Cadernos da FEI - Nº 06

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Implantação do Centro Universitário Pedagogia Inaciana e Educação Experiências de sucesso


CADERNOS DA FEI Fundação Educacional Inaciana Pe. Sabóia de Medeiros

Presidente Pe. Theodoro Paulo Severino Peters, S.J. Coordenação Editorial Prof. Ayrton Novazzi Prof. Flávio Vieira de Souza Profª Neyde Lopes de Souza Arte final, diagramação e fotolitos IRESI, Instituto de Relações Sociais e Industriais Cleonice Molina Matos Lilian Toshiko Leffer Silvana Vieira Mendes Arruda Fotos Fábio Zerloti Jesus Perlop Júnior Garcia

Endereço para correspondência Av. Humberto de Alencar Castelo Branco, 3972 CEP 09850-901 – Bairro Assunção – S.B.Campo – SP E-mail: iresi_sbc@fei.edu.br


CONTEÚDO Implantação do Centro Universitário Mensagem do Presidente ..............................................................................................................07 Discurso de posse do Reitor..........................................................................................................11 A voz do Presidente Identidade da Universidade Católica e Inaciana ...................................................................14 Novas respostas para novos desafios ........................................................................................19 Homilia para a Eucaristia de Santo Inácio de Loyola ...........................................................21 Educação Universitária Chaves da Pedagogia Inaciana ....................................................................................................23 Refletindo à luz do ensino social cristão ..................................................................................27 Sala de aula: uma morte anunciada? .........................................................................................31 O Ensino Superior da Química na concepção pedagógica inaciana .............................33 Pensamento Filosófico Pe. Vaz, filósofo brasileiro ..............................................................................................................36 Fé & Razão ...........................................................................................................................................39 Experiências de Sucesso Curso extracurricular de Fenômenos de Transporte ...........................................................41 Veículos experimentais projetados por estudantes fazem sucesso no 22º Salão Internacional do Automóvel de São Paulo ..........................................................43 Aluno da engenharia têxtil foi um dos ganhadores do Prêmio Rieter 2002 ...............44 Alunos da Engenharia recebem menções honrosas............................................................46 Hurricane – the hovercraft ...........................................................................................................49 Mini Baja: um desafio para universitários, um triunfo das equipes do Centro Universitário da FEI ..........................................................................................................................50 Esporte & Lazer Futebol Brasileiro, uma obra dos jesuítas? ..............................................................................51 In Memoriam Prof. Ferreira Filho ............................................................................................................................54 Monsenhor José da Conceição Paixão ......................................................................................55 Decálogo para a Paz .................................................................................................................................. 56



Ao leitor Estes Cadernos estão aparecendo pela sexta vez. Este ano, com grandes novidades. Primeiro, o Centro Universitário. Implantado em 30 de janeiro de 2002, ele já começa com a experiência de mais de 50 anos, consolidando e ampliando a tradição da Faculdade de Engenharia Industrial, das Escolas Superiores de Administração de Negócios (São Paulo e São Bernardo do Campo) e da Faculdade de Informática. O Presidente da Fundação, Pe. Theodoro Peters, S.J., e o Reitor Prof. Dr. Marcio Rillo, em seus discursos inaugurais, apontam as metas e os caminhos desta nova etapa de nossa existência. Depois, o nome. A Fundação de Ciências Aplicadas desde abril de 2002 tem nova denominação: Fundação Educacional Inaciana Pe. Sabóia de Medeiros. Além da justa homenagem ao iniciador destas obras, caracteriza com clareza o vínculo delas com a Companhia de Jesus e sua missão educadora. Publicamos neste número também artigos que denotam nossa preocupação permanente com a identidade de nossa instituição, com a pedagogia inaciana, com o ensino social cristão, a sã e comprovada didática. Como em edições anteriores, relatamos projetos e eventos que marcaram nossa vida acadêmica em 2002. Especial destaque para nossa participação no Salão do Automóvel, em outubro, que atraiu a atenção da mídia e do empresariado sobre o carro com comando de voz em português, trabalho em conjunto de nossos professores e alunos com a Genius Instituto de Tecnologia de Manaus.Igualmente dignas de citação são as menções honrosas no Simpósio de Iniciação Científica em São Carlos, e no concurso aeronáutico de São José dos Campos. Como em 2001 o Centro Universitário obteve expressivos resultados no Concurso Mini Baja, no Brasil e nos Estados Unidos. Grande repercussão teve também o hovercraft, projetado e construído pelo Depto. de Mecânica. Prestamos homenagem ao Prof. Ferreira Filho, falecido em julho, figura de proa em nossa Instituição e ao Pe. Vaz, eminente jesuíta, símbolo da vitalidade filosófica. Enfim, em 2002 o Ginásio de Esportes completou 20 anos. Não poderíamos esquecer este evento tão importante para nossa vida comunitária.



Mensagem do Presidente Alocução proferida na implantação do Centro Universitário da FEI campus São Bernardo do Campo, 31 de janeiro de 2002 Pe. Theodoro Paulo Severino Peters, S.J., Reitor da UNICAP e Presidente da FEI

INTRODUÇÃO O final desta manhã de janeiro é a ocasião desta assembléia acadêmica solene para a implantação do Centro Universitário da Fundação de Ciências Aplicadas. O UNIFEI foi credenciado pelo Ministério da Educação no dia 5 de dezembro p. p., e a publicação saiu no dia 7 do mesmo mês, no Diário Oficial da União. O UNIFEI, estatutariamente, organiza em departamentos as Escolas e Faculdades históricas, a partir das quais a FCA atuava ao longo dos últimos cinqüenta anos de formação da juventude. Deram-se, então, os passos necessários para que os recursos humanos e materiais fossem reconhecidos e valorizados. A curto prazo, os centros de formação de ensino médio e profissional, como os diversos institutos de pesquisa e extensão, convergirão, em suas atividades fins, à Reitoria do UNIFEI. Concretiza-se, assim, por um lado, a aspiração coletiva dos corpos docente, discente e funcional de dar o passo decisivo para a formação da nossa

futura Universidade; e, por outro lado, atende-se ao desejo de autonomia acadêmica necessária para o bom e objetivo relacionamento entre a Instituição de Ensino, Pesquisa e Extensão e a sua mantenedora, a Fundação de Ciências Aplicadas. Foi um belo processo de participação desde a revisão dos antigos estatutos das escolas e faculdades à luz das exigências da nova Lei de Diretrizes e Bases de 1996 até a elaboração do Projeto ora implantado. Entre as exigências do Exame Nacional de Cursos destinado aos estudantes, as visitas dos especialistas sobre as condições de oferta dos cursos destacavam a qualidade e coerência dos programas, a qualificação do corpo docente e sua dedicação ao ensino, à pesquisa e à extensão. Com relação às diligências específicas para verificar o atendimento às sindicâncias baixadas pela SESU e pelo CNE, pode-se afirmar que foi um longo aprendizado para as entidades visitadas e para a própria FCA. Os responsáveis pelos cursos e os assessores da FCA percorreram longo itinerário para tomar realidade a festa de hoje. Meu

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reconhecimento sincero a todos e a cada um pelo trabalho dedicado, pela generosidade na orientação assumida de colocar à disposição de todos as informações e métodos desenvolvidos ao longo do tempo de exercício das respectivas funções. A FCA passa a tratar de todos os assuntos acadêmicos diretamente com o Reitor, sem a necessidade de mediações, consideradas, agora, etapas superadas. Foi possível estudar bem para estatutária e regimentalmente situarmos as funções, autoridade e responsabilidade, evitando atritos e situações limites. Creio que foram definidos os percursos para caminhar bem.

QUAL O CAMINHO A SER SEGUIDO?

Muitas pessoas se interrogavam sobre o que vai acontecer agora. A resposta óbvia é a vontade de crescer em qualidade naquilo que já vínhamos realizando. O credenciamento como centro universitário nos permite vencer uma etapa articulando nossas forças e ações, visando a formar melhor a juventude, cooperar mais eficientemente para a transformação da nossa sociedade e colaborar intensamente para que todos formem uma Comunidade Acadêmica com seus professores, pesquisadores, estudantes, corpo funcional administrativo e técnico. Uma comunidade não é um agregado de pessoas, é, acima de tudo, um estado de espírito motivador de cada um dos participantes a oferecer o melhor de si para realizar a missão recebida e, assim, desenvolver plenamente suas potencialidades, realizando-se como pessoa humana e como profissional competente. Uma escola superior é avaliada principalmente pela qualidade ética e maturidade solidária de seus antigos alunos no exercício competente de sua profissionalização, assumida como serviço à sociedade como um todo. O Centro vai

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favorecer o necessário trabalho interdisciplinar e multidepartamental dos docentes e estudantes para que se adquira uma visão de conjunto dos problemas e das soluções em cada conjuntura vivida.

COMO PROCEDER PARA BEM CAMINHAR? Nossa instituição foi sonhada por um grande jesuíta, o padre Roberto Sabóia de Medeiros S.J. Em 1941, ele quis trazer para o Brasil a sua experiência acadêmica de Harvard para implantar a formação de administradores e fomentar o crescimento do parque industrial paulista com a preparação de engenheiros industriais que permitissem ao Brasil dar largos passos no seu desenvolvimento. Foi uma opção

inovadora para contribuir com capital humano de qualidade para o crescimento industrial brasileiro. Acreditou que, com pessoas bem preparadas, o Brasil caminharia para superar a estagnação e dependência tecnológicas em que se encontrava. Ousou superar a mesmice forjando cursos que seriam os embriões de tantos outros que se lhe seguiram.

A FONTE DE INSPIRAÇÃO Citando o inspirador, necessariamente chega-se à fonte de sua inspiração: o carisma comum de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus, com seus primeiros companheiros. Inácio fez uma profunda experiência espiritual de Deus, que o levou à comunhão inteligente e solidária com o próximo. Inácio é a fonte na qual Sabóia hauriu seu otimismo, sua vontade de mudar a realidade, sua intencionalidade construtora de novos horizontes, sua confiança em que a pessoa humana pode desenvolver todo seu potencial e modificar a situação na qual vive, sofre, ama,


QUAIS OS SINAIS QUE APONTAM O NOSSO CAMINHO, COM SEGURANÇA?

pelo dom de si ao outro e olha paradoxalmente sua perfeição, e esta se realiza quando já não é necessária porque o menino alcançou o grau de liberdade que o torna capaz de governar-se por si mesmo. O mesmo paradoxo condiciona a relação entre mestre e discípulo, entre professor e estudante. A autoridade do professor depende de sua capacidade de pôr toda sua ciência a serviço do estudante, ainda que com risco de que um ou outro estudante supere o mestre em saber, fato com o qual o professor deveria alegrar-se. Assim, o paradoxo se concretiza. A autoridade existe e subsiste à medida que dá e entrega o que recebeu. Se, pelo contrário, guarda para si o dom recebido, fecha-se numa auto-suficiência prepotente utilizando sua capacidade para seus próprios fins, torna-se

Chegou ao meu conhecimento um artigo do Padre Geral dos Jesuítas sobre a tentação do poder. Passo a citá-lo, porque pode ter alguma valia para nosso trabalho. Eis o texto aqui transcrito: “Existe um paradoxo comum a todo e qualquer tipo de autoridade. A origem da própria palavra o revela. A autoridade desdobra-se para tornar o outro autor de si mesmo, para aumentar no outro sua capacidade de ser e tornar-se pessoa humana. Então a autoridade deve empobrecer-se para enriquecer o outro até o ponto em que alcance sua finalidade quando o outro é capaz de tomar o peso e assumir, por sua vez, o serviço que toda autoridade é chamada a prestar na sociedade humana. Os meninos não se tornam homens sem a autoridade dos pais; se essa autoridade se reduz ao mero exercício do poder e domínio, não se dará a verdadeira educação, que consiste em fazer vir à tona os talentos e possibilidades que estão ocultos no interior do menino. (…) a autoridade é exercida

autoritária e abusa do poder. Junto ao fato de negar-se a dar, existe também o caso de uma autoridade que já não tem nada para repartir e se aferra à letra da lei ou à força militar e ditatorial” 1. Desse modo, percebemos nitidamente a necessidade de caminharmos com critérios de quem sabe para onde dirigir-se, usando os meios adequados e à altura dos valores humanos e cristãos, consagrados pelo Evangelho de Jesus e pelo senso comum da convivência milenar da humanidade. A humanidade, quando só, ficou à deriva da fraternidade solidária, aderiu à lei do mais forte e à tendência do mais fácil. Encurtou caminhos a serem seguidos ao longo da vida e das gerações para construir e sedimentar continuamente a paz e o acesso aos bens e serviços a todas as pessoas, a partilha das riquezas naturais da criação a todos que vêm à luz da vida. A história dos nossos cursos leva-nos a um olhar atento à preservação da natureza, propiciando o uso da tecnologia e da adminis-

reflete, interage. Sabóia lançou o que outros não lançaram, gastou-se pela idéia-luz que o dirigia. Sabóia morre consumido por um câncer ao abrir a porta de sua residência na Igreja São Gonçalo, em São Paulo. Morreu o autor, a obra prosseguiu graças ao apoio lúcido e decidido de seus seguidores, dos beneficiários de suas idéias. Hoje, prosseguimos a mesma missão, a Fundação de Ciências Aplicadas está umbilicalmente ligada à Companhia de Jesus e cuida para que os valores fundamentais da missão de Inácio, de Sabóia e de seus seguidores permaneçam vivos e sejam cultivados para o bem-estar da sociedade humana.

1. Peter Hans Kolvenbach “A tentação do poder” – Informativo Província do Sul, pág. 10-11, Jan/Fev 2002

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tração de negócios em vista à consolidação do desenvolvimento sustentável, verdadeira atitude de vida pessoal e profissional.

COM QUEM CAMINHAR? O UNIFEI é apresentado a toda a Comunidade Acadêmica e à Sociedade como desejo de muitas gerações de nossos formados e formadores, de nossos colaboradores e curadores. Instala-se na rocha da experiência da longa tradição firmada no ensino, na pesquisa e na extensão, e assina a história com o apoio à formação da juventude empreendedora tanto no campo da pesquisa como da indústria. Os diversos convênios firmados para desenvolvimento da pesquisa industrial,

e treinamento em estágios sofisticados testemunham a pujança do nosso corpo docente, discente e funcional. Caminhamos como comunidade aberta ao diálogo e ao crescimento nas relações internas entre as pessoas da própria instituição, consolidando, inteligentemente, os laços para maior interação e melhores resultados. Desejamos formar uma comunidade coesa, indutora de estudos sérios e produtora de conhecimentos, de inventos inovadores para usufruto de toda a população. Queremos uma comunidade acadêmica interagindo com outras comunidades acadêmicas homólogas, partilhando o árduo trabalho científico, usando em comum nossas boas energias e recursos humanos e laboratoriais na produção científica. O UNIFEI está sediado em São Bernardo do Campo e possui campus instalado em São Paulo. O seu credenciamento o coloca em sintonia fina com a melhora da qualidade de vida das duas cidades. Por outro lado, uma instituição universitária não é uma prefeitura, um governo, 2. Rubens Ricupero - “Lições de Humildade” - Folha de São Paulo - 06.01.02

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mas oferece assessoria de qualidade em projetos necessários para o bem-estar da população. O nosso centro universitário caminha internamente coeso e aberto ao diálogo com toda a sociedade, assumindo seu compromisso de trabalho sério gerador de novos horizontes nos desempenhos humano, profissional e social daqueles a quem formamos e com quem interagimos.

CONCLUSÃO Nosso otimismo tem fundamento. Estamos enraizados na tradição educativa da Igreja Católica, partilhamos os quinhentos anos de experiência da Companhia de Jesus. Conhecemos nossa identidade original e colocamos em comum nossa missão ou desejo maior a

ser buscado: universidade de verdade, testada na qualidade da produção de conhecimentos inovadores, da iniciação científica de seus estudantes, da indução à adesão dos valores sustentáveis da boa convivência humana e cidadã. Descobriremos, nos próximos anos, nossa vocação de cooperadores para que toda a sociedade seja reconhecida como desenvolvida e todos os seus membros, um dia, possam partilhar do banquete do conhecimento e da vida em iguais condições de acesso, segundo suas qualidades e desempenho. Oxalá, um dia, o nosso Brasil possa realizar a façanha que nenhum país conseguiu, ou seja, integrar seus milhões de humilhados e ofendidos a instituições que lhes garantam um mínimo de bem-estar, justiça e participação2. Com olhos voltados para nossa utopia a ser realizada com a inteligência, a sensibilidade e a vontade de todos nós, declaro solenemente implantado o Centro Universitário da Fundação de Ciências Aplicadas - UNIFEI.


Discurso de Posse do Reitor Pronunciamento do Reitor por ocasião da implantação do Centro Universitário da FEI, ocorrida em 30 de janeiro de 2002 Prof. Dr. Marcio Rillo, Reitor do Centro Universitário da FEI

Senhoras e senhores, É com grande alegria que partilhamos com todos os presentes este importante momento de nossa Instituição. Para que se compreenda bem a importância da criação deste Centro Universitário é fundamental o conhecimento da trajetória das escolas que o antecederam. Em 1941, portanto há cerca de sessenta anos, o Pe. Sabóia de Medeiros, fundou a primeira escola de administração de empresas do Brasil, a Escola Superior de Administração de Negócios de São Paulo. Poucos anos após, em 1946, antevendo as transformações nos processos produtivos pelas quais o Pais passaria, criou a Faculdade de Engenharia Industrial. Após alguns anos, a FEI foi associada à Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, mas já no início da década de 70 voltava à condição de escola isolada, gerida pela Fundação de Ciências Aplicadas. Nessa época, os cursos de engenharia

foram transferidos para este campus em São Bernardo, no qual foi também criado outro curso de administração de empresas, com a Escola Superior de Administração de Negócios de SBC e, recentemente, um curso de ciência da computação, com a Faculdade de Informática. A qualidade do trabalho que se desenvolveu nestas faculdades pode ser verificada de inúmeras maneiras como, por exemplo, a importância da ESAN quando começaram a surgir outras escolas de administração no país, os projetos tecnológicos realizados pela FEI durante várias décadas, a importância dos cursos de engenharia para o desenvolvimento do setor industrial do ABC e do setor automobilístico nacional, o permanente sucesso dos alunos em eventos nacionais de Iniciação Científica e em competições nacionais e internacionais na área automobilística. Mais de 35.000 profissionais foram formados nestas Faculdades. Desde o início do Exame Nacional de Cursos, o Provão, até hoje apenas alunos de duas instituições não governamentais

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conseguiram nota A nas áreas de engenharia: a FEI e a Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro. Certamente não por coincidência, as duas são escolas de orientação jesuíta. Por não ser uma instituição com fins lucrativos, pode, apesar das recentes alterações na legislação sobre instituições filantrópicas, oferecer aos seus alunos moderníssimos laboratórios, excelente apoio computacional para ensino, bolsas para aperfeiçoamento científico, para aperfeiçoamento didático e para atividades sociais de extensão, apoiar o aprimoramento do corpo docente e montar todos os cursos com elevado padrão acadêmico. A visão extraordinária do Pe. Sabóia seguida, entre outros, pelo trabalho de quase três décadas do saudoso Pe. Aldemar Moreira

o claro objetivo de agregar as competências existentes nestas quatro faculdades e dar os primeiros passos para a implantação de uma universidade de altíssimo nível acadêmico e tecnológico, sob a orientação da Companhia de Jesus. Embora um Centro Universitário possua grande autonomia, não existe no plano de desenvolvimento institucional apresentado ao MEC nenhum crescimento desordenado de vagas, comum em instituições que conquistam tal autonomia. Existe sim neste plano de desenvolvimento grande aporte de verba para institucionalizar linhas de pesquisa, criar cursos de pós-graduação stricto sensu e fornecer meios para a formação completa de nossos alunos. Um ponto importante é conscientizar

deixaram à Companhia de Jesus uma enorme responsabilidade, depositada hoje nas mãos do Pe. Theodoro Peters, que, com o apoio do Conselho de Curadores da FCA e de uma ativa Diretoria Executiva, está sedimentando o trabalho de seus antecessores e atuando, principalmente, em dois aspectos da missão inerente a instituições jesuítas de ensino superior que são: a) formação completa do aluno, formando-o como ser humano preocupado com a sociedade b) melhoria acelerada da qualidade

nossos alunos e colaboradores de que uma visão mercantilista não pode influenciar a postura da instituição perante a sociedade. Em coerência com este princípio, cabe primeiro à própria universidade católica jesuíta não ceder às pressões de um mercado consumidor de mão-de-obra, correndo o risco de se transformar em um supermercado intelectual a que os consumidores recorrem para se prover de produtos pontuais. A missão da instituição é que determina nossa oferta. O atendimento às necessidades que a sociedade tem de trabalho altamente qualificado deve ser analisado à luz da missão institucional.

A GÊNESE DO CENTRO UNIVERSITÁRIO Foi sob a orientação da Diretoria Executiva da FCA e do seu Conselho de Curadores, orientação essa transmitida sábia e serenamente pelo Pe. Theodoro Peters e pelo Dr. Pedro Kassab, que foi montado, com o auxílio de toda a comunidade interna, o projeto de transformação destas quatro faculdades no Centro Universitário UNIFEI. Assim, este Centro Universitário surge com

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A MISSÃO INSTITUCIONAL A missão de uma instituição de ensino superior jesulta é formar, para a melhoria constante da sociedade, profissionais de elevada qualidade humana, ética e profissional. Deve ainda incluir a perspectiva da missão jesuíta, definida como o serviço da fé e da promoção da justiça.


Diante dos acontecimentos de 11 de setembro último, dos recentes acontecimentos em Santo André, de eventos silenciosos como a morte por desnutrição de milhares de crianças a cada dia, uma instituição como a nossa jamais poderá se omitir, e deve formar indivíduos preocupados com a melhoria da sociedade e que possam influir decisivamente nesta melhoria. Os egressos poderão ser mais influentes nos destinos da sociedade quanto melhor for, a par de sua preocupação social, também sua formação acadêmica. A excelência acadêmica é irrenunciável, assim como é a fidelidade à missão institucional. Não se trata de escolher entre excelência acadêmica ou o serviço aos pobres, mas deve-se conciliar objetivos.

precederam, para a melhoria da sociedade através de ações nas quais possa agregar todo ou parte do conhecimento institucional existente. Particularmente importante deverá ser o apoio à transformação do setor produtivo da região do ABC, sobretudo naquilo que agregar alto valor tecnológico nas áreas em que o UNIFEI possui competência reconhecida. Dentro deste contexto, cabe à reitoria manter o centro universitário coeso no cumprimento da missão institucional, assegurar a constante melhoria da qualidade acadêmica, estimulando a criação de conhecimento e projetos interdisciplinares. Como a missão institucional é o auxílio à sociedade, a universidade jesuíta deve neces-

Para atingir os objetivos determinados pela missão institucional é fundamental que o corpo docente esteja impregnado pela beleza da missão institucional, independentemente de suas convicções religiosas e das dos alunos. Embora se possa dizer o mesmo dos dirigentes e funcionários, não há dúvidas que o ator central é o professor. Assim, um professor que não compreenda a importância de ser educador ou que não tenha amor ao saber, o que o leva a um constante aperfeiçoamento de seus conhecimentos, decididamente NÃO serve para uma instituição como a nossa. Para o cumprimento desta missão em sua plenitude são necessárias ainda harmonia e dedicação.

sariamente ter uma perfeita compreensão dos desafios que se apresentam, cabendo à reitoria manter toda a comunidade em constante reflexão sobre os desafios que a sociedade enfrentará, definindo as ações pertinentes.

O CENTRO UNIVERSITÁRIO E A SOCIEDADE A missão coloca a instituição frente à sociedade não apenas através de seus egressos, mas também como instituição que participa desta sociedade. O UNIFEI certamente contribuirá, assim como o fizeram as faculdades que o

CONCLUSÃO Portanto, este Centro Universitário surge para agregar as competências existentes num clima de harmonia, compreensão dos objetivos institucionais e de altíssima qualidade de ensino e pesquisa, associada a uma forte interação com a sociedade. Assim, estejam todos certos de que este grupo que hoje inicia a gestão do UNIFEI terá sempre em mente as sábias palavras do Pe. Sabóia de Medeiros, fundador desta instuição: o que já foi feito não é suficiente, o que falta nos angustia.

Que Deus nos ilumine nesta trajetória Obrigado pela atenção de todos.

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Identidade da Universidade Católica e Inaciana Palestra apresentada no Seminário do NEAL, realizado em junho de 2002 em Montevideo, Uruguai, na Universidade Católica. Pe. Theodoro Paulo Severino Peters, S.J., Reitor da UNICAP e Presidente da FEI INTRODUÇÃO

“Em um mundo em que ... a secularização e a descristianização ganham cada vez mais terreno ... o tema da identidade de nossas universidades ... saltou ao primeiro plano. Posso dizer que nunca, como nestes últimos anos, as Universidades da Companhia mostraram tanta preocupação em aprofundar e pôr em manifesto sua identidade católica, cristã, jesuíta ou inaciana”. Pe. Kolvenbach, Roma, 27 maio 2001

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“O que somos?” parece uma questão simples, porém complexa na hora de responder, pois é preciso indagar a indagação. Como não saber o que somos? Não é possível um ser espiritual existir sem saber o que é; nesse caso, não sendo dotado de reflexão, não seria espiritual nem humano. Por igual motivo, uma Instituição, obra do espírito, organizada em torno de uma idéia que ganhou corpo no mundo social, não pode ignorar o que é. Talvez fosse necessário reformular a pergunta para entender que a indagação sobre “o que somos” se refere ao que “devemos ser”, ao comparar nossa existência empírica com nossa essência ideal. Realmente, a maneira indicada para responder à pergunta específica sobre o que realmente somos seria uma pesquisa empírica, um levantamento, o quanto possível exaustivo, de nossas atividades, projetos e avaliação. Mas, quando se fala da “identidade” ou “natureza” da universidade católica ou inaciana, trata-se da essência ideal, do seu conceito normativo. Contudo, por que surge, agora, essa preocupação com nossa identidade? Quando se criavam universidades, é de supor que seus fundadores sabiam o que estavam fazendo: criavam uma instituição, isto é, instituíam ou estruturavam uma idéia no mundo social.


Portanto, há sempre uma reflexão implícita na própria estrutura de uma universidade: uma idéia geratriz, que deu motivação e lineamentos para sua constituição. Mas essa idéia é antes vivida do que explicitamente formulada: tornase uma segunda natureza, uma atitude natural e espontânea. O fato de que uma instituição se preocupe tanto em indagar sobre sua natureza parece indicar que atravessa uma crise de identidade, ou pelo menos, que enfrenta novos desafios não previstos por seus fundadores. As mudanças de época, de paradigmas, de referenciais que abalam os fundamentos de uma cultura, repercutem em todas as suas instituições. É isso o que se ganha em ter suas raízes no tempo: crescer como um projeto histórico é também sofrer as vicissitudes da história. Muita transformação sacudiu os fundamentos de nossa cultura atual. Na esteira de nossa modernidade, vieram o laicismo, o cientifismo, o secularismo, o ateísmo que atingiram com toda a sua força sobretudo o meio universitário. O pragmatismo, a cobrança de resultados e de produtividade, a onipresença do mercado e da sua “racionalidade econômica” instrumental, o espírito de competição, a tecnocracia que tudo invade não oferecem atmosfera propícia aos ideais humanistas das nossas universidades. Aliás, o humanismo, que teve seu destino ligado ao das universidades, é hoje rejeitado e mesmo levado ao ridículo pelos novos “donos do saber”, pelos pós-modernos de todo tipo. Assim, nessa grave crise de cultura, é normal que as Universidades Católicas entrem em crise de identidade e indaguem qual é seu papel e projeto num mundo tão avesso a seus ideais. Na minha opinião, para o surgimento dessa problemática, talvez maior ou tão importante quanto a crise foi o sentimento de esperança e de renovação que despertou, na Igreja e na Companhia, a aproximação do terceiro milênio. É notável que isso tenha acontecido na última década do século XX. Anteriormente, era muito difícil encontrar textos do Magistério Pontifício,

ou do Geral dos Jesuítas que esclarecessem nossa identidade, como também eram raras as exposições sistemáticas das universidades católicas e inacianas sobre o que eram ou pretendiam ser. Nos anos 90, apareceram textos importantes e luminosos da Santa Sé, como as duas cartas do João Paulo II, “Ex corde Ecclesiae” e “Fides et Ratio”. Por outro lado, o Pe. Geral Kolvenbach não se cansou de produzir alocuções, sobretudo em suas viagens, sobre sua idéia da universidade inaciana. É de notar que o Pontífice anterior, Paulo VI, apesar de ser um intelectual de qualidade, não deixou documentos sobre o assunto, e que o Pe. Arrupe, Geral de um dinamismo nunca visto, não se preocupou especialmente com nossas universidades. Foi também nessa década que surgiu o Documento da AUSJAL, “Desafios da América Latina e a Proposta Educativa da Ausjal”, que analisava os problemas do continente e propunha a linha de atuação das universidades inacianas. A longa elaboração desse documento acompanhou a preparação da C.G. XXXIV, sendo publicado durante sua realização.

OS DOCUMENTOS PONTIFÍCIOS 1 – “Ex Corde Ecclesiae” “Nascida do coração da Igreja, a Universidade Católica insere-se no sulco da tradição que remonta à própria origem da Universidade como Instituição, e revelouse sempre um centro incomparável de criatividade e de irradiação do saber para o bem da humanidade.” Essas palavras, que abrem a Constituição Apostólica de 1990, mostram o tom do documento e revelam o apreço do Papa pela Universidade Católica. Trata-se, com efeito, de uma “Charta magna”, pela abrangência com que desenvolve os aspectos essenciais da universidade, – temas tratados tantas vezes por outros, mas que aqui encontram uma forma definitiva, magistral. É um documento compacto, que em poucas frases

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precisas e claras condensa o que foi debatido em uma quantidade de estudos e de propostas. Destaco algumas linhas de força que percorrem a Encíclica, e que retornam a cada passo. Uma, como não podia deixar de ser, é a fidelidade ao Evangelho de Cristo e à Igreja. Outra, é a preocupação com a Ética: a universidade deve estudar os problemas ingentes de nossa época tendo sempre em vista a dimensão ética. Enfim, o diálogo da fé com a razão, tema que será desenvolvido na Constituição Apostólica “Fides et Ratio” (de 14 de setembro de 1998). A “promoção da justiça social” está unida à “promoção do desenvolvimento dos povos, que lutam por libertar-se do jugo da fome, da miséria, das doenças endêmicas, da ignorância” (§ 34). João Paulo II tem sempre presente o horizonte internacional: de um lado, o diálogo e o respeito entre as diversas culturas, e de outro, a defesa da natureza com uma consciência ecológica internacional (§ 37), e uma nova ordem política e econômica, a paz e a justiça entre todos os povos. Merece especial destaque a proclamação clara da autonomia da universidade (§ 12) devido à “legítima autonomia da cultura humana e especialmente, das ciências” já proclamada pela “Gaudium et Spes” no Concílio Vaticano, que implica a liberdade acadêmica dos professores e pesquisadores da universidade. Isso mostra que a intenção do Papa é apoiar e incentivar a Universidade Católica, e não enquadrá-la, como podia parecer por certas formulações da segunda parte do documento.

2 - “Fides et Ratio” Mas João Paulo II não se contentou em dar a nossas universidades uma orientação tão clara e definitiva sobre sua essência e missão. Alguns anos depois, surpreendeu o mundo com uma das Encíclicas mais admiráveis do século, que tratava sobre as relações entre a Fé e a Razão. O tema, por um lado, ultrapassa a problemática universitária, pois abrange todos os cristãos e, 1. Cf. p. 36

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além deles, as pessoas de boa vontade que se interessem por problemas religiosos. Mas, de outro lado, está bem no centro das preocupações da Universidade Católica, sobretudo da tarefa que o papa lhe atribui de comandar o diálogo do Cristianismo com a diversidade das culturas e, em especial, com a cultura contemporânea. Para os jesuítas, que receberam a missão de lutar contra o ateísmo, essa carta do Papa oferece perspectivas preciosas e um apoio de grande valor. É inegável que se trata de algo que tem a ver com a essência da Universidade Católica, que se situa justamente nessa encruzilhada entre a razão e a fé, definindo sua missão no momento histórico que atravessamos. O Pe. Henrique Vaz, nosso filósofo brasileiro, escreveu um comentário notável a essa Encíclica1. Mostra o lugar decisivo dessa problemática na constituição da cultura ocidental. Esclarece que o Papa, desta vez, não trata das relações entre as ciências e a religião, como o fez em outras ocasiões, inclusive na “Ex corde Ecclesiae”, porém da relação entre a razão humana (filosófica) com a fé revelada por Deus. Percorre a história desse confronto entre fé e razão, desde S. Paulo no Areópago, até as formulações pioneiras de Agostinho e as posições clássicas de Tomás de Aquino. O Papa exalta a razão humana, que, por sua característica de universal, proporcionou o anúncio da universalidade da Revelação e da Salvação em Jesus Cristo, na variedade de culturas humanas. Mas “há diferentes rostos da verdade” e a verdade da fé deve não só coexistir, mas também articular-se de modo orgânico com a verdade da razão.

AS ALOCUÇÕES DO Pe. KOLVENBACH Os títulos das mais importantes alocuções do Pe. Geral Hans Kolvenbach sobre o assunto caracterizam muito bem as suas preocupações a respeito de nossas universidades, em especial sobre sua missão, “A Universidade da Companhia de Jesus à luz do Carisma Inaciano” (Roma 2001)


e o “Serviço da Fé e Promoção da Justiça na Educação Universitária” (USA, 2000).

1º – O carisma inaciano O Pe. Geral busca, na espiritualidade inaciana, as características que devem marcar nosso ensino superior. Lembra que ainda as Constituições de 1541 proibiam a Companhia “de ter estudos ou lições”. Mas, pouco depois, os Colégios eram fundados no ritmo de 4 ou 5 por ano, e, quando Inácio morreu, havia mais de 30 Colégios e apenas 2 casas professas. Como explicar essa mudança de rumo? É que o carisma fundamental de S. Inácio era “o desejo de servir sua Divina Majestade”, o “desejo da maior glória e serviço de Deus nosso Senhor e o bem universal, que é o único fim que nessa e nas outras coisas se pretende”. Quando Inácio descobriu que o “magis” ou “a maior glória de Deus” estavam nesse “ministério instruído”, não hesitou em mudar de rumo, por fidelidade ao seu carisma. O Pe. Geral resume o carisma inaciano em três pontos: “a ajuda às almas, a maior glória de Deus e o bem universal”. E são esses também o motivo fundamental do compromisso da Companhia com a educação. O porquê e o para que de nossas universidades, e o sentido profundo do trabalho que jesuítas e leigos nelas cumprem estão ancorados nessa visão de Inácio”.

2º – A Fé e a Justiça Mas, em várias de suas “Alocuções”, o Pe. Kolvenbach caracteriza a universidade inaciana por sua missão, expressa no famoso Decreto 4º da C.G. 32: “Ser universidade da Companhia é agir em harmonia com as demandas do Serviço da Fé e Promoção da justiça”. Noutros lugares, acrescenta, em alusão à célebre frase do Pe. Arrupe: “formar homens para os demais”, e assim, a “pessoa completa que a Companhia deve formar para o amanhã deve ser educada para a solidariedade”.

O Pe. Geral aplica essa exigência da Companhia à situação dos países que visita e à atualidade de nossa época. Assim, tem análises muito fortes do monetarismo neoliberal e dos danos da globalização na sua forma atual. Esta é a preocupação do Geral: fazer que nossa missão de “promover a justiça” não seja abstrata nem retórica, mas se faça de dentro das estruturas reais do mundo atual. As alocuções do Pe. Geral estão num nível diferente dos documentos pontifícios – são orientações de um Superior religioso dando diretrizes para sua Ordem, apoiando as atividades de seus comandados no apostolado universitário: não descortina novos rumos para a Igreja universal, como faz o Sumo Pontífice. Contudo, no meio desse discurso pastoral e prudencial, surgem, às vezes, perspectivas teóricas mais amplas, como em sua Alocução na Universidade de Deusto: “É preciso dar todo o seu sentido ao termo “universitário” com a ajuda da filosofia. Porque a Universidade, como Universidade, como unidade e coerência das ciências, de todas as ciências, nunca está acabada: é uma tarefa sempre aberta às noções de responsabilidade e de liberdade dos que se chamam universitários. A Universidade, como universal do saber, subsistente em si mesmo, não existe; há de ser criada e recomeçada sempre, “universalizando” as ciências particulares, que são as únicas que existem. Já Newman protestava contra uma concepção da Universidade como uma recuperação quantitativa de todos esses saberes particulares que se ensinam no campo universitário: a universidade vive da produção da unidade, relativizando cada um dos saberes em relação ao universal e assegurando a relação entre os diversos saberes. Mas a universidade não pode manter esse movimento para o universal senão à medida que os responsáveis – todos os universitários – considerem seu saber, sua especialização e sua particularidade com um estilo e uma atitude fundamental que se orienta para a universalidade do próprio homem, de sua sociedade e de seus valores2.

2. La Universidad de la Compañia de Jesús a la luz del carisma ignaciano – Sistema Educativo UIA – ITESO – pág. 83.

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UNIVERSIDADE PARA O TERCEIRO MILÊNIO Diz a Encíclica Ex Corde Ecclesiae: “Toda Universidade Católica deve manifestar sua identidade católica mediante uma declaração acerca de sua missão ou com outro documento público apropriado” (II parte, art.2, § 3). Assim o documento pontifício, por mais abrangente que seja, não substitui, mas incentiva a reflexão das Universidades Católicas sobre sua identidade e missão. Tive a oportunidade, nesses últimos anos, como Presidente da AUSJAL e da ABESC (Universidades Católicas do Brasil) de ser convidado a tratar do problema de nossa identidade católica e jesuíta. Depois, reuni, num pequeno livro3, esses artigos e conferências, que enviei para as universidades dessas duas redes. Identidade e missão são dois temas inseparáveis, pois como diziam os escolásticos, “operari sequitur esse”. Muitos desses artigos são variações em torno do mesmo tema; o de nossa identidade, tanto católica, quanto jesuíta, que procuramos analisar sob vários enfoques; e de nossa missão frente aos desafios do mundo de hoje e na preparação do mundo de amanhã. Ao mesmo tempo, tivemos a preocupação com esse mundo de tecnologia que se torna absorvente, e mostramos a importância do humanismo, da ética, da cidadania para a formação de nossos alunos e professores, pois a opção da educação jesuíta foi sempre o homem integral, e quanto mais avança o pesadelo do “homem unidimensional” e da “razão puramente instrumental”, maior deve ser nosso empenho de testemunhar em favor do ser humano feito à imagem de Deus, e “glória de Deus” como dizia Sto. Irineu.

Um dos capítulos desenvolve o tema central: “Os valores irrenunciáveis sobre os quais deve girar o modelo universitário inaciano”, que caracterizamos em cinco pontos: Humanismo; “Cura personalis”; Busca da melhor qualidade; Fidelidade à Igreja; Serviço da Fé e Promoção da Justiça. – A “Cura personalis” é um princípio que deriva diretamente dos Exercícios para a pedagogia inaciana, e que a “Ratio studiorum” aplicou a nossos colégios com um êxito extraordinário. Mais difícil é sua adaptação aos colégios e universidades de hoje, que constam de milhares de alunos. Contudo, o ideal permanece, e a criatividade encontrará meios de adaptá-lo às novas situações. Em nosso livro, voltamos muitas vezes e de várias maneiras a discutir esse ponto essencial, tratando das “Características da Educação Superior Jesuíta”, e da “Pedagogia universitária e formação integral”. Analisamos detidamente o Documento da Ausjal “Desafios da América Latina e Proposta Educativa da AUSJAL”, que se propõe inserir nosso projeto universitário inaciano nas condições concretas da América Latina. Em várias ocasiões, tentamos fazer passar para nossos alunos e professores o que uma universidade inaciana espera deles, e quais os objetivos reais de nossa atuação. Enfim, nosso trabalho é escrito sob o signo da esperança: confiamos em Deus e no idealismo de nossos professores e alunos que o terceiro milênio, em que vivemos seja a ocasião de colhermos os frutos de toda essa conspiração de inteligências e de liberdades que tentaram criar nossas universidades jesuítas: essa tarefa comum, de diálogo e de comunicação fraterna dos nossos conhecimentos e de nossas aspirações, “para a maior glória de Deus”.

3. P. Theodoro P. S. Peters, S.J., Universidade para o Terceiro Milênio, Coleção NEAL 3, UNICAP, Recife, 2001.

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Novas respostas para novos desafios Discurso de abertura do Seminário NEAL - Centro Universitário da FEI realizado em outubro de 2002, em São Paulo, Brasil Pe. Theodoro Paulo Severino Peters, S.J., Reitor da UNICAP e Presidente da FEI O grande historiador e filósofo da história Arnold Toynbee utilizava duas categorias fundamentais na sua análise das civilizações: desafio e resposta. O mesmo esquema explicativo vale para as outras instituições humanas, sobretudo para aquelas que duram e crescem no tempo, como ramagens da própria civilização: tal é o caso das universidades. Toynbee mostrava que a grandeza das respostas era proporcional ao tamanho dos desafios. Aconteceu que povos, vivendo em paz e cercados de abundantes recursos da natureza, soçobravam numa rotina de acomodação e mediocridade; enquanto outros, situados em terras estéreis e acossados por inimigos poderosos, usavam sua criatividade e energia para superar tantas dificuldades, subindo a um nível mais alto em que as conseguiram dominar. Claro, sucedia, às vezes, que os desafios eram tão grandes, a ponto de levarem, no ímpeto de sua correnteza, o povo junto com sua civilização. Mas outras formas surgiram na mesma face da terra, com outros desafios, e novas respostas também emergiram da incansável criatividade humana1. Realmente, nessa crise que se prolonga e aprofunda, e mais parece o surgimento de nova etapa da história da humanidade, houve pensadores que julgaram haver chegado a

hora da universidade, e que se deviam buscar outras formas para cumprir as tarefas que tinha desempenhado outrora essa Instituição, pois com o tempo ela se tornara a “vaca sagrada” do Ocidente, na linguagem do polemista Ivan Illich. Traduzindo nos registros das categorias de Toynbee, isso queria significar que os desafios atuais eram incomensuráveis com a capacidade de resposta da universidade; ou seja, ela não estava à altura dos problemas de nosso tempo. Sucede, com freqüência, que idéias brilhantes primam pela unilateralidade, pois somente a sensatez e a ponderação são capazes de ver a

1. Arnold Toynbee, Um estudo da história (trad. Brasileira) Ed. Martins Fontes, 1986 (ver também Hélio Jaguaribe, Um estudo crítico da história, Ed. Paz e Terra, 2001).

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complexidade e densidade dos problemas em sua perspectiva histórica. Há um milênio, que a universidade existe, e, em tantos séculos, mudaram profundamente a cultura e a sociedade e, certamente, essa Instituição não teria sobrevivido se não tivesse, sempre que necessário, mudado de pele como as serpentes, quer dizer, procedido a uma série de metamorfoses, que são a própria lei da vida e, portanto, das civilizações. As mudanças de paradigma, como hoje se diz, não assustam a universidade, pois sua experiência multissecular viu mutações tão radicais como a sociedade do conhecimento de que se trata neste Seminário. Diz o lema da cidade de Paris, “Fluctuat nec mergitur” (flutua, mas não afunda), simbolizada por um barco elegante, como convém a um parisiense. Do mesmo modo, a universidade não é nenhum Titanic, monstruosa massa rígida a ser afundada pelo primeiro “iceberg”. Aliás, como poderia a universidade ser posta a pique por uma sociedade do conhecimento, se o conhecimento é o elemento da universidade, sua substância, seu alimento e sua razão de ser? A sociedade de conhecimento é, na certa, um grande desafio para a universidade; só que dos desafios a universidade tem vivido (e não só sobrevivido). E lembrando Toynbee, a cada desafio desses, a universidade melhor realiza sua essência, pois, para dar-lhe resposta, tem de crescer ainda mais; não teme as contradições, mas delas se alimenta, como os glóbulos brancos fagocitam as células que agridem o organismo. Um novo conhecimento ou novo modo de pensar que surge na sociedade, se não foi produzido pela própria universidade, tem com ela uma secreta afinidade ou conivência, pelo fato de ser pensamento. Nada mais belo que o surgimento de novas idéias, o embate de conceitos e de argumentos. A biodiversidade não se restringe à biosfera, mas, na vida intelectual – na noosfera –, também floresce e impera. É verdade que todo esse embate em torno da sociedade do conhecimento tem muito de moda; nem poderia a mídia capitalista ignorar tão rico filão. No

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entanto, é inegável também que agita problemas vitais para nossa civilização e mesmo para o futuro da espécie humana. A universidade, na responsabilidade que tem perante a sociedade, devido a seu peso institucional, está atenta a esse debate e dele participa vivamente; mas sem perder sua perspectiva própria de universidade: a visão abrangente, em que a ética venha a iluminar a técnica, os valores valham mais que os mecanismos e instrumentos, a razão essencial predomine sobre a razão instrumental e, enfim, que o ”homem seja a medida de todas as coisas”, como queria Protágoras. Felicito os organizadores deste seminário por essa visão humanística e abrangente, pois, desde o primeiro dia, indaga-se sobre “Os princípios (ou falta de princípios) que norteiam nossa sociedade”, depois se passa pelo “Empreendendorismo e Ética” e, enfim, o painel final sobre “O Papel da Universidade na Sociedade do Conhecimento”. O Pe. Roberto Sabóia de Medeiros, fundador da FEI, Faculdade de Engenharia Industrial, que lhe transmitiu o melhor de seu espírito, tinha como lema “Quod deest me torquet” (O que ainda me falta, me angustia). Belo lema, que revela a grandeza de alma de nosso inspirador. Em lugar de uma atitude arrogante, de quem está instalado numa massa de conhecimentos ou numa montanha de informações, está a angústia espiritual de quem sente que, em nosso mundo, a justiça está tão longe de ser alcançada, e a verdade muitas vezes submersa num jogo mesquinho de interesses – cuja mesquinhez não muda de figura por ter as dimensões do mundo globalizado: só revela ainda mais sua perversidade. Portanto, na visão do P. Sabóia, diremos: seja bem-vinda a sociedade do conhecimento, contanto que sinta a angústia da falta da sabedoria, que, por si só, ela nunca poderia produzir. Essa sabedoria que vem do alto, ou que mora no íntimo dos corações: que ela venha completar a penúria da sociedade do conhecimento, para que surja um novo humanismo, com todas as técnicas possíveis, mas iluminada pela plenitude e pela riqueza da sabedoria.


Homilia para a Eucaristia de Santo Inácio de Loyola Recife, 31 de julho de 2002 Pe. Theodoro Paulo Severino Peters, S.J., Reitor da UNICAP e Presidente da FEI Irmãos e irmãs em Jesus Cristo, celebramos hoje a memória de Santo Inácio de Loyola, fundador da Companhia de Jesus. Conhecemos muitas partes da história de sua vida. Nasceu em 1491, em Loyola. Foi educado com esmero, freqüentou a corte, teve uma vida normal para o seu tempo. Aos 30 anos incompletos, lidera a resistência da fortaleza de Pamplona, onde cai ferido na perna. Esse ano de 1521 vai transformar sua vida. Ferido gravemente, oscila entre a vida e a morte, chegando a receber os últimos sacramentos no dia 24 de junho. Sua convalescença foi longa e tediosa. Sabemos que se ocupou lendo os únicos livros a seu dispor no castelo natal: a Vida de Cristo e o Florilégio dos Santos. Deixou-se impregnar pelo que lia, a leitura influiu em sua vida. Daí, começou a olhar sua realidade e suas atividades pelo espelho da Vida de Jesus e pela vida dos que seguiram Jesus. Foi uma percepção que lhe permitiu confrontar o que tinha sido com o que poderia vir a ser. Esse confronto foi a chave para perceber a necessidade de discernir qual espírito o dirigia. Verbaliza a presença de vários espíritos influindo na sua vida: o espírito de

Deus, que o movia para desenvolver projetos que o realizariam a longo prazo, exigindo dele um itinerário longo e cansativo; e, finalmente, os espíritos que combatem a Deus, envolvendo o mesmo Inácio em armadilhas traçadas a partir do primeiro passo até o caminho sem retorno. Percebeu que, para confundi-lo, o mau espírito se disfarçava em anjo de luz. O demônio não se apresentava a Inácio como o inimigo de Deus, o tentador, mas disfarçado, fazendo da vida humana um teatro, impregnado das mais graves cenas e com gravíssimas conseqüências. Inácio foi percebendo isso, aos poucos, desde o leito de recuperação. Em fevereiro de 1522, inicia seu itinerário, partindo sem volta a Loyola. Torna-se um peregrino, passa por Manresa, onde uma gruta lhe serve de abrigo e de espaço para cultivar suas reflexões, meditações e orações. Segue para Veneza, vai à Palestina para procurar os passos de Jesus, regressa a Veneza, segue para Barcelona, Alcalá, Salamanca, Paris, Flandres, Inglaterra, Azpeitia, Valência, Gênova, Veneza, Vicenza e Roma. Inácio é um andarilho de Deus. Em Paris, inicia estudos regulares até receber o

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bacharelado, a licenciatura e o título de Mestre em Artes no ano de 1535. No ano anterior, havia feito com os companheiros os votos em Montmartre, em Paris. Em 1538, encontramo-lo em Roma com os companheiros. Após um ano de espera para cumprirem o voto de partir para a Palestina, oferecem-se ao Papa para o serviço da Igreja. Em 1539, o Papa Paulo III aprova a fórmula do Instituto e, em 1540, a bula papal confirma a Companhia de Jesus. Em 1541, Inácio é eleito geral da Ordem, por unanimidade; em 1553, institui a Província do Brasil, nomeando provincial o Pe. Manuel da Nóbrega. Vem a falecer em 1556, aos 65 anos de idade. Na Eucaristia de hoje, a Igreja sugere duas leituras que nos podem ajudar no desejo de partilhar a experiência de Inácio no itinerário de busca da vontade de Deus e do seu melhor serviço. Jeremias, profeta do Antigo Testamento, apresenta o relato de sua vocação. Jeremias sente-se homem de controvérsia entre seus cidadãos. Confessa que as palavras de seu Deus são alimento que o sustenta, as palavras são delícia e alegria de seu coração. As palavras de Deus são para ele o modo de invocar o Nome de Deus sobre si mesmo. Jeremias é, sem dúvida, um homem de oração: consegue ficar a sós na presença de Deus, e a récita lida demonstra a intimidade com que se relaciona com seu Deus, indagando-lhe por que não sara a sua chaga, por que se tornou eterna a sua dor. Deus precisa ser buscado, discernido. E Jeremias continua desabafando suas dificuldades: para mim te tornaste miragem de regato, visão de águas ilusórias. Jeremias percorre o caminho do discernimento e percebe a resposta de Deus, desejando amor recíproco, apresentando-lhe o movimento da graça, que vai de Deus a todo ser humano, e cada ser humano responde aos apelos de Deus. Deus nos quer livres para a verdadeira e autêntica liberdade. É assim que Deus fala a Jeremias: se te converteres, converterei teu coração, se souberes separar o precioso do vil, farás a autêntica escolha, terás credibilidade. E é a Palavra de Deus que confirma as vocações de Jeremias e de Inácio: “eu estou contigo para te salvar, para te defender dos espíritos perversos e prepotentes”.

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Inácio sentia-se como Jeremias: dividido, o espírito maligno o tentou, levando-o à exaustão com sugestões de penitências impossíveis de serem mantidas. Inácio experimentou o desespero de sentir-se pecador sem perdão possível, achando que, quanto mais se detivesse em suas culpas, mais agradaria a Deus. Até que Deus veio em seu socorro e o confirmou em seu bem querer. Deus também age assim conosco: não pede nada que não consigamos realizar com alegria e esperança, apesar das díficuldades e tropeços de todos os serviços. O Novo Testamento nos oferece, através de Mateus, duas parábolas singulares de Jesus para apresentar o Reino de Deus que chegou a todos nós. Parábolas auto-explicativas. O tesouro e a pérola modificam as pessoas que as encontraram e tudo largaram para possuí-los. Assim é a presença de Jesus anunciando o Reino presente em nosso mundo, apresentando-se sempre novo a nossas vidas. Deus se dá a conhecer, sua proposta é atraente, nossa resposta é a de quem percebe a oportunidade inesperada que foi dada de descobrir em Jesus Cristo a proximidade do Reino dos Céus. É tesouro precioso, é pérola única. As parábolas de Jesus nos indagam sobre o valor que damos ao seu Reino. Conseqüentemente, a percepção das parábolas é de que o Reino dos Céus exige tudo de nós, para tornar-se referência de todas as nossas decisões. Foi o que Mateus hauriu do próprio Jesus, ou seja, deixou tudo o que era para segui-lo. Foi o que Inácio acabou construindo apesar de tantos obstáculos. Assim, hoje, os testemunhos de Mateus, de Inácio, dos companheiros de Jesus, e de Jeremias, companheiro do Espírito do Senhor, querem nos convencer de que acolher o Reino de Deus é colocar-se a caminho com Jesus, sem olhar para trás, sem retornos, pois Jesus nos convida sempre a ultrapassar limites e a descobrir novos horizontes. Jesus se tornou nosso Caminho, Ele quer dar-nos sua Vida, para que nossas vidas sejam mediadoras da presença do Reino dos Céus nesta terra. Que o Senhor, que desperta em nós tais desejos, nos ajude a torná-los vida para todos com quem partilhamos a fé, a esperança e a missão.


Chaves da Pedagogia Inaciana Condensação de palestra realizada em 02 de agosto de 2002 – Semana de Qualidade no Ensino, Centro Universitário da FEI

Pe. Fernando Montes, S.J., Reitor da Universidade Alberto Hurtado, Santiago, Chile Há 2800 anos o autor inspirado dos salmos perguntava a Deus: “Quem é o homem para que te ocupes dele?” Quem é o homem: um ser pouco inferior aos anjos, coroado de glória e esplendor. Passaram-se mais de vinte séculos e eu creio que a tarefa primária de uma universidade, sobretudo na época em que vivemos, volta a ser a mesma pergunta: “Quem é o homem para que te ocupes dele?” O que estamos transmitindo? Que ideais, que sonhos de humanidade, que sonhos de país estamos entregando? Por isso vale a pena hoje em dia perguntar-se de novo com o salmista: ”O que é o homem?” Não basta saber qual é o produto bruto de um país, é preciso

buscar outras variáveis, saber se o povo está mais feliz, se é mais solidário, por que luta, se participa ou não. Estas são perguntas muito importantes para nós que estamos formando gerações futuras. Uma universidade não tem como primeira função ensinar química nem diplomar engenheiros, mas construir humanidade. Química e engenharia são meios. Há muitas definições de cultura. É a cultura que nos torna autêntica e genuinamente humanos. Os animais nascem sem cultura, são, por inteiro, natureza. Trazem em seu código genético tudo de que necessitam para viver. O ser humano tem a natureza, mas é absolutamente incapaz de enfrentar a vida só com ela. Precisa de seus pais e professores para ordenar sua vida. A cultura é algo que se recebe como um presente, que se herda de geração em geração e que nos permite relacionar-nos uns com os outros. Há uma cultura universal, uma cultura de cada país, uma cultura de cada família, um conjunto de símbolos e valores. Mas há certos momentos em que a cultura parece quebrar-se e vivemos

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esta época. Os símbolos que serviam para nos orientar na vida deixam de ser válidos. A nossa geração experimenta mais mudanças que em toda a história da humanidade. Os valores religiosos, os valores humanos, a música já não valem para a geração posterior. A ruptura cultural é um tremendo desafio para a educação, um grande desafio para a universidade. Hermann Hesse diz que toda época mistura ternuras e durezas, mas é uma coisa terrível quando se produz uma mudança da época, quando elas se sobrepõem, porque todos os valores se modificam e não sabemos mais para onde vamos. É terrível ser hoje pai de um adolescente. Meu pai sabia muito bem como nos ensinar. Cabelo curto para os homens, hora marcada para voltar para casa e ninguém discutia. Hoje em dia os rapazes usam brincos. Meu pai teria morrido de infarto se algum de nós chegasse com brincos. Temos pois este desafio apaixonante: nossa cultura rompeuse, os símbolos que nos permitiam ordenar o universo não valem mais. Cabe-nos criar o mundo que virá. A nossa cultura tem diversos pontos de ruptura. Aponto alguns. Temos meios em demasia e faltam-nos os fins. Santo Tomás disse que o fim é o primeiro na intenção e o último na execução. Quando alguém tem um fim claro, pode usar os meios e escolher os que mais ajudam. Quando se obscurecem os fins, andamos às tontas, errantes. Quando li o livro de Guiness, impressionou-me o recorde de beijo mais longo da história. Um beijo é um meio para expressar ternura. Mas 72 horas de beijo é um martírio... O meio, que era para exprimir o amor, converteu-se num fim e tornou o recorde um absurdo. Uma segunda ruptura: a noção de paternidade.

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Quem é o pai? Psicologicamente, o pai irrompe na relação entre o filho e sua mãe. Quando nasce o filho, sai do ventre materno e agarrase à mãe. A mãe o alimenta, lhe traz segurança e o pai chega como um terceiro e diz: somos mais! Tens que viver uma vida social, tens que aprender a olhar para além de ti mesmo e o pai tem psicologicamente a função de transmitir a cultura herdada e, sobretudo, os meios de socialização, introduzir esta criança na vida social. Hoje educam-se as crianças para serem reis. Não se ensina que têm deveres, mas só direitos. Como um rapaz poderá casar-se se só pensa nele? Eu, eu, eu. Ensina-se a triunfar, não se põem limites. Todos nós choramos algumas vezes. Algumas vezes fracassamos. É preciso ensinar a administrar a derrota. Se as crianças só aprendem a triunfar, no dia em que fracassam, se desesperam. Uma terceira ruptura é a de noção do amor. Só se leva em conta o sentimento e não mais a responsabilidade. O amor mais profundo, o amor de Deus não é um amor perecível, é amor de fidelidade, persiste nas horas boas e nas horas más, ama e se sacrifica pelo outro, o auxilia e o sustenta. Vivemos uma cultura que quebra a noção de amor e liberdade. Na sociedade de consumo, ser livre é poder escolher entre diversos produtos. Na verdade, quando se é livre pode-se dispor de sua vida para entregála pelos outros. Jesus Cristo nunca foi mais livre do que quando esteve cravado na cruz. Segundo Alain Touraine, o humanismo, do qual estamos nos despedindo, se baseia em duas grandes colunas, a razão e a liberdade. Mas aos poucos a razão devorou a liberdade, sobretudo no século XIX com o positivismo. As leis cegas da economia, o inconsciente: um racionalismo que esmagou a liberdade e a afetividade. Vivemos uma mudança de época. Voltamos a nos perguntar como há 2800 anos o salmista: afinal quem é o homem? Cabe-nos recriar um humanismo para dar sentido à vida: que nos serve ganhar o mundo inteiro se não sabemos para que. Um humanismo que gere seres com alma humana,


capaz de recriar a noção de amor e liberdade. O mais importante do humano não se compra nem se vende. As coisas que mais valem não têm preço. Quanto vale um sorriso? Quanto vale a amizade? O que é humano é gratuito, é um presente que se recebe e se dá. De algum modo temos que pensar num humanismo que dê lugar ao humano. A Santo Inácio coube também viver uma mudança de época. Ele nasceu no final do século XV, quando está acontecendo a mudança fundamental que começa com os descobrimentos e a invenção da imprensa. Quando Santo Inácio morre (1556) já havia jesuítas na Índia, no Japão, no Brasil. No fundo, esta é a primeira globalização, navios já percorriam os mares dando voltas entre os continentes. Esta mudança de época provocou uma grande crise. Santo Inácio viveu, pois, um momento de ruptura e teve que se propor uma nova visão do mundo com sua obra religiosa. São os mesmos problemas que temos de enfrentar. As luzes se obscurecem, os valores vacilam, como poderemos olhar com esperança o mundo que virá? Qual é a alma que nossa contribuição à sociedade vai trazer, qual é a cultura que temos de criar? Quando Santo Inácio cai ferido em Pamplona e rui o mundo de seus sonhos, ele não se apequena, não se entrega, mas levanta-se e é levado a Loyola onde, no longo período de convalescença, foi capaz de dar profundidade à vida, ter experiências que lhe permitiram ser coerente consigo mesmo. Também nós hoje vivemos passando de uma coisa a outra, ouvindo notícias e mais notícias, impressionados pelas imagens e embalagens. É fácil viver na superfície das coisas, sem profundidade. Em sua

experiência profunda, Santo Inácio entendeu donde vinha e para onde ia, o que Deus queria dele. Que todas as coisas verdadeiras são boas, mas que é preciso saber usá-las para não ficar prisioneiro delas. Outra idéia é o discernimento. É preciso saber buscar. Ensina-nos a ser honestos e buscar a verdade, mesmo que doa. Uma terceira coisa que Santo Inácio aprendeu foi que a verdadeira vida se realiza servindo os outros: o serviço. Isto é particularmente importante numa universidade. Um bom lema seria: aqui entramos para aprender, saímos para servir. Um quarto elemento significativo é a experiência. A religião, por exemplo, não é um conjunto de teorias ou deveres, nem primariamente teologia, a religião é uma experiência vital de encontro com alguém. Nós, como universitários, trabalhamos com a verdade. Mas o ser não é só verdade, é também beleza, é bondade. Um verdadeiro universitário toma o ser em seu conjunto em que a verdade se conjuga com a beleza, com a afetividade, e isto é muito interessante na visão de Inácio, a importância da experiência e da lealdade e não converter tudo numa teoria. Um quinto elemento segue-se do anterior. Quando Santo Inácio se encontra amorosamente com Jesus rechaça radicalmente a mediocridade, porque não se pode servir ao Senhor poupando-se, com meias medidas. Sonhar com o mais e, ao mesmo tempo, contentar-se com o que é possível fazer. Enfim, há um sexto elemento: a noção de instrumento adequado. Um cinzel, por exemplo, deve ter duas propriedades. Uma virtualidade própria, ser afiado para trabalhar a pedra e também fornecer condições para que o artesão o utilize corretamente. Santo Inácio diz que somos instrumentos e temos que ter estas duas qualidades: estarmos bem preparados, ter idéias, competência, ser os melhores engenheiros, os melhores comunicadores, os melhores químicos porque nosso país necessita. Mas, ao mesmo tempo, sermos dóceis nas mãos de Deus para que possamos colaborar na sua obra. Deus nada pode fazer, como o escultor não pode fazer

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nada sem um instrumento. Nós somos, pois, os instrumentos adequados e unidos a Deus. Nas sociedades organizadas de hoje, os jovens são conduzidos pelo marketing, pela televisão, deixam de ser o sujeito de sua própria história e quiçá de seus países. Santo Inácio propõe uma pedagogia ativa, um empenho de formar líderes que sejam sujeitos de sua própria história. Santo Inácio, percorrendo a Europa, acabou aprendendo que ele mesmo, sem outro mestre que não Deus, era capaz de ser sujeito de seu próprio desenvolvimento. E isto me parece sumamente importante em nossos dias, quando os jovens se afastam de qualquer tipo

RATIO STUDIORUM (PL ANO DE ESTUDOS), um manual destinado a professores e dirigentes das escolas jesuítas, é resultado das reflexões dos primeiros jesuítas sobre sua experiência na educação (século XVI). Contém uma série de regras e normas usadas nas escolas. A edição completa ficou pronta em 1599 e tornou-se o livro de ouro da educação jesuíta durante séculos. Inspirada nos Exercícios Espirituais de Santo Inácio e nas Constituições da

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de responsabilidade. Por fim, em sua pedagogia, Inácio insiste na clareza entre meios e fins. Para que estudamos? Para que vivemos? Para que trabalhamos? É preciso ordenar os meios ao fim. Estou convencido de que a primeira atitude de um grande líder é tornar claros os objetivos e semear esperança. Com esperança as pessoas estão dispostas a sacrificar-se, a entregar-se, a inventar, a ser sujeitos. Isto é universal: nesta época de mudanças é preciso ter clareza nos objetivos. O Concílio Vaticano II tem uma frase notável: o futuro da humanidade será daquele que seja capaz de propor sentido e esperança.

Ordem, a Ratio Studiorum pode ser vista como um “manual de procedimentos” adaptável às condições de tempo, lugares e pessoas. Eis alguns: “O professor deve ser zeloso no adiantamento dos alunos tanto nas lições como nos outros exercícios escolares; não se mostre mais familiar com um aluno do que com os outros; não despreze ninguém; vele igualmente pelos estudos dos pobres e dos ricos; procure em particular o progresso de seus estudantes”. (p.39) (*) “Na medida do possível proceda-se com espírito de doçura, conservando a paz e a caridade com todos”. (p.41) (*) Luiz Fernando Klein, S.J., Atualidade da Pedagogia Jesuítica, Edições Loyola, 1997 (*)


Refletindo à luz do ensino social cristão Excerto da palestra “O papel da informática na redução das distâncias entre ricos e pobres”, apresentada no Seminário do NEAL, realizado em junho de 2002 em Montevideo, Uruguai, na Universidade Católica Alessandro La Neve, Secretário Geral, Centro Universitário da FEI Costantino Agazzi, Chefe do Depto. de Ciências Sociais e Jurídicas, Centro Universitário da FEI É necessário, antes de tudo, esclarecer uma questão de princípio: confunde-se facilmente a causa instrumental com a causa última, acreditando que a técnica, e não o homem, tenha determinado a possibilidade da globalização ou nova economia. Entretanto, na origem da técnica há sempre o homem que, dotado de inteligência, é, por isso mesmo, livre. Na realidade, as invenções tecnocientíficas nada mais são que expressões irresistíveis, ainda que redutivas, da busca humana da liberdade: poder ser livre do espaço e do tempo, poder se comunicar superando qualquer distância física, poder se desenvolver mesmo sem recursos naturais, poder trabalhar sem se deslocar, poder informar sentado frente ao monitor do próprio computador. É a liberdade que explica a atração exercida pela técnica, é sempre a liberdade que mostra seu vulto através dela. Diante dos fenômenos da globalização, viabilizada pela TCI (tecnologia da comunicação e da informação) e pela new economy, podemos ficar deslumbrados pela própria tecnologia, mas podemos, aliás, devemos enxergar por trás dela o homem e o enigma de sua liberdade. Infelizmente verifica-se muito mais freqüentemente a primeira possibilidade

do que a segunda. A técnica adquire uma natureza própria, desligada do homem que a produziu, a nova economia é vista pelo homem comum como uma estrutura autônoma, independente – o Papa fala de “fatalidade dos mecanismos cegos” – (in Osservatore Romano, 13/05/2000 p.4) que orienta o homem, em lugar de ser orientada por ele. Toda vez que João Paulo II se pronuncia sobre estes assuntos, reitera que quem deve ser globalizado é o homem, os homens, a humanidade. “Antes de tudo - afirma o papa - existem o mundo, as pessoas, a família humana, a família dos povos. Esta realidade preexiste às tecnologias da comunicação que permitem dar uma dimensão mundial a uma parte, mas somente a uma parte, da

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vida econômica e da cultura. De mundial há em primeiro lugar o patrimônio comum, há, diria, a pessoa com sua natureza específica de imagem de Deus e há a humanidade inteira com sua sede de liberdade e de dignidade. Parece que seja a esta instância que se deva falar antes de tudo de um movimento de mundialização, mesmo que seja menos visível e ainda freqüentemente embaraçado” (in La Croix, 20/08/2000). Na nova economia, portanto, na globalização, é necessário distinguir o processo enquanto tal, ou seja as dimensões tecnoeconômicas (causa instrumental) e a humanidade que move o processo, o anima, o orienta eticamente ou não. É a humanidade então a causa última, (seja de tipo eficiente como final). É essa última que arranca a nova economia da simples e insuficiente dimensão técnica e a reconduz à sua originária dimensão ética, que é a orientativa. Ora, essa consideração ética é fundamental também para separar o aspecto técnico daquele ideológico. Efetivamente, assim como a globalização (ou seja, o processo como tal) não se reduz ao globalismo, ou seja, à ideologia redutivista que “desorienta” (a globalização), da mesma maneira, as possibilidades técnicas da nova economia não se reduzem à ideologia da especulação e do maior lucro a todo custo, que a anima. Efetivamente, a nova economia não é automaticamente uma economia nova no sentido humana e eticamente melhor. Para que isso aconteça é preciso um esforço ético para se libertar das ideologias que se escondem por baixo da presumida neutralidade da tecnologia. Este enfoque tem seu fundamento na avaliação do capitalismo feita por João Paulo II na Centesimus annus, na qual distingue no capitalismo a dimensão tecnicoeconômica (o

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mercado) e a dimensão cultural (o capitalismo como ideologia) (veja Card.François-Xavier Nguiên Van Thuan. Del Vero Scopo della Ricerca tecnologica, in NUNTIUM, Giugno 2001, p. 18-24). Quanto ao trabalho, a Laborem Exercens (Nº 6) afirma: “Como pessoa, o homem é portanto o sujeito do trabalho. Como pessoa ele trabalha, realiza várias ações pertencentes ao processo de trabalho; essas, independentemente de seu conteúdo objetivo, devem servir todas à realização de sua humanidade, ao cumprimento da vocação para ser pessoa, que lhe é própria em virtude da mesma humanidade”. Um trabalho que tenha por fim somente o aumento ilimitado e insustentável da produção e do consumo é contrário à pessoa humana e às suas mais profundas aspirações. As necessidades mais importantes da nossa sociedade, principalmente nesta era da globalização, não se esgotam no modelo consumista de uma produção espasmódica de novos bens materiais, mas abarcam muito mais os serviços à pessoa, a família, as tradições interpessoais, a solidariedade entre gerações. Recolocar o trabalho neste contexto global da pessoa humana significa restituir sentido e valor ao trabalho, abrir o caminho para uma civilização verdadeiramente nova. Efetivamente o trabalho, como nos ensina a Doutrina Social da Igreja, não é somente um meio para viver com dignidade, mas uma atividade cultural, o espaço em que podem se expressar a personalidade, a criatividade, a livre iniciativa e o conhecimento de cada um. É instrumento de participação na vida de comunidade. Nos vivemos hoje o paradoxo de um sistema econômico e social que não sabe valorizar a contento as potencialidades e as necessidades das pessoas. São certamente necessários também os


recursos materiais para proporcionar conteúdo às relações entre as pessoas, mas é necessário inverter a ótica que prevaleceu até, agora: não são as relações entre as pessoas que devem se submeter à lógica dos bens materiais, mas devem ser os bens materiais que devem ser subordinados às necessidades das pessoas e das relações entre as pessoas. Quanto aos países emergentes, não podemos nunca esquecer que a maior parte da humanidade vive num mundo em que escasseiam os bens materiais e milhões de pessoas lutam diariamente pela sobrevivência. A distância entre ricos e pobres está aumentando de forma dramática, porque na era da comunicação global, dominada pelo poder do conhecimento e pela tecnologia, assistimos a uma concentração cada vez maior do saber e da propriedade intelectual nos poucos países ricos da Terra. É cada vez mais evidente que a escassez e o atraso do trabalho, junto com o nível de saber inadequado, nos países pouco desenvolvidos tem, entre as principais causas, o uso egoísta das novas tecnologias e dos conhecimentos por parte dos países economicamente desenvolvidos. Tudo isso aumenta desigualdades e provoca a exclusão de massas (“massas sobrantes”, na América Latina) que não tem a preparação cultural para acompanhar a corrida tecnológica. A esse respeito, João Paulo II disse aos participantes da campanha “Jubileu 2000”, que “a Igreja Católica sempre ensinou que há uma “hipoteca social” sobre toda a propriedade privada, conceito que hoje deve se aplicar também à propriedade “intelectual” e ao “conhecimento”. Não se pode aplicar somente a lei do lucro ao que é fundamental para a luta contra a fome, a doença e a pobreza”. “Quase sempre, os frutos do progresso científico não

são disponibilizados para toda a comunidade humana, mas vão sendo distribuídos de modo tal que, não só aumentam, mas chegam até a perenizar as injustas desigualdades”. Os países membros da OCDE, que possuem 19% dos habitantes do mundo, têm 80% dos usuários da Internet do planeta. A largura da banda internacional da África é menor que a de São Paulo. Por sua vez, a largura da banda da América Latina é, grosso modo, igual à de Seul (Coréia do Sul). Portanto, a fim de que bilhões de pessoas não sejam excluídas do saber, do trabalho e dos frutos destes, é indispensável que haja uma forte solidariedade internacional e maciços investimentos privados e públicos na saúde e na educação, nas infra-estruturas e na capacidade de produzir. Este discurso não vale apenas para os países em via de desenvolvimento, mas também para os grupos sociais mais pobres dos países industrializados (Veja Centesimus Annus, Nº 33). Neste contexto, os grandes princípios da “destinação universal dos bens” e da “supremacia do trabalho sobre o capital” assumem uma extraordinária atualidade. Efetivamente, a Santa Sé afirma na preparação da Conferência do Rio sobre o ambiente: “Todos os povos e os países têm direito ao fundamental acesso àqueles bens – naturais, espirituais, intelectuais e tecnológicos – que são necessários para seu desenvolvimento integral”. Ainda, “no campo da tecnologia, os Estados, em conformidade com o direito à solidariedade e com base na devida consideração aos direitos dos que desenvolvem esta tecnologia, têm a obrigação de garantir uma justa e equânime transferência da tecnologia, apropriada, apta a sustentar o processo de desenvolvimento e a proteger o ambiente” (veja François Xavier Nguvên Van Thuan, op. cit.).

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Para finalizar, sem a pretensão de concluir, merece ser transcrita parte de um artigo de Suely Caldas, publicado em O Estado de São Paulo (24 de Setembro de 2000): “De todos os diagnósticos, causas, constatações e propostas para a questão do emprego, não há como fugir de três verdades: 1) o crescimento econômico é fundamental para reduzir o desemprego, mas crescimento contínuo e sustentável. Do contrário, continuaremos alterando euforia com depressão – na economia e no emprego; 2) da forma como é exposto para a opinião pública e percebido por ela, o foco da questão privilegia o emprego formal, o de direitos protegidos e carteira assinada e despreza os trabalhadores mais pobres, os 30 milhões que

vivem sem direitos trabalhistas e praticamente sem renda; 3) educação e qualificação dos trabalhadores são soluções estruturais que devem ser estimuladas porque melhoram tudo – a produtividade do trabalho, a renda salarial, a qualidade do produto (na média o trabalhador brasileiro tem apenas seis anos de escolaridade, enquanto o argentino tem o dobro disso). Começando pelo terceiro item, qualificação depende de tempo de escolaridade e aprendizado técnico. Um trabalhador que estudou até o segundo grau e recebeu treinamento especializado é disputado pelas empresas e sua renda salarial só tem a crescer. Hoje, na média, o trabalhador brasileiro passa mais tempo na escola do que em anos anteriores, mas a melhora é lenta”.

“A FEI É A MINHA VIDA” No fechamento desta edição soubemos do falecimento do Prof. Costantino Agazzi, ocorrido no dia 28 de dezembro de 2002. Nascido em Bérgamo, na Itália, estava no Brasil desde 1963 e na FEI desde 1969. Obteve o título de mestre em Ciências Sociais (USP) com dissertação sobre a imigração italiana em São Bernardo do Campo. Estudioso da pedagogia inaciana, soube ajustá-la à didática de uma escola de engenharia. Há anos era o chefe do Departamento de Ciências Sociais e Jurídicas. Na verdade, foi sempre muito mais do que isto. Extrovertido, generoso, idealista, presença obrigatória nos planejamentos, encontros e discussões. Conduziu com rara lucidez seu departamento, enquadrando-o com perfeição na missão do Centro Universitário. Espírito vivaz, dedicava-se ultimamente com entusiasmo à influência da informática nos problemas sociais: este artigo é uma parte do trabalho apresentado na reunião do NEAL em Montevideo, em junho de 2002, acolhido com agrado geral. Sabia aliar suas atividades profissionais com imensa humanidade, talvez a lembrança mais forte que guardaremos dele. Identificou-se com a Escola, vibrou com ela, com ela sofreu. As agruras e os triunfos da FEI eram também suas agruras e seus triunfos. Uma vez, num momento difícil, desabafou: “a FEI é a minha vida”. Era mesmo.

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Sala de aula: uma morte anunciada ? Condensação de palestra realizada na Semana de Qualidade no Ensino, janeiro de 2002, Centro Universitário da FEI Renato Papaléo, Prof. do Depto. de Mecânica e Membro da Comissão do Projeto de Bolsas de Iniciação Científica, Centro Universitário da FEI “As palestras, como método de ensino, datam da época clássica e medieval, antes da invenção da imprensa. Quando os livros valiam seu peso em ouro, os professores tinham de fazer palestras. O barateamento da impressão mudou radicalmente a situação, o que tornou arcaico o ministrador de palestras. E contudo – absurda anomalia! – esse tipo de professor sobrevive e até mesmo prospera. Em todas as universidades da Europa sua voz ainda zumbe e orneja, exatamente como zumbia e ornejava na época de Duns Scoto e Tomás de Aquino. Os palestradores são um anacronismo equivalente às velas de sebo; esta é a hora exata para deixálos de lado”. Estas são palavras demolidoras escritas em 1927 por Aldous Huxley. Se nos deixarmos levar pela sua contundência, e se a utilizássemos em outros contextos históricos, então boa parte de nossa herança cultural deveria ser enterrada como anacrônica, o que seria certamente uma grande aberração, que nem mesmo a fina ironia britânica suportaria. A chave da verdadeira natureza da preleção pode ser encontrada no argumento de Platão em sua carta VII dirigida aos parentes e amigos de Dion de Siracusa na Sicília. Segundo Platão existem certas coisas que não podem ser registradas adequadamente por escrito e que a tradição da exposição deve passar do professor

“A Escola de Atenas”, de Rafael

ao aluno e, mais importante ainda, a tradição da indagação (hoje em dia substancialmente perdida) deve passar do aluno ao professor como uma fagulha. O filósofo ateniense deu, sem dúvida, um significado muito amplo a esta imagem, mas uma parcela do que ele quis transmitir é que

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uma tradição de aprendizado não é simplesmente um “quantum” de conhecimento. É uma determinada atitude para com ele – um conjunto de nuanças que se denota pelo tom de voz, pela expressão corporal, pela descontração alegre num determinado momento, pela gravidade de uma observação mais percuciente em outro momento. Como um livro daria vida a um silêncio significativo, a uma pergunta inesperada, a uma provocação? Uma aula não é um livro falante, pois este carece dos atributos que só a presença física do professor consegue comunicar. Uma preleção não pode ser reduzida ao simples encadeamento lógico de um conjunto de afirmações; ela deve atuar como um meio vivo, pessoal de transmitir, mas muito mais do transmitir, uma aula deve ser incitante, estimulante. Uma aula deve ter o poder mágico de dar vida a um assunto, poder “abrir” um assunto, a fim de expô-lo com toda a sua beleza, conteúdo, repercussões e utilidade. Estes são desafios extraordinários para os 100 minutos de uma aula. Mas dentre todos os desafios, o maior, no meu entender, não acontece nestes 100 minutos, mas na resistência que o professor se impõe para não repetir mais uma vez aquilo que o livro texto lhe vem dizendo desde sempre. Deve ser certamente uma experiência terrível olhar para um texto e não encontrar nele nada que já não tenha sido encontrado antes. Um texto, um livro, não pode deixar de ter para nós, professores, o caráter de um relatório de progresso, pois se assim não for, estaremos dando uma versão final e acabada ao nosso próprio desenvolvimento educacional. Por Minerva, que coisa terrível! Uma aula deve disparar no professor uma engenhoca interna que o force a repensar aquilo que ele considera fundamental em sua matéria. E ao repensar, reavaliar. E ao reavaliar, refazer. O refazer é uma importante indicação que ele ainda possui sinais vitais. A resistência à mudança leva à decadência pessoal e institucional. As aulas não podem cair na mesmice que acabam tornando o aluno uma criatura domesticada capaz de repetir conceitos não entendidos, de resolver exercícios já resolvidos e de apre-

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sentar relatórios anteriormente apresentados. O estudante pode ser definido em primeiro lugar em termos de sua ignorância. Seria totalmente errado, no entanto, considerar esta ignorância como um vazio abissal a ser preenchido com um suprimento contínuo e volumoso de informações através do magister dixit. A contrapartida à atitude imperial estaria em considerar o aluno como um questionador que não se detém à primeira questão, mas que à medida que uma explanação se desenvolve, continua questionando; o aluno deve ser estimulado a participar. Este processo, se bem, e pacientemente conduzido, forçará os professores a explicar-lhe suas “verdades”. Não há dúvida que é o estudante que impõe aos professores a simplicidade nas explicações, sem que isto os conduza a um afrouxamento conceitual.

Em um trabalho apresentado na 20ª Assembléia Geral da Federação Internacional de Universidades Católicas realizada em agosto de 2000 na Austrália, o presidente da FCA, Pe. Theodoro P.S. Peters, assim se manifestava: “É óbvio que a Escola não pode existir sem alunos; e mais, existe para eles, que devem, portanto, ser os principais protagonistas de todo processo pedagógico. Na relação professor – aluno o 1º deve comprometer-se a promover o 2º”. Foi Mortimer Adler, em sua proposta para a reforma da educação “The Paideia Proposal” , quem disse que a única coisa que deve certificar o fim da educação de uma pessoa – e, no caso presente, do educador – é o seu atestado de óbito. De volta ao título, vemos que a morte anunciada não é a da sala de aula.


O Ensino Superior da Química na concepção pedagógica inaciana Adaptação da conferência do Pe. Lluis Victori, S.J., do Institut Quimic de Sarriá, Barcelona, Espanha, apresentada no Congresso do ISJACHEM, em julho de 2002, UNICAP, Recife. O CONTEXTO O professor deve saber claramente o que se pretende com a disciplina que ministra, diante da formação global do aluno, o que implica em:  procurar conhecer, na medida do possível, cada aluno com sua história pessoal e acadêmica, para orientá-lo de forma individualizada.  tentar educar cada aluno tal como ele é e não ficar sonhando com o aluno ideal e com a formação prévia adequada. Ter presente, além disso, que cada aluno tem ritmo de trabalho próprio.  Ter um profundo respeito pela pessoa de cada aluno e jamais desqualificá-lo, nem muito menos ridicularizá-lo, nem em público nem privadamente. Com freqüência juízos categóricos negativos sobre um aluno são desautorizados mais adiante por sua vida profissional.  Saber escutar e ponderar as queixas dos alunos e empregar os meios para resolver os pontos de discrepância.

EXPERIÊNCIA No ensino da Química a palavra experiência deve ser traduzida por experimentação já que

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se trata de uma ciência eminentemente experimental e não uma ciência a priori. São as teorias que devem submeter-se à realidade que experimentamos e não, ao contrário, tentar ajustar a realidade experimental a umas teorias, por muito boas que pareçam. Se for possível, o professor, ao começar as aulas, poderia descrever uma série de fatos experimentais, com todos os detalhes e insistindo nos parâmetros que influem neles. No trabalho do laboratório, o professor deve habituar o aluno a ser um bom observador.

 é bom relacionar as reações químicas que estão sendo estudadas com algum processo industrial de interesse; no fundo salientar para que se estuda aquilo.  Quanto aos exames é conveniente que não sejam meramente baseados na memória, mas que tenham uma boa parte de dedução que obrigue a pensar, com perguntas do tipo “como obter tal produto, se dispomos de tais matérias-primas?” “Esquematizar um processo que não seja agressivo para com o meio ambiente e que seja rentável economicamente”.

REFLEXÃO O fundo das explicações

O modo de dar as aulas

 As aulas não devem consistir numa mera enumeração das propriedades dos elementos; devem procurar, por um processo indutivo a partir dos fatos experimentais, descobrir os princípios gerais pelos quais se rege o comportamento da matéria. O ideal seria que ao final do curso o aluno adquirisse uma espécie de sexto sentido que, diante de um processo químico hipotético, lhe permita prever instintivamente se aquilo é viável ou não, se será perigoso ou não etc. No fundo é mais do que aulas de informação; são aulas que dão formação capaz de criar um critério químico nos alunos. A informação é logo esquecida, o critério, porém, permanece e é o que vai qualificar mais tarde o profissional.  as explicações da aula devem salientar as repercussões de todo o tipo que um determinado processo químico tem para a vida humana. E isto tanto nas repercussões positivas (melhora do nível de vida, combate à fome e às doenças), como nas negativas (esgotamento dos recursos naturais, poluição ambiental, periculosidade, etc.) Sob este aspecto cabe assinalar a necessidade de uma firme conscientização ética para que estes futuros profissionais sejam agentes de um progresso sustentável, levando em conta as exigências da ecologia e das necessidades humanas.

Reduzir ao mínimo as aulas puramente expositivas. A pedagogia inaciana recomenda aulas dialogadas, em estilo maiêutico, em que o professor ajuda o aluno no processo da descoberta da verdade. Diante de uma questão apresentada, o professor pode perguntar ao aluno “E a você, o que lhe parece?” “ E por quê?” Estas perguntas, acompanhadas de pistas orientativas, permitem ao aluno ir desentranhando o problema de uma forma que ele dificilmente esquecerá; de mais a mais, deste modo o aluno exercitará sua capacidade de pensar e se preparará para ser criativo em sua vida profissional. Este tipo de aula nem sempre agrada aos alunos, que preferem uma atitude menos comprometida de ir anotando o que diz o professor. Então é preciso valorizar todos os elementos de verdade, ainda que incompletos, que o aluno em seu processo dedutivo vai descobrindo.  convém propor aos alunos problemas numéricos, assim eles se habituam a pôr em números as questões mas abstratas e relacionam os conceitos que foram estudados em capítulos diferentes. Nos cursos mais avançados pode-se pedir estudos monográficos sobre algum tema de interesse industrial; é bom dar liberdade ao estudante para que desenvolva o que for mais conveniente. Cabe ao professor trazer sugestões

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e não deixar que o trabalho caia em erros ou vá dar num beco sem saída. Deste modo se favorece o espírito criativo do aluno e o interesse pelo “seu trabalho”. Seria interessante também que o professor proporcionasse aos alunos contactos com especialistas da indústria. Eles ganhariam um sentido de realismo para refletir sobre a problemática industrial. Além disso, estas monografias devem ser apresentadas em público pelos autores, diante de seus companheiros e outros professores. Estas exposições obrigam o aluno a expressar-se com clareza e a saber responder a questões.  O professor deve transmitir ao aluno um profundo entusiasmo pela carreira, que lhe permita estudar “desfrutando” a carreira escolhida. Segundo Santo Agostinho, só se pode chegar a conhecer em profundidade aquilo que se ama de verdade. Os autênticos profissionais são aquelas pessoas que amam a sua profissão e a exercem como uma realização pessoal e não como um meio de ganhar dinheiro. É óbvio que isto vale também para nossos professores. É interessante que professor e aluno comentem as provas, uma vez corrigidas; desta forma o estudante pode aprender com seus próprios erros e deixará de atribuir um fracasso ao azar ou à forma por demais rigorosa de corrigir do professor.

A AÇÃO A finalidade de todo sistema educativo é que o estudante, uma vez graduado, possa atuar na sociedade e exercer sua profissão com competência e de acordo com os princípios éticos que a universidade lhe ensinou. Ainda mais numa universidade inspirada nos princípios pedagógicos inacianos. É necessário que os profissionais saídos de

nossos cursos sejam:  pessoas solidamente formadas em sua profissão, convencidas do valor do trabalho bem feito e empolgadas com as suas tarefas, pessoas capazes de enfrentar qualquer situação, mas com humildade suficiente para reconhecer seus limites e recorrer a quem lhes possa orientar, se for o caso.  pessoas com princípios éticos profissionais profundamente arraigados. Esta ética deve manifestar-se no correto planejamento e nos processos, levando em conta o desenvolvimento justo, a qualidade do produto e o respeito pelo meio ambiente.  pessoas que na venda de produtos não enganem o cliente.  pessoas capazes de formar equipe, que valorizem o trabalho de colegas e subordinados; que na hora de tomar decisões saibam ouvir e ponderar a opinião de seus colaboradores; e que saibam retificar a opção tomada, se convier.  em uma palavra, citando o Pe. Arrupe, nossos graduados devem ser “homens e mulheres para os demais, ou seja, pessoas que não concebem o amor a Deus sem o amor ao homem, um amor eficaz que tem como primeiro postulado a justiça”. Pessoas que são conscientes da enorme capacidade que tem a química de melhorar a qualidade de vida de toda a humanidade e por este motivo sabem que sua ação se deve encaminhar a colaborar com tal fim construtivo; mas também são conscientes da enorme capacidade de destruição da natureza que tem a química, quando se põe a serviço dos interesses de umas quantas pessoas sem escrúpulos. Neste caso nossos graduados hão de saber lutar para evitar que o homem, em vez de colaborar com a obra criadora de Deus, se dedique a destruí-la. Ao final deste trabalho me daria por satisfeito se estas palavras contribuíssem um pouco a nos animar a um ensino sério e personalizado da química em nossos Centros.

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O Pe. Henrique Cláudio de Lima Vaz (1921-2002), falecido em maio de 2002, foi uma figura proeminente da intelectualidade da Igreja no Brasil. Como homenagem a este ilustre jesuíta, apresentamos este artigo do Pe. Meneses e uma condensação de seu comentário sobre a encíclica Fé e Razão (cf. p.39)

Pe. Vaz, filósofo brasileiro Excerto da palestra apresentada pelo autor na Universidade Estadual do Ceará e no Instituto Teológico Pastoral do Ceará, Fortaleza, setembro 2001 Pe. Paulo Meneses, S.J., NEAL, UNICAP Um filósofo do porte de Henrique Vaz não tem a repercussão que merece. Se escrevesse em francês ou alemão, seria uma referência obrigatória; haveria cursos sobre seu pensamento, teses de Mestrado e Doutorado para analisar suas obras. Tive ocasião de cotejar trabalhos filosóficos de Henrique Vaz com estudos de prestigiosos filósofos europeus sobre temas análogos, em particular com a “Filosofia Moral” de Jacques Maritain. Vaz admira muito esse filósofo, e reagiu como se fosse uma blasfêmia minha opinião de que sua Ética era bem superior à do filósofo francês. Os Srs. podem repetir a prova: como é rica e abrangente a exposição de Henrique Vaz que procura entender por dentro cada sistema, buscando a verdade contida neles, e sua contribuição para a história do pensamento, se for comparada com a preocupação inquisitorial de Maritain condenando todos os sistemas diversos do seu, como erros e aberrações do espírito humano. Nos 150 anos de Hegel, Vaz escreveu um texto luminoso: Por que ler Hegel hoje que tive a idéia de comparar com a de um conhecido hegeliano francês sobre o mesmo tema e na mesma

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ocasião: duvido que haja alguém que não reconheça quanto o texto de Vaz é mais profundo e mais amplo que o do festejado europeu. Desde 1968, quando escreveu Ontologia e História (reeditado neste ano pela Loyola) até seu livro As Origens da Modernidade, que está concluindo por estes dias, a presença de Henrique Vaz tem-se imposto no horizonte filosófico brasileiro. Sem contar o grande número de artigos – muitos deles de uma originalidade e


profundeza impressionantes, e enfeixados em 3 volumes intitulados “Escritos de Filosofia” – sobressaem dois imponentes tratados, um sobre Antropologia Filosófica, e outro sobre Ética. Entre as obras menores, há um livrinho precioso, publicado em 2000: Experiência mística e filosofia na tradição ocidental. Outra façanha filosófica de Vaz foi a coordenação e tradução de parte da monumental Suma Teológica de Tomás de Aquino, que a Loyola já começou a publicar numa edição bilingüe. Podíamos também mencionar sua iniciativa e participação na tradução da História da Filosofia, Reale, e no Platão do mesmo autor. Henrique Vaz é um filósofo cristão, espiritualista e metafísico. São essas características que explicam em parte a resistência que seu pensamento encontra em nosso meio. Um filósofo cristão parece um corpo estranho no meio filosófico, e sofre por isso uma rejeição intolerante. Basta ver o desprezo com que Sartre e Lacan tratavam um filósofo da estirpe de Paul Ricoeur. No ano passado, Marcos Nobre e José Márcio editaram suas Conversas com filósofos brasileiros. É de notar que entre os filósofos que escolheram como os melhores, Henrique Vaz é o único que professa o cristianismo. Há muita gente que se recusa a ler as obras de Henrique Vaz por esse motivo. Ainda continua, como no tempo de São Paulo, o Evangelho sendo “escândalo para os judeus e estultícia para os gregos”. A intolerância não deveria encontrar-se no meio filosófico; mas acontece que entre os ateus há fundamentalistas fanáticos, como em qualquer radicalismo.

SOBRE HEGEL Dominar o pensamento de Hegel é tarefa das mais desafiadoras. Primeiro, porque precisa, de certa maneira, suspender as categorias e os esquemas em que se costumava pensar, e entrar dentro das perspectivas e procedimentos do filósofo. Quer dizer, pensar hegelianamente, ou refazer por sua conta, a dialética e o percurso de Hegel. Precisa bastante liberdade e humildade intelectual para realizar isso, pois é uma

reeducação do espírito. A maior parte das pessoas que têm de falar sobre Hegel ou porque dão cursos de filosofia, ou porque encontram necessariamente Hegel em seu caminho, já que marcou de uma forma ou de outra todo o pensamento moderno, nunca fez esse esforço. Para bem entender o pensamento de Hegel, precisa ter uma cultura realmente universal. Creio que Henrique Vaz é o melhor intérprete de Hegel que já houve no Brasil e nas Américas. Isso se deve é claro, à qualidade de sua excepcional inteligência, mas também a essa atitude de acolhimento e abertura ao pensamento dos outros filósofos, e à cultura

tão vasta e multiforme, à curiosidade universal que caracteriza seu espírito; o que justamente acontecia com Hegel. Resumindo: Henrique Vaz não é somente um intérprete excelente de Hegel, mas seu pensamento assume categorias hegelianas e seu método dialético pensa hegelianamente, o que não significa que abrace o conjunto de suas teses, mas que a genial visão hegeliana lhe serve muitas vezes de inspiração, e merece seu apoio no essencial de sua filosofia política, da filosofia da história, e muito particularmente no lugar que tem a razão em seu sistema, tão distante do antiintelectualismo e da alergia à razão que caracteriza tantos pensadores contemporâneos. Vaz, formado no pensamento clássico de Platão e Aristóteles de Agostinho e de Tomás de Aquino, encontrou em Hegel a última formulação abrangente dessa tradição da “filosofia perene”.

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SOBRE SANTO TOMÁS DE AQUINO Que tanto encontrava Vaz em Tomás de Aquino? Parece paradoxo o que vou dizer: encontrava-se a si mesmo. Tal era a conaturalidade que os unia, que em Tomás se encontrava e se expressava, se descobria e se inventava. Na verdade, na base dessa afinidade profunda, estavam as fontes comuns que comandaram o processo da formação do pensamento de ambos e, mais profundamente ainda, sua extraordinária vivência do cristianismo, que lhes impregnava o espírito e dava sentido a seu pensamento e à sua existência. Cristo, o Mestre interior, o único Mestre.

Quem conheceu Vaz de perto sempre se admirou desse mundo de limpidez e pureza em que seu espírito vivia, como se fosse numa outra dimensão além das perturbações e misérias humanas. Essa intimidade com Cristo, que é a sabedoria e a verdade de Deus, irradiava sobre a vida filosófica de S. Tomás e de Vaz uma “conaturalidade” com a verdade e com a sabedoria. O itinerário filosófico de Vaz lembra as expedições dos exploradores em busca da nascente dos grandes rios: Amazonas, Nilo. Ao ver o pensamento de S. Tomás – “esse esplendor, todo esse largo eflúvio”, como diria Cruz e Sousa – Vaz sentiu-se impelido a ir em busca de suas nascentes.

Qual era o S. Tomás do filósofo Vaz? Estamos aqui em situação privilegiada, porque Vaz esclareceu este ponto no seu extraordinário artigo (SÍNTESE, n.73, 1996, p. 159 a 207): Tomás de Aquino: pensar a metafísica na aurora de um novo século. Para quem desejar conhecer o pensamento de Vaz, nada melhor que esse artigo: um prodígio de síntese, que condensa tal riqueza de conceitos, de análises, de informações históricas (e ainda uma bibliografia poliglota e exaustiva) que o leitor termina com a impressão de ter lido um alentado volume.

CONCLUINDO A morte da metafísica, anunciada ou perpetrada no mundo moderno, vem da suposição de que, para o homem contemporâneo – e mais ainda para o homem do futuro que nossa civilização prenuncia o mundo objetivo é, e será sempre mais, o mundo das formas produzidas pela tecnociência um universo ligado estruturalmente às necessidades humanas e regido pelas categorias da produção e da utilidade. Num mundo desses, não há lugar para um saber desinteressado e de evidente inutilidade técnica, como a metafísica. E o espírito humano, com sua tendência constituinte para o Absoluto, fica aprisionado no mundo dos objetos, e seu alimento essencial, que é o ato de existir, fica restrito ao existir artificial da multidão das formas produzidas que não refletem para seu produtor senão as mil faces dele mesmo. Mas, como ensina S. Tomás, um ser que assume o infinito ônus metafísico de enunciar o existir dos seres, só pode existir autenticamente ao assumir sua abertura constitutiva ao Absoluto: no consentimento às formas absolutas da Verdade e do Bem e no reconhecimento da ordenação de todo o seu ser ao Existir transcendente absoluto. Essa é a atualidade e a grandeza de S. Tomás de Aquino; tal como o entende Pe. Vaz, seu intérprete privilegiado.

Nenhum de nós vive para si e ninguém morre para si. Se vivemos, vivemos para o Senhor, se morremos, morremos para o Senhor. Quer vivamos, quer morramos, pertencemos ao Senhor. (Romanos 14, 7-8)

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Fé & Razão Excerto do artigo publicado na íntegra na Revista Symposium, janeiro – junho, 99, p. 7-11 Henrique C. Lima Vaz, S.J. CES – Belo Horizonte Ao contrário do que supõe uma versão largamente vulgarizada, o problema moderno da oposição entre fé e razão não teve origem na denominada revolução científica do século XVII, da qual surgiu a ciência tal como hoje a praticamos. O chamado “caso Galileo” não girou, como se pensa erradamente, em torno do problema fé e ciência, que na época nem mesmo se formulava nesses termos, mas sim em torno da aplicação pelo sábio florentino ao terreno da hermenêutica bíblica de uma hipótese científica, o heliocentrismo, ainda recebendo a confirmação experimental que lhe permitisse integrar-se numa teoria física abrangente, o que só terá lugar com a mecânica newtoniana no fim do século. Convém lembrar, a propósito, que um dos mais avançados centros de pesquisa científica na Europa galileiana, sobretudo no campo da Matemática e da Astronomia, era o famoso Colégio Romano da Companhia de Jesus, com os grandes cientistas Cristophorus Clavius e Orazio Grassi. As raízes do contencioso moderno “fé e razão” são mais antigas – afundam até o século XIII – e são de natureza filosófica. Será no terreno da filosofia que seus termos irão definir-se, dotando-os da feição polêmica com que irão comparecer na evolução da cultura moderna (n.45-48). É

oportuno recordar aqui que os fundadores da ciência moderna, um Galileo Galilei, um Isaac Newton, um Gottfried G. Leibniz eram homens de fé; mesmo no século XIX, o século do “cientificismo”, um Jean-Marie Ampère, um Louis Pasteur, um Gregor Mendel, fundador da Genética moderna, eram conhecidos por sua fé. Tal era igualmente o pai da Física do século XX, o físico alemão Max Planck, como o eram alguns dos criadores da Física nuclear como Louis de Broglie e Werner Heisenberg. O problema “ciência e fé”, tratado por João Paulo II em várias oportunidades, é diferente do problema “razão e fé”. Aqui é a razão filosófica que entra, prioritariamente, em consideração e eis por que a questão da Filosofia é um dos temas dominantes da Encíclica. Com efeito, é na seqüência da revolução filosófica moderna, iniciada por Renê Descartes, que irá caracterizar-se um estado de oposição sistemática da razão à fé, como preliminar ao projeto de autonomia absoluta da razão que inspira a idéia moderna da filosofia. Essa oposição virá a adquirir um tom polêmico decididamente agressivo a partir do chamado Deísmo inglês nos fins do século XVII e esse tom crescerá com a ilustração francesa do século XVIII, configurando então a luta das “luzes” contra a fé, que iria tornar-se tema de

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uma célebre leitura dialética de G.W.Hegel no seu livro Fenomenologia do Espírito. O século XIX assiste a uma crescente ideologização do conflito, quando entram em cena interesses, tendo em vista a conquista de uma hegemonia no campo da cultural intelectual. Somente então, a ciência passa a ser utilizada sistematicamente como ingrediente ideológico da crítica filosófica à fé, suscitando reações das quais a mais célebre foi, já no século XX, a obra de Teilhard de Chardin. Essa utilização ideológica da ciência, conhecida como “cientificismo” (p. 67), intensificou-se depois de Darwin, tendo a teoria da evolução biológica – tema maior da intervenção teilhardiana no conflito – sido apresentada como comprovação definitiva da perda de legitimidade da atitude de fé no campo da razão, no caso, porém, não tanto da razão científica quanto da razão filosófica moderna na sua versão ideologizada. Depois de ter atingido um momento de paroxismo nos regimes marxista-leninistas, o conflito oitocentista “fé e razão” conhece hoje, no clima da globalização da cultura, uma hora de calmaria e, talvez, de definitiva obsolescência. Hora propícia para uma reflexão serena e compreensiva, tal como propõe a Encíclica, Fides et Ratio. Uma das chaves hermenêuticas fundamentais e mesmo prioritárias desse texto é a pressuposição, que acompanha toda a história do pensamento cristão, de que a razão é um necessário preâmbulo à fé, alvo do programa agostiniano credo ut intelligam, só possível com a utilização dos procedimentos lógicos, metodológicos, e epistemológicos que conduzem à razão na sua compreensão da realidade. É essa a linha constante do pensamento teológico cristão de Justino e Clemente de Alexandria a Tomás de Aquino e além, até João Paulo II. Há, pois, um profundo e eloqüente simbolismo na escolha do preceito socrático conhece-te a ti mesmo para figurar no pórtico da Encíclica como titulo de Introdução. O gênio tutelar da razão ocidental irá, pois, presidir à longa meditação de João Paulo II. A invocação de Sócrates, primeiro protagonista do uso de uma

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razão por natureza universal, vem mostrar que o instrumento da razão, não obstante sua origem histórica na cultura grega e as formas diversas que vem adquirindo na evolução da cultura ocidental, apresenta-se como o mais apto a exprimir, no pensamento e na linguagem humanos, o anúncio da universalidade da Revelação e da Salvação em Jesus Cristo, proclamada por Paulo (Ef. 3,1-21) como o mistério dado a conhecer na plenitude dos tempos. Nessa universalidade da razão, como veículo privilegiado da universalidade da fé, fundamenta-se, do ponto de vista da expressão humana, a extraordinária aptidão do anúncio cristão para inculturar-se na variedade das culturas e que é objeto de importante tópico da Encíclica (n. 69-72). A Fides et Ratio é um documento intraeclesial por sua própria destinação, e diversos dos seus tópicos a que aqui não aludimos dizem respeito à vida intelectual na Igreja. No entanto, pela sua temática fundamental e pelo amplo horizonte histórico e teórico com que essa temática é tratada, ela transcende os limites de um texto especificamente intra-eclesial e tem assegurado um lugar importante no campo da reflexão sobre o destino histórico da cultura ocidental. Impossível, com efeito, eliminar simplesmente desse campo o problema multissecular “fé e razão”, que se confunde com a história do Cristianismo, ou “razão e religião”, que preside ao próprio nascimento da nossa cultura intelectual na Grécia antiga. Voltamos, assim, à afirmação inicial: a Fides et Ratio pode e deve ser considerada como uma das mais significativas manifestações intelectuais do nosso tempo e, como tal, merece ser acolhida e discutida com inteligência, compreensão e serenidade.


Experiências de Sucesso Curso extracurricular de fenômenos de transporte

Luís Fernando Novazzi, Professor do Depto. de Engenharia Química, Mestre em Engenharia Química pela UNICAMP Muitos, ao lerem o título do artigo, devem se perguntar: mas o que são fenômenos de transporte? Quais são suas aplicações e qual a importância de um curso extracurricular sobre o tema? É fácil constatar a homogeneização espontânea de um sistema fluido com desigualdade de propriedades entre seus pontos, como a concentração de um soluto, sua temperatura, velocidade ou pressão. A dispersão de um corante num líquido ou o resfriamento de café por exposição ao ar são fatos do cotidiano. Esses processos, conhecidos genericamente como fenômenos de transporte, têm enorme importância em inúmeros processos industriais. O estudo de fenômenos de transporte iniciou-se no século XIX, como um ramo da Física, possuindo aplicações nas mais variadas áreas: em Biologia, Medicina, Meteorologia, Farmácia, Ciência dos Materiais, Engenharia e muitas outras. Esse estudo inclui três tópicos:

transporte de quantidade de movimento, transferência de calor, que lida com o transporte de energia, e transferência de massa, que trata do transporte de diferentes espécies químicas num sistema. O transporte de quantidade de movimento está presente em todas operações mecânicas que envolvem fluidos, tais como agitação, bombeamento e compressão. A transferência de calor é a base do projeto de trocadores de calor, condensadores e evaporadores. A transferência de massa desempenha papel importante nas operações de destilação, absorção, extração e secagem. É também importante no cálculo de reatores químicos, já que a reação propriamente dita deve ser precedida da migração de moléculas reagentes até o ponto em que ela vai ocorrer. O tema transferência de massa é imprescindível na formação de um engenheiro químico. Tendo em vista as aplicações citadas nos

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Experiências de Sucesso dois últimos parágrafos e sua importância no dia-a-dia das indústrias químicas, foi oferecido no primeiro semestre de 2001 um curso extracurricular de Fenômenos de Transporte, voltado para Engenharia Química. Houve participação de cerca de 35% de todos os alunos de Engenharia Química, uma incidência muito razoável. Esses alunos perceberam que um curso desse tipo poderia ser um diferencial em sua formação acadêmica. É interessante notar que as aulas atraíram a atenção de cinco ex-alunos da FEI, que atuavam na época como engenheiros de processo. Esses engenheiros acabaram enriquecendo muito as aulas, ao trazerem vários casos práticos, de diferentes segmentos de indústrias químicas. O sucesso desse curso foi usado como força motriz para que a atual grade curricular do curso de Engenharia Química do Centro Universitário da FEI fosse modernizada e também deu subsídios para a criação da nova grade do curso profissionalizante, a ser implementada no primeiro semestre de 2003. Vale a pena mostrar a opinião de alguns alunos que fizeram o curso de Fenômenos de Transporte: “Ao começar a fazer o curso, eu pensei seriamente em desistir. A matéria não era fácil, envolvia uma matemática bastante pesada. Mesmo assim resolvi continuar. Conforme eu estudava, tentava dar um sentido físico àquele monte de equações. O Luís sempre enfatizava esse ponto: as equações nada mais são do que representações de fenômenos físicos. O curso acabou sendo muito proveitoso, principalmente agora que estou fazendo pós-gradução na UNICAMP”. Diogo Marçon Engenheiro de Processos – Petrobrás

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“Aprender os conceitos de transferência de calor, massa e quantidade de movimento é fundamental na formação de um engenheiro químico. No curso de fenômenos de transporte, que foi ministrado aos sábados, eu tive a oportunidade de aprender a identificar os tipos de fenômenos de transporte envolvidos em um determinado sistema de interesse e a aplicar as leis de conservação em suas formas diferencial e integral na resolução e interpretação de problemas que fazem parte do cotidiano de um engenheiro químico. Obrigada pela sua paciência e disposição em nos ensinar”. Regina Tie Kawai Engenheira Química – Degussa

“O curso valeu a pena por me ajudar a entender muitas matérias do profissionalizante. Sem estudar transferência de massa, operações unitárias como destilação e absorção seriam conceitos muito vagos para mim. O curso também ajudou e muito na minha atuação no estágio na Oxiteno”. Daniel Cavichioli – estudante de Engenharia Química – Centro Universitário da FEI

“O curso de FT me permitiu uma compreensão muito melhor de inúmeros problemas com os quais eu lidava na planta da Clariant e, é claro, qual caminho seguir para resolvê-los. Além disso, esse complemento em minha formação tem ajudado muito no mestrado que estou cursando atualmente na Poli”. Cristiane Tolotti Engenheira de Processos – Clariant


Experiências de Sucesso Veículos experimentais projetados por estudantes fazem sucesso no 22º Salão Internacional do Automóvel de São Paulo Alguns dos projetos premiados em concursos nacionais e internacionais, idealizados por estudantes de engenharia do Centro Universitário da FEI, tiveram grande repercussão no 22º Salão Internacional do Automóvel: – X12, um dos três carros do tipo Mileage – triciclo com motor de moto e rodas orbitais, capaz de percorrer mais de 760 km com apenas 1 litro de combustível. – Dois Mini Bajas, veículos com características especiais destinados a competição entre universitários. Além desses projetos, um Vectra com comando de voz em português, desenvolvido em parceria com o Genius Instituto de Tecnologia e com a General Motors, comprovou a criatividade e o nível de conhecimento tecnológico do engenheirandos. Uma tecnologia de ponta – que envolve software, hardware e lógica digital – permitiu aos visitantes da exposição abrir e fechar as portas do veículo, levantar e abaixar vidros, ligar o pisca-alerta, as setas de direção, etc, usando apenas a voz. Ainda na fase de testes, o sistema instalado no Vectra deverá estar disponível como item de série em veículos nacionais num prazo de 5 anos.

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Experiências de Sucesso Aluno da engenharia têxtil foi um dos ganhadores do Prêmio Rieter 2002

De abrangência internacional, este prêmio existe deste 1989 e é oferecido anualmente pela Rieter Textile Systems aos melhores trabalhos universitários que dizem respeito à área têxtil. – A Rieter é líder mundial em sistemas e serviços para indústrias têxteis, de automóveis e de plásticos. Em 2002, um dos contemplados foi Fábio Zolezi Házar. É o terceiro aluno do curso de Engenharia Têxtil da FEI a ser premiado; os outros foram: Antonio Carlos Praça, (1995) e Charles Bell, (1999). O prêmio incluiu: • Viagem à Suíça para visita técnica às instalações da Rieter e a pontos turísticos deste país.

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• Certificado de Membro do Rieter Club, o que possibilita troca de experiências e de conhecimentos na área. • Troféu. O troféu e o certificado foram entregues pelo Eng. Rainer Weitbrecht, representante da Rieter na América do Sul, no dia 7 de novembro de 2002, no Centro Universitário da FEI, durante a realização da Semana de Engenharia Têxtil. O tema proposto aos participantes de 2002 foi “Fios Sintéticos” e o Fábio desenvolveu um estudo comparativo dos tecidos fabricados


Experiências de Sucesso com fios poliéster texturizados a ar e com fios de poliamida. Seu objetivo foi verificar a possibilidade de substituir o fio de poliamida 6.6 alta tenacidade por um fio de poliéster (matéria-prima mais barata) texturizado a ar na fabricação de um tecido que poderá ser usado na confecção de malas, mochilas, sacolas, forração de cadeiras, barracas de camping, etc. Qual a sua idade? 23 anos. Nasceu onde? Mora onde? Nasci em Pirajuí – SP, e atualmente moro em São Paulo, SP. Atualmente trabalha com engenharia têxtil? Onde? Sim, na UNIFI do Brasil Ltda. Quando você se forma? Dezembro de 2002. O que levou você a pensar/fazer um trabalho voltado para a confecção de mochilas, malas, etc? Observando o mercado crescente neste segmento e a disputa entre custo e performance do material, optei pela escolha do poliéster que hoje no Brasil é a matériaprima mais barata e que atende às exigências específicas das aplicações destes

produtos, tais como, a resistência à abrasão, ao rasgamento, solidez à cor e por não ser atacado por microorganismos. Que futuro você espera das fibras sintéticas e em particular do poliéster? Se observarmos o mercado de fibras têxteis no Brasil, veremos que a única matériaprima em crescimento no consumo é o poliéster, sendo que as demais decrescem ou tem seu crescimento estagnado. Comparativamente o poliéster é mais barato e proporciona aos artigos diversas propriedades cada vez mais necessárias no mundo moderno, como a estabilidade dimensional, a praticidade no uso, maior durabilidade, fácil manutenção e a grande variedade de produtos que atendem tanto a moda como as aplicações técnicas.

LANÇAS E ESCUDOS No reino de Chu vivia um homem que vendia lanças e escudos. Meus escudos são tão sólidos – gabava-se ele – que nada neste mundo será capaz de perfurá-los. E minhas lanças são tão agudas, que nada existe que não consigam penetrar. Que acontecerá se uma de suas lanças bater contra um dos escudos que faz? – perguntou-Ihe um dia alguém. E o homem não respondeu. (Yan Fei Tzu) Carlos G. Vallés, S.J., Saiu o Semeador, Ed. Loyola 1993, p. 151

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Experiências de Sucesso Alunos da Engenharia recebem menções honrosas I. SIICUSP Em novembro de 2002 realizou-se em São Carlos, SP, o 10º SIICUSP, Simpósio Internacional de Iniciação Científica da USP (Área de Engenharias e Exatas).

O evento é uma grande mostra da iniciação científica do país e conta com a participação de universitários que têm seus trabalhos, elaborados com a supervisão de um professor orientador, submetidos a uma comissão julgadora. Assim como nas anteriores, nesta edição do SIICUSP muitos alunos, individualmente ou em grupos, se inscreveram e tiveram seus trabalhos selecionados. Três destes trabalhos receberam menção honrosa e merecem ser citados:

Vinculado à Engenharia Elétrica, o projeto está centrado no uso de um microcontrolador para controle automático da cancela e sinalização sonora e visual de uma passagem de nível em ferrovias. O controle da cancela leva em conta a variação da velocidade do trem, o que evita acidentes.

Passagem de nível inteligente Autores / Colaboradores: Fábio Pastori Gustavo, Danilo Rodrigues Meleu, Leandro Soares Santos / Marcos Shoiti Ito; Mauro Sussumo Nogata; Mariane Pascoal Freitas Professor orientador: Jorge Luis Nabarrete

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Em sintonia com as normas e procedimentos da ABNT que dizem respeito a uma passagem de nível, os autores desenvolveram um programa destinado a proporcionar maior confiabilidade ao sistema operacional e de segurança das vias férreas.


Experiências de Sucesso Transformador de cores Autores: Fernando G. Nicodemos, Klever Rodrigo Assakawa Iftoda Professor orientador: Renato Giacomini

DIAGRAMA DE BLOCOS

basicamente um circuito eletrônico que funciona num módulo externo, independentemente do sistema operacional do computador.

Fração volumétrica de fase sigma durante o envelhecimento de aço inoxidável dúplex SAF 2205 Autor: Gustavo Henrique Bolognesi Donato Professor orientador: Rodrigo Magnabosco

Também vinculado à Engenharia Elétrica, o objetivo deste projeto é oferecer às pessoas daltônicas um sistema de visão no monitor de vídeo que permite distinguir as cores de forma idêntica às que são passadas ao cérebro pelas células receptoras da retina de pessoas normais.

CIRCUITO ELETRÔNICO

Layout da Placa Final A solução apresentada pelos estudantes baseia-se no remapeamento (transformação) das cores das imagens que aparecem no vídeo, realizado por um transformador de cores –

O projeto analisa a formação da fase sigma – parte do processo de envelhecimento de um tipo particular de aço inoxidável – em temperaturas entre 700º C e 900º C, por períodos de até 1032 horas. O objetivo maior é conhecer o comportamento da fração volumétrica dessa fase em função da temperatura e do período de envelhecimento isotérmico para, a partir daí, estabelecer seu diagrama padrão.

II. SAE – AERO DESIGN Com as equipes Tatu e Kondhor, coordenadas pelo Professor Airton Nabarrete, do Departamento de Engenharia Mecânica, o Centro Universitário da FEI participou pela primeira vez da SAE – AeroDesign 2002, quarta

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Experiências de Sucesso edição, e conquistou duas menções honrosas: Melhor Equipe Iniciante e Maior Peso Carregado. O evento foi realizado entre os dias 18 e 20 de outubro, no Centro Técnico Aeroespacial (CTA), em São José dos Campos, São Paulo. A competição contou com 54 equipes de 35 escolas de Engenharia de 12 Estados diferentes. O Projeto AeroDesign é um programa de fins educacionais, realizado pela SAE BRASIL, seção São José dos Campos. O programa tem como objetivo propiciar a difusão e o intercâmbio de técnicas e conhecimentos de engenharia aeronáutica entre estudantes e futuros profissionais, através de aplicações práticas e da competição entre equipes.

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Em suas primeiras participações, as equipes de alunos do Centro Universitário da FEI, desempenharam um papel que realmente preocupou universidades concorrentes tradicionais como o Instituto Tecnológico da Aeronáutica (ITA) e USP São Carlos. Dentre as 54 equipes participantes, as duas equipes da FEI estavam entre as 21 classificadas para o último dia de competição. A Kondhor, representada por seu capitão Charles Moriya, conseguiu na oitava bateria da competição, elevar 9,67 kg de massa, garantindo o título de equipe que carregou o maior peso da competição. “O Centro Universitário da FEI terá futuro na competição”, garante Thiago Luiz Romanini, capitão da equipe Tatu. “Acho que a premiação é um grande incentivo para os próximos alunos montarem novas equipes”, afirma Charles.


Experiências de Sucesso Hurricane – the hovercraft Em 1998 teve início um projeto ambicioso de conclusão de curso na área da Engenharia: sob a coordenação do professor Arthur Tamasauskas, um grupo de alunos da Mecânica construiu, como modelismo, um hovercraft (veículo aerodeslizante), que recebeu o nome de Hurricane. Posteriormente, outros grupos de formandos deram continuidade à idéia: elaboraram o projeto básico e desenvolveram a engenharia detalhada, dando origem ao primeiro exemplar do Hurricane. Tratava-se de um veículo construído em escala reduzida, controlado por rádio e capaz de flutuar sobre um colchão de ar, deslocando-se sobre terras, águas e áreas pantanosas. O passo seguinte centrou-se na conclusão

do projeto. Em junho de 2002, com o apoio do Centro Universitário da FEI – laboratórios, ferramentas, verbas – e de várias empresas que mantém parceria com o Centro Universitário, o Hurricane tornou-se realidade. Do início até a colocação do Hurricane em funcionamento, 28 estudantes trabalharam no projeto. Com 5 metros de comprimento por 3 metros de largura e um custo estimado de R$ 10 mil, o Hurricane, um hovercraft com motor 1.6, a gasolina, transporta 4 pessoas a uma velocidade de até 80 km/h. De acordo com o professor Tamasauskas, “é ideal, por exemplo, para uso em represas, tanto no resgate de pessoas como em trabalhos de fiscalização, porque ele, ao flutuar sobre um colchão de ar, supera mais facilmente os obstáculos”.

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Experiências de Sucesso MINI BAJA: um desafio para universitários, um triunfo das equipes do Centro Universitário da FEI

Promovido pela SAE, International Society of Automotive Engineering, o Projeto Mini Baja é uma corrida de carros projetados, construídos e pilotados por universitários. Neste ano de 2002, quinze alunos de Engenharia Automobilística do Centro Universitário da FEI, organizados em duas equipes distintas, brilharam nesse projeto que evidencia os conhecimentos tecnológicos, a ousadia e o bom senso dos participantes. Em 15 de outubro, na VIII competição brasileira de Mini Baja, realizada em Interlagos, SP, as equipes da FEI, competindo com 70

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faculdades nacionais e 2 estrangeiras, foram imbatíveis: conquistaram os 2 primeiros lugares. Como prêmio, ganharam uma viagem a Milwaukee, Estados Unidos, para participar do 2002 Midwest Mini Baja, a mais importante da categoria. Esta prova, ocorrida de 30 de maio a 2 de junho, contou com 125 equipes de diversos países. As equipes do Centro Universitário da FEI confirmaram a performance, ocupando posições de destaque: ficaram na 3ª e 6ª colocação. Mais do que um triunfo, sem dúvida, um resultado digno de comemoração e registro.


Futebol Brasileiro, uma obra dos jesuítas?

A euforia do pentacampeonato mundial tem levado jornalistas e pesquisadores a trazer mais luzes sobre o futebol, no país no futebol. A manchete acima (sem o ponto de interrogação) apareceu no jornal O Estado de São Paulo, de 13 de maio de 2002, introduzindo artigo de Carlos Motta. Os jesuítas já são conhecidos pela obra de catequese e civilização de Anchieta, Nóbrega e Vieira. Agora tem mais. Pe. José Mantero e Luiz Yabar introduziram o futebol no Brasil no Colégio São Luís de Itu, nas últimas décadas do século XIX. A informação é do historiador José Moraes dos Santos Neto no livro Visão do Jogo – Primórdios do Futebol no Brasil, editora Cosac & Naif, da coleção Torre do Agrião. A averiguação não tira o mérito de Charles Miller. Mas quando ele difundiu o futebol, o esporte já era conhecido e praticado no colégio São Luís de Itu e logo em outros, como dos lazaristas em Petrópolis. Inicialmente sem traves e marcações em campo, mais para brincadeira com o nome

de “bate-bolão”. Segundo o historiador, o futebol, mais ou menos como é conhecido hoje, começou a ser jogado em 1894, quando o Pe. Luiz Yabar foi nomeado reitor. “Ele era um grande conhecedor da história e das regras do futebol, pois o vira sendo jogado em colégios europeus. Os times uniformizados passaram a ser compostos por 11 jogadores, o campo foi dividido e traves de madeira passaram a delimitar os gols. O São Luís passou a ter quatro times: o branco, o encarnado, o verde e o preto”. Os colégios jesuítas sempre deram importância aos exercícios físicos da meninada. Fiel a esta tradição, o Centro Universitário da FEI mantém um excelente Pe. Luiz Yabar, um dos introdutores parque poliesportivo do futebol no Brasil

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em seu campus de São Bernardo. Ocupa amplo espaço e empresta uma cor especial à paisagem. O Ginásio com capacidade para duas mil pessoas foi inaugurado em 1982. A ministra da Educação da época, D. Esther Figueiredo Ferraz, presidiu a festa. Alguns anos depois estava pronto campo de futebol, com arquibancada, pista de atletismo

entre universidades, e com ótimos resultados. As competições internas são também animadíssimas, sem falar das aulas de educação física e

das atividades rotineiras programadas desde o início dos semestres. Os professores Godofredo e mais duas quadras externas. Posteriormente foi inaugurada a piscina semi-olímpica com água aquecida. Um campo de futebol society

e inúmeras salas de ginástica e musculação completam o conjunto. O Centro Universitário vem participando das mais variadas competições

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Casati, Paulo P. Primo e José Carlos C. Silva, junto com seus auxiliares e monitores e a colaboração da Associação Atlética têm mantido o brilho de tantas e tão boas iniciativas.


Vinte anos de Ginásio: 1982 – 2002 Certamente uma data que marcou a história da FEI: a inauguração do Ginásio, que centraliza as atividades esportivas, tão importantes para a formação integral da juventude.

A Ministra da Educação, D. Esther Figueiredo Ferraz, discursa na inauguração do Ginásio. Na foto, o Pe. Moreira, S.J., Presidente da Fundação, o Pe. Mac Dowell, S.J., Provincial. À esquerda D. Lavínia Rugde Ramos Gomes, viúva de Lauro Gomes, ex-prefeito de São Bernardo do Campo e grande benfeitor da instituição.

Visão parcial da platéia, na sessão solene de inauguração do Ginásio. Em primeiro plano, o Pe. Theodoro Peters, S.J., então reitor do Colégio São Luís. Um pouco mais atrás o Prof. Ferreira Filho.

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Prof. Ferreira Filho Em julho de 2002, mais precisamente no dia 30, véspera da festa de Santo Inácio, faleceu aos 91 anos o Prof. Joaquim Ferreira Filho, personagem importantíssimo na história do Centro Universitário da FEI. Ele foi professor fundador, diretor e sem dúvida o principal artífice da transferência da Faculdade, da rua São Joaquim para o campus de São Bernardo na década de 60. Foi grande amigo e admirador do Pe. Sabóia de Medeiros. “O Pe. Sabóia confiou em mim e eu tinha que corresponder a esta confiança”, costumava repetir, e acrescentava: “agradeço a ele e aos jesuítas a oportunidade de poder dedicar-me a obra tão benemérita”. Ferreira tornou-se o professor-símbolo da FEI. Na mensagem, que dirigiu à FEI por ocasião do jubileu de ouro, o Pe. Peter Hans Kolvenbach, S.J. Superior Geral da Companhia de Jesus, saúda na pessoa dele todos os colaboradores da instituição. “Na pessoa do Prof. Joaquim Ferreira Filho, que acompanha com extraordinário carinho e empenho gratuito a evolução da FEI desde os seus inícios, gostaria de saudar todos os demais colaboradores, que, identificados com a mística desta Faculdade, deram e dão o melhor de suas energias à formação de engenheiros qualificados e abertos à problemática global da existência pessoal e social”.

Antes, o Pe. Aquino em seu último livro “Tudo Começa e Acaba na Esperança” (Loyola, 1991, p.78) já tinha deixado seu testemunho: “Teria um longo elenco de pessoas as quais agradecer aqui, a começar do professor Joaquim Ferreira Filho, a quem a FEI, desde a fundação muito deve”. O Pe. Aquino, S.J. foi presidente da Fundação de Ciências Aplicadas no início da década de 60, cargo que deixou para ser provincial da Província Centro-Leste da Companhia de Jesus. O Prof. Ferreira foi também assessor de diretoria para assuntos curriculares e relações com o MEC e conselheiro imprescindível para os grandes empreendimentos realizados na FEI. Nas décadas de 80 e 90 acompanhava o Pe. Moreira nas reuniões internacionais da FIUC e AUSJAL. Foi autor da publicação “FEI-50 anos, 1946-1996, uma cronologia”, onde compilou importante documentação. Enquanto as forças o permitiram participou da vida da Faculdade. Se hoje chegamos a Centro Universitário, devemos sem dúvida ao trabalho sério de base que realizou, de ânimo forte e dedicação plena. Que o Senhor lhe conceda a paz e a felicidade eterna que reserva aos homens de bem e que fizeram de sua vida uma grande oblação.

Palavras de agradecimento Discurso do Prof. Joaquim Ferreira Filho, em 31 de julho de 1991, quando recebeu o título de professor emérito da FEI. Ao receber esta homenagem, quero exprimir com algumas poucas palavras o meu agradecimento. Posso dizer que, havendo colaborado com a FEI desde o seu nascimento, há quase cinqüenta anos, jamais pensei que isso fosse razão para qualquer homenagem especial. Trabalhei para ela por uma satisfação íntima – a de fazer bem feitas as coisas que assumo – e,

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ao mesmo tempo, pelo prazer de participar de uma obra importante e construtiva. Realmente, engenheiro de formação e vivência e cedo participante das tarefas de ensino, colaborador por muitos anos do emérito Prof. Roberto Mange, pioneiro na formação do ensino profissional brasileiro, entendia, como entendo, que esse trabalho de preparo de profissionais para a direção técnica


superior da indústria era e é, da maior relevância para o desenvolvimento econômico nacional. Assim, quando convidado pelo eminente Pe. Sabóia de Medeiros, a cuja visão tanto deve a FEI, para colaborar na implantação desta instituição, senti que nessa iniciativa estava um elemento fundamental e imprescindível para a modernização do país. Era, em suma, um empreendimento que merecia a dedicação de todo cidadão, mormente de todo engenheiro consciente de suas responsabilidades para com a sociedade. Em meados do século, pude ver que o progresso do país estava ligado à industrialização e que esta dependia, em larga escala, do surgimento de um quadro de engenheiros especializados, aptos a dar apoio e orientação às indústrias paulistas, que constituíam por assim dizer o parque industrial brasileiro. Foi por isso, com grande alegria que assisti ao surgimento da FEI, destinada a preparar profissionais de engenharia em vista das necessidades da indústria nacional. E por isso que continuo a trabalhar na FEI e com a FEI. Parece-me ainda válido, em face da realidade brasileira, empenhar o melhor dos meus esforços pela causa da educação para a engenharia, no preparo de engenheiros para a indústria nacional. Ao fazê-lo, repito, nada esperava em troca desta colaboração, fora o contentamento interior. Foi com surpresa que recebi a notícia da homenagem que ora se efetiva.

Tal surpresa justifica a emoção que me toma neste momento, emoção essa que não é de meu feitio demonstrar. De fato, os que aqui estão, conhecem-me de há muito. Sabem que não sou dado a expansões, salvo, talvez, o sorriso, com o qual procuro cobrir a secura aparente. Mas o que vale são os fatos, não as palavras. Não posso deixar de demonstrar meu agradecimento aos eminentes representantes da Companhia de Jesus – Pe. Veloso, Pe. Aquino e Pe. Moreira – ilustres Curadores e Diretoria Executiva da Fundação de Ciências Aplicadas – ao Corpo Docente, Administrativo e Discente da FEI, liderados por seus Diretores, Prof. Paulo Mathias, Prof. Jorge Hilsdorf e Superintendentes, Srs. José Silva e Raymundo Espelho que, com sua confiança permitiram minha eficiente colaboração na realização desta grande obra do Pe. Sabóia. A FEI tornouse uma das maiores escolas de Engenharia do país e é reconhecida como uma das mais conceituadas. Creiam na profundidade de meu agradecimento. Aceitem todos os amigos que aqui se reúnem para esta homenagem, a minha sincera gratidão. Não a meçam ou a desvalorizem, em razão da simplicidade das palavras. Com efeito, não vejo melhor forma de exprimir esses agradecimentos senão pelo modo mais singelo e puro – aquele que usamos para com os nossos mais íntimos parentes e amigos – dizendo simplesmente: Muito obrigado!

MONSENHOR JOSÉ DA CONCEIÇÃO PAIXÃO Nascido em São Paulo no dia 8 de dezembro de 1919, começou seus estudos sacerdotais no Seminário Central do Ipiranga. Em 1944, foi ordenado no Seminário de São Leopoldo, RS. Foi secretário de Dom Ernesto de Paula, bispo de Piracicaba, assistente eclesiástico da Liga das Senhoras Católicas, capelão das Missionárias de Jesus Crucificado e assistente religioso da ESAN. Afora as atividades religiosas, o monsenhor Paixão se distinguiu por sua atuação no campo educacional. Foi membro do Conselho Curador da Fundação de Ciências Aplicadas, hoje Fundação Educacional Inaciana “Pe. Sabóia de Medeiros”, diretor de cursos da Lareira, entidade fundada pelo monsenhor Benedito Mário Calazans, professor universitário, membro do Conselho Estadual de Educação e diretor da Fundação Estadual do Livro. Faleceu em 8 de julho de 2002. Nós que com ele convivemos, sempre nos recordaremos de sua conversa agradável, sua cultura e presença significativa em nosso meio.

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1.

Comprometemo-nos a proclamar a nossa firme convicção de que a violência e o terrorismo estão em oposição com o verdadeiro espírito religioso e, ao condenar qualquer recurso à violência e à guerra em nome de Deus ou da religião, empenhamo-nos em fazer tudo o que for possível para desenraizar as causas do terrorismo.

2.

Comprometemo-nos a educar as pessoas no respeito e na estima recíprocos, a fim de poder alcançar uma coexistência pacífica e solidária entre os membros de etnias, culturas e religiões diferentes.

3.

fazendo-nos a voz dos que não têm voz, e empenhando-nos, concretamente para sair de tais situações, convictos de que sozinho ninguém pode ser feliz.

Comprometemo-nos a promover a cultura do diálogo, para que se desenvolvam a compreensão e a confiança recíprocas entre os indivíduos e entre os povos, pois são estas as condições para uma paz autêntica.

8.

Comprometemo-nos a defender o direito de todas as pessoas humanas de levar uma existência digna, de acordo com a sua identidade cultural, e de fundar livremente uma família que lhe seja própria.

9.

4. 5.

Comprometemo-nos a dialogar com sinceridade e paciência, não considerando o que nos divide como um muro insuperável, mas, ao contrário, reconhecendo que o confronto com a diversidade do próximo pode tornar-se uma ocasião de maior compreensão recíproca.

6.

Comprometemo-nos a perdoar-nos reciprocamente os erros e os preconceitos do passado e do presente, e a apoiar-nos no esforço comum para vencer o egoísmo e o abuso, o ódio e a violência, e para aprender do passado que a paz sem justiça não é uma paz verdadeira.

7.

Comprometemo-nos a estar da parte de quantos sofrem devido à miséria e ao abandono,

56

Comprometemo-nos a fazer nosso o brado de todos os que não se resignam à violência e ao mal, e desejamos contribuir com todos os nossos esforços para dar à humanidade do nosso tempo uma real esperança de justiça e de paz. Comprometemo-nos a encorajar qualquer iniciativa que promova a amizade entre os povos, convictos de que, se não há um entendimento solidário entre os povos, o progresso tecnológico expõe o mundo a riscos crescentes de destruição e de morte.

10.

Comprometemo-nos a pedir aos responsáveis das nações que façam todos os esforços possíveis para que, quer em nível nacional quer internacional, seja edificado e consolidado um mundo de solidariedade e de paz fundado na justiça. Decálogo proclamado na conclusão do dia de oração pela paz no mundo realizado em Assis, no dia 24 de janeiro de 2002. O texto foi enviado um mês depois pelo Papa João Paulo II aos chefes de Estado ou Governo, responsáveis da vida social e política dos países que ali estavam representados pelos chefes religiosos de numerosas nações. Fonte: Revista 30 dias nº 2 – 2002



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