Aulas on line: ensino de dança em Porto Alegre em tempos de isolamento social

Page 1

Aulas On-Line Ensino de danรงa em Porto Alegre em tempos de isolamento social

Airton Tomazzoni e Ilza do Canto


?

Dança on-line e isolamento

O novo contexto de isolamento que se instaurou e colocou inúmeras práticas virtuais como alternativa para inúmeras áreas. E para dança não foi diferente.

Logo passaram a se multiplicar as aulas de dança on-line dos mais diversos estilos e mais diferentes públicos.

Mas qual a dimensão e o impacto dessa nova realidade? O quanto está afetando o processo de ensino de dança? Como esse processo está acontecendo?

Qual o impacto dessa nova realidade? Por isso, o interesse dessa pesquisa preliminar, iniciativa pessoal de um artista educador, jornalista e pesquisador de dança, foi o de dar um passo na direção

de sair da realidade de dados inconsistentes e dos achismos com os quais tantas vezes lidamos na área. Dessa forma esse desejo ganhou a parceria da

colega da equipe do Centro Municipal de Dança e também pesquisadora da comunicação social Ilza do Canto na tarefa de buscar a produção de dados que possam juntos subsidiar estudos, traduzir e indicar caminhos. Dados que são ainda um desafio para se pensar estratégias adequadas de atuação para o segmento da dança. E nada melhor para um começo do que lidar com a realidade local, próxima da gente. Assim nasceu a pesquisa Aulas on line: ensino de dança em Porto Alegre em tempos de isolamento social que

não tem caráter institucional e nem tem subsídio algum além do intuito de iniciar uma modesta contribuição, contando com a partilha das respostas de colegas artistas-educadores de dança e quem sabe, assim, motivar que outras ações nesse sentido também ganhem forma.

Dança on-line e isolamento

| 01


Quem é o público Para essa iniciativa foram enviados formulários a 121 professores e professoras de dança de Porto Alegre, tendo o retorno de 108 respostas, no período de 29 de junho a 9 de julho. Foram pesquisados professores de diversos estilos, modalidades e linguagens como balé, jazz, dança contemporânea, dança de salão, dança do ventre, flamenco, danças ciganas, tap dance, danças urbanas, danças afros, tribal dance, fitdance, dança contemporânea, entre outras, ofertadas para estudantes de todas às faixas etárias.

121 formulários enviados a professores e professoras de dança

108 respostas recebidas dos professores e professoras

A primeira constatação dessa pesquisa foi da real efetividade que as aulas online passaram a ter no ensino da dança da capital gaúcha. Dentre os participantes da pesquisa, 99 % estão mantendo atividades e ministrando aulas de dança on-line. E não apenas ensinando, mas também aprendendo nesse formato, sendo que 76,4% também acompanham aulas de maneira remota. Esse contexto aponta a quase totalidade de profissionais estão envolvidos com atividades de aulas virtuais como forma de seguirem dando aulas. E a maioria também se vale desse recurso para manter seus estudos e práticas.

99%

76%

Mantendo atividades e

Fazendo aulas on-line

ministrando aulas on-line

Quem é o público

| 02


Essas atividades estão em grande parte vinculadas a atividades de escolas de dança. Um total de 60 % está ministrando aulas para as escolas que atuavam e 25 % estão atuando unicamente de maneira autônoma. Um pequeno percentual atua de ambas as formas.

Quanto ao público dessas aulas, os adultos aparecem como a principal faixa etária atendida que tem 79% dos professores dedicados a esse público. Na sequência vemos os adolescentes com 47 % e os pré-adolescentes com 35% de participação. Se considerarmos adolescentes e pré-adolescentes juntos, temos 82% do público, demonstrando que os jovens são os públicos mais engajados nas aulas on-line.

82%

79%

Adolescentes e pré-adolescentes

Adultos

Vínculo e público atendido

| 03


Por sua vez os dados indicam que os segmentos que estão tendo menor atividade são as crianças de até 6 anos, com 24 %, e o de terceira idade com 21%. Mesmo assim é um dado relevante perceber que 24 professores mantém turmas com pessoas de terceira idade, normalmente um público com menos intimidade com o universo tecnológico virtual. E inclusive um professor relatou que depois de um primeiro mês de “aprendizado tecnológico” as alunas que no início eram poucas passaram na totalidade a frequentar as aulas.

Pessoas de Terceira Idade Buscaram aprendizado tecnológico e passaram a frequentar integralmente as aulas on-line

Público atendido

|04


As aulas continuam apesar da redução de alunos Quanto ao impacto que o isolamento causou fica evidente a diminuição de aluno/as nas turmas, 51% dos professores estão com menos da metade dos alunos que tinham, mas por outro lado, a maioria dos/as professores/as estão mantendo turmas com pelo menos 30% de capacidade de alunos que tinham. Temos 41 % dos professores mantendo metade ou mais dos aluno/as que já tinham presencialmente, fazendo aulas na modalidade virtual. Pode parecer pessimista essa diminuição, mas em se considerando uma atividade recente para muitos professores e alunos, sem o devido planejamento de divulgação e reconhecimento dessa modalidade, é um resultado exitoso.

41%

51%

dos professores e professoras

dos professores e professoras

mantiveram metade ou mais dos

perderam metade ou mais dos

alunos/as

alunos/as

As aulas continuam

| 05


Os dados de percentuais de aluno/as permitem perceber que as atividades de ensino da dança virtual vêm conseguindo manter um número mínimo ou até generoso de participantes nas aulas on-line. O que se soma ao fato animador de que dentre os pesquisados, 64 % informaram que passaram a ter novos alunos que não frequentavam as aulas até o início do isolamento, compensando em alguma medida a perda de participantes que não aderiram à modalidade não presencial.

64% professores e professoras passaram a ter novos alunos/as

Uma nova realidade Feito esse panorama inicial, percebe-se que essa não é uma realidade “quebragalho” apenas ou que serviu como uma alternativa apenas para o período que o isolamento durar. Desse universo de pesquisa, 71 % pretende continuar com aulas nessa modalidade mesmo depois da retomada das atividades presenciais. E para isso, 80% sente necessidade de mais preparação para atuar com as aulas no ambiente virtual.

71%

80%

Pretende continuar realizando

Sente necessidade de formação

aulas on-line

para atuar na modalidade on-line

Uma nova realidade

| 06


Desafios desse novo modelo Se esse cenário revela que a modalidade de aulas on-line se estabeleceu de modo concreto e parece ter vindo para permanecer, a pesquisa indicou algumas percepções que têm sido notadas como obstáculo para a devida efetivação e ampliação. Os maiores entraves indicados incluem as dificuldades de conexão da internet, com metade das respostas. A seguir a necessidade de adaptação das metodologias de ensino adotadas para uso virtual com 43 %, além do desinteresse do público 41 % e dificuldades/ desconhecimento de recursos e plataformas 28 %.

Festivais e mostras auxiliam o trabalho Além da superação desses entraves, 81% dos professores/as que participaram da pesquisa indicaram que mostras e festivais virtuais auxiliam na manutenção e ampliação de aluno/as. Esses eventos, competitivos ou não servem de incentivo e estímulo para a continuidade do trabalho de aula, especialmente o coreográfico, criando um espaço de visibilidade e compartilhamento do trabalho desenvolvido pelas aulas e que tinha no palco essa possibilidade de impulsionamento e mobilização. Desafios e Festivais

| 07


Considerações Finais Esses são dados preliminares dos dados de caráter quantitativo. Ainda há de se analisar as inúmeras respostas de caráter qualitativo que sinalizam detalhamentos dessas experiências especialmente quanto à relação da condução das aulas e superação das dificuldades dessa modalidade. Dentre as questões parciais apontadas são citadas a dificuldade de foco por parte dos aluno/as, a tolerância menor ao tempo de duração das aulas e dificuldade de observação individual e orientação devida de cada aluno/a. Enfim, são dados que esperamos que permitam perceber um pouco melhor que as aulas on-line de dança se tornaram uma realidade efetiva e que não se limitam como uma alternativa exclusiva ao tempo desse contexto de isolamento social. Esse contexto revela ainda que essa modalidade tem permitido a manutenção financeira de muitos profissionais de maneira parcial ou até integral como antes do período do isolamento e apontou para uma abrangência de novos públicos como uma possibilidade efetiva e promissora. Que esses dados possam auxiliar a se pensar incrementos, práticas e subsidiar pessoalmente artistas, educadores, empreendedores ou mesmo universidades e setores públicos a ultrapassar as suposições e poder começar a reunir dados para ações mais próximas dessa realidade. Como foi colocado no início, esse é um movimento modesto que esperamos dar sequência, enfrentando a complexidade de coleta e análise de dados que envolvem esse contexto virtual, especialmente no que se refere ao distinto impacto da exclusão digital nas diferentes classes sociais; das especificidades da experiência para quem participa como aluno/a dessas aulas e, mais ainda, o que tem impedido ou desinteressado o engajamento nessa modalidade (para além do fato de não serem presenciais). Igualmente importante acreditamos ser importante entender como cada estilo/modalidade/linguagem vem lidando com esse contexto, pois as soluções e obstáculos para o balé são diferentes das danças de salão em muitos aspectos e talvez similares em outros.

Considerações finais

| 08


Dança on-line apresenta potencialidade Por fim, julgamos oportuno salientar que reconhecer a potencialidade do ensino da dança virtualmente não é buscar a substituição das atividades presenciais, mas sim entender o papel e qualificar os recursos virtuais no que tange ao ensino da dança. Não é a mesma coisa que fazer aula ao vivo, presencialmente, isso é fato, mas esse universo pode agregar desde rendimentos financeiros, novas e necessárias metodologias, enriquecimento de perspectivas não exploradas inclusive de alcance e ampliação de público. Para isso é tão necessário sabermos com o que estamos lidando e como tudo isso está se dando.

Aspectos positivos "Minhas alunas estão dançando todos os dias. A economia com deslocamento e a possibilidade de acessar aulas e alunos que estão muito distantes fisicamente.” “Não perder horas de deslocamento no trânsito, e com ônibus que não passa, poder fazer refeições em casa...” “Poder alcançar pessoas de outros estados ou regiões que não conseguiriam fazer presencial.” “Desenvolvimento de um produto novo, algo que continuaremos a oferecer após este momento, utilização da tecnologia em outro nível de envolvimento.” “Envolvimento que os pais estão tendo com as crianças. Pois se eles não ajudam a aula não funciona, isso acaba com que o país se envolva mais com a arte de dançar.” “Poder trabalhar em casa” “A adesão de alunos foi maior do que eu imaginava e a possibilidade de enviar material pré- gravado aumenta o aproveitamento do recurso humano.” Potencialidades e Aspectos positivos

| 09


“O aprendizado de uma nova forma de dar aula, a reinvenção do professor, busca de novos formatos, novos caminhos, perder o "medo" da câmera, aproximação das plataformas virtuais.” “Gosto muito da possibilidade de apreender a questionar meu próprio trabalho e negócio com dança, ampliando assim meus recursos e capacidade de me colocar no mercado com maior segurança, autonomia e independência.” “Manter os alunos em Movimento, em casa e interessados na arte de dançar. Também ter a oportunidade de mostrar à um novo público o quanto a dança é importante é acessível à qualquer corpo.” “O vínculo que estamos formando está sendo para além da dança e a maneira com que venho desenvolvendo as aulas está sendo muito mais humanizada e com isso eu também estou mudando para melhor.”

Aspectos negativos “A desigualdade social que mais uma vez, seleciona quem pode ter acesso ou não.” “O tempo de resposta/interação no online eu acho bem complicado, não conseguir dar a atenção devida por vezes, por perder alguma fala, algum movimento.” “Muitas vezes a desmotivação de alunos em função de não ter contato direto/presencial com professor e espaço ideal pra praticar a atividade.” “A dificuldade inicial de lidar com a plataforma e espaço físico para as filmagens.” “Não estar preparado para ministrar online, seja com espaço, adaptando a metodologia e possibilidades de edições nós vídeos ao até lives.” “A grande maioria das pessoas buscam atividades gratuitas. Para ser um produto/serviço vendável tem que ter ótimas estratégias de venda.” “Meu público é Infantil. Preciso do pai presente pra aula acontecer e com isso acaba que os pais não tem paciência e a aula não acontece.” Aspectos positivos e Aspectos negativos

Pretende coinuar realizando aulas

| 10


“Você se torna refém da tecnologia” “Passo muito tempo no celular, computador e tive que duplicar a criação de conteúdo para manter o interesse das alunas.” “As vezes a conexão da internet falha, comprometendo um pouco o decorrer das aulas.” “O trabalho online é muito mais exigente e desgastante, requer muito mais material e atenção de ambas as partes.” “O desgaste é muito maior do que em aulas presenciais.” “A baixa no número de alunos e consequentemente de renda.” “O contato presencial na dança de salão se faz necessário, mas dentro do atual contexto, as aulas de técnica funcionam. O abraço não acontece, faz falta.” “O som do sapateado foi muito prejudicado, não consigo escutar meus alunos em função do delay virtual.” “Falta de uma ferramenta de streaming especifica para aulas de dança”

Por fim...

Que

essa

pesquisa

possa

colaborar

no

sentido

de

pensar/entender/problematizar como o ensino da arte da dança nesses novos tempos pode adentrar a intimidade/privacidade com delicadeza e cuidado de trocas e partilhas.

Aspectos negativos/ Por fim

| 11

Pretende coinuar realizando aulas


Quem somos

Airton Tomazzoni – jornalista, coreógrafo e gestor

cultural. Dirige o Centro Municipal de Dança de Porto Alegre/SMC desde 2005. Doutor em Educação pela UFRGS (2009) Mestre em Processos Midiáticos pela Unisinos (2003) e Graduado em Comunicação Social – jornalismo pela PUCRS (1993). Como pesquisador vem se dedicando

especialmente

investigar

a

relação

do

processo de midiatização com a dança. Coordenador da série Escritos da Dança.

Atuou em várias áreas da

Secretaria Municipal da Cultura, como Coordenação do Livro e Literatura (1993-1997), de Artes Cênicas (19972001). Autor do blog Cena.TXT.

Ilza do Canto - Relações Públicas, formada pela UFRGS

e bailarina clássica, formada pela Escola Municipal de Bailado de São Paulo. É Técnica em Comunicação Social da Prefeitura de Porto Alegre (1992), atua no Centro de Dança/SMC, desde 2016. Experiência de 25 anos como gestora pública com atuação no Executivo Estadual (Secretaria Executiva do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social do RS), Câmara Municipal de Porto Alegre e na Comunicação Social da Prefeitura de Porto Alegre. Foi professora substituta de Relações Públicas da Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação da UFRGS (2005/2006) e atuou em planejamento e atendimento no mercado publicitário gaúcho.

Quem somos

| 12


Expediente Prefeitura Municipal de Porto Alegre - Secretaria da Cultura Centro Municipal de Dança de Porto Alegre Elaboração do questionário e levantamento dos dados: Airton Tomazzoni Análise dos dados: Airton Tomazzoni e Ilza do Canto Elaboração dos Gráficos e Projeto Gráfico: Ilza do Canto Revisão: João Augusto Pereira

Porto Alegre - RS - Agosto/2020


Turn static files into dynamic content formats.

Create a flipbook
Issuu converts static files into: digital portfolios, online yearbooks, online catalogs, digital photo albums and more. Sign up and create your flipbook.