sem resistências, com confiança e desejo. E com muito espaço pela frente. Foi um caminho construído. Condições assim não se dão num toque de mágica, é preciso um investimento longo, atento e criativo. Naquele início, pudemos colher desse investimento numa medida estimulante. E como potencializar tudo isso? Realizar a mediação dessas experiências entre aulas e professores é ainda um campo a ser explorado no projeto do Grupo, entendendo-se que a solução para isso não é simples nem imediata. Ela implica o debate de visões de dança e de mundo. Apesar da técnica ser muito em dança, o corpo não é mecânico. Não podemos mais falar mais em corpos, devemos falar em sujeitos. Isso exige soluções complexas, diálogos abertos. Neste momento de reflexão do projeto do Grupo Experimental, um projeto que abraçou a complexidade, ficam os votos para que se equacione cada vez mais os desafios e soluções que a dança exige hoje.
Tatiana
Nunes
da
Rosa
Bailarina, coreógrafa, professora de dança. Mestre em Educação – UFRGS.
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F
oi mais ou menos no inverno de 2007. Eu estava no terceiro ano do curso de teatro na UERGS quando fiquei sabendo que havia um “grupo-escola” de dança contemporânea em Porto Alegre. Soube por
uma amiga que cursava dança na mesma faculdade. Achei inte-
ressante, mas não foi o bastante para querer entender mais sobre o assunto. Na época, eu estava imerso em uma pesquisa corporal do ator e, naquele momento, isso já me bastava. No ano seguinte, soube que estava aberta a inscrição para uma audição para a criação de um espetáculo de dança pelo grupo. A pesquisa em que eu estava envolvido já estava no fim, achei um bom momento para buscar novas ferramentas e informações. Foi uma audição para o futuro espetáculo dali surgido …Ou Algo Assim que me Intrigue, com direção e coreografia de Luciana Paludo. Lembro-me de estar próximo a muitos bailarinos no espaço da Cia de Arte. Pensei que seria uma boa experiência participar de uma audição de dança, mas senti naquela aula-audição que eu não entendia muito bem alguns pontos de vista daquele universo, portanto dialoguei com o vocabulário em que estava mais acostumado. Porém, eu sentia no ar da Luciana, um conforto. Algo que me remetia a um universo próximo. Algo até mais oriental do que muitos japoneses. Um lugar que tem contorno, mas reconhece as indefinições das coisas. Talvez um entorno. Depois fiquei sabendo pela Luciana que ela me passou porque gostou da qualidade do meu “limpar o chão do espaço” anterior à audição. Eu tive uma grande descoberta no processo de criação. Eu vim de um lugar em que o peso é um lugar de segurar. Eu segurava o peso. Junto com ele o mundo. Então eu não entendia no meu corpo coisas como “acomodar a escápula”. Lembro que um dia, eu estava em pé e a Luciana colocou as mãos na minha escápula esquerda e fez uma leve massagem, e pediu para eu soltar o peso. Deixando-me levar pela experiência eu deixei meu braço cair. Respirei. Opa, novidade no ar. A diferença entre segurar o peso e soltar o peso. Lembrando hoje, aquilo me tranquilizou tanto. Eu posso soltar o peso. Eu posso “deixar”, né? Eu posso dividir a responsabilidade de eu estar aqui, com a terra. A gente trabalha a nossa expectativa. A gente não precisa “dar conta” de tudo. Talvez esse tenha sido um dos primeiros gestos da dança que me marcou. Como dividir a responsabilidade com o espaço. Assim, acho mais coerente, se nós também somos natureza. Assim, acho menos sofrido.
Lindon
Satoru
Shimizu
Bailarino integrante da Cia. Dani Lima / RJ
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como pensar uma ideia em danรงa
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Em 2009, devido à grande procura por alunos para participar do Grupo, foi decidido utilizar os três turnos da sala na Cia de Arte. Para isso foi criado uma grade de horários flexível e cada aluno deveria cumprir pelo menos 15 horas semanais. Com isso, ganhou-se a possibilidade abrir um maior número de vagas, por outro lado, deixamos de trabalhar com um grupo fixo em cada turma. Apenas os alunos de 2008 que tinham participado das montagens, tinham um turno semanal para seguir ensaiando os espetáculos. Uma novidade que também foi implantada foi a da realização da primeira Mostra de Dança do Grupo Experimental, no mês de julho, com apresentação das duas montagens de 2008 e com fragmentos coreográficos criados em aula pelos professores. No final de ano foi mantida a apresentação de fragmentos coreográficos e da montagem de Alguma coisa acontece, no Teatro Renascença.
Professores Alessandra Chemello
Elisa Machado
Jazz
Balé
Alessandro Rivellino
Eva Schul
Danças Circulares
Dança Moderna
Alexandre Rittmann
Ivan Motta
Balé Clássico
Dança Moderna
Andrea Spolaor
Juliana Vicari
Dança Contemporânea
Improvisação
Bia Diamante
Luciana Paludo
Educação Somática
Estudos Contemporâneos em Dança
Carlos Nunes Dança de Rua
Cibele Sastre Sistema Laban de Análise do Movimento
Neca Machado Dança Moderna 69
Alunos Alessandro Rivellino Alice Tessler Aline Brustolin Aline Karpinsky Anelize Simões Béthany Martinez Bibiana Altenbernd Bruna Merino Carine Sophia Carol Martins Carolina Garcia Carolina Roehe Charles Ferreira Cristiano Vieira Fábio Gonzales Fani Vasconcellos Fernanda Boff Fernanda Santos Iandra Cattani
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Igor Pretto Isabel Grinberg Jéssica Padilha Joana Vieira Julia Lüdke Juliana Rutkowski Juliana Werner Karina Fröhlich Karine Paz Lara Sosa Dias Laura Rosa Lauren Hartz Lindon Shimizu Luciane Panisson Luiza Moraes Magda Oliveira Marina Mendo Manuela F. de Souza Marcelo Mertins
Maria Albers Muriel Vieira Nicole Fischer Nilton Gafree Nina Eick Patrícia Lamachia Paula Sperb Raquel Purper Regina Rossi Roberta Pedroni Roberta de Savian Rodrigo Fiatt Samanta Bueno Medina Thaís Alves Tracy Freitas Tuti Muller Viviane Gawazee
O
Grupo Experimental com certeza foi um grande incentivo na minha carreira e oportunidade de aperfeiçoamento. Na área artística ainda encontramos muitas dificuldades para de fato construirmos uma carreira sólida e próspera. Após a
formatura em Dança pela UERGS, foi fundamental encontrar uma oportunidade dentro do Grupo Experimental de Dança, sendo possível nutrir minha carreira com experiências práticas, diálogos e trocas riquíssimas. Ao sair da universidade e encontrar as portas abertas no Grupo foi como sentir-me acolhida e motivada dentro do cenário cultural da cidade de Porto Alegre. Minha experiência no Grupo me trouxe o que todo bailarino almeja: períodos intensos de conhecimentos e práticas corporais, podendo dessa forma dançar, adquirir conhecimentos, dançar, conhecer novas técnicas, dançar, relacionar-me com outros artistas, dançar, crescer profissionalmente e dançar. O Grupo traz consigo características importantes, que contribuem para o desenvolvimento da cidade e de seus artistas, pois oportuniza estudos diversificados com competentes profissionais da área, possibilita a participação de pessoas de diversas vertentes artísticas, ouve seus integrantes para conseguir suprir as necessidades existentes, analisa o cenário cultural da cidade para direcionar suas ações e escolhas, entre tantas outras. Certamente o Grupo Experimental de Dança veio para contribuir significativamente com o universo das artes de Porto Alegre, criando um espaço de qualificação e incentivo aos artistas desta cidade, que, além de pesquisarem e praticarem a dança, podem retribuir a cidade com espetáculos, oficinas e diversas ações artísticas. Sinto-me contente e orgulhosa por ter feito parte do Grupo Experimental, pois além de enriquecer minha trajetória vejo sua importância para outros amigos artistas e para a cidade. Parabéns ao Grupo Experimental de Dança pela sua trajetória. Parabéns a Airton Tomazzoni que brilhantemente alimenta este projeto e proporciona oportunidades imensuráveis aos artistas da cidade. Parabéns a todos os colegas que passaram pelo Grupo, que ainda estão nele, e aos próximos que vêm para fazer parte desta história!
Lauren
Hartz
Bailarina e produtora cultural da Cia KHAOS Cênica.
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O
que falar do Grupo Experimental? No meu caso, foi uma experiência transformadora! Do ponto de vista corporal, foi incrível, aulas diárias de todos os tipos, muita disciplina física e psicológica, desafios diários que me tornaram uma pessoa mais forte e mais cons-
ciente do meu próprio corpo. Experiência de palco, espetáculos emocionantes para crianças e para adultos. Convívio intenso com colegas de diferentes áreas e personalidades, com maneiras diversas de pensar a arte, a dança, a presença cênica e principalmente como se colocar diante do coletivo. As maiores conquistas foram a determinação e a força de vontade para buscar diariamente ultrapassar, nem que fosse um pouquinho a mais, o próprio limite do corpo. Foi difícil em muitos momentos, confesso, vivenciei momentos de tristeza, solidão e incompreensão. Momentos de desunião e de falta de esperança enquanto artista, além de desavenças, choques de pensamentos que provocaram rupturas. Porém, afirmo que foi uma oportunidade maravilhosa de me testar, de me conhecer melhor como pessoa que vive imersa num entorno maior, de conhecer o meu próprio corpo e suas possibilidades e sem dúvida aprender a lidar com a difícil arte de conviver em grupo. No final, sinto que pude aprender muito mais do que, em minha expectativa inicial, poderia imaginar, e agradeço a todos os envolvidos pela riqueza das experiências compartilhadas. O que ficou em mim após esses três anos que participei do Grupo Experimental de Dança foi com certeza a disciplina e a persistência para lutar com dignidade e esperança pelo sonho de ver a Arte mudar as pessoas e mudar o mundo. Obrigada colegas e professores.
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Lara
Sosa
Formada em Artes Visuais/UFRGS. Pós-graduada em Gestão Cultural
A
continuidade do projeto iniciado em 2007 já é, independente de qualquer resultado ou avaliação produtiva, louvável e uma iniciativa necessária e im-
prescindível ao desenvolvimento da dança em Porto Alegre. Fico orgulhosa e satisfeita de ter feito parte do segundo ano do projeto, foi muito enriquecedor para mim. Estive em contato com professores/artistas que não conhecia, pude compartilhar dúvidas e conhecimentos com colegas interessados nos mesmos temas que eu. Sem contar que o treinamento diário é uma ferramenta necessária para o bailarino, e muitas vezes, por questões financeiras e práticas, muitos bailarinos não têm a possibilidade de treinar diariamente. Mesmo não podendo estar presente em todos os encontros até o final do processo, assisti ao espetáculo que resultou de tal, o que tornou mais visível ainda a prática diária em dança nos corpos dos “alunos-performers”. E como resultado, para mim pessoalmente, destaco o solo que trabalhei com Eva Shul e que, sem o Grupo não teria acontecido. Gosto da ideia de continuidade do projeto, e seu crescimento e desenvolvimento. Acho, como já mencionado, enriquecedor para Porto Alegre, uma cidade que pede dança (as comunidades da Descentralização da Cultura estão sedentas por professores que trabalhem com dança!) e começa, lentamente, a oferecer um link para produzir dança de qualidade.
Regina
Rossi
Bailarina e performer. Pesquisadora em Estudos da Performance em Hamburgo / Alemanha
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I
mpactados pela perda dos nossos mestres da dança Michael Jackson e Pina Bausch, sem saber ainda que Merce Cunningham iria logo após, naquele inverno do ano de 2009, deixamo-nos mover e comover por imagens que emergiam em movimento como material expressivo baseado na Aná-
lise Laban em Movimento em prática naquele momento. Produzindo movimentos e atmosferas muito inspiradas sobretudo em Bausch, parecia ser o que nos restava a fazer diante de tantas perdas: uma humilde e informal homenagem/reverência. Alunos-amantes da dança e das artes do corpo encontraram a presença do corpo-vivo-em-movimento e se permitiram partilhar experiências sensíveis em jogos e tarefas, experimentando improvisar sobre elementos de transformação de qualidades de movimento, quase como se estivessem contando histórias pessoais ao redor de uma quente fogueira, em tempo e espaço remotos. O grupo que frequentava as aulas teve um momento de encanto em estado onírico, perdendo a referência do ali/lá fora, para uma total entrega no aqui/agora, de tempos estendidos entrando em impulsos de magia, acrescentando densidades espaciais e relacionais. Estávamos todos encantados: espaço – peso – fluxo, atenção e intenção e precisão com as emoções, e foram muitas, em fluxos intensos. Com a chegada do inverno e algumas condições difíceis de acesso ou acolhimento na sala, algo maior que a matéria se instalou com esse grupo. Algo que, para nós, permitiu a evocação. Recém ida, nossa musa certamente não nos ouvia, e se ouvisse talvez até resistisse a tamanha ousadia. Mas assim foi. Carol Garcia, que não poderia participar da apresentação, fez questão de deixar gravado em off um poema de Neruda que catei na minha caixinha pessoal, presente de um encontro entremundos com uma bailarina espanhola muito especial. Todos compartilhamos memórias e sensações em movimento, simbólicas para nós, ilegíveis para os demais. Ao público restou compartilhar atmosferas mais do que formas coreográficas ou de movimento, e a emoção de estar evocando a nossa própria presença uns diante
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dos outros, e a de quem mais quisesse estar ali, enquanto Pina se afastava de nós no além.
Cibele
Sastre
Artista e pesquisadora de Danças e Artes Cênicas, analista em movimento certificada pelo LIMS/NY (Bolsa do Ministério da Cultura), articuladora do Conexão Sul, professora do Curso de Dança da UFRGS.
Performances apresentadas na Mostra do Grupo Experimental da Cidade Dias 11 e 12 de julho de 2009 Teatro Renascença / Porto Alegre
Tatuagem
Enquanto Pina voa
com Eva Schul e Mônica Dantas Coreografia: Eva Schul
com Alessandro Rivellino, Alice Tesseler, Aline Karpinski, Carine Sofia, Carol Martins, Charles Ferreira, Juliana Rutkowski, Karine Paz, Nicole Fischer, Raquel Purper, Thaís Alves e Viviane Gawazee. Coreografia: Cibele Sastre
Um mesmo material – Estudo 1 com Fani Vasconcellos, Coreografia: Airton Tomazzoni
Um estudo para o espetáculo perspectivas com Bibiana Alternbernd e Juliana Vicari Coreografia: Eva Schul
Sob medida com Alexandre Rittmann e Fernanda Santos Coreografia: Alexandre Rittmann
Um mesmo material – Estudo 2 com Juliana Rutkowski e Alessandro Rivellino Coreografia: Airton Tomazzoni
Retrato da Música com Alexandre Rittmann, Carolina Roehe, Fernanda Santos, Igor Pretto, Juliana Vicari, Karine Paz, Samanta Bueno, Iandra Cattani, Lauren Hartz e Crystian Dany Coreografia: Alexandre Rittmann
Um mesmo material estudo 6 com Bibiana Alterbernd e Muriel Vieira Coreografia: Airton Tomazzoni
Será um tango? com Alexandre Rittmann e Fernanda Santos Coreografia: Alexandre Rittmann
Um mesmo material – Estudo 3 com Fani Vasconcellos, Lauren Hartz e Raquel Purper. Coreografia: Airton Tomazzoni
Teo com Regina Rossi, Coreografia: Eva Schul
Olho em pausa com Andréa Spolaor Coreografia: Andréa Spolaor
Um mesmo material – Estudo 4 com Alessandro Rivellino, Fani Vasconcellos, Raquel Purper e Bibiana Alternbernd e Muriel Coreografia: Airton Tomazzoni
Um mesmo material – Estudo 5 com Alice Tessler, Alessandro Rivellino, Fani Vasconcellos, Lauren Hartz, Raquel Purper, Karine Paz e Bibiana Alternbernd Coreografia: Airton Tomazzoni
Experimento Fluxo com Didi Pedone Coreografia: Didi Pedone
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Um mesmo O
laboratório de criação foi desenvolvido no primeiro semestre, a partir da elaboração de pequenas células de movimentos, a partir de investigação de técnicas de manipulação de movimento como: acumulação, reversão, subtração, repetição, redução, ampliação,
instrumentalização, entre outras. Cada aluno experimentou os resultados dessas possibilidades e criou pequenas sequências de movimentos. A esses materiais denominamos “caixa de brinquedos”. A partir deles criamos situações de improvisação na qual cada aluno escolhia com o que “brincar”, trazendo o(s) seus(s) brinquedo(s) ou aprendendo a brincar com o brinquedo do outro. Ao mesmo tempo, esses jogos foram sendo experimentados com diferentes estímulos musicais: instrumental, MPB, techno música, música erudita experimental, música brega. Utilizando esses elementos definimos duos, trios, quintetos, bem como as respectivas trilhas sonoras para avaliarmos como compor, fixar cenas que nasciam do acaso dos jogos, buscando entender as possibilidades de “leituras” que podiam se produzir nas relações entre os participantes e com as músicas escolhidas. Assim nasceu um solo da Fani muito rente ao chão ao som de uma ária de ópera. Um duo do Alessandro e da Juliana Rutkowski, que se configurou como um casal se debatendo sem conseguir se comunicar. Um trio de tchuchucas robotizadas com Raquel, Fani e Lauren, caindo no funk. Um quinteto que brincava com entradas e saídas do Alessandro, da Bibiana, da Muriel, da Raquel e da Fani; e outro, que buscava simplesmente deixar que se estabelecesse a conexão entre os intér-
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pretes, de maneira lenta, pela respiração. Assim nasceram os trabalhos que foram batizados de Um mesmo material e numerados conforme iam se desenhando.
material
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Alguma
coisa
acontece
Para o segundo semestre a opção de trabalho foi de manter alguns dos materiais que tinham surgido no primeiro semestre. Já havíamos experimentado a improvisação e o jogo com os materiais de cada aluno desdobrando-se em materiais que eram arranjados e definiam cenas dançantes, partimos então para a proposta de não se definir nada e deixar que jogássemos, alguma coisa acontecesse, sem preocupação em construir uma cena definitiva. A cada encontro, a partir dos mesmos materiais, deixávamos que fossem definidos quem participava, se haveria ou não música, se a música seria interrompida na metade, se elementos como peças de vestuário ou objetos seriam agregados à cena. A proposta também foi encaminhada no intuito de um grupo de discussão sobre o processo de criação artística. Assim, fui produzindo textos que problematizassem questões sobre os desafios do processo de criação, como: o desafio de ter uma boa ideia, como pensar uma ideia em dança, como “cercar” essa ideia, o exercício da síntese, objetividade/subjetividade, o vazio, entre outras. Também discutimos textos relacionados ao tema, como do filósofo Luigi Pareyson (Problemas da estética) e do cineasta David Lynch (Em Águas Profundas – criatividade e meditação), do filósofo José Gil (Movimento Total) ou citações provocativas como: “Dança não é uma atividade física, mas um estado de sensibilidade”, de Michel Bernard, citado por Armando Menicacci, na Bienal Internacional de Dança do Ceará - De Par em Par/ 2008. Paralelo a esse trabalho, exercitamos criações individuais a partir da tarefa de trazer material para trabalhar com “aquilo que incomodava cada aluno”. A partir de cada proposta discutida, cada aluno trouxe um pequeno fragmento para apresentar à turma e discutir aspectos como clareza do material apresentado. E daí, como não lembrar do Alessandro com o corpo pintado de batom em pontos que devíamos tocar para que ele se movesse e trazendo a sua “carta na manga”, literalmente (indo inclusive, bem mais adiante integrar sua performance 78
JokerPsiquê). Da Nina, vendando os olhos para ter coragem da cantar em público um canção do Chico (o Buarque) e dançando enquanto se desculpava o tempo todo pela sua performance. Da Raquel, em sequênc ias bem desenhadas, incomodada com uma música de pagode que tocava no vizinho. Do Cristiano, lutando e se deliciando com a dramaticidade do tango e na literalidade de seu trabalho sobre a separação e perda. Isso a ficar em apenas alguns dos muitos “incômodos” que ganharam relevo em dança.
Assim se desenhou Alguma coisa Acontece, uma aventura que para alguns foi tensa, para outros, saborosa. Pela primeira vez nos entregávamos à incerteza. Não tínhamos um espetáculo montado, mas possibilidades que poderiam ou não se concretizar e que exigiram lidar com escolhas instantâneas, a todo momento. E no palco do Renascença...
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H
á como transformar em palavras as experiências? Há como traduzir uma linguagem que ultrapassa a própria linguagem? Por vezes se pensa que a dança se faz de corpos que se movem; outras, por corpos que se movem e pensam; outras por corpos que se movem
pensam e sentem; outras ainda por corpos que se movem, não movem, pensam, sentem, refletem, socializam, exploram, criam, compartilham. Foi a partir de meu envolvimento com o Grupo Experimental de Dança da Cidade que ampliei meus horizontes acerca da dança e da criação artística e me aproximei de uma possibilidade mais complexa de entender e vivenciar a arte de dança. Instigando meu quebra-corpo-cabeça a aprender e desaprender. Fiquei três anos como aluno e um como professor, e hoje me percebo muito mais inteiro em meu posicionamento artístico; isso se dá, também, graças à interferência positiva do Grupo na minha vida; percebo mudanças tão internas e ao mesmo tempo tão materiais que passam pela maneira como danço mas que vão muito além disto. A partir de minhas experiências como aluno e professor dentro do grupo, posso dizer que é impossível passar por este rio sem se molhar. Transformações acontecem. Que bom que houve muitas pessoas que permitiram e facilitaram com que eu fizesse e inclusive redescobrisse o que amo. Creio que, das idas e vindas, os
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que permanascem(isso mesmo) por algum tempo no grupo tem um imenso potencial de estabelecerem-se, no mínimo, como grandes criadores e intérpretes de dança.
Alessandro
Rivellino
Artista multimídia interessado no que pode um corpo. Bailarino, professor, diretor, performer e coreógrafo. Integrante do coletivojoker.
E
u não queria estar aqui dizendo o óbvio. O que está na cara. E o que são, provavelmente, as mesmas palavras da maioria que aqui se encontram impressas. Mas acho que não tem jeito mesmo... Não posso escapar da obviedade. Não posso deixar de dizer o quão importan-
te foi para mim poder fazer parte do Grupo Experimental de Dança. Impossível não escrever que, sem dúvida, sem o Grupo, eu não seria um terço do que sou agora. E não é só pelo o que ficou desses pouco mais de dois anos em que estive no Grupo, mas também pelas reverberações que esse “estar” causou. Esse “bem-estar”. Pois bem, estive fazendo muitas aulas, com gente boa pra caramba. Bem, estive aprendendo a criar, trocar e encontrar. Bem, estive conhecendo pessoas queridas, amizades cultivadas até hoje. Estive, sim, muito bem. E estar no Grupo Experimental foi descobrir como ser. Foi me conhecer e poder decidir, por mim, muitas coisas. Foi o que sou e estou hoje. Hum? Isso. O projeto do Grupo Experimental é invejável e me sinto privilegiada por ter participado.
Fernanda
Boff
Artista e educadora
P
razer maior que assistir da plateia as produções artísticas, certamente é integrar e vivenciar a intensa e relevante rotina de aprendizados que o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre proporciona aos aspirantes e/ou praticantes da dança.
Digo isso com a certeza de quem, entre centenas de alunos, teve a opor-
tunidade gratificante de frequentar as aulas e somar conhecimento através da diversidade de alunos e professores que gera muitas trocas e conhecimentos. Em relação às aulas de Educação Somática e Dança de Rua que participei, posso afirmar que não foram simplesmente “aulas de dança” no sentido pejorativo, mas aulas que promoviam um desenvolvimento corporal, educacional e artístico dos alunos que participavam, o que penso caracterizar e diferenciar o próprio Grupo Experimental dos demais espaços de dança na capital. Por exemplo, as aulas de Educação Somática da professora Bia Diamante são aulas enriquecedoras, pois incentivam o aluno a descobrir e reconhecer seu próprio corpo, para assim atingir os estados corpóreos não só durante uma dança,
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mas em movimentos triviais que executamos normalmente no dia-a-dia. Várias vezes, durante estágios de dança, lembrei-me dos exercícios e da atenção individual a cada corpo que a Bia dedicava a nós com delicadeza, interesse e conhecimento absoluto. Trouxe para as minhas aulas as atividades executadas nas aulas de educação somática, como: os exercícios no solo, de toque, ação e repouso e com o uso de simples objetos como bolas de tênis para ativar a musculatura, e que foram de fundamental importância para que eu pudesse educá-los e acessá-los corporalmente, assim como a Bia fez lá atrás comigo. Já, nas aulas de Dança de Rua, com o professor Carlos Nunes, observo hoje a preocupação em fazer-nos compreender o que são as danças urbanas, os diferentes estilos que as compõem e principalmente não exigir uma técnica qualificada de alunas que pouco conheciam o estilo. Pelo contrário, com muita perspicácia o Carlos soube aula a aula conduzir-nos para que os movimentos encontrassem um significado e assim nos apropriássemos do estilo, ou seja, depois de várias aulas, exercícios, conversas, trocas, correções é que foi possível compreendermos a corporeidade da dança de rua e aplicar um pouco dessa compreensão nos movimentos. E só depois disso, dividir com o público a construção das aulas, de maneira solidificada e que refletia não só estas aulas, mas as aulas da Bia, de balé, labanálise e demais aulas que as outras alunas participavam. Vendo toda esta mobilização que o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre provoca em quem o integra, e mesmo em quem acompanha a sua trajetória, é que sua continuidade é de vital importância para a formação de uma ação colaboradora e formativa no cenário da dança, da arte e da cultura na cidade.
Ana
Paula
Reis
Produtora cultural, graduada em Dança pela Ulbra, especialista em Dança pela UFRGS. Professora de Arte/ Dança no Governo do Estado do RS. 82
V
isto que meu trabalho é uma técnica criativa fortemente baseada na prática da improvisação, um dos momentos mais ricos e gratificantes do processo foi quando os bailarinos puderam explorar profundamente os materiais da arte numa investigação de origi-
nalidade e imaginação das diferentes facetas dos princípios da dança, trazendo à tona o componente intuitivo do artista, guiando-o à invenção e à unicidade para assim desenvolver suas habilidades abrindo todos os canais de percepção , ouvindo os ditames do corpo e de sua rede sensorial. Então, no processo com o Grupo Experimental, que provou a validade do projeto, quando do final da experiência com improvisação e composição de um ano inteiro em 2009, apresentamos um “ jogo cênico” baseado nessas aulas. Primeiro cada bailarino criou uma frase de movimento baseada num tema teórico. Com estas frases criamos uma coreografia igual para todos. Desenvolvemos, a partir daí, cinco jogos de entradas e saídas, onde além de jogarem uns com os outros, a troca de jogo se dava por um sinal aleatório (um apito) que alguém do Grupo resolvia quando deveria usar, criando assim um jogo do acaso que o apito anunciava definindo qual jogo e quando deveria ser jogado. Ao mesmo tempo, introduzimos música, para também ter um jogo rítmico paralelo, trabalhando com diferentes tempos e ritmos. O trabalho chamou-se Aleatório, e contou com os seguintes bailarinos: Raquel Purper, Juliana Rutkowski, Bibiana Altenbernd, Julia Lüdke, Cristiano Vieira, Juliana Werner, Alessandro Rivellino, Fabio Gonzales, Fani Vasconcellos, Maria Albers e Rodrigo Fiatt. Conseguir desenvolver com o Grupo, paralelamente, técnica e criação, provou ser uma forma fundamental na formação do artista, oportunidade que o ensino privado raramente proporciona. Somente um órgão público pode proporcionar este espaço e prover este lugar de encontro.
Eva
Schul
Professora, coreógrafa e diretora da Ânima Cia. de Dança
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V
oltei para Porto Alegre em novembro de 2008, logo depois de defender minha dissertação em Farmacologia na UFSM. Sempre tive vontade de retornar à cidade de onde havia partido aos seis anos de idade. Mas foi a perspectiva de ingressar no doutorado que
me fez efetivar esse plano. Estava tudo certo com meu futuro orientador, e minha expectativa era me vincular ao programa de pós-graduação já em dezembro de 2008. Depois de organizar minha vida nessa nova casa, fui procurar o professor para dar início ao processo de ingresso. Mas “por motivos burocráticos”, segundo o professor, não seria possível que prestasse seleção naquele ano. E ele me disse isso com toda a tranquilidade desse mundo, enquanto eu não parava de pensar que havia aberto mão de uma estabilidade em outra cidade para arriscar tudo em Porto Alegre. Naquele momento não tinha muitos planos. Era como se uma parte da minha vida tivesse colapsado. Estava construindo uma carreira acadêmica sólida, e seria doutora já aos 27 anos. Poderia logo prestar um concurso e adentrar na carreira docente em nível superior. Esses eram os planos. Essas eram as expectativas. Sempre fui um tanto ansiosa e costumava planejar minha vida desde que consegui elaborar frases completas, até onde eu me lembro. E meu desapontamento foi imenso naqueles primeiros dias de dezembro, quando todo o meu planejamento se foi com as palavras daquele professor. Inicio meu depoimento contando esse pequeno “deslize” nos meus planos porque essa série de “enganos” foi o que me levou a conhecer o projeto do Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre. Passados vários dias do episódio, comecei a reestruturar meus planos. Lembrome que por mais de uma vez eu peguei meu caderno e caneta e fui para o parque da Redenção, tentando encontrar algo que realmente me motivasse. Não iria esperar mais um ano para prestar aquela seleção. Aquele plano já estava envenenado. Deveria traçar algum outro que me permitisse
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recomeçar com todas as energias que eu pudesse investir. Fiz então uma autoanálise, tentando buscar todas as coisas as quais havia me dedicado com prazer. E percebi que a dança havia sido uma dessas coisas, uma das quais eu me dedicara com mais deleite e intensidade. Decidi então que eu começaria a procurar escolas ou grupos que me permitissem investigar a dança em seus aspectos mais diversos. Foi quando descobri por acaso o Grupo Experimental, que estava com inscrições abertas.
Não recordo bem, mas creio que foi em janeiro de 2009 que escrevi minha carta de intenção, necessária para a inscrição no processo seletivo. Era o começo de um novo ano. Particularmente gosto de novos começos porque penso que são uma chance que nos é dada pela vida para repensar nosso trajeto, fazer novas escolhas ou reforçar as antigas. Mas nunca imaginei que aquele ano mudaria tanta coisa na minha vida. Em algum dia de março recebi um e-mail com a data da audição. Não sabia muito bem o que esperar quando li a palavra audição, mas não me deixei amedrontar. Quando cheguei à Cia de Arte, 8º andar, lá estava a figura acolhedora do Airton Tomazzoni. Não sabia que aquele era o Airton, mas me senti confortada por aquele sorriso de boas-vindas. Eram tantas pessoas naquele
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espaço que tiveram que dividir a turma em duas. Apesar da minha ansiedade, me diverti com aquelas pessoas que faziam todos aqueles movimentos. Claro que eu estava extremamente preocupada em estar fazendo as coisas certas, e me lembro do pavor quando a Neca Machado pediu que fizéssemos um swing de pernas e eu não tinha a menor ideia do que seria. Dias depois recebo um e-mail do Airton dizendo que, conforme os horários, que eu havia disponibilizado para o Grupo, ele havia conseguido me encaixar nas aulas de balé do Alexandre Rittmann às terças e quintas pela manhã, e aulas de dança contemporânea com Eva Schul quartas à noite. No decorrer de 2009 me foi permitido fazer outras aulas e ter outras “experiências” naquele espaço. Lembro-me que achava extremamente difícil acompanhar as aulas de balé. Especialmente porque não usávamos barras e a aula toda era feita no centro. Por sorte sempre podia seguir os movimentos da Fernanda Santos e descobrir o que era uma primeira, segunda ou terceira. E isso era uma coisa muito rica. Poder contar com as colegas do grupo que, mesmo não tendo tanta proximidade nesse primeiro momento, sempre eram dispostas a ajudar quem sabia menos. Eu nunca havia feito uma aula de balé, mas imaginava que seria como nos filmes. Aquela rigidez e seriedade, um treinamento quase atlético onde cada um deve executar sozinho o exercício. Claro que havia certa rigidez – recordo de uma ocasião em que uma colega chegou 30 minutos após o início da aula e o professor não permitiu que ela fizesse a aula. O que era justo, porque devíamos respeitar o professor e os colegas e chegar no horário previsto –, mas essa empatia e disposição de meninas como a Fê Santos tornava a aula de balé menos apavorante para mim. Aprendi a gostar das aulas de balé, e hoje percebo a importância daquelas aulas na minha trajetória. Mas foi na aula da Eva Schul que descobri o chão. E há muitos anos que não me permitia estabelecer esse contato de forma tão prazerosa. Descobri meu corpo naquelas aulas. Minhas costas, pareceu-me, haviam despertado de um longo 86
período de imobilidade. Descobri dedos e tornozelos como articulações distintas e à parte uma da outra. E até hoje ainda, nos momentos mais inusitados, me pego “cantando” a aula da Eva (Enrola mão, pulso, cotovelo, o ombro passa outro ombro, cotovelo, o pulso, a mão. E volta mão, pulso, cotovelo, ombro, outro ombro, cotovelo, o pulso, a mão. E relógio...). Aos poucos fui sentindo vontade de fazer mais aulas e a cada vez que conseguia liberar um espaço na minha semana enviava um e-mail para o Airton pergun-
tando se eu poderia assistir a mais alguma aula. Ao final do ano, já havia começado a fazer as aulas da Bia Diamante, Carlos Nunes, Alessandro Rivellino, além dos laboratórios de criação com a Eva Schul e com o próprio Airton Tomazzoni. Acho que cada um desses encontros me fez conhecer um pouco mais sobre mim. Ainda recordo com nitidez meu estranhamento na primeira aula da Bia. Era curioso perceber o clima nos minutos que antecediam a aula. Era como se as pessoas entrassem em algum tipo de transe pelo que viria depois. Parecia-me, em um primeiro momento, que não estávamos fazendo coisa alguma. E não entendia quando a Bia nos pedia para tomar cuidado com esse ou aquele movimento porque ele era “perigoso”. Mas como perigoso? Mal estávamos no movendo! E os “bichos” estavam frequentemente entre nós. Não recordo de todos, mas alguns eram mais presentes como a preguiça e o coala da Raquel Purper. Lembro-me também das “orelhas molhadas” da Juliana Rutkowski, e das mãos de bebê da própria Bia. Essas imagens com frequência retornam à minha memória, não apenas durante as aulas. E ao relembrar desse primeiro ano e desse primeiro contato com o Grupo me dou conta de como me deixei transformar por cada uma dessas vivências. Hoje, passados alguns anos desde a minha primeira aula com a Bia, sinto como as sutilezas do movimento modificam muita coisa. Hoje eu entendo o que a Bia quer dizer quando ela fala que algum movimento é forte ou que pode ser perigoso. Mas me pergunto se a Bia sabe o quão forte isso tudo pode ser. Dia desses, ao voltar de fato para o Grupo, passado mais de um ano de afastamento, tive uma aula com a Bia. Ao final daqueles pouco mais de 60 minutos me dei conta de como essa aula é importante pra mim. Era como se eu tivesse finalmente encontrado a mim mesma depois de tanto tempo. É impossível descrever em palavras o que eu senti ao final daquela aula. Era como se meu corpo não coubesse em si. Como se minha pele fosse a única barreira que impedia meu ser de desintegrar-se, transpondo espaço e tempo. Talvez muitos relatos narrados aqui sejam incompreensíveis para alguém que não passou pelo Grupo. Mas provavelmente aqueles que compartilharam desses momentos serão inundados por um sentimento gostoso de nostalgia, ao lembrar aquelas paredes grafitadas que cercavam o espaço onde tantas coisas foram vividas. O que aprendi de tudo isso? Aprendi que as pessoas são diferentes e que cada uma, a seu modo, possui um modo único de viver seus corpos. E que essa diferença é o que torna mais rica a nossa dança, como a nossa vida. Aprendi que
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espiritualidade pode ser encontrada em lugares onde jamais imaginei. Aprendi que as pessoas fazem apostas quando escolhem partilhar a vida com alguém, e que mesmo as decepções nos fazem crescer e nos tornam mais fortes. E sobre dança? Aprendi que dança não é coreografia. E que nem sempre é necessário contar uma história. Mais do que isso, é sobre o que nos faz sentir. Aprendi que a dança pode ser provocativa. E aprendi que o não mover-se também pode ser dança. Aprendi que conhecer o próprio corpo é importante no processo de comunicar. E que o corpo tem uma dramaturgia. Aprendi a ter um olhar mais sensível ao mundo. Aprendi a admirar o caminhar das minhas gatas, ou a forma ágil e graciosa como elas pulam na janela. Aprendi a ampliar minhas sensações, e a me deixar ser tocada pelo movimento. Aprendi a não ter vergonha de mostrar o que sinto. A não ter vergonha de compor uma partitura e mostrá-la aos colegas. Ainda estou aprendendo. Constantemente. E me arrisco a dizer que essa é a maior riqueza desse projeto. A capacidade de sempre nos ensinar coisas novas. As oportunidades que temos de nos desafiar. Por fim, ouso dizer que aprendi a não saber viver sem fazer parte desse grupo. No segundo semestre de 2010 tive de abrir mão de fazer parte do Grupo em função do meu ingresso no mestrado. (Como assim? Não havia vindo para Porto Alegre para fazer um doutorado, logo após a defesa da dissertação na Farmacologia?) Longa história... Depois de conhecer o Airton e assistir sua defesa de tese na Faculdade de Educação, percebi que a dança poderia ser um objeto legítimo de pesquisa, e decidi começar tudo outra vez. Ainda me lembro que ao conversar com o Airton no intervalo da defesa ele me disse que tinha uma admiração muito grande por um deus indiano chamado Ganesha. Porque o deus elefante com sua tromba tira obstáculos do caminho ao mesmo tempo em que coloca outros. Para que possamos chegar onde devemos ir, ele me disse. A partir daquela tarde, acho que estou exatamente onde eu deveria estar. E aprendi, portanto, que tudo acontece por uma razão, exatamente quando e como deve acontecer. E por isso 88
só tenho agradecer a essa pessoa especial, Airton Tomazzoni, por ter me aceito no Grupo lá em 2009 e por me permitir fazer parte desse projeto que tanto admiro e prezo.
Juliana
Werner
Forrozeira, Professora da “Arte do Abraço”, coordenadora d’O Chinelo Dela.
Mostra Grupo Experimental de Dança da Cidade De 11 a 13 de dezembro de 2009 21h – Teatro Renascença
PROGRAMAÇÃO Sexta, 11/12, às 19h Alguma coisa acontece Direção de Airton Tomazzoni. Interpretes criadores: Aline Karpinski, Raquel Purper, Juliana Rutkowski, Alessandro Rivellino, Cristiano Vieira, Fani Vasconcellos, Joana Vieira, Juliana Werner, Laura Rosa, Fernanda Bertoncello, Lara Dias.
Sábado, 12/12, às 20h30 Hip Hop Experimental Coreografia de Carlos Nunes. Bailarinos: Ana Paula dos Reis, Carlos Nunes, Raquel Purper, Juliana Rutkowski, Lauren Hartz, Priscila Nascimento, Fernanda Bertoncello, Carolina Garcia, Laura Rosa.
Salsa Coreografia de Tracy Freitas. Bailarinos: Tracy Freitas, Cristian Dany, Mateus Espinosa, Andreli Lima, Rafael Naval, Débora Saad.
Domingo, 13/12, às 19h Mulheres Modernas Com Juliana Rutkowski e Julia Lüdke
Sem-título Coreografia de Raquel Purper, com Alessandra Souza, Juninho Grandi, Lucas Simas, Marcia Berselli, Romes Pinheiro, Tatiane Garrido, Viviana Shames.
Ganas Com Laura Rosa e Daniel Weinmann
Inerente Coreografia de Alexandre Rittman. Bailarinos: Aline Karpinski, Carine Sofia, Julia Lüdke, Karine Paz, Fani Vasconcellos, Fernanda Majorczyk, Fernanda Santos, Laura Rosa, Roberta Beck, Sibele Garroni, Fernanda Rodrigues, Karen Silva, Fábio Gonzáles, Cristiano Vieira, Alexandre Rittmann.
Aleatório Direção Eva Shul. Bailarinos: Raquel Purper, Juliana Rutkowski, Bibiana Altenbernd, Julia Lüdke, Cristiano Vieira, Juliana Werner, Alessandro Rivellino, Fábio Gonzáles, Fani Vasconcellos, Maria Albers, Rodrigo Fiatt.
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um fragmento de musical, um videodança muitos solos, um espetáculo de dança para crianças, uma “pulp”montagem
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No ano de 2010, o grupo mudou de endereço e passou a ter aulas no TEPA (Teatro Escola de Porto Alegre), na Av. Cristóvão Colombo, 400, que por décadas foi a sede da Escola de Bailados Clássicos Tony Petzhold. Tínhamos disponível apenas o turno da manhã de segundas a sextas-feiras para as aulas, mas em compensação uma sala mais adequada para o trabalho de dança. A avaliação de 2009 também tinha encaminhado a necessidade de retomarmos um grupo único, podendo aprofundar melhor o trabalho e as relações entre alunos e professores. Por isso também a decisão de contar com menos professores, mas que pudessem permanecer por mais tempo para desenvolver seu trabalho ao longo do ano. Essa escolha propiciou um trabalho mais minucioso e intenso e uma evasão muito menor que nos demais anos. Dessa maneira foi possível já no meio do ano fazer uma Mostra de Solos, produzidos pelos alunos, um remake do musical Chicago (com a coreografia Tango do presídio), o videodança Inspiração, e no final do ano a mesma turma produziu duas montagens: Faz de conta que..., para o público infantil, e Pulp Dances.
Professores Airton Tomazzoni
Bia Diamante
Laboratório de Criação
Educação Somática
Alexandre Rittmann
Didi Pedone
Balé Clássico
Axis Sillabus
Andrea Spolaor
Eva Schul
Dança Contemporânea
Dança Moderna
Juliana Vicari Análise do movimento Laban e Improvisação
Alunos 91
Alessandro Rivellino Aline Brustolin Aline Karpinski Ana Luiza Bergman Andréa Lopez Andréia Lucchina Carol Laner Diego Esteves
Fernanda Bertoncello Boff Giovanna Consorte Iandra Cattani Juliana Rutkowski Juliana Werner Kalisy Cabeda Lara Sosa Laura Rosa
Leonardo Jorgelewicz Maria Albers Marilei Rocha Raquel Purper Renan Fontoura Tainá Borges Tracy Freitas Viviana Schames
G
rupo Experimental de Dança. Projeto Público onde EXPERIMENTO, DIVERSIDADE e FORMAÇÃO, andam juntos e ainda conseguem descobrir um passo comum para a construção
de passadas outras por esse mundo afora. Anos depois, a primeira infância está acabando, que venha a adolescência e a fase adulta, para podermos sentir na pele o que tem sido até agora essa caminhada, essa “dialogação” de saberes tão profícuos. Ao invés de falar sobre essa experiência, prefiro manifestar a minha satisfação e o prazer de fazer parte dela. Uma caminhada experimental pelos caminhos do corpo...
Bia
Diamante
Diretora, coreógrafa e professora de Educação Somática
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A
dança sempre esteve presente em minhas experiências corporais e artísticas. No ano de 2010, entrei no Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre, e então a dança
me tomou de maneira intensa e prazerosa. Foi uma experiência única! Um grupo acolhedor, aberto e criativo, que possibilita a descoberta da dança, do corpo, livre, sem (pre)conceitos. Muitas aulas, com professores excelentes, cada um em sua maneira e com sua arte, que me mostraram a multiplicidade da dança, das possibilidades do corpo. Compondo com essas aulas, a gente lia, conversava e criava danças nas manhãs com o Airton, nosso coordenador, professor e diretor. O Grupo Experimental transformou minhas manhãs do ano de 2010 em aprender, descobrir, produzir, criar e experimentar. E me mostrou na prática que as diferenças e singularidades transformam e constroem, ao juntar pessoas que vieram de trajetórias bem diferentes. Bailarinos, circenses, atrizes, todos com um desejo em comum: o desejo de dançar, de sentir o corpo, de experimentar! E passamos um ano lindo, unidos e fortes como grupo, transformando esse desejo de dança em muita arte! E criamos dois belíssimos espetáculos: Faz de conta que... e Pulp Dances. Experimentando com o Grupo Experimental, me descobri bailarina, tradutora de libras, lutadora, narradora de corridas em câmera lenta, voltei a ser criança, subi, desci, toquei as nuvens! E descobri que quando a gente dança, sempre é primavera! Obrigada ao projeto, ao Centro de Dança, aos professores e, em especial, ao Airton, pela bela e provocadora experiência de experimentar com este Grupo! Dance, dance, dance. Senão estaremos perdidos. Pina Bausch
Tainá
Borges Bailarina, artista de circo e fundadora do Circo Híbrido.
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A
minha entrada no Grupo Experimental significou um mergulho em um mundo que eu não conhecia, e do qual, depois de alguns meses, não haveria volta possível. A possi-
bilidade de fazer da dança minha atividade principal transformou a minha relação com todas as coisas. Tanta
corporeidade, todos os dias, me envolveu de uma forma diferente com meus desejos e interesses, e sobretudo com minha presença no que eu fazia, dentro e fora das aulas. O foco se tornou o que me movia, de forma literal e abstrata, ambas profundamente. A experiência no Grupo Experimental foi o estopim para uma grande mudança de vida. Passei a viver a dança no dia-a-dia, vendo-a nos corpos das pessoas em situações cotidianas, vendo-a no meu corpo em todo momento. Este corpo, aliás, que reconheci e reaprendi a sentir, como que acordando de anos de ausência e torpor. Tudo isso aconteceu através de aulas e trocas com professores e colegas incríveis, assim como processos de criação memoráveis. Sou imensamente grata por ter tido essa oportunidade, que está em mim e em tudo que faço hoje, e que me alimentou como pessoa, como artista.
Iandra
Cattani
Bailarina e performer.
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Mostra Coreográfica do Grupo Experimental de Dança da Cidade 14 e 15 de Agosto Sala Álvaro Moreyra
Tango do Presídio Um tributo a Bob Fosse; com Ana Luiza Bergmann, Andrea Lopez, Fernanda Bertoncello Boff, Giovana Consorte, Iandra Cattani, Juliana Werner, Juliana Rutkowski, Laura Rosa, Leonardo Jorgelewicz, Mari Rocha, Raquel Purper, Tainá Borges e Viviana Schames.
Tudo aquilo que já aconteceu agora Alessandro Rivellino
Peace of cake Viviana Schames
Pulso Carol Laner
Flamenco para viagem Iandra Cattani
Dancing Emma Andréa Lopez
Labirinto Aline Karpinsky
Que te parece? Mari Rocha
Copelia.com fragmento Lara Sosa
Provisórias conexões Laura Rosa
De cara limpa Fernanda Bertoncello Boff
Without Leonardo Jorgelewicz
Sem título Andréia Lucchina Constantin
Variações sobre o equilíbrio Diego Esteves
Pela pele Bibiana Altenbernd
Estar sendo Raquel Purper
Experimento 2 Tainá Borges
3.03 – Kalisy Cabeda direção: Isandria Fermiano
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E
ra uma vez um grupo de dança muito legal, que na pessoa do Airton Tomazzoni solicitou a feitura de adereços para o espetáculo infantil que ainda estava em processo. Por ser
este o “Grupo Experimental” e constatar que a verba era muito pequena, decidimos então testar, tentar, provar
com eles. Buscamos uma maneira para que o grupo pudesse aprender com os materiais. Que eles pudessem construir os objetos de cena que iriam utilizar e com isso apropriar-se deles e de toda a sua demanda. Desde a criação, construção até a finalização. Nada melhor como na forma de oficinas. No meu atelier. Foi então que a rua Pindorama virou um lugar de investigação, colaboração e cooperação entre os bailarinos, a coordenação de dança e eu. E tornou o meu atelier num ponto de encontro, num espaço criativo e divertido. E assim o trabalho floresceu, transformando garrafas plásticas em lindas flores, papelão em cataventos, ramos de jornais em vassouras, papel picado em bolas gigantes e assim por diante. De tal modo que fazer de conta que grandes almofadas eram nuvens fez me sentir no céu. Muito obrigada.
Maíra
Coelho
Diretora e diretora de arte, cinema e teatro. Marionetista.
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Q
uando eu ingressei no GED nunca imaginei as grandes mudanças que aconteceriam na minha vida! Foram dois anos de muito aprendizado, troca, reflexão, movimento
e, é claro, dança! Eu que vinha do teatro e não possuia a experiência corporal e vertical que a dança proporciona, acabei por me deixar levar, encontrar, surpreender e amar a dança. Através das mais variadas aulas e estilos, pude experienciar o corpo em movimento de diferentes formas e assim descobrir qual é a dança que meu corpo dança! Acredito que a diversidade de técnicas que a gente experimenta no grupo diariamente é de grande valor e ao mesmo tempo um diferencial do Grupo, que tem na sua pedagogia um espaço aberto para a experimentação e a pesquisa. Eu agradeço muito os dois anos em que pude vivenciar as aulas diárias do GED e conviver com professores e colegas que são pessoas tão incríveis. E se hoje a minha pesquisa de mestrado é sobre as questões do corpo e da dramaturgia corporal, com certeza isso foi fruto da minha formação dentro do GED. MUITO OBRIGADA!
Kalisy
Cabeda Atriz e bailarina
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Dança
U
m novo desafio pareceu oportuno para a turma de 2010. Como produzir dança contemporânea para crianças. Assim, começamos a problematizar a primeira montagem para o público infantil. Apesar do clima lúdico das improvisações e ensaios, o processo foi cercado
de um certo temor. Nenhum aluno ou aluna tinha “enfrentado” o público infantil e a incerteza desse caminho acompanhou a sua criação. Assim, foi nascendo Faz de conta que..., que investiu na invenção e no imaginário para construir um espetáculo recheado de humor e poesia. Definimos trabalhar com a própria problemática da criança. O que mostraríamos em cena seria um grupo de bailarinos com o desafio de fazer dança para crianças, tentando escapar de clichês, investindo na aventura de redescobrir como brincar com movimentos e imagens.
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contemporânea para crianças? Partimos de uma lista inicial de Faz de conta que...: • todo mundo é igual (mesmo que no final isso não fosse um bom faz de conta) • não dá pra desgrudar • a gente pode ser super-herói • é noite e ninguém consegue dormir (travesseiros) • a gente tá na TV • tudo estica sem parar • não dá pra parar (ficar quieto) • a vida é um balé (incluir dublagem ao vivo) • escureceu e o medo nasceu • tudo voa pelo ar • que estrelas não ficam no céu e com o vento vão e tudo gira de montão... não é muito faz de conta, não? • todo mundo dança
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Algumas cenas funcionaram de partida, outras precisaram de insistência e outras não frutificaram. Outras ainda se fundiram e se mesclaram. No final, uma coletânea de deliciosos fragmentos. Dois deles foram “encomendados” a dois professores do Grupo, Didi Pedone e Alexandre Rittmann, integrando também, de maneira mais efetiva, as aulas ao processo de montagem. O processo de criação contou ainda com uma atividade inédita. A cenografia e adereços do espetáculo foram produzidos pelo próprio elenco, junto com a cenógrafa e diretora de arte Maíra Coelho, em uma oficina que ensinou diversas técnicas de elaboração de objetos a partir de material reciclável. Além disso,
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a montagem de Faz de conta que... abriu espaço para novos criadores na área musical e do figurino. Na trilha, composições também de uma das bailarinas do elenco, Andréa Lopez, além de Bruno, Gabriel e Leghau. Nos figurinos, dois estudantes do curso de designs de moda do IPA, Marcelo Pacheco e Agatha Tomatis. No elenco: Aline Brustolin, Alessandro Rivellino, Andréa Lopez, Andréia Lucchina, Carol Laner, Diego Esteves, Fernanda Bertoncello, Iandra Cattani, Juliana Rutkowski, Juliana Vicari, Kalisy Cabeda, Lara Dias, Laura Rosa, Leonardo Jorgelewicz, Mari Rocha, Raquel Purper, Tainá Borges e Viviana Schames.
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A
qui onde? Aqui, no Teatro Renascença, 5 de dezembro, 16h. Aqui, num mundo onde o irreal é alcançável e salta na nossa frente, que está ao nosso alcance. Aqui,
onde a timidez não existe e os impulsos nos tomam conta. Aqui, soltos na fantasia! Ao contrário do que muitos podem pensar, montar um espetáculo infantil necessita de muito trabalho e é sempre um desafio. O Grupo Experimental de Dança invade este universo e arrisca-se nos labirintos deste terreno tão pouco cuidado na dança gaúcha, trazendo aos palcos do Teatro Renascença um belíssimo espetáculo para todos os públicos. Faz de conta que... cumpre o seu papel sem fazer de conta. Leva movimento, imaginação e contemporaneidade para a criação das crianças. De sobra, tomam de assalto os pais, tios, avós... que mostram em seus rostos o desejo de invadir a brincadeira como os pequenos. Pensando como gestor cultural... assim como eles, precisamos de mais! Mais aventureiros que desbravem os campos da dança para crianças (ou da dança de todas as idades) e que mergulhem em projetos e propostas inovadoras. As crianças necessitam cada vez mais de espaço para sair dos parâmetros rígidos, para que assim possam criar, sonhar, imaginar e desenvolver a sua escrita da sensibilidade. Faz de conta que... rompendo padrões, questionando, derrubando clichês, formando novos públicos, traz “crianças” vivas e alegres que mostram, não só para outras crianças, mas para os adultos, que a dança não precisa ser sempre de pontos técnicos e fixos e que todos podem dançar da forma como sentirem-se bem. E aí sim, é a dança mais feliz. De longe, acredito que para as crianças é isso que importa, é isso que conta. A forma com que elas podem criar suas próprias histórias para o que veem ali e o sentimento de sentirem-se parte. 102
Termina. Mas já? Nãããããão... “FAZ DE CONTA QUE TODO MUNDO DANÇA!!!!” E a partir de então, a dança fará parte da vida destas crianças.
Marcinhò
Zola
Gestor e produtor cultural
E
ntão hoje num dia de Primavera, onde o céu está tão lindo... adentrei a sala do Renascença onde crianças na plateia sorriam. Adentrei um espaço onde crianças se viam em cena e gritavam alegres.
Como se seus gritinhos respingassem tinta colorida na roupa dos bailarinos. Posso dizer bailarinos? Pois mais via crianças dançando e deixando-se levar pelo mo-
mento. Descobrindo formas do corpos se permitindo contar histórias, seus desejos... Sabe quando você está na creche? A gente fica chorando na porta da creche, pois não quer se separar do papai e da mamãe. Mas depois a gente gosta, pois a gente conhece amiguinhos, pode sujar a roupa, come o lanchinho, brinca no recreio e dorme com todos coleguinhas numa salinha com o som da voz da professora preferida contando história. Me senti numa creche que se chama FAZ DE CONTA. Onde você pode se sujar de sorvete Correr pelo pátio Trazer seu brinquedo predileto Brincar de pegar Se exibir com o bambolê Ir correndo para o lavabo escovar os dentes deixando a espuma cair no queixo Vibrar que a primavera venha. Deixar as flores surgirem. Dar uma flor para alguém e inocentemente querer uma de volta, pois quando crescer você vai querer dar amor e vai querer ele em troca. Trocam-se flores e surge um sorriso. E quantos sorrisos nesta creche palco Quantos sorrisos expressos no corpo e não somente na face Quanta alegria saindo das meias-calças coloridas Creche onde você pode girar gritando e dar a risada mais gostosa Onde você descobre que o reciclável pode virar uma coisa gostosa de brincar O que eram as cabeças dos seres que apareciam? Petit criança pensa que são móbiles que brincam no céu. Cada um se exibindo com sua dança, com suas cores. Cada um mais divertido que o outro. Como se cada um fosse aquele no qual cuida do sono da criança do quarto. Ficam lá
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pendurado no teto e quando todos dormem entram nos nossos sonhos... e nós fazem rir enquanto dormimos. Então a gente acorda com sorriso pela manhã e abraçando a mãe quando acorda. Os figurinos são nosso restinho de infância. Não sou puxa-saco do Marcelo, mas acredito que ali ele pôs muito respingo de tinta, muita coisinha de cada criança bailarino, muito desenho animado, delicadeza... As coreografias são simples e descobertas boas de serem olhadas... Choques e impulsos que aparecem. Como se um adulto dissesse: mostrem como a criança de vocês dança. E ai vi crianças dançando e dancei timidamente com meu pezinho no chão do teatro e fiquei com vergonha de subir no palco onde vi com lágrimas escondidas de alegria o quanto as crianças se apropriam do palco o quando era lindo a troca entre crianças grandes bailarinas e crianças pequenas ali aconteceu a dança
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ali aconteceu a troca onde nenhum coreógrafo poderia fazer melhor, pois aquela dança surgiu ali no momento que aquela personagem que eles acreditavam e vibravam de pernas longas diz: vamos dançar!!!!! e a grande cortina se abre num ímpeto virou um grande recreio onde tudo é permitido e ali fiquei feliz com a força da dança do teatro da ARTE de fazer as crianças acreditarem que sim as coisas são possíveis VÁ VER O GRUPO EXPERIMENTAL É UM GRUPO UNIDO CRIATIVO e acho que traz uma grande contribuição para a cidade de Porto Alegre Muitos anos e dezembros com estreias lindas para vocês da criança Petit
Fernanda
Petit Atriz
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Delicadezas que o mundo nos dá
F
az de conta que eu não fiquei dormindo depois de doze horas ininterruptas no Centro Municipal de Cultura, participando do 24h de Cultura, na virada cultural de 19 para 20 de março. Faz verdade mesmo. Faz verdade que quando a gente tem programações culturais pela
cidade a gente precisa prestigiar. Pra não ficar dizendo que em Porto Alegre não acontece nada de bom. Só não acontece pra quem fica dormindo ou sentado em frente à televisão a ruminar a mesmice, né? E não faça de conta que eu não estou falando com você. Eu estou. Então, faz verdade que eu não sou destes que ficam sentados ou dormindo no domingo. Levantei cedo – da tarde – e fui assistir ao espetáculo do Grupo Experimental de Dança da Cidade.
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Que legal, cara, o espetáculo chama-se Faz de conta que...! Lá fui eu, ando necessitando encontrar gentes. Essa vida de computador não anda legal. Não sou uma pessoa de 140 caracteres. Tenho mais a dizer. Tenho mais a pensar. A sentir. Sou das minúcias. E gosto de usar uma lupa a tudo que assisto, leio, vejo. Meio nerd, meio geek. Inteiro pessoa. É o sabor da vida. E meio xereta, também, porque prazer da descoberta é coisa de criança que mantenho viva em mim.
Faz de conta que, agora, sou uma criança. Uma criança xereta. Pego minha lupa de menino especulador e vou especularizar sobre um espetáculo de dança. Oba! Um espetáculo de dança para crianças! Lá estava eu, perfumado, de bermuda bonita, sentadinho na plateia do Teatro Renascença, honestamente entregue, esperando que o faz de conta começasse. Fiquei feliz de ver a Bethania, toda linda, faceira, cumprimentando o Samuel, com seu cabelo lourinho encaracolado. Um charme! Ah, os filhos dos nossos conhecidos atores e amigos, que alegria vê-los. Alegria maior é vê-los no teatro! Faz um bem tão grande ver as crianças de todas as idades indo ao teatro. Eu gosto. Fiquei com um bocadinho de medo quando as luzes começaram a apagar, mas logo, tão logo tudo escureceu, porque foi apagando devagarinho pra gente ir se acostumando com a escuridão, a luz do palco já se acendeu e começaram a aparecer umas crianças lá no tablado. Crianças? Não. São bailarinos, Hermes! E eles estavam meio envergonhados, que nem a gente fica quando tem visita em casa e a mãe fica chamando para mostrar a gente. Nesse jogo de empurra-empurra reconheci-me no menino metidinho, amigo da menina chorona que a tudo medra, amigo estratégico do valentão, e parceiro da curiosa, que sempre pode dizer uma coisa não muito legal sobre a gente, por isso é bom ficar por perto pra não deixar ela dizer besteira.
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Faz de conta que eu sou uma criança que nunca viu espetáculo de dança. Acho que a Bethania nunca tinha visto, também. Não sei, mas depois vou ligar pra ela pra saber. Se bem que ela tem só três anos, acho que vai ficar dizendo hum, hum, hum ao telefone. Para quem não sabe, na linguagem das crianças hum, hum, hum pode ser Oi, tudo bem? O que importa é que nesse domingo eu fiz tanto de conta que nunca tinha visto um espetáculo de dança que esqueci que a vida é difícil, às vezes. Gostei tanto de como o cara que dirigiu o espetáculo fez com as crianças – quero dizer, com os bailarinos –, porque ele mostrava umas coisas de dança e colocava umas brincadeiras no meio, pra gente que é criança não ficar chateada. Porque criança como eu é assim: se gosta, gosta. Se não gosta, não gosta e pronto, tá feito o berreiro. Eu não fiz berreiro. Se fizesse, a minha amiga Maristela Saito, que tava do meu lado, cuidando de mim, ia me dar uns belos de uns puxões de orelha, certamente. Eu gostei muito, muito mesmo. Só teve uma hora que eu senti falta do menino metidinho, que se enfiava nas coreografias (Ah, essa palavra é nova, eu aprendi por que fui ver o Faz de conta que...) e significa o desenho que os bailarinos vão fazendo com o corpo, juntos ou separados, pra lá e pra cá, conforme a música vai tocando. Eu senti falta dele e porque eu gostava de ver ele tentando fazer os passos, mas não conseguia. Ele podia ficar nessa brincadeira de tentar, tentar, até conseguir mais perto do final, eu acho, né? Eu também tento fazer uns passos e nem sempre consigo. Mas se eu treino eu consigo. E senti falta da chorona. Tenho uma amiga muito parecida com ela e me lembrei muito dela chorando porque sempre tinha medo de tudo. Fiquei me perguntando, será que aquela chorona sorriu e ganhou coragem? Seria legal ver isso. Ia ser bom para gente perceber que nem tudo é sempre igual, né? Gostei das roupas das crianças – quero dizer, dos bailarinos – tudo bem simples e bem de criança mesmo. Fiquei morrendo de vontade de ter uma camiseta 108
daquelas, preta, com girafa de bolinha preta e branca. E tem umas cabeças coloridas que são show de bola. Eu queria colocar uma cabeça daquelas. Tinha uma que deu vontade até de dar um chute, pra ver se fazia um gol. E teve uma hora que eu gostei do cenário de flores que desceu de um jeito mágico no palco. A luz acendeu direto nele e refletiu mais um monte de flores no palco, como se a gente estivesse num jardim. A música que tocou é uma bem conhecida, que o Pato Fu regravou (eu ganhei o CD da minha mãe). Mas eu não
gosto de ouvir música conhecida em teatro. Não sei vocês, mas essa eu não gostei. Me disseram que tem uma versão mais antiga. Talvez eu fosse gostar mais dessa, já que não conheço, né? Ei, senhor cara da direção, pense nisso, tá! Mas não fique bravo comigo por dizer. Eu sou uma criança, agora, e não gosto de fazer de conta que gostei de uma coisa que eu não gostei, ok? Mas tem outras músicas no espetáculo, tão legais de boas. Foi uma moça que inventou pras crianças – quero dizer, pros bailarinos – dançarem. Com a música dela fica tudo mais bonito. E as crianças – quero dizer, os bailarinos – gostam tanto de estar fazendo de conta que, fazem melhor, e se torcem, se contorcem de um jeito criança que dá pra ver que eles estudaram muito pra fazer aquilo. Porque gente grande não consegue mais fazer algumas coisas de criança sem estudar aquilo que chamam de técnica, né? Será que pra ser criança tem que ter técnica? Hum, essa é uma boa pergunta. Pra ser bailarino, descobri, precisa. No final do espetáculo, que faz de conta não é o final, faz verdade que tudo continua sorrindo e divertindo dentro da gente, e a gente vê que criança nenhuma – e adulto também – quer que acabe, e a gente adora porque os bailarinos convidam a gente pra dançar no palco com eles. Ai que vontade que deu! Mas o meu faz de conta tinha que acabar. Eu tinha que voltar a ser o adulto que eu sou, cheio de vergonha, cheio de medo, cheio de timidez que, às vezes, parece que não existe, mas existe sim e se protege nesse jeito seguro/inseguro de ser de verdade. No fundo, no fundo, eu estava morrendo de vontade de dançar, mas achei mais legal que as crianças e os bailarinos de verdade o fizessem. Preferi ficar com o encanto que veio dessa iniciativa despretensiosa da Arte, dessa delicadeza que o mundo ofereceu, e guardar tudo dentro de mim pra depois poder escrever bonito sobre ela. É o meu jeito faz de conta de ser e me emocionar sem 109
fazer de conta.
Hermes
Bernardi
Jr
Em memória.
Escritor e ilustrador de LIJ, diretor e dramaturgo de teatro para a Infância.
performances, happenings, instalações ou outras experiências (in)nomináveis
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Mais uma vez, o Grupo mudou de endereço. Em parceria com a Casa de Cultura Mario Quintana, passamos a ocupar as manhãs na Sala Cecy Frank, encarando o desafio de manter os alunos do ano de 2010, todos desejando permanecer no Grupo, e poder abrir nova vagas. Infelizmente não tínhamos dois turnos de uso da sala, como em 2008, quando pudemos trabalhar com duas turmas separadas, dando continuidade a um trabalho e iniciando outra turma paralelamente. Dessa maneira, experimentamos pela primeira vez uma grade de horário mista, que pudesse oferecer aulas avançadas para os alunos que já estavam no projeto, aulas introdutórias para os novos alunos e aulas mistas que pudessem integrar os dois grupos de alunos. Ao mesmo tempo, os alunos de 2010 tinham o compromisso com as montagens, além da participação na programação em comemoração ao aniversário de Porto Alegre, no qual as duas montagens participariam. Faz de Conta Que... iria integrar a programação do Festival Dançapontocom e Pulp Dances conseguiu através do site Catarse financiamento para uma temporada no Teatro de Câmara. Aliada a esse contexto, a proposta para 2011 foi pautada por explorar de maneira mais focada experiências ainda não vivenciadas no Grupo, como a da performance e seus desdobramentos. A primeira ação neste sentido foi em comemoração ao Dia Internacional da Dança, na Alameda dos Cataventos, na Casa de Cultura Mario Quintana, e a participação no Festival Internacional Dançapontocom, no qual foi apresentada Performances, Happenings, Instalações Ou Outras Experiências (In) Nomináveis, baseada em proposições do artista Alan Kaprow. Na Mostra de Novos Criadores, realizada em agosto, na Sala Álvaro Moreyra, alunas da turma de Composição, da professora Karenina de los Santos, apresentaram performance baseada na obra infantil de Tim Burton, O Triste fim do menino Ostra. Duas novidades também marcaram o programa de aulas. A primeira foi o convênio com o curso de Licenciatura em Dança da UFRGS para realização de estágio curricular no Grupo Experimental, trabalho desenvolvido pela aluna/professora Paola Vasconcelos, que ministrou aulas de tango com uma abordagem contemporânea. Também foi firmada parceria com a Arena Cursos, que recebeu os alunos em sua sede para aulas com a professora Maria Helena Bernardes, abordando a obra de artistas como Marina Abramovich e Yves Klein.
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Professores Airton Tomazzoni
Didi Pedone
História da Dança e Introdução à Composição Coreográfica
Axis Syllabus
Alessandro Rivellino
Dança Moderna e Improvisação
Contato e Improvisação
Bia Diamante Educação Somática
Eva Schul Karenina de los Santos Composição em Dança/ Composição em Tempo Real
Alunos Alessandro Rivellino Andrea Lopez Andréia Lucchina Cibele Donato Diego Esteves Fernanda Bertoncello Boff Gabriela Camargo Geórgia Reck Giuliano Andreolli
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Iandra Cattani Isadora Maia Juliana Rutkowski Kalisy Cabeda Lara Sosa Leonardo Jorgelewicz Luciana Moraes Luiza Fischer Mari Rocha
Mariana Konrad Michele Zgiet Naiana Tedesco Nina Eick Raquel Purper Samir Sead Tainá Borges Thiago Dias
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Para que termos um corpo, se somos obrigados a mantê-lo encerrado em uma caixa, como se fosse um violino raro, muito raro?¹
A
ntes de conhecer o Grupo Experimental minha percepção sobre a dança estava vinculada a tradições de movimentos delineados por padrões estéticos bem definidos, isto é, dançar é dançar ballet. Ou jazz. Ou sapateado. Parte da minha experiência com dança incluía
expectativas externas em relação ao meu próprio corpo: o processo bastante comum de olhar imagens de bailarinos/as e performances e retirar daí um padrão de superioridade e qualidade. Pode-se dizer que meu corpo não era realmente meu. Ele era a projeção de um violino imaginário esperando a sua vez de produzir música. Mas essa vez parecia não chegar nunca. Até que as aulas começaram. Nas aulas de Educação Somática, inicialmente, eu não entendia nada do que estava acontecendo. Me sentia perdida e, como sempre, inapropriada. Até que as coisas começaram a fazer sentido. Antes, eu estava presa de um lado de uma rua movimentada até que, gentilmente, seguraram minha mão e me ajudaram a atravessá-la. Essa travessia foi lenta, gradual, amedrontadora e imperfeita. Fui descobrindo pequenas coisas importantes: calcanhar-dedinho-dedão. Cintura pélvica e cintura escapular. Os dedos dos pés. Uma perna depois da outra. Cabeça para um lado, cabeça para o outro. Um grande enrolamento. Ondulações da coluna. Contato. Percepção. O chão. A verticalidade. Empatia. Vanguardas. Movimentos. História. O cérebro é também um músculo. A respiração também é movimento. Dança não é só expressão de sentimento, é também um instrumento político. E aos poucos fui descobrindo que eu tinha um corpo. E que ele funcionava. É claro, as amarras psicológicas não se desfazem com tanta facilidade. O processo de dividir um espaço, uma dança ou
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um movimento com outro corpo é até hoje um pouco assustador. No entanto, cada professor trazia uma visão completamente diferente de corpo e movimento, o que é muito bom. Afinal, quanto mais se puder discutir e elaborar uma concepção, melhor ela fica. Além disso, abre a possibilidade de um processo de autonomia investigativa, uma experiência de aprendizagem cons-
¹ Do conto “Felicidade” de Katherine Mansfield.
tantemente ofuscada pelo sistema tradicional de passividade e rigidez. Além das aulas, as experiências extracurriculares, como as sessões de vídeos na sala P.F. Gastal (descobrindo as produções mundiais mais controversas), os minicursos no Arena (esmiuçando o trabalho e a vida de artistas como Marina Abramovich), as discussões teóricas e a participação em eventos, como o Festival Dançapontocom (o que dizer da Tele-entrega de Dança da Claudia Müller ou do Abecedário do Corpo Dançante do grupo canadense de Andrèe Martin?), bem como a acessibilidade a espetáculos diversos no Quartas na Dança, enriqueciam o espectro de diversidade e possibilidades de produções. Hoje, já me defino como uma pessoa livre para participar ou não de processos de criação, para escolher caminhos estranhos e menos percorridos, para cair no óbvio quando me der vontade, para me permitir errar e aprender e para direcionar para outros a mesma energia transformadora da dança e do movimento. Essa autonomia é uma semente que foi cultivada nas aulas do Grupo Experimental. O seu florescimento é ainda uma caixinha de surpresas. No entanto, em vez de um encerrado numa caixa, sou um instrumento capaz de produzir (a 115
minha) música todos os dias.
Gabriela
Camargo Tradutora.
O
Grupo Experimental de Dança é, com toda a certeza, e por experiência própria (felizmente a tive!), uma oportunidade rara e rica, onde artistas de diferentes áreas se integram e se entregam à dança, orientados por professores dos mais conceituados, cujas linhas
de trabalho bem distintas se complementam, propiciando uma vivência intensa e completa de aprendizado e criação artística, tudo isso dentro da grande tendência de que qualquer corpo pode dançar e qualquer movimento ou não-movimento pode se tornar dança! E estive em movimento, criei, me diverti, encarei desafios, aprendi muito, convivi com um grupo de pessoas bem heterogêneo, portanto rico demais, e por um ano, todas as manhãs, dançamos juntos! Só tenho a agradecer ao Centro de Dança!
Georgia
Reck
Bacharel em Artes Cênicas/ UFRGS. Atriz da Cia Stravaganza. Tem passagens pela dança Jazz, dança moderna e contemporânea, dança-teatro. Atualmente faz aulas regulares com Eva Schul.
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performances, instalações ou A partir da perspectiva de valorizar a percepção da experiência, do instante, das interações, o coreógrafo e diretor Airton Tomazzoni convidou artistas e estudantes para criarem ações simultâneas nos espaços do Centro Municipal de Cultura. Jardim, estacionamento, palco, bilheterias, camarins, mesas de bar, calçadas. Os espaços se abrem ao encontro e à partilha do sensível.
1 – Pelo espaço afora Um grupo de bebês explora o espaço. E você? Andréia Lucchina / Bebês convidados: Gustavo / Bruno / Violeta
2 – Desobedeça Uma locução orienta o participante em uma série de instruções para se movimentar. Você aceita? Fernanda Boff / Andrea López / Leonardo Jorgelewicz 3 – Sem título Arte se anuncia? O que se anuncia é arte? 118
Diego Esteves / Juliana Rutkowski / Kalisy Cabeda 4 – Você dançaria para mim? Participantes dançam ao som do seu próprio mp3. Depois oferecem os fones de ouvido ao convidado ouvir a música e… Michele Zgiet / Mariana Konrad
happenings, outras experiências (in)nomináveis
5 – Experiência: corpo e percepção Percurso do sensível. Entregue-se e descubra. Raquel Purper / Iandra Cattani / Alessandro Rivellino / Andréia Lucchina / Luciana Moraes 6 – Madaleine Paladar e memória. Um sabor poder levar você para onde? Isadora Maia / Luciana Moares / Luiza Fischer / Nina Eick 7 – Bambolódromo Qual o impulso para perceber-se ainda criança? Gabriela Camargo / Cibele Donato
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D
esde o início, quando comecei a trabalhar com o Grupo Experimental, o que me pareceu mais interessante, foi o fato de lidar com a diversidade de formações, o que permitia o desenvolvimento de uma linguagem mais híbrida e mais aberta a novas possibilidades
criativas. Era, além disso, um contato com as diferentes linguagens da dança, e com jovens disponíveis e interessados, que ganhavam uma oportunidade única de troca com vários professores especializados, sem a preocupação generalizada nas artes de ter como pagar pela experiência. O trabalho se provou correto e rico já desde o princípio, quando ao final de um ano de trabalho vários dos alunos se colocaram em escolas internacionais. Começou como brincadeira o fato de que eu dizia que ao final de um ano eles seriam “outras pessoas”. Virou bordão quando no final “eles” diziam que eram outras pessoas. O importante foi ver a transformação e a compreensão do que buscávamos, da consciência de seus corpos e da homogenização sem padronização do grupo. Outro fator interessante foi perceber que eles não sabiam se o que fazíamos era bom e novo o suficiente, e quando o primeiro chegou à Europa, ver nas conversas virtuais, perguntas como se o que eu fazia era realmente contemporâneo e ao receber confirmação, perceber a realização da oportunidade recebida. Outro exemplo disso, foi a audição que fizemos na minha Cia. (Ânima Cia. de Dança), para um projeto de memória com jovens bailarinos, e verificar que
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todos os alunos do Grupo inscritos passaram a trabalharam conosco por um ano inteiro, após o que alguns permaneceram na cia. Tem sido muito gratificante ver cada turma começar, selecioná-los e vê-los crescer e criar asas. Um fator emocionante é ver o medo que quase todos têm no início com a parte de criação, uma vez que não é comum na formação de danças, mas essencial para a dança contemporânea. E, como ao ir entendendo e desenvolvendo a linguagem, o prazer que envolve e a facilidade que promove na construção do discurso estético. Assim como a facilitação da saída para outras portas se abrirem. Ver o grupo evoluir junto e crescer em suas próprias medidas tem sido o grande pagamento para essa jornada, que é formar e educar na arte da dança, dentro deste projeto proposto e criado por Airton Tomazzoni, um grande companheiro nesta bela aventura. Nessa bela experiência, posso dizer que vi seres humanos evoluírem como pessoas e grandes talentos eclodirem.
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Eva
Schul
Professora, coreógrafa e diretora da Ânima Cia. de Dança
M
inha escolha pelo Grupo Experimental para a realização do meu primeiro estágio na faculdade ocorreu devido à demanda do meu projeto que necessitava de corpos disponíveis ao experimento. O próprio nome já carrega a identidade do grupo, onde
pessoas de todos os ambientes se encontram com um único objetivo: o de poder aprender e vivenciar a dança através de suas diversas abordagens. Apesar da minha insegurança inicial de temer que o grupo rejeitasse minha proposta por ser uma linguagem diferente do que era de costume trabalhado. Eu pensava que talvez por ser uma dança popular pudesse gerar certo estranhamento, já que os alunos estavam acostumados com linguagens mais contemporâneas de dança. Porém havia uma intuição positiva por minha parte e da minha orientadora, Mônica Dantas, de que ensinar o tango através de uma abordagem alternativa funcionaria neste grupo. Então comecei trabalhando o histórico da dança, alguns de seus conceitos básicos, o diálogo que se estabelece entre os parceiros, através de dinâmicas que deveriam partir de um processo individual de reconhecimento de alguns conceitos no seu corpo. Para que aos poucos a outra pessoa fosse sendo introduzida, terminando na última aula com um grande baile onde todos dançavam entre todos e criavam a partir do que foi passado nos encontros. O meu objetivo era que realmente eles pudessem vivenciar um pouco dessa manifestação.
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Acredito que o resultado final foi muito interessante. Durante o processo concluí que havia feito a escolha certa e que minhas expectativas iniciais se confirmaram. Pude trocar experiências com pessoas
disponíveis a embarcar na minha ideia. Sou muito grata a todos que participaram das minhas aulas e ao Airton por me disponibilizar esse espaço. E ainda por cima pela liberdade concedida para que eu ficasse à vontade para desenvolver meu trabalho como desejasse. E sem dúvida nenhuma o grupo marcou a minha vida e o meu trabalho, pois a partir dessa experiência fui muito estimulada a continuar buscando essa proposta. Uma validação de que a aprendizagem da dança de salão não precisa ser baseada em apenas reprodução de movimentos. E que pode se estabelecer através dos aspectos históricos da dança, do prazer e da experiência de diálogo com o outro. Foram tantos estímulos positivos recebidos pelos participantes que a partir desse estágio surgiu o meu tema de trabalho de conclusão da faculdade. Então acredito que esse espaço de formação é muito válido para a produção em dança na cidade. E principalmente pela oportunidade de tantas pessoas diferentes poderem se encontrar todas as manhãs para respirar dança. E por fim aos tangueiros que me encontraram durante os nossos cinco encontros, obrigada pela disponibilidade, pelos comentários, sorrisos, olhares e principalmente pelas lindas danças que pude apreciar.
Paola
Va s c o n c e l o s
Professora e dançarina de tango e dança de salão queer. Doutoranda em Artes Cênicas na Unirio/RJ, Mestra em Artes Cênicas pela UFRGS e Licenciada em Dança pela mesma universidade.
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O Grupo Experimental de Dança da Cidade comemorou o Dia Internacional da Dança com intervenções na Casa de Cultura Mario Quintana
A Travessa dos Cataventos virou palco para valsas e outros bailados que fizeram o público se surpreender e também entrar na dança. Caracterizados com personagens do espetáculo infantil Faz de Conta Que..., coloriram janelas, ala124
medas, passarelas e elevadores, colocando o cotidiano do centro da cidade a bailar. Participaram da intervenção: Andrea Lucchina, Andrea López, Cibele Reis, Fernanda Boff, Gabriela Camargo, Geórgia Reck, Juliana Rutkowski, Lara Sosa, Leonardo Jorgelewicz, Luciana Moraes, Luiza Fischer, Mari Rocha, Mariana Konrad, Raquel Purper.
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C
heguei ao Grupo Experimental no seu segundo ano de vida, em 2008, num momento de incertezas minhas: recém-formada como Tecnóloga em Dança pela ULBRA, querendo conhecer, estudar e praticar dança contemporânea, mas sem um norte específico, sem saber
onde queria chegar (e muito menos até onde eu poderia ir). Inicio assim o meu depoimento pois acho que a auto-descrição acima ajuda a compreender a importância do Grupo na minha trajetória, em como passei de estudante a bailarina. Primeiramente, o acréscimo de palavras ao meu vocabulário como jogo, troca, processo, experimentação, escuta, imagem, percepção, pluralidade. Não que eu as desconhecesse, mas elas passaram a ter significados cheios e complexos após vivenciá-las no Grupo. Participei de quatro espetáculos durante os quatro anos que estive lá, cada um com uma potência, com uma singularidade experienciada, cada um com seu caráter experimental. Eu Me Faço Simples Por Você poderia ter parecido para mim um grande desafio que talvez eu não tivesse como superar pois trabalhávamos com imagens e sensações corporais, não tendo uma coreografia específica e fechada. Tudo era jogo! Logo, a estrutura do espetáculo não mudava, mas o movimento apresentado sim. Percebi que a segurança que eu tinha não passava por saber exatamente o que eu faria, como eu faria e quando eu faria no palco, mas mais significativo, minha segurança vinha por saber quem está no palco comigo, por conhecer profundamente meu grupo e confiar nas nossas decisões. No meu segundo ano vieram as experimentações menos guiadas e mais
individuais, criadas a partir do “desconforto” de cada um. Esses “desconfortos” (coloco entre aspas pois era dessa forma que nos referíamos a essa tarefa) poderiam ser qualquer coisa: um sentimento, uma sensação, um fato, de forma que cada um passou a explorar algo real de sua vida, nada inventado ou imaginado, 126
e a tarefa de passar esse “desconforto” para o corpo e para o outro trazia diversas leituras aos olhos alheios, e trouxe o cotidiano para nossas experimentações. Foi importante para mim trabalhar sozinha, escolher a minha música e ir descobrindo meus caminhos para concretizar corporalmente o imaginado, e reconhecer que eu já havia aprendido uma série de possibilidades de ferramentas e estados corporais para realizá-lo.
O terceiro ano veio marcado por grandes mudanças nas estruturas que eu conhecia do Grupo: mudança de local – sendo agora num espaço privado, onde não poderíamos chegar antes ou ficar além da hora criando –, mudança na estrutura das aulas – apenas um turno e uma única turma de alunos –, mudança nos participantes – poucos colegas dos anos anteriores, muita gente nova que vinha do teatro e do circo, poucos vinham da dança –, e juntando a isso, minha incerteza sobre qual era o meu papel no Grupo, será que eu conseguiria desenvolver nesse novo formato? A resposta veio antes do final do primeiro semestre onde, por iniciativa de duas colegas, Giovana Consorte e Raquel Purper, remontamos a coreografia Tango do Presídio do musical Chicago, sendo apresentado na mostra do Grupo Experimental e no Cabaré Valentin. No segundo semestre ainda criamos dois espetáculos: o infantil Faz de Conta Que... e o adulto Pulp Dances. Ambos tiveram êxito acima do meu esperado e, com certeza, acima do meu pretendido, pois além de apresentarmos no decorrer do ano seguinte, o público perguntava sobre a volta das apresentações, mesmo depois de seu fechamento. A vida útil desses espetáculos foi curta porém intensa. Ter dois espetáculos em criação poderia ter sido uma tarefa complicada de administrar, mas os diretores Airton Tomazzoni, do infantil, e Juliana Vicari, do adulto, não permitiram que acontecessem contratempos significativos à montagem. Trabalhávamos em aula, trabalhávamos depois das aulas e em outros momentos do dia, mas sempre com muita vontade e gana para que desse certo. O resultado final foi muito bem aceito por público e crítica. Recebemos belíssimos retornos de professores do Grupo, amigos e público em geral. Veio a somar no Faz de Conta Que... a nossa participação na construção dos objetos utilizados em cena através de oficinas ministradas por Maíra Coelho, com seu trabalho cenográfico e seu carinho ao passar seu conhecimento para o Grupo, assim
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como a sensível criação da música do espetáculo por nossa colega Andrea López e seu marido Bruno Ângelo. O ano de 2011 iniciou com datas agendadas para os dois espetáculos, muitos colegas do ano anterior permanecendo no Grupo pela vontade de querer seguir com as apresentações e com uma reunião para se falar sobre dúvidas, disponibilidades e possibilidades de continuidade. Devido a trâmites legais que não permitem que os espetáculos que têm ligação com a Prefeitura possam participar de festivais, a não ser como convidados, e as dúvidas de como vender as duas produções sem haver divergências entre órgão público e privado, os espetáculos tiveram vida curta. A partir disso, os colegas passaram a se desligar do Grupo Experimental, e o desafio do ano era agrupar alunos antigos com os que iniciaram nesse ano. Por não ter coesão no Grupo, neste ano não montamos espetáculo. Para mim, o Grupo foi o diferencial na minha vida artística, claramente como antes e depois dessa vivência. Iniciei lá uma construção sobre o que é dança contemporânea para mim, e posteriormente delimitei para quais técnicas eu me interesso e quero trabalhar. Iniciei lá também vínculos com pessoas que abriram portas para todos meus trabalhos posteriores, como Dar Carne à Memória, com Eva Schul – professora permanente do Grupo –; Hybris, do Falos & Stercus – indicação da minha colega em 2009 e 2010, Aline Karpinsky –; grupo Necitra – fui convidada a ingressar pelo meu colega em 2010, Diego Esteves –; e meu processo de investigação para criação de um espetáculo com Bia Diamante – professora do Grupo desde 2009. O formato diferenciado do Grupo, com várias aulas, variadas técnicas e trânsito dos melhores professores de Porto Alegre proporciona um crescimento visível de todos os alunos em meses. O crescimento é técnico quanto a linguagens de dança; é relacional quanto a grupo, a troca, a ter contato com pessoas que talvez eu não viesse a cruzar caminhos em outro momento. Sou uma apaixonada pelo Grupo, e creio que é importante a sua continuidade como forma de proporcionar 128
a bailarinos/ atores/ circenses práticas com qualidade subsidiada pela Prefeitura e sendo encabeçado por uma pessoa com grande afeto por este projeto.
Juliana
Rutkowski
Bailarina da Macarenando Dance Concept e professora de dança na Educação Infantil, formada no Curso Superior de Tecnologia em Dança pela ULBRA.
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em que embalagens colocamos nossos sonhos, desejos, vontades e quais destinos damos a eles?
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A continuidade de parceria com a Casa de Cultura Mario Quintana manteve a possibilidade de ocuparmos as manhãs na Sala Cecy Frank. Para essa edição, depois de analisar profundamente as avaliações e o andamento de 2011, definimos formar uma turma de alunos novos e não uma turma mista, como fizemos no ano anterior. Dessa forma foram selecionados 28 alunos, numa turma marcada pela heterogeneidade, com integrantes vindos da dança de rua, balé, dança de salão, dança cigana, dança do ventre, dança contemporânea, uma cantora vinda de Belém do Pará, artistas circenses e atores, e com idades que iam dos 15 aos 40 anos. Essa escolha permitiu fazer da diferença o elemento aglutinador e que efetivou de maneira decisiva um trabalho coletivo e de grupo. Tanto que já na metade do ano a turma produziu seu primeiro experimento cênico, a performance Sou Muitos e Mudo, que foi apresentada no dia 15 de julho, na própria Sala Cecy Frank, como desafio de se apropriar do espaço de trabalho diário como espaço de apresentação. Durante o período de férias, no mês de julho, realizamos workshop e residência com Douglas Jung, ex-aluno do Grupo, com alunos e ex-alunos do Grupo. Em agosto, no Teatro de Câmara Túlio Piva, foi apresentada então a Mostra do Grupo Experimental. Na programação, o solo criado por Douglas Jung intitulado A que Ponto Chegamos, a montagem ...Foi pro Espaço..., especialmente criada na residência, e coreografias dos alunos, alunas e professores da turma de 2012. Outra novidade foi a realização de uma montagem coreografada por Airton Tomazzoni, Alessandro Rivellino e Andrea Spolaor. Não uma coreografia de cada criador, mas o exercício de um espetáculo único criado coletivamente, que resultou na obra Cuidado Frágil, apresentada dias 8 e 9 de dezembro no Teatro Renascença.
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Professores Airton Tomazzoni
Raul Voges
História da Dança e Introdução à Composição Coreográfica
Balé
Alessandro Rivellino
Danças Urbanas
Contato e Improvisação
Thiago de Lucca
Bia Diamante
Percussão Corporal
Educação Somática
Regina Rossi
Didi Pedone
Dança Contemporânea
Axis Syllabus
Andrea Spolaor
Eva Schul
Dança Contemporânea
Dança Moderna e Improvisação
Susana D´Ávila Jazz
William Freitas
Douglas Jung Dança Contemporânea
Jussara Miranda Dança Contemporânea
Alunos Alexandra Castilhos Aline Jones Alyne Rehm Andrew Tassinari Bruna Silvestrin Carolina Dias Caroline Bomfim Caroline Mendes Cauan Feversani Diego Ebling Emmanuel Moncorvo
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Emily Chagas Gabriel Grillo Gina Vitola Giulia Barão Gustavo Silva Gustavo Thomé Jéssica Fiorenza Juliana Werner Laerte Cardoso Lidiane Santiago Luiza Fischer
Matheus Espinoza Maurício Daniel Ferreira Miriam Strack Ramon Ortiz Ranieri Camargo Raquel Leão Rebeca Soares Roberta Campos Rogério França Sofia Villasboas
T
rabalhar no Grupo Experimental foi um grande presente para mim. A cada encontro revelava-se um contato mais afetuoso entre os alunos e aumentava o clima de coletividade e aprendizado.
A miscigenação de pessoas com muita, pouca ou quase nenhu-
ma experiência dentro do vasto universo da dança e/ou atividades físicas possibilitou uma abordagem sensível sobre ser-corpo, harmonizar-tensões, transitar por diferentes situações, sentir, escutar, tocar e ser tocado. As propostas de reconhecimento das estruturas físicas geraram constante questionamento, curiosidade, brilho nos olhos e interesse por parte dos integrantes. Abrir a mente e entregar o coração para vivenciar o corpo como presença, força e manifestação pessoal não é tarefa fácil, pois exige, muitas vezes, soltar-se no desconhecido e habitar lugares a muito bloqueados pelas mais diversas razões. O grupo foi se fortalecendo, os rostos expressavam vontade de ir além do lugar comum, uns mais confortáveis com as propostas, outros menos. E à medida em que cada um sentiu-se à vontade para expor as suas dificuldades dentro dos encontros, manifestou-se um grandioso potencial humano entre eles. Quando assisti a Sou Muitos e Mudo ficou nítido que o trabalho de composição dirigido pelo Airton estava determinado a abrir espaço para a livre expressão encontrada no íntimo de cada um. O tema foi claro, a pergunta solicitava uma resposta interna aonde vida e dança são inseparáveis, e realizar a integridade entre imaginação e movimento dentro de um contexto grupal demonstrou um importante passo para a maturidade dos bailarinos. Eles dançaram como se gritassem no meio de um grande silêncio, imbuídos de presença dançaram no limite entre vida/arte/loucura/dor e amor. A vida como processo, experimento de co-criação a dança com entrega, reconhecimento e responsabilidade. Da minha parte, eterna gratidão!
Flora
Adams
Educadora do Movimento
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Q
uando Airton me convidou para escrever sobre o Grupo Experimental, 2012, logo refleti sobre O CORPO inserido no contexto GRUPO, e o caldo que daria. Lá em 2009, entrevistando o Airton, tive a confirmação do ca-
ráter formativo do Grupo Experimental, disposto a oferecer contato com as mais variadas técnicas, possibilitando que os alunos tivessem acesso a um repertório amplo e diverso em linguagens de dança. Perguntei: “qual é o mercado para estes alunos?”. Respondeu Airton: “provável, integrarão grupos locais consolidados e mais experientes, como poderão formar outros grupos e/ou carreira- solo!”. O meu primeiro contato com o Grupo Experimental, 2007, rumou para este di-
recionamento. Dentre as suas características, o grupo era formado por pessoas “escoladas” em dança, algumas já qualificadas, podendo o oficineiro, no meu caso, distinguir o sujeito e a sua origem pré-formativa. Ou seja, os integrantes eram reconhecíveis dentro de um cenário previsível, em sua maioria, bailarinos oriundos de “formações” locais identificáveis [escolas, academias, grupos e Cias]. Já no segundo contato como oficineira, 2012, me deparei com um grupo diverso, não mais identificável enquanto origem, caminhando no rastro de uma lógica de dança formativa descentralizada. Este foi o grande barato deste encontro! Pessoas desconhecidas, nem tanto e até conhecidas entre iniciados, iniciantes e nunca iniciados, com a característica de um grupo com uma cara de “experimental”, no sentido da experiência em si como o objeto do exercício. A experiência somou o interesse dos alunos que perguntavam: “o que aqui temos a dizer e o que fazemos com isso!”. Talvez isto tenha se dado justamente pela aproximação dos alunos com a diversidade dos formadores, suas técnicas, pedagogias e métodos, o que considero o ponto alto do projeto: “pertencimento à origem enquanto conhecimento em dança”. Para mim, o Grupo Experimental é “grupo” e é “experiência”. Grupo enquanto um coletivo que tem um tempo e um lugar de convívio definidos, e que, desapegado de ideologias de “grupo”, mantêm-se ligado pela experiência. Experimental, no que se refere à construção de sentidos, cada um e a sua maneira, no exercício da dança a partir de escolhas e decisões particulares. O que acho mais bacana neste projeto é o seu caráter “camaleônico”: distinção de uns e outros pelas habilidades, movendo-se, cada um, de forma independente.
135
Acaso o Grupo Experimental intenta rumar para um status de grupo permanente, o que é (e seria) da natureza vocacional; cada vez mais demonstra sua vocação de não sê-lo. Ou seja, cada vez mais, o projeto revela as caras daqueles que se agrupam em torno de uma rica e única experiência, desvelando que há mais pessoas e conteúdos a serem explorados do que a previsibilidade de intentar a institucionalização de uma “Cia de Dança Municipal”, o que representaria a morte da experiência. O projeto é uma atitude não servil aos dispositivos governamentais, cujo mérito dá-se pelo constante diálogo com o serviço primeiro, que é o de aglutinar experiência em sequência, agregando estudos artísticos multidisciplinares em dança, livremente. A metáfora – camaleão – dá-se aqui e não por acaso, dado que o projeto – experimental – move-se livremente para direções desconhecidas, ajustando, incessantemente, suas formas, volumes, discursos e cores, em processo. Não o seria, a experiência, caso contrário! [escritos em 2012]. Hoje, passados quatro anos desta contribuição, vejo o projeto Grupo Experimental por outra ótica, não mais “camaleônica”, mas como argumento político para a formação de uma Cia Municipal de Dança, ora existente. Sem consistência, o Grupo Experimental nada mais é que uma previsão rasa e insustentável, em momento que a produção formativa gaúcha em dança está exaurida. Ou seja, GRUPOS de dança porto-alegrenses existem desde 1950, cujas sustentabilidades não são e nem foram reconhecidas pelo poder público até então, em razão de investimentos precários e insignificantes. O aspecto formativo de bailarinos, coreógrafos, produtores e diretores e etc locais, demonstram alta desempenho no mercado, através dos seus representantes reconhecidos. Importante rever a atual situação do setor da dança em Porto Alegre, começando pela valorização da produção de grupos experientes e organizados do setor. 136
Jussara
Miranda
Diretora e Coreógrafa da Mouvere Cia de Dança de Porto Alegre RS 28 Anos. Graduada em Dança e Tecnologia e Mestre em Inclusão Social e Acessibilidade.
Mostra do Grupo Experimental de Dança da Cidade 24 a 26 de agosto de 2012
PROGRAMAÇÃO Dia 24 ...Foi para o espaço... Criação de Douglas Jung Intérpretes: Fernanda Boff, Fernando Faleiro, Kalisy Cabeda, Laura Rosa, Nicole Fischer e Paula Finn
Dia 25 A que ponto chegamos Criação de Douglas Jung
Dia 26 Estudo de Klokobetz I Criação de Luíza Fischer
Avesso Criação de Alexandra Castilhos e Luciana Hoppe
Madrugada Criação de Mirian Strack, Lidiane Santiago
Profundo Eu Criação de Emily Chagas
Alma Brasileira Coreografia de Emmanuel Moncorvo Intérprete: Emmanuel Moncorvo, Emily Pogorzeiski
Estudo sobre a libertação Coreografia de Juliana Werner e Emily Chagas Intérprete: Juliana Werner
2 em 1 Criação de Carol Mendes, Mauricio Figuerah e Emily Chagas.
Utopia Criação de Rebeca Lima Soares
La tchiktcha Coreografia de Emmanuel Moncorvo Intérprete: Emmanuel Moncorvo e Alexandra Uczak
Semáforo (estudos de esquetes para sinaleiras e faixas de segurança) Criação de Gustavo Thomé e Ramon Ortiz
Todos os Meus Vícios Performance Convidada Intérprete: Andrea Spolaor
137
P
ara mim, participar do Grupo Experimental foi uma experiência única. A prática corporal diária transformou o meu corpo e colocou em movimento os pensamentos sobre corpo, dança e arte. Por conta da faculdade, percebi que durante todo este ano estive
em um caminho de comunicação entre as práticas e percebi que os espaços se complementavam. O meu desempenho na faculdade se potencializou e se transformou por conta das aulas e do trabalho coletivo do GED, pois, a todo tempo percebia que eu levava os ensinamentos do grupo para a faculdade. E da mesma forma, per-
cebi que as reflexões teóricas das aulas da universidade complementavam o meu processo de criação no grupo. Nesse momento, sinto como se terminar o ano*, fosse o fim de um momento e que nunca mais poderei deixar de fazer aulas todos os dias e trabalhar como trabalhei neste ano. Desejo continuar no GED para poder aprofundar o trabalho corporal e para poder aprofundar um trabalho coletivo tão maravilhoso como o que criamos no final do ano.
Alexandra
Castilhos
Bailarina, graduada em Licenciatura em Dança pela UERGS. Mestre em Artes Cênicas pela UFRGS. * Texto de avaliação escrito no final de 2012.
138
F
oi no Grupo Experimental que eu descobri que não existe limite de criação, não existe divisão entre a vida e a arte. Percebi que a arte vai muito além do que é bonito, feio, perfeito, correto, a arte é tudo aquilo que nos liberta, é tudo aquilo que podemos sentir. E o Grupo
Experimental é o que me fez sentir livre para sentir tudo o que eu pudesse imaginar dentro de mim. Depois que entrei para o Grupo pude sentir o universo dentro do meu corpo enquanto dançava. Além de ajudar no meu amadurecimento artístico, o Grupo Experimental também ajudou no meu amadurecimento como ser humano, agora tenho um olhar mais presente, sensível e poético para a vida, para o mundo ao redor. E por ensinamentos, transformações e infinitas sensações que professores e colegas incrivelmente incríveis me proporcionaram, serei eternamente grata ao Grupo Experimental.
Emily
Chagas
Bailarina e estudante
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sou muitos Quem somos? Quem acham que somos? Quem somos quando dançamos? Temos uma unidade de identificação? Somos muitos? Quem gostaríamos de ser? Como afirmamos essa(s) identidade(s). A partir dessas indagações e leituras sobre o tema da identidade, foram conduzidos vários jogos de improvisação, individuais e em grupo, que foram sendo gradualmente organizados com o objetivo de problematizas essas questões. Dessa maneira cada integrante buscou afirmar suas singularidades, mas também se permitir transitar pelos modos de ser do outro/ dos outros colegas. A investigação buscou procurar experimentar como gestos, movimentos e ações modificam essa identidade, bem como que outros elementos colaboram para alterar os códigos de reconhecimento, como peças de vestuário, máscaras, sonoridades. Dessa maneira alguns alunos experimentaram anunciar ser um outro colega e se apropriar das coreografias e movimentos respectivos, ou ainda escolher figuras ou personalidades históricas e/ou midiáticas para sua identidade, como presidentes da república, jogadores de futebol, atrizes de cinema, escritores. A relação com a palavra também foi explorada, na produção de frases de identificação que deveriam 140
ser proferidas ao longo da performance, como “eu sou...” e “eu estou...”. De onde surgiram fragmentos como: “sou o tempo e estou passando” “sou dart wader e estou do lado negro da força” “sou uma mulher e estou sangrando”
e mudo “sou peter pan e estou crescendo” “sou marilyn monroe e estou morrendo sozinha em meu quarto” “eu sou a mulher maravilha e estou invisível” “eu sou a bruna e estou vulnerável” Paralelo a esta experimentação foi problematizada a situação performática no próprio espaço de trabalho: a sala de aula. Como descobrir as limitações e potencialidades desse local, normalmente, relegado ao processo e não ao resultado cênico. Um dos exercícios que buscou permitir que não ficássemos restritos a sequências coreográficas e a provocar situações menos exploradas consistiu em uma série de instruções espalhadas pela sala, escritas em pequenos pedaços de papel: • anuncie “estou indo embora” e convide alguém para ir com você • escreva o nome de todos que estão em cena, no quadro negro • dê uma gargalhada • coloque uma cadeira em frente a um colega e fique observando-o por muito tempo • abrace alguém • feche todas as janelas • conte um segredo no ouvido de alguém • leia um livro 141
Assim abriu-se a reflexão para pensar a relação com o espectador, com os demais colegas em cena, de como estar e permanecer em cena, como entrar e deixar a cena. Enfim, como ressignificar os códigos de encenação e experimentar novas alternativas para a performance em dança.
F
rio! Muito frio! Domingo, 18 horas, sala Cecy Frank da Casa de Cultura Mario Quintana – Porto Alegre/RS.
Eu, sentado aguardando para assistir um trabalho em processo do Grupo
Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre sob a direção de Airton Tomazzoni. Aguardar uma proposta de dança iniciar, para mim, sempre é um pouco tenso. É como se eu fosse dançar algo que não sei o que é. Talvez eu fique na expectativa de dançar junto enquanto assisto da minha cadeira. Nem sempre o que assisto deixa brechas em que eu me sinta deslizar e participar, nem sempre quando assisto uma dança minhas sensações coreografam minha respiração, nem sempre o que eu assisto produz arrepios como efeito. Mas
o
que
assisti
nesse
dia
disparou em mim o desejo de ver em
que
essa
proposta
poderá
se
desdobrar. Para mim, o que assisti veio ao encontro do que tenho pensado neste momento e tenho chamado de descoreografar (ousadia minha, mas é apenas um exercício para pensar a dança), que seria uma criação que não vai ao encontro do que se espera ou do se faz normalmente. É como se eu não pensasse em formatos específicos 142
e possíveis receitas para coreografar, é como não fazer o que “possíveis manuais” podem indicar. Para, a partir disso, repensar o coreografar/performar e após voltar a coreografar como se estivesse desfazendo a dança, que em si se refaz na própria cena. E trago o
desfazendo como uma criação na contramão. Uma criação despreocupada com o que pode vir a agradar, voltada para produzir sensações, para acontecer, para vir a ser, para um devir dança numa proposta contemporânea. Sim! Isso mesmo, não se tratava de uma coreografia pronta ou fechada/ acabada, era uma performance, mas me levou a pensar em processos coreográficos. Apenas isso! Parabéns aos bailarinos/performers/dançarinos/atores, ou seja lá como se queira chamar, parabéns Airton Tomazzoni. Sucesso nos desdobramentos dessa proposta.
Wagner
Ferraz
Artista, professor, editor, pesquisador e gestor na área da dança e educação. Coordenador dos Estudos do Corpo (https://estudosdocorpo.weebly.com/).
v
ou contar uma coisa pra vocês... já se passou uma semana de curso* e eu achei que esse curso seria como qualquer outro, mas nesse pouco espaço de tempo já mudei completamente meu modo de pensar e visualizar as coisas ao meu redor. Quando eu entro naquela sala eu viro outra pessoa, me desligo de tudo e isso está me
fazendo um bem que nem eu imaginaria um dia conseguir. mesmo estando recém no começo já quero agradecer a oportunidade e a todos que estão lá para 143
apoiar e somar. Obrigado!
Maurício
Figuerah
Bailarino de Street Contemporâneo. Cursando Licenciatura em Dança / ULBRA
*
Este texto foi escrito no início de 2012.
T u
rabalhar no Grupo Experimental foi um grande presente para mim. A cada encontro revelava-se um contato mais afetuoso entre os alunos e aumentava o clima de coletividade e aprendizado. A miscigenação de pessoas com muita, pouca ou quase nenhuma expe-
riência dentro do vasto universo da dança e/ou atividades físicas possibilitou uma abordagem sensível sobre ser-corpo, harmonizar-tensões, transitar por diferentes situações, sentir, escutar, tocar e ser tocado. As propostas de reconhecimento das
i d a d o rágil
estruturas físicas geraram constante questionamento, curiosidade, brilho nos olhos e interesse por parte dos integrantes. Abrir a mente e entregar o coração para vivenciar o corpo como presença, força e manifestação pessoal não é tarefa fácil, pois exige, muitas vezes, soltar-se no desconhecido e habitar lugares a muito bloqueados pelas mais diversas razões. O grupo foi se fortalecendo, os rostos expressavam vontadede decriação ir além do lugar comum, uns mais confortáveis com as proO processo postas, menos. à medida em que cada um sentiu-se à vontade para expor de 2012outros nasceu do Equestioas suas dificuldades dos encontros, manifestou-se um grandioso potencial namento dos desejosdentro dos próhumano entrerelacionados eles. Quandoao assisti a Sou Muitos e Mudo ficou nítido que o trabalho prios alunos de composição pelo Airton estava determinado a abrir espaço para a ofício da dança.dirigido Suas frustralivre encontrada no íntimo de cada um. O tema foi claro, a pergunta ções,expressão suas ambições, as fragisolicitava resposta interna aonde vida e dança são inseparáveis, e realizar lidades, a uma rotina de trabalho, a entre e movimento dentro de um contexto grupal deasintegridade expectativas, asimaginação alegrias, monstrou um importante passo as dores, enfim, o material hu- para a maturidade dos bailarinos. Eles dançaram como gritassem de um grande silêncio, imbuídos de presença dançamano se que envolvenoameio produram no limite A entre vida/arte/loucura/dor e amor. A vida como processo, experição artística. partir de jogos mento de co-criação a dança de improvisação foram sendo com entrega, reconhecimento e responsabilidade. Da minha parte, eterna gratidão! investigadas cenas e partituras de movimentos que pudessem ser incorporados.
144
Flora
Adams
Educadora do Movimento
145
Durante esse processo surgiu a ideia de criarmos uma central de tele-entrega de dança. Uma empresa na qual chegariam pedidos dos clientes/consumidores. Dessa maneira, estaríamos trabalhando com os desejos de quem produz, mas também de quem aprecia a dança. Nesse percurso se buscou ampliar as referências de criação para a montagem e, para isso, os professores Andrea Spolaor e Alessandro Rivellino passaram também a assinar a criação, investigando essa temática em suas aulas. Assim nascia o espetáculo Cuidado Frágil. De que maneira atendemos aos pedidos que nos fazem? Até que ponto respondemos mais aos apelos dos outros do que aos nossos apelos? Em que embalagens colocamos nossos sonhos, desejos, vontades e qual destinos damos a eles? Metáforas que podem servir para qualquer pessoa, metáforas que podem servir talvez e especialmente para aqueles que dançam, sempre transitando entre os seus desejos pessoais e os desejos do público. O espetáculo colocou em cena, então, um grupo de bailarinos confinados por paredes altas em um palco sem saídas, recebendo pelo telefone ordens e sendo observados por entre grades na plateia. A impossibilidade de escapar dessa
146
situação leva o grupo a situações extremas, transitando pelo humor e a violência, pelo poético e o grotesco. A cenografia foi criada por Juliano Rossi, os figurinos por Samuel Lucca Gazola e a iluminação por Fabrício Simões. No elenco: Alexandra Castilhos Aline Jones Alyne Rehm Andrew Tassinari Carol Mendes Emmanuel Moncorvo Emily Chagas Gabriel Grillo Juliana Werner Gina Vitola Lidiane do Canto
Luiza Fischer Maurício Figuerah Matheus Espinoza Miriam Strack Ramon Ortiz
147
T
udo começou quando, quando tudo começou?1 Quando fui convidado para participar do processo de criação do Cuidado Frágil, sabia que esta pista sobre os princípios muito provavelmente se aplicaria: havia corpos em transformação constante
e muitas ideias, a intersecção corpo-mente já enveredava um caminho próprio em cada um dos bailarinos-criadores, e o nosso trabalho seria concentrar tudo num espaço-tempo em processo criativo e compor com aquilo que vencesse nosso desapego diário. Havia um grande artista regendo a orquestra 2. Recebi carta branca para
trabalhar. Os bailarinos estavam com muita vontade. Começamos não sei como. Qualquer começo é um bom começo. Acho que foi conversando sobre desejos e infelicidades. Acho que aconteceu devido à entrega e à confiança, e à ressignificação dessa última (confiar = fiar com). Tecer a rede-sonho em realidade, satisfazendo ou não o impulso original com o “resultado”. Quando comecei no grupo como aluno, aterrissei direto no processo de ensaios do Eu me Faço Simples Por Você. Agora, dando aulas e “coreografando”, vi aqueles que pela primeira vez experimentavam um trabalho criativo tão aberto quanto as flechas disparadas por um cego intuitivo encontram um alvo supostamente aleatório. Mais ou menos como eu experienciei anos atrás. A liberdade criativa sempre me encantou, saber que eu poderia fazer qualquer coisa, ainda que não de qualquer jeito, me impulsionava a estruturar minhas entranhas. Vi que permitir a criação individual ressurgir no coletivo era um grande prazer. Agora, percebi o desafio que pode ser para muitos. – Faz o que tu quiser, o que tu tiver vontade de criar, aquilo que te move por dentro, aquilo que te chega impregnado de sonho, a forma é uma consequência 148
de instauração no mundo daquilo que não tem mais pra onde ir. Quero o corpo que emerge dos estados em que se mergulha. Lembro-me de termos feito uma espécie pacto, ok, acordo, vai:
1
Dizem que a criação começa antes de começar e que termina depois de terminar.
2
Airton Tomazzoni.
1) Doesn’t matter how it sounds 3 . 2) Vamos até o fim juntos. 3) Vamos tentar olhar não olhar, ou olhar o mínimo, para o espelho 4 . Bueno, foi um encontro onde todos nós abrimos um pouco mão do nosso jeito de pensar, derivado de um intenso diálogo com as diferenças. Acho mesmo que chegamos a fazer ao mesmo tempo inventando o modo de fazer5 . Tínhamos muitas pistas e saber estruturar sequências de movimento e colocar músicas afins ou afins ao contrário seria muito pouco. Acabamos descortinando a possibilidade de todos estarem em cena o tempo todo, e transitarem entre uma corporalidade “cotidiana” (que por si só já não o seria, pelo ato performativo em si) e intensidades possivelmente diferenciadas. A relação com a fragilidade apareceu muito em nossos mergulhos pessoais no processo, e respeitamos algo que foi ao encontro de codificar nossas intenções para que o possível espectador pudesse decodificá-las a seu modo 6 . Não presumo ser
3
Frase de Per Bristow, em suas lições sobre canto e voz, referindo-se, na minha concepção, a como a nossa preocupação em estar bonito pode nos fazer reproduzir ao invés de criar e representar, ou invés de atualizar nossas espontaneidades criativas. O que inclui generosidade em todas as instâncias (consigo, com o outro, com as ideias...).
4
Sempre quis que pudéssemos transitar em diferentes estados de estar em cena, e olhar pro espelho conferiria, neste caso, a meu ver, uma lógica representativa, o que poderia ser uma armadilha inconveniente.
5
Frase excerto de alguma parte do corpo do trabalho de mestrado de Tatiana da Rosa.
6
Insiro aqui partes de um comentário meu em resposta à crítica feita por Wagner Ferraz: “Que bom ler e perceber que a complexidade complementar fragilidade e potência, e mesmo sua miscelânea entrópica possível, de alguma forma esteve presente... Neste trabalho (des)coreografamos (assumindo teu termo) inventando, ao mesmo tempo, o modo de (des) coreografar, o que é uma alternativa corajosa que confia na criação de cada um envolvido no trabalho, indo além ou mesmo ao revés daquilo que pressupúnhamos que ia dar “certo”; nos ocupamos em potencializar/fragilizar o que cada um de nós já tinha, e mesmo revelar aquilo que já tínhamos e ainda não sabíamos. Core é derivado do grego, podendo ser assumido como núcleo, centro, ou coração; Grafia pode ser assumido como escrita; assim coreografar poderia ser grifar o coração, escrita do núcleo, escrever ou ser escrito pelo centro; e neste sentido, pensando no centro como algo corporal, assim como o coração, o núcleo celular, e pensando o corpo como aquele agente que escreve a si mesmo no espaço-tempo indo para além de si mesmo e para além do espaço-tempo, então (e pensando na via corpo sem órgãos ainda), verifico que (des)coreografar pode ser mesmo o termo mais adequado pra revelar o que fizemos. A resistência ao óbvio também passa pela incrível complexidade necessária de percebê-lo e assumí-lo, ainda que saibamos que há, em si, uma grande dificuldade em realmente perceber o óbvio. Nesse sentido o que chamas resistência entendo também como a existência de novos modos e possibilidades criativas, e fico feliz com isso. Bueno, cá estamos. “Devirando” e derivando de descoreografias coreográficas. É muito bom ver a maneira com que escreves, o que revela, em seus detalhes, uma grande aproximação com o trabalho que co-criamos, indo para além de qualquer significado estanque, usufruindo de uma experiência não-fenomenológica, e tendo gatilhos disparados para novas criações. Fico com muita satisfação em rever o que criamos dessa perspectiva, gracias por se permitir, por estar poroso, e deixar que isso tudo se transfigurasse nesse ato de escrever.
149
possível, pessoalmente, definir se conseguimos encontrar o espectador de modo a convidá-lo a co-criar o trabalho a partir de seus próprios sentidos e atualizações pessoais, apesar deste exemplo citado ao rodapé. Acredito que posso julgar nosso sucesso em âmbito pessoal, relacional e de formação, mais do que aqueles que não participaram tão avidamente do processo (que por sua vez podem ter uma crítica de outra ordem); de acordo com essas instâncias que me são facilitadas focar e dada a intenção subjacente ao grupo7, digo que foi um processo muito rico pra todos nós, um grande marco na vida de cada um e um prazeroso sucesso pessoal. O grupo deste ano, este processo de criação a que aqui me refiro mais extensamente, aquilo que se convencionou chamar de resultado e a criação do livro do grupo engendram um grande encerramento de ciclo. Que em si carrega a semente amadurecida para o próximo ano, forte e flexível, como o aprendizado desses anos conferiu ao projeto. Como começou? Para medirmos um círculo pode-se começar não importa onde.
Alessandro
Rivellino
Artista multimídia interessado no que pode um corpo. Bailarino, professor, diretor, performer e coreógrafo. Integrante do coletivojoker.
150
7 Experimentar.
U
ma das melhores escolhas que fiz no ano de 2012. Começo minha avaliação com essa frase, dita às pessoas que me perguntavam sobre minha experiência no Grupo Experimental de Dança.
Acompanhava o trabalho do GED através de amigos que parti-
ciparam em anos anteriores, mas não imaginava que a abertura desse espaço na minha vida, nas minhas manhãs, fosse expandir minha percepção para tantos modos do sentir e existir. Experimentei um olhar mais profundo e atento para o corpo, o movimento e a dança em suas diferentes formas e potencialidades. No meu trabalho como atriz sempre circulei por pesquisas e espetáculos com o foco num treinamento corporal, entretanto o estudo do corpo a partir da dança me ajudou a entendê-lo de uma maneira mais complexa e cuidadosa. Percebi uma ampliação da minha percepção espaço/temporal e tal refinamento produziu reverberações produtivas no meu trabalho prático e teórico de pesquisa nas artes. Sinto-me mais consciente da minha relação com meus colegas atores/dançarinos, nos ensaios e na cena, e com a possibilidade de experimentar novas formas de acessar o corpo, o movimento, o gesto e o jogo durante um processo criativo. Durante as aulas do Grupo Experimental nos relacionamos com o corpo e o movimento a partir de suas variações, sua suposta inércia jogado no chão – percebendo peso, volume e contornos – sua expansão e contração com movimentos ágeis e circulares ou lentos e internos. Os encontros também serviram como experiência para pensar as relações do meu corpo com o entorno, sem certo ou errado, num processo de abertura e aprendizado. Um espaço livre para experimentação, trocas e descobertas. 151
Sofia
Vilasboas
Atriz e pesquisadora em Artes Cênicas. Doutoranda pelo PPGAC – ECA/USP. Mestra em arts de la scène/arts du spectacle vivant pela Université Paris VIII, França.
M
inha experiência com o Grupo Experimental de Dança da Cidade de Porto Alegre vem desde 2009, quando ministrei aulas de Dança Contemporânea e Técnicas Corporais Chinesas. Mas foi no segundo semestre de 2012 que Airton me chamou para
uma nova experiência com o grupo: compartilhar com ele e Alessando Rivellino a direção do espetáculo Cuidado Frágil. De início, com muitas conversas entre os três e com o grupo, minha expectativa era absolutamente zero, pois não sabia nem com que metodologia de trabalho iria interferir positivamente para que algo surgisse para a construção do trabalho. No início da montagem, pensei que trabalharia com o material coreográfico de cada um, e funcionaria mais como uma organizadora desse material, dada a liberdade quase que total de agir que Airton Tomazzoni nos deu para conceber cenas que comporiam a obra. Mas percebi que aquele grupo em especial ainda não havia trabalhado com um coreógrafo da forma tradicional – quero dizer, passando a coreografia e adaptando de acordo com os intérpretes – e achei que poderia ser uma boa oportunidade possibilitar essa experiência: “O que meu corpo faz com aquilo que me é dado?”
152
Tivemos momentos riquíssimos! Foi pouco o tempo para criar e ensaiar as cenas, e organizar outras que não foram criadas por mim. Mas, ao final, o saldo foi positivo, e quando estreamos o espetáculo tive a sensação de dever cumprido, satisfeita com o trabalho que realizei com cada um (um dos meus pedidos para Airton: “Quero trabalhar com todos!”). Um ano em que o grupo me surpreendeu, pois os vi abertos, disponíveis, sem pretensão e cheios de coisas para dar, mesmo que fosse apenas a vontade de aprender. Obrigada Airton pelo convite! Obrigada Exército de Pessoinhas pelas experiências.
Andrea
Spolaor
Bailarina, coreógrafa, professora, produtora de conteúdo do Dança e Saúde e Diretora Artística da Cia Municipal de Dança de Caxias do Sul.
153
Para alĂŠm daquilo que gostamos precisamos entender/sentir/ compreender se o que estĂĄ sendo proposto condiz com o projeto da obra.
154
Em um ano de fortes movimentações políticas e sociais, o ano do GED não deixou de lado a reflexão da questão da arte e em especial da dança nesse cenário. Nesse sentido, uma das primeiras produções do ano intitulou-se Um corpo terrorista!!? No corpo docente, duas parcerias internacionais, com Magda Loitzenbauer, gaúcha radicada há vinte anos na Áustria, e Matej Kejzar, bailarino e coreógrafo esloveno. Foi um ano especial, pois dois ex-alunos do Grupo que atuaram como professores assumiram a orientação das montagens finais: Douglas Jung (GED 2007/2008), com Procedimento 21+1 e Alessandro Rivellino (GED 2008/2009/2010), com Risco GED, um processo antes do gesto.
Professores Neca Machado
Jussara Miranda
Dança Moderna
Dança Contemporânea
Eva Schul
Douglas Jung
Dança Moderna
Dança Contemporânea
Bia Diamante
Izabela Gavioli
Educação Somática
Preparação Corporal para a Dança
Alessandro Rivellino
Didi Pedone
Contato e Improvisação
Axis Syllabus
Cibele Sastre
Matej Kejzar
Sistema Laban de Análise do Movimento
Dança Contemporânea
Magda Loitzembauer Improvisação
Alunos Alessandra Castilhos Alyne Rehm Andhiara Soares do Amaral Andréa Ventura da Silva Bianca Brochier Bruna Gomes Bruno Parisoto Carol Mendes Clarissa Brittes Cláudia Dutra Débora Nunes Emanuelle Maia
Emily Chagas Ferhi Mahmood Gabriel Dias Martins Gabriel Grilo Gina Vitola Inês Gonzatto Joana Castilhos Leslie Diehl Lilian Habib Luãh Moreira Valença Luis Felipe Soares de Lima Luiza Fischer Manon Galisteo
Marcela Bobsin Marcelo Iuds Ribeiro Mariana Mattiello Natália Karam Ramon Ortiz Raquel Coelho Renata Stein Dias Sahaj Landel de Moura Slohan Rocha Cardoso Suelen R. Silva Vítor Hansen Ely
155
N
o
primeiro
semestre
de
2013,
tive
a
oportunidade de trabalhar com o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre. Foi uma experiência muito gratificante e
enriquecedora para mim. Como tivemos um tempo
considerável para nos conhecer e desenvolver um trabalho mais fundado, pude passar algumas técnicas de improvisação que considero importantes e que são como “boas ferramentas“ ou como “caminhos“ que levam à coreografia. Começamos a aula com uma preparação corporal, um aquecimento baseado principalmente em exercícios da hatha yoga, bioenergética, assim como exercícios inspirados na técnica de Feldenkrais. Utilizei também algumas sequências de dança moderna simples, com movimentos soltos, repetitivos e fáceis de memorizar, tornando essas sequências mais livres, sensoriais e prazerosas. O objetivo dessa primeira fase da aula é tornar o corpo mais flexível, aberto e desperto; aguçar os sentidos, trazer o foco mais “para dentro“, aumentando assim a percepção do que se passa no corpo, dos movimentos e mudanças sutis que ocorrem no mesmo através dos exercícios propostos. Na segunda parte da aula, trabalhamos com técnicas de improvisação em dança. Vários aspectos foram abordados: o ritmo, as diferentes tensões musculares, a relação espaço/tempo, possibilidades de locomoção na sala, movimentos em dupla e em pequenos grupos, jogos cênicos, entre outros. Durante esse período,
156
trabalhamos também com criação de pequenas sequências de movimentos a partir de frases aleatórias (selecionei algumas frases do I Ching - o livro das mutações). Cada aluno recebeu uma frase que deveria ser interpretada em gestos através de associação direta, de forma livre e lúdica. O rosto deveria estar o mais neutro possível. Num segundo momento, o aluno praticou e memorizou sua pequena partitura de movimentos. Uma vez estabelecida a partitura de gestos, estava criada a base da sua coreografia pessoal. Como numa partitura musical, passamos a nos deter na interpretação desses gestos através de formas variadas de execução. Passamos a dar diferentes “entonações“ a eles, acentuando um gesto e outro, experimentando diferentes velocidades e amplitudes, tornando o trabalho coreográfico rico em possibilidades. O mais interessante nesse trabalho é quando percebemos o potencial dramático dessas partituras, de como um trabalho, a princípio puramente técnico, pode se tornar cheio de significados e despertar diferentes emoções nos espectadores. Entrei em contato com essas técnicas de improvisação no Konservatorium der Stadt Wien, privat Universität (Viena/Áustria), onde estudei quatro anos e me formei Pedagoga em Dança. A fundadora do departamento de dança do Konservatorium, Rosalia Chladek, bailarina da geração de Laban e Kurt Jooss, foi aluna de Émile Jaques-Dalcroze, e criou seu próprio método de análise do movimento. Com essas aulas, espero ter podido contribuir um pouco na caminhada artística de cada bailarino do grupo. De minha parte, só resta dizer que foi realmente um prazer ter convivido e trabalhado com um grupo tão vibrante, com tanta vontade de experimentar e de se jogar em cena. Deixo aqui o meu obrigado a Airton Tomazzoni e ao Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre.
Magda
Loitzenbauer
Bailarina, coreógrafa, atriz e instrutora de Yoga, gaúcha radicada na Áustria, residente em Viena desde 1992.
157
F
azer parte do GED em 2013 foi um marco na minha trajetória de vida. Sou psicólogo, terapeuta corporal e atualmente me considero bailarino por profissão. O GED me impulsio-
nou por completo nessa escolha de transformar a dança,
que sempre fui apaixonado, em profissão. Lembro do momento que decidi voltar a dançar, estava afastado da prática fazia uns dois anos, depois de muitos anos dedicados à capoeira angola e ritmos populares. Essa foi minha escola desde 1997. Havia terminado um relacionamento de 3 anos, o que me fez repensar vários caminhos da minha vida. Um deles foi querer voltar a me movimentar. Sou terapeuta corporal, nunca parei de trabalhar com o corpo, porém sentia que havia um espaço dentro de mim que sentia falta de criar e expressar através do movimento criativo do corpo. Decidi voltar a dançar. Em uma noite de sábado, fui ao espetáculo de Antônio Nobrega na Casa de Cultura Mario Quintana. Na fila, acabei conhecendo uma guria que se tornou uma grande amiga, Michele Zgiet. Durante a conversa, ela me disse que fizera parte do Grupo Experimental de Dança e que atualmente fazia aulas de tango. Após o espetáculo (maravilhoso!) continuamos conversando, quando uma pessoa que eu apenas conhecia de vista parou na minha frente e pediu licença para me dizer uma coisa. – Preciso te dizer que tua alma precisa dançar! Entendi o chamado. Fui às aulas de tango, porém não me identifiquei muito. Conheci Juliana Vicari, que me apresentou o contato improvisação, e me apaixonei. Ela também me falou sobre o GED e do quanto fora importante na sua trajetória de dança. Ao final daquele ano decidi me atirar na dança e tentar entrar no GED. Meus amigos me questionaram: como eu, com 35 anos, inserido no mercado de trabalho, abri158
ria mão de um turno por semana durante um ano para dançar… Quando fiz minha inscrição, confesso que não apostava muito que iria passar na audição. Nunca fiz qualquer aula de balé ou qualquer outra dança “reconhecida” (esse era meu julgamento na época). Minha escola de movimento sempre foi a capoeira angola, que eu considerava mais um jogo, uma luta e uma expressão da cultura popular do que propriamente uma dança.
Durante a audição, apesar de ser um dos mais velhos da turma, me chamou a atenção a diversidade de corpos. Pessoas que nunca haviam dançado, com saberes diversos; estudante, sociólogo, psicóloga, fotógrafo, advogado, junto com professores de diferentes estilos de dança, jazz, tribal, circo, ventre… gordos, magros, baixos e altos. Senti que seria uma experiência muito rica integrar esse grupo. Veio a notícia que fora selecionado! Nem acreditava, que passaria o ano de 2013 inteiro tendo aulas de diferentes estilos de dança durante todas as manhãs, gratuitamente! Parecia um sonho! Começou o ano e pude conhecer quem daquela audição havia sido selecionado. Um grupo heterogêneo, com diferentes idades, diferentes corpos, diferentes estilos e experiências de vida. Nos primeiros meses de aulas, foi um reconhecimento da forma como meu corpo sentia aulas tão diversas. Dança moderna, Educação somática, contemporânea com diferentes abordagens, contato improvisação, danças urbanas, Axis Syllabus entre outras. Com o tempo pude perceber que mais do que um nome da técnica e estilo de dança, os professores traziam suas trajetórias e experiências: Douglas Jung, Jussara Miranda, Cibele Sastre, Eva Schul, Bia Diamante, Didi Pedone, Alessandro Rivellino entre outros e Airton Tomazzoni, com suas aulas de história da dança e suas reflexões estético-políticas sobre cada obra de dança que assistimos na sala PF Gastal da Usina do Gasômetro. Durante o ano, fiz aulas em que meu corpo se deleitava na potência de criação, e movimentos em dança e aulas que traziam tensões e desafios em que meu corpo nitidamente rejeitava algumas práticas propostas. Nessas horas me lembrava muito do que Airton falava: para além daquilo que gostamos ou não, precisamos entender/sentir/compreender se o que está sendo proposto condiz com o projeto estético daquela obra. Isso me ajudava a sair do meu umbigo e me abrir para uma nova experiência de corpo e com o corpo. Me fez crescer, ampliar meus horizontes, despertar desejos e lembranças há muitos anos adormecidas. Me lembrei que quando pequeno queria fazer balé, ficava observando minha irmã dançar, porém nunca pedi aos meus pais, afinal, não era coisa de guri! Fazer parte do GED me ajudou a despertar a vontade de criar através da dança e de compor a dança com diferentes saberes das artes, como vídeo, performances, artes plásticas e música. Experimentar colocar na roda, no palco e na
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rua, fazer parte de um espetáculo, conhecer todo universo para além do espectador, me fez sentir vivo. Ao final do semestre nos propusemos a criar um espetáculo, ou melhor dois, para apresentarmos no Teatro Renascença. Procedimento 21+1 dirigido por Douglas Jung com colaboração do coreógrafo Matej Kejzar, que integrava uma das mais importantes companhias de dança do mundo, a Rosas, da Bélgica, dirigida por Anne Teresa de Keesmaekere e Risco GED – um processo antes do gesto, com direção de Alessandro Rivellino. Dois espetáculos bem diferentes na sua concepção, forma de condução e criação. Foram quatro meses ensaiando em grupo. Foi incrível perceber a dimensão que um espetáculo de dança pode alcançar, tanto na sua dimensão individual, através de todas as questões que foram mexendo em mim; medos, desafios, desejos, limites… e na dimensão grupal; as relações entre as pessoas, com a obra, ritmo, espaço, fluxo, tolerância, limite, respeito… Ao final do ano de 2013, encerramento do GED, uma parte deste grupo encarou o desafio de dar continuidade ao espetáculo Procedimento 21+1 e mais ainda, criar um coletivo de dança contemporânea para seguir pesquisando, agora de forma mais posicionada na dança contemporânea. Criamos o Coletivo Moebius de dança contemporânea em 2014. Naquele mesmo ano, junto com minha companheira, também bailarina com trajetória no GED 2011, Priya Mariana Konrad, criamos o Duo pelo Mundo – Espaço que nos afeta. Um trabalho de percurso performático em diferentes lugares do país e do mundo, onde realizamos trajetórias performáticas e videodanças em 8 países divididos em 2 continentes por 4 meses. Tenho muito a agradecer à existência deste lindo projeto, que chamaria mais de uma política de formação em dança de Porto Alegre. O Grupo Experimental de Dança, além de ser democrático e acessível pela sua gratuidade, é único na qualidade técnica dos professores e, principalmente, na sua proposta 160
de ampliar o conceito do que é e para quem é dançar.
Sahaj Pesquisador do corpo, bailarino, terapeuta corporal, capoeirista e psicólogo.
E
u participei do GED num momento meio perdido da vida, saindo do colégio, entrando na faculdade, começando a trabalhar. Sempre gostei de dançar e de estar envolvida com pessoas e corpos. Com as aulas,
fui descobrindo técnicas, movimentos, sensações que me abriram para várias coisas e também me ajudaram em várias tomadas de decisões que vieram depois. Vivi muito e aprendi demais sobre meu corpo, meus limites, minha presença em palco e na vida. Foi um período de descoberta e experimentação e a dança segue sendo um terreno muito especial e instigante para mim.
Manon
Galisteo
Cantora, professora de música e terapeura aprendiz de Bioenergética
161
N
o ano em que inúmeras manifestações ganharam as ruas pelo país, a proposta foi pensar que corpo é esse que ameaça, que perturba a ordem social. Como material provocativo, foi
lançado o vídeo que viralizou na internet em 2013, o Harlem Shake, em que pessoas comuns se fantasiavam e reproduziam o vídeo em diferentes contextos pelo mundo. Apropriação, democratização, carnavalização, protesto, rebeldia, escracho. Elementos que serviram de estímulo para esse pequeno exercício de composição anárquico-artística. A estreia foi no Festival Dançapontocom, no Teatro Renascença.
um corpo
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Pequenos
atentados
poéticos
O trabalho reúniu uma série de cenas criadas nas aulas do projeto buscando investigar e problematizar temas como corpo e (des)ordem social, dança e padrões de composição, uso do espaço cênico, a relação entre o artista e o espectador e os discursos sobre o fazer artístico. A performance teve direção dos coreógrafos Airton Tomazzoni, Alessandro Rivellino, Douglas Jung e Neca Machado. No elenco: Alex Vidaleti, Alexandra Castilhos, Alyne Rehm, Andhiara Soares do Amaral, Bianca Brochier, Bruna Gomes, Clarissa Brittes, Débora Nunes, Ferhi Mahmood, Emily Chagas, Gabriel Dias Martins, Gabriela Rosa, Junior Alceu, Leslie Diehl, Luãh Moreira Valença, Luis Felipe Soares de Lima, Luiza Fischer, Manon Galisteo, Marcelo Iuds Ribeiro, Mariana Kich, Natália Karam, Raquel Vidal, Renata Stein Dias e Sahaj. A mostra de trabalhos foi apresentada no dia 17 de outubro às 20h no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana, no Encontro Estadual de Dança, promovido pelo Instituto Estadual de Dança/ IEaCENRS.
terrorista !!? 163
Procedimento
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21+1 Como quem compõe a estratégia perfeita para uma missão irrealizável, ou como quem escreve o plano diretor de uma cidade em ruínas; a constituição do Procedimento 21+1 foi escrita para gerir e regulamentar um sem-fim de movimentos e manifestações que reivindicam a constante revisão das propostas de presença física e ocupação de espaços. O grupo investiu tempo e curiosidade em construir um procedimento que desafia a experiência da presença e do ato de mover-se no espaço de performance. O espectáculo foi fruto da colaboração entre Douglas Jung (BR) e Matej Kejzar (S). Elenco: Alyne Rehm, Andhiara Soares do Amaral, Bianca Brochier, Clarissa Brittes, Débora Nunes, Ferhi Mahmood, Emily Chagas, Gabriel Dias Martins, Junior Alceu Grandi, Leslie Taub, Luhã Moreira Valença, Luis Felipe Lima, Luiza Fischer, Manon Galisteo, Marcelo Iuds Ribeiro, Mariana Kich, Natalia Karam, Raquel Vidal, Renata Stein Dias, Sahaj.
Risco GED O processo acima do gesto. É um debuxo e uma ode ao que poderia ter sido, através do que já está devirando. Uma possibilidade de observação, através de uma fenda metafórica, de um caleidoscópio de espelhamentos e projeções, onde o observador e o observado se encontram num meio inóspito, mas hospitaleiro. Através de uma costura conceitual, mantivemos vivas perguntas sobre o corpo e a dança, e acima de tudo, sobre a motivação de cada bailarino em processar/produzir dança ou ser processado/produzido por ela. 165
Direção: Alessandro Rivellino Elenco: Alexander Vidaleti, Alyne Rehm, Andhiara Soares do Amaral, Bianca Brochier, Clarissa Brittes, Débora Nunes, Ferhi Mahmood, Emily Chagas, Gabriel Dias Martins, Rita Rosa, Junior Alceu Grandi, Leslie Taub, Luhã Moreira Valença, Luis Felipe Lima, Luiza Fischer, Manon Galisteo, Marcelo Iuds Ribeiro, Mariana Kich, Natalia Karam, Raquel Vidal, Renata Stein Dias, Sahaj.
É
com muita alegria que celebramos uma década do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre. Lecionando neste projeto, tive a oportunidade de conhecer diversas personalidades importantes do atual cenário artístico gaúcho, e
também de encontrar pessoas ávidas por conhecimentos sobre o corpo e sobre movimento. Pude viver e compartilhar momentos dançantes extremamente prazerosos, e também trocar e fornecer informações empíricas e científicas fundamentais sobre a constituição do corpo humano e seus movimentos, sendo esse o campo principal de atuação das minhas práticas. Há 17 anos conheci Frey Faust, originador do sistema de estudo e análise do movimento humano denominado “The Axis Syllabus” (AS), e me apaixonei por sua proposta. Através desse sistema, compreendi minha função como educadora física e professora: auxiliar meus alunos a compreender seus corpos. – “Axis”: é uma referência a coordenadas vetoriais que permitem o cálculo de valores inerciais e equações de energia cinética; e – “Syllabus”: significa uma lista ou léxico, que organiza essas referências documentadas, correlacionando-as com a prática. O Axis Syllabus fornece uma plataforma de informações sobre o
corpo e seus potenciais motores, e oferece ferramentas para o aluno compreender seu corpo e adquirir mobilidade com o máximo de segurança e consciência. As informações são compiladas das áreas científicas que estudam o corpo, tais como: anatomia, biomecânica, cinesiologia e suas relações espaciais e comportamentais (tais como: psicologia e sociologia). 166
Tendo um impacto intersetorial não-específico, o AS tem recebido uma entusiasta resposta internacional de vários estudantes orientados para o desempenho artístico, bem como de uma ampla parcela da comunidade científica. Vinte anos atrás, motivado por um convincente interesse popular nessa obra, Frey Faust fundou a AS International Research Community, que desde então desenvolve um processo de certificação de instrutores,
com centros operacionais em sete países e milhares de participantes em desenvolvimento e estudo. Entrei para esse processo de certificação em 2005, e em 2009 me tornei a primeira instrutora de Axis Syllabus da América Latina e, hoje, ainda sou a única brasileira habilitada a lecionar, sendo responsável pelo desenvolvimento desse estudo no nosso país. Pela sua abrangência, sempre enxerguei o Axis Syllabus como uma disciplina fundamental para todos os interessados numa formação artística, principalmente sendo ela voltada para a dança, como é o caso do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre. Airton Tomazzoni, como pai desse projeto, teve a sensibilidade de compreender essa necessidade e sempre abriu as portas para o intercâmbio. Foram anos lecionando semanalmente o Axis Syllabus para o GED, e, através desse contato, tive alunos que se tornaram parceiros muito importantes, e que deram sequência ao estudo desse sistema ao meu lado. Sinto que, mesmo para aqueles alunos que mantiveram seu contato restrito às aulas que lecionei no GED, as informações trocadas fizeram na vida de cada um uma sensível diferença. Para mim, estes anos de GED proporcionaram um grande crescimento pessoal pela possibilidade de trabalhar com um número grande de alunos de diferentes níveis de compreensão corporal, e isso me fez aprender a adaptar meus objetivos na busca de conseguir sensibilizar a todos os alunos. Cada grupo ofereceu desafios diferentes, mas sempre tivemos a oportunidade de aprender uns com os outros e trocar conhecimentos e experiências. Sendo assim, gostaria de agradecer de coração por estar fazendo parte da trajetória desse projeto tão importante para a cena cultural gaúcha.
Didi
Pedone
Bailarina, educadora física e instrutora de Axis Syllabus
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E
u sou Raquel Vidal, me formei em direito em 2012 e fui integrante do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre em 2013. Comecei a dançar em 2010 e me apaixonei, mas nunca tive a ideia de ser bailarina como uma opção de carreira e vida, até o ano de 2013.
O GED, como é chamado pelos integrantes e ex-integrantes, foi uma
experiência intensa e balançou a minha vida de forma definitiva. É um lugar para a arte, para trabalhar mente, corpo e relação, tudo ao mesmo tempo, o que me tirou do meu lugar de conforto que eu estava tão enjoada de ocupar. Um lugar para aprender sobre si mesmo, fazer amigos para a vida, e suar diante de muitos desafios. Para mim, essa experiência foi o início, um ponto sem retorno para o que viria a seguir: assumir o futuro de ser uma bailarina, e melhor, livre de todo aquele ar romântico e perfeição estética inatingível, mas na vida, nesse contexto, nessa cidade, como meus colegas e professores. Viver da dança é, na maior parte das vezes, ingrato, e algumas outras vezes financeiramente inviável. É suar muito, frustrar-se muito, ganhar pouco, economizar muito, sair pouco, ensaiar muito. Apesar de tudo, não me arrependi, mesmo vivendo o preconceito (!) das pessoas, o descrédito com a profissão, a fragilidade política da categoria. Nunca me arrependi, pois hoje lido com problemas muito diferentes dos que tinha durante a faculdade de Direito, e a grande diferença é que eu escolhi onde estou. Apesar de todas as coisas ruins que poderiam vir junto, eu me sinto extremamente feliz por não ter morrido de olhos abertos atrás de uma
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mesa de escritório, fazendo uma coisa qualquer, para a qual eu não dava a mínima, só porque era o caminho mais óbvio e porque eu nunca tinha conhecido ninguém que me dissesse que podia ser de outro jeito. Nada tenho além de uma gratidão imensa pelo GED e a certeza de que é o lugar de gestação dos melhores artistas locais, uma iniciativa maravilhosa da prefeitura de Porto Alegre, que mudou a vida de muitas pessoas, como fez comigo, e que planta na cidade uma semente de criatividade, arte, espontaneidade, cooperação e capacidade crítica, qualidades cada vez mais raras e propositalmente arrancadas das pessoas. É difícil explicar o que esse projeto significa, pois não se pode sentir falta daquilo que nunca se teve, e o GED tem como referência um modelo de educação muito distante dos clássicos, com os quais todos temos grande intimidade, infelizmente. Em 2013, apresentamos dois trabalhos, dirigidos por dois grandes professores, Douglas Jung e Alessandro Rivellino, que nos auxiliaram a ir além de nós mesmos, a nos arriscar, a entrar em um processo criativo que, para mim, era um mistério completo. Os dois trabalhos foram marcantes, o primeiro totalmente guiado por tarefas que se sucediam, e o segundo com as cenas desenvolvidas pelos intérpretes. No primeiro semestre de 2014, estudei na Escola Angel Vianna, no Rio de Janeiro, onde também tive a oportunidade de experimentar esse outro modelo de educação, baseado na liberdade, no diálogo, na criação coletiva, na
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horizontalidade das relações, e lá também é um oásis em meio a faculdades, universidades federais e suas intermináveis burocracias, e seus alunos-números. Do grupo de 2013, e do trabalho com Douglas Jung, nasceu o Coletivo Moebius, que hoje conta com quase quatro anos de atuação na cena de dança contemporânea e performance em Porto Alegre. Há pouco tempo, em meio a uma das piores crises financeiras que já presenciei, em agosto de 2017, iniciaram os trabalhos da formação em dança contemporânea, denominada O Ninho, do qual tenho o privilégio de fazer parte. É, mais uma vez, uma formação para desenvolver artistas e, acima de tudo, pessoas, seguindo a tradição do GED.
Raquel
Vidal
Coelho
Bailarina contemporânea, performer e poledancer. Instrutora de pilates clássico e poledance, professora de dança contemporânea. Pesquisadora de Axis Syllabus.
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Mostramos a nossa fragilidade, nos despimos de tudo. Somente permaneceu o desejo, os sonhos e a certeza de que este era o caminho.
processos cada vez mais híbridos No ano de 2014, 36 alunos selecionados frequentaram um programa de aulas com carga horária de 483 horas totais, com 162 aulas, na sala Cecy Frank, da Casa de Cultura Mario Quintana. Durante o ano, o grupo compôs alguns eventos, com apresentações e performances, além da já tradicional Mostra de Trabalhos e a montagem final. No Dia Internacional da Dança (29 de abril) foi realizada intervenção na Rua dos Andradas (Centro), com saída da Casa de Cultura Mario Quintana e ponto de chegada no Mercado Público, guiada por Junior Alceu (Estágio DAD), iniciativa e parceria inédita, que resultou na performance A Ninhar. A Mostra do meio do ano foi um espaço para apresentar alguns processos que se dão nas práticas diárias de aula. No evento, foi apresentada a Playformance, resultado do trabalho de processos híbridos de criação, com o professor João de Ricardo, além de trabalhos individuais e coletivos dos alunos. O Grupo também foi convidado a integrar a programação do I Encontro Estadual de Dança, realizado na Casa de Cultura Mario Quintana, sob coordenação do IEACen. Como trabalho de encerramento do ano foram produzidas duas montagens: a criação colaborativa idealizada pelos alunos e intitulada CyberMacumba e Sagração, uma versão da obra de Nijinsky, dirigida por Douglas Jung.
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Professores Airton Tomazzoni
Eva Schul
História da Dança
Dança Moderna
Alessandro Rivellino
João de Ricardo
Contato Improvisação
Processos Híbridos de criação
Bia Diamante
Neca Machado
Educação Somática
Princípios do Movimento e da Coreografia
Didi Pedone
Patrícia Preiss
Axis Syllabus
Danças Circulares
Douglas Jung Dança Contemporânea
Turma Agatha Andrade Andriola Alex Vidaletti Ana Maria Vasconcelos Ananda Pinto Cardoso Anderson Moreira Sales André Macedo Andressa Bitencourt Anne Caroline Paz Ferreira Áquila Mattos Lima Júnior Augusto de Magalhães Ayeza Haas Cristiane Giaretta Débora Jung
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Fernanda Fávero Fernanda Müller Guilherme Jacobsen Guilherme Guinalli Jeferson Cabral João Zabaleta Jony Pereira Kevin Brezolin Leslie Diehl Leonardo Menezes da Silveira Luiza Gil Vargas da Silveira Maílson Fantinel D’Avila
Mariana Bandarra Marielly Silva dos Santos Martina Seifer Namisi de Oliveira Nicole Fischer Paula Finn Priscila Florido Priscila Augustin Auler Renan Santos Stamatina Banou Tatiane Rocha
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C
orpo lento, adormecido, atravessa a Praça da Alfândega, tinha um olhar vivo e fixo no rosa de uma construção distante. De longe, o perfil da construção parecia um Castelo Rosa, e essa imagem, recheada de subjetividade, ativava os pensamentos,
que andavam mais rápido que o Corpo, e tudo parecia tão distante. No Castelo Rosa, de muitas portas e janelas, nem todas abertas, o Corpo aterrissa numa grande sala e encontra diversos Corpos, e a trama se iniciava: entrelaçamentos de vidas, experiências e tonalidades. Esse Corpo tinha um único objetivo, sobreviver/resistir corporalmente e permitir todos os atravessamentos possíveis e não imagináveis. O tempo fluía e o processo diário de aulas, movimentos, conversas, técnicas, discussões, afetos começam a fazer parte desse Corpo que se entregava ao processo, um saltar sem paraquedas. O Castelo Rosa deixou de ser castelo e passou a ser Casa, a Casa do Corpo. Do imaginário foi para a realidade, muitas vezes, de dor, de frustrações, de limitações, de cansaço, de escolhas, de sensações nem sempre agradáveis, mas é em casa que o corpo tira as amarras, se reconhece e relaxa. O chão virou cama; os outros corpos, aconchego; os professores, dias bonitos de sol: eram semelhantes e totalmente diferentes, tudo pulsava e tudo fazia sentido, até mesmo quando o sentido não podia ser presença. Respirar, tocar, massagear, sentir, soltar o peso, experimentar, romper, mostrar, ver, ouvir, tocar de novo, sentir outra vez, resistir ao medo, não desistir, insistir, tentar de novo, observar, tentar de novo, insistir, ousar, atrever, encantar, esvaziar, enamorar, soltar o peso, não resistir, acreditar, olhar mais uma vez, enxergar, con-
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fiar e VIVER.
A Dança – RELAÇÃO CONSTANTE DE MOVIMENTO E DE VIDA – se fazia presente, todos os dias, e nos levava a caminhos tão diferentes. E os Corpos vibravam, pois todos em seus tempos e singularidades resgatavam suas totalidades. E o tempo passou, os Corpos na sua maioria se abriram, e mais portas e janelas da Casa Rosa foram abertas, às vezes não escancaravam, mas o espiar já era um começo. E o grande dia chegou para esse Grupo de Corpos, saíram de casa e foram se mostrar: era um desejo, pois estavam tão diferentes e satisfeitos que queriam se movimentar e dividir com outros corpos. E ao som da Sagração da Primavera de Igor Stravinsky, mostramos a nossa fragilidade, nos despimos de tudo. Somente permaneceu o desejo, os sonhos e a certeza de que este era o caminho. Não tinha mais volta: 2015, 2016...
Ana
Maria
Silveira
de
Va s c o n c e l o s
Psicóloga, dançante e performance, focalizadora e apaixonada pelas Danças Circulares Sagradas, Pós-graduada em Psicopedagogia e Interdisciplinaridade pela ULBRA e Pós-graduada em Dinâmica de Grupo SBDG/RS.
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A Ninhar:
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“Seja berço, seja caixão, eis o ninho. No conforto de um passarinho ou nas trilhas de um bicho geográfico, toda presença é engolfada. Entre, observe, trame, aprisione, liberte-se. Uma mulher te oferece ajuda. Deves confiar nela? Trafegar pelo espaço é perigo: mas a segurança é sempre ilusão. O lugar está cheio de coisas A Ninhar: fios lançados independentemente por performers que vão alinhavando nascimento, morte, conforto, destruição, iniciação, perda. Um processo longo de construção e exaustão. Juntos, performers e público aninhados, A ninhar.” Release de A Ninhar
um fazer ou
Manifesto
da
Grande
Bobagem
P
rimeiramente, A Ninhar foi uma legítima experimentação artística: vulnerável, arriscada e bagunçada. E eu a adoro assim, aberta e mal acabada. Provavelmente, uma das experiências mais significativas
da minha graduação em Direção Teatral. Gratidão ao Airton Tomazzoni, que me abriu a oportunidade, aos professores e à própria existência do grupo e, claro, especialmente a todas as pessoas que tiveram a disponibilidade de se envolver artesanalmente na produção do A Ninhar, ocorrida em 2014. Muitos conceitos atravessaram o pensamento desse fazer, como environ-
mental theatre, site-specific, hibridismo, performance art, identidade e suas ficções, autoria compartilhada e estruturas abertas de poder e função, autonomia, JAM (como estrutura de criação, ensaio e apresentação), mapa mental, teoria do flow... Tudo com uma postura política-poética-relacional que a academia desaprovava: algo que eu chamava de “não-saber”. Alessandro Rivellino, que na época era professor do grupo, falou o seguinte sobre isso quando o entrevistei: “Aí tu cria uma projeção desse ‘lá’, que permeia os teus passos desde agora. Pensando o que seria o contrário disso: seria tu estar dando um passo no desconhecido, potencializando esse momento que está acontecendo, e descobrindo onde é que tu está indo chegar.” Ele chamava isso de “fazer inventando o modo de fazer”, mimetizando Pareyson. Poxa, nos falta um exercício artesanal! Artifícios? Claro! São funcionais, mas não sem antes encontrarmos o enxofre, a magia essencial, que falta em nossos fazeres. Vejo tantos protocolos que lidam com (falsas) certezas na lógica contemporânea, parece que tudo é feito a partir de um projeto, de um estudo prévio, uma ordem conhecida e uma teoria científica ou dos costumes. Tudo é sabido, desde como executar uma grande empreitada, até o cumprimento ao encontrar um desconhecido, não se leva em conta a emergência da atualidade absoluta: onde estamos? Com quem estamos? Em que estado estamos? Como e quais afetos têm permissão para nos influenciar? Estamos vivos, poéticos, políticos, relativos, complexos, ou somos braços operativos de uma máquina protocolar insensível e
artesanal,
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absoluta de algo que não nos reconhece? Parece que algo essencial, primordial, nos escapa, algo da ordem do aqui e agora, da ordem da consciência, pois me parece que são tempos hipnóticos, de um encanto perigoso. Chamo a atenção para a sabedoria e a prática que requer entrega, experiência e integridade para acessar; ontológica, holística e ancestral. Arte é feitiçaria. Feitiçaria tem técnica, mas não é uma técnica. O “não saber” é inclusive uma maneira de encontrar o estado performativo, a dilatação da presença, de encontrar o espírito, de meditar e de aguçar a escuta, é um modo operante de descoberta do atual. A função de diretor nessa peça foi trabalhando, ou atentando, primeiramente para as pessoas, não sobre o trabalho artístico em si. Até certo ponto, não importa o que será o trabalho. O trabalho brota do engajamento existencial das performers. E não é esse um dos princípios e legados que a Performance Art gerou? A criação poético-existencial instalada na mídia, que é a interface de cada um com o mundo: o comportamento, o corpo, a identidade, a postura, a comunicação. Antes do que diretor, talvez fosse melhor o termo facilitador, pois a busca é por uma maneira de trabalhar para e com, mas não sobre, as pessoas; num primeiro momento, ao menos, dirijo-me em como ajudar as performers a encontrar o objeto de pesquisa que lhes dá tesão, que as deixa no estado de Flow, questiono com elas (e existem maneiras físicas também de questionar, responder e dialogar) o que faz sentido fluir em seu corpo (tendo em mente que a partir do corpo também se desdobram as suas extensões: espectadores, interações, espaço, sistemas, cidade). Como tornar o espaço de trabalho o possível berço daquilo que as move enquanto artistas e existências no mundo? Importa permitir, incentivar e catalisar essa potência, fazê-los de si agentes estéticos, relacionais, de si mesmos. O que 180
flui em linguagem é criação de sentido que se materializa, o corpo torna-se ponto de referência e território ocupado da sua existência (algo em suma tão óbvio e natural, mas que infelizmente não é uma realidade nos nossos tempos) . A criação de um espetáculo é protocolo, o valor artístico não é a peça de arte. Estamos cheios de protocolos, burocracias, condicionamento e disciplina. A arte é lugar de resistência nesse sentido. Não queremos fazer cultura, a cultura somos nós mesmos. Parem de nos vender a cultura de espetáculo, hollywood, show na pizzaria (e a crítica certamente não é para essas mídias e peças em si,
mas seu contexto de produção e consumo), de nos ensinar as falas dos poetas mortos, as orações que não falam aos nossos Deuses. Precisamos urgentemente nos reconectar com quem somos, com a potência da nossa existência, isso é espiritualidade, e é carne, sangue, intensidade, rede. Metafísica ainda é física! Me violem pela transcendência, transbordamento e desintegração, mas não pelo achatamento, arbitrariedade e tributalidade. Precisamos encontrar o sagrado a partir do sentido, do sentir, da experiência, descobrir e inventar quem somos com liberdade, para além da civilidade oca e violenta, pois eu, honestamente, me sinto muito mais morto do que gostaria. “Protesto contra a ideia separada que se faz da cultura, como se de um lado estivesse a cultura e do outro a vida; e como se a verdadeira cultura não fosse um meio refinado de compreender e de exercer a vida” Antonin Artaud, prefácio do livro O Teatro e Seu Duplo.
Junior
Alceu
Grandi
Bacharel em Direção Teatral na Ufrgs, estuda dança contemporânea desde a adolescência. Atualmente tem suas intenções voltadas para a Arte da Performance e experimentações artísticas, buscando interdisciplinaridade e um campo expandido para a arte.
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Dia 02 – Sábado Vento e carvão Com Priscila Florido
Pajaropez Com Agatha Adriola
Mostra do Grupo Experimental de Dança da Cidade
0 Com Kevin Brezolin
Transcrição dual Com Priscila Auler
1, 2 e 3 de setembro de 2014 21h – Sala Álvaro Moreira
Ave
PROGRAMAÇÃO
Etta nóis
Dia 01 – Sexta-feira 4 meses Com Priscila Auler e Ananda Mida
Construção com Grupo Experimental
O que me move Com Jeferson Cabral
Âmbar Com Marielly Santos
Com Débora Jung Com Grupo Experimental; mediação Neca Machado
Hiato Com Paula Finn
Sem título Com Maílson Fantinel
Trem azul Com Áquila Matos e Ayeza Haas
Sobreviver pelo imaginário Com Ana Maria Vasconcelos; mediação Alessandro Rivellino
Patchwork Com Tatiane Rocha, Renan Santos, Áquila Mattos, Luiza Vargas e Aline Loreto
Dia 03 – Domingo
It’s oh so quiet
Playformance
Com Ayeza Haas e Fernanda Muller
Etta nóis Com Grupo Experimental; mediação Neca Machado
O passado é apenas um pesadelo que acabou Com Wallison Andrade e Leslie Taube 182
Sem título Com Andressa Bittencourt
A morte é um fazer artesanal Com Ananda Mida
Orientação: João de Ricardo
E
m 2014 participei do Grupo Experimental, e tive a oportunidade de participar novamente em 2017. Na minha primeira experiência no GED, sentia que dançava o tempo todo em todo lugar. Tenho muita ener-
gia e preciso de muito movimento para meditar, para fluir e deixar fluir. Na dança sigo aprendendo a ser harmonioso com o caos de todas as coisas e a entender que não se tem controle de nada na vida, além do seu corpo. Focar nele leva a respostas mais sensitivas do que racionais, sobre o que é existir, e ajuda a nos equilibrarmos no caos para sobrevivermos. Ao mesmo tempo, me questiono sobre o lugar onde se dança. E, principalmente, por quê? Ainda mais no caso de uma apresentação, para pessoas te verem dançando. Através dessa inquietação, criei o solo Vazio, em 2014. A introdu-
ção tinha um texto poético carismático que falava sobre estar vazio para deixar a expressão tomar conta e dançar de forma livre, para as pessoas que veem, sem necessariamente buscar um objetivo, apenas dançando a música e sendo improvisado por ela. Depois, em 2015, no Teatro Renascença, tentei repetir a mesmo solo e fracassei. Deixo o relato de meu querido amigo Junior Alceu sobre o ocorrido: Ontem, dia 13, apresentamos um trecho da Grande Bobagem na Mostra de Dança de Inverno, e tive uma experiência incrível ao assistir o Grupo Experimental de Dança, logo em seguida ao solo do Kevin Brezolin. Primeiro foi o grupo experimental, com uma proposta que ocupava a plateia, ocupava mesmo. Super sensível e convidativa, a proposta me deixou à vontade e inquieto, de forma que, além de vocalizar junto com os integrantes da performance, que se confundiam com o público por toda a plateia, me senti impelido a levantar da cadeira e me juntar a eles. Foi lindo, foi arte-vida, uma experiência mais do que algo para assistir. E logo depois se levanta o Kevin da plateia e vai pro palco, tira suas coisinhas dos bolsos na maior simplicidade, enquanto sua traqueia eletrônica nos lança um texto filosófico, sagaz e um pouco absurdo. O texto acaba com ele dizendo: o mínimo que eu posso fazer é dançar esse momento, deixar os meus átomos dançarem. E sim, nossa, você dançou o momento Kevin, fez aqueles instantes serem especiais. Primeiro, ele começa com uma dancinha de dançar dentro do quarto, que é quase patética e tão autêntica! Depois, o vejo dando um salto violento, que não tinha dado na passagem das cenas, e aí começou a loucura, naquele momento ele tinha aberto um corte profundo no supercí-
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lio. Mas o Kevin é um homem forte, grande, e é uma figura estranha diga-se de passagem, grande e um desajeitado; ele não parou de dançar, nem por um instante, ele levantou da queda e continuou cegamente, de forma que eu nem imaginava o que estava se passando com ele. Atordoado, logo depois disso veio uma das melhores partes, em minha opinião, em que ele, em seus movimentos frenéticos de átomos dançantes, perde o tênis no meio da dança, como aqueles meninos que vão chutar uma bola de futebol, erram e seu tênis voa. Ele escorrega com a meia no linóleo, cai não cai, eu não sei se rio ou se choro, mas percebo que algo extraordinário está acontecendo, novamente ele segue dançando com um vigor tamanho que faz não questionar a veracidade da cena, mas nitidamente se percebe que está acontecendo algo fora do previsto. Eu sou apaixonado pelo patético... Assistindo, eu nem imaginava o quão sério e perigoso estava sendo. Dei risada e fiquei o tempo inteiro me remexendo na poltrona com a presença e disposição do
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Kevin de lidar com o momento presente. Foi tão sincero que fez eu apreciar ainda mais o grande fracasso dele, que belo fracasso. Tem cenas que são lindas e bem preparadas, cenas para assistir, e outras que, nuas, compartilham seu risco e o fenômeno de sua existência com o público, cenas pra experienciar. O Kevin tirou a camiseta e estancou o ferimento em cena, enquanto dançava, sem nem mesmo racionalizar ou questionar, ele só continuou dançando, uma dança cheia de sangue, uma dança de sangue. No final, ele recolheu suas coisinhas enquanto comentava seu fracasso com o público, estavam todos sobressaltados sem entender o que estava acontecendo e se o que tinha acontecido era real ou fantasia da cena. Lá fora, enquanto esperávamos o táxi que levaria Kevin até o HPS, ele diz: tudo na minha vida tem sido um caos, nada tem sido como eu esperava. Obrigado Grupo Experimental de Dança, obrigado Kevin. Em 2017, a pedido de alguns professores do GED (Neca e Airton), resolvi apresentar novamente meu solo na mostra de 10 Anos do Grupo Experimental. Mas estava inquieto com o fato de dançar para majoritariamente pessoas da dança, que provavelmente estariam na plateia: por que dançar improvisando 5 minutos para eles, em vez de dançar 5 com eles? Com isso matutando na cabeça, no dia da apresentação, duas horas antes, resolvi mudar tudo. Resolvi abrir o jogo. Gravei um áudio sobre o áudio antigo, conversando comigo mesmo, criticando os meus antigos pontos de vistas na introdução. Mostrando que o que eu pensava tinha mudado. Deixei claro que poderíamos dançar juntos se as pessoas quisessem, e realmente elas subiram ao palco e dançamos durante cinco incríveis minutos. De alguma forma, expus o que eu sentia com a mesma sinceridade da pessoa que abriu a cabeça dançando. Vivi aquele agora, e o dividi com as pessoas. Era a melhor coisa que poderia fazer na ocasião. Enfim, meu relato é apenas algo que achei bacana compartilhar. Sigo aprendendo com o fracasso e com todas as outras condições humanas, é na errância que evoluímos. Não sei quais serão os próximos episódios da dança da vida, mas sigo improvisando, agora mais de boas.
Kevin
Brezolin
Astr Ø nauta s Ø n Ø r Ø. Semi Ø nauta ca Ø tic Ø. Bailarino que toca. Músico que atua. Ator que dança.
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PHC no
C
omecei a dar aula no GED no ano de 2014. De lá até o presente momento, passaram pelas minhas aulas de PHC mais de 200 alunos em 5 turmas, impactando diretamente na realização de espetáculos e performances dessas turmas, tais como: Playformance, Casula, Osso-
roca e Gala GED. PHC é a abreviação de Processos Híbridos de Criação. Essa nomenclatura apareceu durante meu mestrado na UNICAMP, em 2008-2010 (Cia. Espaço em BRANCO – Processos Híbridos de Criação), onde ampliei o meu fazer criativo enquanto encenador teatral, mergulhando nas possibilidades da performance. Antes de ser convidado a compor o corpo docente do GED, já havia realizado mais de dez oficinas de PHC entre SP e POA. Ministrei PHC nas oficinas culturais do estado de São Paulo, no Porto Alegre em Cena, na Bienal do Mercosul e em universidades, como a UFPEL e a UFSM.
O
que
é
PHC?
PHC engloba as práticas de corpo que venho experimentando, frente à Cia. Espaço em Branco e nas minhas aulas, com foco na preparação do performer e no espetáculo enquanto espaço de trabalho pedagógico. Vindo e atuando no teatro, é natural que a minha abordagem do performar acabe por se nutrir do espetáculo, tanto teatral quanto de dança, espetáculo de artes do corpo. A apresentação e o apresentar-se
ganham
um
escopo particular, sendo tra186
tados a partir da performance. Muito dessa perspectiva eclodiu quando, em 2013, tive a oportunidade de trabalhar com o performer, ativista e professor independente
Guillermo
Gómez-Peña,
GED: pistas para performers curiosos! uma das maiores referências latino-americanas de performance, na oficina/espetáculo Os Bárbaros – An X-treme Fashion Show. Falar em performance é muito amplo, já que sabemos que, da performance arte aos estudos da performance, todo comportamento humano com finalidade de “ser visto” se enquadra nessa definição, portanto cabe a mim esclarecer o possível leitor dividindo as bases teóricas que embasam minhas práticas. Para começar, tenho que citar a artista brasileira Lygia Clark. Foi com ela que, em meu período de mestrado, fui buscar recursos nas artes visuais para ampliar meu trabalho. A artista quase nunca se referiu à performance durante seus longos anos de trabalho com o corpo. Para ela, o mais importante sempre foi o ato. Esse “ato” é o que possibilitou para ela transferir seu foco criativo dos objetos (o que tradicionalmente está associado às artes visuais) para o corpo. Esse ato é o instante presente, onde o espectador, em contato com a proposição da artista, passa a ser também criador da obra. Sua proposição Caminhando, de 1963, passou a ser realizada com todas as turmas a fim de conhecer o pensamento da artista e, a partir da experiência, ir recodificando as possibilidades de performar (atuar, dançar, tocar, apresentar-se etc). A fusão entre o objeto-corpo proposta por Lygia foi criando teias de relação com outros autores, práticas distintas. Devo citar as mais importantes, para dar um sabor do que faço nas aulas de PHC. Para tanto, é importante levar em conta o gás poético-político que Artaud emana em sua obra Para acabar com o julgamento de Deus, de 1948, com a proposição do corpo sem órgãos. Mas foi com Deleuze-Guattari que pude me comunicar criativamente com a proposta artaudiana, já que os autores pensam o CsO como uma prática radical de experimentação do estar vivo, tornando possível quebrar a supremacia dos órgãos sobre o corpo (aqui os órgãos fazem relação com funções específicas do corpo que, segundo os autores, podem ser dissolvidas
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e ampliadas em poesia, em corpos em constante estado de transformação). Seguindo, é com Maturana-Varela que vou buscar o embasamento necessário para tratar a ação enquanto criação de saberes. Epistemologia biológica. Para um professor/artista, foi libertador encontrar autores que discutem as práticas, o comportamento enquanto possibilidade de entender a criação de saberes. Se levarmos em conta que estamos falando aqui de artes do corpo, artes do ao vivo, do presente e da ação, o famoso aforismo dos autores em A árvore do conhecimento, de 1984: “todo fazer é um conhecer e todo conhecer é um fazer”. Resumindo, e muito, acabo por trabalhar com Guy Debord e a Internacional Situacionista nas aulas. O autor francês, figura centralizadora nas revoluções de maio de 68, nos ajuda a perceber a potência que as ações experimentais terão no corpo da cidade, incitando a um pensamento político que se dá no cotidiano. Para mim, é como se a deriva de Debord refletisse no corpo da cidade o CsO de Artaud no corpo do indivíduo. Termino esse pequeno texto oferecendo três links que podem ajudar a aprofundar as questões que são trabalhadas nas minhas aulas de PHC: O primeiro é o blog da turma do GED do ano de 2014, onde publicamos diversos textos, vídeos e fotos das performances realizadas em aula: http://grupoexperimentaldedanca2014.blogspot.com.br/; www.ciaespacoembranco.wordpress. com onde centralizo as informações sobre meu trabalho como performer, encenador e professor independente frente à Cia. Espaço em Branco. E minha dissertação de mestrado na UNICAMP: http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/284935
João
de
Ricardo
Encenador, performer e professor independente 188
Bibliografia: ARTAUD, Antonin. O Teatro e seu Duplo. São Paulo, Ed. Max Limonad, 1985. CLARK, Lygia. Catálogo da Exposição “Lygia Clark” Barcelona, Fundacio Antoni Tapies, 1997 DEBORD, Guy. A Sociedade do Espetáculo. Fonte Digital base Digitalização da edição em pdf originária de www.geocities.com/projetoperiferia 2003 — Guy Debord DEBORD Guy. A Teoria da Deriva. Segunda tradução (espanhol – português) por membros do Gunh Anopetil em 19 de março de 2006. Copia e detournément autorizados. Em http://geocities.yahoo.com.br/anopetil/ DELEUZE, Gilles e PARNET, Claire. Diálogos, São Paulo: Ed. Escuta, 1998 DELEUZE, Gilles e GUATTARI, Félix. Mil Platôs, Capitalismo e Esquizofrenia. Rio de Janeiro: Ed. 34, 1995 MATURANA, Humberto. & VARELA, Francisco. A Ár vore do Conhecimento, São Paulo: Palas Athenas, 2007. SANTOS, João Ricardo da Cunha. Cia. Espaço em BRANCO: Processos Híbridos de Criação, São Paulo, UNICAMP, 2010.
Produções O grupo recebeu convites para compor eventos, produzir em parceria com outros coletivos, além da tradicional proposta de montagem no final do ano. Foi um semestre marcado pela produção de repertório e processos de composição.
Mostra Experimental 2# A Mostra de agosto, na Sala Álvaro Moreyra, foi tão potente que foi decidido apostar nesse produto. Assim, o grupo foi convidado a reapresentar a Mostra na Sala Carlos Carvalho, dentro da programação de Aniversário da Casa de Cultura Mario Quintana. Mesmo sendo uma reapresentação, os processos de pesquisa já estavam em outro estágio, com algumas coisas novas e outras amadurecidas. As apresentações tiveram entrada franca e aconteceram às 20h do dia 23 de setembro.
Programação Construção Com Grupo Experimental
O que me move Com Jefferson Cabral
Pajaropez Com Agatha Andriola
Um TCC dança? “O Corpo Político da Cena: os Tupi Afrobrasileiros tomam o teatro e fazem o carnaval.” Com Gabriela Tavares, Anderson Moreira Sales e Kevin Brezolin.
Sem título Com Namisi Oliveira 190
Há braços Com Guilherme Guinalli e Paula Finn
O que foi isto Com Ana Maria Vasconcelos
Vazio Com Kevin Brezolin
Etta nóis Com Grupo Experimental; mediação Neca Machado
Habitat: o casaco que habito coreografia; Matina Banou Intérprete-criadora: Débora Jung Bonzanini
Sem título II Com Andressa Bittencourt
Vento e carvão Com Priscila Florido
Encontro Estadual de Dança: Com curadoria do IEACen, o Encontro Estadual de Dança tem quatro dias de programação, com encontros, debates e apresentações. O grupo foi convidado a apresentar na Mostra de Trabalhos e com intervenções no espaço da Casa de Cultura. Na mostra, foram apresentadas as coreografias Construção, Etta Nóis, Há Braços (Paula Finn e Guilherme Guinalli) e Processo (Ana Maria Vasconcelos). As apresentações se deram ao longo dos três dias de mostra, dividida em grupos de dança e universidades. Nas intervenções foram apresentados os trabalhos O entardecer do Deus menino (Mailson Fantinel) e Cidades Sensíveis - Desdobramento 1 (Anderson Sales, Ian Geike e Florido)
Cortejo de Espelhos Com iniciativa do Coletivo Moebius, o Grupo Experimental foi convidado a compor a intervenção urbana Cortejo de Espelhos, que fez parte das ações do Projeto Reabito, em comemoração ao primeiro ano da revista digital Arte Contexto. Foram realizadas três intervenções: Restinga, Centro de Porto Alegre e Parque da Redenção, além da abertura da exposição, onde além da apresentação do coletivo, foram expostas algumas imagens do cortejo. A abertura da exposição foi no dia no dia 28 de outubro, no espaço Galpón.
Mostra de Final de Ano Todos os anos o grupo tem a possibilidade de apresentar uma montagem no Teatro Renascença. Não é uma obrigatoriedade, mas essas datas já ficam reservadas desde o início do ano. Em 2014, a vontade do grupo foi de trabalhar com o diretor Douglas Jung, bem como de realizar uma criação colaborativa e autônoma. Assim, nos dias 5, 6 e 7 de dezembro foi apresentado, no Teatro Renascença, CyberMacumba e Sagração.
CyberMacumba A criação colaborativa CyberMacumba foi um trabalho autônomo do grupo. Cara e coroa, norte e sul, ocidente e oriente, direita e esquerda, razão e emoção. São tantas as divisões que delimitamos ao mundo, traçamos linhas que nos separam, nos dividem e que configuram diferentes subjetividades aos sujeitos. Essas divisões (bi ou multipolares) configuram territórios psicofísicos e, ao se cruzarem, entram em choque e podem causar cataclismos sociais. Nesse universo caótico festivo, os vários artistas propuseram um diálogo entre as diferenças sociais na contemporaneidade brasileira. Através da temática conceitual de CyberMacumba e tendo como pano de fundo as diferentes personas que somos dentro do território das relações pessoais: ditador, agente do caos, apaziguador, violador, terrorista, pacifista, coxinha, revolucionário de shopping, cibernético, blasé etc. Explora-se, nesse espetáculo, os elementos da cultura brasileira articulados sobre as diferentes polaridades que nos constituem artistas – bailarinos – brasileiros – contemporâneos. Elenco: Aline Loretto, Ana Maria Vasconcelos, Ananda Mida, Anderson Moreira Sales, Áquila Mattos, Débora Jung, Gabriela Tarouco Tavares, Jony Pereira, Kevin Brezolin, Lilian Habib, Maílson Fantinel, Priscila Florido, Tatiane Rocha.
Sagração Com direção do Douglas Jung, o espetáculo realizou uma remontagem da Sagração da Primavera. Composta em 1913 por Igor Stravinsky e coreografada por Vaslav Nijinsky, a Sagração da Primavera dispensa maiores apresentações. Dos pontos de vista musical e coreográfico, a obra original é permeada pelo arrojo, inovação e coragem; características que se repetem nas inúmeras versões montadas por grandes nomes da dança mundial, como Maurice Béjart e Pina Bausch, dentre tantos outros. Na versão GED 2014, o grupo lançou um olhar sobre o papel da “eleita”, personagem central de A Sagração da Primavera, onde uma jovem pertencente a uma tribo da Rússia pagã é escolhida por todos para dançar até a morte. Contextualizando e atualizando o conceito de tribo, o grupo questionou precisamente o perfil e o lugar de uma suposta eleita nos dias de hoje, aceitando com respeito o enorme desafio de realizar essa montagem como um exercício de experimentação e, sobretudo, de coragem. Elenco: Aline Loretto, Ana Maria Vasconcelos, Ananda Mida, Anderson Moreira Sales, Áquila Mattos, Débora Jung, Gabriela Tarouco Tavares, Guilherme Guinalli, Jeferson Cabral, Jony Pereira, Leslie Diehl, Lilian Habib, Luiza Gil Vargas, Maílson Fantinel, Martina Seifer, Namisi de Oliveira, Paula Finn, Priscila Florido, Tatiane Rocha. Figurinos: Tuka Santos. Iluminação: Carol Zimmer.
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T
entei começar esse escrito tantas vezes. Pensei que talvez pudesse ser impossível falar sobre a experiência. Que talvez eu só pudesse dançar para poder dizer sobre. Dizer com o corpo. Pensar com o corpo. Ser
o corpo em todas as suas capacidades de percepção. O corpo em existência plena e sensorial para além de mim. Organizar e desorganizar esse corpo. Integrar. Desintegrar. Reintegrar. Receber. Dar. Expulsar. Ritualizar e morrer. Reencontrar. Foi na prática destes verbos de existir, que as manhãs se preencheram de mergulho nas potências. Que eu no agora compreendo a oportunidade de poder ter participado desse processo. Em diária expansão de entender os limites deste corpo material. Ou ainda os Anti-Limites. Dos contrastes do prazer que pode acontecer nos encontros. Afinal, para mim que estava chegando, foi a melhor, a mais desafiadora porta que se abriu em Porto Alegre. Reorganizar-se diariamente é um processo intenso. E era ali, somente ali, que eu queria estar. A entrega em despertar-se diante de qualquer questão que surgisse. Enxergar, (re)conhecer o grupo. Era somente dançando que eu queria estar. O trabalho poético de um corpo que não é máquina, que suporta
de comandos modernos a corridas contemporâneas. Acessa conhecimentos ancestrais, orientais. Medita, aceita e dança circularmente. Nos Processos Híbridos de Criação, não haveria de ser de outra forma: Bruxaria! O rito constante do encontro e do desencontro consigo próprio. O espaço aberto para desterritorialização do ser. Babamos antropofagicamente. As fronteiras se diluem na história da dança. Reflete em nós inspirações, transcendem desejos. Experimentamos a autogestão. Uma frase de movimento: um solo. O seu solo me afetou. A nossa Construção 192
um espetáculo. Uma aula de ballet ao som das marretas. Um diretor colega, amigo capricórnio lua em leão. Danço com as palavras, assim como minha memória dança nesse resgate de tudo que escrevi no meu corpo nesse ano que não passa nos meus músculos, tecidos e células. Nos tornamos sagrantes. Um dos processos mais incríveis aos quais me entreguei. Entre chegadas e partidas. O grupo já era outro. Era melhor. Já éramos parte um do outro sem se
perder de si mesmo. Já sabíamos dos cheiros, das vozes, dos sorrisos, dos mimos, das tristezas. Das conjunções astrológicas. Não apenas sagrantes, mas cybermacumbamos geral! Direção compartilhada de um espetáculo. Enxergamos os olhos. Mas não físicos. Enxergamos o enxergar de cada um. Estávamos juntos. Confiamos. No time, No shape, No space. E assim éramos todos excluídos. Rasgamos o ego para ser Sagração. Intensificamos o prama para saltar na direção das violências que nossa sociedade nos impõe. Sambamos, funkeamos Stravinsky. Carnavalizamos Nijinski. Desnudados pelas intolerâncias. Quem vê o espetáculo não imagina o processo. Não há como não dar um espaço para falar do Doug e toda sua beleza. Yoga ousado. Contemporâneo libertário. Direção para outros caminhos. Delicadeza das percepções. Brutalidade das escolhas. Enfim, morremos. Sagramos. Fênix. Nunca mais fomos os mesmos. Airton Tomazzoni é a resistência em Porto Alegre, com o Grupo Experimental de Dança. Talvez, no Brasil. Evoé! Vida longa ao GED. Salve, Axé!! Damos graça a essa potência. Que depois disso, eu nunca mais parei de dançar.
Florido Artista Visual e performer graduada pela Faculdade Paulista de Artes
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C
omo criar onde nada existe além da morte anunciada? Tudo começa com uma grande festa, uma catarse coletiva, que logo se transforma numa “ressaca moral”. Uma sensação de voltar-se para si e não entender em que lugar está e o que se faz. Outra vez o convite para
a direção da montagem final do programa de aulas de 2014 foi feito ao Douglas Jung. E foi uma escolha ousada fazer uma releitura do emblemático espetáculo A Sagração da Primavera, de Vaslav Nijinski. Criada em 1913, a obra apresenta um ritual de iniciação da primavera de uma tribo pagã russa. Uma virgem é escolhida para o sacrifício e tem o dever de dançar até a morte. A trilha sonora do Igor Stravinski embalou um dos laboratórios de criação mais angustiantes de que já participei. A atmosfera de uma tribo pagã russa foi transposta para um dos ritos mais emblemáticos do Brasil: o carnaval. Cada escolha, cada movimento, era levada ao extremo, beirando o bizarro, a exaustão - no time, no shape, no space. Os olhos se cruzavam nas corridas e os corpos se chocavam uns contra os outros, atravessavam o espaço e criavam um jogo onde o
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desafio era ver quem aguentava por mais tempo. A doença é relacional. Nunca vou esquecer o ensaio em que escolhemos a primeira vítima a ser sacrificada. Era a mais velha, a anciã. Todos os olhos se voltaram para ela e, num estado de improvisação coletiva, arrancamos suas roupas. Talvez não fosse a escolha mais adequada, mas era o que tínhamos como arma para atacar e demarcar o que queríamos. As coisas não pararam por aí. Ainda sem entender o que estava acontecendo, logo o próximo foi escolhido e desnudo. E depois o próximo. E o
próximo. E o próximo. As abordagens eram agressivas e não havia a possibilidade de negar, de parar o bacanal criado coletivamente. Isso foi tão potente que o diretor resolveu levar para a cena. Desde o começo sabíamos da tarefa de escolher uma pessoa para o sacrifício. “Se não for eu, vai ser alguém, e se não for ninguém vai ser eu”. Essa questão continuou até o fim, porque todos fomos escolhidos e ao mesmo tempo, a gente não escolheu ninguém. Houve sacrifício? Dançar até a morte, lutando contra a exaustão, sem identidade, sem roupa. Talvez um dos mistérios da Sagração seja realmente falar sobre os perigos e as possibilidades de caos do coletivo, como disse Laurent Chétouane, coreógrafo francês, que assinou uma das versões do espetáculo. Na estreia do espetáculo de Nijinski, o Teatro de Paris foi inundado de vaias e gritos de descontentamento, causando uma algazarra coletiva e impossibilitando a execução da peça até o seu final. Por isso, durante a apresentação da nossa versão em Porto Alegre, não nos espantamos quando alguns espectadores deixaram o teatro. Foi uma tarefa difícil para quem fez e para quem assistiu.
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Ter participado desse espetáculo foi uma experiência transformadora para mim, como pessoa e como artista. Sou muito grata pelo Douglas ter proposto essa ideia e agradeço a todxs os colegas que viveram, junto comigo, esta história.
Paula
Finn
Artista e criadora em dança. Bailarina e professora de flamenco e dança contemporânea.
D
entro de mim vive um forasteiro, de cascos duros e ligeiros. Tem pernas peludas e um par de chifres vermelhos. Digo forasteiro porque ainda há pouco tempo não sabia que esse estrangeiro me habitava, ele vive no corpo que chama casa o qual eu visto a carcaça e
faço dele meu lar. Furtivo o forasteiro, pouco a pouco se apoderou dos meus passos. Esses passos ainda desjeitosos e escorregadios. E assim ele foi convidado a participar do rito de sagração e experimentou dar mais passos, esses imprecisos e impulsivos. Vislumbrando ali sua verdadeira existência. Com os dois cascos traço círculos correndo no espaço, eles são meu primeiro instrumento de entendimento, com esses cascos eu descasco o espaço em deslocamento. De perto outros corpos me cercam, eles vestem desespero e solidão. Em aflição colidem, mas logo se separam, a pele não conta segredos à outra pele. Os corpos se polarizam e entram em confronto direto e incansavelmente provocam-se em vigor e violência. Silêncio . As famigeradas almas se agrupam em duplas, abrem em fenda enquanto se puxam para longe, os corpos suam mas a sensação é de frio. Há mais formas de se comunicar nesse estado de atenção e dentro de cada um cresce a sensação de que alguém deve partir ser excluído por fim morrer. Um a um vão sendo escolhidos e depois despidos das carcaças, por fim expostos e entregues à sorte de outra vez em conflito tentar decidir quem por alguma razão deve deixar de existir e sucumbir à escuridão. Assim sendo sustento em suspiros, decolagens e giros o
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quanto meu fôlego me permite adentrar o bosque da exaustão. Dentro de mim vive um morador de cascos duros e ligeiros. Tem pernas peludas e um par de chifres vermelhos. Ele me fez provar o gosto do néctar direto do ninho, sem que o ferrão dos marimbondos furiosos a carne o ferissem. Sensação que guardei no corpo casa o qual agora se faz residente. Agora exploro o mundo através de seus passos impulsivos e cada vez
mais certeiros, movo espaรงo em saltos e desรงo ao chรฃo em espirais. Descubro novos caminhos e procuro de olhos atentos outros forasteiros cujos quais possam em meu corpo fazer lar.
Mailson Fantinel Artista visual que pesquisa danรงa como ferramenta de linguagem
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“Cheguei com uma bagagem formatada e repleta de estéticas viciadas. Saí poroso, atravessado, permeável e ainda levando na mala muito de tudo que trazia quando c h e g a ra .”
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exercitando te ficavam de fora do programa de aulas anual, decidimos abrir duas e diferentes turmas, uma na sala Cecy Frank e outra na sala Rony Leal – recém inau-
gurada na Usina do Gasômetro–, com a inclusão de aulas de voz e movimento, com a professora Laura Backes. O desenvolvimento de um processo de autonomia pautou as reflexões ao longo do ano. Vínhamos avaliando a necessidade de não centralizar as decisões, tanto da montagem de encerramento quanto de desafios, como do afastamento de participantes por faltas e atrasos, por exemplo. Esses temas passaram a ser tratados e definidos coletivamente, o que possibilitou um outro engajamento das turmas e a necessidade de posicionamento, argumentação e capacidade de conciliação, como estabelecer um objetivo comum em meio a tantas singularidades. E nesse ano, as montagens de encerramento não tiveram um professor/coreógrafo/diretor à frente do processo, mas sim uma construção coletiva de cada turma, fomentada e orientada por diversos professores/as. Isso implicou na definição dos locais de apresentação e estrutura dos trabalhos. As duas turmas optaram por fazer do local de trabalho, de aulas, o espaço cênico das apresentações. E assim foram concebidas Casula, com duração de 12 horas, na sala Cecy Frank, e Ossoroca, na sala Rony Leal. Ficou sob responsabilidade do coletivo também a decisão de negociar as exigências de presença e participação para seguir no processo de ensaios até a estreia.
a autonomia
D
evido ao grande número de inscritos que usualmen-
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Professores Airton Tomazzoni
Eva Schul
História da Dança/ Processos de Criação
Dança Moderna
Alessandro Rivellino
João de Ricardo
Contato e Improvisação
Processos Híbridos de Criação
Bia Diamante
Juliana Werner
Educação Somática
Dança de Salão
Didi Pedone
Laura Backes
Axis Syllabus
Voz e Movimento
Douglas Jung
Neca Machado
Dança Contemporânea
Princípios do Movimento e da Coreografia
Eduardo Severino Dança Contemporânea
Turma
da
manhã
Amanda Patron Alves Branco Ana Maria Vasconcelos André Reali Olmos Augusto de Magalhães Augusto Schnorr Bettina Rubin de Souza Camila Maria Pires da Silva Caroline Narciso Fossá Cristopher Correa Zelenko Daiani Fiorini Fernandes Diego Deodato Fajardo Puhl Diego Passos de Amaral Eduardo dos Santos Schmidt
Turma 200
da
tarde
Aline Rodrigues Martins Carmen Leide Nascimento Sousa Carolina Diogo Vargas Cassiana da Rocha Gonçalves Emily Blanco Fagundes Flávio Moreira de Oliveira Jackson Willian Silva Brum João Gabriel de Queiroz
(CCMQ
-
sala
Cecy
Gabriela Guaragna Gabriela Garcia Maia Janaína Ferrari Garcia Julia Hauser Guterres Júlia Pezzi Juliana Pereira Larissa Kafruni Larissa Lewandoski Liana Alice Silveira Correa Lígia Fagundes Luana Garcia Marques Gomes Luciano Pereira de Souza Mara Lúcia Nunes
(Usina
-
sala
Juliana Chaves Strehlau Lucas Tortorreli Maíra Disconzi Brum Manuela Bica Marina Feldens Malcon Micheli Bastos de Oliveira Nicoly Coelho Nos Omara Lange Rafael Antonio Lumi Dartora
Frank)
Mateus Henz Kieling Natália Lescano Munró Patricia Nardelli Santana Pedro Guimarães Cassel Roberta Fofonka Rodrigo Azambuja Rômulo de Souza Ferreira Sabrina Silva Melo Violette Jade Dubin Yasmin Azeredo Azevedo
Rony
Leal)
Rita de Cássia Nunes Martins Roberto Lauermann Val Rochelle Luiza da Silveira Silvania da Silva Rodrigues Tainá Lopes Ybarra Vinícius Magnus Müller Vitor Hugo Tolfo Junior
Q
uando Tomazzoni esboçou a ideia do GED, vibrei muito ao perceber que estava prestes a se concretizar no Centro de Dança uma importante ação política cultural para cidade. A dança vem sendo privilegiada na Prefeitura com diversas
ações que estão sendo desenvolvidas através do Centro de Dança. Todas essas ações têm contribuído para ampliar ou mesmo conceber uma visão de dança mais completa ou abrangente, contemplando sem preconceito tudo que pertence a essa área de conhecimento e manifestação artística. No GED não poderia ser diferente, a começar pelo modo como se constitui o grupo de pessoas a cada ano. Partindo de uma inscrição por carta de intenção e currículo, os candidatos passam por uma audição prática seguida de entrevistas e, conforme a disponibilidade de horários, chega-se a um conjunto de privilegiados que sofrem essa experiência a cada ano. Os grupos que se formam apresentam uma diversidade em todos os sentidos, seja na formação anterior, na faixa etária ou nas expectativas com a dança. Já tive o prazer de compartilhar ensinamentos em três edições do GED. Por ter começado muito cedo meu envolvimento com a dança e ter experimentado di-
ferentes abordagens com variados mestres, nesses trinta anos de aulas dadas em diferentes situações, venho compondo uma abordagem aberta sem fidelidade a uma técnica específica, mas com afinidade a muitas delas. Essa forma aberta, temperada com um profundo respeito ao corpo e seus movimentos, vem a coadunar com a orientação pedagógica que vem sendo aplicada ao GED. Todo ano abrem-se novas possibilidades de experimentação. Profissionais da dança de Porto Alegre recebem a oportunidade de fazer parte desse processo, contribuindo com o entendimento do corpo que dança e com o aumento de probabilidades de dança. Vida longa ao GED!!! Agradeço por fazer parte desse dinamismo empreendido pelo Centro de Dança, que gera constantemente novos caminhos e arranjos para a dança. Parabéns a todos que contribuíram e contribuem com essa realidade. Façamos o nosso contexto.
Neca
Machado
Graduada em Dança/ UERGS, diretora da Cia Municipal de Dança de Porto Alegre e professora permanente do GED.
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A
experiência no Grupo Experimental de Dança foi profundamente transformadora. O caráter experimental nos possibilitou provar maior autonomia nos processos de criação do grupo. Além das práticas em diversas linguagens da dança, estudos e conversas a partir da
leitura de textos e vídeos, e a convivência diária com um grupo diversificado e qualificado de participantes e professores, o processo não se limita à formação de bailarinos. É muito mais amplo. Justo a convivência no cotidiano nos impulsionou a descobrir e construir as texturas das relações entre todos os envolvidos. Vivendo esses múltiplos aspectos, esse espaço compartilhado é uma potência na formação de artistas e cidadãos.
André
Olmos
Bailarino e fotógrafo. Formado em Psicologia pela PUCRS e pós-graduado em Dança pela UFRGS
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O
s aprendizados junto ao GED geraram ressignificações do meu corpo, dos meus movimentos, de minhas crenças, das minhas estéticas, do meu pensar e especialmente dos meus desejos de existência. Imerso em um grupo de colegas muito especiais e de
professores maravilhosos, a minha experiência se deu de forma intensa. É difícil encontrar as melhores palavras para expressar tantos momentos e aprendizados especiais. Cheguei com uma bagagem formatada e repleta de estéticas viciadas. Saí poroso, atravessado, permeável e ainda levando na mala muito de tudo que trazia quando chegara. Estar interessado pelos processos é realmente muito mais gratificante do que apenas querer parecer interessante. A experimentação na dança chegou para transformar de vez meu ser bailarino, meu ser mais especial e mais íntimo. As práticas didáticas e filosóficas que encontrei no método de ensino naquela turma foram extremamente reveladores. Vivi uma forma muito mais libertária de educação na qual a dança rompe com seus próprios limites e traz à tona diversas questões transdisciplinares. Sem dúvida, é um projeto daqueles que a gente se orgulha de ter na cidade.
Lucas
Tortorelli
Neurobiólogo, pesquisador do programa nacional de pós-doutorado da CAPES da UFCSPA, arte-cientista e performer in process
203
P
pensei em começar por quando sugeri que mudássemos o nome: grupo experimental de corpo. daí pensei que poderia falar sobre família. ou sobre um sistema ideal de ensino. ou sobre turning
points na vida. é estranho falar sobre o grupo experimental. mais do que tudo, eu aprendi sobre mim. sobre o meu corpo. sobre a inviolabilidade das minhas escolhas. tudo que tá dentro. tudo que tem como fronteira a pele. eu poderia falar sobre o dia em que ouvi meus músculos em contato com os ossos. numa aula da bia. diamante. de tudo, o que eu mais me recordo é sobre o sistema utópico de ensino colocado em prática. de forçar a barra nas diferenças. de apostar no coletivo e não no virtuoso. de poder se estar ali porque se quer. poder estar ali porque se quer. porque se quer. se quer. sequer estar ali. nos nossos sistemas de ensino tão another brick in the wall, um lugar que me permite: vá embora, se quiser. (o suicídio, última questão possível, ser ou não ser) o grupo experimental me ensinou que a única coisa minha é meu
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corpo. a única e última. que carregarei até o fim. tudo aquilo de matemática, de química, de arte que eu aprendi. tudo passa. a única coisa que fica é o joelho doendo, a pele enrugando, a dificuldade de se manter em pé.
eduardo
schmidt
ator e músico
Que encontro foi esse?
O
GED 2015 foi como mergulhar numa espiral de autodescoberta. Comecei o ano planejando terminá-lo alongada, acrobática e aprendendo coreografias como ninguém. Terminei querendo rolar no barro, pintar com café e fazer esculturas de jornal.
A noção de chegar em casa, nessa casa que é corpo – mas também é lar –
trouxe uma sensação inesperada de acolhimento. Essa sensação vem do interior, mas também da vizinhança, que te permite chegar em casa com segurança. É uma vizinhança que, sem ser invasiva ou bisbilhoteira, ilumina e protege o caminho para que cheguemos em casa em paz. Ainda com esse espírito clarkiano de que a casa é o corpo, finalizar o ano com a Ossoroca esclareceu – ao mesmo tempo em que bagunçou – muito sobre esse encontro. Isso porque Ossoroca é encontro de corpos – com o corpo do outro e com o nosso próprio –, e entender essa realidade faz borrar ainda mais a linha entre o dentro e o fora. Esse processo foi para mim, sobretudo, relacionado a saber ouvir e ter a bondade de falar, sem o medo de questionar, compartilhar ideias ou sensações. Experimental não é sobre dar ou receber algo, não é sobre obter vantagem ou acúmulo, muito menos sobre saber onde ou como estamos indo. É relativo a passar por uma experiência que pode gerar empatia, raiva, compaixão e infinitos sentimentos, mas que só importa enquanto existe. Pouco importa de onde vínhamos ou para onde íamos antes e depois daquelas tardes, mas o que acontece naquele enquanto é que tem potencial de transformar a realidade ao redor. O detalhe, entretanto, é que esse enquanto diz respeito ao espaço de tempo em que as manifestações artísticas e as práticas corporais ali compartilhadas ainda reverberam.
205
Vive enquanto ecoa e ecoa enquanto vive. Por ora, seguimos cada um a sua trilha. Tenho certeza, porém, de que muito atravessados pela vivência coletiva e pela diversidade de experiências trazidas por cada um dos que passaram pela Rony Leal nas tardes de 2015.
Emily
Blanco
Comunicadora, exploradora de dança aérea e arte contemporânea
D
urante os nove meses no GED, o estudo foi revelador. Estar lá sem bagagens, pronta e disposta a experimentar algo novo. Nesse período, não foram poucas as manhãs que não quis sair da cama, os dias que chorava ou que tinha raiva. Algumas vezes não conseguia
ir às aulas.
Venho de um estudo e entendimento de dança totalmente diferente: dança de salão. Vivenciei situações, percursos e danças que, ao mesmo tempo em que fascinavam e causavam curiosidade, tinham em alguns momentos desconfortos. E o mais incrível é que tudo isso era desafiador e aguçava ainda mais minha curiosidade por essa nova dança que descobria a cada dia de aula. Ter o conhecimento didático, ver filmes e viajar no tempo para conhecer e interagir com a dança foi maravilhoso. A proposta de cada professor em nos ensinar e fazer cada um buscar o seu entendimento e sua trajetória, que são únicas, e ao mesmo tempo existindo uma harmonia com o grande grupo. Nada disso teríamos aprendido em aulas 206
normais de dança. A proposta do Airton de formar pessoas dispostas a se arriscar, ajustando tudo a conhecimentos
preestabelecidos
ou a nenhum conhecimento na área; em pessoas criativas, ou-
sadas e dispostas a se recriarem a partir de outra perspectiva; a ideia de que a contemporaneidade e o conhecimento que a dança nos dá todos os dias não têm preço. Ainda mais quando se é curioso e se vai além da proposta de sala de aula. O GED nos impulsiona, possibilitando criar com autonomia e segurança trabalhos diferentes e únicos, com o auxilio e o olhar carinhoso dos professores que compõem o corpo docente, o que deveria ter em todas as escolas, sem que precisássemos ficar implorando atenção e esperando que esses professores deixassem seus egos de lado para auxiliar seus alunos. A generosidade, o comprometimento e o profissionalismo de cada professor nos proporcionou segurança e muita curiosidade de experimentações em relação à dança, vontade de estudar cada vez mais, de conversar, tirar dúvidas. A manhã passava voando, e mesmo a caminho do trabalho, de casa ou de algum outro compromisso após as aulas, nosso corpo reverberava até a manhã do próximo encontro. Hoje, um ano após essa experiência, trago comigo 90% do aprendizado das vivências da nova dança, resgatadas através dos nove meses de aula do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre/2015. Gratidão a Airton Tomazzoni e a toda equipe de professores e funcionários, sem vocês acho que estaria perdida em Minha dança não é só passos.
Mara
Nunes
Professora de Dança de Salão
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ouve um tempo em que só podia ter concentração naquilo que podia criar. Aquele amor particular às coisas que não consigo entender, mas sinto.
Saber a intenção, mas não ter o controle total da ação e, sobretudo, amar
essa possibilidade. A vida enquanto laboratório. E como ponto de partida, a investigação. E o corpo. Consultemos os poros para obter respostas. Enquanto a gente dança, muita coisa se resolve sozinha. Dentro, fora, adiante. Mas este é só mais um aspecto de porque mover importa. O problema é que quando a gente tira do corpo a moldura da cadeira fica difícil de querer voltar. E aquela vontade absurda de sair na rua dizendo a todos que sintam suas escápulas e a planta dos pés. O que é animal não pergunta antes. O respeito supremo ao durante. A presença enquanto gesto de micropolítica. Uma festa à fantasia pra ir daquilo que escondemos. E, novamente, a realidade como matéria-prima. Mover porque a vida importa. Mover para sobreviver. 2015, este ano que não acabou, ecoa no meu corpo, nos meus afetos, na maneira de trilhar o caminho, vê-lo, estar nele. Obrigada Grupo Experimental, por 208
ter sido uma revolução na minha vida e em tantas. (Depois de um tempo entendi que ter tocado Feeling Good da Nina Simone na rádio que eu ouvia enquanto viajava de ônibus para a audição do GED havia sido uma super profecia.)
Roberta
Fofonka
Jornalista que se tornou pesquisadora de dança, vídeo e performance
acontecem
H
As coisas
Apresentada na sala Cecy Frank (CCMQ), dia 4 de dezembro, a partir das 10h, com duração de doze horas ininterruptas. Criada pelos próprios alunos, se constituiu em um espaço criativo para fechar-se e abrir-se, deixar-se transformar e ser transformado pelos muitos atravessamentos artísticos e influências do momento presente. A experiência se propôs a cruzar limites e apresentar um corpo outro, enquanto atravessa o dia. Nos dias 10 e 11, Casula foi apresentada na sala Rony Leal, na Usina do Gasômetro.
Sala Rony Leal, da Usina do Gasômetro, nos dias 6 e 8 de dezembro, às 19h30. Liberdade dos corpos em ocorrência, o exercício da Ossoroca foi um resgate constante de vida, norteado pelo aval dos ossos. Com organicidade e percepção expandida, as ondas de atração e repulsão liberam a estrutura corporal do controle excessivo do racional, abrindo espaço para fluxos de emoções e impressões pessoais do grupo, que integradas à linguagem das articulações, compõem uma maçaroca. Foi assim que o espírito da Ossoroca emergiu, ele dança nos vãos de fronteira entre a vibração vital-espontânea e o arranjo da forma. As partes integram um corpo múltiplo que, enquanto presente, se reorganiza. Considerando os ossos, o que é mais importante: conduzi-los ou escutá-los?
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Casula E
m 2015, a turma da manhã do Grupo Experimental de Dança da cidade de Porto Alegre engendrou e deu vida à experiência Casula: um espaço de improvisação aberto a atravessamentos. Casula foi, acima de tudo, uma tentativa de criação coletiva autogestionada,
motivo pelo qual se torna difícil falar sobre ela, sendo eu apenas uma parte desse organismo. Para mim, Casula se construiu como resposta à vivência proporcionada pelo GED. Desde o início, nosso grupo apresentou maneiras divergentes de entender a criação artística e seus propósitos, o que se desdobrou em alguns conflitos que geraram desistências e longas conversas entre nós e com alguns de nossas e nossos professores. Havia um entendimento por parte de alguns de nós de que teríamos que escolher uma ou duas pessoas do corpo docente para orientar nossa criação final. Nossa primeira tentativa de criação foi A Onda, quando começamos a en-
tender que não nos interessava a criação de um trabalho coreografado ou mais tradicional. A Onda foi uma criação coletiva de algumas semanas, onde testamos ideias do modo mais horizontal possível. Ali foi dada a tônica de que nosso processo criativo seria baseado em muita conversa sobre o que entendíamos como dança, arte e na maneira como se construíam nossas relações. Em uma aula de Airton Tomazzoni, começamos a falar de cotidiano, casa, 210
espaço doméstico e relações. A partir dessa conversa passamos a nos questionar a respeito do que era o GED para nós e fomos nos aproximando da ideia de que ele seria essa convivência estendida que se desenrolava no espaço da sala Cecy Frank, na Casa de Cultura Mario Quintana. Queríamos, de algum modo, que nossa criação conseguisse passar para fora o que havia sido a nossa experiência no GED. Da minha parte, o ano de 2015
marca um redirecionamento radical da minha vida, o GED foi parte fundamental do meu processo pessoal e político de reinvenção de mundo. A partir desses questionamentos, surgiu a definição de que nossa criação se desenrolaria na Cecy Frank por um tempo estendido: doze horas. Casula era a ideia de um microcosmo da experiência GED completa. Casula foi também a estratégia que encontramos para lidar com a dificuldade de autogestionar um processo. Não queríamos escolher ninguém do corpo docente para nos dirigir e encontrávamos dificuldade em ocupar e estabelecer posições de liderança, muitas vezes necessárias. A rotatividade do grupo foi um grande obstáculo, pois acreditamos naquele momento que era necessário um entendimento sensível entre os corpos que compunham aquele organismo e que este se dava pela constância da presença. Casula foi o desafio de mergulhar nas relações interpessoais que construímos ao longo daquele ano, expandir e contrair os limites entre o eu e o outro. Entendemos que era necessário fazer nossa própria grade horária, mantendo dias para os ensaios e escolhendo as aulas que acreditávamos que teriam mais a acrescentar ao nosso processo. Casula tem muitas facetas: Casula em seu aspecto emocional, político, pragmático. Subjacente à Casula estava a ideia de que era importante mostrar o que era o GED em sua necessidade de resistência, já com sua existência ameaçada pela perda de seus espaços de trabalho (a sala Cecy Frank e, posteriormente, a sala Rony Leal), sua relevância política e sua continuidade enquanto política pública. Por isso, também era importante ocupar o espaço da sala de trabalho. Ocupação é talvez uma outra palavra que contemple bem a Casula. O processo de Casula foi tão colaborativo quanto possível, buscando, apesar das ausências, a participação de todos os envolvidos nas conversas que avaliavam as experiências de ensaio e se questionavam a respeito de que regras deveriam ou não ser estabelecidas. A arte de divulgação contou com vídeos e cartazes feitos por nós mesmos: Casula buscava potencializar o que cada um já trazia como bagagem. O plano de divulgação contou com ações autônomas como a colagem de lambe-lambes pelos espaços da cidade. Não estabelecemos critérios de participação na Casula, nenhum de nós queria ou se sentia no direito de ser efetivamente a pessoa que determinava a partir de quando um integrante do grupo ficava impossibilitado de fazer parte da performance. Em Casula habitaríamos o espaço construindo uma convivência corporal entre nós e nossos visitantes, que estariam convidados a adentrar o
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espaço e compor conosco. A ideia era experimentar também os limites do que constituía o próprio grupo, que se colocava disponível ao risco da instabilidade provocada pela adição e subtração das pessoas que não o constituíam e não dividiam o histórico que tínhamos entre nós. Em termos de definições, decidimos utilizar uma playlist colaborativa disponível para que pudesse haver interferências sonoras na Casula, como parte do improviso. Como figurino, optamos por nossas roupas cotidianas de trabalho. Objetos poderiam ser levados e dispostos em uma espécie de inventário, ficando à disposição para serem mobilizados e trazidos à cena de acordo com as propostas de cada um. A primeira abertura de Casula aconteceu na sala Cecy Frank, no dia 4 de dezembro de 2015, das 10h às 22h. O roteiro ficou estabelecido com os seguintes marcos: um ritual de limpeza do espaço para marcar o início, a performance do ringue de dança aconteceria pela tarde e A Onda seria performada no início da noite. Tudo o mais era espaço de construção. Nesse espaço, muitos dos trabalhos que desenvolvemos em aula durante o ano apareceram, e performances que havíamos criado foram realizadas novamente. As apresentações envolveram interações com objetos, utilização da voz, coreografias, exercícios de aulas e a materialização de conflitos entre nós, que buscaram expressão artística durante aquelas doze horas de trabalho. Havia códigos que marcavam a separação entre o mundo de Casula e o mundo externo: para ir ao banheiro era necessário utilizar um roupão que ficava disponível na entrada da sala. Para fins de alimentação, havia frutas, bolachas e água disponíveis, com o acordo de que deveriam ser consumidas majoritariamente de forma comunal. O comprometimento com a ação era um dos grandes norteadores do trabalho, tudo deveria ser feito até o fim, tentando exaurir cada ideia proposta. E todos eram sempre parte da cena que se construía, inclusive na sua escolha consciente de buscar se manter neutro. O nome do trabalho surgiu em decorrência de uma mensagem do Airton 212
alterada pelo corretor ortográfico do celular. Que o nome esteja relacionado à nossa vivência cotidiana é relevante, e também que tenha sido escolhido por remeter à casa, casulo e processos de transformação. Quem seríamos nós depois daquelas doze horas de performance? Quem seríamos nós depois de um ano de trabalho conjunto? A primeira Casula foi o verdadeiro marco do fim do ano, embora tenhamos realizado uma segunda edição, a Casula: amanheceste, na sala Rony Leal,
no dia 11 de dezembro de 2015, mantendo as mesmas 12 horas de performance. Algumas pessoas se abstiveram de participar da segunda Casula, fosse por não encontrar significado na repetição da experiência, fosse devido aos conflitos internos que surgiram no processo de montagem da primeira. Para uma segunda experiência, decidimos enxugar ainda mais a proposta, Casula diria respeito à relação existente entre nós, e nossas disponibilidades afetivas e corporais seriam o único elemento realmente necessário para a execução do trabalho. Essa foi também uma forma de resolver o fato de que a segunda experiência não se daria na nossa casa, a sala Cecy Frank, mas sim na casa da nossa turma irmã, o GED do período da tarde. Desse modo, limamos o inventário e suspendemos as regras que nortearam a primeira experiência. Casula seria apenas a habitação do espaço, embora tenhamos mantido a lista de músicas para serem disponibilizadas. A segunda Casula, da maneira como a vivi, foi uma metáfora mais potente dos arranjos comunais, a ausência de regras trouxe uma maior necessidade da criação coletiva de estratégias que viabilizassem a convivência dentro daquele espaço e daquela janela de tempo. Por fim, Casula foi um compromisso com o risco, com a abertura da criatividade e com as formas de coexistência. Como na vida, nem todos os seus momentos foram potentes ou bem-sucedidos em suas tentativas de construção, mas é inegável que apenas o conjunto da experiência possibilitou os momentos em que as construções coletivas se autonomizaram e proporcionaram experiências estéticas e afetivas significativas para aqueles que a constituíram, de modo permanente ou temporário.
Patricia
Nardelli
Mestre em Antropologia Social pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e especialista em gestão cultural. Trabalha com dança, voz, música e texto. Integrante do NECITRA e aluna d’O Ninho, escola de dança contemporânea. Dá aulas de dança tribal e facilita processos de investigação corporal e criação.
213
Ossoroca
Q
uebrar uma noz não é verdadeiramente uma arte. Portanto, ninguém ousaria convocar um público para quebrar nozes na frente deles. Ossoroca foi o espetáculo de encerramento da turma da tarde do Grupo Experimental de Dança de 2015, que se iniciou
com o som de nozes sendo quebradas, cortando o silêncio. As nozes também remetiam ao ruído de ossos estalando, que se conecta com o desenrolar de todo o processo – das aulas às montagens. Mão, pé, umbigo... do quebrar de ossos, uma dança macabra, desmembrou-se uma das coreografias de Edu Severino, transformando-a em um jogo que utilizava as divisões do linóleo e o limite do encontro entre os corpos nas regras. No centro do processo, o grupo recebeu a provocação da Silvania, se a dança urbana inscrita no corpo dela era realmente dança. A partir daí, viu-se eclodir na prática a questão já tanto trazida pelos professores durante o ano: “afinal, o que é dança?”, dando origem a uma cena com poucas marcações coreog ráficas e muita espontaneidade, ao som de Help me lose my mind, bastante pertinente. Daqui, caminhou-se de volta ao jogo de entre corpos, espaços e objetos – brincando agora com a oposição entre o que a trilha sonora oferecia e a energia presente nos corpos –, até passarmos ao que podemos chamar de “segunda parte” da montagem, já com uma outra energia e com uma relação muito mais próxima entre os corpos: O Cardume. No desenrolar da montagem de Ossoroca, entendeu-se que as partes integravam um corpo múltiplo que, enquanto presente, se reorganizava. Ainda no processo, tendo como plano de fundo a música Vírus, da Bjork – que posteriormente acabou sendo excluída da montagem – o grupo se entendeu como se fosse guiado por um vírus que se espalha entre
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os corpos e conduz todos a um emaranhado de ossos e corpos livres, resgatando o espírito do Cardume – número montado na metade do ano para uma mostra. Do Cardume, chega-se ao que foi batizado pelo grupo de O Jardim, cena movida pelo amor e pelo suporte que um corpo dá ao outro, independente de haver troca de peso ou carregamento – existe ao sutil, fazendo com que a estrutura exista e germine. A criação dessa cena se deu a partir do texto Fevereiro, de Matilde Campilho, e veio nos lembrar que o amor é um animal tão mutante, com divisões possíveis. O que nos leva à penúltima cena, onde a estrutura, ou o todo, muda de forma, e acontece uma dança já mais agressiva entre as personas Viúva e o Sádico, ao som de Bach. Considerando os ossos, o que é mais importante: conduzi-los ou escutá-los? Por fim, Ossoroca encerra com a busca pelas possibilidades de escuta dos ossos dos corpos presentes na cena. Abrindo espaço para fluxos de emoções e impressões pessoais do grupo, no início da composição dessa massaroca, é importante falar do cenário. A sala Rony Leal se transformou: paredes foram aos poucos sendo preenchidas, até a sua totalidade, por jornais, que também viraram espaço de expressão das pessoas envolvidas, surgindo alguns escritos, como Autonomia, Início, Meio, entre outros. Não é possível atribuir a orientação do trabalho a um professor do grupo, mas é certeza que todas as aulas, todas as provocações e todos os experimentos foram de suma importância para que a turma conseguisse, quase que autonomamente, compor um todo único, embora muito diverso no seu interior.
Turma
GED
tarde
215
É importante que esse novo público tenha consciência e abra seus olhares...
216
O que fica em nós
A
o longo da trajetória do projeto, apenas em 2009 conseguimos ofertar algumas aulas à noite na Cia de Arte, já que muitos interessados e interessadas em se ins-
crever não tinham disponibilidade nos turnos diurnos. Em 2016, optamos por abrir duas turmas, uma dando continuidade a atividades no turno da manhã (turno de maior procura) na sala Cecy Frank e uma turma à noite, na sala Rony Leal na Usina do Gasômetro. Dessa forma, também pôde ser ampliado o corpo docente. Ao longo do ano as duas turmas produziram trabalhos apresentados na Mostra GED, realizada durante a programação do Festival Dançapontocom, no Tea t ro Renascença. A turma da manhã apresentou nove estudos e a turma da noite, a coreografia Suelen, além de participar do videodança Gente, de Rosana Almendares. Os trabalhos de finalização do ano do projeto seguiram distintos caminhos. A turma da manhã produziu o Gala GED, um exercício dançante performático irônico e cáustico, apresentado no mezanino da Usina do Gasômetro. A turma da noite criou Kairós – o que fica em nós, utilizando vários espaços da Usina, como a sala Rony Leal, o píer e o terraço do 4º andar.
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Professores
218
Airton Tomazzoni
Iandra Cattani
História da Dança/Processos de Criação
Princípios do Movimento
Alessandro Rivellino
João de Ricardo
Contato Improvisação
Processos Híbridos de Criação
Bia Diamante
Juliana Werner
Educação Somática
Dança de Salão
Driko Oliveira
Karenina de los santos
Danças Urbanas
Estudos em Composição Coreográfica
Douglas Jung
Neca Machado
Dança Contemporânea
Princípios do Movimento e da Coreografia
Eduardo Severino
Paola Vasconcelos
Dança Contemporânea
Dança de Salão Queer
Eva Schul
Thais Petzhold
Dança Moderna
Dança Contemporânea
Turma
da
manhã
Adrian Geovana Nunes Gomes Aline Colombo Szpakowski Ben-Hur de Almeida Barros Bruno Cunha Cristiano Vieira Daniel Silva Aires Débora Poitevin Cardoso Diego Souza Bittencourt Eduarda Timm Kühleis Eryck Richard Correa Balduino Evelyn Ligocki Felipe Braga Costa Meira Fellipe Santos Resende Fernanda Lenzi Flávio Gilberto dos Santos de Lima Francielle Costa Abreu Gabriela Poester
Turma
da
noite
Ananda Barzotto Lugo Bruna Fernández Chiesa Cândida Rodrigues de Oliveira Carlos Henrique Fontoura Caroline Petersen Fátima Zanette da Rosa Flavia Scalon Fogliato Gabriela Gischkow Kern Giorgia Fiorini Jade Lopes Janaína de Cássia Dambros João Silvio Borges Júnior Júlia Pellizzari de Mattos Karen Nunes Rodrigues Kynaê Primon Narciso Ligia de Menezes Meyer Luísa Prestes Rogério Bertoldo Trindade Silva Marília Saldanha da Silva Nathalia Bulgaro Correa Patrícia Dietrich Paranhos Patricia Lima da Silva
(CCMQ
-
sala
Cecy
Frank)
Ivy Fernandes Michelino Janete Vilela Fonseca João Augusto Pereira Júlia do Nascimento Marchant Luciana Colvara Bachilli Luciana Ventura Konrad Maicon Jr dos Santos Macedo Maíra de Oliveira da Silva Marco Mafra Morena G. dos Anjos Nicolas Silva de Sales Pâmella Saldanha Kepler Corrêa Paula Souza Richard Araujo Salles Sabine Borges Silveira Tales Oliveira Gurgel (Oorjit)
(Usina
-
sala
Rony
Leal)
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M
inistrei aulas de dança contemporânea para o Grupo experimental no ano de 2015, para duas turmas, e no ano de 2016 para uma turma no período da noite. O que acho interessante nesse projeto de formação é que pessoas de todas as tribos experi-
mentem uma gama de aulas diversas, com professores diversos e com professores de formações muito diversificadas. Para mim, foi um desafio na medida em que cada turma, e a cada ano, havia uma variedade de pessoas no que tange às suas formações, nível técnico, maturidade e conhecimentos em dança. Desafio que me fez repensar, organizar e preparar aulas em que todos pudessem usufruir com certo prazer, e que despertassem curiosidade nesse grupo de pessoas/artistas. Onde entendessem que as aulas fazem parte do processo artístico, fazem parte do processo de estarem em cena. Alguns alunos querem fazer dança, mas não querem fazer aula de dança que tenha muita “técnica”, “coreografia”, enfim, querem discutir a dança, mas não fazer, ou fazer apenas o que está na sua zona de conforto. Leva um tempo para entenderem que uma coisa está atrelada a outra, que respiram juntas e que a diversidade é importante para sua formação. Sempre ministrei aulas pensando em colaborar e potencializar a dança de cada um, e acredito que muitos alunos do grupo experimental tenham entendido isso, pelo que vi durante o ano e após participarem do grupo experimental, ou seja, no que reverberou em seus corpos/mentes e nas suas escolhas artísticas. Mas, sobretudo, o conjunto de professores com diferentes pensamentos/fazeres em dança
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que ali desenvolveram seu trabalho e ajudaram a potencializar a dança de cada um. Acredito que se houvesse um maior diálogo entre todos os professores sobre as propostas pedagógico-artísticas de cada um, o projeto seria mais potente do que já é. Algo que observei nesses anos é que esses alunos/artistas/curiosos fazem parte de um público novo para ver/assistir e produzir dança, ou seja, o projeto também é um formador de público para dança e para as artes cênicas de modo geral. Então, é importante que esse novo público tenha consciência e abra seus olhares e suas mentes para a diversidade de dança produzida aqui e para além das fronteiras, inclusive, ao que é “diferente” ao seu olhar. Importante é que esses novos artistas tenham a noção clara de que esta formação é, e pode ser, o início de uma carreira “de vida” e “dançante”. Vida longa ao projeto de formação Grupo Experimental.
Eduardo
Severino
Coreógrafo, bailarino, professor, produtor/divulgador. Núcleo artístico principal, juntamente com Luciano Tavares, na Eduardo Severino Cia de Dança / Gestor do espaço de dança Sala 209-Usina das Artes/ Idealizador-curador da Mostra Movimento e Palavra. Faz parte do coletivo de artistas de dança da sala 209.
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É
difícil escrever a respeito da minha experiência no Grupo Experimental de Dança, principalmente porque ela acontece agora.* Vivo na pele (e por toda a pele) todos os dias. Mesmo fora do espaço da Rony Leal, essa experiência habita meu corpo, pulsa em mim e
me faz dançar parada, só com a sobrancelha, só com os dedos, só com um movimentinho no quadril, com o corpo todo, com mais que o corpo, loucamente, muito rápido, derramando através do corpo, fora do meu corpo, muito devagar, dentro e fora da dimensão em que sobrevivemos cotidianamente. Se triste, fico feliz. Rigorosa e religiosamente. Se feliz, mais feliz ainda. Quando chego em casa, continuo dançando (e como é difícil driblar essa energia e ir dormir). Vou pra aula dançando, danço na aula, danço na volta... Sinceramente, não sei se hoje em dia existe algum momento em que eu não esteja dançando, e a consciência disso (porque, sim, todos os corpos dançam, a todo o momento, mesmo aqueles que “pertencem” a pessoas que não sabem disso), que é a riqueza maior de ter acesso ao tipo de conhecimento que temos no GED. Conhecimento que, tenho que dizer, é o conhecimento do corpo, mas não só do corpo, muito menos de um corpo, mas sim de algo que integra toda a vida da criatura, algo que muda o nosso olhar, nosso sentir. Que transforma tudo, porque tudo se vive com o corpo. Nós. Não consigo escrever esse texto pensando só na minha perspectiva, nunca vivi tão plenamente a força de um grupo, de uma convivência cheia de afeto e cumplicidade, de gente que quer se ajudar, que quer estar junto, dançar junto, experimentar junto, criar junto, suar junto, rir, chorar, trocar, discutir, beber, comer, se abraçar, estar, faltar. Eu te vejo. Eu tô aqui. Esse texto (percebo agora), saturado de vírgulas e parênteses e sem divisão em parágrafos, nada mais é do que o reflexo da vivência desse gerúndio intenso. Estamos vivendo. Não existe possibilidade de ordenar. A própria possibilidade de escrever sobre isso (A Coisa), e poder escrever sem normas pré-estabelecidas, também é a experiência do/no GED. Esse texto não pode ter conclusão, pelo mesmo motivo que não pôde ser um texto ordenado. Não poderia escrever se não fosse pessoal, fui seduzida pelo convite
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sem instruções. O Grupo Experimental parece convidar a experimentar na vida, aceitar o convite foi mais uma forma de experimentar. A todos que passaram pelo turno da noite, agradeço.
Giorgia
Fiorini
Formanda em Licenciatura em Letras (UFRGS) e estudante livre de teatro e de dança.
* Texto escrito em 2016.
P
ara quem sempre teve certa facilidade com as palavras, escrever sobre o Grupo Experimental de Dança é tarefa que me surpreende por se revelar extremamente custosa. A bem da verdade, é que ser e estar no Grupo diariamente me provoca diversos graus de mu-
dez. Não como censura ou falta, mas como resultado bem-vindo de uma escuta cada vez mais aguçada do próprio corpo e de tudo que com ele se relaciona. E escutar é coisa que exige fazer silêncio por algum tempo*. Então, assumindo o paradoxo de falar a partir do silêncio, tento remontar brevemente o vestígio desse corpo em devir-ouvido no que diz respeito a sua existência em Grupo, em experimentação e em dança. O corpo que daqui escuta é de alguém que por muito tempo se desautorizou a dançar - embora tenha se desobedecido inúmeras vezes, não sem alto nível de culpa e embaraço. E assim, cansado de dançar, escondendo-se de si mesmo, percebe em certo ponto da vida que há algo de inescapável nisso tudo, que há aí uma busca a ser desbravada. Só que ainda muito inocente sobre o que está em jogo nesse caminho, esse corpo decide ser e estar no Grupo motivado por uma demanda ainda bastante pessoal, individualizada e identitária. E descobre que dançar é algo que se dá em relação ao outro (embora achasse que já soubesse, descobre que essa relação é menos mímica e mais sintônica). Que a dança é lugar fundamental de alteridade. Que o que entendia como ‘busca de si’ era jus-
* não por acaso, falo em silêncio inspirado em Hans Ulrich Gumbrecht, para quem a nossa cultura viciada em dar sentido às coisas nos fez insensíveis à presença que é ser/estar no mundo, e senti-la inevitavelmente exige ficar em silêncio de vez em quando.
223
tamente um desfazer-se de si (que não é fácil e certamente ainda não foi completamente conquistado) para descobrir que o Outro é também o próprio corpo. Isso vem como resultado do processo de ser e estar no Grupo, porque se trata de um espaço de provocação (nem sempre explícita, mas nunca acidental) que molda um método coletivo de fazer-ensinar-aprender-dança: é como uma pedagogia da coceira, que não intenta aliviar, mas faz coçar ainda mais. Que coloca eu em espaço de crise a partir do atrito/contato e o transforma em e. O corpo que daqui escuta é também o de alguém viciosamente apegado à nossa mania logocêntrica de explicar as coisas extensivamente, extrair um sentido, um por quê. Alguém que parte de um lugar seguro de achar que saber do mundo acontece sem implicar-se no nível da carne, da pele, do osso. E que se dá conta, lançado ao exercício experimental da liberdade que é a arte e a dança, que essa lente do porque, em algum nível, esquece da materialidade (matéria bruta mesmo) do processo que é o conhecer. O Grupo exige um ser e estar inevitável que mostra (não explica, mas revela, faz aparecer) que o corpo que dança é primordial, é inaugural. Dançar não como segunda ordem do corpo, mas como reencontro de uma potência primeira, como aquilo que podemos certamente tatear. O corpo que daqui escuta é, enfim, um corpo que interage também com muita coisa que o fere, o baliza, o censura, todos os discursos de violência que estão aí e dos quais nossos corpos não passam incólumes. E esse corpo percebe, cada vez mais, que dançar é forma de resposta, de abrir espaço (no e com o corpo) para o ser que nos é impedido. E compor o Grupo, espaço que faz coexistir tantos corpos – discentes, docentes, crescentes, florescentes – em resistência, é privilégio que se desdobra em alimento, em devorar ouvindo essas vozes 224
reativas às barreiras que sufocam arte e vida.
Nicolas
Sales
Jornalista, ativista e carcaça dançante
225
E
ra início de 2016 quando escrevi na carta de intenção para entrar no GED que o processo de me tornar adulto evidenciou um “corpo produtivo” para o trabalho que deixou em repouso outro mais pulsante. Este corpo produzido, menos flexível, até que funcionava bem, mas
se cansou de ser só utilitário. A carta, assim, manifestava minha aposta de encontrar no GED um espaço potente para ampliar possibilidades e reflexões corporais que já vinham me interessando. Meu corpo percebia as contingências de sua construção e buscava caminhos experimentais para sua transformação.
+
encontros
iniciais:
sensações
O território fértil de descobertas (novidades) corporais, imersão por meio de encontros potencializadores, doses viciantes de endorfina liberada dos exercícios, a euforia gostosa das diversas formas de dançar, o ambiente seguro para um florescimento artístico, sustentado pelos/as colegas e professores/as, a sensação de me constituir dançarino.
+
desencontros:
entre
perdas
e
marcas
Encontro, desencontro, reencontro, desorientação, deriva, espaço, alargamento do tempo, casualidade, forças, fluxos, deslocamento, imprevisto, acontecimento, busca: corpos em percurso. Palavras e expressões que podem anunciar descobertas interessantemente vivas, mas também podem remeter a situações de angústia. Em um rompante fui lançado à experiência sem medida do desaparecimento e perda de minha mãe em um acidente. A brutalidade do baque desorientou a minha rota, afetando não só o que eu vinha desenvolvendo, mas a dimensão do horizonte que eu enxergava. A sensação de desamparo produzida pela morte dela, minha referência primária inclusive nos primeiros passos de dança, impulsionou o nascimento de novas narrativas de quem sou. Senti necessidade de 226
fortalecer minhas redes de pertencimento, apoio e orientação, nas quais o Grupo Experimental tinha lugar importante.
+
reencontros Sem vontade de dançar, não sabia se fazia sentido voltar para o grupo, que
já estava em processo de criação de espetáculo. Mesmo com o corpo enlutado, queria estar de algum modo junto com as pessoas, restabelecendo os vínculos,
pensando uma participação possível. Quando essa vontade pôde se tornar gesto, recebi o acolhimento dos colegas do grupo. O GED pós-morte era outro, mas também era o mesmo. Voltei então a me dedicar à dança e ao grupo, colaborando para produzir o espetáculo do final do ano. O corpo da ação em dança deu lugar ao corpo do pensamento em dança, do criar narrativa àquilo que foi experimentado ao longo do ano pelo grupo. O corpo que sofreu a experiência da morte aos poucos foi se nutrindo de vida, nesse outro tempo dos encontros. Foi desse modo singular que o GED se afirmou para mim como espaço aberto para uma criação artística e para uma sensibilização corporal, lugar de aprendizado, de trocas, de afetações boas e ruins. Eu corpo, que no início do ano desejava transformações, não tinha ideia do que estava por vir. Ao longo de um 2016 turbulento, foi-me fundamental pertencer ao grupo e poder participar da construção de uma dança que se deixou afetar por fluxos distintos e acolheu as contingências, arte atenta à importância, tanto dos movimentos quanto dos intervalos.
João
Augusto
Pereira
Servidor público municipal desde 2012. Trabalha no Centro Municipal de Dança da Secretaria Municipal da Cultura de Porto Alegre. Incluiu em seus estudos em dança o Sapateado Americano.
227
MOSTRA
GED
Ensaio sobre o tempo Daniel Aires, Fellipe Resende, Richard Salles e Verônica Prokkop Balbúrdia Vinicius Jordão e Luciana Ventura Pétalas Valentina D’angelo Livre acordo Daniel Aires e Fellipe Resende Vão Richard Salles Teste de alma gêmea Diego Bittencourt ]des[]encontros[ Janete Fonseca e Maíra de Oliveira Dos atos de escuta Verônica Prokopp Algo de si GED turma manhã Direção: Karenina de los Santos Suelen GED turma noite Orientação: Alessandro Rivellino
228
D
entro de mim, escondida entre meus desejos secretos, mora uma bailarina flexível e leve. Enquanto pago as contas do mês ela tenta saltar pelas ruas de Porto Alegre, correndo atrás dos sonhos. Porque a mantinha escondida, ignorava sua habilidade e passei a
vida pensando que a dança é para poucos. A convenci de que não fazíamos parte deles. Mas a culpa não era dela. Minha bailarina interior é o meu desejo infantil podado e moldado a um sistema no qual nos convencem que dançar custa caro, e só o faz por profissão os privilegiados que podem se dar ao luxo de ser artista. Só aos 33 anos permiti que ela me convencesse que dançar não é proibido, nem privilégio de quem pode se dar ao luxo. Isso é ignorância. Deixei a bailarina me guiar pela vida. Ela me trouxe a notícia das inscrições para o GED – que até então eu não conhecia. Foi uma amiga que mandou o link com a frase: “achei tua cara”. Respondi: “tá maluca, isso é pra gente que dança”; e, ela respondeu “tu dança, Patricia”. E a bailarina fez coro com a amiga. Fui atrás, me informei, li sobre o GED e já no processo seletivo me apaixonei. É um grupo diversificado. Acolhi como oportunidade, e a bailarina interior começou a rodopiar de felicidade. Tentava me despertar há anos e decidiu: “agora, você vai entender que podemos dançar”. Imagine, Porto Alegre conta com um grupo de dança, aberto, plural. Você e eu e todo mundo pode experienciar. Tem alguém pensando que eu e você gostaríamos de conhecer a dança e talvez não soubéssemos o caminho. Alguém sabe o que a minha bailarina sempre soube: todo mundo pode dançar. Sempre acreditei que a dança é relação, diálogo. Acontece a partir do encontro. O GED proporciona encontros. Diálogos que só podem existir na relação. Dançava na sala de casa, embaixo do chuveiro, na festinha, sozinha lá no cantinho. E na aula de dança de salão. Só. Não sou dançarina ou profissional da dança. E a bailarina gritava: “E daí?! Dentro de nós existe a dança”. Descobri nas aulas, depois de um processo de entrega: se eu tenho um corpo, danço. Simples assim. Não há o que argumentar. Mover-se é dançar. Entregarse faz que a dança seja percebida por esse corpo que está se conhecendo. Não é maluco que o corpo seja a nossa maior intimidade, ao mesmo tempo em que é um estranho no qual habitamos?! E isso toca fundo. Cada aula é um acontecimento enorme, uma revolução no íntimo. Houve aula que me fez chorar, entender, sofrer e perceber o quanto me contenho, me seguro, me controlo. Por quê? Nem eu mesma sei. Talvez nem precise saber, apenas soltar. Acolher que eu danço,
229
que tu danças, nós dançamos. Juntos ou separados, olhando-se nos olhos ou com esses fechados. Cada colega no GED é um ensinador do como dançar e se deixar ser dançado. Um espelho do processo que vivemos no grupo, da experiência que dividimos. Às vezes, basta se enxergar nos olhos e deixar transbordar a emoção que 230
não pode ser expressa em palavras. Cada professor é um condutor que nos ajuda a encontrar o caminho do corpo que dança; ensina a nos ouvirmos. A reconhecer que a bailarina que vive dentro da gente, somos nós. Não está separado. Mostra o caminho de se deixar ser levado pela dança. Deixar-se ser. Esse é o ponto alto da experiência gediana. Permitir-me ser levada. Pela emoção, música ou silêncio, pela dança, pelo outro. Compreender lá no íntimo que dançar é tocar a fantasia da realidade de todo o ser. Dançar com
largos movimentos. Na plenitude que o corpo pode alcançar agora. Ou apenas sentir a vibração interna, ouvir a música orgânica e deixar-se levar pela pequena dança. Uma dança tão sutil, tão delicada e que só a percebi através do olhar do Rogério, da emoção que ele sentiu ao perceber que seu corpo reverberava a dança silenciosa dos órgãos e compartilhou conosco. Essa é a beleza de ser grupo. Aprender com a própria experiência e se deixar contagiar com a experiência do outro. Ou quando um exercício nos propôs oferecermos uma dança como presente ao colega. E a Cândida me disse coisas sobre minha dança que tocou a alma e me emocionou por uma geração inteira, fez minha bailarina sorrir e dizer: viu como eu tinha razão! É sentir a gratidão de saber-se entregue e saber receber. Olhar no olho do outro e ver a expressão de felicidade que já não cabe no peito e transborda, porque um movimento “banal” transformou o corpo em lar, onde a alma da Flávia agora habita com mais graça. Descobrir que caminhar é pura poesia. Desejar que o mundo possa vivenciar esse poema latente dentro de cada um. Poder levar para a vida que o sagrado poder da imaginação nos transporta em voos que transcendem o próprio corpo. É rir juntos. Dançar juntos. Viver uma experiência que só existe porque somos grupo. Porque nos permitimos. Porque nos apoiamos. Porque temos o privilégio de ser a turma de 2016. Anandas carolinas fatimas gabrielas giorgias janaínas karens kynaes ligias luizas marílias nathalias patrícias. Cada um de nós é único e parte desse grupo. Parte da história que comemora dez anos.
Patricia
Lima
Um corpo que dança. Bailarina em formação.
231
Apresentada no mezanino da Usina do Gasômetro, no dia 17 de dezembro, às 20h. Belos vestidos. Make-ups luxuosíssimos. Corpos no auge de seu desabrochar. Leoas de salto alto. Primor primata. Hair styles da mais alta pompa. Idiossincrasia aristocrática. Glamour decadente. Esquizofrenia requintada. Garbo mofado. Tradição torta. Vanera venérea. Tapete vermelho do avesso. Chulé chic. Puro luxo orgânico. Uma celebração que visa à chegada de todos, como um cardume, a um lugar comum. Ou nenhum.
232
K
ÓS
O que fica em nós, apresentada na sala Rony Leal (Usina do Gasômetro), nos dias 16 e 18 de dezembro, às 18h30.
Kairós parecia caótico, desordenado, fragmentado, um apanhado de exercícios feitos em aula, reproduzidos e adaptados para o público. Quando nos dedicamos seriamente a sua criação, houve uma transformação: a criação assumiu as rédeas e o encadeamento foi-se formando. Cada fragmento ganhando significado e deixando suas marcas. O próprio surgimento do nome foi assim: percebemos que todos aqueles fragmentos estavam em nós, haviam nos marcado e transformado. Os gregos antigos usavam duas palavras para designar o tempo: “chronos” e “kairós”. Enquanto o primeiro refere-se ao tempo cronológico ou sequencial (o tempo que se mede, de natureza quantitativa), Kairós tem natureza qualitativa, o momento indeterminado no tempo em que algo especial acontece. Kairós é o deus do tempo oportuno e, nesse caso, também é constatação de que o tempo que passa, quando vivido de forma plena, deixa marcas. No nosso caso, deixou, principalmente no corpo e em cada um de nós, enquanto grupo.
Assim, se decidiu que haveria momentos coletivos e outros de pequenos grupos, desenvolvendo o que fora trabalhado e registrado em nossos corpos ao longo de todo aquele ano. Nossos exercícios de mapeamento para aprender a criar a partir do nosso corpo, nossa dança, combinados com os exercícios coletivos das modalidades que experimentamos ao longo do ano, transformaram-se em fragmentos desse caos e compuseram o todo daquilo que estava em nós.
233
“A incerteza, por sua vez, é terreno fértil para a criatividade e para a liberdade. Incerteza significa entrar no desconhecido em todos os momentos da nossa existência. O desconhecido é o campo de todas as possibilidades, sempre frescas, sempre novas, sempre abertas para a criação de novas manifestações.” Deepak Chopra cdancasmc.blogspot.com.br 16 de Março de 2016 Resultado da Seleção do Grupo Experimental de Dança 2016 TURMA GED MANHÃ 2016 35. Verônica Maria Prokopp de Oliveira
“E
u estava em um lugar com minha mochila nas costas pesando 16 anos de estudos, conhecimentos, pesquisas e vivências em dança. A princípio, algumas coisas já tinham assumido seu caráter de verdade, e essas são as que pe-
sam mais. Só descobri que ser a número 35 da lista de selecionados era meu bilhete para o ‘Campo das Incertezas’, quando iniciei o trajeto e minha mochila foi completamente dilacerada”. Vivenciar o Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre/2016 me fez exercitar a arte do silêncio, ou seja, da escuta. Essa escuta não passa apenas pelo ato de ouvir, mas principalmente pelo ato de ver, de sentir e do auto-questionamento. A diversidade de linguagens propostas encontra eco em um ato de escuta interno, onde colocam em xeque algumas verdades já estabelecidas por mim enquanto artista e ser no mundo. Olhava para minha mochila dilacerada, minhas verdades espalhadas, recortadas, que tentei desesperadamente restaurar. Ao entrar no estado de escuta eu desisti de restaurar e percebi que elas nunca mais seriam iguais, pelo simples fato de que os conhecimentos novos adquiridos no GED as fizeram ficar mais corpulentas. Ainda não morro de amores por Jerome Bel, mas todas as reflexões e
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discussões intermináveis que sua obra desencadeou em meu pensar dança faz dele uma figura importante na minha mochila. Eu não só encontrei coisas novas e questionadoras, como também encontrei pedaços de memória no GED: os cabelos cor de fogo, os olhos claros, com um perfume que me lembra bergamota. Quinze anos depois eu a reencontrei. Amante declarada do ballet clássico. Sim, essa sou eu. E eu o encontrei bem disfarçadamente, prestando um primoroso serviço na construção de outro voca-
bulário. Mas estava todo mundo lá: plié, tendu, sauté, rond de jambe, 1ª posição, 2ª posição, port de bras... Em minha mochila, também levarei do GED um pequeno diamante com propriedades mágicas de longevidade do corpo. Só precisa observá-lo e escutá-lo com atenção para ver que ele é capaz de: alongar o primeiro encurtamento, inflar a cintura escapular, aumentar o espaço entre cintura pélvica e cintura escapular, expandir o espaço entre as escápulas e a coluna vertebral, sentar nos ísquios, entre tantos outros benefícios. Além disso, é excelente no tratamento de escolioses (aliás, a minha agradece!). Levarei também um frasco com uma dose de óbvio. Mas o óbvio é óbvio, certo? Não sei não... Todavia, não significa narrativo. Mas também não imaginário. Linha tênue, quase imperceptível, mutável como tudo que acontece em tempo real. É quase como ficar à deriva, situação essa que proporciona um refino do olhar para o entorno. Ah! Tem um bolsinho cheio de uma risada engraçada, umas Cartas para Noverre, muitas anotações sobre história da dança, algumas plumas das asas dos Anjos de Apolo, além de muitas conversas enriquecedoras e umas notas no piano. Sábia é a paráfrase da querida Thereza Rocha: “O problema era como dançar e, ao mesmo tempo, evitar a velha forma de dançar”. Na verdade não se trata de evitar a velha forma de dançar, e sim de remexer, repaginar, dar novo corpo, agregar conhecimento, lançar um novo olhar a esta velha forma. É isso que vivo no GED. No meio do caminho tinha incertezas. Tinha o GED no meio do caminho.
Ve r o n i c a
Prokopp
Bacharel em Artes Visuais pela UFSM. Bailarina, intérprete-criadora e pesquisadora em dança há 16 anos. Diretora e membro fundador da Cubo1 Cia de Arte. Intérprete-Criadora da Mimese Cia. de Dança-Coisa sob direção de Luciana Paludo 235
É importante que esse novo público tenha consciência e abra seus olhares e suas mentes para a diversidade de dança produzida aqui e para além das fronteiras,
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Desafios...
E
m 2017, foram mais de uma centena de inscritos para integrar turma num ano emblemático de comemoração de 10 anos do projeto. Um ano de desafios para manutenção das ativida-
des do Grupo e, ao mesmo tempo, de comemoração, pois o projeto se firmou nessa década como uma referência para a formação de artistas de dança. Uma “formação informal”. Uma formação que tensiona seus limites, que expande, que confunde, que funde, que incomoda, que dialoga, que busca frestas, que inventa descaminhos, que anda nas margens, que redimensiona o entendimento de técnicas, e que não abre mão da experimentação, do compartilhamento, do trabalho intenso e contínuo. Em nome da pluralidade, dos comuns no meio das valiosas singularidades (muitas vezes conflituosas e nem por isso menos afetuosas). Uma turma diversificada e internacionalizada recebendo inclusive uma aluna do México e outra da Rússia. E assim, a turma respondeu de maneira intensa e dedicada.
...e afirmação Assim, em dia 3 de agosto, no centenário Paço dos Açorianos, sede da prefeitura de Porto Alegre, foi apresentada a performance Roda, junto às esculturas da Pinacoteca Aldo Locatelli expostas no Porão do Paço. E a Mostra GED 2017, realizada dia 5 de setembro, na Sala Álvaro Moreyra, pequena para tanto público que veio conferir trabalhos como:
237
Etta
Nóis
Coreografia: Neca Machado Todo o Grupo (Dri Kaz, Alice Fogliatto, Diego Machado, Eduardo D’Ávila, Chico de los Santos, Gianna Soccol, Giorgia Fiorini, Guadalupe Rausch, Juliana Nólibos, Juliano Barros, Ilza do Canto, Kevin Brezolin, Laís Souza, Lua Lumps, Leila Klein, Leonardo Marim, Ligia Meyer, Maria Ana Carmo, Maya Rodrigues, Nadia Korneeva, Natalia Meneguzzi, Pedro Ciocca, Renata Ibis, Reynaldo Neto, Samantha Aline, Tiana Moon)
Infestação Eduardo D’Avila e Natália Meneguzzi
238
Cidade Laís Souza, Renata Ibis, Chico de Los Santos
Sem
Nome
Giorgia Fiorini
Quando a Serotonina Lili Maya e Dri Kaz
Aya c i m o n g Diego Machado e Maria Ana Carmo
Acaba
Raízes
em
Útero
Alice Fogliatto, Gianna Soccol, Leila Klein, Nádia Korn, Lua Lumps, Maya Rodrigues, Samantha Aline
Hipnose Substantivo Feminino Ilza do Canto e Tiana Moon
Feira de Ciências: Suruba Cósmica Giorgia Fiorini, Reynaldo Neto, Juliano Barros, Guadalupe Rausch, Eduardo D’Avila
Passado
Futuro
Kevin Brezolin
Pequena Avessas
Dança
às
Natália Meneguzzi e Leonardo Marim
Sede Reynaldo Neto
Roda
Viva
Coreografia: Fernanda Santos Todo o Grupo
239
Professores Airton Tomazzoni
Janaína Ferrari
História da Dança/Processos de Criação
Contato e Improvisação
Alessandro Rivellino
João de Ricardo
Laboratório de Percepção Corporal
Processos Híbridos de Criação
Iandra Cattani
Marilice Bastos
Sistemas Corporais para Fluidez do Movimento
Fundamentos da Técnica de Martha Graham
Fernanda Santos
Dança Moderna
Dança Contemporânea
Gabriela Guaragna Introdução ao Método Feldenkrays
GRUPO 2017
240
Neca Machado Paula Finn Dança Contemporânea (Oficina Hiato Vivência)
E X P E R I M E N TA L
Adriele Teixeira Alexsander Fernandes dos Santos Alice Fogliatto César Rodrigues Pereira Diego Machado Douglas Florence Eduardo Silveira D’Ávila Francisco Macalão de los Santos Gianna Corrêa Soccol Giorgia Fiorini Giulia Milanez Peña Schiavi Guadalupe Rausch Tomazzoli Gustavo Luz Ilza do Canto João Lima Juliana Nólibos Jorge Juliano Ramos Barros Kevin Brezolin Laura Brodt Leistner Feijó (Lua)
DE
DANÇA
Leila Klein de Oliveira Leonardo T. Marim Ligia de Menezes Meyer Luisa Krakhecke Amaro Maria Ana Emerich Carmo Mariana Pacheco Tebacker Martina Frölhich Mayara Soares Rodrigues Nadia Korneeva Natalia Meneguzzi Hejazi Pedro Toledo Ciocca Rafaela Cezar Fischer Renata Ibis Reynaldo Lirio de Melo Neto Rocío Del Rio Mercado Samantha Aline da Silva Tamara Giuliana Sitta Verônica Vaz
T
e entrega. Mas entrega mesmo, até te ser desconfortável. Quando isso acontecer, olha em volta. Olha quanta gente entregue junta e te encontra neles. Encontra afeto nesse desconforto e te conforta no outro.
Alice
E
Fogliatto
star no GED é uma experiência transformadora. Estar em contato com pessoas que percorreram caminhos tão diferentes é sempre um desafio. Experienciar visões, movimentos, sentir no corpo como a vida pulsa e flui.
Permitir-se seguir o fluxo. Aprender com os professores e com o grupo. Conhecer e descobrir pessoas. Vivenciar as mudanças, transformar o olhar e o sentimento. Dançar a vida, entregar-se a ela e resistir a ela. O GED é uma jornada de autoconhecimento, de desafios e superações. Uma reconexão com a vida e com os meus pedaços de alma perdidas. Agradeço a oportunidade de fazer parte desse projeto, de deixar um pouco de mim e levar muito de todos com quem tenho convivido e aprendido. Quem disse que a dança não transforma o mundo? Acredito que um outro é possível dançando, mudando a vida das pessoas e o GED está ai pra mostrar.
Ilza
A
do
Canto
dança toca em memórias que me levam à ancestralidade, bem como aos primórdios da infância vivida no interior. Brincar com o corpo era a disponibilidade encontrada para correr na rua e subir em árvores. Dan-
çar é tudo aquilo que faz nossos corpos moverem-se numa trajetória sem volta. Entregar-se no espaço/tempo, fazendo desse movimento um ato de expansão, liberação e transcendência. Nesse contexto, o GED é para mim uma forma de conscientização da técnica, de tocar em novas linguagens e também de aprimorar o percurso do desenvolvimento artístico. Experimento de profundo impacto interno e externo. É o corpo criativo que dança os esconderijos da alma. E então, ressignificar valores através do movimento que não se desfaz.
Juliano
Barros
241
O
GED é uma possibilidade de voar e firmar raízes. É aprender sobre dança através da reflexão sobre a prática, com o embasamento teórico e junto com espaço aberto à experimentação. O Grupo, que já formou
dezenas (centenas?) de bailarinos em Porto Alegre, é um grande “sim” em uma ilha de “nãos”. Sim para poder dançar com qualquer idade, com qualquer físico, com qualquer técnica, em qualquer espaço. É uma primeira instrumentalização que abre portas para a autonomia de novos dançarinos, ou pode ser também uma aproximação do corpo para quem andava mais longe dele do que gostaria. Com práticas diárias, exercícios de criação, aulas técnicas, ele é um empurrãozão, como diria Larrosa, sobre a “experiência”, para aquilo que nos toca, o que nos passa, nos atravessa e nos sucede.
Lígia
R
Meyer
ostos: desconhecidos. Corpos: singulares. Entre olhos nos olhos, energias trocadas, descobertas e compartilhamento de saberes, únicos continuamos. E resistimos, com uma pitada dos corpos dançantes da-
queles que um dia desconhecidos foram.
Maya
N
Rodrigues
as primeiras semanas do GED 2017 descobri que estava grávida. Isso me deixou extremamente confusa, com medo e vontade de desistir das aulas. Por não saber qual seria a reação dos professores, coordenadores
e colegas, eu escondi a gestação durante 6 meses. É claro que minha barriga começou a aparecer depois de certo tempo, e eu tive que contar. Foi surpreen-
242
dida com tanto carinho, amor e cuidado que recebi. Eu nunca vou esquecer essa família linda que acolheu a mim e o Kaori.
Moa
E
star no GED, especialmente em 2017, ano de tantas perdas e total crise política e social, me faz acreditar cada vez mais na arte enquanto potente alternativa de (re)existência.
Fazer arte, e fazer arte junto, nos faz imensamente fortes. Dançar junto, co-
mer junto, pensar junto, construir junto, compartilhar e criar vidas que vão muito além do espaço de aula. O GED para mim foi/é e está sendo, antes de tudo, um grandioso encontro. Ser e estar parte de um projeto tão importante me faz grata além das palavras. Vocês arrasam. Vida longa ao GED e a nós!
Natália
F
Meneguzzi
azer parte do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre é uma abertura de caminhos e perspectivas: é um novo olhar sobre o ambiente, sobre tempo e sobre o(s) corpo(s): é vivenciar a dança em diferentes
contextos, espaços e dimensões... seja no palco, na sala de ensaio ou na cidade; é perceber que onde há corpo, há dança - das virtuosas piruetas aos pequenos movimentos; é entender que somos plurais e que, em cada um de nós residem várias & vários & infinitas possibilidades de transformação.
Reynaldo
Lirio
de
Mello
Neto
243
244
A
dança cura, empodera, transforma, nos guia, nos faz protagonistas. Encontrar o real sentido da dança é estar no palco, ao mesmo tempo que somos plateia torcendo por cada pequeno movimento conquistado. Diante de tantos seres dançantes, compostos por corpos
diversos, com estilos únicos, com características físicas e emocionais diferentes, nos encontramos no Grupo Experimental de Dança; e, apesar, de me considerar um ser racional nessa imensidão chamada planeta, acredito que nada é em vão. Regado de um poder mágico de emponderamento e de impulsionamento que nos envolve a sempre querer dançar, o grupo nos desafia a cada encontro, tendo certeza que seremos diferentes de quando começamos. A cada passo dado, a cada coreografia composta ou criada de uma maneira tão sensível e intensa por nossas mestras, sinto meu corpo se redescobrindo. O redescobrir nos faz resilientes, e sermos resilientes nos faz potentes. Quem dera que todo ser pudesse ter a opor-
tunidade de se redescobrir assim. Talvez as escolas estivessem cheias de professores com tamanho envolvimento e crença, talvez a infância tivesse um gosto maior de futuro e nós, adultos, um gosto maior por nossos sonhos. Acredito profundamente no poder de mudança e de autoconhecimento que a dança pode trazer à vida, acredito imensamente no potencial do GED, acredito que se nada é por acaso seremos multiplicadores de toda aprendizagem desse tempo bom. A dança não é feita para corpos e sim para almas, qualquer corpo é capaz de dançar mas só quem enxerga a dança através da alma consegue sentir sua transformação.
Samantha
Aline
da
Silva
245
Cidade
Sorriso U
ma criação coletiva, que abordou aspectos da cidade e da vida cotidiana com humor, poesia, ironia, anarquia e muita dança: Cidade Sorriso. Ao longo do ano, duas ques-
tões marcaram os encontros do grupo: a história da dança
e história da dança da nossa cidade. Esse processo envolveu navegar por muitas referências de dança e compreender o sentido que essas referências fariam hoje para esses corpos que habitam/dançam a nossa cidade. Uma cidade vivida em múltiplas polaridades de amor e ódio, de delicadeza e violência, de diversidade e intolerância, de assombros e surpresas. Assim foram sendo articuladas as experiências das aulas práticas e teóricas com questões filosóficas, estéticas, éticas, políticas, de gênero, emotivas, geográficas. E nasceu dessa forma Cidade Sorriso apresentado no dia 15 de dezembro no Teatro Bruno Kiefer da Casa de Cultura Mario Quintana. O espetáculo teve orientação de Airton Tomazzoni e Neca Machado e coreografia com criação coletiva da turma. Produção: Ilza do Canto e Grupo. Professores colaboradores: Airton Tomazzoni, Neca Machado, Iandra Cattani, Fernanda Santos, Ted Borges, João de Ricardo. Iluminação: Kevin Brezolin. Operação de som e projeções: Guadalupe Rausch. Vídeo: Martina Frölhich, Gianna Soccol, Ligia Meyer, Renata Ibis. Arte gráfica: Maria Ana Carmo.
246
Bailarinos: Alice Fogliatto, Eduardo D’Ávila, Chico de los Santos, Gianna Soccol, Giorgia Fiorini, Juliana Nólibos, Juliano Barros, Ilza do Canto, Laís Souza, Leila Klein, Leonardo Marim, Ligia Meyer, Maria Ana Carmo, Mariana Tebacker, Maya Rodrigues, Martina Frölhich, Nadia Korneeva, Natalia Meneguzzi, Renata Ibis, Reynaldo Neto, Samantha Aline, Tiana Moon.
didática poética
247
รกrquica d
รงante
Epilogo
uma proposta de produção de imagens Diego Esteves Wagner Ferraz * Artistas, professores e pesquisadores da dança Editores da CANTO – Cultura e Arte
O
Grupo Experimental de Dança (GED), nesses 10 anos de atividade, vem a ser um investimento de construção de imagens de dança em Porto Alegre/RS. Isso pode ser dito levando em consideração a participação daqueles que passaram pelas propostas de sua for-
mação, pelos espaços reservados para atuação de profissionais, pelas atividades de formação de plateia, pelo investimento na criação e experimentação, pelas ousadias e por todos aqueles que seguiram vivendo a dança e seus possíveis desdobramentos após passar por este projeto. Isso mostra o quanto uma proposta dessas se faz importante na constituição dos fazeres desse campo e, quanto um trabalho de continuidade possibilita que tudo isso possa acontecer.
248
10 anos de dança são 10 anos de desenvolvimento, crescimento, investimento e múltiplos resultados de produção de imagens. Dizemos aqui produção de imagens por construir modos de se ver a dança pela cidade, ou seja, modos de viver a dança, de respirar dança, de sentir o movimento que faz arrepiar sem saber o motivo. Assim se faz dança hoje, buscando referência naqueles que já tanto fizeram, preparando o campo para todos aqueles que virão. 10 anos de trabalho realizado possibilitam elencar algumas imagens:
Formação Qual a imagem que se tem de uma bailarina ou um bailarino formado? O que é estar formado e o que compõe essa formação? Talvez nesta imagem esteja uma das maiores contribuições do GED para a dança de Porto Alegre. Essa imagem se desdobra e multiplica-se em muitas outras. A ênfase no processo, na experiência e na experimentação borra e confunde algumas imagens que outrora se poderia ter de uma formação em dança; iniciando pelo corpo a ser formado, que é tão múltiplo e diferente como pode ser esse processo de formação, passando pela diversidade do currículo, e dos resultados que podemos encontrar – resultados sempre provisórios, pois a formação passa a ser um processo sempre inacabado e que se confunde com a experimentação.
Processo de criação e poéticas
Produção e difusão Criar é produzir. E se podemos separar a criação, feita por artistas, e a produção, realizada por técnicos, podemos também misturar tudo isso e encontrar novos modos de produzir e criar. O GED assim experimenta também os modos de fazer a coisa acontecer, modos de fazer junto; sempre dando créditos às formas possíveis de produzir e difundir a dança pela cidade em solos, espetáculos coletivos, performances, happenings, vídeos, instalações e outras experiências (in)nomináveis (entre as quais este livro agora se inclui).
Aquilo Afinal, o que pode uma dança? A minha dança, a sua dança, a dança de quem vê a dança? O que uma dança quer? Pode uma dança nada querer e fazer desse nada sua força e nessa afirmação encontrar outras danças? Processo e criação são palavras que propõem muitas imagens que o GED colocou em jogo de modos múltiplos e potentes em cada um de seus 10 anos. Que essas imagens, seus jogos e possibilidades de composição, nos levem a mais perguntas, e estas a mais imagens, que a dança siga a procurar e inventar, nesse processo, outras poéticas.
que
se
vê
Qual imagem representa uma dança? O que uma dança nos dá a ver? Quais imagens nos faz pensar uma dança? E se um ser com uma cabeça enorme e colorida andando pela cidade (para citar apenas uma das intervenções realizadas) pode não ser visto como uma dança, por quem por aí passa, tampouco isso importa, pois é inevitável que coloque o pensamento a pensar – e aí jaz uma dança.
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O corpo que dança São tantas imagens quanto são os corpos. E são tantos os corpos quanto os que queiram dançar. Não precisando assim o corpo encaixar-se entre as bordas de uma imagem pré-definida, recriam-se imagens dos corpos, dos nossos corpos, dos corpos da dança, dos corpos a dançar. Tantas imagens produzidas por todos aqueles que atravessaram esse projeto, que acreditaram e acreditam na proposta, que a fizeram acontecer. Tantos artistas e demais envolvidos que compuseram o Grupo Experimental, de modos diversos, nesses 10 anos. Assim, essas imagens apresentam-se nesse livro por meio de fotografias e escritos, memórias e registros, danças e performances, educação e criação em dança, aproximações, cruzamentos, parcerias, profissionalismo, experimentações, corpos sedentos por movimentos... Isso é nítido ao olhar a história desses 10 anos, ao olhar um trabalho contínuo, ao olhar um trabalho que vai levando consigo quem se aproxima. Basta olhar as páginas e observar, que se verá as contribuições para a história da dança e para a história de Porto Alegre – e nisso com as imagens da dança na cidade, e assim elencamos uma última imagem, a seguir.
A
250
imagem
da
dança
Pois as imagens sempre são nossas, de cada um e de cada uma. Por vezes se intenta partilhar uma imagem-guia: eis aqui A Imagem da Dança! E deste intento o GED desvia – e nisso talvez ele nos diria: eis aqui seu olho, seu corpo, suas vontades, seus pensamentos e anseios, referências, professores e colegas, eis aqui um espaço, crie suas imagens, e com elas dance! Eis aqui um livro.
Créditos
de
fotos
Capa
2013
Marcelo Cabrera
Fotos de Ana Vianna Págs. 162 e 163: Marcelo Cabrera
Págs. 2 e 3: Cláudio Fachel Págs. 5, 11 e 13: Ana Vianna
2014
Págs 6, 7 e 10: Carlos Sillero
Págs. 172, 175, 186, 189, 191 a 193 e 197: Luciane Pires
2007
Págs. 174, 182, 194 e 195: Gislaine Costa
Fotos de Ana Vianna
Págs. 176 a 178 e 181: Júnior Alceu Grandi
Pág. 18: Divulgação SMC
Pág. 184: Ana Vianna Págs. (sequência, no alto) 177, 179, 181, 183, 185
2008
e 187: Gislaine Costa
Fotos de Carlos Sillero
Págs. (sequência, no alto) 180,182,184,186 e
Págs. 44, 45, 58 e 59: Laércio Sulczinski
188: Luciane Pires
2009
2015
Fotos de Marcelo Cabrera
Págs. 198, 202, 203 e 209(foto acima): Sofia Cortesi
Págs. 73 e 75: Airton Tomazzoni
Págs. 206, 207, 209, 214 e 215: Géssica Hardt Págs. 204, 205, 208: Divulgação SMC
2010 Fotos de Cláudio Fachel
2016 Págs. 216, 219 a 221, 227 e 232: Marcelo Cabrera
2011
Págs. 218, 223 e 233: Rosana Almendares
Págs. 110, 124, 125 e 127: Marcelo Cabrera
Págs. 224, 225, 228, 230, 231, 235: Natália Utz
Págs. 112, 113, 116, 117, 118 e 129: Ana Vianna Pag. 115: Divulgação SMC
2017
Págs. 120, 121, 122 e 123: Airton Tomazzoni
Págs. 236, 238, 239, 243, 245: Vitório Beretta
Pág. 119: Amilcar Cantoni
Págs. 244, 246 e 247: Luiza Castro
2012
Epílogo
Fotos de Marcelo Cabrera
Págs. 248 e 249: Luiza Castro
Págs. 133, 140 a 142: Dora Arduim
Pág. 250: Marcelo Cabrera
251
grupo p en d
an a
10
anos 252 Este livro foi composto em Century Cothic e Braggadocio, concluído em março de 2018. Registra 10 anos do percurso do Grupo Experimental de Dança de Porto Alegre e integra o Volume 2 da Série Escritos da Dança, da Secretaria Municipal da Cultura.
Os
organizadores
Airton
Tomazzoni
E xperimentar sempre foi um vício, tanto que a sua primeira graduação foi química industrial. A continuidade desse desejo se espalhou pela ar te e pelo ensino em muitas instâncias: na graduação em jornalismo, no doutorado em educação, bailando, coreografando, planejando, produzindo e voltando a imaginar e inventar. Criou e dirigiu mais de 20 espetáculos, como Hitchcock Ri (Prêmio Açorianos de Dança 1999), Folias Fellinianas (20 07) e Guia improvável para corpos mutantes (Prêmio Rumos Dança Itaú Cultural 2012). Assim, lecionou por quase uma década no curso de graduação em dança da UERGS (20 03 -2011). E, em 20 05, assumiu o desafio de coordenar o Centro Municipal de Dança, onde idealizou o projeto do Grupo E xperimental de Dança da Cidade, além do Festival Internacional Dançapontocom, o Quar tas na Dança e a Maratona de Dança de Por to Alegre.
Paula
Finn
Bailarina, produtora, ar ticuladora, criadora, professora, ar tista inquieta e cheia de sonhos e desejos. Ingressou na primeira turma do curso de Licenciatura em Dança da UFRGS em 20 09, onde foi representante discente e integrante do Diretório Acadêmico. Em 2011, passou a integrar a equipe do Centro Municipal de Dança, par ticipando, dentre outros projetos, da produção do Festival Internacional Dançapontocom e Grupo E xperimental de Dança. Ar tista e criadora em Dança, trabalha com dança contemporânea e flamenco e tem na ar te sua ocupação desde sempre. Em 2016, junto ao Coletivo Tônuma, criou o espetáculo Hiato (Prêmio Açorianos de Melhor Bailarina).