Seminário I OS | Oscip
Apresentações Técnicas Artigos
ciclo de seminários NOVOS MODELOS ORGANIZACIONAIS
Seminário I – Organização Social (OS) e Organização Civil de Interesse Público (Oscip) – Instrumento para Viabilizar as Políticas Públicas?
Apresentações Técnicas Artigos
São Paulo, 2007
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Seminário I — Organização Social (OS) e Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) — Instrumentos para viabilizar as Políticas Públicas?
Apresentações Técnicas Artigos
São Paulo, 2007
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SUMÁRIO Maria Nazaré Lins Barbosa Direito Administrativo e Terceiro Setor – Parcerias Públicas no Município
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A Experiência dos Termos de Parceria entre o Poder Público e as Oscips 17
Flavio Alcoforado Organizações Sociais Mecanismos de Controle pelo Estado e pela Sociedade 65 Contratualização e Eficiência no Setor Público: As Organizações Sociais 79
Eduardo Szazi Extrato de Relatório de Pesquisa Comparada de Legislação Brasil – Estados Unidos – Europa – América Latina 107 Há Necessidade de Fiscalização do Governo sobre o Trabalho das Organizações da Sociedade Civil? Por quê? 130
Eduardo Pannunzio Amicus Curiae 134
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Carlos Inácio Prates Oscips – Oportunidades e Ameaças 195 Oscip e o Fornecimento de Mão-de-Obra Terceirizada: Questão Polêmica ..216
Alfredo Sant´Anna Júnior - Fátima F. Araújo Maria do Carmo M. T. Cruz - Vera Martins da Silva Pesquisa Novas Formas Organizacionais nos Município Paulistas 236 Estudo sobre Novas Formas Organizacionais nos Municípios – 2006 249
Humberto Falcão Martins A Organização Social no Contexto Governamental 271
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______________________________________________________
Maria Nazaré Lins Barbosa Direito Administrativo e Terceiro Setor – Parcerias Públicas no Município A Experiência dos Termos de Parceria entre o Poder Público e as Oscips
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DIREITO ADMINISTRATIVO E TERCEIRO SETOR – PARCERIAS PÚBLICAS NO MUNICÍPIO ___________________________________
Slide 1 Direito Administrativo e Terceiro Setor
Parcerias Públicas no Município
___________________________________ ___________________________________
Maria Nazaré Lins Barbosa
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 2
___________________________________ Transformações sociais Burocratização Burocratização
Direitos Direitos sociais sociais
___________________________________ ___________________________________
Revolução Revolução industrial industrial Voto Votouniversal universal
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________
Slide 3 Um novo ator para um novo cenário Clubes Clubesee associações associações Organizações Organizações Internacionais Internacionais Instituições Instituições Religiosas Religiosas
Universidades Universidades eehospitais hospitais privados privados
OOrganizações rganizações Sociais Sociais (OS) (O S)
ONGs ONGs
Fundações Fundações Empresariais Empresariais Organizações Organizações Comunitárias Comunitárias
___________________________________ ___________________________________
Movimentos Movimentos Sociais Sociais
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 4
___________________________________ Terceiro Setor (a) organizações estruturadas; (b) localizadas fora do aparato formal do Estado;
___________________________________
(c) que não são destinadas a distribuir lucros (d) autogovernadas;
___________________________________
(e) envolvendo indivíduos num significativo esforço voluntário.”
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________
Slide 5 Fontes de Pressão 1) de baixo, na forma de movimento espontâneo de base;
___________________________________
140 120 100 80
___________________________________
60 40 20 0 41-50 51-60 61-70 71-80 81-90 91-97
Associações comunitárias na Grande São Paulo
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 6
___________________________________ Fontes de Pressão 1) de fora, pelas ações de várias instituições públicas e privadas;
___________________________________
Banco Mundial-Parcerias com ONGs 100% 90% 80% 70% 60% 50% 40% 30% 20% 10% 0%
outros O NG
1990
1995
___________________________________
1999
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
10
___________________________________
Slide 7 Fontes de Pressão 3) de cima, na forma de políticas governamentais.
___________________________________
OS: Reforma do Aparelho do Estado Lei nº 9.637/98 OSCIPs: “Marco Legal” do Terceiro Setor Lei nº 9.790/99
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 8
___________________________________ Estratégia da Reforma do Governo Federal 1995-1998 FORMA DE PROPR IEDADE ESTATAL
NÚCLEO ESTRATÉGICO Poderes , Forças Armadas
PÚBLICA não-ESTATA L
PRIV ADA
___________________________________
ATIVIDADES EXCLUSIVAS Fiscalização, Seguridade ATIVID. NÃO EXCLUSIVAS Universidades, Hospitais PRODUÇÃO PARA O MERCADO Empresas Estatais
Publicização
___________________________________
Privativação
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________
Slide 9 OS
≅
OSCIP
• Pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos • Qualificação acesso recursos públicos • Modelos de eficiência
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 10
___________________________________ OS
≅
OSCIP
• Pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos • Qualificação mutuamente excludente • Licitações em regulamento próprio obedecendo aos princípios da administração pública (OSCIP: só na vigência do Termo de Parceria)
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
12
___________________________________
Slide 11 OS • • • •
PDRAE Lei nº 9.637/98 Contrato de Gestão Prestam contas diretamente ao TCU, conforme IN TCU 12/96
≠ • • • •
OSCIP não PDRAE Lei nº 9.790/99 Termo de Parceria Prestam contas ao Poder Público (órgão repassador) na vigência do Termo de Parceria; nos moldes em que se faz com os convênios
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 12
___________________________________ OS •
Nascem normalmente da publicização de serviços prestados pelo Poder Público (art. 20). Há membros do Poder Público no Conselho de Administração (art. 2º, I, c) Recebem créditos orçamentários específicos e bens e servidores públicos cedidos (art. 12 a 14) . O próprio contrato de gestão estreita esse vínculo
≠
OSCIP
• Não há vínculo (art. 1º e 2º) com a Administração Pública até a celebração de Termo de Parceria com o Poder Público, mas sim com o interesse público; se extintas, seus patrimônios devem ser transferidos a outras OSCIPs
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
13
___________________________________
Slide 13 OS • Escopo restrito (ensino,
≠
OSCIP
• Escopo amplo
pesquisa científica, desenvolvimento técnológico, meio ambiente, cultura e saúde)
• Ato de qualificação emitido pelo Poder Executivo (Decreto)
• Ato de qualificação emitido pelo MJ (certificado)
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 14
___________________________________ Regime jurídico público ou privado Organizações não governamentais (ONGs) Origem genuinamente privada Profissionalização (remuneração de dirigentes) Identidade do “terceiro setor” Dependência de recursos Organizações “quase”governamentais (QUANGOS) Origem genuinamente pública Origem dos recursos
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________
Slide 15 Transferências de recursos • Contratos (Lei nº 8.666/93, art. 24) • Convênios (Lei nº 8.666/93, art 116) – Termos de Parceria -OSCIP – Contratos de gestão – OS
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 16
___________________________________
Perspectivas • Incremento de nº OSCIPs e de Termos de Parceria. Importância do Concurso de Projetos. • Incremento de nº de OSs e Contratos de gestão
___________________________________ ___________________________________
• Projetos de lei de âmbito estadual e municipal
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________
Slide 17 Desafios para o Terceiro Setor • Identidade: o que é e o que não é
___________________________________
• Relações com o Poder Público
___________________________________ PUBLICIDADE
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 18
___________________________________ Estado e cidadania “O ressurgimento do terceiro setor no final do século pode ser lido como uma oportunidade para o princípio da comunidade comprovar as suas vantagens comparativas em relação ao princípio do mercado e ao princípio do Estado”. Boaventura de Sousa Santos
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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A EXPERIÊNCIA DOS TERMOS DE PARCERIA ENTRE O PODER PÚBLICO E AS OSCIPS Maria Nazaré Lins Barbosa*
SUMÁRIO – 1. Introdução. 2. Antecedentes da Qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip). 3. Os termos de parceria com as Oscips. 4. Aplicação dos Termos de Parceria com Oscips: dúvidas jurídicas suscitadas. 5. Conclusão
1. Introdução As parcerias entre o setor público e o setor privado sem fins lucrativos tiveram um incentivo importante com a edição da Lei 9.790/99 – que instituiu o “Termo de Parceria” como um instrumento de cooperação entre órgãos públicos e organizações privadas qualificadas como “organização da sociedade civil de interesse público” – Oscip. Apresentamos neste estudo alguns elementos para avaliar a utilização do instrumento. Inicialmente, trazemos uma breve síntese dos antecedentes da lei instituidora da qualificação como Oscip. Na seqüência, descrevemos os requisitos para concessão, as vantagens e restrições da qualificação, e registramos a crescente adesão das entidades ao
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Advogada. Mestre e doutoranda em Administração Pública e Governo pela FGV. Professora de Legislação do Terceiro Setor na FGV.
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novo título. Em outro item, analisamos o instrumento “Termo de Parceria” trazido pela mesma lei, sua natureza e disciplina jurídica, os passos prévios à celebração do instrumento, objeto, cláusulas obrigatórias, forma de execução, liberação dos recursos e de prestação de contas. Comparamos alguns aspectos dessa disciplina com a dos convênios, que constituem instrumentos análogos. No penúltimo item, discutimos a aplicação do instrumento, trazendo análises dos Tribunais de Contas e dúvidas jurídicas suscitadas. Na conclusão, apontamos as potencialidades e fragilidades do instrumento. Destacamos que o presente estudo não irá analisar outras formas de ajuste entre o Estado e o terceiro setor – como os “contratos de gestão” com “organizações sociais” –. que mereceriam abordagem específica, não alcançável nos limites do presente estudo. 2. Antecedentes da qualificação de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip) 2.1 O contexto da emergência do terceiro setor A expressão “terceiro setor” vem sendo utilizada para caracterizar o setor constituído por agentes privados que exercem atividades de caráter público ou social, sem fins lucrativos. O terceiro setor tem crescido notavelmente nas três últimas décadas. O fenômeno não se restringe ao Brasil e à América Latina. Em todo o mundo multiplicam-se agentes privados, sem fins lucrativos, voltados para finalidades públicas: assistência social, saúde, defesa do meio ambiente, proteção de direitos humanos, etc. Distingue-se, deste
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modo, de um primeiro setor, caracterizado por agentes públicos com fins públicos (Estado), e de um segundo setor, referido à iniciativa privada com fins de lucro( mercado). 1 Em caráter genérico e preliminar, pode-se afirmar que o “terceiro setor” corresponde ao espaço institucional das organizações privadas, sem fins lucrativos, voltadas para finalidades públicas ou sociais. Engloba entidades de formas e de fins muito diversos. O Banco Mundial, por exemplo, refere-se às “organizações não governamentais” - ONGs para designar variadas organizações privadas, caracterizadas primordialmente por ter objetivos humanitários ou de cooperação, buscando geralmente aliviar o sofrimento, oferecer serviços sociais básicos, proteger o meio ambiente ou a defesa de direitos (“advocacy”).. 2 2.2 Configuração jurídica das entidades do terceiro setor No Brasil, as entidades privadas sem fins lucrativos com finalidades sociais revestem-se juridicamente da forma de associações ou fundações de direito privado, sem fins lucrativos. As associações de caráter beneficente estão relacionadas com o apelo à caridade para socorrer os desvalidos: asilos, creches, instituições de educação ou de saúde, etc. No Brasil, mediante a obtenção de uma série de títulos - utilidade pública, certificado de
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As causas do fenômeno de crescimento e de diversificação do terceiro setor estão associadas à crise do Welfare State,
nos países desenvolvidos, e à crise do Estado desenvolvimentista e à redemocratização, em países em desenvolvimento, bem como à sensibilidade em relação a novos valores. 2
Banco Mundial. Manual de prácticas constructivas en materia del régimen legal aplicable o las organizaciones no gubernamentales. Borrador para discusión. 1997.
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entidade beneficente - podem obter privilégios fiscais - isenções diversas - e receber até mesmo subvenções oficiais. As fundações privadas caracterizam-se por serem um patrimônio afetado a um fim social ou altruístico, não lucrativo, estando sujeitas à aprovação e fiscalização do Ministério Público, também podendo se habilitar à obtenção de títulos e benefícios fiscais.
2.3 Uma primeira distinção No universo formal das entidades sem fins lucrativos, no Brasil, não se distinguiam entidades de fim público de organizações de benefício mútuo. Organizações privadas de benefício mútuo são instituições que não perseguem fins de lucro, mas têm como objetivo a defesa ou promoção de interesse de seus membros ou instituidores. Anna Cynthia Oliveira as exemplifica entre aquelas cuja atuação se confunde com o interesse de um partido político ou de movimentos religiosos, as sociedades e associações de produtores, fornecedores, segmentos da agricultura, indústria ou de serviços, variados grupos de auto-ajuda, associação de moradores, de mutuários do SFH, inquilinos, grêmios literários ou culturais, clubes esportivos ou recreativos, federações e associações diversas, de caráter representativo de qualquer segmento da sociedade civil -
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inclusive de fundações ou de ONGs -, pois as entidades representativas atuam, em princípio, na defesa de seus interesses. 3 Organizações privadas de fim público também não perseguem lucro, mas se distinguem porque beneficiam largo espectro da população, dedicam recursos e energias ao atendimento direto de necessidades ou à defesa de direitos de segmentos politicamente débeis ou marginalizados. Beneficiam populações-meta que estão além da própria instituição, perseguindo fins públicos ou interesses sociais difusos. Como anota a autora mencionada, não basta que os estatutos da associação ou da fundação estabeleçam fim público como missão para que se alcance este caráter. As atividades efetivamente desempenhadas devem tornar possível sua comprovação. Essa distinção – fim público e benefício mútuo - vinha sendo proposta por estudiosos do terceiro setor e constava do Manual de Práticas Construtivas em Matéria de Regime Legal aplicável às ONGs elaborado pelo Banco Mundial (1997). Com efeito, a distinção é importante para melhor delimitar a relação financeira entre as organizações não governamentais e o poder público. 2.4 Antecedentes da Lei 9.790/99 Em face do crescimento do terceiro setor, as formas jurídicas de cooperação entre o Estado e as organizações não governamentais vêm sendo objeto de estudo e de debate, já há alguns anos, em diversos países, notadamente na Europa e nos Estados Unidos, com repercussões na América Latina.
3
OLIVEIRA, Anna Cynthia. Construindo um Marco Regulatório para a Consolidação do Setor Privado não Lucrativo e de Fins Públicos no Brasil. Estudo para o Conselho Comunidade Solidária, nov. 1996. Mimeografado.
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Nesse sentido, é digno de menção o Plano de Ação, construído na Cúpula das Américas, realizada em novembro de 1994, em Miami, com a participação de todos os chefes de governo do continente americano (com exceção de Cuba). Neste Plano, incluíram-se importantes declarações sobre as estruturas jurídicas que passariam a orientar as relações entre o Estado e a sociedade civil, no continente. Além de dar início a um diálogo regional sobre a regulação da sociedade civil, reconhecia-se a necessidade de se estudarem reformas constitucionais, legislativas e regulatórias para estimular mecanismos institucionais que favorecessem a participação de organizações do terceiro setor na provisão e prestação de bens ou serviços públicos 4. Nesse contexto, o governo brasileiro, a partir de 1996, envidou esforços no sentido de incluir na “agenda social” brasileira a revisão do “marco legal do terceiro setor”. Em 1997, a pedido do governo brasileiro, o Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo (Idesp) realizou uma pesquisa de avaliação da legislação do terceiro setor. A pesquisa realizou-se mediante um questionário, dirigido a um número expressivo de entidades privadas sem fins lucrativos, com indagações sobre dificuldades relacionadas a questões jurídicas, como a burocracia para o cumprimento das obrigações legais; carência de incentivos fiscais; empecilhos à celebração de convênios e outros aspectos específicos, bem como possíveis propostas de aperfeiçoamento. Como resultado da pesquisa, identificaram-se, entre outras, as seguintes propostas: a) a conveniência de distinguir no universo privado sem fins lucrativos as entidades de fim público (que beneficiam principalmente um público-alvo distinto dos próprios
4
INTERNATIONAL CENTER FOR NOT-FOR-PROFIT LAW. Marco regulador de las organizaciones de la Sociedad Civil en Sudame rica, Washington, International Center for Not-for-Profit Law (ICNL), 1. ed., 1997.
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associados, como por exemplo as entidades dedicadas à assistência social, ao ambientalismo, à cultura, entre outros) das entidades de benefício mútuo (entidades privadas sem fins lucrativos que beneficiam principalmente os próprios membros ou associados, tais como clubes, associações profissionais, etc); b) transparência na escolha das entidades privadas sem fins lucrativos que recebem recursos governamentais diretamente, mediante convênios; c) responsabilização de dirigentes de entidades privadas sem fins lucrativos por desvio na aplicação de recursos públicos; d) superação da prevalência de aspectos meramente formais na avaliação da prestação de contas; e) incremento dos recursos repassados pelo poder público em financiamentos diretos, que não cobrem usualmente todos os custos administrativos e de pessoal de entidades sem fins lucrativos conveniadas com o poder público5 Constatou-se um empenho por parte do governo no atendimento de algumas dessas e de outras proposições, após “rodadas de interlocução política”, realizadas sob a coordenação do Conselho da Comunidade Solidária. A “Lei das Oscips” – de n. 9.790 – que instituiu a qualificação de organizações da sociedade civil de interesse público resulta desse empenho6.
5
SADEK, Maria Teresa. Terceiro setor - uma avaliação da legislação. Relatório Pesquisa, 1998, mimeo
6
A Lei 9.608/98, que dispõe sobre o trabalho voluntário no país, também resultou das rodadas de interlocução política.
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Cumpre observar que esta qualificação, concedida pelo Ministério da Justiça a entidades privadas sem fins lucrativos, é análoga ao tradicional título, concedido pelo mesmo órgão a entidades privadas sem fins lucrativos declaradas de utilidade pública. Este título, existente em nosso direito desde 1935, sofre, porém, algumas restrições: é concedido a entidades beneméritas em geral, porém sem distinguir se se trata de entidade de fim público ou de benefício mútuo, no sentido antes mencionado; exige o cumprimento de excessivos requisitos de índole burocrática; e sua concessão é discricionária. Nesse contexto, a qualificação de organizações da sociedade civil de interesse público respondeu a uma demanda não só de distinção entre entidades de fim público e de benefício mútuo, para efeito de acesso a fundos públicos, como também de simplificação de procedimentos para obtenção de um título oficial, que conferisse credibilidade às entidades. Além disso, tal título seria de concessão vinculada. A Lei 9.790/99 estabelece, pois, um divisor de águas: admite a qualificação como de interesse público apenas a entidades com finalidades que beneficiem um público-alvo que está fora do círculo de associados, como por exemplo entidades de assistência, de promoção da cultura, do voluntariado, de direitos humanos, ambientalistas, etc. E exclui do acesso à qualificação entidades sem fins lucrativos de fins relevantes, porém circunscritos ao interesse primordial dos próprios associados. A partir dessa distinção estabelece que o “termo de parceria” será o instrumento de cooperação entre o poder público e as entidades qualificadas como Oscip. 2.5. As organizações da sociedade civil de interesse público A Lei 9.790/99 estabelece uma relação dos fins considerados de interesse público para efeito de qualificação de uma entidade sem fins lucrativos como Oscip: Considera-se que o interesse público – como apontado na justificativa do anteprojeto - é o resultado da soma de dois fatores: a) a finalidade e o regime de funcionamento, compreendendo a
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transparência e a responsabilidade no trato dos recursos e patrimônio social, bem como o cumprimento de determinadas obrigações para com o Estado; e b) existência de mecanismos de auto-regulação e de dispositivos institucionais de responsabilização. Para qualificar-se como organização da sociedade civil de interesse público, a lei dispõe que a entidade deve ter uma das seguintes finalidades: I – promoção da assistência social; II - promoção da cultura, defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; III - promoção gratuita da educação, observando-se a forma complementar de participação de que trata esta lei; IV - promoção gratuita da saúde, observando-se a forma complementar de participação das organizações de que trata esta lei; V - promoção da segurança alimentar e nutricional; VI - defesa,
preservação e conservação do meio ambiente e promoção do
desenvolvimento sustentável; VII - promoção do voluntariado; VIII - promoção do desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; IX - experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e crédito. X - promoção de direitos estabelecidos, construção de novos direitos e assessoria jurídica gratuita de interesse suplementar; XI - promoção da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia e de outros valores universais;
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XII - estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas,
produção e
divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às atividades mencionadas neste artigo. A lista é exaustiva. No entanto, os enunciados são suficientemente amplos para abrigar ao lado das categorias tradicionais – assistência, saúde, educação – espaço para categorias emergentes. Permite, por exemplo, que possam ser qualificadas como de interesse público entidades de defesa de direitos humanos, de promoção do voluntariado, de defesa do consumidor ou de combate à fome. A dedicação a alguma das finalidades acima elencadas é condição necessária, mas não suficiente para a qualificação da entidade como de interesse público. A lei exige que os estatutos disponham expressamente sobre a observância dos princípios legais, adoção de práticas de gestão transparentes, a constituição de conselho fiscal, a destinação do patrimônio a entidade congênere, a submissão à prestação de contas, na forma indicada na lei. A inovação mais surpreendente é certamente a possibilidade de se instituir remuneração para os dirigentes da entidade, que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que lhe prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente à sua área de atuação. Além das entidades de caráter mercantil ou lucrativas, a lei exclui expressamente do novo regime as corporativas, representativas de interesses profissionais ou econômicos (como é o caso dos sindicatos e das associações de classe ou de categoria profissional por base territorial ou ramo de atividade e suas articulações, federações, confederações e centrais). Note-se que, no país, uma parcela significativa de entidades sem fins lucrativos pertence a este gênero. Também se excluem da qualificação de interesse público as organizações religiosas e assemelhadas (ou seja, aquelas instituições precipuamente voltadas
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para a
disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais); as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações. 7 Excluem-se igualmente entidades de benefício mútuo, destinadas a proporcionar bens e serviços a um círculo restrito de associados (como é o caso dos clubes, das instituições de previdência privada e dos fundos de pensão e assemelhados); planos de saúde e assemelhados. Também não se habilitam à qualificação hospitais, escolas e universidades – e respectivas mantenedoras – que não prestem serviços gratuitos; assim como cooperativas de qualquer tipo ou gênero; fundações públicas ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundação pública. A nova qualificação proposta representa, assim, uma tentativa de classificação das entidades que compõem o setor privado com finalidades de interesse público. Trata-se de aspecto fundamental para conferir maior transparência ao setor. Note-se que o elenco apresentado corresponde, de modo geral, ao que a literatura especializada classifica como entidades de “fim público”. Apenas as entidades que se qualifiquem como de interesse público poderão ter acesso a “termos de parceria”.
2.6 Requisitos para concessão do título Para a obtenção do título, é necessário instruir o pedido com requerimento dirigido ao Ministro de Estado de Justiça; acompanhado do estatuto registrado em Cartório; ata de eleição de sua atual diretoria; balanço patrimonial e demonstração do resultado do
7
Há aqui também um aperfeiçoamento importante. Atualmente, as fundações vinculadas a partido políticos gozam não apenas da imunidade fiscal como também da permissão legal para empregar em finalidades eminentemente partidárias outros recursos públicos a que têm acesso.
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exercício; declaração de isenção do Imposto de Renda; e inscrição no Cadastro Nacional da Pessoa Jurídica (CNPJ). O Ministério da Justiça terá 30 (trinta) dias para deferir ou não o pedido de qualificação, ato que será publicado no Diário Oficial da União no prazo máximo de 15 (quinze) dias da decisão. Se o pedido for deferido, será emitido o certificado de qualificação como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscip).
2.7 Vantagens e restrições do título Quando instituído, em 1999, a única vantagem expressamente assinalada para as entidades que obtivessem o título de Oscip era a possibilidade de futura celebração de termos de parceria com o governo federal. Os termos de parceria são instrumentos análogos aos convênios, porém, nos termos da Lei 9.790/99 e do Decreto 3.100/99, regulam-se por critérios presumivelmente mais eficazes, como se verá no item 3 deste trabalho. Como qualquer título oficial, tende a oferecer credibilidade à entidade que o obtém. Porém, o título traz como vantagem específica a possibilidade de a entidade remunerar dirigentes – vedada para outros títulos. O estatuto deve indicar se há ou não remuneração de dirigentes, permitida àqueles que atuem efetivamente na gestão executiva e para aqueles que a ela prestam serviços específicos, respeitados, em ambos os casos, os valores praticados pelo mercado, na região correspondente à sua área de atuação. Em contrapartida, a Lei 9.790/99 exige que a entidade que pleiteie o título faça constar expressamente em seus estatutos, além de finalidades compatíveis com aquelas enumeradas na lei:
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a) a
observância
dos
princípios
da
legalidade,
impessoalidade,
moralidade,
publicidade, economicidade e de eficiência; b) a adoção de práticas de gestão administrativa, necessárias e suficientes a coibir a obtenção, de forma individual ou coletiva, de benefícios ou vantagens pessoais, em decorrência da participação no respectivo processo decisório; c) a constituição de conselho fiscal ou órgão equivalente, dotado de competência para opinar sobre os relatórios de desempenho financeiro e contábil, e sobre as operações patrimoniais realizadas, emitindo pareceres para os organismos superiores da entidade; d) a previsão de que, em caso de dissolução de entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta; e) a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída pela lei, o respectivo acervo patrimonial disponível adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos mesmos termos, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social; f) as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, que determinarão no mínimo a observância dos princípios fundamentais de contabilidade e das Normas Brasileiras de Contabilidade; a publicidade, por qualquer meio eficaz, no encerramento do exercício fiscal, do relatório de atividades e das demonstrações financeiras da entidade, incluindo-se as certidões negativas de débitos junto ao INSS e ao FGTS, colocando-as à disposição para exame de qualquer cidadão; a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação dos eventuais recursos objetos do Termo de Parceria, conforme previsto em regulamento; e disposição de que a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas organizações da Sociedade Civil de Interesse
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Público será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal. 2.8 Adesão das entidades Desde a sua instituição, houve uma crescente adesão de entidades ao título de Oscip: Atualmente, mais de 3000 entidades estão qualificadas. O número pode parecer pouco expressivo, especialmente se temos em conta as estimativas mais recentes, no sentido de que no Brasil há cerca de 275 mil entidades integrantes do terceiro setor em funcionamento, registradas no Cadastro Nacional de Pessoas Jurídicas. No entanto, deve-se ponderar que a Lei de Utilidade Pública Federal existe desde 1935, e, passados mais de 60 anos, cerca de 10 mil entidades detêm este título. O Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social - antigo Certificado de Fins Filantrópicos, que existe desde 1959 - é privilégio de um universo ainda mais restrito: cerca de 5 mil entidades o possuem. Tendo em conta que o título de utilidade pública federal é requisito para a obtenção do Certificado de Entidade Beneficente de Assistência Social, há uma superposição de títulos para as mesmas entidades. Assim, não se afigura pouco relevante o número de entidades qualificadas como Oscip.
A crescente adesão à qualificação como Oscip pode ser interpretada sob muitos aspectos. Cabe destacar, desde logo, que os critérios de concessão deste título são mais simples, ágeis e objetivos do que os existentes para a concessão dos outros títulos citados. E, no entanto, com os documentos apresentados - o principal é o estatuto - é possível ter clareza em relação ao fim de interesse público perseguido pela entidade. Além disso, a legislação exige que o estatuto das entidades que pretendam a qualificação como Oscip
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contemple normas que induzem a uma "boa governança" - por exemplo, a exigência de um Conselho Fiscal - e admite a possibilidade de remuneração de dirigentes – uma novidade absoluta: os estatutos das entidades que pretendessem qualquer outro título deveriam vedar expressamente essa possibilidade. Essas breves anotações já permitem intuir que, ao menos para algumas áreas emergentes e de interesse público, o título de Oscip oferece um reconhecimento mais acessível - e adequado para a sua identidade - do que aquele oferecido pelos títulos anteriores. Não quer isto dizer que todas ou a maior parte das organizações não governamentais se identifiquem com o título de Oscip. Com efeito, uma parcela não desprezível do setor sem fins lucrativos não atua em áreas particularmente propícias à celebração de termos de parceria com o governo, embora sejam áreas de interesse público. Entidades desses segmentos de atuação - por exemplo, dedicadas à construção de novos direitos - possivelmente, não se disporiam a obter, desde logo, o título de Oscip. Outra parcela do setor sem fins lucrativos, que, embora de interesse público, poderia também não se identificar com a qualificação de Oscip são as entidades das áreas de saúde e de educação - especialmente aquelas que já detivessem outros títulos. De fato, desde a sua edição, a Lei 9.790/99 estabeleceu que outros títulos e qualificações de âmbito federal - o de utilidade pública e o antes denominado Certificado de Fins Filantrópicos – só seriam acumuláveis com o título de Oscip durante o prazo de dois anos a contar da edição da lei, devendo a entidade, a partir de então, “optar” pelo título que preferisse. Tendo em conta as vantagens fiscais (no caso das entidades detentoras do antigo certificado de fins filantrópicos, a imunidade ou isenção à contribuição ao INSS e à CPMF), e até mesmo a "credibilidade", que os títulos tradicionais já oferecem, seria de se esperar pouca adesão dessas entidades ao novo título. Além disso, essas entidades já celebram convênios com o poder público, sistema que, em princípio, não seria substituído pelo sistema de termos de parceria. Portanto, essas entidades nada teriam a ganhar com a 31
qualificação como Oscip. A ampliação do prazo de convivência entre outros títulos e o título de Oscip (que se estendeu até 2004, por força da Medida Provisória 2.123, de 23/2/2001) mais do que um incentivo para novas "adesões" de entidades já detentoras de outros títulos terá sido uma concessão para aquelas que eventualmente já o tivessem feito. A lei, desde a sua edição, alcançou alguns desdobramentos normativos que ajudam a explicar a crescente adesão de entidades ao novo título. Benefícios até então existentes apenas para as entidades de utilidade pública federal foram estendidos às Oscips: a Portaria MF 245/02 autorizou a doação de mercadorias apreendidas pela Receita Federal; o Decreto nº 4.507/02 permitiu também que as Oscips recebam bem móveis da União, considerados anti-econômicos ou irrecuperáveis. Ainda mais significativa foi a edição da Medida Provisória 66, de 29/8/2002, que, em seu art. 37, dispôs que a remuneração de dirigente, em decorrência de vínculo empregatício, não afasta a isenção de imposto de renda da entidade qualificada como Oscip. As normas editadas em 2002 reforçaram a tendência, já observada em 2001, no sentido de estender as Oscips aquelas vantagens já admitidas para as entidades de utilidade pública federal. Penso que a mais importante foi a Medida Provisória 2.158 de 3/5/2001, que permitiu às Oscip o acesso a doações dedutíveis do imposto de renda de pessoas jurídicas - embora esse importante incentivo fiscal seja ainda subaproveitado pelas entidades de utilidade pública e pelas empresas. No entanto, a implementação do Termos de Parceria – que em princípio seria a principal vantagem para as Oscips - dá-se de forma lenta e suscita dúvidas jurídicas. É o tópico que passamos a enfrentar. 3. Os termos de parceria com as Oscips
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Os “contratos” e os “convênios” são os instrumentos tradicionais que podem pautar as relações entre entidades do terceiro setor e o poder público. A Lei 9.790/99 instituiu os “termos de parceria”, com algumas características específicas. Neste tópico, apresentamos sinteticamente a distinção entre contratos, convênios e termos de parcerias. 3.1. Contratos e convênios: distinção O poder público pode celebrar contratos com entidades sem fins lucrativos, geralmente precedidos de licitação8. O convênio - disciplinado pelo art. 116 da Lei Federal 8.666/93 - foi concebido originariamente como um instrumento para formalizar acordos internos ao setor público, isto é, entre entidades governamentais. No entanto também pode ser empregado para designar acordo entre entidades sem fins lucrativos e o poder público (federal, estadual ou municipal). A doutrina destaca, entre outras, as seguintes características do convênio, em contraste com as características dos contratos:
8
As hipóteses de dispensa de licitação com entidades sem fins lucrativos, constantes do art. 24 da Lei 8.666/93, serão
comentadas no item 3.3.
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a) no contrato, os interesses são opostos e contraditórios, enquanto no convênio são recíprocos; b) os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns e se reúnem, por meio do convênio, para alcançá-los. Por exemplo, em uma universidade pública – cujo objetivo é o ensino, a pesquisa e a prestação de serviços à comunidade – celebra convênio com outra entidade, pública ou privada, para realizar um estudo, um projeto, de interesse de ambas 9; c) por almejarem o mesmo objetivo, os signatários não são, a rigor terminológico, partes, e não cobram taxa ou remuneração entre si10; d) no contrato, o valor pago a título de remuneração passa a integrar o patrimônio da entidade que o recebeu, sendo irrelevante para o repassador a utilização que será feita do mesmo; no convênio, esse valor só pode ser utilizado para os fins previstos no instrumento11. A nosso ver, a distinção mais relevante entre contratos e convênios está na vinculação dos recursos repassados à utilização prevista no instrumento e a conseqüente prestação de contas não só ao órgão repassador como também ao Tribunal de Contas. Ou seja: o valor repassado não perde a natureza de dinheiro público. 3.2. Os termos de parceria: natureza jurídica Os Termos de Parceria, instituídos pela Lei 9.790/99 como instrumento de cooperação entre o setor público e as organizações da sociedade civil de interesse público qualificadas como Oscip, têm todas as características assinaladas pela doutrina para caracterização dos convênios. Trata-se, de fato, de instrumento concebido para o fomento
9
PIETRO, Maria Sylvia Zanella di. Direito administrativo, 12. ed., São Paulo: Atlas, 2000, p. 284
10
FERNANDES, Jorge Jacoby Ulisses. Convênios administrativos. In Súmula Trabalhista, n. 91, jan. 1997, p. 114 e ss.
11
PIETRO, op.cit., p. 285
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e realização de projetos de interesse público. Disciplinados pelo Decreto 3.100/99, têm, como veremos, procedimentos específicos – e de modo geral mais flexíveis - do que os vigentes para celebração, execução e prestação de contas de convênios. 3.3. A dispensa da licitação nos contratos com entidades sem fins lucrativos A Constituição brasileira estabelece que em regra, o Poder Público deve observar o procedimento de licitação para a celebração de contratos.12 Também nos termos da Constituição compete privativamente à União legislar sobre normas gerais de licitação e contratação13. A lei federal que estabelece normas gerais sobre licitações – Lei 8.666/93 - admite apenas três hipóteses de dispensa de licitação em se tratando de contratação de entidades sem fins lucrativos, a saber: a) na contratação de instituição brasileira incumbida regimental ou estatutariamente da pesquisa, do ensino ou do desenvolvimento institucional, ou de instituição dedicada à
12
É o que dispõe o art. 37 da Constituição Federal, inciso XXI, a saber: “ressalvados os casos especificados na
legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações”. 13
Constituição Federal, art. 22, inciso XXVII.
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recuperação social do preso, desde que a contratada detenha inquestionável reputação ético-profissional e não tenha fins lucrativos 14; b) na contratação de associações de portadores de deficiência física, sem fins lucrativos e de comprovada idoneidade, por órgãos da Administração Pública, para a prestação de serviços ou fornecimento de mão-de-obra, desde que o preço contratado seja compatível com o praticado no mercado15; c) para a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais, qualificadas no âmbito das respectivas esferas de governo, para atividades contempladas no contrato de gestão16. Outra situação que afasta a licitação é a de inexigibilidade. Trata-se de situações em que o governo escolhe o contratado – e, portanto, não há licitação - porque ele é o único em condições de prestar determinado serviço, isto é, trata-se de situações em que a competição é inviável. Algumas situações deste gênero se formalizam impropriamente sob a denominação de “convênio”. Dada a limitação do presente estudo, não iremos nos deter sobre cada uma das hipóteses de dispensa de licitação com entidades sem fins lucrativos 17. No entanto, para acentuar o contraste entre as Oscips e as OSs (organizações sociais) parece-nos oportuno alinhar brevíssimos comentários sobre estas.
14
Lei 8.666/93, art. 24, inciso XIII
15
Lei 8.666/93, art. 24, inciso XX
16
Lei 8.666/93, art. 24, inciso XXIV (acrescido pela Lei 9.648, de 27/5/1998).
17
Para um comentário a este respeito, remetemos o leitor ao nosso Manual de ONGs: guia prático de orientação jurídica, Ed. FGV, Rio de janeiro, 5. ed., 2004, capítulo VIII.
36
Em sua concepção original, o contrato de gestão foi um instrumento de compromisso administrativo interno ao Estado, firmado entre o poder executivo e órgãos da própria administração pública (autarquias, fundações de direito público, empresas estatais). O contrato de gestão seria o veículo de implantação de uma gestão pública por objetivos, mediante racionalização de controles 18 burocráticos e sistemas eficientes de planejamento, controle e avaliação de desempenho .
Recentemente, pretende-se estender a experiência de aplicação dos contratos de gestão às associações de direito privado, sem fins lucrativos, que o Poder Executivo vier a considerar como organizações de interesse público não estatal e a credenciar como Organização Social (OS), tal como disposto na Lei 9.637, de maio de 1998. A concepção das organizações sociais decorreu de uma proposta do Ministério de Administração e Reforma do Estado (Mare). Trata-se de entidades de direito privado, sem fins lucrativos, assim qualificadas pelo poder público. Esta qualificação habilita a entidade a receber recursos orçamentários e a realizar contratos de gestão com o poder público. Cabe ressaltar que as organizações sociais têm uma gênese distinta da qualificação instituída pela Lei 9.790/99, referente às organizações da sociedade civil de interesse público. Inobstante, e tendo em conta aspectos formais, os poucos estudos jurídicos existentes situam as organizações sociais como entidades do terceiro setor, assimiláveis às tradicionais entidades privadas qualificadas como de utilidade pública, ou as mais recentes organizações privadas de interesse público qualificadas nos termos da Lei 9.790/99 . Parece-nos, contudo, que embora formalmente constituídas como pessoas jurídicas de direito privado sem fins lucrativos, as organizações sociais, tal como disciplinadas pela Lei 9.637/98
18
ANDRÉ, Maristela Afonso de. A efetividade dos contratos de gestão na Reforma do Estado, Revista de Administração
de Empresas da Fundação Getúlio Vargas, São Paulo, v. 39, n. 3, p. 42-52, jul./set. 1999
37
atuam em uma lógica por assim dizer “quase governamental”. Com efeito, a qualificação das OS está em função do contrato de gestão, o que caracteriza a dependência dos recursos públicos. Em sua estrutura diretiva há necessariamente membros do poder público. Coerentemente, no âmbito federal, as organizações sociais existentes até o presente momento resultaram da extinção de entidades públicas. Faltam às organizações sociais aquelas características de “autogoverno” e de “participação voluntária” que são típicas das organizações do terceiro setor genuinamente de 19 origem privada .
As organizações sociais refletem uma tendência – não especificamente nacional – da transferência de determinados serviços de interesse coletivo ou mesmo de natureza pública a entidades sem fins lucrativos de direito privado, porém decorrentes de um processo de reforma do Estado. Diversamente, vislumbro na qualificação como Oscip uma resposta institucional a outra tendência, também internacional, caracterizada pela emergência de um novo associativismo - um movimento por assim dizer de base, de mobilização da sociedade civil. Ao lado da tradicional atuação das associações e fundações privadas sem fins lucrativos em áreas como educação, saúde, cultura ou assistência – contempladas, no Brasil, nos títulos tradicionais – percebe-se a atuação de associações em áreas emergentes – ambientalismo, voluntariado, direitos humanos,
19
A tentativa de uma caracterização do “terceiro setor” – universo privado sem fins lucrativos - que permitisse a adoção
de uma perspectiva comparativa internacional foi empreendida pela Universidade Johns Hopkins em estudo coordenado pelo professor Lester Salomon. Em uma aproximação conceitual, amplamente aceita em âmbito internacional, mas sem a pretensão de uma definição técnico-jurídica, entende-se que embora a terminologia utilizada e os propósitos específicos a serem perseguidos variem de lugar para lugar, a realidade social subjacente é bem singular: uma virtual revolução associativa estaria em curso no mundo, fazendo emergir um expressivo ‘terceiro setor’ global, composto de (a) organizações estruturadas; (b) localizadas fora do aparato formal do Estado; (c) que não são destinadas a distribuir lucros auferidos com suas atividades entre os seus diretores ou entre um conjunto de acionistas; (d) autogovernadas; (e) envolvendo indivíduos num significativo esforço voluntário (SALAMON, Lester M., ANHEIER, Helmut K. The emerging nonprofit sector: an overview, The Johns Hopkins University Institute for Policy Studies, Baltimore, 2. ed., 1994).
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também de interesse público – reconhecidas no país com o novo título 20.. Notamos que as duas tendências - reforma do Estado e emergência de um novo associativismo de fim público concorrem para uma mesma demanda: a necessidade de se estabelecerem fórmulas jurídicas adequadas para pautar a relação entre o setor público e o setor privado sem fins lucrativos. O modelo das organizações sociais - e a dispensa de licitação para a celebração de contratos de prestação de serviços para atividades contempladas no contrato de gestão - têm 21 recebido algumas ressalvas dos estudiosos do direito administrativo pátrio . No entanto, como
ressaltado na introdução, não será abordado no presente estudo.
3.4 A exigência ou não de licitação nos convênios Entendemos, como assinalado, que os termos de parceria têm natureza de convênio. Questão importante é a relativa à necessidade ou não de licitação para a realização de convênios. Após enfrentarmos este tópico, analisaremos especificamente a questão da licitação no tocante aos Termos de Parceria com Oscips. 3.4.1 A licitação e os convênios A licitação poderá ser dispensada ou declarada inexigível, nas mesmas hipóteses previstas para os contratos ou outros ajustes. Mas – ensinam alguns doutrinadores – supondo a realização de convênio entre um órgão ou uma entidade estatal e um ente privado, se várias forem as entidades que se prestem para a consecução dessas
20
21
Note-se que as “organizações da sociedade civil de interesse público” concretização de termos de parceria com o poder público.
são qualificadas independentemente da
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 12. ed., São Paulo: Atlas, 2000; JUSTEN FILHO, Marçal. Comentários à lei de licitações e contratos administrativos, 9. ed., São Paulo: Dialética, 2002.
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atividades, inquestionavelmente, deverá realizar-se a licitação. Esta é a opinião de Odete Medauar 22.
Em sentido diverso, Maria Sylvia Zanella di Pietro opina que a exigência de licitação não se aplica aos convênios, pois neles não há viabilidade de competição. “Esta não pode existir quando se trata de mútua colaboração, sob variadas formas, como repasse de verbas, uso de equipamentos, recursos humanos ou imóveis. Não se cogita de preços ou de remuneração que admita a competição23.” Em que pesem tais divergências doutrinárias, na prática, celebram-se convênios de natureza financeira sem prévia licitação. A nosso ver, deve haver critérios objetivos para escolha da entidade conveniada. No caso de situação de inexigibilidade de licitação – sendo inviável a competição, como em muitos casos é, em se tratando de convênios - o processo deveria estar instruído com a razão da escolha do executante e a justificativa do preço, tal como previsto no art. 26 da Lei 8.666/93. Com efeito, o art. 116 da Lei 8.666/03 dispõe que se aplicam as disposições da lei, no que couber, aos convênios. Em situações em que há mais de um possível prestador de serviços, entendo que deva haver um critério de seleção da entidade conveniada pautado na isonomia. Não
22
SZKLAROWSKY, Leon Frejda. Convênios – Consórcios – Ajustes – Outros Instrumentos Congêneres. In Revista dos Tribunais, n. 751, São Paulo, maio de 1998, p. 169.
23
Op.cit., p. 287
40
significa dizer que deva haver a licitação tal como prevista na Lei 8.666/93, que se aplica apenas “no que couber” aos convênios. Permito-me observar que no Município de São Paulo a Lei 13.153/01 - que dispôs sobre a política pública de atenções da assistência social, sem fins lucrativos, operada através de convênios - trouxe uma inovação positiva, que merece ser destacada. A lei remete-se ao disposto no art. 116 da Lei 8.666/93, e destaca que a política de convênios deve observar, entre outros princípios, "a defesa da igualdade de oportunidades e da democratização da relação através de processo público desde a proposição, chamamento até a homologação dos convênios de assistência social" (art. 3º, inciso VII). Em face de tal objetivo, o art. 7º da mesma lei dispõe que "o poder público municipal editará no Diário Oficial do Município e na grande imprensa a necessidade de implantação de atenções de assistência social através de convênio indicando a modalidade do serviço, a região em que se localizará, a forma e os prazos de apresentação da proposta pelos interessados". Finalmente, o art. 8º da mesma lei estabelece que a análise do órgão competente sobre as propostas apresentadas deverá ser submetida à audiência pública, convocada através do Diário Oficial do Município. Dispõe, outrossim, que "caso se apresentem duas associações sem fins lucrativos habilitadas para celebrar o mesmo convênio, caberá à Prefeitura Municipal de São Paulo definir critérios de qualidade para proferir a decisão". A norma tem caráter inovador, de vez que procura estabelecer critério isonômico em relação à escolha da entidade conveniada.
41
Feita esta observação, ressalte-se que o uso do convênio, quando cabível o contrato, não pode ser considerado mero “erro de forma”, uma vez que o regramento de ambos é bastante diverso. 3.4.2 A licitação e os termos de parceria com Oscips A questão da exigência ou não de licitação também é pertinente em relação à escolha da Oscip que realizará um termo de parceria. Discute-se, neste tópico, a conveniência de fixar critérios pautados na impessoalidade para a seleção de Oscips na celebração de Termo de Parceria.
O Decreto 3.100/99 estabelece em caráter facultativo a realização de concurso de projetos, como critério de escolha da Oscip parceira. Ora, a não obrigatoriedade de um processo seletivo para a escolha da Oscip seria contrária ao princípio da isonomia. Para evitar tal objeção, é ponderável a sugestão de incluir, na lei de licitações, uma hipótese de dispensa para celebração de "Termos de Parceria" com Oscips, tal como existe para a celebração de "contratos de gestão" com as Organizações Sociais. Esta previsão evitaria polêmicas jurídicas em relação ao caráter facultativo ou obrigatório do concurso de projetos. Tratando-se de dispensa, o concurso seria sempre facultativo.
No entanto, parece-me impróprio incluir na Lei Federal de Licitações uma hipótese de dispensa para a celebração de "Termos de Parceria" com as Oscip porque a "racionalidade" dos "termos de parceria" não é racionalidade contratual - não é a lógica da licitação. Admitir a "dispensa" seria o mesmo que admitir que, em tese, a licitação seria
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compatível com o modelo de "termos de parceria". No entanto, a nosso ver, os “termos de parceria” tem a natureza de convênio, e não de contrato.
Pode-se aplicar aos Termos de Parceria as seguintes considerações expendidas por Maria Sylvia Zanella di Pietro em relação aos convênios: “O convênio não é abrangido pelas normas do art, 2º da Lei 8.666; no caput, é exigida licitação para as obras, serviços, compras , alienações, concessões, permissões e locações quando contratadas com terceiros; e no parágrafo único define-se o contrato por forma que não alcança os convênios e outros ajustes similares, já que nestes não existe a ‘estipulação de obrigações recíprocas’ a que se refere o dispositivo24”.
Porém, quer-me parecer necessário o estabelecimento de critério objetivo e isonômico para a escolha da entidade parceira. Pode haver o caso de competição inviável – a ser devidamente justificada. Havendo mais de um possível prestador do serviço, parece adequado o critério de “concurso de projetos”, estabelecido em caráter facultativo pelo Decreto 3.100/99. Como assinalado, o caráter facultativo do concurso não assegura o princípio da isonomia. No entanto, se o concurso tivesse caráter obrigatório, o procedimento poderia ser "burocratizado". Além disso, deve-se observar que a Lei 9.790/99 exige das Oscips a publicização de seus estatutos e qualquer cidadão pode ter acesso às informações cadastrais das Oscips no Ministério da Justiça (art. 17). Por outro lado, os Termos de Parceria são celebrados após consulta aos Conselhos de Políticas Públicas, havendo, assim, maiores exigências de publicidade dos dados das Oscips e dos Termos de Parceria
24
Op.cit. p. 287, os grifos constam do original.
43
Parece-me adequada uma proposta intermediária, recomendada pelo Tribunal de Contas da União, na decisão 931/99, no sentido de tornar o concurso de projetos obrigatório - no caso de celebração de Termos de Parceria com Oscip - apenas quando os valores repassados superarem determinado limite, a ser estabelecido com base na relação custo/benefício para as entidades participarem do concurso. Trata-se de uma sugestão que visa assegurar o princípio da isonomia e a melhor eficiência. Restaria a dificuldade de encontrar um critério adequado para o estabelecimento do limite, dada a variedade de circunstâncias.
3. 5. Formalização dos Termos de Parceria De forma análoga ao tratamento dado aos convênios, os termos de parceria foram introduzidos pela Lei 9.790/99 como instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público - Oscip, para o fomento e execução de atividades de interesse público. Na seqüência, traremos aspectos relativos aos passos prévios à celebração, formalização e alteração do instrumento, vigência, liberação de recursos e prestação de contas. 3.5.1 Passos prévios à celebração
44
O órgão estatal responsável pela celebração do Termo de Parceria verificará previamente o regular funcionamento da organização (art. 9º do Decreto 3.100/99). De acordo com o art. 10, § 1º da Lei 9.790/99, a celebração do Termo de Parceria será
precedida
de
consulta
aos
Conselhos
de
Políticas
Públicas
das
áreas
correspondentes de atuação existentes, nos respectivos níveis de governo 25. Caso não exista o Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente, o órgão estatal parceiro fica dispensado de realizar a consulta, não podendo haver substituição por outro Conselho. O Conselho terá o prazo de 30 dias, contado a partir da data do recebimento da Consulta, para se manifestar sobre o Termo de Parceria, cabendo ao órgão estatal responsável, em última instância, a decisão final sobre a celebração do respectivo Termo de Parceria. O órgão estatal firmará o Termo de Parceria mediante modelo padrão próprio, do qual constarão os direitos, as responsabilidades e as cláusulas essenciais (art. 8º da Lei 9.790/99). Este modelo deverá ser preenchido e remetido ao Conselho de Política Pública competente. 3.5.2 A formalização e alteração do Termo de Parceria
25
Os Conselhos de Políticas Públicas, criados por lei, contam com representantes da sociedade civil e do governo, para
deliberar e realizar o controle sobre determinadas áreas de políticas públicas (saúde, criança e adolescente, assistência social, educação, meio ambiente, etc.).
45
A Lei 9.790/99 indica, no art. 10, as cláusulas obrigatórias do Termo de Parceria, entre as quais: a) a do objeto, que conterá a especificação do programa de trabalho proposto pela OSCIP; b) a da estipulação das metas e resultados a serem atingidos e os respectivos prazos de execução ou cronograma; c) a de previsão expressa dos critérios objetivos de avaliação de desempenho a serem utilizados, mediante indicadores de resultado; d) a de previsão de receitas e despesas a serem realizadas em seu cumprimento, estipulando item por item as categorias contábeis usadas pela organização e detalhamento das remunerações e benefícios de pessoal a serem pagos com recursos oriundos ou vinculados ao Termo de Parceria, a seus diretores, empregados ou consultores; e) a que estabelece as obrigações da Oscip, entre as quais a de apresentar ao Poder Público, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do Termo de Parceria, contendo comparativo específico
das metas propostas com os resultados alcançados,
acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados, independente das previsões do item anterior; f)
a de publicação de extrato do Termo de Parceria, em modelo simplificado estabelecido
no regulamento da Lei 9.790/99. O extrato deve ser publicado no prazo máximo de quinze dias após a sua assinatura. 3.5.3 Liberação dos recursos e execução A execução do objeto dos Termos de Parceria será acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existente, em cada nível de governo (art. 11 da Lei 9.790/99). Porém, o acompanhamento e a fiscalização por
46
parte do Conselho de Políticas Públicas não pode introduzir ou induzir modificação das obrigações estabelecidas pelo Termo de Parceria celebrado (art. 17 do Decreto 3.100/99). Eventuais recomendações ou sugestões do Conselho sobre o acompanhamento dos Termos de Parceria deverão ser encaminhados ao órgão estatal parceiro, para adoção das providências que entender cabíveis (art. 17 § 1º do Decreto 3.100/99). O órgão estatal parceiro informará ao Conselho sobre suas atividades de acompanhamento. Os resultados atingidos com a execução do Termo de Parceria devem ser analisados por comissão de avaliação, composta de comum acordo entre o órgão parceiro e a Oscip (art. 11 § 1º da Lei 9.790/99). Esta comissão deverá ser composta por dois membros do respectivo Poder Executivo, um da Oscip e um membro indicado pelo Conselho de Política Pública da área de atuação correspondente, quando houver (art. 20 do Decreto 3.100/99). Compete à comissão de avaliação monitorar a execução do Termo de Parceria (art. 20, parágrafo único da Lei 9.790/99). A comissão encaminhará à autoridade competente relatório conclusivo sobre a avaliação procedida (art. 11 § 2º da Lei 9.790/99). Os Termos de Parceria estarão também sujeitos aos mecanismos de controle social.
A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de 30 dias contado da assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência, remetendo cópia
47
para conhecimento do órgão estatal parceiro (art. 14 da Lei 9.790/99 e art. 21 do Decreto 3.100/99). A liberação de recursos financeiros necessários á execução do Termo de Parceria far-se-á em conta bancária específica, a ser aberta em banco a ser indicado pelo órgão estatal parceiro (art. 14 do Decreto 3.100/99). A liberação de recursos para a implementação do Termo de Parceria obedecerá ao respectivo cronograma, salvo de autorizada sua liberação em parcela única. 3.5.4 Vigência O Termo de Parceria poderá ser celebrado por período superior ao do exercício fiscal (art. 13 do Decreto 3.100/99). Caso expire a vigência do Termo de Parceria sem o adimplemento total do seu objeto pelo órgão parceiro ou havendo excedentes financeiros disponíveis com a Oscip, o referido Termo poderá ser prorrogado (art. 13 § 1º do Decreto 3.100/99). As despesas previstas no Termo de Parceria e realizadas no período compreendido entre a data original de encerramento e a formalização de nova data de término serão consideradas como legítimas, desde que cobertas pelo respectivo empenho (art. 13 § 2º do Decreto 3.100/99).
48
É possível a vigência simultânea mais de um Termo de Parceria, ainda que com o mesmo órgão estatal, de acordo com a capacidade operacional da Oscip (art. 16 do Decreto 3.100/99). 3.5.5 Prestação de contas A prestação de contas relativa à execução do Termo de Parceria refere-se à comprovação, perante o órgão estatal parceiro, da correta aplicação dos recursos recebidos e do adimplemento do objeto do Termo de Parceria, mediante a apresentação dos seguintes documentos: a) Relatório sobre a execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo entre as metas propostas e os resultados alcançados; b) Demonstrativo integral da receita e despesa realizadas na execução; c) Parecer e relatório de auditoria, nos casos em que o montante de recursos for maior ou igual a R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais); d) Entrega do extrato da execução física e financeira, a ser preenchido pela Oscip e publicado na imprensa oficial da área de abrangência do projeto, no prazo máximo de sessenta dias após o término de cada exercício financeiro. Deve ser destacado que a entidade, para qualificar-se como Oscip, já deve fazer constar em seu estatuto as normas de prestação de contas a serem observadas pela entidade, entre as quais cabe mencionar: a) a realização de auditoria, inclusive por auditores externos independentes se for o caso, da aplicação de eventuais recursos objeto do Termo de Parceria, conforme previsto em regulamento; b) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pela oscip.
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Nos termos do art. 10, § 2º , inciso V, da Lei 9.790/99, é cláusula essencial dos Termos de Parceria a que estabelece as obrigações da Oscip de apresentar, ao término de cada exercício, relatório sobre a execução do Termo de Parceria, contendo comparativo específico das metas propostas com os resultados alcançados, acompanhado de prestação de contas dos gastos e receitas efetivamente realizados. 3.6. Alguns aspectos comparativos entre "Convênio" e "Termo de Parceria" Os Termos de Parceria surgem como uma alternativa aos convênios, para a realização de atividades de interesse comum entre a Administração e entidades qualificadas como Oscip. Trata-se – como assinala Maria Sylvia Zanella di Pietro – “de real atividade de fomento, ou seja, de incentivo à iniciativa privada de caráter público. O Estado não está abrindo mão de serviço público (tal como ocorre na organização social) para transferi-lo à iniciativa privada, mas fazendo parceria, ajudando, cooperando com entidades privadas que, observados os requisitos legais, se disponham a exercer as atividades indicadas no artigo 3º, por se tratar de atividades que, mesmo sem a natureza de serviços públicos, atendem a necessidades coletivas” 26. É possível identificar contrastes entre a legislação anterior – com a sistemática de convênios - e a sistemática introduzida pela Lei 9.790/99 e os Termos de Parceria. Destacamos, em breve síntese, alguns tópicos:
26
Op. cit. p. 409
50
Escolha da entidade parceria - Em regra, a escolha da entidade a ser beneficiada com o convênio não se submete a um critério objetivo. Nos Termos de Parceria, a escolha poderá ser feita mediante concurso de projetos.
Acesso a recursos públicos - O acesso a recursos públicos, sob a forma de convênios, requer a apresentação de uma série de documentos, conforme a regulamentação estabelecida pela Instrução Normativa 1/97 da Secretaria do Tesouro Nacional. Nos Termos de Parceria, os objetivos e metas são negociados entre as partes, envolvendo a consulta prévia ao Conselho de Políticas Públicas. Os passos prévios à celebração são potencialmente menos burocráticos.
Avaliação dos resultados e responsabilização pelo uso dos recursos - O controle sobre os convênios concentra-se na forma de aplicação dos recursos, não priorizando a avaliação dos resultados. Nos Termos de Parceria há a previsão expressa de avaliação de desempenho, mediante indicadores de resultado (art. 10 § 2º inciso III da Lei 9.790/99).
Agentes e meios de controle - Nos convênios, os agentes de controle são o órgão repassador, Controle Interno, TCU e sociedade (diretamente pela comunidade local ou via "internet", na "home page" da Secretaria Federal de Controle/MF). Nos Termos de Parceria, os agentes de controle são o Conselho de Políticas Públicas, a comissão de
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avaliação e o órgão repassador de recursos, além de auditorias e controle social (arts. 4º, incido VII, alínea “c”, 10 § 2º, incisos V a VI, 11 e 12 da Lei 9.790/99).
Aplicação de recursos - A aplicação de recursos públicos para a aquisição de bens ou serviços, em se tratando de convênios, observa critérios análogos aos estabelecidos pela Lei 8.666/93. Em relação aos Ternos de Parceria, exige-se a publicação de regulamento seguindo os princípios gerais aplicáveis. Por outro lado, os recursos dos Convênios não se destinam a custeio nem a remuneração de dirigentes. Nos Termos de Parceria, a aplicação de recursos é flexibilizada, admitindo a remuneração de dirigentes (art. 4º, inciso VI, art. 10, § 2º , incisos V e VI, 11 e 12).
Mecanismos
de
responsabilização
-
Nos
convênios,
os
mecanismos
de
responsabilização pelo uso indevido são restritos (devolução de recursos, inadimplência, multa pelo Tribunal de Contas da União, etc.). Nos Termos de Parceria há a previsão expressa de punições mais severas em caso de uso indevido de recursos (art. 13 da Lei 9.790/99). 4. Aplicação dos Termos de Parceria com Oscips: dúvidas jurídicas suscitadas Como destaca a bem elaborada "cartilha" editada pelo Conselho da Comunidade Solidária "o Termo de Parceria consolida um acordo de cooperação entre as partes e constitui uma alternativa ao convênio para a realização de projetos entre Oscips e órgãos
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das três esferas de governo, dispondo de procedimentos mais simples do que aqueles utilizados para a celebração de um convênio"27. Apesar de suas vantagens comparativas, algumas das quais brevemente apontadas neste trabalho, os Termos de Parceria celebrados pelo poder público federal são ainda pouco significativos em termos numéricos. Até o ano de 2002, o “site” do Conselho da Comunidade Solidária divulgava a existência de apenas 12 Termos de Parceria firmados no âmbito Federal. Entre os fatores inibidores da celebração dos Termos de Parceria, podem-se mencionar: a) dúvidas jurídicas que geram insegurança; b) resistências culturais dos órgãos públicos e c) em um primeiro momento - poucas Oscips para os órgãos públicos firmarem parcerias 28. A partir dos dados divulgados pelo Conselho da Comunidade Solidária, recente pesquisa realizada junto a dirigentes de Oscips que firmaram Termos de Parceria destaca ainda como fator inibidor as diferenças de cultura organizacional e a discrepância de tempos de aprendizagem para adaptação das organizações públicas e privadas ao novo modelo29.
27
28
Oscip - Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, A Lei 9.790/99 como alternativa para o Terceiro Setor, 2. ed. rev. e atual., Brasília, 2002. BARBOSA, Maria Nazaré Lins. OSCIPs: avanços e perspectivas. In Revista Eletrônica Integração, jan. 2003,
disponível em www.fgvsp.publicações 29
KOGA, Natália. Termos de parceria e organizações da sociedade civil de interesse público (Oscips): um estudo
exploratório sobre o novo tipo de contrato entre estado e organizações sem fins lucrativos. Trabalho apresentado no Encontro Nacional da ANPAD, 2004.
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Os Termos de Parceria firmados decorreram, em sua maior parte, da iniciativa de Oscips. Na aplicação do instrumento, contudo, os agentes públicos e privados depararamse com dúvidas jurídicas, algumas previsíveis e outras menos. Destacamos, a seguir, alguns desses impasses, já tratados no âmbito da consultoria jurídica de órgãos públicos ou na análise de Tribunais de Contas. 4.1 Consulta ao Conselho de Políticas Públicas O Decreto 3.100/99 dispõe sobre a consulta ao Conselho de Política Pública previamente à celebração do Termo de Parceria. No entanto, caso não exista Conselho de Política Pública na área de atuação correspondente, o órgão estatal parceiro fica dispensado de realizar a consulta (art. 10, § 2º). O trâmite de consulta está a cargo do ente público. Em um caso, a dificuldade por identificar se havia ou não Conselho de Política Pública na área de atuação retardou a negociação entre o Ministério do Trabalho e uma Oscip por vários meses. Ao final, firmaram um convênio. 4.2 Objeto do Termo de Parceria O art. 23 do Decreto 3.100/99 admite que se contemple como objeto do Termo de Parceria o fornecimento de bens ou serviços de assessoria, consultoria, promoção de eventos e cooperação técnica. Tais finalidades podem confrontar, conforme o caso, com as finalidades principais das Oscips (fomento e execução de atividades de interesse público, conforme o art. 8º do mesmo Decreto). O Tribunal de Contas da União, na decisão 931/99, aponta a conveniência de incluir algumas vedações aos Termos de Parceria, como terceirização de atividades-meio do setor público; utilização de instalações públicas para realização dos serviços contratados e aquisição de bens e serviços para uso pela Administração Pública.
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No Estado de São Paulo, a Consultoria Jurídica manifestou-se recentemente acerca do descabimento da realização de Termo de Parceria com a OSCIP VIA PUBLICA Instituto para o Desenvolvimento da Gestão Publica e das Organizações de Interesse Publico, nos seguintes termos: "TERMO DE PARCERIA. Proposta de celebração de Termo de Parceria ..., objetivando a execução do ´Programa de Capacitação do Corpo Técnico e Gerencial da SEADS´. Prestação de serviços. Objeto do ajuste que não se coaduna com a natureza jurídica do Termo de Parceria, destinado a atividades de interesse comum, como se depreende do artigo 9° da Lei Federal n° 9.790/99, assemelhando-se aos convênios administrativos. Possibilidade, em tese, de contratação da referida instituição com dispensa de licitação, com fulcro no artigo 24, inciso XIII, da Lei Federal n° 8.666 /93.” E, justificando a ementa, mencionava-se: “a referida instituição irá prestar serviços de capacitação de diretores e técnicos..., através de equipe técnica que será remunerada. (...)Portanto, o objeto do ajuste pretendido apresenta a natureza jurídica de contrato, em que uma das partes pretende o objeto do ajuste (obra, serviço,etc) e a outra a contraprestação correspondente (o preço ou qualquer outra vantagem), que inviabiliza a celebração de Termo de Parceria, que assemelha-se mais ao convênio administrativo, em que os partícipes tem interesses convergentes, e ambos irão usufruir do resultado a ser alcançado." 30. 4.3 A questão da “licitação” A Prefeitura do Município de São Romão, do Estado de Minas Gerais, elevou consulta ao Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais, acerca do cabimento ou não de licitação na realização de Termos de parceria com Oscips. A dúvida inquieta os órgãos
30
Secretaria de Assistência e Desenvolvimento Social. Processo SEAD 663/04. Parecer 192/2004. DOE Seção I Poder Executivo de 22/10/2004, p. 42
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públicos, cientes das graves penas associadas ao crime de dispensar ou inexigir licitação fora das hipóteses previstas em lei 31.
O Tribunal de Contas do Estado de Minas Gerais assim se manifestou quanto à matéria: “...O Termo de Parceria formalizado sob a égide da Lei nº 9.790/99 e do Decreto 3.100 não desafia a licitação porque foi criado para servir de instrumento de fomento e execução de atividades de interesse público, como ocorre, exempli gratia, com os convênios, mas desses se difere já que seu uso é exclusivo entre a esfera pública e as organizações da sociedade civil sem fins lucrativos. E mais, os requisitos e procedimentos dessa nova figura jurídica são mais simples que os exigidos para os convênios. (...) Depreende-se...que o critério de escolha dessa espécie de organização se encontra disciplinado inteiramente por legislação extravagante, não se aplicando aos Termos de Parceria, como já afirmado, as regras da lei 8.666/93, exceto as do art.116”.
32
No Município de São Paulo, com fundamento na Lei 9.790/99, celebrou-se em julho de 2003 um termo de parceria entre a Prefeitura e a Oscip Rede de Informações do Terceiro Setor (Rits), tendo por objeto oferecer apoio ao Plano de Inclusão Digital da Coordenadoria Geral do Governo Eletrônico da Secretaria Municipal de Comunicação e Informação Social para manutenção e ampliação da rede pública de Telecentros. O valor do mesmo foi R$ 6.100.000,00 (seis milhões e cem mil reais) 33. Trata-se de um importante
31 32 33
Lei 8.666/93, art. 89 Processo de Consulta 00683832 Diário Oficial do Município de São Paulo, 26 de julho de 2003, p. 3
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precedente, pelo valor e pelo objeto. Não foi ainda julgado pelo Tribunal de Contas do Município. 4.4 Caráter facultativo do concurso de projetos Nenhum dos Termos de Parceria foi precedido de concurso de projetos.Apenas as parcerias realizadas pelo Ministério do Meio Ambiente são precedidas de um processo seletivo denominado “demanda induzida”, já de praxe neste órgão, em decorrência de exigência de financiadores internacionais. Pode-se dizer, portanto, que o concurso de projetos - inovação que representa um avanço em relação aos convênios - ainda não foi implementado. Embora o Decreto 3.100/99 seja claro quanto ao caráter facultativo do concurso de projetos, há resistência nas instâncias de decisão dos órgãos públicos em firmar Termos de Parceria prescindindo do mesmo. O Instituto de Desenvolvimento Científico e Tecnológico do Xingó celebrou um Termo de Parceria com a Companhia Hidroelétrica do São Francisco, visando a execução de ações estruturadas do ambiente econômico da comunidade atingida pelo Projeto Xingo. Porém, a Chesf aguardou a resposta de consulta formulada ao Conselho da Comunidade Solidária quanto a essa possibilidade. A resposta, em caráter de colaboração, limitou-se a reproduzir os termos do Decreto, que indicam o caráter facultativo do concurso. Acrescentam-se dificuldades práticas – não se sabe como operacionalizar concurso de projetos. As referências a concurso de projetos já praticados em alguns órgãos – como o Ministério da Saúde, no âmbito da Coordenação Nacional de DST/Aids e o concurso de projetos do Conselho da Comunidade Solidária - não dizem respeito a concurso entre Oscips, de modo que não há uma referência clara para o mesmo.
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Comentando o caráter facultativo do concurso de projetos, o Tribunal de Contas da União, na decisão 931/99, assim se manifestou: “A utilização da palavra “poderá” torna o texto original meramente recomendatório, deixando à discricionariedade do administrador a decisão de optar ou não pelo concurso. Considerando que o concurso exige trâmites burocráticos que podem onerar a eficiência do processo de seleção para os Termos de Parceria, infere-se que a sua mera sugestão, no corpo do Decreto, será pouco efetiva. Cabe lembrar que a realização do concurso busca isonomia do tratamento das Oscips e a melhor eficiência na realização do objeto pactuado. A título de racionalização, poderia ser estabelecido um limite de valor a partir do qual seria obrigatório o concurso”. Fica a sugestão, de lege ferenda.
4.5. Operacionalização do instrumento A inexistência de um detalhamento normativo para operacionalização dos Termos de Parceria – como a IN STN 1/97 aplicável aos convênios – também implica dificuldades de ordem prática, pois os agentes públicos percebem como “proibido” o que não está expressamente permitido. Além disso, como os departamentos internos que avaliam e acompanham a execução dos Termos de Parceria são os mesmos que avaliam os convênios, tendem a pautar-se pelos mesmos critérios, seguindo a instrução normativa aplicável aos convênios. “Na prática, ainda há pouca diferença entre os dois instrumentos” – refere Natália Koga na pesquisa realizada com dirigentes de Oscip. Os grandes diferenciais mencionados na pesquisa mencionada foram a possibilidade de aquisição de bens permanentes e o pagamento de pessoal com os recursos do Termo de Parceria, os quais não são possíveis por meio de convênio. Aspectos estes relacionados com a eficiência, como destacado a seguir.
4.6. Eficiência do instrumento 58
Os resultados alcançados nos Termos de Parceria firmados são positivos. Exemplo paradigmático é o do Termo de Parceria estabelecido entre o Instituto de Desenvolvimento Sustentável do Sul da Bahia (Ides) e o Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia para a gestão da Área de Proteção Ambiental (APA) do Pratigi. Existem atualmente 28 APAs no Estado da Bahia, e apenas a APA do Pratigi era gerida por uma organização nãoestatal. A população estabeleceu uma relação de confiança com a equipe do Ides (que não tem competência para ações de fiscalização), que não existia com os agentes governamentais. Alcançou-se uma articulação com o Ibama local, e os resultados ensejaram a adoção de novo modelo de gestão de APAs. Hoje, o Decreto 4.340/02 que regulamenta a lei federal que trata do Sistema Nacional de Unidades de Conservação da Natureza - Lei 9.985/00 – tem um capítulo próprio que trata da “Gestão Compartilhada com Oscip”. O Fundo Nacional do Meio Ambiente realizou por sua vez um Termo de Parceria com a Fundação Movimento Ondazul para a consolidação do modelo de gestão ambiental descentralizado, anteriormente implementado em um projeto piloto na Vila de Guarapuá, no sul do estado baiano. O modelo tornou-se referência nacional para intervenção junto a comunidades litorâneas. Em alguns casos, desenvolveram-se novas formas de articulação entre as organizações e outros entes governamentais, como o Ministério Público, ou com a iniciativa privada. 4.7. Foco no resultado, Comissão de Avaliação e Prestação de Contas O modelo do Termo de Parceria introduz uma concepção de avaliação focada no alcance dos resultados das ações e não na forma de aplicação de recursos. No entanto, não se alcançaram mudanças significativas nesse sentido, seja pela dificuldade de estabelecer critérios, seja em função da praxe de controle nos órgãos públicos.
59
Nos Termos de Parceria firmados, entendeu-se positiva a atuação da Comissão de Avaliação, que permite a interação de agentes da Oscip e do órgão público. Em que pese à imprecisão da legislação, a Comissão de Avaliação atuou desde o momento da implementação do projeto, e não apenas na conclusão do mesmo. A avaliação, por outro lado, recaiu principalmente sobre as atividades, e não meramente sobre as contas - que exigiria se fosse o caso habilitação profissional específica. A prestação de contas, em todo caso, se viu facilitada pela atuação da Comissão. Quanto à auditoria externa, apenas em dois casos de âmbito federal superou-se o valor de R$ 600.000,00 (seiscentos mil reais). Neste caso, a contratação da auditoria foi prevista no orçamento do termo de parceria. O Tribunal de Contas da União atualizou a IN 12/96 para incluir a análise da prestação de contas de Termos de Parceria entre as suas competências. Em princípio, poderia ser feita por amostragem.
4.8. Publicidade O Decreto 3100/99 exige a publicação na imprensa oficial (da área de abrangência do projeto) do extrato do Termo de Parceria e de sua execução física e financeira, bem como do regulamento de compras e de contratação de obras e serviços adotado pela Oscip. Esta última publicação, nos termos legais, fica às expensas da Oscip. Para minimizar o custo, adotou-se em alguns casos a publicação de um extrato do regulamento com a informação de que o inteiro teor estaria disponível no site da organização. Com efeito, a publicidade por este ou outros meios, além de menos dispendiosa, é mais eficaz do que a mera publicação na imprensa oficial, de acesso muito mais restrito.
60
Exemplifique-se: o Programa Providência de Elevação da Renda Familiar – Oscip que realizou um Termo de Parceria com o Banco de Brasília S.A., visando capacitar empreendedores de baixa renda - desenvolveu uma cartilha explicativa sobre microcrédito com uma tiragem de 5.000 exemplares. O “Jornal Sintonia”, que trata das últimas realizações do Programa, é distribuído ao público interessado e aos principais financiadores. No Termo de Parceria firmado entre o Ides e o Centro de Recursos Ambientais do Estado da Bahia inseriram-se entre as atividades a serem executadas a criação do Jornal “APA do Pratigi” com uma tiragem de 2000 exemplares e o Programa de Rádio APA do Pratigi que trazem notícias sobre as ações do Ides na região. Para a divulgação da Agenda 21 de Natal, a Associação das Comunidades do Campo – Oscip que realizou um Termo de Parceria com o Fundo Nacional do meio Ambiente - contou com o apoio de jornais e TVs locais, os quais começaram a fazer a divulgação como matéria paga e, no transcorrer do projeto, passaram a solicitar à organização a transmissão regular das notícias sobre as ações da parceria. 4.9. Flexibilidade Os modelo dos Termos de Parceria introduzem alguns mecanismos de flexibilidade, como a previsão de despesas com o pagamento de pessoal (inciso IV do artigo 10 da Lei 9.790/99); a legitimação de despesas realizadas entre a data de término do Termo de Parceria e a data de sua renovação (§ 2º do artigo 13 do Decreto 3.100/99; ou a prorrogação do Termo de Parceria caso expire sua vigência sem o adimplemento total do objeto ou havendo excedentes financeiros disponíveis com a OSCIP (§ 1º do artigo 13 do Decreto 3.100/99). Algumas dessas novidades trouxeram alguma flexibilização para as Oscips parceiras; outras ainda não produziram resultados concretos. A possibilidade de se prorrogar o Termo de Parceria caso haja excedentes financeiros disponíveis permitiu que o
61
Ides mantivesse as atividades da APA do Pratigi por mais 6 meses além do tempo previsto pelo ajuste.
5. Conclusão A Lei 9.790/99, que instituiu a qualificação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, foi um importante marco na legislação do terceiro setor em nosso país. A crescente adesão das entidades sem fins lucrativos de interesse público ao novo título potencializa a celebração de Termos de Parceria com as Oscips nas três esferas de governo. As principais vantagens dos Termos de Parceria em relação ao tradicional instrumento de convênios podem ser assim sintetizadas: a) maior transparência, mediante a escolha da entidade parceira mediante concurso de projetos; b) maior controle social, desde a consulta ao Conselho de Políticas Públicas, previamente à realização do Termo; c) maior transparência, mediante a previsão de uma Comissão de Avaliação composta de membros do Conselho de Políticas Públicas, do órgão parceiro e da Oscip, durante a execução do projeto; c) adoção de avaliação com ênfase nos resultados, ao invés de controles meramente formais; d) exigência de uma auditoria externa para ajustes acima de R$ 600 mil; e) obrigatoriedade de publicação dos procedimentos e resultados da parceria; f) responsabilização rigorosa no caso de desvio de recursos públicos. Em geral, os Termos de Parceria firmados não traduziram mudanças significativas em vários desses aspectos: não se realizaram concursos de projetos; nem sempre houve a participação do Conselho de Políticas Públicas da área de atuação; os controles formais continuaram a ser feitos; a flexibilidade na aplicação de recursos ocorreu em poucos casos – exceção feita à possibilidade de pagamento de pessoal, inclusive dirigentes, percebida como relevante. Destaca-se como inovação prática e positiva a atuação da Comissão de Avaliação. Outras novidades ainda não foram suficientemente testadas – como a
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flexibilidade na alteração de planos de trabalhos, a prioridade à continuidade dos serviços, ainda que haja um lapso entre a conclusão de um Termo e o início de outro, e a importância da auditoria externa em Termos de valor superior a R$ 600 mil reais. No entanto, a experiência revela que a celebração de Termos de Parceria com Oscips competentes trouxe resultados positivos. O instrumento permitiu maior eficiência na aplicação dos recursos, e trouxe formas de gestão inovadoras. Os beneficiários encontram nas organizações não governamentais maior proximidade e competência específica. As organizações de interesse público estabelecem vínculos com os outros atores sociais e atuações mais duradouras nas comunidades assistidas, sem que fosse comprometida sua legítima autonomia em relação ao setor público. São poucos ainda os Termos de Parceria firmados no âmbito federal, estadual e municipal. Isto não representa, a meu ver, um sintoma de fragilidade do instrumento. Na verdade, a própria adesão das entidades à qualificação como Oscip dá-se de forma paulatina - mas consistente. Por outro lado, são tantas as novidades do instrumento que é natural uma primeira resistência dos agentes públicos à sua implementação. Além das dúvidas sob o aspecto jurídico, que a doutrina e as decisões dos Tribunais de Contas vêm crescentemente esclarecendo, há as resistências culturais
inerentes a qualquer
procedimento inovador, em especial no âmbito do Direito Administrativo. No entanto, face à qualidade do instrumento e à crescente adesão das entidades de fim público à qualificação como Oscip, pensamos que tenderá a ser adotado, com êxito, pelas esferas de governo.
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_______________________________________________
Flavio Alcoforado Organizações Sociais Mecanismos de Controle pelo Estado e pela Sociedade Contratualização e Eficiência no Setor Público: As Organizações Sociais
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Organizações Sociais Mecanismos de Controle pelo Estado e pela Sociedade Slide 1
___________________________________ ORGANIZAÇÕES SOCIAIS Mecanismos de Controle pelo Estado e pela Sociedade
___________________________________ ___________________________________
• •
Flávio Alcoforado f.alcoforado@uol.com.br
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 2
___________________________________ ORGANIZAÇÃO SOCIAL • Modelo: – Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que firma Contrato de Gestão com o Estado para a prestação de serviços públicos. Pode ser Associação ou Fundação.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ ORGANIZAÇÃO SOCIAL • Contrato de Gestão: – Instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação e execução de serviços públicos.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Conteúdo do Contrato de Gestão • Especificação do programa de trabalho definido pela Secretaria de Cultura e aceito pela OS;
___________________________________
• Estipulação das metas a serem atingidas com os respectivos prazos de execução
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Foco do Contrato de Gestão • Estabelecimento de metas e indicadores de desempenho, que medem a eficácia da prestação do serviço. • Rol de responsabilidades do Estado e da Associação, visando o atingimento das metas pactuadas.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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Fases do Contrato de Gestão
___________________________________ ___________________________________
• Gerenciamento
Negociação
C onstrução
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Etapas de Controle • Qualificação
___________________________________
• Monitoramento
___________________________________ • Fiscalização
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 8
___________________________________ Qualificação – Título que habilita a organização a celebrar Contrato de Gestão com o Estado para a execução de serviços públicos. – Compreende um rol de requisitos sobre: Estatuto, Diretoria, Conselho de Administração e Processo de Habilitação
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Qualificação - documentos •
Estatuto Social (registrado).
•
Ata de eleição do Conselho de Administração, Diretoria Executiva e Conselho Fiscal, qua ndo houver.
•
Relação dos membros que compõem o Conselho de Administração e demonstração de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral de 35 (trinta e cinco por cento) de membros eleitos.
•
Comprovação da efetiva atuação na área museológica nos últimos três anos (artigo 3º, do Decreto nº 43.493, de 29/09/98), quando a requerente pretender a qualificação na referida área.
•
Documentação que indique a idoneidade fiscal, previdenciária e trabalhista da requerente.
•
Requerimento conforme modelo previsto no Comunicado publicado no Diário Oficial do Estado e no sítio da Secretaria de Estado da Cultura.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Monitoramento • Realizado pela Unidade da Secretaria da Cultura, responsável pela Política Pública referente ao tema das atividades da OS; • Responsabilidade do Gestor do Contrato, o Coordenador da Unidade
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___________________________________ Monitoramento – verificação mensal do cumprimento dos termos acordados no Contrato de Gestão – emissão de relatórios técnicos que subsidiam a Comissão de Avaliação – as atividades de monitoramento englobam: • • • • •
aferição das metas e res pectivos p razos ; Cobrança de cump rimento de obrigações e responsabilidades; Verificação de situações não previstas; Análise d a utilização dos recursos financeiro s, humanos e materiais; acompanhamento das atividades a fim de se verificar a correta aplicação e alcance da política pública; • visitas p eriódicas; • an álises de peritos na área.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Fiscalização do Estado • Comissão de Avaliação
___________________________________
• Secretaria da Fazenda – área de controle • Tribunal de Contas do Estado / Assembléia Legislativa
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Controle Social • Comissão de Avaliação – Opinião de representantes da Sociedade;
___________________________________
• Conselho de Administração da OS – membros da comunidade. (conta com suporte de auditoria externa).
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Fiscalização •
Competência dos Órgãos: – Comissão de Avaliação - em relação aos resultados atingidos, corresp ondentes ao objeto pactuado no contrato de gestão, como ins tância superior no âmbito da Secretaria da Cultura, e como instância de controle social; – Unidades Gestoras de contratos de gestão da Secretaria da Cultura em relação ao pactuado, exercendo o mo nitoramento permanente das atividades , a fim de garantir o cumprimento e a q ualidade dos res ultados previstos, emitindo pareceres e notas técnicas sobre o andamen to dos trabalhos e submetendo-os à Comissão d e Avaliação; – Órgãos de Auditoria e Controle Interno do Estado - em relação à correta utilização dos recurs os públicos repassados através dos contratos de gestão, para a realização do objeto pactuado, e n a avaliação dos trabalhos d e monitoramento realizados pelas Unidades Gestoras da Secretaria da Cultura; – Assembléia Legislativa e Tribunal de Contas do Estado - em relação às suas atrib uiçõ es e co mpetências cons titucionais e legais .
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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Fiscalização do Contrato de Gestão • Controle dos resultados; • Utilização de critérios objetivos de avaliação de desempenho, mediante indicadores de qualidade e produtividade; • Todas as instâncias responsáveis por examinar prestações de contas podem emitir recomendações visando sanar deficiências ou aperfeiçoar mecanismos de controle, inclusive o Tribunal de Contas;
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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Fiscalização do Contrato de Gestão • Todas as recomendações, de qualquer nível, devem ser atendidas pela Organização Social e, em princípio, transformarem-se em adequações de procedimentos; • O resultado final da execução do Contrato de Gestão é o elemento que vai definir o cumprimento ou não do programa de governo para a respectiva área; • Deve ter foco nos indicadores de qualidade e produtividade, como ferramentas de avaliação que atestem a realização das metas previstas;
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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Fiscalização do Contrato de Gestão • Os indicadores devem contemplar uma boa diversidade de aspectos objetivos de desempenho, passíveis de medições precisas, utilizando-se critérios claros e objetivos; • É importante que sejam previstos procedimentos para a análise periódica da realização das metas e determinação das causas de seus desvios; • A análise das causas deve resultar em providências gerenciais e/ou administrativas, por parte da Unidade da Secretaria da Cultura, visando efetuar correções e adequações que possibilitem resolvê-las.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Comissão de Avaliação • •
Análise anual dos res ultados; Relatórios de acompanhamento da execução, trimestrais;
•
Aud itorias - anual e/ou periódicas;
•
avaliação dos resultados atingidos com a execução do Contrato de Gestão;
•
conta com uma Coordenação da Secretaria como órgão de suporte às suas atividades;
•
instância maior na avaliação das Organizações Sociais, devendo requerer às Un idad es da Secretaria ou a es pecialistas a opinião técnica necessária à verificação do cumprimento das metas acordadas ;
•
deve, ao fin al d e seu trab alho periódico, encaminhar à autoridade s upervisora, que é o Secretário da Cultura, relatório conclusivo sobre a avaliação procedida.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Comissão de Avaliação • Composição:
___________________________________
– 5 profissionais de notória especialização e idoneidade moral, membros da comunidade; – 3 funcionários da Secretaria da Cultura; – 1 membro do CONDEPHAAT – Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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Comissão de Avaliação Coordenação •
tem como atribuição principal o suporte permanente ao funcionamento da Comissão d e Avaliação e é a interface en tre esta e as Unidades da Secretaria;
•
funciona como um órgão que fiscaliza o cumprimento dos prazos e obrigações das Unidades da Secretaria e das OS e faz a checagem das avaliações realizadas pelas Unidades;
•
pode suprir eventuais necessidades das Unidades da Secretaria quanto à verificação contábil-financeira, quando for o caso.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Prestação de contas •
Relatórios: • • • • •
Financeiro – fluxo de caixa; Patrimônio – movimentação, utilização e conservação; Recursos Humanos – movimentação; Espaço Físico de bens públicos – utilização; Outros documentos formais necessários à prestação de contas dos bens e recursos de origem pública, por conveniência da Administração Pública.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Prestação de contas • Documentos para o TCE – relatório anual • Documentos para a Comissão de Avaliação – relatório trimestral
___________________________________ ___________________________________
• Demandas para o monitoramento da Unidade gestora da SEC – a qualquer tempo
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Bens •
Todos os bens móveis adquiridos pela OS com os recursos do contrato de gestão ou a ele vinculados reverterão ao Estado ao final da sua vigência;
•
Os bens móveis adqu iridos pela OS com os recurs os do contrato de gestão ou vinculad os a ele deverão ser registrados como patrimônio da própria OS, em cadas tro próprio, em separado dos demais bens da OS, podendo ser vendidos ou permutados por outros q ue o venham a sub stitu ir;
•
Caso a OS adqu ira bem imóvel com recursos provenientes do contrato de gestão ou a ele vinculados, este deverá ser afetado ao seu objeto e gravado com cláusula de inalienabilidade, devendo ser transferido ao Estado ao términ o de su a vigência;
•
Os bens móveis públicos permitid os para uso da OS poderão ser p ermutados por o utro s de igual ou maior valor, os quais integrarão o patrimônio do Estado. A permuta dependerá de prévia avaliação do bem e de exp ressa autorização do poder público.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Recursos Financeiros • Repasses periódicos previstos no Contrato de Gestão; • Movimentação dos Recursos recebidos do Contrato de Gestão em conta-corrente exclusiva para este fim; • Adoção de regulamento próprio para a contratação de obras e serviços, compras e alienações, plano de cargos, salários e benefícios dos empregados da entidade;
___________________________________ ___________________________________
• Recursos utilizados exclusivamente no objeto do Contrato de Gestão; • Obrigatoriedade de Auditoria Externa.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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OSs na Secretaria da Cultura Organização
Fase Atual
Próximos passos
Observações
___________________________________
Assinatura do CG
A migos do Projeto GURI
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2004
A PAA - Associação P aulista dos A migos das Artes ( teatros )
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2004
A SSAOC - Am igos das Oficinas Culturais do Estado de S.Paulo
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2005
Instituto Abass aí ( Mapa Cultur al P aulista)
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2005
A ssociaç ão A migos do M emorial do Imigrante
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2005
A ssociaç ão A migos do Centro de Estudos M usicais TOM J OB IM
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2005
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ A ssociaç ão A migos do Mus eu da Casa B rasileira
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação;
2006
A ssociaç ão A migos do Paç o das Artes
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2006
A ssociaç ão A migos do Conservatór io de Tatuí
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação.
2005
A migos do Mus eu da Imagem e do S om
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação.
2006
A ssociaç ão A migos da P inacoteca
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
2005
Trocando a OS.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Associação Amigos da Estação da Luz
Operando com OSCIP
Fundação OSESP
Em organização e func ionam ento
M onitoramento e avaliações periódicas
OS em operação
A ssociaç ão A migos do Mus eu de Arte S acra
Elaborando Contrato de Gestão
A ssinatura do Contr ato de Gestão
Plano de Trabalho e Orçamento prontos
E spaço Cultural da Crianç a
E laborando Contrato de Gestão
As sinatura do Contrato de Gestão
Plano de Trabalho e orçam ento em elabor ação
2005
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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CONTRATUALIZAÇÃO E EFICIÊNCIA NO SETOR PÚBLICO: AS ORGANIZAÇÕES SOCIAS
Flávio Carneiro Guedes Alcoforado 1. INTRODUÇÃO Este artigo tem como objetivo expor e discutir sobre os tipos de contratualização de resultados que vem sendo utilizados no Brasil, especialmente no Governo do Estado de São Paulo. Além disso, são utilizados alguns exemplos de contratualização já implantadas que demonstram resultados e perspectiva de eficiência. Para o desenvolvimento do trabalho foram utilizados os relatos de dirigentes das organizações citadas no texto, assim como as experiências do autor em processos de implantação e gestão de Organizações Sociais, além de algumas referências conceituais sobre o tema. A relevância do trabalho consiste na catalogação de experiências vivenciadas e na observação das mesmas, de forma a possibilitar aos estudiosos e interessados nos temas ligados à modernização do Setor Público ter acesso a esse conhecimento. O artigo está estruturado da seguinte forma: o capítulo 2 trata dos conceitos da contratualização de resultados; o capítulo 3 descreve os aspectos sobre os contratos de resultados realizados entre órgãos do próprio setor público; o capítulo 4 fala dos contratos de resultados entre o setor público e o terceiro setor; o capítulo 5 aspectos culturais relevantes nas organizações e sua permeabilidade ao modelo de Organizações Sociais; o capítulo 5 trata dos contratos entre o setor público e os agentes privados; o capítulo 6 fala sobre as PPPs – Parceria Público Privadas, e o capítulo 7 apresenta uma breve conclusão.
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2. Contratualização de Resultados No novo modelo de Estado brasileiro, adotado com a Reforma do Estado, o instrumento mais poderoso para se trabalhar com resultados e modernizar o serviço público é o Contrato, em sentido amplo e estrito. Amplo quando compreende o acordo de vontades dos atores da Administração Pública e das instituições que representam, e estrito no sentido de se fazer os pactos, de se restringir ou focar as atividades das organizações ao previsto e acordado (BRASIL, 1995). A contratualização é uma prática importante na Administração Pública pós-Reforma do Estado, pois possibilita instituir práticas de planejamento, avaliação e monitoramento da execução por parte do Estado (órgão contratante) e o terceiro ou órgão público contratado. Os Contratos de Resultados podem ser firmados com qualquer natureza de instituição, seja ela estatal (pública), do terceiro setor (associações e fundações) e mesmo privadas (empresas e consórcios). Na verdade, a proposta não é de se abandonar todos os meios de contratação já utilizados na Administração Pública, mas aperfeiçoar seus instrumentos, de modo que se possa prever com a máxima exatidão os serviços e atividades que estão sendo contratados, utilizando-se para isso os indicadores de desempenho, que são quantificáveis para se mensurar o atingimento dos resultados pactuados e, também, a própria performance da organização. Os indicadores de desempenho são variados e relacionados a um determinado serviço ou atividade, portanto, não podem ser gerais para todas as organizações. Eles indicam de forma quantitativa, ou por ações mensuráveis, as atividades da organização específica.
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Existem vários métodos para se construir indicadores de desempenho nas organizações, mas o mais prático é quando você parte da identificação dos macro-processos da organização e constrói uma cadeia de valor a partir deles até se chegar às formas de identificação do cumprimento das atividades que lhe são relacionadas (SIQUEIRA, 2005). Depois de se identificar os indicadores da organização, parte-se para estipulação das metas, que são as quantificações dos indicadores. As metas podem variar de acordo com a vontade das partes contratantes e estarão fortemente relacionadas à etapa de negociação do instrumento contratual. No processo de contratualização de resultados existem 3 (três) fases importantes que são imprescindíveis ao bom resultado da prática e não podem deixar de existir: Negociação – esta fase inicia com a intenção de contratar os serviços por um órgão estatal e a elaboração do rol de atividades a serem contratadas. A partir daí, identifica-se o outro órgão ou entidade a ser contratada e se inicia o processo de negociação, que vai da identificação dos indicadores de desempenho, estipulação das metas e a respectiva orçamentação, que é a parte financeira do Contrato de Resultados e contém as despesas e receitas da organização contratada, refletindo as obrigações de parte a parte. Construção do Instrumento – esta fase consiste na formalização de tudo o que foi negociado, aperfeiçoando-se e aferindo-se todos os pontos acordados. Um passo importante para a construção do instrumento é estabelecer as sanções e métodos de fiscalização e prestação de contas dos resultados do instrumento contratual. Gerenciamento – esta fase é permanente, após a assinatura do instrumento contratual, compreendendo todas as atividades de supervisão da entidade, monitoramento dos indicadores de desempenho pactuados e avaliação dos resultados alcançados pela parte contratada. Essa fase é realizada diretamente pelo órgão público contratante.
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Na contratualização, os instrumentos contratuais que podem ser utilizados, em sua maioria, são os mesmos já praticados pela Administração Pública, entretanto, o foco e a forma de se construir o instrumento é que muda, já que se passa de uma visão anterior focada no processo (meio), para uma nova visão focada nos resultados (fins). Desse modo, abandona-se a tradicional forma de se avaliar os contratos e a prestação dos serviços somente pela correta utilização dos recursos, através da tradicional prestação de contas financeira. Agora esse não é mais um critério de avaliação do Contrato e dos serviços prestados! Na contratualização, avalia-se o cumprimento do contrato pela avaliação do alcance dos resultados pactuados, através da verificação quanto ao atingimento das metas previstas para os indicadores de desempenho. Agora a prestação de contas financeira e o adequado uso dos recursos é uma obrigação da organização contratada, mas não é condição para se avaliar desempenho. 3. Contratos Setor Público X Setor Público A contratualização entre órgãos do próprio Estado vem sendo amplamente utilizada pelas 3 (três) esferas da Administração Pública, Federal, Estadual e Municipal e tem-se revelado um importante avanço para a eficiência dos serviços públicos. Os nomes utilizados para o instrumento contratual nesse caso têm variado conforme o Estado ou Governo. Alguns têm adotado o nome geral de Contratos de Gestão e outros têm utilizado o Acordo de Resultados, embora ambos tenham as mesmas características, natureza e alcance. Os Acordos de Resultado ou Contratos de Gestão, firmados entre 2 (dois) órgãos da Administração Pública pressupõem a estipulação de compromissos assumidos de parte a
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parte com uma determinada política pública e com os seus resultados. Antigamente, pelo antigo modo, o órgão só precisava funcionar, independente do seu desempenho relacionado à quantidade ou qualidade dos serviços que prestava. Agora ele tem que atingir resultados e prestar contas deles, demonstrando eficiência. O Órgão estatal contratante passa a utilizar-se de uma peça existente no Acordo de Resultados chamada Plano de Trabalho. Nessa peça, estão traduzidas em indicadores de desempenho todas as políticas públicas que são de competência dos órgãos, com as diretrizes estipuladas pelo órgão contratante que, em regra, é da Administração Direta e é responsável por tais políticas públicas. Em algumas esferas de Governo, que têm regulamentação própria para o Acordo de Resultados, sua assinatura confere ao Órgão contratado algumas flexibilidades gerenciais que podem compreender: autonomia para a gestão de RH, limites de compras diferenciados e mobilidade de utilização dos recursos que lhes são orçados. Além disso, existem casos em que já é possível a utilização dos recursos obtidos com a redução de despesas para investimento na própria atividade do órgão, como é o caso do Governo do Estado de Minas Gerais. É importante destacar que além dos Acordos de Resultados e Contratos de Gestão, os Convênios
também
podem
continuar
a
ser
utilizados
dentro
da
política
de
Contratualização, devendo-se, apenas, mudar o seu foco para desempenho através de resultados previstos em indicadores. Alguns órgãos estatais já estão utilizando isso na prática, destacando-se alguns hospitais da rede pública de saúde do Estado de São Paulo. Existe, também, uma outra forma de contratualização de resultados entre órgãos do Estado que se instrumentaliza através do PPA – Plano Pluri-Anual, e que utiliza a figura de gerentes de programa para firmar compromissos de resultados. É uma forma alternativa de contratualização, já que o controle, neste caso, fica centralizado em um único órgão do 83
Estado que acompanha todos os demais. Entretanto, a utilização desse mecanismo sem a concomitante utilização do acordo de resultados ou contrato de gestão não tem possibilidade melhoria do desempenho geral da organização, já que a sua abrangência é mais geral, não se traduzindo em diversos indicadores de desempenho de todas as atividades do contratado ou acordado. 4. Contratos Setor Público X Terceiro Setor Esta modalidade de contratualização é específica para os serviços sociais. Tem sido amplamente utilizada no Brasil, depois de já ter grande êxito em diversos outros países. Trata-se da parceria estabelecida com organizações da sociedade civil, para a prestação de serviços públicos. A contratualização com as entidades do Terceiro Setor pode ser instrumentalizada através dos Contratos de Gestão e Termos de Parceria, que são compostos de resultados, indicadores e metas que refletem os serviços que estão sendo contratados pelo Poder Público junto a tais organizações. Existe desde muito tempo, a prática de se realizar convênios com as organizações do terceiro setor, muito embora o foco, conforme já relatado anteriormente, era muito diferenciado, já que o resultado não era medido por indicadores de desempenho. As organizações do Terceiro Setor podem ser constituídas, juridicamente, como Associações ou Fundações, de acordo com o disposto no Código Civil Brasileiro, em vigor. Estas, para firmarem Contratos de Gestão ou Termos de Parceria com o Estado, devem ser qualificadas como Organizações Sociais ou OSCIPs – Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
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Ambos, OS – Organização Social e OSCIP, são títulos que podem ser concedidos pelas Esferas de Governo que têm competência legal para tanto. O Estado de São Paulo possui a competência de qualificar as organizações do Terceiro Setor como OS – Organização Social, para as atividades relacionadas às áreas de Saúde e Cultura. A Lei que regulamenta as Organizações Sociais no Estado de São Paulo é a Lei Complementar n 846/98. Apesar do Estado de São Paulo só conceder o título de OS – Organização Social, nada impede da Administração Pública Estadual firmar Termos de Parceria com entidades do Terceiro Setor qualificadas como OSCIP, que tenham recebido o título do Governo Federal, através do Ministério da Justiça. A Organização Social é apropriada para a execução dos serviços sociais que requerem flexibilidade de gestão e agilidade, sem ter que se submeter às leis de licitação públicas, nem a contratação de pessoal por concurso. Isto não quer dizer que a organização não disponha de controles. Ao contrário, existem regras que se adequam às atividades desenvolvidas pela organização, mas que não acarretem demora, nem utilizem etapas que venham a dificultar ou atrasar a prestação do serviço público à população. Além disso, a Organização Social utiliza controles de empresa privada, principalmente em relação às áreas contábil, financeira, suprimentos e recursos humanos (BRASIL, 1997) Além disso, todas as avaliações do serviço prestado pela organização social são monitoradas permanentemente por uma comissão da Entidade Supervisora, no caso o órgão público que contrata os serviços da Organização Social através do Contrato de Gestão. Essa comissão de avaliação tem por objetivo acompanhar o desempenho da organização, baseando-se nos indicadores de gestão, qualidade e produtividade que são previstos no Contrato de Gestão estabelecido pela Administração Pública com a organização.
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Através do Contrato de Gestão, o Estado transfere recursos para a Organização Social executar os serviços que anteriormente eram por ele prestados. Além disso, a organização se obriga a captar mais recursos no mercado a fim de ampliar a oferta dos serviços à população. Esses recursos podem ser captados através de venda de bilheteria, projetos culturais com incentivos fiscais, doações ou mesmo contribuições de associados e empresas, dentre outras fontes (Brasil, 1997). Em geral, no Contrato de Gestão são previstos 3 tipos de metas para as Organizações Sociais (ALCOFORADO, 2004): • Metas Organizacionais – são aquelas que dizem respeito à gestão da organização e medem a eficiência dos administradores que a conduzem. São importantes para a profissionalização dos serviços prestados. Incluem-se os indicadores econômicofinanceiros, de organização interna e as metas de captação de recursos próprios. • Metas de Produção – são as relacionadas diretamente à atividade fim da organização e medem a capacidade da mesma em alcançar índices adequados de prestação dos serviços a que se propõe. • Metas Sociais – são aquelas que promovem a difusão e o acesso democrático dos serviços públicos executados pela organização a parcelas mais carentes da população e podem ser beneficiados com o acesso, promovendo inclusão social. Dependendo do serviço público prestado, podem-se estabelecer parcerias com entidades educacionais ou mesmo filantrópicas para seu alcance. Devido às especificidades culturais de cada setor e os métodos de trabalho de cada grupo de especialistas dessas organizações, o formato de Organizações Sociais propicia a flexibilidade de gestão necessária a uma melhor atuação, devido à possibilidade de incorporar as práticas de gestão próprias de cada campo ou setor, o que facilita, dado o
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respeito a tais peculiaridades, obtenção de ganhos de produtividade nos serviços e de maior satisfação na prestação dos serviços públicos. A seguir, passa-se a demonstrar alguns exemplos de contratualização de resultados realizada no âmbito do Governo do Estado de São Paulo, que tem se firmado como modelo. Administração Penitenciária (SILVA, 2005) O Programa “Cidadania no Cárcere”, atualmente realizado pelo Governo do Estado de São Paulo, surgiu em 1993, a partir da disposição do então Juiz de Direito Nagashi Furukawa de resolver os problemas relacionados às condições desumanas verificadas na cadeia pública de Bragança Paulista. As ações passaram pela recuperação e reestruturação da parte de infra-estrutura, em 1994 e 1995, e com a assinatura do convênio que permitiu propiciar alimentação e atendimento completo aos presos. Hoje, o Governo do Estado de São Paulo trabalha com convênios firmados com diversas entidades do Terceiro Setor que realizam esse tipo de serviço aos presos de diversas áreas do Estado. A situação atual do programa pode ser traduzida da seguinte forma: • 24 parcerias no Estado (21 de pequeno porte e 3 de grande porte); • 20 ONG’s parceiras; • 19 unidades masculinas (17 de pequeno porte e 2 de grande porte); • 5.710 homens;
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• 5 unidades femininas (4 de pequeno porte e 1 de médio porte); • 1.324 mulheres; • Aproximadamente 6% da população carcerária total; • R$ 22.092.179,69 previstos para 2005; • 0,03% do orçamento do Governo do Estado. • 523 pessoas envolvidas; • 27 pessoas em cargos de direção em diversas esferas (25 homens e 2 mulheres); • 496 em postos de execução;
• Criação de 496 postos diretos de trabalho. Tendo em vista que o Programa “Cidadania no Cárcere” utiliza, ainda, a modalidade de convênio, é importante demonstrar no quadro 1, as diferenças existentes entre este instrumento e o Contrato. Cabendo salientar que, para a política de contratualização, o importante é o foco do instrumento, que deve estar transcrito em indicadores de desempenho relacionados à finalidade dos serviços públicos contratados. Muito embora este programa ainda utilize a modalidade de convênio, poder-se-á, quando houver permissão legal no Estado de São Paulo, trabalhar com o modelo de Organizações Sociais, já que as organizações conveniadas são integrantes do Terceiro Setor e, no
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momento através de convênios, firmam parcerias com o Estado para a realização de atividades públicas. Organizações Sociais de Cultura A Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo vem implantando, desde o início de 2004, o modelo de Organizações Sociais para a execução de suas atividades finalísticas. O processo iniciou com uma etapa de esclarecimento às diversas áreas da Secretaria quanto aos aspectos concernentes ao modelo e sua aplicação à área cultural. Existem especificidades dos Contratos de Gestão, dependendo da área do Estado em que são aplicados. Os Contratos de Gestão tem cláusulas semelhantes entre si e suas especificidades estão detalhadas através de diversos anexos: •
Plano
de
Trabalho
e
indicadores
de
resultados.Cronograma
físico
financeiro.Cronograma de desembolso.Planilha de salários da equipe dirigente.Termo de permissão de uso dos equipamentos da SEC- Secretaria de Estado da Cultura.Inventário de bens. O Acompanhamento e a avaliação destes contratos de gestão possibilita maior controle
e
transparência
nas
decisões,
na
ação
pública,
nas
negociações
e
conseqüentemente maior profissionalismo e base ética na prestação dos serviços públicos. Na Secretaria de Cultura, foi formada uma Comissão de Acompanhamento, através de Resolução, por exigência da Lei, para acompanhar e referendar, após análise, a avaliação periódica dos contratos. Essa comissão é composta pelos diretores das áreas formuladoras de políticas da Secretaria, além de especialistas em arte e cultura (FERNANDES, 2005).
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Os contratos de gestão são monitorados por meio de um sistema informatizado que está sendo elaborado de acordo com as demandas específicas da SEC - Secretaria de Estado da Cultura, que compreenda o acompanhamento dos indicadores e suas metas previstas em cada Contrato de Gestão. É importante, também, trazer algumas definições jurídicas sobre o modelo e sua aplicação, a fim de deixar mais claras algumas questões. Diante disso, Organização Social pode ser definida como: Pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que firma Contrato de Gestão com o Estado para a prestação de serviços públicos. Pode ser Associação ou Fundação. Qualificação: • Título que habilita a organização a celebrar Contrato de Gestão com o Estado para a execução de serviços públicos. • Compreende um rol de requisitos sobre: Estatuto, Diretoria, Conselho de Administração e Processo de Habilitação. Contrato de Gestão: • Instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação e execução de serviços públicos. Foco do Contrato de Gestão: • Estabelecimento de metas e indicadores de desempenho, que medem a eficácia da prestação do serviço.
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• Rol de responsabilidades do Estado e da Associação, visando o atingimento das metas pactuadas. Fiscalização do Contrato de Gestão: • Controle dos resultados • Monitoramento e avaliação por Comissão constituída pela Secretaria de Cultura. • Utilização de critérios objetivos de avaliação de desempenho, mediante indicadores de qualidade e produtividade. Negociação: • Secretaria de Estado e Organização Social, acertando questões sobre: o Metas e prazos o Obrigações e responsabilidades o Condicionantes o Recursos financeiros, humanos e materiais o Flexibilidades o Mecanismos de avaliação Penalidades Acompanhamento e avaliação:
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• Relatórios trimestrais de execução do CG • Análise anual por comissão de avaliação • Prestação de contas anual • Auditorias - anual e/ou periódicasA Secretaria de Cultura concentrava, anteriormente à utilização do modelo de OS, todas as suas atividades executivas exclusivamente na Administração Direta, o que limitava as possibilidades de agilidade e eficiência nos serviços e atividades culturais como teatros, museus, escolas de música, orquestras etc. Uma outra limitação relacionada à situação anterior à utilização do modelo era a impossibilidade da adoção de práticas de gestão relacionadas à área cultural e artística, impedimento que desaparece no modelo OS. O planejamento inicial da Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo previa a parceirização com 14 Organizações Sociais que iriam assumir atividades finalísticas, de execução de serviços públicos, que até então vinham sendo realizadas diretamente pela Administração Direta. Entretanto, com a troca do comando da Secretaria no primeiro semestre deste ano, não foi assinado mais nenhum Contrato de Gestão, permanecendo somente os quatro iniciais que já haviam sido assinados entre o final de 2004 e o início de 2005. As quatro Organizações Sociais que firmaram Contrato de Gestão estão descritas no Quadro 2. Organizações Sociais de Saúde (OLIVEIRA, 2005) A área de saúde foi a precursora na utilização do modelo de Organizações Sociais no Estado de São Paulo. O processo foi iniciado ainda em 1998 e hoje já existem 18 serviços de saúde que operam com contrato de gestão. Sendo:
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• 13 hospitais por OSS´s/ 3 hospitais por Convênios (UNICAMP/UNESP/FFM-USP) • 1 Ambulatório de Especialidades
• 1 Centro de Referência para Idosos A área de saúde estadual também foi precursora na utilização do instrumento convênio com metas e indicadores, a exemplo dos Contratos de Gestão, de forma que conseguiu uniformizar a prática de contratualização na área com essa adequação. Inicialmente, os hospitais ainda operaram com 2 instrumentos de relação: 1 convênio SUS e o Contrato de Gestão. Entretanto, desde 2001, já se uniformizou isso e o único instrumento de gestão utilizado é o Contrato de Gestão, que incorporou vários indicadores utilizados também pelo SUS. Nos contratos de gestão da área da saúde existem metas de produção, metas formais, relacionadas às informações prestadas, além das metas de satisfação do usuário, que são consideradas de grande relevância e peso para a área.
5. Contratos Setor Público X Setor Privado A contratualização do setor público com o setor privado já acontece há muito tempo, pois está diretamente relacionada aos contratos de concessão, permissão, delegação e às autorizações emanadas pelas autoridades públicas aos particulares.
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Esse tipo de contrato aperfeiçoou-se com as ondas de privatizações de estatais do Estado na década de 90, quando foram transferidas ao mercado as atividades de produção de bens e serviços até então executadas diretamente pelo setor público. A partir daí, os contratos de concessão foram incrementados com os indicadores e metas de desempenho e foram criados órgãos públicos habilitados e capacitados para realizarem a regulação das atividades dos mercados específicos, especialmente das áreas que foram privatizadas, ligadas principalmente ao setor de infra-estrutura. Mas também foram criadas outras agências reguladoras de setores que já existiam no mercado, mas não tinham órgãos públicos modernos aparelhados para realizar a regulação e fiscalização das atividades. Nesse contexto, no Estado de São Paulo, é que foram criadas a ARTESP – Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo, que exerce a regulação do mercado de transporte intermunicipal, e a CSPE – Comissão de Serviços Públicos de Energia, que realiza a regulação do setor de energia elétrica e gás canalizado. Além dessas duas agências, também será demonstrado o caso da EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos, que regula e fiscaliza o transporte na região metropolitana de São Paulo. Essa empresa pública já existia há mais tempo. ARTESP – Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo (RECCHI, 2005) A ARTESP é uma autarquia que tem como finalidade regulamentar e fiscalizar todas as modalidades de serviços públicos estaduais de transportes autorizados, permitidos ou concedidos a entidades de direito privado. As razões e objetivos do programa realizado pela agência são:
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• Necessidade de investimentos na infra-estrutura de transporte. • Incapacidade financeira do Estado para satisfazer a totalidade de investimentos a curto prazo. • Disponibilidade de novas tecnologias no setor de transporte. • Oportunidade para criar novo negócio gerando desenvolvimento econômico e empregos. • Adaptar a capacidade das rodovias de acordo com as demandas das regiões, promovendo o desenvolvimento econômico • Aumentar a segurança, o conforto e a confiabilidade nas estradas. • Reduzir os custos de transportes na economia do Estado. • Garantir a evolução do setor.
A amplitude do programa compreende: • 3,5 mil km (15% malha rodoviária do Estado) • 12 empresas concessionárias • 20 mil novos empregos diretos
• R$12,9 bilhões de investimentos 95
CSPE – Comissão de Serviços Públicos de Energia (KANN, 2005) A CSPE compreende as atividades de regulação de geração e distribuição de energia elétrica e de gás canalizado no Estado de São Paulo, tendo como diretrizes: • Coibir a ocorrência de discriminação no uso e acesso à energia; • Proteger o consumidor no que respeita a preços, continuidade e qualidade do fornecimento de energia; • Aplicar metodologias que proporcionem a modicidade das tarifas; • Assegurar à sociedade amplo acesso a informações sobre a prestação dos serviços públicos de energia e as atividades da Comissão, assim como a publicidade das informações quanto a situação do serviço e aos critérios de determinação das tarifas.
As atividades de regulação e fiscalização do setor elétrico estão restritas às atividades delegadas pela ANEEL – Agência Nacional de Energia Elétrica no Estado de São Paulo, atuando atualmente junto a 14 concessionárias de distribuição de energia elétrica e 3 concessionárias de distribuição de gás canalizado. As atividades de fiscalização da CSPE são de natureza: • Técnica • Comercial • Econômico Financeira Societária 96
• Pequenas Centrais Hidrelétricas e Termoelétricas • Pesquisa e Desenvolvimento • Eficiência Energética Os tipos de fiscalização realizados são de natureza: permanentes, periódicas e pontuais. EMTU – Empresa Metropolitana de Transportes Urbanos (LOPES, 2005) A EMTU é a empresa do Governo do Estado de São Paulo que é responsável pelo gerenciamento do transporte de passageiros, por ônibus, nas Regiões Metropolitanas do Estado de São Paulo. Esse gerenciamento compreende as funções de planejamento, controle e fiscalização da frota. Atualmente, a EMTU atua em 67 municípios, com uma frota gerenciada de cerca de 14 mil veículos que atendem, em média, 1,5 milhão de passageiros por dia útil. A atividade de gerenciamento compreende o planejamento das linhas, a frota necessária e a quantidade de passageiros do roteiro de cada linha. Já a fiscalização observa itens que vão desde as condições mecânicas dos ônibus, até cumprimento de horários. A EMTU desenvolveu uma metodologia que mede o IQT – Índice de Qualidade do Transporte, e é aplicada em toda a sua área de abrangência. O IQT tem como objetivos: • Tornar mais objetivas as relações contratuais entre o Poder Concedente e os Operadores;
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• Monitorar e controlar o sistema por meio de indicadores de gestão; • Estabelecer diretrizes de atuação do sistema a partir do desempenho verificado • Trabalhar com um indicador multifacetado que leve em conta os diversos aspectos da prestação dos serviços.
O IQT engloba outros índices na sua composição, de forma a englobar todos os aspectos relevantes dos serviços, conforme Quadro 3. 6. PPPs – Parcerias Público-Privadas (ENGLER, 2005) As PPPs ainda são uma novidade, em termos de contratualização no Setor Público, pois é muito recente a sua regulamentação, pois é regido pela Lei Federal nº 11.079/2004. Os contratos consistem na contratação de terceiros, para a prestação de serviços para a própria Administração ou para grupos específicos de usuários. É mais adequado para obras e serviços de infra-estrutura, apesar da atuação do parceiro privado não se limitar à execução de obra pública, mas deve envolver atividade operacional. Os contratos de PPPs deverão ter prazo máximo de 35 anos e os aportes de recursos públicos devem ser diluídos no tempo. O parceiro privado investe na frente e obtém o retorno no longo prazo. A CPP – Companhia Paulista de Parcerias é a empresa do Governo do Estado de São Paulo que tem a função de garantidora das obrigações do Tesouro do Estado em contratos de PPP, oferecendo garantias de boa qualidade e liquidez.
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7. CONCLUSÃO Diante do abordado e das experiências de contratualização relatadas, chega-se a um ponto interessante da utilização do mecanismo contrato de resultados, pois já se consegue obter resultados palpáveis em todas as áreas com quem o Estado estabelece a parceria contratual, seja ela pública ou privada. Entretanto, sabe-se que trabalhar com indicadores de resultado não é uma tarefa fácil para os órgãos do Estado, especialmente quando se tem que lidar com transformações de natureza cultural que envolvem a mudança de visão e a postura dos agentes públicos envolvidos. A prática da contratualização traz inovações para a Administração Pública, que passa a se modernizar, já que começa a focar no que é relevante para o Estado e para o Cidadão, beneficiário dos serviços públicos, através dos indicadores de desempenho estabelecidos nos contratos de resultados. Esse foco em resultados permite ao administrador público e ao Governo apresentar o alcance de maior quantidade de serviço prestado à população, deixando de executar diretamente as atividades e passando a conceber e formular políticas públicas que passam, também, a ser monitoradas e fiscalizadas pelo Estado. Além disso, permite às organizações contratadas o alcance de níveis crescentes de produtividade e eficiência, em virtude da própria dinâmica mobilizadora que a organização passa a ter e as metas estabelecidas no intrumento contratual de resultados.
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BIBLIOGRAFIA ALCOFORADO, Flávio. Um desafio para a regulação do mercado de assistência à saúde no Brasil: a escolha do consumidor de planos de saúde – dissertação de mestrado, 2003. Publicada em: http://www.ebape.fgv.br/academico/asp/dsp_dissertacoes.asp?cd_cur=3&cd_lip=2&cl _status=D ALCOFORADO, Flávio. Flexibilidade organizacional e adaptação à cultura setorial: o caso das Organizações Sociais no Brasil, 2004. Publicado nos anais do IX Congresso Internacional del CLAD sobre la Reforma del Estado y de la Administración Pública, Madrid, Espana, 2-5 Nov. 2004. BRASIL. Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado / Secretaria da Reforma do Estado. Organizações Sociais. / Secretaria da Reforma do Estado. Brasília: Ministério da Administração e Reforma do Estado, 1997. BRASIL, CÂMARA DA REFORMA DO ESTADO, Ministério da Administração e Reforma do Estado. Plano diretor da reforma do aparelho do Estado. Brasília: Presidência da República, 1995. ENGLER, Mário (2005), As PPPs – Parcerias Público Privadas no Estado de São Paulo, FUNDAP, mimeo. FERNANDES, Maria Amélia (2005), Acompanhamento e Controle das Organizações Sociais da Cultura do Estado de São Paulo, FUNDAP, mimeo. KANN, Zevi (2005), Contratualização de Resultados: CSPE - Comissão de Serviços Públicos de Energia, FUNDAP, mimeo.
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LOPES JÚNIOR, Joaquim (2005), Contratualização de resultados: a EMTU e o Sistema Metropolitano de Transporte de Passageiros por Ônibus, FUNDAP, mimeo. OLIVEIRA, Sílvia Regina (2005), Organizações Sociais de Saúde, FUNDAP, mimeo. RECCHI, Wilson (2005), Contratualização de Resultados: ARTESP – Agência Reguladora de Transportes do Estado de São Paulo, FUNDAP, mimeo. SILVA, José Walter (2005), Programa Cidadania no Cárcere, FUNDAP, mimeo. SIQUEIRA, Maria Carolina (2005), Indicadores de desempenho e controle de resultados, SEPLAG/MG, mimeo. RESENHA BIOGRÁFICA Flávio Carneiro Guedes Alcoforado é Mestre em Gestão Empresarial pela EBAPE / Fundação Getulio Vargas – RJ, onde elaborou a Dissertação: Um desafio para a regulação do mercado de assistência à saúde no Brasil: a escolha do consumidor de planos de saúde, em 2003; é Especialista em Gestão Empresarial pelo IAG /Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro; e Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco; Professor de Administração da PUC SP e licenciado da Universidade Cândido Mendes, onde leciona as disciplinas: Teoria Geral da Administração, Introdução à Administração e Organizações. É Diretor da VAE Consultores – Valor e Atitude Empresarial, na área de Administração Pública; Consultor da FUNDAP – Fundação de Desenvolvimento Administrativo para a implantação das Organizações Sociais da área da Cultura do Estado de São Paulo e Consultor da Secretaria de Planejamento e Gestão do Estado de Minas Gerais, para a implantação de OSCIPs. Desenvolveu trabalhos nas seguintes organizações sociais:
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ACERP – Associação de Comunicação Educativa Roquette Pinto, mantenedora da TVE Brasil e Rádio MEC, no Rio de Janeiro; IACC – Instituto de Arte e Cultura do Ceará, que gere o Centro Cultural Dragão do Mar; FUNTELC – Fundação de Telecomunicação do Ceará, mantenedora da TV educativa do Estado do Ceará; PRO GURI - Associação Amigos do PROJETO GURI, que gere as atividades de formação em música para crianças e adolescentes, em São Paulo; ASSAOC - Associação Amigos das Oficinas Culturais do Estado de São Paulo, que gere as atividades dos cursos e eventos de artes nas Oficinas Culturais do Estado de São Paulo.
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QUADROS, TABELAS E GRÁFICOS Quadro 1 – Diferenças entre Convênio e Contrato na Administração Pública Convênio
Contrato
• Interesses concorrentes;
• Interesses contrapostos;
• Não há taxa ou remuneração;
• Há remuneração;
• Não há penalidade na rescisão;
• Há multa e penalidades rescisórias;
• Valor repassado não perde natureza de recurso público;
• Valor da remuneração passa a integrar o patrimônio do contratado;
• Prestação de contas financeira ao repassador e ao Tribunal de Contas;
• Não há prestação de contas financeira tradicional.
Quadro 2 – Organizações Sociais que firmaram Contrato de Gestão com a Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo Organização
Fase Atual
Próximos passos
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Área de atuação
Associação Amigos
Em organização
Monitoramento e
Ensino de música a
do Projeto GURI
e funcionamento
avaliações
crianças
periódicas
adolescentes
e
carentes. APAA - Associação
Em organização Monitoramento e Rede de Teatros
Paulista dos
e funcionamento
Amigos das Artes
avaliações periódicas
(teatros) ASSAOC - Amigos
Em organização Monitoramento e Oficinas
das Oficinas
e funcionamento
Culturais do Estado
avaliações
Culturais
Artísticas
periódicas
de S.Paulo Instituto Abassaí de Em organização Monitoramento e Mapeamentos Cultura e Arte
e funcionamento
e
avaliações
concursos
que
periódicas
divulguem a cultura regional.
Quadro 3 – Índice de Qualidade do Transporte IQT ÍNDICE DE QUALIDADE DOTRANSPORTE
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105
_______________________________________________
Eduardo Szazi Extrato de Relatório de Pesquisa Comparada de Legislação Brasil – Estados Unidos – Europa – América Latina Há Necessidade de Fiscalização do Governo sobre o Trabalho das Organizações da Sociedade Civil? Por quê?
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EXTRATO DE RELATÓRIO DE PESQUISA COMPARADA DE LEGISLAÇÃO BRASIL – ESTADOS UNIDOS – EUROPA – AMÉRICA LATINA
Eduardo Szazi SUMÁRIO. APRESENTAÇÃO. PARTE I – CENÁRIO LOCAL. 1. Transparência. 2. Governança. Parte II – CENÁRIO EXTERNO. 1. A regulação internacional do fluxo de capitais pós 9/11. 1.1. Gestão financeira. 1.2. Gestão administrativa. 1.3. Gestão operacional. 2. Transparência. 2.1. Estados Unidos. 2.2. Europa. 2.3. América Latina. 3. Governança. 3.1. Estados Unidos. 3.2. Europa. 3.3. América Latina. RECOMENDAÇÕES. BIBLIOGRAFIA.
APRESENTAÇÃO O propósito deste documento é apresentar extrato do resultado da pesquisa de legislação do Terceiro Setor no Brasil, Estados Unidos, Europa e América Latina conduzida em 2003 com o intuito de subsidiar as discussões e a formulação de propostas de reforma do marco regulatório do Terceiro Setor no Brasil, visando o fortalecimento das organizações da sociedade civil de interesse público e do investimento social privado.
Durante a etapa preliminar, de identificação do escopo da pesquisa, o pesquisador debruçou-se sobre diversos assuntos considerados relevantes para o fortalecimento das organizações da sociedade civil de interesse público e do investimento social privado no Brasil, havendo optado por concentrar o trabalho em cinco temas, a saber: transparência, governança, incentivos fiscais, fundos patrimoniais e fundações comunitárias, dos quais apenas os três primeiros são apresentados nesse encontro. Definiu-se, também, que a pesquisa deveria avaliar o tratamento legislativo do tema em regimes legais distintos (common e civil law), bem como a abordagem que cada um deles recebe em projetos de reformas legislativa das organizações entrevistadas, fortemente envolvidas em esforços de advocacy em prol do Terceiro Setor em seus países.
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A pesquisa contou com o suporte das seguintes instituições, cujo generoso apoio desde já agradecemos:
Entrevistas
Washington DC
Council on Foundations Robert Buchanan Independent Sector Peter Shiras International Center for Not-for-Profit Law Stephan Klingelhofer
New York
The Synergos Institute Shari Turitz & David Winder Foundation Center Bruce Gum
Bruxelas
European Foundation Centre Emmanuele Faure & Hanna Surmatz
Londres
International Center for Not-for-Profit Law Richard Fries
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Association of Charitable Foundations David Emerson The Giving Campaign Amanda Delew Community Foundation Network Claire Brook Charities Aid Foundation Simon Hebdicth
O estudo está dividido em duas Partes, sendo a primeira dedicada ao cenário brasileiro e a segunda ao cenário externo.
Finalmente, nas Recomendações são apresentadas sugestões para o encaminhamento dos debates para a elaboração do novo marco regulatório do Terceiro Setor.
Também, o resultado da pesquisa documental e das discussões com representantes graduados das instituições estrangeiras entrevistadas mostrou que os temas recebem atenção e esforços diferenciados de cada organização, sofrendo forte influência da percepção do papel do Estado e da noção de Público em cada um dos países.
Alguns paradoxos, sob as nossas percepções e noções, foram encontrados nos países da common law, onde, destacamos, ao mesmo tempo em que as instituições do Terceiro Setor têm ampla liberdade de
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34
gerir seus recursos (“porque são privados”) , não estão protegidas pelo sigilo fiscal, tendo suas detalhadas declarações de imposto de renda disponibilizadas a qualquer cidadão pela própria autoridade fiscal (“porque são dedicadas a uma causa pública”) e, mais recentemente, em sítios da Internet (www.guidestar.org e www.guidestar.org.uk).
O enfoque do direito continental europeu, nesse mesmo aspecto, é assemelhado ao brasileiro, onde a norma impõe certas restrições prévias ao uso dos recursos (“porque são dedicados a uma causa pública”), mas os protege com o sigilo fiscal (“porque são privados”).
Enfim, abordagens que merecem reflexão
PARTE I – CENÁRIO LOCAL 1. Transparência
Desde o início de nossa participação no processo de reforma do marco legal do Terceiro Setor, em 1997, temos sustentado a necessidade de transparência na origem e aplicação dos recursos das entidades.
Este posicionamento, embora bem acolhido pelos interlocutores do governo durante as Rodadas de Interlocução Política do Conselho da Comunidade Solidária para a reforma do marco legal do Terceiro Setor (“Rodadas 1997-1999”), sofreu certa resistência de representantes de algumas organizações da sociedade civil, que calcados em privilegiados contatos com fontes internacionais, não estavam dispostos a tornar pública sua estratégia de financiamento e, dessa forma, correr o risco da concorrência por tais recursos.
34
Caso emblemático é a McGregor Foundation, estabelecida no Reino Unido por um certo membro dessa ancestral família, que tem por propósito oferecer ajuda financeira a estudantes carentes que portem o sobrenome McGregor.
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A diferença no modelo de financiamento implica, em nosso entender, em divergência no processo de prestação de contas e resolução de conflitos de interesses, eis que, enquanto os dirigentes eleitos de entidades grantmakers são remunerados pela empresa mantenedora ou têm sua remuneração definida por aquela, os dirigentes estatutários de entidades “independentes” são remunerados pelas próprias entidades que dirigem, mediante contratos de consultoria onde, muitas vezes, definem sua própria remuneração, ainda que sob o sistema de "troca" de decisões (A define a contratação de B; B define a contratação de A).
A necessidade de controles internos para evitar o conflito de interesses no processo decisório e a publicização das deliberações, previstos na lei 9.790, de 1999, é, hoje, embora obviamente não declarada, a principal barreira à adesão ao novo sistema classificatório das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (“OSCIP”).
Tratando do tema da prestação de contas, os debates nas Rodadas 1997-1999 foram construindo o consenso de que as organizações da sociedade civil não podem se dar ao luxo de administrar mal os recursos de que dispõem, pois os mesmos são amealhados em benefício da causa que advogam e, assim, a entidade age como uma mandatária de seus patrocinadores, que não investe os recursos nela, mas através dela. Dessa forma, é necessário assegurar que os recursos serão aplicados na causa e, também, que eles serão bem aplicados.
Um dos consensos gerais que ampararam o processo de reforma do marco legal até aqui é a instituição de mecanismos de transparência e responsabilização capazes de ensejar a construção da autoregulação do Terceiro Setor.
Assim, o controle deve ser, em primeiro lugar, da sociedade civil e, subsidiariamente, do poder público. Adicionalmente, um nível de controle não implica, necessariamente, no afastamento do outro, de modo que os diversos atores, concomitantemente, devem ter competência para controlar as atividades sociais.
O primeiro foco de trabalho durante as Rodadas 1997-1999 foi a identificação de práticas conhecidas de controle externo e a sua incorporação no novo modelo de prestação de contas preconizado pela lei.
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O primeiro instrumento tradicional incorporado à Lei 9790 foi o Conselho Fiscal eleito, que, embora seja há muito conhecido no Terceiro Setor, não era obrigatório por lei e, assim, não era prática corrente que o mesmo fosse previsto nos estatutos sociais e, sendo-o, por diversas ocasiões não era eleito ou, se tal se verificasse, era composto por pessoas ligadas aos administradores, seja por amizade ou parentesco, viciando sua independência de avaliação e controle.
O segundo instrumento adotado foi a auditoria externa, embora precedido de muito debate. A proposta inicial do governo era impor a obrigatoriedade de auditoria externa para todas as entidades que tivessem um orçamento anual superior a 300 mil reais (à época cerca de 250 mil dólares norteamericanos), o que, no ponto de vista dos representantes da sociedade civil era danoso, pois implicaria em elevados dispêndios com honorários, drenando recursos de causas de interesse social para os cofres de empresas privadas. A proposta final incorporada na Lei 9790 adotou a auditoria externa apenas para recursos públicos recebidos pela entidade que superassem o montante de 600 mil reais (à época 500 mil dólares).
Em adição à esses mecanismos tradicionais, a lei dispôs, não sem temperados debates durante sua elaboração, que deveria ser facultado a qualquer cidadão, ainda que não beneficiário ou contribuinte direto de qualquer entidade, o direito de saber quais são as entidades qualificadas e, também, conhecer suas atividades e relatórios financeiros, isto porque, sendo públicas as causas do Terceiro Setor, à ele, cidadão, sempre seriam afetas. Mais ainda, este cidadão, amparado em fundadas evidências de erro ou fraude, poderia, vedado o anonimato, solicitar às autoridades o início de um procedimento fiscalizatório que poderia levar, inclusive, à cassação do título e instauração de procedimentos criminais contra os dirigentes da entidade, se descobertos delitos graves. Ao adotar esta diretriz, a lei brasileira ousou em relação à experiência internacional ao conceder a qualquer cidadão o poder fiscalizatório formal das entidades qualificadas, tornando público e difuso o controle social das mesmas.
Como condição ao exercício desse poder, a Lei 9790 previu a necessária divulgação permanente das 35
entidades qualificadas pelo novo regime
35
e a divulgação, por meio eficaz, de seus relatórios de
A lista é disponível na web page do Ministério da Justiça do Brasil (www.mj.gov.br).
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atividades, demonstrações financeiras e certidões de quitação de suas obrigações perante a Seguridade Social, obrigando as entidades a colocá-los à disposição para exame de qualquer cidadão. Note-se que a Lei 9790 não impôs uma forma específica de divulgação de informações pelas entidades, mas apenas sua eficácia, de modo que cada uma poderá definir, dentro de seus meios de comunicação e 36
disponibilidades financeiras, aquela que melhor lhe cabe .
À parte desses três instrumentos de controle da sociedade civil - conselho fiscal, auditoria externa e controle individual do cidadão – muito se debateu, nas Rodadas 1997-1999, sobre a dimensão do controle governamental, cujos representantes, no calor das discussões, assumiam um fervor 37
moralizante desproporcional, buscando impor restrições dos mais variados aspectos , que em nada contribuiriam para o desenvolvimento do Terceiro Setor.
Para fazer face a esta frente, os representantes da sociedade civil passaram a travar contatos mais intensos entre si - em reuniões, conferências telefônicas e e-mails - com o intuito de fechar um acordo sobre pontos básicos, negociando em bloco com os representantes do governo, sempre com uma proposta alternativa, mais alinhada com os consensos do documento base. Mais do que o confronto, a estratégia foi calcada em apresentação de sugestões objetivas e firmes, com argumentos objetivos, sem qualquer apelo emocional ("nós somos ONGs" ou "nós fazemos o que o governo deveria fazer"). A estratégia surtiu efeito e o projeto final foi muito menos burocrático e restritivo, prevendo o controle 38
governamental em três níveis: o Ministério Público , sobre as associações que tiverem denúncias e, indistintamente, sobre todas as fundações; a Secretaria da Receita Federal, mediante os mesmos
36
Observamos a crescente divulgação dos dados nas web pages, em relatórios específicos, jornais e outros meios internos de comunicação, veículos de grande circulação, balanços sociais de empresas mantenedoras e outdoors nas fachadas das sedes das entidades.
37
Citamos as propostas de resumos biográficos de diretores com indicações de envolvimento em inquéritos e/ou processos judiciais de qualquer natureza, fotocópia de declarações de imposto de renda, auditorias, lista de contratos e doadores, com respectivos valores, e outros.
38
No Brasil, o Ministério Público tem a função constitucional de defender a ordem jurídica, o regime democrático e os interesses sociais e individuais indisponíveis. Também, por disposição do Código Civil, tem o poder de supervisionar as fundações.
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instrumentos e critérios usados na fiscalização das demais pessoas jurídicas e o Ministério ou órgão público que repassar recursos à entidade, com amparo em poder contratual de tomada de contas.
Todavia, a prestação de contas, por si só, não era suficiente, pois mesmo um recurso aplicado certo pode ser mal aplicado. Explicamos: para o interesse social não basta não roubar é necessário investir com eficiência e, assim, a governança se tornou o próximo foco de debates.
2. Governança
O Brasil, assim como diversos outros países, adotava, até a edição da Lei 9790, o princípio que os dirigentes eleitos de ESFL não podiam ser remunerados, na medida em que desempenhavam tais atividades voluntariamente. Para muitos atores do Terceiro Setor, este sistema é ruim, pois a vasta maioria das iniciativas sociais acontece por causa de um punhado de indivíduos de classe média que se sentem "movidos" a se dedicarem a uma causa de interesse social e, assim, ou os dirigentes têm outras fontes de sustento e, então, podem dedicar todo o seu dia para a gestão da entidade ou, tendo que "ganhar o seu pão", dedicam apenas algumas horas, em seus períodos de descanso. Dadas as alternativas - inadequadas para os engajados participantes oriundos da classe média e classe baixa disseminou-se no Brasil uma prática distorcida da profissionalização, onde os verdadeiros dirigentes das ESFL eram contratados como profissionais, permanecendo, nos órgãos diretivos, pessoas "de fachada", ou seja, que emprestavam seus nomes para compor tais órgãos, normalmente recrutadas entre os amigos ou familiares dos dirigentes reais. Este procedimento, como se intui, causava sérios danos à imagem das ESFL e à qualidade de sua governança, pois, na prática, transformava as entidades em feudos de alguns indivíduos, que, mesmo imbuídos das melhores das intenções, os administravam como um negócio familiar.
Para romper com essa prática perniciosa era necessário, não só instituir a autorização legal para a remuneração de dirigentes, como também impedir que os mesmos abusassem de seu poder decisório,
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fixando sua própria remuneração ou realizando negócios com pessoas relacionadas, em proveito próprio.
Durante as Rodadas 1997-1999, debateu-se o papel da legislação na implantação de um modelo de governança adequado às expectativas sociais. Seria a lei capaz de induzir boas práticas gerenciais? Mais ainda, seria ela um instrumento capaz de separar as “boas” das “más” organizações da sociedade civil? E, finalmente, aderir ao novo regime implicava em ser “boa” e não aderir implicava em ser “má”? Seria, então, separado o joio do trigo?
O Grupo de Trabalho entendeu que sim, obtendo sua inspiração na legislação que rege as companhias abertas que, por terem suas ações comercializadas nas bolsas de valores, têm regras detalhadas sobre conflito de interesses, impondo severas sanções aos acionistas controladores e administradores que realizarem negócios em seu benefício pessoal e em detrimento aos interesses da companhia e de seus 39
acionistas minoritários .
Enquanto havia consenso sobre a introdução de regras sobre conflito de interesses havia uma forte distensão entre governo e sociedade civil quanto à remuneração dos dirigentes, posto que o governo buscava manter a tradição de dirigentes voluntários. A estratégia adotada pelos representantes da sociedade civil, então, buscou construir um regramento sólido sobre conflitos de interesses, impondo restrições ao self-dealing e às práticas de private inuerement e de private benefit, e introduzindo na gestão de ONGs alguns princípios constitucionais de gestão do dinheiro público, com o intuito de arrefecer a negativa governamental à remuneração de dirigentes.
39
Particularmente sobre este tema, este autor vê um forte paralelo entre as companhias abertas e as organizações da sociedade civil, pois ambas calcam sua estratégia de crescimento e financiamento de operações na captação da poupança popular, oferecendo em troca um benefício fora da administração do investidor: o lucro pessoal, nas companhias, e o lucro social, nas ONGs. Mal geridas, ambas causam danos que transcendem o prejuízo financeiro individual causado ao investidor, pois prejudicam a imagem de todo o setor e contribuem para a redução de investimentos em outras organizações com perfil análogo.
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No que se refere aos negócios com partes relacionadas, a proposta governamental impedia simplesmente a realização de negócios comerciais ou financeiros entre a organização e seus dirigentes, seus parentes até segundo grau e empresas nas quais esses indivíduos detivessem participação societária superior a 10%. A sociedade civil, em contrapartida, propunha a adoção de um regramento de conflito de interesses semelhante ao norte-americano, onde o negócio entre partes relacionadas é permitido, desde que o mesmo seja explicitado para o conselho diretor e colocado em ata; que o interessado não participe da tomada de decisão referente ao assunto; e, em certos casos, que ele sequer esteja presente à reunião, para não causar constrangimento aos demais dirigentes. Todavia, em que pesem os esforços dos representantes da sociedade civil, prevaleceu no texto final a proposta 40
governamental , reforçada pela imposição de proibição de negócios com parentes até terceiro grau.
Buscando reforçar a qualidade da governança, foi introduzida a obrigatoriedade de que o processo decisório das entidades tomasse em consideração os princípios da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência, previstos na Constituição Federal para a gestão de recursos públicos, calcado no fato de que, sendo os recursos captados pelas organizações para investimento em causas de interesse coletivo, a expectativa do investidor, seja ele privado ou governamental, era de que tais valores fossem aplicados adequadamente. Adicionalmente, por serem tais conceitos já muito estudados no direito brasileiro e diversas vezes apreciados pelos tribunais, seriam eliminadas controvérsias sobre sua interpretação, tal qual ocorreria se a lei adotasse termos ainda não conceituados como “competência”, “responsabilidade gerencial” ou “transparência”.
PARTE II – CENÁRIO EXTERNO 1. A regulação internacional do fluxo de capitais pós 9/11
40
Os debates sobre este tema apontaram as dificuldades de um processo incipiente de articulação política. Os representantes do governo não eram vencidos no voto, por exemplo. Precisavam ser convencidos. Se não aceitassem a proposta da sociedade civil, simplesmente imporiam a sua, pois, segundo argumento de um dos interlocutores governamentais "eles podiam fazer a lei sozinhos; se estavam consultando, era para ampliar o debate, mas, de nenhuma forma, precisavam se submeter à vontade da maioria do grupo de trabalho".
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O evento de 11.09.2001 trouxe profundas modificações no sistema de financiamento de ESFL, notadamente após a descoberta de que projetos aparentemente inocentes estavam sendo usados para 41
coletar fundos e acobertar terroristas .
A partir de então, a comunidade internacional avançou na edição de regras contra a lavagem de dinheiro e para combate ao terrorismo, sendo uma das iniciativas mais relevantes os estudos do Grupo 42
de Ação Financeira sobre a Lavagem de Dinheiro (“GAFI”) , da Organização de Cooperação e 43
Desenvolvimento Econômico (“OCDE”) que levaram à edição de um guia de melhores práticas (“GAFI BEST PRACTICES”) apresentado, em sua versão original, anexo a este estudo.
Tendo em vista a diversidade da forma de constituição de ESFL no mundo, a abordagem adotada pela GAFI BEST PRACTICES levou em conta aspectos funcionais na operação dessas entidades, em detrimento de sua forma legal. Portanto, aos olhos do mundo, uma fundação e uma associação civil de direito brasileiro não têm diferenças pelo simples fato de adotarem formas distintas.
O mesmo critério foi adotado pelo Departamento do Tesouro dos Estados Unidos da América (“DT/EUA”) em suas diretrizes para as melhores práticas voluntárias de financiamento de ESFL por 44
organizações baseadas nos Estados Unidos (“US BEST PRACTICES”).
O recrudecimento das medidas mundiais e, especialmente, norte-americanas contra a lavagem de dinheiro e uso de ESFL como porta de entrada para o financiamento do terrorismo internacional tornam
41
Ver exemplo 1 das tipologias de uso irregular de entidades sem fins lucrativos pelo terrorismo, anexo ao documento
FATF Financial Action Task Force on Money Laundering: Combating the abuse of Non-Profit Organizations
–
International Best Practices. 42
O GAFI é composto pelos Estados Unidos, todos os países da União Européia (Áustria, Bélgica, Dinamarca, Espanha, Finlândia, França, Grécia, Holanda, Irlanda, Itália, Luxemburgo, Portugal, Suécia e Reino Unido), Argentina, Austrália, Brasil, Canadá, China, Islândia, Japão, México, Nova Zelândia, Comissão Européia e Conselho de Cooperação do Golfo.
43
Documento FATF Financial Action Task Force on Money Laundering: Combating the abuse of Non-Profit Organizations
– International Best Practices. 44
Documento US Department of Treasury Anti-Terrorism Financing Guidelines: Voluntary Best Practices for US-Based Charities
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essencial a adaptação do modelo de gestão de ESFL brasileiras interessadas em manter e/ou ampliar suas fontes de financiamento internacional. Os principais aspectos são abordados a seguir.
1.1. Gestão Financeira
Um dos principais focos de preocupação internacional é a gestão financeira das ESFL e a capacidade dessas entidades em tornar públicas suas contas e manter seus registros contábeis dentro de padrões geralmente aceitos, capazes de assegurar sua exatidão.
Assim, são consideradas melhores práticas: •
Elaboração e aprovação, pelo órgão interno próprio, de orçamento de atividades, detalhando a natureza das despesas, programas e parceiros;
•
Realização de auditoria independente de contas;
•
Divulgação das demonstrações financeiras completas, elaboradas dentro dos princípios contábeis geralmente aceitos (GAAP) e firmadas pelos representantes legais;
•
Gestão dos recursos em contas bancárias junto a instituições financeiras idôneas, com manutenção de documentação de suporte (contratos, notas fiscais, recibos, etc) para todas as transações efetuadas.
1.2. Gestão Administrativa
Além da transparência financeira, a qualidade da gestão da entidade é primordial, sendo, nesse sentido, importante que seja organizada, dentro das seguintes melhores práticas:
•
O Estatuto Social deve definir claramente os objetivos da instituição, seu modelo de gestão, origem e aplicação de recursos e demais informações pertinentes;
118
•
A ESFL deve ter uma política de gestão de conflitos de interesse;
•
Os membros da administração da ESFL devem ser claramente identificados e devem reunir-se regularmente, registrando suas decisões em atas, tornado-as públicas;
•
Relatórios anuais, contendo razoável descrição das atividades desenvolvidas e dos projetos financiados, devem ser elaborados e tornados públicos aos interessados.
1.3. Gestão Operacional
Tão importante quanto saber quanto se gasta e quem decide o gasto, é necessário identificar a qualidade da atividade onde se é gasto o dinheiro da entidade. Para as ESFL que financiam projetos de terceiros, isso é mais importante, pois é possível que, agindo de boa fé, acabem por dar mau destino ao seus recursos. Nesse sentido, dentre as melhores práticas devem estar: •
A identificação clara de cada um dos projetos e dos parceiros envolvidos;
•
Manutenção de banco de dados permanente, contendo informações sobre a natureza de cada projeto, a causa e/ou população atendida, detalhamento dos valores investidos, mecanismos de prestação de contas, dados da entidade beneficiária e pessoas responsáveis e outras informações julgadas relevantes;
•
A prática de visitas periódicas aos projetos, programadas ou não, para acompanhamento de sua execução, com relatórios escritos e fotos;
•
Estrito cumprimento dos orçamentos e programas de atividades aprovados previamente.
2. Transparência 2.1. Estados Unidos
O controle da transparência das ESFL nos Estados Unidos é feito tanto em nível estadual como federal, sendo mais relevante o primeiro, face ao seu modelo federativo. Em muitos estados, o Ministério Público
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tem poderes para supervisionar e regular as entidades, que devem apresentar relatórios periódicos. Os estados de Nova York e Califórnia, por exemplo, fazem tal exigência e colocam os relatórios à disposição do público em geral. De acordo com o padrão legal norte-americano, os administradores da entidade têm dever fiduciário na sua gestão e, assim, em caso de quebra de tal dever, podem ser compelidos pelo Ministério Público a reparar o dano causado, notadamente, se o prejuízo causado decorreu de atos praticados sem avaliações adequadas de impacto. Os procedimentos para campanhas de coletas de fundos são usualmente objeto de regulação estadual, que variam amplamente de um estado para outro.
O controle federal se dá basicamente pela concessão da condição de isento e posterior acompanhamento dessa situação, pela apresentação de declaração fiscal anual (IRS form 990) e fiscalizações. Esse formulário é bem detalhado e específico para o setor sem fins lucrativos, tendo versões distintas para entidades beneficentes (990), fundações privadas (990-PF, mais extenso) e rendas não relacionadas com a atividade fim da entidade (990-T), cujas cópias são anexas a este estudo.
Ao mesmo tempo em que as ESFL têm ampla liberdade de gerir seus recursos (“porque são privados”), não estão protegidas pelo sigilo fiscal, tendo suas detalhadas declarações de imposto de renda disponibilizadas a qualquer cidadão pela própria autoridade fiscal (“porque são dedicadas a uma causa pública”) e, mais recentemente, em sítios da Internet (www.guidestar.org e www.guidestar.org.uk).
2.2. Europa
As ESFL européias estão profundamente envolvidas em duas linhas de atuação, sendo a primeira a integração das legislações nacionais, dentro do espírito da UE e do propósito de criar uma lei geral de associações e fundações européias e a segunda, a construção de um marco regulatório adequado nos países do leste europeu, visando o fortalecimento de sua sociedade civil nessa fase pós-comunismo e, também, a futura integração de alguns países à UE.
120
Por conta disso e aproveitando o momento único de debate sobre um novo marco regulatório europeu para fundações voltadas ao benefício público, focamos nosso estudo no projeto de lei de fundações 45
desenvolvido pelo European Foundation Centre (“EFC”) recentemente divulgado .
É interessante notar que os diversos estudos, recomendações e projetos de lei existentes ao redor do mundo buscam separar as entidades de interesse público das demais entidades sem fins lucrativos, em uma clara mensagem de que o Terceiro Setor definitivamente não é o setor sem fins lucrativos, e, para tanto, propõem-se a fixar um melhor padrão de transparência e governança. A legislação brasileira das OSCIP está alinhada a essa corrente.
No que concerne à transparência, o projeto do EFC prevê que as fundações são obrigadas a manter adequado registro contábil e documentação de suporte de suas operações, provendo um relatório anual de suas atividades para a autoridade administrativa de controle listando as doações feitas (mas levando em conta o direito de privacidade do beneficiário) e, para as grandes fundações, submetendo-se a auditoria externa.
O projeto não considera obrigatório, mas apenas desejável, que as demonstrações financeiras e relatórios de atividade sejam tornados publicamente disponíveis pela fundação. Recomenda, ainda, que as fundações busquem manter coerência entre os diferentes registros contábeis, relatórios de atividades e pareceres de auditoria.
O modelo do EFC, embora claramente inspirado no guia de boas práticas para leis de ONG divulgado 46
pelo Banco Mundial em maio de 1997 , face à direta transcrição de algumas de suas propostas, não avançou tanto quanto este, na medida em que o modelo proposto pelo Banco Mundial é mais rigoroso na divulgação de remunerações e demais informações financeiras ao público em geral. Ficou, também,
45
46
EUROPEAN FOUNDATION CENTRE. Rethinking our legal and fiscal environments. Bruxelas: EFC, 2003.
WORLD BANK ENVIRONMENT DEPARTMENT. Handbook on good practices for laws relating to non-governmental organizations. Washington: WB, 1997.
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muito aquém do nível de transparência exigido das fundações norte-americanas, pois mantém o sigilo fiscal e não amplia a qualidade ou quantidade de informações a serem disponibilizadas nos relatórios divulgados.
47
A 6ª. diretriz proposta pela Commonwealth Foundation , de Londres, em 1995, também determina que as ONG, fundações incluídas, publiquem e disseminem seus relatórios anuais e demonstrações financeiras, bem como avaliações e análises dos mesmos, usando a mídia como um instrumento de divulgação de suas atividades.
2.3. América Latina
Na Argentina, o controle estatal é muito forte, exigindo-se inclusive a prévia autorização governamental 48
para a outorga de personalidade jurídica às ESFL. Por isso, propõe-se a abolição de tal autorização, com a criação de ESFL pelo mero registro dos atos constitutivos em cartório e, também, que os organismos governamentais de controle deveriam centrar-se na supervisão das operações das ESFL, dando publicidade dos critérios que adotam e da jurisprudência produzida na aplicação das normas vigentes.
47
48
THE COMMONWEALTH FOUNDATION. Non-governmental organizations: guidelines for good policy and practice. Londres: Commonwealth Foundation, 1995. in KONUGI, Tatsuro. Codes of conduct for partnership in governance: Texts and commentaries. Tokyo: United Nations University, 1999, p. 70 a 79.
BID / BANCO MUNDIAL / PNUD. Las organizaciones de la Sociedad Civil em el ordenamiento legal argentino. Cuatro Propuestas para
el cambio. Buenos Aires: BID: BANCO MUNDIAL: PNUD, 1999.
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3. Governança
3.1. Estados Unidos
A legislação impõe procedimentos específicos para a gestão de fundações privadas (private foundations) e entidades beneficentes (public charities).
Preliminarmente, para usufruir as vantagens fiscais, a norma exige que a entidade: (i) tenha finalidades filantrópica, educacional ou científica; (ii) não distribua lucros; (iii) não se envolva em campanhas políticas e (iv) não busque influenciar o processo legislativo ou decisões governamentais (lobbying).
Adicionalmente, todas as demais exigências legais sobre a governança giram em torno do conceito central de “pessoa desqualificada”. Transações que são legais para uma entidade beneficente podem ser completamente ilegais para uma fundação privada se tal transação envolver uma pessoa desqualificada. Para os fins da legislação regente das fundações privadas norte-americanas, o Código tributário federal (IRS Tax Code) define como pessoa desqualificada: •
Um contribuinte substancial da organização [Section 4946, § 507 (d)(2)];
•
Um administrador da fundação, isso é, um executivo, diretor ou conselheiro ou qualquer outra pessoa que tenha equivalentes responsabilidades e poder e, também para qualquer ato ou omissão, qualquer empregado da fundação que tenha autoridade ou responsabilidade por tal ato ou omissão;
•
O detentor de mais de 20% de qualquer entidade que seja um contribuinte substancial;
•
Um membro da família de qualquer das pessoas indicadas nos itens precedentes, considerando-se como tal o cônjuge, filhos, netos e bisnetos, os cônjuges dos filhos, netos e bisnetos e os pais, avós e bisavós;
123
•
Uma corporação, sociedade ou trust em que as pessoas indicadas nos quatro itens precedentes detenham mais de 35% do poder de voto ou direito a dividendos.
Tomando por base o conceito de pessoa desqualificada, a legislação proíbe que a fundação se engaje em negócios com tais pessoas, ainda que justos e interessantes à fundação, como por exemplo, a compra, permuta ou locação de um imóvel. O proveito do benefício também é importante, pois enquanto o uso gratuito de um imóvel da fundação pela pessoa desqualificada é proibido, o inverso não o é. A fundação também é proibida de conceder empréstimos às pessoas desqualificadas ou de tomar empréstimos destas, salvo, nesse último caso, se o mesmo for sem juros ou qualquer outro custo adicional.
A aquisição de bens ou serviços de uma pessoa desqualificada, pela fundação, é igualmente proibida e a venda no sentido reverso somente é autorizada se for praticada em condições rigorosamente iguais àquelas ofertadas ao público em geral.
A fundação somente pode efetuar algum pagamento ou reembolsar despesas de uma pessoa desqualificada se ocorrerem simultaneamente duas condições: (i) por serviços pessoais que sejam razoáveis e necessários para a execução da atividade fim da fundação; e (ii) a custo razoável e não excessivo nas circunstâncias.
Ainda no tema de governança, é de se notar que a legislação norte-americana obriga os dirigentes das fundações privadas a investirem ao menos 5% do total de seus ativos em seus objetivos estatutários, incluídos razoáveis e necessários custos administrativos para manutenção de tais objetivos. Nos Estados Unidos é comum que tais ativos sejam preponderantemente compostos por ações e outros títulos emitidos por companhias. Ciente desse fato, a norma proíbe que a fundação detenha, junto com as pessoas desqualificadas, mais de 20% de qualquer companhia, na medida em que isso poderá implicar dificuldades de realização, por venda, de tais ativos. Também, buscando evitar que as fundações percam parcelas substanciais de seus ativos em investimentos de alto risco ou que tornem
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difícil a continuidade de suas atividades (baixa liquidez, por exemplo), a norma prevê que, em tais situações, a fundação e seus administradores sejam taxados em 5% do montante investido.
A concessão de vantagens excessivas a funcionários e dirigentes ou qualquer tipo de vantagens para dirigentes estatutários ou pessoas que tenham poder de influência no processo decisório também é vedada. Caso esta última situação ocorra, as partes envolvidas deverão provar que a transação realizada foi feita em bases razoáveis e que não foi lesiva aos interesses da entidade, sempre com amparo em evidências documentais.
3.2. Europa
De acordo com o projeto do EFC, as fundações devem ter sua própria estrutura de governança, usualmente na forma de um conselho. Caso a fundação seja criada por um indivíduo ou família, é recomendado como boa prática que tais fundadores ou familiares não sejam os únicos membros do conselho. Também, os membros do conselho e demais órgãos de administração, inclusive funcionários, deverão observar o dever de lealdade no exercício de suas atribuições, agindo com diligência e cuidado e assegurando estrita obediência às leis e ao estatuto social da fundação. De acordo com o projeto de lei, o estatuto social deve, ainda, dispor sobre regras de conflitos de interesses, potenciais ou efetivos, entre a fundação e seus dirigentes, administradores ou empregados.
Em caso de desempenho grosseira ou propositadamente negligente, o dirigente será considerado pessoalmente responsável pelos danos que causar à fundação, podendo, ainda, ser exonerado pela autoridade administrativa supervisora (nosso MP) caso seja condenado judicialmente por má gestão financeira. Propõe-se, inclusive, que tal autoridade tenha o poder, sempre sujeito à revisão judicial, de requerer auditorias, congelar os ativos da fundação, inclusive contas bancárias, caso haja indícios que os mesmos estejam sob sério e imediato risco e, ainda, afastar os membros do conselho, nomeando um interventor.
O modelo do EFC, embora claramente inspirado no guia de boas práticas para leis de ONGs do Banco Mundial, face à direta transcrição de algumas de suas propostas, não avançou tanto quanto este, na
125
medida em que o modelo proposto pelo Banco Mundial é mais rigoroso no controle de conflito de interesses e auto-benefício.
As 8ª, 9ª e 10ª diretrizes propostas pela Commonwealth Foundation avançam no sentido de determinar que os dirigentes da ESFL devem adotar práticas de alto padrão que busquem o fortalecimento institucional, com o desenvolvimento das competências da equipe e regular e rigorosas avaliações da entidade como um todo e das atividades, projetos e programas, se possível com a participação de beneficiários. A gestão financeira, também, deve assegurar que a entidade somente busque ou aceite aportes que sejam consistentes com a sua missão e objetivos e não lhe causem danos ou distorções, que não comprometam sua independência, que não atribuam à entidade mais responsabilidades do que possa administrar e que seja evitada a dependência de uma única ou insegura fonte de recursos, administrando-se a entidade buscando a sua sustentabilidade de longo prazo.
3.3. América Latina
49
No México identificamos a existência de recente projeto de lei (Dez 2002) em curso na Câmara dos Deputados criando condições para o fomento de atividades realizadas por organizações da sociedade civil. O projeto de lei não chega a ser um Estatuto do Terceiro Setor Mexicano, mas assemelha-se à lei 9790, das OSCIPs, na medida em que fixa o amplo leque de ações de interesse público que serão incentivadas excluindo categoricamente aquelas que tenham por propósito o benefício mútuo de seus instituidores, associados ou administradores. O projeto restringe a destinação dos bens a fixa procedimentos de prestação de contas para o poder público e para a sociedade civil em geral de forma bastante assemelhadas às OSCIPs. Inova ao prever, como obrigação legal, a profissionalização e
49
MEXICO. Câmara dos Deputados. Dictamen de la comision de participacion ciudadana, com proyecto de ley federal de fomento a las
actividades realizadas por organizaciones de la sociedad civil. Cidade do México: Gaceta Parlamentaria 1148, de 10.12.2002.
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capacitação, pela entidade, de seus integrantes, em um claro incentivo à busca de melhor nível de gestão. As sanções são escalonadas em advertência, multa pecuniária, suspensão e cancelamento de registro, sem prejuízo de outras sanções civis, penais e administrativas.
Recomendações No tocante à TRANSPARÊNCIA: •
Difundir para os financiadores internacionais o conceito de OSCIP, como forma de demonstrar a resposta nacional para a agenda internacional (GAFI BEST PRACTICES e US BEST PRACTICES) e indiretamente assegurar o fluxo de capitais externos para projetos do Terceiro Setor no Brasil e fomentar a maior adesão ao modelo;
•
Desenvolver um modelo específico de declaração de imposto de renda mais capacitado a reunir, trabalhar e difundir dados estatísticos sobre o Terceiro Setor;
•
Propor a renúncia ao sigilo fiscal como condição para acesso a recursos públicos ou oferta, a patrocinadores, de incentivos fiscais;
No tocante à GOVERNANÇA: •
Desenvolver um Código de auto regulação do setor, sumarizado melhores práticas de governança, abordando também a gestão de ativos financeiros e levando em conta as agendas internacionais (GAFI BEST PRACTICES e US BEST PRACTICES, entre outras) e nacionais (OSCIP);
Referências Bibliográficas ADLER, Betsy. The rules of the road: A guide to the law of charities in the United States. Washington: Council of Foundations, 1999.
127
BID / BANCO MUNDIAL / PNUD, Las organizaciones de la sociedad civil em el ordenamiento legal argentino. Cuatro propuestas para el cambio. Buenos Aires: BID: BANCO MUNDIAL: PNUD, 1999. EUA, Departamento do Tesouro. Anti-terrorism financing guidelines: voluntary best practices for USbased charities. Washington: USDT, 2003. EUROPEAN FOUNDATION CENTRE. Rethinking our legal and fiscal environments. Bruxelas: EFC, 2003. FRANÇA, Conseil D'Etat: Rendre plus atractif le droit des fondations. Paris: La Documentation Française, 1997. GAFI. FATF Financial Action Task Force on Money Laundering. Combating the abuse of non-profit organizations – international best practices. New York: GAFI, 2002. HOYT, Christopher. Legal compendium for community foundations. Washington: ConF, 1996. MEXICO, Câmara dos Deputados. Dictamen de la comision de participacion ciudadana, com proyecto de ley federal de fomento a las actividades realizadas por organizaciones de la sociedad civil. Cidade do México: Gaceta Parlamentaria 1148, de 10.12.2002. RODRIGUES, Silvio. Direito civil, parte geral, v.1, São Paulo: Max Limonad, 1962. SILVA, José Afonso. Curso de direito constitucional positivo. 9. ed., São Paulo: Malheiros, 1993. SZAZI, Eduardo. Terceiro setor no Brasil. São Paulo: Gife: Peirópolis, 3. ed., 2003. THE COMMONWEALTH FOUNDATION. Non-governmental organizations: guidelines for good policy and practice. Londres: Commonwealth Foundation, 1995. in: KONUGI, Tatsuro. Codes of conduct for partnership in governance: Texts and commentaries. Tokyo: United Nations University, 1999. WORLD BANK ENVIRONMENT DEPARTMENT. Handbook on good practices for laws relating to non-governmental organizations. Washington: WB, 1997.
128
129
HÁ NECESSIDADE DE FISCALIZAÇÃO DO GOVERNO SOBRE O TRABALHO DAS ORGANIZAÇÕES DA SOCIEDADE CIVIL? POR QUÊ? Eduardo Szazi (artigo, Revista Idéia Social, edição 3, dez./05-fev./06)
O gasto de todo recurso arrecadado com o propósito de servir ao interesse público deve ser controlado pela Sociedade Civil. Esta afirmação é válida tanto para os recursos gerenciados pelo governo como para aqueles captados e mantidos por organizações da sociedade civil. Há um entendimento crescente que o setor público, as ONGs e até mesmo as empresas precisam de melhor controle de gastos e resultados, pois estes afetam diretamente a vida dos cidadãos e o desenvolvimento do país. Se há consenso sobre a importância do controle, o mesmo não ocorre quanto aos agentes e instrumentos e, aqui, entendemos que cabe uma diferenciação quanto à origem – privada ou governamental – dos recursos despendidos por uma organização privada. Começando com os recursos privados, tomemos como exemplo duas organizações: uma sociedade por ações listada na bolsa de valores e uma ONG. O que têm em comum? Muito, pois captam a poupança popular ofertando em troca a promessa de lucro: a primeira, financeiro, com fins egoísticos; a segunda, social, com fins altruísticos. Por isso, os investidores em ambas têm as mesmas expectativas: gestão eficiente dos recursos em prol do objetivo social; ética e profissionalismo na tomada de decisão; transparência de gestão; prestação de contas e punição dos responsáveis em caso de mau uso do dinheiro amealhado.
130
Todas as sociedades listadas na bolsa de valores devem divulgar suas informações financeiras trimestralmente e todas as atas de suas assembléias, assim como as atas de reuniões de seu conselho de administração e informações relevantes que possam afetar o desempenho da empresa. Ademais, a gestão é controlada por um Conselho Fiscal, as contas são auditadas e as sociedades são fiscalizadas por um órgão do Estado – a Comissão de Valores Mobiliários. Transparência proporcionando o controle. E com as ONGs, como funciona? Aquelas qualificadas como Oscip (Lei 9.790/99) – e, infelizmente, apenas elas - seguem requisitos semelhantes, pois devem tornar públicas suas contas e relatório de atividades, devem adotar regras internas que impeçam o conflito de interesses e o favoritismo na tomada de decisão e sua gestão é controlada por um Conselho Fiscal, sendo as contas auditadas, porém, por razões de custos, apenas se houver o recebimento de recursos governamentais em montante superior a 600 mil reais. As ONGs, todavia, não tem um órgão governamental próprio que as controle. E isso é bom? Sim, na medida em que não cabe ao governo fiscalizar “a priori” o dispêndio de recursos privados captados por organizações privadas sem fins lucrativos, enredando-as nas teias da burocracia de cadastros, muito papel e pouco controle real. Isso não funciona. Os desvios nas compras governamentais o evidenciam. Que eficiência pode existir no controle burocrático de 250 mil entidades por todo o país? Nenhuma. O controle deve existir, mas deve ser feito “a posteriori”, em caso de denúncia, pelo órgão encarregado constitucionalmente da defesa dos interesses da sociedade: o Ministério Público. Assim se dá o controle das fundações e das Oscips e – o que pouca gente sabe – das entidades que captam recursos da população em geral, seja por meio de mensalidades, deduções em contas de água, luz e telefone ou outras modalidades (DL 41/66). Em outras palavras, sendo as organizações da Sociedade Civil, são, em última análise, de cidadãos, os quais, por sua vez, têm na vida social contemporânea a liberdade de agir de acordo com o seu livre arbítrio, respeitados os direitos dos demais, sendo sujeitos a sanções em caso de violação desses direitos.
131
O melhor regime de controle é assegurar que os justos vivam tranqüilos e os injustos sejam punidos com rigor. Cabe às entidades da sociedade civil prestar contas da aplicação dos recursos que detêm e dos atos de sua administração e cabe à Sociedade Civil, de maneira difusa, controlá-los. Se há algo errado, que se acione o Ministério Público. Em tempos em que tanto se fala em cidadania, este controle pelos próprios cidadãos ainda está engatinhando. Bem, e com relação aos recursos governamentais repassados às entidades? Nesse caso, já existem instrumentos institucionais de controle: as licitações, os Tribunais de Contas e a Secretaria Federal de Controle Interno, exclusivamente governamentais, e os conselhos com participação popular, normalmente criados com competências territoriais ou temáticas (criança, assistência social, etc.). Também é prevista a publicação de todos os atos no Diário Oficial. É suficiente? Não. É necessária uma revolução no controle do gasto público, pois, do lado do Estado, há baixo nível de preocupação com o desempenho na medida em que é preponderante a orientação para os meios e procedimentos - em detrimento dos fins - e uma tendência exagerada para regras e normas excessivamente formais e pouco efetivas. O controle formal deve ser substituído pelo controle de resultados. A lei das Oscips, ao criar o termo de parceria, caminhou nesse sentido, ao prever, além da prestação de contas dos dispêndios – os meios - a análise de desempenho, comparando metas e resultados com o uso de indicadores objetivos – os fins perseguidos. É nos resultados que devem ser centrados o controle do Estado e da Sociedade Civil, pois ao privilegiar-se a forma e a burocracia, criam-se as condições para que a corrupção floresça, na medida em que o agente público desonesto se vale das dificuldades das normas para vender a sua facilitação. A mudança de foco é a chave. E a Sociedade Civil a tem no bolso. Apenas não se deu conta disso.
132
____________________________________________________
Eduardo Pannunzio Amicus Curiae
133
AMICUS CURIAE Apresentada ao Supremo Tribunal Federal em nome da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) e da Academia Brasileira de Ciências (ABC) na ação direta de inconstitucionalidade movida contra a Lei das Organizações Sociais. Eduardo Pannunzio
EXCELENTÍSSIMO SENHOR MINISTRO CARLOS AYRES BRITTO - EGRÉGIO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL Ref.: Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 1.923
SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob n. 52.643.251/0001-98, com sede na Rua Maria Antônia, 294, 4º andar, São Paulo, SP, 01222-010, representada por seu Presidente, Ennio Candotti, brasileiro naturalizado, casado, físico, portador da cédula de identidade RG n. 31303555-5 IFP-RJ, inscrito no CPF/MF sob o n. 337.180.597-20, residente na Rua General Jardim, 595, ap. 53, São Paulo, SP; e ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS, associação civil sem fins lucrativos, inscrita no CNPJ/MF sob n. 33.856.964/0001-95, com sede na Rua Anfilófio de Carvalho, 29, 3º andar, Centro, Rio de Janeiro, RJ, CEP 20030-060, representada por seu Presidente, Eduardo Moacyr Krieger, brasileiro, casado, médico, portador da cédula de identidade RG n. 05.574.771 SSP-SP, inscrito no CPF/MF sob o n. 015.326.428-49, residente na Rua Gabriel dos Santos, 559, ap. 191, São Paulo, SP, dirigem-se respeitosamente a Vossa Excelência, por
134
intermédio de seus advogados 50, com fundamento no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/99, para se manifestarem
na
qualidade
de
AMICI CURIAE NA AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE N. 1.923, proposta pelo PARTIDO DOS TRABALHADORES (PT) e pelo PARTIDO DEMOCRÁTICO TRABALHISTA (PDT), tendo as manifestantes por objetivo a improcedência do pedido de declaração de inconstitucionalidade da Lei n. 9.637/98 e do artigo 24, XXIV, da Lei n. 8.666/93, com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 1º da Lei n. 9.648/98, pelas razões que passam a expor. I. INTRODUÇÃO No dia 1º de dezembro de 1998, o Partido dos Trabalhadores (PT) e o Partido Democrático Trabalhista (PDT) formularam a presente Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI), buscando assim declarar a inconstitucionalidade da Lei n. 9.637, de 15 de maio de 1998, que, dentre outras medidas, instituiu a qualificação de “organização social” para organizações privadas sem fins lucrativos cujas atividades sejam dirigidas ao ensino, à pesquisa científica, ao desenvolvimento tecnológico, à proteção e preservação do meio ambiente, à cultura e à saúde, bem como criou a figura do “contrato de gestão” como instrumento de fomento estatal a essas atividades. Insurgiram-se, igualmente, os autores, contra o inciso XXIV do artigo 24 da Lei n. 8.666/93, dispositivo este inserido pela Lei n. 9.648/98 e que autoriza que a celebração de contratos de prestação de serviços com as organizações sociais seja realizada com dispensa de licitação pública.
50
Vide procurações (documentos 1 e 2).
135
A
ação,
proposta
prematuramente,
poucos
meses
após
a
promulgação da Lei n. 9.637/98 — e, portanto, em um momento de ainda grande incerteza sobre os seus futuros efeitos —, era fundada no receio de que a Lei iria desencadear um largo “processo 51 de ‘privatização’ dos aparatos públicos” , na medida em que supostamente instituía um “modelo 52 mal acabado de transferência de responsabilidades públicas a entes privados” .
Nesse contexto, os autores esforçaram-se em demonstrar que a Lei em questão seria inconstitucional por violação integral ou parcial dos artigos 22, 23, 37, 40, 49, 70, 71, 74, 129, 169, 194, 196, 197, 199, 205, 206, 208, 211, 213, 215, 216, 218 e 225, todos da Constituição Federal de 1988. Ocorre que, conforme restará amplamente demonstrado ao longo da presente manifestação, a Lei n. 9.637/98 não padece de qualquer vício constitucional. Muito diversamente, constitui ela um inovador e fundamental instrumento de ampliação do espaço público no Brasil, reforçando o dever constitucional do Poder Público de, na esfera de serviços públicos não exclusivos do Estado, exercer o insubstituível papel de agente fomentador da participação de particulares — em especial de organizações sem fins lucrativos — nesse conjunto de atividades. Mais além, esta manifestação irá demonstrar que a Lei n. 9.637/98 vem exercendo um impacto extremamente significativo para o desenvolvimento nacional, principalmente na área de ciência e tecnologia — em que, na esfera federal, existem cinco organizações qualificadas e incentivadas por intermédio de contrato de gestão com o Ministério da Ciência e Tecnologia. Esses fatos, ao mesmo tempo em que evidenciam ter sido infundado o receio dos autores da presente ADI no sentido de que a Lei importaria num “esvaziamento” do Estado, atestam os efeitos positivos e, sobretudo, favoráveis ao interesse público que ela tem produzido.
51
Cf. petição inicial, p. 21.
52
Idem, p. 33.
136
Ao final, ficará patente a necessidade de se julgar integralmente improcedente a ADI em comento, assegurando-se assim a continuidade de um promissor processo de expansão e melhoria dos serviços públicos, em benefício do conjunto dos cidadãos brasileiros. II. PRELIMINARES II. 1. Da representatividade das entidades postulantes A SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA (SBPC) é uma entidade sem fins lucrativos, fundada em julho de 1949, cuja missão é defender a ciência e os cientistas brasileiros e contribuir para o desenvolvimento científico e tecnológico do país. Entre
seus
objetivos
estatutários
estão:
contribuir
para
o
desenvolvimento científico e tecnológico do país, promover e facilitar a cooperação entre os pesquisadores, zelar pela manutenção de elevado padrão de ética entre os cientistas, congregar pessoas e instituições interessadas no progresso e difusão da ciência, sempre tomando posição em questões de política científica, e programas de desenvolvimento científico e tecnológico que atendam aos reais interesses do país. Nesse sentido, a SBPC, por meio dos cientistas a ela ligados, desenvolveu intensa atividade durante a Constituinte de 88, notadamente contribuindo para a inserção do capítulo referente a Ciência e Tecnologia, e sempre se fez representar nas audiências públicas relacionadas a temas variados de ciência e tecnologia Este histórico em defesa da produção científica e tecnológica nacionais legitima a SBPC a manter sua presença constante no Congresso Nacional, com o intuito de acompanhar a tramitação dos projetos de lei relacionados a ciência e tecnologia (biossegurança, desenvolvimento da Amazônia, pós-graduação, reprodução assistida, etc.),
137
e divulgar, à
comunidade científica brasileira, os avanços institucionais obtidos em decorrência do trabalho de sensibilização da classe política para o tema que lhe é afeito. Importante mencionar, ainda, que a SBPC participa de inúmeras comissões, comitês e conselhos de abrangência nacional e internacional, o que demonstra sua representatividade na comunidade científica brasileira. De outra borda, a Academia Brasileira de Ciências (ABC), fundada em 1916, na cidade do Rio de Janeiro, é uma associação sem fins lucrativos, cujos membros titulares são cientistas brasileiros notoriamente consagrados. Entre seus objetivos: promover, reconhecer e premiar a ciência de qualidade. A ABC desenvolve projetos de natureza interdisciplinar em áreas de grande interesse nacional, contribui para a melhoria da educação, incluindo-se a defesa da universidade pública e, principalmente, mantém inúmeras ações cujo objetivo é fazer com que as políticas de ciência sejam consideradas políticas de Estado, com a finalidade de aprimorar o sistema de ciência, tecnologia e informação, contribuindo para o desenvolvimento socioeconômico nacional. A ABC integra, desde os momentos iniciais, o Steering Committee para a criação do Inter Academy Panel (IAP). Na criação oficial do IAP, em Tóquio, em 2000, a ABC foi indicada para co-presidir a entidade, representando os países em desenvolvimento. Em 2003, na Assembléia Geral, no México, foi eleita para o Executive Committee do IAP. E sua representatividade no campo da ciência não é apenas internacional. Anualmente, elegem-se os melhores cientistas nacionais, escolhidos como novos membros da ABC.
138
Clara, portanto, a pertinência temática das entidades no caso concreto, ou seja, a afinidade dos objetivos institucionais das postulantes com o objeto da ação (a norma a ser declarada inconstitucional). Isso porque, como se depreende já do artigo 1º da lei atacada na presente ADI, duas das áreas contempladas para a qualificação como organização social e subseqüente celebração de contrato de gestão são justamente as de “pesquisa científica” e de “desenvolvimento tecnológico”. Sobre esse assunto, aliás, importante mencionar que das sete entidades declaradas como organizações sociais no âmbito federal, a grande maioria delas (cinco) são da área de ciência e tecnologia. As postulantes não são Organizações Sociais, mas têm muito a contribuir na formação do convencimento dessa Suprema Corte no julgamento da presente ADI, trazendo elementos fáticos a comprovar que o modelo a partir do qual essas organizações desenvolvem papel fundamental na execução de atividades de interesse público, na área de ciência e tecnologia, têm servido para dar cumprimento aos dispositivos constitucionais nesta seara. II. 2. Do amicus curiae
A Constituição de 1988 trouxe profundas alterações nos contornos do controle abstrato de constitucionalidade, inovando na criação da argüição de descumprimento de preceito fundamental e da ação declaratória de constitucionalidade. Mas foi apenas em 1999, após sólida e madura jurisprudência desse egrégio Supremo Tribunal Federal, que essas ações, 53 juntamente com a ação direta de inconstitucionalidade, foram regulamentadas .
53
Cf. BUENO, Cassio Scarpinella. Amicus Curiae no processo civil brasileiro – um terceiro enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006, p. 130.
139
A Lei n. 9.868/99, que dispõe sobre o processo e julgamento das ADI, 54 positivou a figura do amicus curiae, permitindo a manifestação de “outros órgãos ou entidades” ,
diferenciando essa situação da intervenção de terceiros, vedada nesse procedimento de controle de constitucionalidade 55. Essa diferenciação entre as figuras processuais, como já explicitava o ministro CELSO DE MELLO 56 antes do advento da Lei n. 9.868/99, decorre do fato de o amicus curiae não assumir condição jurídica de sujeito do processo de controle normativo abstrato, mas apenas veicular informações ou subsídios destinados a esclarecer a repercussão social daquele debate. O propósito da existência da figura do amicus curiae é, portanto, a pluralização do debate constitucional, permitindo ao Supremo Tribunal Federal dispor de todos os elementos informativos possíveis e necessários à resolução da controvérsia. Nesse exato sentido, a lição do ministro CELSO DE MELLO para admitir a Associação dos Magistrados Catarinenses como amicus curiae na ADI 2.130: No estatuto que rege o sistema de controle normativo abstrato de constitucionalidade, o ordenamento positivo brasileiro processualizou a figura do amicus curiae (Lei 9.868/99, art. 7º, §2º), permitindo que terceiros – desde que investidos da representatividade adequada – possam ser admitidos na relação processual, para efeito de manifestação sobre a questão de direito subjacente à própria controvérsia constitucional. – A admissão de terceiro, na condição de amicus curiae, no processo objetivo de controle normativo abstrato, qualifica-se como fator de legitimação social das decisões da
54
Cf. Lei n. 9.868/99, art. 7º, § 2º.
55
Idem, art. 7º, caput.
56
Voto do min. Celso de Mello no julgamento de Agravo Regimental na ADI 748-4, citado em BUENO, Cassio Scarpinella. Op. cit., p. 132.
140
Suprema Corte, enquanto Tribunal Constitucional, pois viabiliza, em obséquio ao postulado democrático, a abertura do processo de fiscalização concentrada de constitucionalidade, em ordem a permitir que nele se realize, sempre sob uma perspectiva eminentemente pluralística, a possibilidade de participação formal de entidades e de instituições que efetivamente representem os interesses gerais da coletividade ou que expressem os valores essenciais e relevantes de grupos, classes ou estratos sociais. Em suma: a regra inscrita no art. 7º, §2º, da Lei n. 9.868/99 – que contém a base normativa legitimadora da intervenção processual do amicus curiae – tem por precípua
finalidade
pluralizar
o
debate
constitucional.”
57
(destaques
acrescidos)
E, na mesma linha, o ministro GILMAR MENDES: (...) Essa construção jurisprudencial sugere a adoção de um modelo procedimental que ofereça alternativas e condições para permitir, de modo cada vez mais intenso, a interferência de uma pluralidade de sujeitos, argumentos e visões. Essa nova realidade pressupõe, além de amplo acesso e participação de sujeitos interessados no sistema de controle de constitucionalidade de normas, a possibilidade efetiva de o Tribunal Constitucional lançar mão de quaisquer das perspectivas disponíveis para a apreciação da legitimidade de um determinado ato questionado. (...) Entendo, portanto, que a admissão de amicus curiae confere ao processo um colorido diferenciado, emprestando-lhe caráter pluralista e aberto, fundamental para o reconhecimento de direitos e a realização de garantias constitucionais em um Estado Democrático de Direito. Assim, em face do art. 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/1999, defiro o pedido do Conselho
57
STF, ADI 2.130, decisão publicada no DJ, edição de 2/2/01, p. 145
141
Nacional de Chefes de Polícia Civil (CONCPC), para que possa intervir no feito, na condição de amicus curiae.58 (destaques acrescidos)
Saudável e fundamental, portanto, para o debate democrático, que a sociedade civil organizada, por meio de entidades representativas e nas questões relevantes, compareça perante esse egrégio Tribunal e coopere diretamente no processo de controle concentrado de constitucionalidade, ampliando e enriquecendo o debate acerca da questão constitucional controvertida. II. 3. Da oportunidade processual da intervenção A jurisprudência dessa Suprema Corte assentou-se no sentido de permitir o ingresso do amicus curiae, mesmo quando escoado o prazo de trinta dias para a apresentação das informações. O ministro CEZAR PELUSO assim afirmou: “a admissão da figura do amicus curiae, tradicional no sistema da commom law, constitui evidente manifestação do impacto que o julgamento de ação de controle concentrado de constitucionalidade produz sobre a ordem jurídica social. (...) abre-se um canal valioso para a participação de membros do corpo social interessados no processo de tomada de decisão da Corte, em reforço da legitimidade e do caráter plural e democrático da atividade exercida pelo julgador.”59 E nessa esteira, revendo posicionamento anterior, proferiu voto no sentido de permitir o ingresso de entidade como amicus curiae, mesmo após o referido prazo.
58
STF, ADI 3.494, decisão monocrática publicada no DJ, edição de 8/3/06.
59
STF, ADI 3.474, rel. min. Cezar Peluso, acórdão de 13/10/05, publicado no DJ, edição de 19/10/05, p. 32.
142
De igual forma manifestou-se o ministro GILMAR MENDES no 60 julgamento da ADI 2.548 .
Ademais, parte da jurisprudência dessa colenda Corte tem assentado que o pedido de intervenção deve ser feito até o início do julgamento da questão de mérito. Lembrem-se os votos dos ministros Carlos Velloso, Sepúlveda Pertence e Ilmar Galvão no sentido de permitir a intervenção do amicus curiae mesmo após o início do julgamento, vencidos, neste 61 ponto específico, na ADI 26.238/DF .
De qualquer forma, não é esse o caso em questão. As postulantes pretendem ingressar como amici curiae em momento oportuno, já que o processo encontra-se em etapa prévia, de apreciação de pedido de medida cautelar. Claro, portanto, que o julgamento do mérito nem sequer se iniciou. Portanto, incontornável a admissão da presente manifestação, na qualidade de amici curiae — o que, desde logo, requer-se a esse egrégio Supremo Tribunal. III. DO MÉRITO III. 1. Da constitucionalidade da Lei n. 9.637/98 – Aspectos gerais
A Constituição Federal de 1988, buscando assegurar a adequada realização de atividades de fundamental importância para a coletividade e para a consecução das 62 finalidades do Estado brasileiro , alçou-as à qualidade de serviços públicos. Possibilitou, assim,
60
STF, ADI 2.548, rel. min. Gilmar Mendes, decisão monocrática publicada no DJ, edição de 24/10/05.
61
Cf. BUENO, Cássio Scarpinella. Op. cit., p. 161.
62
Constituição Federal, art. 3º: “Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I – construir uma sociedade livre, justa e solidária; II – garantir o desenvolvimento nacional; III – erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV – promover o
143
que as utilidades por elas proporcionadas não fiquem atreladas unicamente à sorte do mercado, domínio por excelência das demais atividades econômicas (ou atividades econômicas em sentido 63 estrito ).
Essa distinção não significou, contudo, que apenas e tão-somente ao Estado incumbe ⎯”diretamente ou sob regime de concessão ou permissão”, na letra do artigo 175 da Constituição⎯ desenvolver os serviços públicos. Embora tal exclusividade tenha sido imposta 64 em relação a determinados serviços (como, por exemplo, os serviços de telecomunicações , 65
66
energia elétrica ou de portos ), no que se refere aos demais o próprio texto constitucional cuidou de incitar também os particulares a neles se envolverem. Trata-se dos chamados serviços públicos não-exclusivos do Estado, em que a participação de entes privados é não apenas permitida, como incentivada pela Constituição Federal. Com efeito. Note-se, a título ilustrativo, o que ocorre com os serviços públicos de educação: se é certo que a Constituição coloca ao próprio Estado um conjunto de deveres nessa órbita, não se olvida de igualmente esclarecer que “O ensino é livre à iniciativa 67 privada” , e, ainda mais importante, que a educação “será promovida e incentivada com a 68 colaboração da sociedade” (destaques acrescidos).
Ao assim proceder, contudo, aparentemente atentou, o constituinte, para os riscos da eventual aplicação, aos serviços públicos, de uma lógica puramente privada,
bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação”. 63
Cf. GRAU, Eros. A ordem econômica na Constituição de 1988. 3. ed., São Paulo: Malheiros, 1997, p. 130 e ss.
64
Cf. Constituição Federal, art. 21, XI.
65
Idem, art. 21, XII, “b”.
66
Idem, art. 21, XII, “f”.
67
Idem, art. 209.
68
Idem, art. 205, destaques acrescidos.
144
fundada no lucro. É por essa razão que, a par de submeter os particulares a uma regulamentação 69 mais rígida quando no desempenho de serviços públicos , favoreceu a participação de entes que,
embora privados, tenham finalidade não-lucrativa relacionada à consecução de interesse públicos ⎯o chamado “setor público não-estatal” ou “terceiro setor”70. Recorrendo-se uma vez mais ao exemplo da área educacional, esse aspecto fica evidente em disposições como a do artigo 213 da Constituição Federal, que permite a destinação de recursos públicos a escolas privadas, desde que “comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação”, como registra o seu inciso I. O mesmo ocorre em diversas outras áreas sociais. Emblemático nesse sentido é o parágrafo 1º do artigo 199, que, ao permitir a participação de particulares no sistema único de saúde, determina que terão “preferência as entidades filantrópicas e as sem fins lucrativos”. Não fosse isso suficiente, consigna o parágrafo 2º do mesmo dispositivo que “É vedada a destinação de recursos públicos para auxílios ou subvenções às instituições privadas com fins lucrativos.” Veja-se ainda o que acontece na área da assistência social, em que o texto constitucional firma como diretriz a participação de “entidades beneficentes e de assistência 71 social” na coordenação e execução dos respectivos programas .
69
Observe-se, por exemplo, que, o artigo 209 da Constituição Federal estabelece as seguintes condições para o desempenho de atividades educacionais por particulares: “I – cumprimento das normais gerais da educação nacional; II – autorização e avaliação de qualidade pelo Poder Público.”
70
Conforme assinala RUBENS NAVES, o terceiro setor compreende “atividades espontâneas, não governamentais e não lucrativas, de interesse público, realizadas em benefício geral da sociedade e que se desenvolvem independentemente dos demais setores, embora deles possa (ou deva) receber colaboração” (in “Terceiro Setor e suas Perspectivas”, Cadernos de Pesquisa. Caxias do Sul: Universidade de Caxias do Sul, 1999, v. 7, n. 2).
71
Cf. Constituição Federal, art. 204, I.
145
Não é o caso de, aqui, prolongar-se nesses exemplos. O que importa consignar é o fato de que, no campo dos serviços públicos não-exclusivos do Estado, a Constituição Federal impõe ao aparato estatal uma dúplice obrigação: de um lado, prestar diretamente tais serviços; de outro, fomentar a participação de entes privados ⎯ preferencialmente organizações sem fins lucrativos ⎯ na realização de tais atividades. Em se tratando de serviços públicos não-exclusivos, não é, pois, indiferente ao Estado que o terceiro setor deles participe ou não. Pelo contrário, tem o Estado o dever constitucional de estimular tal envolvimento, não havendo qualquer espaço para a inércia estatal a este respeito. Pois bem. Se a conclusão acima é válida para o conjunto de serviços públicos não-exclusivos do Estado, tanto mais o é no caso da área de ciência e tecnologia. Isso porque, nesta seara, o texto constitucional confere especial ênfase ao papel que o Estado deve desempenhar como agente fomentador, e não apenas como prestador de serviços públicos. Confira-se: “Art. 218. O Estado promoverá e incentivará o desenvolvimento científico, a pesquisa e a capacitação tecnológicas.” (destaques acrescidos)
Essa função é, ademais, reforçada nos diversos parágrafos do mesmo dispositivo (especialmente nos parágrafos 3º, 4º e 5º) e, de forma ainda mais acentuada, no artigo seguinte, que igualmente integra o capítulo IV do título VIII da Constituição, dedicado à ciência e tecnologia: “Art. 219. O mercado interno integra o patrimônio nacional e será incentivado de modo a viabilizar o desenvolvimento cultural e sócioeconômico, o bem-estar da população e a autonomia tecnológica do País nos termos da lei federal.” (destaques acrescidos)
146
Outra não é conclusão do professor ANDRÉ RAMOS TAVARES, em parecer que acompanha esta manifestação e que demonstra, com brilhantismo, a integral constitucionalidade da Lei n. 9.637/98. Confira-se: “(...) o particular é bem-vindo neste âmbito. Aliás, é salutar a sua atuação na área de ciência e tecnologia. Tanto é assim que a Constituição conclama os diversos legislativos a produzirem leis apoiando e estimulando empresas privadas (como é o caso da Lei n. 10.973, de 02/12/2004, e da Lei n. 11.196, de 21/11/2005). Com isso, é reforçada a conclusão - já alcançada linhas atrás como pressuposto geral - de que a Constituição não estabeleceu um protagonismo estatal na área específica perscrutada neste parecer”72.
Esse papel de agente fomentador do Estado pode ser desempenhado, evidentemente, por diversos instrumentos, como a disponibilização de infra-estrutura básica, o estabelecimento de incentivos fiscais ou ⎯ o que é de especial interesse no âmbito da presente ADI ⎯ o financiamento de organizações sem fins lucrativos para a realização de atividades na área de ciência e tecnologia, em geral mediante a celebração de acordos de cooperação ou convênios. Ocorre que, com a evolução do Estado brasileiro, foram ficando cada vez mais evidentes as limitações do tradicional instrumento do convênio. E isso por quatro fundamentais razões: (1) a insuficiente disciplina legal da matéria, restrita praticamente a um único dispositivo (art. 116) da Lei n. 8.666/93; (2) os baixos níveis de transparência e controle social presentes nas diversas etapas do instrumento (celebração, execução e avaliação); (3) o fato de o convênio ser fundado numa lógica de procedimento, e não de resultado, dificultando uma análise acerca de seus impactos e, por conseqüência, da adequada alocação dos recursos públicos a ele destinados; e (4) a inadequação do instrumento para regular parcerias de médio e longo prazos que requerem, inclusive, alterações nas próprias estruturas de governança e gestão da organização parceira.
72
Cf. anexo Parecer Jurídico (documento 4), § 47.
147
Foi justamente a fim de enfrentar essas restrições e definir um novo ⎯ e mais adequado ⎯ marco legal para o relacionamento do Estado com as organizações sem fins lucrativos que se aprovaram, no final de década de 90, dois diplomas legislativos de fundamental importância: um deles é a Lei n. 9.790/99 (que criou a qualificação de “Organização da Sociedade Civil de Interesse Público – OSCIP” e instituiu o “Termo de Parceria”) e o outro, editado um ano antes, consiste justamente na lei atacada na presente ADI, ou seja, a Lei n. 9.637/98. Dessa forma, a Lei n. 9.637/98, ao estabelecer a qualificação de “organizações sociais” para aquelas organizações sem fins lucrativos que atuam nas áreas de ensino, pesquisa científica, desenvolvimento tecnológico, proteção e preservação do meio ambiente, cultura e saúde 73, bem como fixar uma nova forma de vínculo jurídico para o seu fomento público (o contrato de gestão)74, não fez nada mais do que dar concreção à obrigação constitucional do Estado de estimular a participação de integrantes do terceiro setor em serviços públicos não-exclusivos, como dantes assinalado. Especificamente na área da ciência e tecnologia, pode-se afirmar, nesse sentido, que a Lei n. 9.637/98 busca assegurar a realização do princípio ⎯ claramente delimitado nos artigos 218 e 219 da Constituição Federal ⎯ segundo o qual o Estado deve atuar fundamentalmente (mas não exclusivamente) como um agente fomentador nessa seara. Dessa forma, é desprovida de qualquer fundamento, concessa venia, a tese segundo a qual a edição da Lei n. 9.637/98 constituiria uma “privatização” dos aparatos
73
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 1º.
74
Idem, art. 5º e ss.
148
públicos visando “afastar da esfera estatal e do regime jurídico administrativo a prestação dos 75 serviços transferidos às organizações sociais”, como alegado na petição inicial desta ADI .
Ora, para poder-se cogitar de “privatização” seria necessário que a Lei tivesse desincumbido o Estado de determinadas atividades que anteriormente lhe eram atribuídas, ou seja, que tivesse deslocado tais atividades do campo dos serviços públicos para o das atividades econômicas em sentido estrito. No entanto, nada disso ocorreu: de um lado, porque tudo o quanto competia ao Estado prestar diretamente, em relação a serviços públicos não-exclusivos, permaneceu sob a sua incumbência com o advento da Lei n. 9.637/98, exatamente como era antes; de outro, porque o dever constitucional de fomentar a participação de organizações sem fins lucrativos já existia, como previamente sublinhado nesta manifestação, tendo-se apenas criado um novo e mais adequado instrumento para esse fim. É certo que a Lei possibilita que, em situações muito peculiares, determinados entes públicos que prestam serviços públicos não-exclusivos do Estado sejam extintos, repassando-se as respectivas atividades a uma organização social mediante contrato de 76 gestão . No entanto, o faz apenas naquelas situações onde já inexistia uma obrigação legal do
Estado de prestar diretamente os serviços em questão, posto que, como demonstrado, a Lei não importou em qualquer redefinição das competências estatais em termos de serviços públicos. Não é demasiado, em relação a esse aspecto, transcrever pequeno mas esclarecedor trecho de obra de PAULO MODESTO, notável professor da Universidade Federal da Bahia: “As organizações sociais tampouco serão forma de privatização de entes públicos. Privatização pressupõe uma transferência de domínio, isto é, o trespasse de um ente do domínio estatal para o domínio particular
75
Cf. petição inicial, p. 21.
76
Cf. Lei n. 9.637/98, arts. 18 e ss.
149
empresarial, uma transação de natureza econômica e uma retração do Poder Público em termos de inversão de recursos e em termos quantitativos de pessoal. No modelo das organizações sociais esses pressupostos não comparecem. Primeiro, porque o ato de qualificação de uma entidade como organização social independe de qualquer extinção prévia ou posterior de um ente público. Segundo, porque quando as entidades qualificadas recebem prédios ou bens públicos como forma de apoio ou fomento por parte do Estado não há transferência de domínio, mas simples permissão de uso, continuando os bens a integrar o patrimônio da União. Terceiro, porque os contratos ou acordos de gestão que o Estado firmar com as entidades qualificadas não terão nem poderão ter finalidade ou natureza econômica, convergindo para uma finalidade de natureza social e de interesse público, cuja realização obrigatoriamente não pode objetivar o lucro ou qualquer outro proveito de natureza empresarial. A relação entre as organizações sociais e o Poder Público deve ter fundamento numa ética da solidariedade e numa ética do serviço. Quarto, porque o Estado não apresentará qualquer retração financeira, patrimonial ou de pessoal quando vier a qualificar ou permitir o uso de bens públicos por organizações sociais. A instituição qualificada, pelo contrário, demandará do Poder Público apoios e subvenções, tendo em vista o objetivo comum de persecução do interesse público. O modelo das organizações sociais, assim, realiza-se como estratégia em tudo oposta à de privatização, assumindo claramente uma opção de recusa à aplicação da lógica do mercado nas atividades de natureza social.”
77
(destaques acrescidos)
Frise-se, portanto, que a Lei n. 9.637/98, embora advinda no bojo do processo de reforma do Estado, não significou um reposicionamento deste em relação a sua dúplice obrigação constitucional (como prestador e agente fomentador) na esfera dos serviços
77
In: “Reforma administrativa e marco legal das organizações sociais no Brasil – As dúvidas dos juristas sobre o modelo das organizações sociais”. Disponível em: <http://www.direitopublico.com.br>, último acesso em: 7 maio 2007.
150
públicos não-exclusivos ⎯ ainda que esse pudesse eventualmente ser o desígnio de um ou outro dos profissionais que inspiraram a sua elaboração. Antes, ela representou novas possibilidades para a ampliação do espaço público, ao reforçar a importante e indesviável função que o Estado tem a desempenhar no estímulo à mobilização da sociedade civil em prol de atividades de interesse público. III. 2. Das principais características da Lei n. 9.637/98
Antes de se adentrar ao exame da constitucionalidade específica de algumas das disposições da Lei n. 9.637/98 questionadas na presente ADI, bem como do impacto por ela gerado no setor de ciência e tecnologia, é importante apontar algumas das inovações trazidas por esse diploma legal. Vejamos. III. 2.1. Das organizações sociais Inicialmente, não é demasiado frisar que “organização social” não constitui uma nova modalidade de pessoa jurídica, tratando-se tão-somente de uma qualificação que as pessoas jurídicas de direito privado previstas no artigo 44 do Código Civil, sem fins lucrativos — ou seja, as tradicionais associações e fundações — podem obter a fim de habilitaremse para celebrar contrato de gestão com o Poder Público. Tal qualificação soma-se, assim, a outras há muito já existentes no ordenamento jurídico brasileiro, como o titulo de “utilidade pública federal”, o “certificado de entidade beneficente de assistência social” (Cebas) ou a qualificação de “organização da sociedade civil de interesse público” (Oscip).
151
Assim como os demais, a titulação “organização social” confere à 78 entidade detentora distinção dentre as demais , mediante o preenchimento de determinados
requisitos previstos em lei que, objetivamente, atestam perante o Poder Público os motivos pelos quais a entidade faz jus a essa qualificação. Como decorrência do preenchimento desses requisitos — que, no caso das organizações sociais, vêm previstos no artigo 2º da Lei n. 9.637/98 —, a entidade qualificada tem acesso a ferramentas públicas de fomento de suas atividades. No caso das Oscips, ao “termo de parceria”; no caso das entidades com título de utilidade pública federal, a “subvenções”, “auxílios” e “doações” da União; e no caso das organizações sociais, aos “contratos de gestão”. Em segundo lugar, observe-se que a qualificação de uma entidade não altera a sua natureza jurídica privada, como revela a locução do artigo 1º da Lei n. 9.637/98. Em terceiro lugar, as finalidades destacadas no mesmo artigo 1º da referida lei encontram-se dentre aqueles serviços estatais enquadrados como não-exclusivos do Estado, como anteriormente abordado.
78
PAULO MODESTO destaca que a concessão de qualificações e títulos públicos a entidades sem fins lucrativos objetiva três finalidades: “Em primeiro lugar, diferenciar as entidades qualificadas, beneficiadas com o título, relativamente às entidades comuns, destituídas dessa especial qualidade jurídica. Essa diferenciação permite inserir as entidades qualificadas em um regime jurídico específico. Em segundo lugar, a concessão do título permite padronizar o tratamento normativo de entidades que apresentem características comuns relevantes, evitando o tratamento legal casuístico dessas entidades. Em terceiro lugar, a outorga de títulos permite o estabelecimento de um mecanismo de controle de aspectos da atividade das entidades qualificadas, flexível por excelência, entre outras razões, porque o título funciona como um instrumento que admite não apenas concessão, mas também suspensão e cancelamento.” (In “Reforma do Marco Legal do Terceiro Setor no Brasil”, Revista Trimestral de Direito Público, n. 24, 1998).
152
III. 2. 2. Do contrato de gestão De acordo com FERNANDO FACURY SCAFF, o conceito de contrato de gestão é originário do direito francês, onde se trata de ferramenta para a implementação da economia concertada ou planificada. Lá, “o Estado estabelece com entes privados metas a serem alcançadas no desenvolvimento de suas atividades e que, caso obtidas, obrigarão o Estado a cumprir determinado compromisso econômico, usualmente creditício ou fiscal no interesse daquele específico setor da economia.”
79
A exemplo da experiência internacional, o contrato de gestão, tal como previsto na Lei n. 9.637/98, veio alterar a forma do Estado se relacionar com agentes privados que com ele colaboram para a prestação de serviços de relevância e interesse públicos. Por ser o retrato da colaboração que deve haver entre as organizações sociais e o Poder Público, o contrato de gestão não poderia obedecer a lógica de relações verticalizadas entre as partes, típica das relações do Estado, orientadas pela lei. Ao contrário, Poder Público e organizações sociais concordam o estabelecimento de prazos, metas, indicadores de desempenho e repasse de verbas condicionadas, e com eles se comprometem via contrato de gestão. SÍLVIO LUÍS FERREIRA DA ROCHA, ao abordar o tema, ratifica este posicionamento ao determinar que “a relação entre o núcleo estratégico do Estado e os demais setores deixa de ser disciplinada pela lei, na qual impera uma relação de mando, de subordinação, e passa a ser disciplinada pelo contrato, no qual impera uma relação de coordenação, de
79
In “Contrato de gestão, serviços sociais autônomos e intervenção do Estado”, Revista de Direito Administrativo, n. 225, jul./set. 2001, p. 273-297.
153
cooperação (...)”. Mais a frente, o autor afirma que “este fenômeno é denominado de 80 contratualização das relações (...)” .
A pactuação de metas, prazos e critérios de avaliação de desempenho das atividades empregadas para a realização dos objetivos traçados 81, bem como à possibilidade de utilização de recursos, bens e servidores públicos pela organização social para a consecução das metas e resultados esperados
82
constituem, portanto, as maiores inovações trazidas pelo
contrato de gestão, da maneira como foi instituído pela Lei n. 9.637/98. Não obstante, ressalte-se que, por se tratar de entes privados, as organizações sociais gozam da possibilidade de captarem recursos de maneira híbrida ⎯ nem exclusivamente pública nem privada ⎯, o que lhes garante maior flexibilidade, autonomia e segurança financeira para a sustentabilidade da gestão. A possibilidade prevista na Lei, portanto, não restringe as fontes de recursos das organizações sociais, muito menos a política de aquisição de equipamentos, materiais, insumos, bens móveis, imóveis ou contratação de pessoal. Ao contrário, visa complementar o trabalho de captação de recursos das organizações sociais, tendo como contraprestação a eficiência e a eficácia esperadas da gestão dos recursos públicos colocados à disposição da entidade. III. 2. 3. Dos mecanismos de controle Nos contratos de gestão, é necessário o exercício de rígido e periódico controle por parte do Poder Público com relação a cronograma de atividades,
80
In Terceiro Setor. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 37.
81
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 7º.
82
Idem, arts. 12 e 14.
154
acompanhamento dos indicadores de desempenho, aferição de resultados e análise de balanços contábeis e patrimoniais das organizações sociais.
Esse
controle
é
realizado
de
duas
maneiras
distintas
e
complementares: interna e externamente. Internamente, o controle é feito pela própria organização social, por meio dos seus órgãos diretivos ⎯ conselho de administração e diretoria ⎯, com competências específicas para aprovar, avaliar e acompanhar o contrato de gestão. Quanto a isso, é importante notar que, no modelo federal, tanto o Poder Público quanto outras organizações da sociedade civil e pessoas de notória capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral participam do controle interno das organizações sociais, compondo diretamente as suas instâncias decisórias, na forma definida pelo artigo 3º, I, da Lei n. 9.637/98. Externamente, o acompanhamento das atividades e resultados financeiros da organização social é realizado, em primeiro lugar, por auditoria externa independente especialmente contratada para essa finalidade.
Em segundo lugar, esse controle externo é feito pelo próprio Estado, por intermédio de uma comissão de avaliação, indicada pela autoridade supervisora da área correspondente, composta por especialistas de notória capacidade e adequada qualificação 83. Além disso, as organizações sociais prestam contas diretamente aos órgãos de controle dos ministérios a que estão vinculadas e são auditadas por equipes da Secretaria Federal de Controle Interno, da Controladoria-Geral da União.
83
Idem, art. 8º, § 2º.
155
Não bastasse isso, é de se apontar ainda, em terceiro lugar, o controle feito por toda a sociedade, na medida em que as organizações sociais têm a obrigação legal de publicar, anualmente, no Diário Oficial da União, os relatórios financeiros e o relatório de execução do contrato de gestão 84. Ademais, diante de eventuais indícios de irregularidades, ilegalidades ou malversações de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização das contas e das atividades da organização social deverão dar ciência ao Tribunal de Contas da União, sob pena de responsabilização solidária 85, ou representar a entidade ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União ou à Procuradoria da entidade, a depender da gravidade de cada caso 86. Instado pelos órgãos competentes, e diante da constatação de descumprimento das disposições contidas no contrato de gestão, reza o artigo 16 da Lei n. 9.637/98 que poderá o Poder Público inclusive proceder à desqualificação da entidade como organização social, mediante processo administrativo. III. 3.
Da constitucionalidade da Lei n. 9.637 – Especificidades
Nesta manifestação já restou demonstrada, conforme seção III.1 supra, a ampla constitucionalidade que embasa a edição da Lei n. 9.637/98. A presente seção é dedicada a enfrentar de forma mais aprofundada os cinco principais aspectos da Lei em que se amparam os autores da ADI para, equivocadamente, taxaram de “inconstitucional” este diploma legal, a saber: (1) a natureza jurídica de direito privado das organizações sociais; (2) a dispensa de procedimento licitatório para a escolha da organização
84
Idem, art. 2º, I, “f”.
85
Idem, art. 9º.
86
Idem, art. 10.
156
social que irá celebrar contrato de gestão com o Poder Público, instituída pela Lei n. 9.648/98; (3) a não-submissão das organizações sociais à regra da licitação para as contratações por elas efetuadas; (4) o contrato de gestão, visto pelos autores como uma forma de indevida transferência de responsabilidades do Estado para a sociedade civil; e, por fim, (5) a possibilidade de repasse de recursos, e cessão de bens e servidores às organizações sociais. III. 3.1. Da natureza jurídica das organizações sociais Do quanto se debateu até hoje a respeito da constitucionalidade da Lei n. 9.637/98, grande parte se deve à falta de clareza sobre a natureza jurídica das organizações sociais. De fato, questões que giram em torno da eventual necessidade de efetivação de procedimento licitatório para a escolha das organizações sociais e para os seus respectivos processos de compras de bens e serviços, por exemplo, são suscitadas por conta da suposta caracterização da organização social como integrante da Administração Pública indireta. Com a devida vênia, nada é mais equivocado. Já no artigo 1º da Lei n. 9.637/98, como visto, encontramos os contornos legais que cercam as organizações sociais, a quais são expressamente definidas como “pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos” (destaques acrescidos). Trata-se, a toda evidência, de uma qualificação concedida pelo Poder Público a associação e fundações pré-existentes que, voluntariamente, atendam aos requisitos previstos no artigo 2º da Lei n. 9.637/98. Nesse sentido, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO leciona que “organização social é a qualificação jurídica dada a pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, instituída por iniciativa de particulares, e que recebe delegação do Poder Público,
157
mediante contrato de gestão, para desempenhar serviço público de natureza social. Nenhuma entidade nasce com o nome de organização social; a entidade é criada como associação ou fundação e, habilitando-se perante o poder público, recebe a qualificação; trata-se de título jurídico outorgado e cancelado pelo poder público.”
87
A simples qualificação concedida pelo Poder Público a organizações sem fins lucrativos, criadas por particulares com supedâneo constitucional do artigo 5º, XVII e XVIII, não tem ⎯ a exemplo do que ocorre com os demais títulos e qualificações outorgados pelo Estado a organizações sem fins lucrativos (utilidade pública, entidade beneficente de assistência social, Oscip, etc.) ⎯ o condão de trazê-las para o aparato estatal e, por conseguinte, impingir-lhes a adstrição às normas aplicáveis a órgão da Administração Pública direta ou indireta. Pensar diversamente seria, ademais, tornar letra morta o preceito constitucional trazido pelo artigo 37, XIX, da Constituição Federal, que decreta caber apenas a “lei específica” a criação ou autorização para a instituição de entes da Administração indireta. Afinal, o texto constitucional de 1988 consolida e eleva ao status constitucional preceito já incorporado pelo Decreto-Lei n. 200/67, qual seja: a edição de normativo legal que revista de legalidade a criação de entidades da Administração Pública. Não há espaço para o esgarçamento dos limites impostos pela Carta. Como afirmado, a titulação de organização social, concedida pelo Poder Público a entidades sem fins lucrativos que cumpram determinados requisitos previstos em lei, não é suficiente para seu enquadramento no âmbito da Administração Pública indireta. Da
plena
caracterização
da
natureza
jurídica
privada
das
organizações sociais, pode-se partir para a análise pormenorizada dos seus reflexos quando confrontada com os demais questionamentos trazidos pelos críticos do modelo.
87
In Direito Administrativo. 20. ed.. São Paulo: Atlas, 2007, p. 461-462.
158
É o que se passa a fazer. III. 3. 2. Da dispensa de licitação para o contrato de gestão O exame da (in)aplicabilidade da regra da licitação insculpida no artigo 37, XXI, da Constituição Federal para a escolha da organização social a celebrar contrato de gestão com a Administração Pública passa, necessariamente, (1) pela análise da natureza jurídica desse instrumento, (2) pela possibilidade de lei estabelecer exceções ao primado da licitação e, finalmente, (3) pelas peculiares características do próprio instrumento do contrato de gestão. Pois bem. Quanto ao primeiro desses aspectos, importa notar que o contrato de gestão constitui a formalização da relação de cooperação ou parceria entre a Administração Pública e a entidade qualificada como organização social, por meio do qual metas e indicadores de resultados a serem alcançados são, conjunta e previamente, acertados entre os partícipes para a persecução de interesses públicos. Essa foi a intenção do legislador quando determinou, no artigo 5º da Lei n. 9.637/98, que, “para os efeitos desta Lei, entende-se por contrato de gestão o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às áreas relacionadas no artigo 1º” (destaques acrescidos). Muito embora, como se vê, a Lei n. 9.637/98 utilize o vocábulo “contrato” para denotar o vínculo de cooperação entre os partícipes, o contrato de gestão possui uma natureza jurídica muito mais próxima (o que, nota bene, não significa dizer igual) à dos convênios do que à dos contratos administrativos em sentido estrito. Afinal, tanto em um quanto em outro ⎯ contrato de gestão ou convênio ⎯ a orientação dos partícipes é voltada aos mesmos objetivos, comungando das mesmas intenções e expectativas quando da celebração do instrumento que os vinculam.
159
Confira-se, a respeito, a precisa observação de ALEXIS VARGAS: “(...) temos para nós que o instituto sub studio [contrato de gestão] se aproxima conceitualmente mais dos convênios, do que dos contratos tradicionais, uma vez que não se configuram interesses contrapostos, mas também porque não há fim de lucro por parte das Organizações Sociais. (...)”88 (destaques acrescidos)
Por certo, o contrato de gestão, proposto na forma da Lei n. 9.637/98, configura uma inovação ao modelo dicotômico contrato-convênio, previsto na legislação e aceito pela doutrina e jurisprudência. Em realidade, trata-se de um instrumento de natureza jurídica híbrida, que mescla institutos contratuais e conveniais para fazer surgir uma terceira modalidade de formalizar as relações entre Poder Público e organizações privadas sem fins lucrativos. Observe-se, nesse sentido, que, diferentemente do que ocorre nos convênios, os contratos de gestão (1) são instrumentos de fomento de médio e longo prazo, e não apenas pontual; (2) configuram um compromisso de desempenho expresso na forma de metas préestabelecidas; e (3) demandam uma alteração estrutural nos modelos de governança e gestão da organização parceira, que, dentre outras medidas, deve necessariamente adequar a composição de seu Conselho de Administração às exigências legais; operar de acordo com um regulamento de compras e contratações, restringindo a liberdade de que gozam as entidades privadas em geral, neste campo; e submeter-se ao monitoramento muito mais intenso e específico de uma comissão de avaliação instituída pelo ente público supervisor. É tão-somente em razão de ainda não se ter consolidado um entendimento doutrinário e jurisprudencial sobre a natureza jurídica específica do contrato de
88
In “Anotações sobre o Contrato de Gestão”, Debates GV Saúde, São Paulo: Centro de Estudos em Planejamento e Gestão de Saúde da Fundação Getúlio Vargas – Escola de Administração de Empresas de São Paulo, v. 1, 1º semestre 2006, p. 35.
160
gestão, e diante da comunhão muito mais acentuada que ele possui com certas características dos convênios, é que, nos limites da presente manifestação, é suficiente indicar que a sua natureza jurídica é muito mais próxima à dos convênios do que à dos contratos administrativos. A conceituação de “convênio” trazida pela doutrina administrativista pátria dá ares finais para essa aproximação. Em obra recente, MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO o faz conforme segue: “Na obra Temas polêmicos sobre licitações e contratos (2000:310-314) já tive oportunidade de discorrer sobre a distinção (entre contratos e convênios), mostrando que o principal elemento que se costuma apontar para distinguir o contrato e o convênio é o concernente aos interesses que, no contrato, são opostos e contraditórios, enquanto no convênio são recíprocos. É o ensinamento de Hely Lopes Meirelles (1996:358), quando define os convênios administrativos como ‘acordos firmados por entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realização de objetivos de interesse comum dos partícipes.’”
89
Mais além, a autora cita as distinções entre convênios e contratos, as quais podem ser resumidas desta forma: os entes conveniados têm objetivos institucionais comuns e se reúnem, por meio de convênios, para alcançá-los; os partícipes do convênio têm competências institucionais comuns; os partícipes do convênio objetivam a obtenção de um resultado comum; no convênio, existe mútua colaboração; nos contratos, as vontades são antagônicas, se compõem, mas não se adicionam, delas resultando uma terceira espécie (vontade contratual, resultante e não soma), enquanto nos convênios as vontades se somam, atuam paralelamente, para alcançar
89
In Parcerias na administração pública: concessão, permissão, franquia, terceirização, parcerias público-privadas e outras formas. 5. ed.. São Paulo: Atlas, 2006, p. 246.
161
interesses e objetivos comuns; nos contratos existem partes, denotando separação, e nos 90 convênios existem partícipes, denotando participação .
A toda evidência, percebe-se que a natureza jurídica dos contratos de gestão, ao mesmo tempo em que se assemelha e se aproxima à dos convênios, também difere e se afasta da dos contratos administrativos regidos pelo artigo 37, XXI, e, por conseguinte, pela Lei n. 8.666/93. De fato. Note-se que o dispositivo constitucional em comento determina a realização de processo de licitação pública única e exclusivamente nos casos em que obras, serviços, compras e alienações forem “contratados” com a Administração Pública. Inexistindo, pois, contratação em sentido estrito ⎯ como ocorre no caso dos contratos de gestão ⎯ , não há que se falar em licitação. Ratifica essa conclusão a lição autorizada de MARÇAL JUSTEN FILHO: “O convênio consiste numa avença em que dois ou mais sujeitos, sendo ao menos um deles integrante da Administração Pública, comprometem-se a atuar de modo conjugado para a satisfação de necessidades de interesse coletivo, sem intento de cunho lucrativo. A característica do convênio reside na ausência de interesse especulativo de todas as partes, que atuam harmonicamente para o bem comum. O convênio não produz benefícios ou vantagens econômicas para nenhuma das partes, o que afasta a aplicação das normas genéricas sobre contratação administrativa. (...)” (destaques acrescidos)
90
Idem, ibidem.
162
A rigor, portanto, a hipótese não é nem de dispensa nem de inexigibilidade de procedimento licitatório. O que ocorre, pura e simplesmente, é que o contrato de gestão está fora do âmbito de incidência da regra do artigo 37, XXI, da Constituição. Mas não é só. Mesmo que se pudesse desconsiderar o quanto afirmado acima, o segundo aspecto que cumpre sublinhar, no presente tópico, refere-se à circunstância de que a própria norma constitucional permite que, por intermédio de lei, sejam estabelecidas exceções à regra da licitação. Observe-se: “XXI – ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública (...)” (destaques acrescidos)
Dessa forma, tendo a dispensa de licitação para a celebração de contrato de gestão sido instituída por meio de lei em sentido formal e material ⎯ a Lei n. 9.648/98, que acrescentou o inciso XXIV ao artigo 24 da Lei n. 8.666/93 ⎯ , tal exceção encontra-se em plena conformidade com o quanto estabelecido no artigo 37, XXI, do texto constitucional. No caso sob exame, o afastamento da licitação é perfeitamente compatível, ademais, com a evolução de um Estado burocrático para um Estado gerencial, processo este que se encontra em curso no Brasil há alguns anos. De fato, como aponta ANDRÉ RAMOS TAVARES, “A peculiaridade do Estado gerencial, em sua relação com a licitação pública (...) está na consideração desta como uma imposição que pode e deve ser afastada em determinadas circunstâncias ou segmentos. Ou seja, Estado gerencial implica uma flexibilização, desde que legal, da obrigatoriedade do certame licitatório”.
91
Cf. anexo Parecer Jurídico (documento 4).
163
91
E nem se alegue que, in casu, a exceção sob análise teria sido criada em ofensa ao primado da isonomia, na medida em que teria estabelecido condições mais favoráveis para a contratação de organizações sociais, em prejuízo das demais organizações privadas sem fins lucrativos (associações e fundações). Ora, como se sabe, o princípio da igualdade determina não apenas um tratamento isonômico àqueles que se encontram em situações análogas, mas também um tratamento diferenciado quando em planos distintos estiverem os particulares em questão. Nesse sentido, há uma série de peculiaridades das organizações sociais, tal como disciplinadas na Lei n. 9.637/98, que não apenas justificam como recomendam um tratamento específico. A principal dessas peculiaridades refere-se à circunstância de que, embora tratando-se de pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, seus membros não detêm o controle da entidade ⎯ e, portanto, estão impossibilitados de desvirtuá-la de suas finalidades de interesse público ⎯, eis que mais de 50% dos integrantes do Conselho de Administração devem corresponder a representantes do próprio Poder Público e de outras 92 entidades da sociedade civil .
Mais ainda: diferentemente do que ocorre com as associações e fundações em geral, as organizações sociais são obrigadas a publicar anualmente, no Diário Oficial 93 da União, os seus relatórios financeiros e de execução do contrato de gestão .
Outrossim, em caso de perda da qualificação ou de extinção da entidade, todo o seu patrimônio há de ser necessariamente incorporado ao patrimônio de outra 94 organização social ou do próprio Estado .
92
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 3º, III.
93
Idem, art. 2º, I, “f”.
164
Especificamente em relação ao contrato de gestão, registre-se ainda 95 que a entidade fica adstrita às metas e prazos de execução ali estabelecidos , bem como aos 96 limites e critérios para a remuneração de seus dirigentes e empregados , sendo obrigada a tornar
público um regulamento para a contratação de obras, serviços e compras 97. Isso tudo sem prejuízo do monitoramento periódico por uma comissão de avaliação externa, composta por especialistas de 98 notória capacidade e adequada qualificação .
Essas exigências ⎯ que acentuam o caráter público, embora nãoestatal, das organizações sociais ⎯ não permitem colocá-las no mesmo plano das demais entidades privadas, especialmente no que se refere a normas de contratação com o Poder Público. Por fim, há ainda um terceiro aspecto que demanda análise no presente tópico. Corresponde ele à circunstância de que o emprego de procedimento licitatório ⎯ do qual resultaria a escolha de um único interessado para a celebração do contrato de gestão ⎯ acabaria por frustrar o interesse público, na medida em que estaria limitando, sem qualquer justificativa, as (múltiplas) possibilidades de colaboração à disposição da Administração. Como lembra MARÇAL JUSTEN FILHO: “(...) a licitação somente adquire sentido quando a Administração Pública não puder optar por todas as alternativas, cumulativamente. A licitação é um procedimento destinado a fundamentar uma decisão de escolha e de exclusão. O que caracteriza a licitação não é apenas escolher a proposta
94
Idem, art. 2º, I, “i”.
95
Idem, art. 7º, I.
96
Idem, art. 7º, II.
97
Idem, art. 17.
98
Idem, art. 8º, § 2º.
165
mais vantajosa, mas também rejeitar outras como não sendo adequadas e igualmente satisfatórias”.99 (destaques do original)
Quando houver, portanto, essa possibilidade de cumular alternativas, não há que se falar em licitação. E esse é justamente o caso do contrato de gestão: a princípio, o Poder Público poderá realizar tantas parcerias quantas forem as entidades que lograrem se qualificar como organizações sociais ⎯ observadas, por óbvio, as limitações de caráter orçamentário. Portanto, as próprias características do contrato de gestão impõem o afastamento da idéia de submetê-lo ao procedimento exclusivo da licitação, sob pena de colocar em xeque o interesse público que há de balizar todas as ações do Poder Público. De mais a mais, mesmo que se entendesse indispensável a realização de licitação para a celebração do contrato de gestão, isso não poderia ser utilizado como escusa para sugerir ⎯ como fazem os autores da presente ADI ⎯ a invalidade da Lei n. 9.637/98. Bastaria, nessa remota hipótese, declarar a inconstitucionalidade do inciso XXIV do artigo 24 da Lei n. 8.666/93, com a redação que lhe foi conferida pelo artigo 1º da Lei n. 9.648/98. III. 3. 3. Do regime jurídico das contratações de organizações sociais No que tange à inaplicabilidade da regra constitucional de licitação prévia (art. 37, XXI) para as contratações feitas pelas próprias organizações sociais, no desempenho de sua missão institucional, são quatro as razões centrais para evidenciar o mais absoluto descabimento de eventuais tentativas de sustentar o contrário: (1) a natureza jurídica privada dessas entidades, na medida em que não integram o corpo da Administração Pública; (2) o regime jurídico ⎯ de direito privado ⎯ atinente à prestação de serviços públicos não-exclusivos do
99
In Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 8. ed., São Paulo: Dialética, 2000, p. 274.
166
Estado por particulares; (3) a necessidade de as organizações sociais terem amplo controle sobre os processos de contratação, sob pena de não poderem ser responsabilizadas pelo eventual descumprimento das metas do contrato de gestão; e, (4) no caso específico das organizações sociais da área da ciência e tecnologia, a inadequação do procedimento licitatório para as contratações por elas realizadas. De fato. Usualmente, costuma-se fundamentar a obrigação de órgãos da Administração Pública realizarem procedimentos licitatórios na competência da União prevista no artigo 22, XXVII; nos princípios da Administração Pública encartados no artigo 37 ⎯ mormente no seu inciso XXI ⎯; e na obrigatoriedade de lei ulterior deliberar sobre os estatutos jurídicos de empresas públicas, sociedades de economia mista e suas subsidiárias, prevista no artigo 173, parágrafo 1º, III, todos da Constituição Federal de 1988. Percebe-se, por leitura mecânica desses dispositivos, que as normas gerais de licitação, previstas pela Lei n. 8.666/93, recaem necessariamente sobre os órgãos da Administração Pública direta ou indireta, das quais as entidades privadas sem fins lucrativos qualificadas como organização social não fazem parte, conforme acima exaustivamente comprovado. Tão cristalina quanto as normas constitucionais é a farta doutrina administrativista brasileira no que se refere à limitação da abrangência da regra da licitação às entidades da Administração Pública, direta e indireta, do que dão prova HELY LOPES MEIRELLES100 e CELSO ANTÔNIO BANDEIRA DE MELLO101.
100
Cf. MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 26. ed. São Paulo: Malheiros, 2001, p. 261
101
Cf. MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Malheiros, 2003, p. 490
167
MARÇAL JUSTEN FILHO adentra, inclusive, na análise da questão do controle estatal, mencionada pelo parágrafo único do artigo 1º da Lei n. 8.666/93, citando especificamente as organizações sociais, nestes termos: “Como regra, a ausência de controle público importa ausência de submissão ao regime da Lei nº 8.666. Assim, uma entidade privada que receba verbas públicas para desempenho de certas atividades socialmente relevantes não estará obrigada a cumprir as exigências da Lei n. 8.666/93”.102
Dessa forma, afirma o mesmo autor: “(...) a atuação da organização social em face de terceiros é regida preponderantemente pelo direito privado. A percepção de subsídios públicos, a utilização de bens públicos ou a presença de servidores públicos não transforma a organização social em partícipe da Administração indireta. Caracteriza-se atuação subordinada ao direito 103
privado, ainda que de interesse público.”
(destaques acrescidos)
Um outro argumento, porém, reforça a inadequação de pretender submeter as organizações sociais à regra de licitação para as contratações por elas efetuadas. É que, conforme já demonstrado nesta manifestação, tais entidades desempenham serviços públicos não exclusivos do Estado ⎯ e o fazem, embora sujeitas a um mais acentuado poder de polícia estatal, sob regime jurídico de direito privado.
102
103
In Comentários à lei de licitações e contratos administrativos. 11. ed. São Paulo: Dialética, 2005, p. 24. In Curso de direito administrativo. 2. ed., São Paulo: Saraiva, 2006, p. 141.
168
Com efeito. Embora no campo dos serviços públicos exclusivos, a 104 eventual participação de particulares, sempre mediante concessão ou permissão , mantenha
intacto o regime jurídico de direito público a eles inerente, no caso de serviços não-exclusivos essa transposição não ocorre. Afinal, os particulares já estavam constitucionalmente autorizados a operar, por conta própria, nesse domínio, e a eventual circunstância de receberem algum tipo de estímulo por parte do Poder Público não é apta, por si só, a alterar essa realidade. Isso não significa, evidentemente, que uma organização social, quando administra recursos públicos, possa efetuar as suas contratações sem qualquer preocupação de garantir a seleção da proposta mais vantajosa ou a possibilidade de participação de todos os potenciais contratantes interessados. Nesse caso, contudo, ao invés da observância das normas pertinentes ao aparato estatal (Lei n. 8.666/93), estará adstrita a “regulamento próprio [publicado no prazo máximo de 90 dias, contados da assinatura do contrato de gestão] contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público”, como assevera o artigo 17 da Lei n. 9.637/98. Sem
a
necessidade
de
forçar
a
interpretação
de
normas
constitucionais para abarcar situações por elas claramente não contempladas, essa disposição assegura, pois, a melhor alocação dos recursos públicos transferidos às organizações sociais, assim como a necessária igualdade de condições para aqueles que desejam estabelecer vínculos contratuais com tais entidades. Mas não é só. A contratualização de metas e resultados, com indicadores previamente estabelecidos comumente entre os partícipes, e principalmente as sanções previstas no caso do não-cumprimento das avenças previstas nos contratos de gestão demandam das organizações sociais — sob pena de incongruência lógica — pleno controle
104
Cf. Constituição Federal, art. 175.
169
sobre os seus processos de trabalho e de contratação de pessoal, obras, serviços e compras. Esse cenário foi viabilizado pelo legislador ordinário, que previu a existência de regulamento próprio para essas operações, ciente de que a aplicabilidade da Lei n. 8.666/93 é incompatível com o regime de submissão a metas e resultados imposto pela Lei n. 9.637/98. Por fim, ao menos no que se refere às organizações sociais da área de ciência e tecnologia, o procedimento naturalmente lento e burocratizado da licitação pública mostrar-se-ia totalmente inadequado para as contratações por elas promovidas. Isso porque tais organizações, como se verá adiante, atuam com serviços, equipamentos e produtos altamente sensíveis e sofisticados. Destarte, ainda que houvesse algum remoto fundamento jurídico para sustentar a obrigatoriedade de as organizações sociais obedecerem à regra de licitação nas contratações por elas próprias efetuadas — o que, como visto, corresponderia a um verdadeiro aberratio juris—, o interesse público, cuja prevalência é um dos postulados basilares do direito brasileiro, afastaria essa “solução”. III. 3. 4. Dos contratos de gestão Conforme salientado nesta manifestação, a promulgação da Lei n. 9.637/98 inseriu em definitivo, no ordenamento jurídico, o instituto do contrato de gestão, ou seja, “o instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como organização social, com vistas à formação de parceria entre as partes para fomento e execução de atividades relativas às relacionadas no art. 1º”
105
. Já aqui, há que se intervir conceitualmente para a correta e devida
interpretação legal, isenta de viés ideológico ou político-partidário de qualquer matiz. É translúcida
105
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 5º.
170
a intenção do legislador ordinário de, dentre as ferramentas que já existem para o fomento de iniciativas da sociedade civil ⎯ convênio dentre elas ⎯, agregar mais uma, qual seja, o contrato de gestão. Até pela sua natureza análoga à convenial ⎯ posto distanciar-se dos contratos administrativos em sentido estrito, conforme acima detalhado ⎯, o contrato de gestão deve ser entendido sempre como uma ferramenta de fomento à iniciativa de entidades privadas que prestam serviços públicos não-exclusivos do Estado. Se alguma confusão ainda existe em relação a esse aspecto, mesmo após praticamente dez anos da edição da Lei n. 9.637/98, isso se deve ao equívoco de compreender o contrato de gestão como forma de delegar a particulares a prestação de serviços públicos exclusivos do Estado, à burla do artigo 175 da Constituição Federal. A esses intérpretes mais apressados, a advertência de CELSO ANTONIO BANDEIRA DE MELLO, ao lecionar sobre a titularidade dos serviços públicos e a titularidade da prestação dos serviços públicos, ajusta-se perfeitamente: “Não se deve confundir a titularidade do serviço com a titularidade da prestação do serviço. Uma e outra são realidades jurídicas visceralmente distintas. “O fato de o Estado (União, Estados, Distrito Federal e Municípios) ser titular de serviços públicos, ou seja, de ser o sujeito que detém ‘senhoria’ sobre eles (a qual, de resto é, antes de tudo, um dever em relação aos serviços que a Constituição ou as leis puseram ou venham a por seu cargo) não significa que deva obrigatoriamente prestá-los por si ou por criatura sua quando detenha a titularidade exclusiva do serviço. “Na esmagadora maioria dos casos estará apenas obrigado a discipliná-los e a promover-lhes a prestação.
171
“Assim, tanto poderá prestá-los por si mesmo como poderá promover-lhes a prestação conferindo a entidades estranhas ao seu aparelho administrativo (particulares e outras pessoas de direito público interno ou da administração indireta delas) titulação para que os desempenhem, isto é, para que os prestem segundo os termos e condições que fixe e, ainda assim, enquanto o interesse público aconselhar tal solução (sem prejuízo do devido respeito aos interesses econômicos destes terceiros que sejam afetados com a retomada do serviço). Ou seja, poderá conferir ‘autorização’, ‘permissão’ ou ‘concessão’ de serviços públicos (que são as expressões constitucionalmente utilizadas) para que sejam efetuados por tais pessoas. “É óbvio que nos casos em que o Poder Público não detém a exclusividade do serviço, não caberá imaginar esta outorga, pois quem o desempenhe prescinde dela para o exercício da atividade em questão.”
106
(destaques acrescidos)
Reside aí o ponto-chave para deslindar a questão da “delegação” de serviços públicos, utilizada pelos críticos do modelo, tendo as organizações sociais como exemplo das supostas inconstitucionalidades da Lei n. 9.637/98. Falar em concessão, permissão ou qualquer outra forma de delegação de serviços públicos, enquanto manifestações da autorização do Estado para a exploração da iniciativa privada, só faz sentido quando o que se pretende transferir para os particulares são serviços públicos de prestação exclusiva do Estado, e não o revés. Ocorre que o artigo 1º da Lei n. 9.637/98 delimita a atuação de organizações
sociais
exclusivamente
em
áreas
onde
a
Constituição
Federal
autoriza
expressamente a participação de particulares, como na saúde, na educação ou ⎯ no que é de especial interesse dos amici curiae ora manifestantes ⎯ na ciência e tecnologia.
106
Op. cit., p. 620.
172
Dessa forma, é inquestionável o fato de que “o artigo 175 não se aplica às atividades arroladas no art. 1º da Lei n. 9.637/98”, como assevera o professor ANDRÉ 107 RAMOS TAVARES .
III. 3. 5. Do repasse de recursos, bens e servidores públicos Resta totalmente assente, a esta altura, que o modelo trazido pela Lei n. 9.637/98 não representa inovação legislativa na forma de “transferência” de serviços públicos à iniciativa privada mas, antes, constitui verdadeira ferramenta de fomento a atividades da iniciativa privada, sem fins lucrativos, para a execução de serviços de interesse público. Como forma de conferir materialidade a esta nova forma de incentivo, a Lei n. 9.637/98, em sua Seção V (“Do Fomento às Atividades Sociais”), determina que “Às organizações sociais poderão ser destinados recursos orçamentários e bens públicos necessários ao cumprimento do contrato de gestão”
108
; bem como que “É facultado ao Poder Executivo a
cessão especial de servidor para as organizações sociais, com ônus para a origem.”
109
Ocorre que, quanto a isso, também não há qualquer inovação legislativa. Com efeito. Quanto à primeira daquelas previsões (repasse de recursos públicos a organizações privadas sem fins lucrativos), observe-se que a própria Constituição Federal, em diversas oportunidades, prevê esse tipo de ocorrência. É o caso, por exemplo, do já dantes referido artigo 213 do texto constitucional, que autoriza a destinação de
107
Cf. anexo Parecer Jurídico (documento 4), § 155.
108
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 12.
109
Idem, art. 14.
173
recursos públicos a escolas privadas, desde que “comprovem finalidade não lucrativa e apliquem seus excedentes financeiros em educação”
110
.
Aliás, tanto é perfeitamente constitucional que o Estado, no exercício de sua competência de agente fomentador da participação de particulares em serviços públicos não-exclusivos, destine recursos para organizações privadas sem fins lucrativos, que, há muito, mesmo antes da Constituição de 1988, são celebrados centenas de convênios com essa finalidade pelas diversas esferas da Federação, sem que se tenha notícia de qualquer alegação de inconstitucionalidade nessa prática, quanto menos de decisão dessa excelsa Corte nesse sentido. 111 Quanto à cessão de bens públicos, na forma de permissão , aqui
também a Lei n. 9.637/98 não inovou na forma ou nas hipóteses pelas quais bens públicos podem ser repassados à iniciativa privada, e encontra embasamento teórico na conceituação trazida pela doutrina administrativista. Ensinou-nos HELLY LOPES MEIRELLES que “permissão de uso é ato negocial, unilateral, discricionário e precário através do qual a Administração faculta ao particular a utilização individual de determinado bem público. Como ato negocial (TJSP, RJTJSP 124/202), 112 pode ser com ou sem condições, gratuito ou remunerado, por tempo certo ou indeterminado (...)” .
E, dessa forma: “Qualquer bem público admite permissão de uso especial a particulares, desde que a utilização seja também de interesse da coletividade que irá fruir certas vantagens desse uso, que se assemelha a um serviço de utilidade pública (...). Se não houver interesse para a comunidade, mas tãosomente para o particular, o uso especial não deve ser permitido nem
110
Cf. Constituição Federal, art. 213, I.
111
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 13.
112
Op. cit., p. 486.
174
concedido, mas simplesmente autorizado, em caráter precaríssimo. Vê-se, portanto, que a permissão de uso é um meio-termo entre a informal autorização e a contratual concessão, pois é menos precária que aquela, sem atingir a estabilidade desta. A diferença é de grau na atribuição do uso especial e na vinculação do usuário com a Administração.”
113
(destaques
acrescidos)
A informalidade da autorização de uso, citada pelo autor, é incompatível com a contratualização de metas e de resultados almejados pela Lei n. 9.637/98, tanto quanto o é a estabilidade da concessão de uso, que impingiria à Administração Pública pagamentos aos (então) concessionários nas hipóteses de rescisão unilateral do contrato de gestão, por descumprimento de metas de resultados. E, tampouco, alegue-se que a permissão de uso de bem público demandaria prévia licitação pública. Argumento desse naipe não teria como subsistir pela mera mas inolvidável circunstância de que permissão de uso constitui ato administrativo de caráter precário, revogável a qualquer tempo — e, como se sabe, a Constituição Federal demanda certame público apenas no caso de contrato administrativo. É por isso que MARIA SYLVIA ZANELLA DI PIETRO assevera, ao tratar do instituto da permissão de uso de bem público, que “Quanto à licitação, não é, em regra, necessária, a não ser que leis específicas sobre determinadas matérias o exijam (...)”
114
. No que toca, por fim, à faculdade de cessão de servidores públicos
para organizações sociais, no âmbito de contrato de gestão, tampouco há qualquer vício de constitucionalidade nessa disposição. Afinal, a própria Constituição Federal confere ampla autonomia para, respeitadas as regras e princípios gerais atinentes à matéria (notadamente aqueles esculpidos no artigo 39), a União legislar sobre o regime jurídico dos servidores públicos
113
Idem, p. 486.
114
In Direito administrativo. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2003, p. 567.
175
federais, por meio de lei de iniciativa do Presidente da República 115 — tal como se apresenta, in casu, a Lei n. 9.637/98. Nesse contexto, note-se que o Regime Jurídico dos Servidores Públicos Civis da União (Lei n. 8.112/90) já prevê hipóteses de afastamento do servidor para “ter exercício em outro órgão ou entidade dos Poderes da União, dos Estados, ou do Distrito Federal e dos Municípios”, nos termos do artigo 93. Portanto, a Lei n. 9.637/98 apenas cria uma nova e adicional hipótese de afastamento do servidor público federal, para atuar exclusivamente em atividades dentro do escopo de contrato de gestão com o Poder Público. Tais servidores, assim, estarão desempenhando atividades de inquestionável interesse público — em realidade, em atividades constitucionalmente caracterizadas como serviços públicos (não-exclusivos do Estado). Dessa forma, não há nada igualmente a questionar, sob o ponto-devista da ordem constitucional, também quanto a esta última possibilidade prevista na Lei n. 9.637/98. Tal como o repasse de recursos ou a permissão de bens públicos, trata-se de instrumento de fomento, do qual o Poder Público não somente pode como, também, deve fazer uso. III. 4. Do impacto da Lei na área da ciência e tecnologia
Na iminência de completar sua primeira década de vigência, a Lei n. 9.637/98 tem tido significativa influência na melhoria do desempenho de serviços públicos nãoexclusivos do Estado. Evidência maior a esse respeito é o fato de que, além de já ter permitido a qualificação e a celebração de contratos de gestão com sete organizações sociais
115
Cf. Constituição Federal, art. 61, § 1º, II, “c”.
176
qualificadas no âmbito federal 116, a Lei exerceu forte impacto nas demais unidades federativas: atualmente, pelo menos 21 Estados e 25 municípios (principalmente os maiores) adotaram legislações semelhantes, conforme demonstra o anexo Relatório de pesquisa 117 elaborada pelo Instituto Publix .
Esse mesmo estudo demonstra, ademais, que já são quase duas centenas as entidades qualificadas como organizações sociais em todo o país 118. Nos limites da presente manifestação, importa focar as possibilidades abertas pela Lei n. 9.637/98 na área da ciência e tecnologia. Pois bem. Atualmente, fica cada vez mais evidente a importância estratégica da área de ciência e tecnologia para o desenvolvimento sustentável do país. Como advertem os professores JOSÉ MATIAS-PEREIRA e ISAK KRUGLIANSKAS, da Universidade de Brasília (UNB) e da Universidade de São Paulo (USP), respectivamente, “A agressiva disputa pela apropriação da informação, do conhecimento e do desenvolvimento da inovação no mundo contemporâneo, decorrente do processo de globalização, conforme delineado nas conclusões do Livro Branco da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCT, 2002), indica a necessidade de o Brasil construir um modelo de desenvolvimento tecnológico autônomo”.
116
119
São elas: Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncrotron (ABTLUS), e Associação Brasileira para o Uso Sustentável da Biodiversidade da Amazônia (Bioamazônia), Associação de Educação Comunicativa Roquette Pinto (Acerp), Associação Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE), Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá e Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (Impa).
117
Cf. “Relatório contendo os resultados de pesquisa sobre organizações sociais no Brasil” (documento 3).
118 119
Idem. In “Gestão de inovação: a Lei de Inovação Tecnológica como ferramenta de apoio às políticas industrial e tecnológica do Brasil”, RAE-eletrônica, v.. 4, n. 2, art. 18, jul./dez. 2005, disponível em: <http://www.rae.com.br/eletronica/index.cfm?FuseAction=
177
Esse desafio demanda uma forte e constante articulação entre os diversos centros de pesquisa (como universidades ou instituições científicas e tecnológicas), agências de fomento e o setor produtivo. O desenvolvimento e consolidação dessas parcerias, como alerta o Ministério da Ciência e Tecnologia, é imprescindível para “induzir o aumento dos investimentos privados em C&T e impulsionar o desenvolvimento tecnológico dos setores considerados”
120
. Até os anos 90, grande parte dessa articulação tinha condições de ser
realizada no ambiente exclusivamente estatal —afinal, o Estado respondia não apenas por grande parte dos centros de pesquisa e agências de fomento, como também pelas empresas que atuavam em setores estratégicos, como telecomunicações (Embratel) ou energia (Eletrobrás). No entanto, no final da década, a privatização das estatais alterou significativamente esse cenário, demandando a construção de novos espaços institucionais onde esse diálogo pudesse ser realizado. Uma das primeiras soluções encontradas, nesse sentido, deu-se com a constituição, a partir de 1999, dos chamados “Fundos Setoriais de C&T”. Os Fundos são baseados em uma dupla premissa: favorecer uma sinergia entre os centros de pesquisa e o setor produtivo, e incentivar a geração de conhecimento e inovações que contribuam para a solução dos grandes problemas nacionais. Para tanto, funcionam em um modelo de gestão baseado na existência de Comitês Gestores, presididos por um representante do Ministério da Ciência e Tecnologia e integrados por representantes dos ministérios afins, agências reguladoras, setores acadêmicos e também empresariais, além da Finep - Financiadora de Estudos e Projetos e do
Artigo&ID=1912&Secao=ARTIGOS@Volume=4&Numero=2&Ano=2005>, último acesso em: 18 maio 2007. 120
Cf. Fundos Setoriais de C&T, disponível geral.htm>, último acesso em: 18 maio 2007.
em:
178
<http://ftp.mct.gov.br/Fontes/Fundos/info/
CNPq - Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Atualmente, existem 16 fundos setoriais em funcionamento.
121
Esse espaço de articulação tem gerado resultados
bastante
promissores. De acordo com o Ministério da Ciência e Tecnologia, os fundos “têm possibilitado a implantação de milhares de novos projetos em ICTs, que objetivam não somente a geração de conhecimento, mas também sua transferência para empresas. Projetos em parceria têm estimulado maior investimento em inovação tecnológica por parte das empresas, contribuindo para melhorar seus produtos e processos e também equilibrar a relação entre investimentos públicos e privados em ciência e tecnologia” 122 (destaques acrescidos). Uma outra e mais recente medida, adotada com vistas a promover a articulação entre esses vários atores, deu-se, em 2004, com a edição da Lei de Incentivo Tecnológico (Lei n. 10.973/04). É o que registram os mesmos professores acima citados: “A referida lei tem como objetivo criar um ambiente propício para aumentar o envolvimento das empresas no desenvolvimento de projetos inovadores que levem a gerar novos produtos e processos. Busca-se, com ela, uma elevação do nível de parcerias entre empresas, universidades e institutos científicos e tecnológicos para que ganhem força e estimulem o processo de inovação” 123. Esse propósito já fica claro no artigo 3º da Lei, que impõe ao Poder Público e suas respectivas agências de fomento o dever de “estimular e apoiar a constituição de alianças estratégicas e o desenvolvimento de projetos de cooperação envolvendo empresas nacionais, ICT e organizações de direito privado sem fins lucrativos voltadas para atividades de pesquisa e desenvolvimento, que objetivem a geração de produtos e processos inovadores”.
121
Cf. MINISTÉRIO DA CIÊNCIA E TECNOLOGIA. Op. cit.
122
Idem, ibidem.
123
MATIAS-PEREIRA, José Matias; e KRUGLIANKAS, Isak. Op. cit.
179
O que resta patente, a partir dessas experiências, é o fato de que parcerias na área de ciência e tecnologia são fundamentais para impulsionar a produção de conhecimento e a sua incorporação pelo setor produtivo, gerando inovações tecnológicas. Sem isso, não há como imaginar a inserção do Brasil na atual economia globalizada. Ora, a Lei n. 9.637/98 possibilitou justamente a criação de um adicional e privilegiado espaço institucional para a articulação de todos os atores envolvidos nesse processo: as organizações sociais. Para tanto, cuidou de criar condições para que esse diálogo intersetorial ocorra no âmago das próprias organizações, fixando diretrizes para a composição dos respectivos conselhos de administração, com a participação, dentre outros, de representantes do Poder Público, de outras entidades da sociedade civil, de pessoas de notória 124 capacidade profissional e reconhecida idoneidade moral .
Note-se, apenas a título ilustrativo, a composição do Conselho de Administração de uma das organizações sociais qualificadas no âmbito federal, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE): além de representantes dos associados e do Ministério da Ciência e Tecnologia, da Finep, do CNPq, do Ministério da Educação e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o órgão conta com representantes da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência, da Academia Brasileira de Ciência, da Confederação Nacional da Indústria, da Associação Brasileira das Instituições de Pesquisa Tecnológica e da Associação Nacional de Pesquisa, Desenvolvimento e Engenharia das Empresas Inovadoras. Não bastasse isso, compõem também o Conselho membros eleitos dentre profissionais indicados pelo Fórum de Pró-Reitores de Pesquisa e Pós-Graduação, pelo Fórum Nacional de Secretários Estaduais de Ciência e Tecnologia e pelo Fórum das Fundações Estaduais de Amparo à Pesquisa, além daqueles indicados pela Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil, Serviço Brasileiro de Apoio às Micros e Pequenas Empresas (Sebrae), Departamento Intersindical de Estudos Econômicos e
124
Cf. Lei n. 9.637/98, art. 3º, I.
180
Sociais (Dieese) e Associação Nacional de Entidades Promotoras de Empreendimentos Inovadores.
125
Em suma: onde parcerias são inevitáveis —como ocorre especialmente na área de ciência e tecnologia —, o modelo das organizações sociais também o é. A fim de demonstrar esse efeito extremamente benéfico que a Lei n. 9.637/98 tem proporcionado à ciência e tecnologia, as manifestantes rogam vênia para, na seqüência, apresentar as entidades sem fins lucrativos qualificadas como organizações sociais no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia do Governo Federal. É importante destacar que grande parte das informações ora apresentadas a essa colenda Corte podem ser igualmente encontradas nos portais eletrônicos das respectivas organizações sociais na Internet, disponíveis, portanto, a todos os interessados os relatórios de gestão, financeiros, de atividades, relatórios de auditorias, contratos de gestão e aditivos, e demais ferramentas criadas para dar vida ao princípio da publicidade e da transparência na utilização de recursos públicos. As manifestantes acreditam ser de crucial importância levar ao conhecimento do Tribunal a realidade das organizações sociais que atuam com ciência e tecnologia, as quais hoje constituem verdadeiro sustentáculo para o progresso de uma área de fundamental importância para o desenvolvimento da nação.
125
Cf. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos - Estatuto, disponível em: <http://www. cgee.org.br/arquivos/cgee_estatuto.pdf>, último acesso em: 18 maio 2007, art. 16.
181
III. 4. 1. Associação Brasileira de Tecnologia Luz Síncrotron126
Por meio do Decreto n. 2.405, de 26 de novembro de 1997, fundamentada na Medida Provisória n. 1.591-1, de 6 de novembro de 1997 ⎯ posteriormente convertida na Lei n. 9.637/98 ⎯, a Associação Brasileira de Tecnologia Luz Síncrotron foi qualificada como organização social e autorizada a celebrar contrato de gestão com o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico e o Ministério da Ciência e Tecnologia. Com isso, passou a ser a responsável pelo Laboratório Nacional de Luz Síncrotron, instalado em Campinas, SP, e que foi o primeiro deste gênero no hemisfério sul e o único na América Latina. Em torno de 16 países no mundo possuem uma fonte de luz Síncrotron, dentre eles, o Brasil, o que o coloca dentre as opções de destino de pesquisadores do mundo inteiro interessados em estudar esta tecnologia brasileira. É importante destacar que a maior parte da tecnologia utilizada no Laboratório Nacional de Luz Síncrotron foi desenvolvida nacionalmente, por profissionais brasileiros, donde surgiu um fator agregador da importância do laboratório: o total domínio nacional da tecnologia utilizada para o desenvolvimento da fonte de luz Síncrotron. Ressalte-se que é justamente esse caráter nacional, aberto, multiusuário e multidisciplinar da instituição que permite ao país estar no rol de países que detém essa tecnologia de caracterização de materiais em nível atômico e molecular, imprescindível para o desenvolvimento tecnológico da nova economia, com ênfase na biotecnologia e nanotecnologia.
126
Luz Síncrotron é a intensa radiação eletromagnética produzida por elétrons de alta energia num acelerador de partículas. A luz Síncrotron abrange uma ampla faixa do espectro eletromagnético: raiosX, luz ultravioleta e infravermelha, além de luz visível, que sensibiliza o olho humano. É usada pelos cientistas para o estudo de novas propriedades físicas, químicas e biológicas existentes em átomos, moléculas e materiais orgânicos e inorgânicos em geral.
182
III. 4. 2. Associação Rede Nacional de Ensino e Pesquisa Por meio do Decreto n. 4.077, de 9 de janeiro de 2002, já com base na Lei n. 9.637/98, a Associação Rede Nacional de Ensino e Pesquisa foi qualificada como organização social para, nos termos do decreto qualificador, “executar atividades de pesquisas tecnológicas em redes, de desenvolvimento e operação de meios e serviços de redes avançadas e do desenvolvimento tecnológico na área de redes, mediante celebração de contrato de gestão a ser firmado com o Ministério da Ciência e Tecnologia”. Criada em setembro de 1989, pelo Ministério da Ciência e Tecnologia, com o objetivo de construir uma infra-estrutura de rede Internet nacional de âmbito acadêmico, hoje a Rede Nacional de Ensino e Pesquisa promove o desenvolvimento de tecnologias na área de redes e aplicações inovadoras no Brasil. A Rede Nacional de Ensino e Pesquisa alcança todos os 26 Estados da Federação e o Distrito Federal, e interliga mais de 300 instituições de ensino e pesquisa nacionais, atendendo a mais de um milhão de usuários. Exemplo concreto do avanço institucional e científico da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, proporcionado pela adoção do modelo “organização social”, pode ser percebido pelo documento datado de março deste ano, da lavra de Nelson Simões da Silva, 127 diretor-geral da entidade .
Nele, ao analisar as razões para o sucesso da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, Nelson Simões da Silva afirma textualmente que “a criação de um modelo interministerial de governança, ancorado em uma organização social com representação do poder
127
Cf. REDE NACIONAL DE ENSINO E PESQUISA. A organização social rede nacional de ensino e pesquisa - A fruição do interesse público no uso de tecnologia de informação e comunicação aplicado à educação, à pesquisa e à cultura. Brasília: RNP, março 2007.
183
público e da sociedade em seu conselho de administração, permitiu a eficiência no atingimento das metas e a transparência na prestação de contas”. A conclusão alcançada pelo diretor-geral da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa merece ser transcrita na íntegra, por demonstrar o impacto altamente positivo que a adoção do modelo de organização social proporcionou à inovação técnico-científica do país: “Ao verificar o papel que a RNP possui hoje no cenário nacional, percebe-se que esta inserção, provocada pela necessidade de eficiência e transparência do Estado brasileiro para viabilizar as políticas públicas em ciência, tecnologia e educação, promoveu o interesse público e transformou a realidade de suas instituições clientes no uso de aplicações avançadas de tecnologia de informação e comunicação. Além de atingir e superar metas de gestão, esta iniciativa inovou ao articular ministérios e organizações da sociedade civil em um modelo de governança capaz de lidar com a complexidade e dinamismo da área, e superar as dificuldades e barreiras tradicionais de planejamento e administração que enfrentava-se no final dos anos 90. Graças à inovação, à parceria institucional e à governança responsável, o país dispõe através da RNP de uma organização de gestão de tecnologia de informação e comunicação capaz de fazer fruir o interesse público em ciência, tecnologia, educação e cultura.” (destaques acrescidos)
III. 4. 3. Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada Pelo Decreto n. 3.605, de 20 de setembro de 2000, a Associação Instituto Nacional de Matemática Pura e Aplicada (IMPA) foi qualificada como organização social para “colaborar com a implementação do Programa Expansão e Consolidação do Conhecimento
184
Científico e Tecnológico, mediante celebração de contrato de gestão a ser firmado com o Ministério da Ciência e Tecnologia”. O conceito de que goza o IMPA, nacional e internacionalmente, resulta da qualidade de sua pesquisa científica e de seu papel na formação de novos pesquisadores: são mais de 230 doutores e 450 mestres. Seus alunos de doutorado são oriundos de mais de uma dezena de países da América Latina e da Europa. Foi designado como Centro de Excelência para o PósDoutorado, em nível internacional, pela Third World Academy of Sciences (TWAS). É sede permanente da Sociedade Brasileira de Matemática, criada em 1969, e da União Internacional de Matemática, de 1990 a 1998, o que ocorreu pela primeira vez fora dos países da Europa Ocidental e da América do Norte. Os pesquisadores do IMPA têm merecido inúmeros prêmios de âmbito nacional e internacional, como os prêmios Moinho Santista, Nacional de Ciência e Tecnologia Almirante Álvaro Alberto, Interamericano de Ciência Bernardo Houssay, Third World Academy of Sciences e Anísio Teixeira. Muitos são membros da Academia Brasileira de Ciências e possuem graus honoríficos de universidades. Por outro lado, mais de noventa por cento deles desfrutam de bolsas de pesquisa do CNPq. A qualificação do IMPA como organização social teve efeito determinante na maximização das suas potencialidades e na conseqüente ampliação dos seus resultados, por meio de uma gestão mais flexível dos recursos humanos e financeiros. São essas as palavras de Carlos Camacho, Diretor do IMPA, no relatório de atividades de 2005, também disponível na rede mundial de computadores (Internet): “Em agosto de 2000, através do Decreto 3.567, o IMPA foi transferido do CNPq para o Ministério da Ciência e Tecnologia –MCT, época em que
185
aceleraram-se os estudos iniciados há um ano e meio antes sobre a possibilidade de transformação do IMPA em Organização Social. Este modelo não elimina o caráter público da instituição, mas lhe dá, através de contratação de metas anuais, maior flexibilidade administrativa, bem como maior visibilidade e transparência de suas atividades científicas de formação de pessoal e sua gestão financeira. (...) Já se pode dizer que, como Organização Social, o IMPA vem mantendo seu reconhecido padrão de excelência científica e até mesmo ampliando-o, impactando de forma ainda mais abrangente o sistema brasileiro de ciência e tecnologia.”128 (destaques acrescidos)
III. 4. 4. Centro de Gestão e Estudos Estratégicos Pelo Decreto n. 4.078, de 9 de janeiro de 2002, o Centro de Gestão e Estudos Estratégicos (CGEE) foi qualificado como organização social para promover a “realização de estudos e pesquisas prospectivas na área da ciência e tecnologia e atividades de avaliação de estratégias e de impactos econômicos e sociais das políticas, programas e projetos científicos e tecnológicos, mediante celebração de contrato de gestão”. Nos seus cinco anos de existência, o CGEE mobilizou e interagiu com mais de 10 mil especialistas e cerca de 1.500 instituições, tendo produzido cerca de 350 estudos e análises em suas áreas de atuação. Desde abril de 2002, mantém contrato de gestão com a União, por intermédio do Ministério da Ciência e Tecnologia. Em documento de consolidação dos feitos alcançados em seus cinco anos de existência, o CGEE reconhece que o contrato de gestão, e seus
128
Cf. ASSOCIAÇÃO INSTITUTO NACIONAL DE MATEMÁTICA PURA E APLICADA. Relatório de Atividades - 2005. Disponível em: <http://www.impa.br/opencms/pt/downloads/ impa_2005.pdf>, último acesso em: 18 maio 2007.
186
nove aditivos, “são instrumentos facilitadores de uma dinâmica de planejamento e execução dos 129 planos de trabalho do Centro e norteadores da execução orçamentária realizada nesse período” .
Entre as ações mais relevantes, realizadas pelo CGEE ao longo dos seus cinco anos de existência, podem destacar-se, dentre outras, os estudos prospectivos relacionados a recursos hídricos na área de energia, biocombustíveis, os impactos da expansão da produção do etanol da cana de açúcar, nanociências e nanotecnologias, o perfil do profissional de pesquisa do futuro e recursos humanos para inovação, na geração de subsídios à formulação da política nacional de biotecnologia, na área de tecnologia de informação e comunicação, na avaliação dos impactos das mudanças climáticas globais, na geração de subsídios para a implantação de uma rede de conhecimento sobre a Amazônia, no mapeamento de rotas tecnológicas para a Petrobrás, acerca da cadeia de valor do turismo no Brasil, de apoio à gestão dos fundos setoriais na área de ciência, tecnologia e inovação, de identificação de oportunidades de fortalecimento de estratégias de inovação no Nordeste, de avaliação dos fundos setoriais, de apoio ao planejamento estratégico do Inpe, de apoio às iniciativas nacionais de inovação e o desenvolvimento de planos tecnológicos setoriais da ABDI, de avaliação do Programa Antártico Brasileiro, de apoio ao financiamento da inovação, de avaliação das organizações estaduais de pesquisa agropecuária, bem como de apoio à realização da 3ª Conferência Nacional em Ciência Tecnologia e Inovação e de atividades de disseminação de informações para a sociedade brasileira. Atualmente, além de prestar apoio ao Ministério da Ciência e Tecnologia na formulação de políticas, o CGEE vem sendo chamado constantemente para, com sua expertise, contribuir para os trabalhos do Conselho Nacional de Ciência e Tecnologia (CCT) e do Núcleo de Assuntos Estratégicos (NAE), órgãos de assessoramento superior da Presidência da República, e dos Ministérios de Planejamento, de Desenvolvimento, Indústria e Comércio, e de Turismo.
129
Cf. CENTRO DE GESTÃO E ESTUDOS ESTRATÉGICOS. Relatório de 5 anos 2001-2006. disponível em: <http://www.cgee.org.br/arquivos/5anos.pdf>, último acesso em: 15 maio 2007.
187
III. 4. 5. Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá Pelo Decreto n. 3.605, de 20 de setembro de 2000, o Instituto de Desenvolvimento Sustentável Mamirauá foi qualificado como organização social para “colaborar com a implementação do Programa Expansão e Consolidação do Conhecimento Científico e Tecnológico, mediante celebração de contrato de gestão a ser firmado com o Ministério da Ciência e Tecnologia”. O
“Modelo
Mamirauá”
é
definido
pelo
estabelecimento
e
implementação de reservas de desenvolvimento sustentável, onde o manejo se baseia em pesquisa científica, sólida e contínua para o zoneamento da área e para a normatização do uso dos recursos naturais locais, com a intensa participação da população local no uso desses recursos e na gestão da área protegida. O Modelo Mamirauá apresenta-se como alternativa ao modelo oficial tradicional que, usualmente, estabelece unidades de conservação em áreas remotas e a despeito dos moradores tradicionais das áreas em questão, tanto no que se refere ao aspecto fundiário quanto ao aspecto cultural e socioeconômico. Além disso, a impossibilidade do Poder Público de prover adequada proteção e vigilância para a maior parte das unidades de conservação é revertida na reservas de desenvolvimento sustentável através da participação popular, inclusive quanto à gestão da unidade. Este novo conceito de uso do espaço para conservação da biodiversidade utiliza-se de unidade de conservação de uso sustentável, que não pretende substituir as formas de unidade de conservação de preservação total e permanente, mas servir como seu complemento. A questão da presença humana na reservas de desenvolvimento sustentável é vista como uma maneira viável de proteção real da biodiversidade e não como uma ameaça. Apesar disso, o objetivo primeiro das reservas é a conservação da biodiversidade, e não o desenvolvimento social das populações locais. Este desenvolvimento ocorre como uma
188
conseqüência da atuação intensa na área e é, também, um incentivo para o envolvimento da população nas ações de manejo, preservação e conservação. Esse é, em apertada síntese, o trabalho desenvolvido pelas cinco entidades sem fins lucrativos, qualificadas como organizações sociais, no âmbito do Ministério da Ciência e Tecnologia. O intuito das amici curiae, com essa breve descrição, foi o de permear empiricamente os contornos legais que estão sendo discutidos por meio desta Ação Direta de Inconstitucionalidade. Pretendeu-se, sobretudo, demonstrar um quadro da produção de ciência e tecnologia no Brasil em constante e sustentada evolução. E, para que isso fosse — e continue — sendo possível, é imprescindível o auxílio das ferramentas inclusivas de participação na gestão de serviços públicos proporcionadas pela Lei n. 9.637/98. Dessa forma, na hipótese de esse diploma legal vir a ser declarado inconstitucional pelo egrégio Supremo Tribunal Federal, as conseqüências negativas dessa decisão seriam sentidas por toda a área da ciência e tecnologia — não apenas em nosso país, mas internacionalmente. É justamente a fim de evitar a realização desse triste cenário que as manifestantes optaram por intervir na presente ADI, levando ao conhecimento da Corte uma realidade que não pode, com a devida vênia, ser desprezada quando do julgamento da presente ADI.
IV. DAS CONCLUSÕES E PEDIDOS
Diante de todo o exposto na presente manifestação, restou amplamente demonstrado que:
189
b) a SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA e a ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS são entidades sem fins lucrativos com atuação histórica marcante no processo de desenvolvimento da área de ciência e tecnologia e, sobretudo, da cidadania no Brasil. Isso, aliado à isenção que possuem por não serem qualificadas como organizações sociais, torna evidente a sua legitimidade para figurarem como amici curiae na presente Ação Direta de Inconstitucionalidade, estando aptas a dar uma significativa contribuição ao desfecho deste feito, principalmente com elementos fáticos referentes à aplicação da Lei n. 9.637/98 na área da ciência e tecnologia; c) no campo dos serviços públicos não-exclusivos (como o são todos aqueles indicados no artigo 1º da Lei), o Estado tem o dever constitucional de fomentar a participação de entes privados — preferencialmente organizações sem fins lucrativos— na realização de tais atividades. Isso é tanto mais evidente na área da ciência e tecnologia, na qual o Estado deve atuar fundamentalmente (mas não exclusivamente) como um agente fomentador, conforme deixam claro os artigos 218 e 219 da Constituição Federal; d) a Lei n. 9.637/98 não fez nada mais do que disponibilizar um adicional — e mais participativo, transparente e eficiente — instrumento para que o Estado possa cumprir o seu dever constitucional de estimular a participação da sociedade civil em serviços públicos nãoexclusivos; e) as organizações
sem fins lucrativos
(associações e fundações), qualificadas
como
organizações sociais, não integram a Administração Pública indireta, mantendo intacta a sua natureza jurídica de direito privado; f)
é perfeitamente constitucional a dispensa de licitação para a celebração de contratos de gestão entre o Estado e organizações sociais, posto que (1) a natureza jurídica desses instrumentos, embora específica, aproxima-se à dos convênios, para os quais não incide a regra do artigo 37, XXI, da Constituição Federal; (2) a própria Constituição admite que, por intermédio de lei, sejam feitas exceções ao primado da licitação pública; e (3) o emprego de procedimento licitatório
190
acabaria por frustrar, in casu, o interesse público, eis que limitaria as possibilidades de colaboração à disposição da Administração Pública; g) as organizações sociais não estão sujeitas à regra da licitação nas contratações por elas próprias realizadas, uma vez que (1) não integram o corpo da Administração Pública; (2) desempenham suas atividades sob regime jurídico de direito privado; (3) a contratualização de metas e resultados implica num maior controle por parte da organização em relação aos meios para a consecução daqueles objetivos; e (4) o procedimento licitatório é evidentemente incompatível com as especificidades das contratações feitas por organizações sociais da área de ciência e tecnologia, as quais envolvem serviços, equipamentos e produtos altamente sensíveis e sofisticados; h) não há qualquer óbice constitucional à previsão, em contratos de gestão, do repasse de recursos públicos, da cessão de bens ou de servidores públicos a organizações sem fins lucrativos. Ademais, quanto a isso, a Lei n. 9.637/98 não trouxe qualquer inovação legislativa, já que essas possibilidades estão previstas, há muito, no ordenamento jurídico brasileiro, e são tradicionalmente utilizadas pela Administração Pública; i)
parcerias na área de ciência e tecnologia são fundamentais para impulsionar a produção de conhecimento e a sua incorporação pelo setor produtivo, gerando inovações tecnológicas. Sem isso, não há como imaginar a inserção do Brasil na atual economia globalizada;
j)
a Lei n. 9.637/98 possibilitou justamente a criação de um adicional e privilegiado espaço institucional para a articulação de todos os atores envolvidos no processo de desenvolvimento tecnológico e científico: as organizações sociais;
k) a experiência trazida pelos quase dez anos de vigência da Lei n. 9.637/98 aponta para o sucesso do modelo proposto, ao menos na área de ciência e tecnologia, causando impacto, positiva e significativamente, na produção nacional de conhecimento científico e de inovações
191
tecnológicas, no intercâmbio do conhecimento com outros Estados nacionais, e no reconhecimento internacional do Brasil como pólo produtor de ciência e tecnologia. Desse modo, a SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA e a ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS dirigem-se, respeitosamente, a esse egrégio Supremo Tribunal Federal para requerer que: a) seja admitida a presente manifestação das associações na qualidade de amici curiae na ADI n. 1.923, ao esteio do disposto no artigo 7º, § 2º, da Lei n. 9.868/99, inclusive para fins de fazer sustentação oral no julgamento do mérito desta ADI, conforme disposto no artigo 131, §1º, do Regimento Interno do STF; b) seja juntado o parecer anexo, de lavra do professor ANDRÉ RAMOS TAVARES, professor visitante da Cardozo School of Law - New York, professor convidado da Universidade de Santiago de Compostela e professor dos programas de doutorado e mestrado em direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP); c) seja julgada integralmente improcedente a ADI n. 1.923, proposta pelo Partido dos Trabalhadores (PT) e pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT); d) subsidiariamente, na remota hipótese de o requerimento constante do item “b” acima não vir a ser acolhido pela Corte, seja reconhecida a constitucionalidade da Lei n. 9.637/98 e do artigo 24, XXIV, da Lei n. 8.666, com a redação que lhe foi conferida pela Lei n. 9.648/98, ao menos no que se refere a atividades das áreas de pesquisa científica e desenvolvimento tecnológico Nesses termos, pede-se deferimento. De São Paulo para Brasília, ... de junho de 20...
192
Belisário dos Santos Jr.
Rubens Naves
OAB/SP 24.726
OAB/SP 19.379
Juliana Vieira dos Santos
Eduardo Pannunzio
OAB/SP 183.122
OAB/SP 162.740
Maurício Jayme e Silva OAB/SP 183.725
Relação de documentos 1. Procuração, Estatuto Social e Ata de Eleição da Diretoria da SOCIEDADE BRASILEIRA PARA O PROGRESSO DA CIÊNCIA. 2. Procuração, Estatuto Social e Ata de Eleição da Diretoria da ACADEMIA BRASILEIRA DE CIÊNCIAS. 3. Relatório contendo os resultados de pesquisa sobre organizações sociais no Brasil.
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___________________________________________________________
Carlos Inácio Prates Oscips – Oportunidades e Ameaças Oscip e o Fornecimento de Mão-de-Obra Terceirizada: Questão Polêmica
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Oscips – Oportunidades e Ameaças Slide 1
___________________________________ OSCIPS: Oportunidades e ameaças Carlos Inácio Prates •Advogado da União •Assistente da Ouvidoria-Geral da Cidadania da Secretaria Especial de Direitos Humanos da Presidência da República •Ex-Assessor Jurídico da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça em exercício no Departamento de Justiça, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça
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___________________________________ Lei 9.790 de 23 de Março de 1999 (Lei de OSCIPs)
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Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, e institui e disciplina o Termo de Parceria
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___________________________________ 1º PROBLEMA
___________________________________ OSCIPS PODEM DESENVOLVER ATIVIDADE ECONÔMICA?
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Art. 3º A qualificação instituída por esta Lei (...) somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades (...)
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___________________________________ “pelo menos uma” IMPLICA: A - QUE BASTARIA A PRESENÇA DE UMA DAQUELAS FINALIDADES NO ESTATUTO, ENTRE OUTRAS, AS MAIS DIVERSAS? OU
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B - QUE, NO MÍNIMO, PODERIA SER UMA DAQUELAS, MAS NÃO OUTRAS?
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___________________________________ Departamento de Justiça Títulos e Qualificação - SNJ/MJ
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1º MOMENTO: BASTA A PRESENÇA DE UMA DAS FINALIDADES PARA RECEBER A QUALIFICAÇÃO COMO OSCIP CONSEQUÊNCIA: OSCIPS COM ESTATUTOS CONTENDO FINALIDADES DE INTERESSE PÚBLICO, PREVISTAS NA LEI, EM CONJUNTO COM OUTRAS FINALIDADES DE CARÁTER PRIVADO
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___________________________________ EFEITOS • OSCIPs DEIXAM DE DESENVOLVER ATIVIDADES COM FINALIDADES PÚBLICAS E PASSAM A SE DEDICAR A ATIVIDADES ECONÔMICAS, MAS SEM FINS LUCRATIVOS. EX: PARTICIPAÇÃO EM LICITAÇÕES PÚBLICAS PARA FORNECIMENTO DE BENS OU SERVIÇOS, EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES COM EMPRESAS, UTILIZANDO PRERROGATIVAS DE FAVORECIMENTO FISCAL
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___________________________________ Posição da Procuradoria Geral Especializada da Procuradoria Federal do Departamento de Obras Contra Secas (Parecer 109/PGF/PF/DNOCS/CJU/DVT/2006)
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A entidade vencedora de licitação para fornecimento de mão-de-obra terceirizada: • realiza atividade incompatível à condição de OSCIP. • OSCIPs somente podem desenvolver atividades de interesse social, em especial as arroladas no art. 3º da lei, e não outras com intuitos econômicoscomerciais. • OSCIPs não podem se valer de sua condição de que decorrem imunidades para atividade estranha a esse tipo de sociedade civil, uma vez que a atividade contratada é própria de e mpresas comerciais que se dedicam à atividade econômica, com fins de lucro; • é ilícito o contrato firmado.
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___________________________________ Posição do Prof. MARÇAL JUSTEN FILHO (Prof. UFPR) em comentário ao art. 28 da Lei 8.666/93: “No tocante à sociedade, quanto a atividade objeto de contratação caracterizar exercício de comércio, somente poderão ser admitidas sociedades comerciais. Assim uma sociedade civil não deteria direito de licitar quando a execução do contrato caracterizasse exercício da mercancia. Isso porque a sociedade civil, ao dedicar-se a mercancia, estaria atuando irregularmente (...) uma sociedade civil não pode exercer atividades mercantis e vice-versa. O motivo é que, ao dedicar-se a atividades de outra natureza, estará sujeita a regime jurídico diverso, inclusive no tocante à formalização de sua inscrição. Uma associação (sociedade civil sem fins lucrativos) não pode dedicar-se a atividade especulativa”.
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___________________________________ Posição da Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará (Parecer n° 601/2006): • qualificação como OSCIP tem em vista o objetivo definido de “celebrar, com poderes e órgãos públicos, termos de parceria para a execução de planos, programas, projetos e atividades de utilidade e interesse público”. • os termos de parceria que venham a ser subscritos por qualquer OSCIP, deveriam se limitar às atividades sociais previstas taxativamente nos incisos do artigo 3º da Lei 9.790, de 1999. • não encontra amparo legal para a inserção no estat uto de OSCIP de cláusulas que estabelecem a possibilidade de terceirização de mão-de-obra para órgãos públicos, mesmo que as titulando como atividades complementares para a obtenção de recursos para o auto-sustento da entidade.
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___________________________________ Parecer n° 601/2006 TCE-CE (cont) • não há autorização legal para que OSCIP exerça atividades desvinculadas das previstas no artigo 3º da Lei 9.790, de 1999, mesmo que tenha a finalidade de obtenção de recursos para a sua subsistência.
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• permitir que OSCIP preste serviços de terceirização de mão-de-obra é contribuir para a burla ao inciso I do artigo 2º da Lei 9.790, de 1999, segundo o qual não são passíveis de qualificação como OSCIPs as sociedades comerciais. • o objeto social de uma OSCIP é a colaboração com o Poder Público, através de termo de parceria que ap roxima-se de um convênio, já que as partes devem ter interesses comuns e visar à mútua cooperação. Assim, a relação jurídica que venha a ser firmada entre Poder Público e OSCIP não pode jamais caracterizar um contrato. Em outros termos, não poderia uma OSCIP fornecer serviço que deveria ser adquirido mediante contrato.
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___________________________________ Conselho Federal de Contabilidade : MANUAL DE PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS PARA FUNDAÇÕES E ENTIDADES DE INTERESSE SOCIAL “O novo Código civil apresentou algumas modificações no seu texto sobre as organizações da sociedade civil, inserindo a expressão ‘de fins não econômicos’, o que forçaria interpretações não-favoráveis ao perfil institucional das organizações sociais, em um momento em que se concentram esforços para a busca definitiva da autosustentabilidade por meio da promoção de atividades de cunho essencialmente econômico: ‘prestação de serviços profissionais, fabricação e venda de artesanatos e de outros produtos’
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___________________________________ Para JOSÉ EDUARDO SABO PAES. “FUNDAÇÕES E ENTIDADES DE INTERESSE SOCIAL” 5ª ed, Brasília Jurídica, 2004
• UMA ASSOCIAÇÃO, DESDE QUE NÃO PROPORCIONE GANHOS AOS ASSOCIADOS, NÃO SE DESNATURALIZA, MESMO QUE REALIZE NEGÓCIOS PARA MANTER OU AUMENTAR SEU PATRIMÔNIO.
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___________________________________ SABO PAES (CONT.)
•MESMO QUE UMA SOCIEDADE CIVIL VENHA A PRATICAR, EVENTUALMENTE, ATOS DE COMÉRCIO, TAL FATO NÃO A DESNATURA, POIS O QUE IMPORTA PARA IDENTIFICAÇÃO DA NATUREZA DA SOCIEDADE É A ATIVIDADE PRINCIPAL POR ELA EXERCIDA (RT 462/81)
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___________________________________ SABO PAES (CONT.)
• NÃO HÁ DISPOSITIVO LEGAL QUE VEDE O EXERCÍCIO DE ATIVIDADES COMERCIAIS E INDUSTRIAIS; APENAS HÁ A COLOCAÇÃO DE QUE ESTAS ENTIDADES NÃO PODEM TER FINS LUCRATIVOS, O QUE NÃO IMPEDE A EXISTÊNCIA DE SUPERÁVIT EM SEU RESULTADO FINANCEIRO
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___________________________________ SABO PAES (CONT.)
•É POSSÍVEL A REALIZAÇÃO DE ATIVIDADES ECONÔMICAS POR PARTE DAS FUNDAÇÕES QUANDO ELAS SEJAM NECESSÁRIAS PARA O MELHOR CUMPRIMENTO DOS SEUS FINS ESTATUTÁRIOS E ESTEJAM A ELES (FINS) DIRETAMENTE LIGADAS
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___________________________________ SABO PAES (CONT.)
• O IMPORTANTE, NO CASO, É SABER E IDENTIFICAR SE O EXERCÍCIO DE UMA ATIVIDADE EMPRESARIAL PELA FUNDAÇÃO DESNATURA SUA ESSÊNCIA E SE CHOCA COM O SEU CARÁTER ALTRUÍSTA
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___________________________________ TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO (Acórdão nº 1021/2007 – TCU – PLENÁRIO)
___________________________________
RECONHECE A PARTICIPAÇÃO DE OSCIPS EM LICITAÇÕES PÚBLICAS DESDE QUE : • O ESTATUTO TENHA OBJETIVO SOCIAL* QUE ATENDA AO OBJETO DO CERTAME
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• NA LICITAÇÃO A ENTIDADE PARTICIPE EM IGUALDADE DE CONDIÇÕES COM OUTROS POSSÍVEIS INTERESSADOS
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___________________________________ Lei 9.790 de 1999 (OSCIPS) Art. 3º (...) Parágrafo único: Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta* de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.
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___________________________________ DECRETO Nº 2.271, DE 7 DE JULHO DE 1997.
Dispõe sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional e dá outras providências
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___________________________________ Art . 1º No âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou compleme ntares aos assuntos que constitue m área de competência legal do órgão ou entidade. § 1º As atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeiragem, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipamentos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta. § 2º Não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal.
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___________________________________ Departamento de Justiça Títulos e Qualificação SNJ/MJ 2º MOMENTO: Distinção entre atividades e finalidades das entidades, baseado na doutrina sobre Fundações de JOSÉ EDUARDO SABO PAES: • AS ATIVIDADES DA FUNDAÇÃO DEVEM ATER-SE APENAS À CONSECUÇÃO DOS FINS ESPECIFICADOS NA ESCRITURA E NO ESTATUTO E PODEM INCLUSIVE SER ENUMERADAS, LOGO APÓS AS FINALIDADES, NO CORPO DO ESTATUTO, SENDO AS ATIVIDADES PASSÍVEIS DE SEREM ALTERADAS, COMO FORMA OU MEIOS DE CONSECUÇÃO DAS FINALIDADES, ENQUANTO ESTAS ÚLTIMAS NÃO ESTÃO SUJEITAS A ALTERAÇÃO
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___________________________________ POSIÇÃO ATUAL DEJUS/SNJ/MJ • ENTIDADES PODEM
DESENVOLVER ATIVIDADES ECONÔMICAS, MAS SOMENTE FINALIDADES PÚBLICAS
• AS ATIVIDADES SÃO MEIOS PARA SE ALCANÇAR AS FINALIDADES •AS FINALIDADES PÚBLICAS NÃO SÃO APENAS AQUELAS DEFINIDAS NA LEI 9.790 DE 1999, PODEM HAVER OUTRAS
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___________________________________ CRÍTICA POSIÇÃO DEJUS/SNJ/MJ: CRITÉRIO SUBJETIVO PARA DESIGNAR A FINALIDADE PÚBLICA EXTRALEGIS SABO PAES X DEJUS/SNJ/MJ •As finalidades de uma fundação são verdadeiras cláusulas pétreas e decorre do princípio da especialidade dos fins •Os estatutos de uma fundação não podem ser alterados, contrariando ou desvirtuando os fins da entidade •A alteração que visa modificar a finalidade fundacional – incluindo novas, excluindo, redefinindo ou explicitando finalidades fixadas pelo instituidor, importa na criação de uma nova entidade, uma nova fundação, diversa daquela idealizada pela vontade do instituidor
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___________________________________ SABO PAES X DEJUS/SNJ/MJ • Fundação em nosso ordenamento jurídico é uma instituição de fins determinados pelo instituidor, especificados em escritura pública ou testamento • O legislador instituiu os fins para OSCIPs - através do art. 3º, caput, da Lei nº 9.790, de 1999 - do mesmo modo que o instituidor de uma fundação faz numa escritura ou num testamento
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• As Fundações procuram beneficiar a coletividade por meio de finalidades eminentemente sociais assim como as OSCIPs
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___________________________________ SABO PAES X DEJUS/SNJ/MJ •Os fins ditados pelo instituidor não podem ser desvirtuados e entregues ao arbítrio dos administradores, sob pena de caracterizar o denominado desvio de finalidade • Devido as semelhanças, pois as finalidades das OSCIPS foram instituídas pelo legislador de modo comparável ao que o instituidor faz ao estabelecer as finalidades de uma fundação, então é possível aplicar-se analogia: às OSCIPS deveriam receber tratamento semelhante a que a lei deu às fundações • Logo, as finalidades dos objetivos sociais que a Lei nº 9.790, de 1999, instituiu não podem ser acrescidas, sob pena de desvirtuar a intenção da qualificação
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___________________________________ 2º PROBLEMA
LEI 9.790 DE 1999, DE OSCIPS, É NORMA FEDERAL OU NACIONAL?
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___________________________________ TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE SÃO PAULO – TCE/SP TC-2149/006/02
É possível a contratação de Organizações Sociais da Sociedade Civil de Interesse Público para a operacionalização do Programa de Saúde da Família e do Programa Agentes Comunitários de Saúde, desde que precedidas de Lei municipal dispondo sobre a matéria
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___________________________________ TRIBUNAL DE CONTAS DO ESTADO DE PERNAMBUCO – TCE/PE TC nº 0301499-0
A Lei Federal nº 9.790/99, por sua ementa, muito embora pareça dispor sobre normas gerais, é de aplicação restrita à União, pois versa sobre matéria de Direito Administrativo, que 'tem por objetivo os órgãos, agentes e pessoas jurídicas administrativas que integram a Administração Pública, a atividade jurídica não contenciosa que exerce e os bens de que se utiliza para a consecução de seus fins, de natureza pública'
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___________________________________ TRIBUNAL DE CONTAS DO DISTRITO FEDERAL Processo: nº 3.297/2004
É imprescindível a edição de legislação distrital para disciplinar a qualificação das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, matéria de organização administrativa, portanto expressão da autonomia do ente distrital
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___________________________________ •LEI 9.790 DE 1999 TRATA SOBRE FORMA DE CONTRATAÇÃO COM A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA, POIS INSTITUIU O TERMO DE PARCERIA Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público* destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.
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___________________________________ LEI 9.790 DE 1999 •Art. 3º A qualificação instituída por esta Lei (...) somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades: (...) Art. 4º Atendido o disposto no art. 3º, exige-se ainda, para qualificarem-se como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que as pessoas jurídicas interessadas sejam regidas por estatutos cujas normas expressamente disponham sobre: (...)
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___________________________________ • LOGO, NÃO É CLARA A DISTINÇÃO EM TORNO DO OBJETO DAS NORMAS DA LEI: SE TRATAM DE ORGANIAÇÃO ADMINSITRATIVA OU DE CONTRATAÇÃO • SE TRATAM DE CONTRATAÇÃO ESTADOS/MUNICÍPIOS TEM COMPETÊNCIA SUPLEMENTAR NOS ASSUNTOS QUE LHES SÃO ESPECÍFICOS
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• NÃO HAVENDO NORMA SUPLEMENTAR, A NORMA GERAL ESTARIA APTA A PERMITIR A CELEBRAÇÃO DO TERMO DE PARCERIA
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___________________________________ CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1988
Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (...) XXVII - normas gerais de licitação e contratação, em todas as modalidades, para as administrações públicas diretas, autárquicas e fundacionais da União, Estados, Distrito Federal e Municípios
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___________________________________ Art. 24. Compete à União, aos Estados e ao Distrito Federal legislar concorrentemente sobre: § 1º - No âmbito da legislação concorrente, a competência da União limitar-se-á a estabelecer normas gerais. § 2º - A competência da União para legislar sobre normas gerais não exclui a competência suplementar dos Estados.
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___________________________________ § 3º - Inexistindo lei federal sobre normas gerais, os Estados exercerão a competência legislativa plena, para atender a suas peculiaridades.
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§ 4º - A superveniência de lei federal sobre normas gerais suspende a eficácia da lei estadual, no que lhe for contrário.
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___________________________________ ARTIGOS DA LEI ESPECIFICOS RELATIVOS A ESFERA FEDERAL DE GOVERNO (ORGANIZAÇÃO ADMINSITRATIVA): Art. 4º (...) IV - a previsão de que, em caso de dissolução da entidade, o respectivo patrimônio líquido será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social da extinta; V - a previsão de que, na hipótese de a pessoa jurídica perder a qualificação instituída por esta Lei, o respectivo acervo patrimonial disponível, adquirido com recursos públicos durante o período em que perdurou aquela qualificação, será transferido a outra pessoa jurídica qualificada nos termos desta Lei, preferencialmente que tenha o mesmo objeto social;
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___________________________________ d) a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pelas Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público será feita conforme determina o parágrafo único do art. 70 da Constituição Federal. Art. 5º Cumpridos os requisitos dos arts. 3o e 4o desta Lei, a pessoa jurídica de direito privado sem fins lucrativos, interessada em obter a qualificação instituída por esta Lei, deverá formular requerimento escrito ao Ministério da Justiça, instruído com cópias autenticadas dos seguintes documentos:
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___________________________________ Art. 6º Recebido o requerimento previsto no artigo anterior, o Ministério da Justiça decidirá, no prazo de trinta dias, deferindo ou não o pedido. § 1º No caso de deferimento, o Ministério da Justiça emitirá, no prazo de quinze dias da decisão, certificado de qualificação da requerente como Organização da Sociedade Civil de Interesse Público.
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§ 2º Indeferido o pedido, o Ministério da Justiça, no prazo do § 1o, dará ciência da decisão, mediante publicação no Diário Oficial.
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___________________________________ Art. 13. Sem prejuízo da medida a que se refere o art. 12 desta Lei, havendo indícios fundados de malversação de bens ou recursos de origem pública, os responsáveis pela fiscalização representarão ao Ministério Público, à Advocacia-Geral da União, para que requeiram ao juízo competente a decretação da indisponibilidade dos bens da entidade e o seqüestro dos bens dos seus dirigentes, bem como de agente público ou terceiro, que possam ter enriquecido ilicitamente ou causado dano ao patrimônio público, além de outras medidas consubstanciadas na Lei no 8.429, de 2 de junho de 1992, e na Lei Complementar nº 64, de 18 de maio de 1990.
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___________________________________ Art. 17. O Ministério da Justiça permitirá, mediante requerimento dos interessados, livre acesso público a todas as informações pertinentes às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público.
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Art. 18 (...) § 1º Findo o prazo de dois anos, a pessoa jurídica interessada em manter a qualificação prevista nesta Lei deverá por ela optar, fato que implicará a renúncia automática de suas qualificações anteriores
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§ 2º Caso não seja feita a opção prevista no parágrafo anterior, a pessoa jurídica perderá automaticamente a qualificação obtida nos termos desta Lei.
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___________________________________ OBRIGADO E-MAIL
___________________________________
carlos.prates@mj.gov.br (61) 3429.3116 COESO/DEJUS/SNJ/MJ
___________________________________
(61) 3429.3573
oscip@mj.gov.br
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OSCIP E O FORNECIMENTO DE MÃO-DE-OBRA TERCEIRIZADA: QUESTÃO POLÊMICA146. Carlos Inácio Prates 147
146
Artigo publicado na Revista do Curso de Direito - Faculdade Projeção/DF - Ano 2 - Número 2 (jan./jul. 2007) Brasília: Fortium, 2007. Foram acrescentadas nesta versão as notas 39, 40 e 45.
147
Advogado da União, ex-integrante da Consultoria Jurídica do Ministério da Justiça em exercício no Departamento de Justiça, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça; assistente da Ouvidoria-Geral da Cidadania da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República; professor na Faculdade de Direito Projeção, câmpus Taguatinga/DF; publicou o artigo “O sistema de proteção das denominações das pessoas jurídicas não mercantis” na Revista Debates em Direito Público (Ano IV – n. 4 – out. 2005), e-mail: carlos.prates@projecao.br
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RESUMO Através da abordagem de casos concretos o autor trabalha temas de interesse das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, como a promoção de atividades econômicas para sua autosustentabilidade, em especial a de terceirização de mão-de-obra para órgãos públicos, e a possibilidade de acrescer outras finalidades no estatuto social, além daquelas que foram estabelecidas pela Lei 9.790, de 23 de janeiro de 1999.
PALAVRAS-CHAVES Terceiro Setor, Oscips, atividades, finalidades, terceirização de serviços.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO – 2. NATUREZA JURÍDICA DA OSCIP E O TERCEIRO SETOR – 3. ATIVIDADES ECONÔMICAS E FINALIDADES SOCIAIS – 4. FINALIDADES DA OSCIP: TAXATIVAS OU EXEMPLIFICATIVAS? - 5. CONCLUSÕES – 6. BIBLIOGRAFIA.
1. INTRODUÇÃO Este artigo pretende trazer o debate e alguns esclarecimentos sobre questões interessantes envolvendo o marco regulatório das Oscips - sigla abreviatura de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, estabelecida pela Lei 9.790, de 1999, que é saber se as finalidades sociais que a lei estabeleceu para essas entidades são taxativas (numerus clausus) ou exemplificativas (numerus apertus), e se elas podem fornecer mão-de-obra terceirizada para órgãos públicos.
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Esse tema é de suma importância quando se tem notícia 148 que certas Oscips tem participado de licitação pública, em vários órgãos públicos, para realizar contratos com o poder público, para a prestação de serviços de natureza comercial, de intermediação no fornecimento de mão-de-obra para terceirização de serviços, em paralelo às finalidades de interesse público mencionadas no artigo 3º, caput, daquela lei; e ao mesmo tempo, utilizarem das prerrogativas de imunidade, concedidas constitucionalmente, em relação a pagamento de certos tributos, para formarem preços mais baixos e, portanto, mais competitivos, que as tornam vencedoras nos certames.
2. NATUREZA JURÌDICA DA OSCIP E O TERCEIRO SETOR Oscip é uma sigla abreviatura de Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, que foi instituída pela Lei n. 9.790 de 23 de março de 1999 149, pela primeira vez 150, referindo-se a uma 151 qualificação federal, concedida pelo Ministério da Justiça , às pessoas jurídicas de direito privado, 152 sem fins lucrativos , desde que os respectivos objetivos sociais e normas estatutárias atendam
148
Conforme processos 08001.008314/2006-56, envolvendo o DNOCS; 08071.001508/2006-11, envolvendo o TCE-CE; e 08071.004998/2007-74, envolvendo a EBCT, segundo informações do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação da Secretaria Nacional de Justiça do Ministério da Justiça – órgão responsável pela instrução dos procedimentos envolvendo a qualificação de OSCIP (inciso V do art. 10 do anexo I do Decreto 6.061 de 2007).
149
Segundo PAES, José Eduardo Sabo. “FUNDAÇÕES E ENTIDADES DE INTERESSE SOCIAL. 2ª ed, Brasília Jurídica, 2000, p. 81, esta lei estabeleceu de forma pioneira um novo disciplinamento jurídico às pessoas jurídicas que compõe o denominado Terceiro Setor.
150
Atualmente a qualificação de OSCIP é também utilizada pelo Município de São Paulo, através do Decreto nº 49.979, de 6 de fevereiro de 2006; pelo Estado de Pernambuco, através Lei 11.743, de 11 de janeiro de 2000; e pelo Estado de Minas Gerais, através da Lei 14.870, de 2003;
151
Segundo art. 5º da Lei 9.790/99.
152
Conforme art. 1º, caput, e § 1º da Lei 9.790/99. “§ 1o Para os efeitos desta Lei, considera-se sem fins lucrativos a pessoa jurídica de direito privado que não distribui, entre os seus sócios ou associados, conselheiros, diretores, empregados ou doadores, eventuais excedentes operacionais, brutos ou líquidos, dividendos, bonificações, participações ou parcelas do seu patrimônio, auferidos mediante o exercício de suas atividades, e que os aplica integralmente na consecução do respectivo objeto social”.
218
aos requisitos instituídos por aquela lei - que também estabeleceu regras pertinentes a elaboração de termos de parceria
153
e ao controle de sua execução.
Para se saber quais são as pessoas jurídicas de direito privado que podem ser qualificadas como uma Oscip, deve-se primeiro consultar o artigo 2º da Lei 9.790, de 1999, que segundo SABO PAES154, estabeleceu um critério negativo ou uma classificação negativa de instituições 155 que não podem ser qualificadas como de interesse público. Entre elas, estão incluídos os sindicatos, as associações de classe ou de representação de categoria profissional; as instituições religiosas ou voltadas para a disseminação de credos, cultos, práticas e visões devocionais e confessionais); as organizações partidárias e assemelhadas, inclusive suas fundações, as fundações públicas; as fundações, sociedades civis ou associações de direito privado criadas por órgão público ou por fundações públicas. Deste modo, em razão do estabelecido no art. 2º da Lei de Oscip, ao excluir as sociedades, as organizações religiosas, e os partidos políticos, do rol do art. 44 do Código Civil - que estabeleceu qual são as pessoas jurídicas de direito privado -, as que restam com condições de serem qualificadas como Oscip são as associações e as fundações, desde que não criadas por entes públicos ou então, por partidos políticos. As sociedades comerciais, apesar de também terem sido mencionadas como impossibilitadas de receberem a qualificação, pelo artigo 2º da Lei do Oscips (inciso I), já estavam impedidas, por apresentarem finalidades lucrativas, isto é, não se enquadrarem na exigência do artigo 1º, caput, da Lei 9.790, de 1999, que não aceita este atributo.
153
Lei 9.790/99: “Art. 9º Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3º desta Lei.”
154
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, Brasília Jurídica, 2004, p. 83.
155
Ibidem. p. 83. Para SABO PAES a relação do art. 2º é numerus clausus, ou seja, fechada, porque não comporta a inclusão de mais nenhuma entidade.
219
Neste rumo de idéias, SABO PAES156, ao discorrer sobre associações e fundações, confirma que elas são formas jurídicas de direito privado em que poderão revestir-se as atividades realizadas por pessoas destinadas a organizarem-se coletivamente para consecução de fins não lucrativos e de interesse social. Para ele apesar de no ordenamento jurídico brasileiro não haver 157 158 uma definição exata em lei do que seja o Terceiro Setor , ele é composto pelas finalidades das
ações das organizações que o compõe, onde as relações são orientadas pelos laços de solidariedade entre os indivíduos, o espírito de voluntariado e o consenso na busca do bem 159 comum . São entidades que se dedicam à consecução de objetivos sociais ou públicos, cuja 160
finalidade é o atendimento de alguma necessidade social ou defesa de direitos sociais .
156
Ibidem. p. 42.
157
Ibidem. 2ª ed, Brasília Jurídica, 2000, p. 81. Segundo o autor, até recentemente, a ordem sociopolítica compreendia apenas dois setores, o público e o privado, tradicionalmente bem distintos um do outro. De um lado ficava o Estado, a Administração Pública, a sociedade; do outro o Mercado, a iniciativa particular e os indivíduos. Ao lado dos dois setores clássicos surgiu e começou a se firmar outro, cada vez mais conhecido como Terceiro Setor, em que situam organizações privadas com adjetivos públicos, ocupando pelo menos, em tese, uma posição intermediária que lhes permite prestar serviços de interesse social sem as limitações do Estado, nem sempre evitáveis, e as ambições do Mercado, muitas vezes inaceitável. Então, junto do Estado (Primeiro Setor) e com o Mercado (Segundo Setor) identificase a existência de um Terceiro Setor, mobilizador de um grande volume de recursos humanos e materiais, a impulsionar iniciativas voltadas para o desenvolvimento social, setor no qual se inserem as associações civis e as fundações de direito privado, todas entidades de interesse social. Portanto, o Terceiro Setor é aquele que não é público nem privado, no sentido convencional desses termos, porém guarda uma relação simbiótica com ambos, na medida em que ele deriva sua própria identidade da conjugação de uma metodologia deste com as finalidades daquele. Ou seja, o Terceiro Setor é composto por organizações de natureza ‘privada’ (sem objetivo de lucro) dedicadas à consecução de objetivos sociais ou públicos, embora não seja integrantes do governo (Administração Estatal).
158
Ibidem. 5ª ed, 2004, p.365. SABO PAES alerta que o fator determinante da natureza jurídica das entidades são seus atos constitutivos e não suas finalidades. Também informa que nos países anglo-saxões a legislação - resultado de séculos de experiência social e jurídica - divide em duas categorias as organizações do Terceiro Setor, tendo como parâmetro as suas finalidades: a) a primeira, formada pelas organizações de interesse (ou caráter) público, voltadas para a defesa do interesse mais amplo da sociedade ou para o desenvolvimento de uma atividade que traz benefícios para a sociedade como um todo, mesmo que, aparentemente, ela se dedique apenas a beneficiar agrupamentos específicos; b) a segunda, integrada pelas organizações de ajuda mútua ou de auto-ajuda -, que são organizações ou agrupamentos que se formam para a defesa de interesses coletivos, mas de um círculo restrito, específico, de pessoas (op. cit. p. 100/101). E é neste rumo de idéias que SABO PAES define uma Associação como a pessoa jurídica de direito privado voltada para à realização de interesses dos seus associados ou de uma finalidade de interesse social (op. cit. p. 48). 159
Ibidem. 5ª ed, 2004, p.98.
160
Ibidem. 5ª ed, 2004, p.99.
220
3. ATIVIDADES ECONÔMICAS E FINALIDADES SOCIAIS Uma vez que as entidades do Terceiro Setor desenvolvem atividades de interesse social 161 que, a princípio, deveriam ser não econômicas , porque estas seriam próprias das sociedades
com finalidades comerciais fundação
163
162
- surge a seguinte pergunta: até que ponto uma associação ou uma
poderia desempenhar atividades de natureza econômica? Ou melhor, essas
164 entidades , desde que fosse sem fins lucrativos, além dos objetivos de interesse social que a
constituem, poderiam possuir outros, com caráter econômico? Para SABO PAES uma associação, desde que não proporcione ganhos aos associados, não se desnaturaliza, mesmo que realize negócios para manter ou aumentar seu patrimônio, (por ex. associação esportiva que vende aos seus membros uniformes, alimentos, bolas, raquetes, embora isso traga superávit para a entidade). Para ele, mesmo que uma sociedade civil venha a
161
Conforme art. 53 do Código Civil: “Constituem-se as associações pela união de pessoas que se organizem para fins não econômicos”. SABO PAES, Ibidem. 5ª ed, 2004, p. 65, equipara a expressão sem fins econômicos com a sem fins lucrativos e menciona na nota 36 que o PL. nº 7.060, de 27.8.02, de autoria do Dep. Ricardo Fiúza, substituía a expressão “fins não econômicos” por “finalidade não lucrativa”. Com isso seria possível às associações a geração de receita, desde que o resultado da operação não fosse apropriado de maneira privada ou individual, mas sim aplicado inteiramente em seus objetivos. Considera a redação atual, ao referir-se a “fins não econômicos” imprópria, pois toda e qualquer associação pode exercer ou participar de atividades econômicas, desde que vedado finalidade lucrativa a essas atividades. Este mesmo entendimento é adotado pelo Conselho Federal de Contabilidade no seu MANUAL DE PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS PARA FUNDAÇÕES E ENTIDADES DE INTERESSE SOCIAL. Brasília: CFC, 2003, p.21.
162 Ibidem. 5ª ed, 2004, p. 45. SABO PAES leciona que as sociedades terão existência “tão somente para contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica e para partilhar entre os sócios os resultados desta atividade”. Divide as sociedades em simples, com finalidade civil, como por exemplo prestação de serviços técnicos ou do exercício de certas profissões (CC arts. 997 a 1.038) e empresariais, com finalidades mercantis (CC arts. 1.039 a 1.092). 163
Conforme Código Civil, art. 62 (...) Parágrafo único. “A fundação somente poderá constituir-se para fins religiosos, morais, culturais ou de assistência.”
164
Maria Helena Diniz apud SABO PAES, op.cit. 5ª ed, 2004, p. 46 define as finalidades de uma Associação em: a) altruística (associação beneficente); b) egoística (associação literária, esportiva ou recreativa); c) econômica não lucrativa (associação de socorro mútuo). Uma das questões desenvolvidas neste trabalho pretende discutir se diante da nova redação do art. 53 do CC - que impõe fins não econômicos para as associações – se seria possível uma OSCIP realizar atividades econômicas, desde que não lucrativas.
221
praticar, eventualmente, atos de comércio, tal fato não a desnatura, pois o que importa para 165 identificação da natureza da sociedade é a atividade principal por ela exercida (RT 462/81) . Diz,
também, ao se referir a fundações de direito privado, que não há dispositivo legal que vede o exercício de atividades comerciais e industriais 166; apenas há a colocação de que estas entidades não podem ter fins lucrativos, o que não impede a existência de superávit em seu resultado financeiro. Assim, é possível a realização de atividades econômicas por parte das fundações – primeiro, quando elas sejam necessárias para o melhor cumprimento dos seus fins estatutários e estejam a eles (fins) diretamente ligadas; segundo, quando a fundação seja acionista ou cotista de uma sociedade comercial. Em ambos as hipóteses, o órgão do Ministério Público, dentro de sua missão de velamento das fundações, já que a possibilidade de uma fundação converter-se em 167 empresa é preocupante, deverá conhecer previamente todas estas situações , no sentido de
cuidar para que elas não exerçam atividades fora do âmbito de suas finalidades, sob pena de total desnaturalização da fundação, pelo desvio de suas finalidades. Segundo o magistério de SABO PAES, o importante, no caso, é saber e identificar se o exercício de uma atividade empresarial pela fundação desnatura sua essência e se choca com o seu caráter altruísta, se sua atuação é legal e ética. Informa que, tradicionalmente, tende-se a negar a possibilidade de que fundações possam intervir na distribuição de bens e serviços de forma empresarial. As receitas deveriam proceder unicamente dos rendimentos de seu patrimônio, de doações e subvenções, e que sua atividade deveria ser limitada a um âmbito meramente de prestação de serviços de caráter gratuito. Já na atualidade, evidencia-se a necessidade de que as fundações devam intervir no mercado, para obtenção de recursos que possibilitem o cumprimento 168 efetivo de seus fins .
165
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 65.
166
DINIZ, Gustavo Saad. DIREITO DAS FUNDAÇÕES PRIVADAS. A TEORIA GERAL E EXERCÍCIO DE ATIVIDADE ECONÔMICA, Ed Síntese, Porto Alegre, 2000 apud PAES, José Eduardo Sabo. op. cit, 5ª ed, 2004, p. 304, nota de rodapé 286. A obra trata da possibilidade do exercício de atividades econômicas pelas fundações privadas.
167
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 304/305 e p. 338/339.
168
Ibidem. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 338
222
Também é nesse sentido a posição do Conselho Federal de Contabilidade que já se manifestou assim: “O novo Código civil apresentou algumas modificações no seu texto sobre as organizações da sociedade civil, inserindo a expressão ‘de fins não econômicos’, o que forçaria interpretações não-favoráveis ao perfil institucional das organizações sociais, em um momento em que se concentram esforços para a busca definitiva da autosustentabilidade por meio da promoção de atividades de cunho essencialmente econômico: ‘prestação de serviços profissionais, fabricação 169 e venda de artesanatos e de outros produtos’” .
Então, pelo exposto, conclui-se que as atividades econômicas podem ser desenvolvidas pelas entidades de interesse social, sem fins lucrativos, desde que estejam ligadas diretamente às suas finalidades, pois fora do âmbito de suas finalidades, ocorreria uma total desnaturalização da entidade.
4.FINALIDADES DA OSCIP: TAXATIVAS OU EXEMPLIFICATIVAS? A questão que surge diante disso é saber se uma OSCIP pode desenvolver atividades de natureza comercial ou econômica, uma vez que o artigo 3º da Lei 9.790, de 1999, estabeleceu as finalidades que uma entidade deveria possuir para receber esta qualificação. A lei disse que somente seria qualificada as pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais promovessem ou executassem pelo menos uma das seguintes finalidades: de assistência social; de cultura, de defesa e conservação do patrimônio histórico e artístico; de educação gratuita; de saúde gratuita; de segurança alimentar e nutricional; de defesa, preservação e conservação do meio ambiente, do desenvolvimento sustentável; de voluntariado; de desenvolvimento econômico e social e combate à pobreza; de experimentação, não lucrativa, de novos modelos sócio-produtivos e de sistemas alternativos de produção, comércio, emprego e
169
Conforme Conselho Federal de Contabilidade. MANUAL DE PROCEDIMENTOS CONTÁBEIS PARA FUNDAÇÕES E ENTIDADES DE INTERESSE SOCIAL. Brasília: CFC, 2003, p.21.
223
crédito; de direitos estabelecidos, de construção de novos direitos, de assessoria jurídica gratuita; da ética, da paz, da cidadania, dos direitos humanos, da democracia, de outros valores universais; de estudos e pesquisas, desenvolvimento de tecnologias alternativas, de produção, e de divulgação de informações e conhecimentos técnicos e científicos que digam respeito às outras finalidades mencionadas. A questão que surge diante da dicção legal que estabeleceu que bastaria possuir uma única finalidade entre as mencionadas acima
170
para que a entidade recebesse a qualificação como
Oscip, é saber se seria permitido a entidade possuir em seu estatuto, objetivos sociais para atender finalidades outras, diferentes daquelas que foram estabelecidas pelo legislador. No caso especifico de fornecimento de mão-de-obra terceirizada para órgãos públicos, tanto a Procuradoria Geral Especializada da Procuradoria Federal do Departamento de Obras Contra Secas como a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará acham que não seria permitido uma Oscip desenvolver atividades além daquelas estabelecidas na Lei 9.790, de 1999. A Procuradoria-Geral Especializada da Procuradoria Federal do Departamento de Obras Contra Secas ao tratar do assunto reconheceu, no Parecer 109/PGF/PF/DNOCS/CJU/DVT/2006, que a entidade vencedora de licitação para fornecimento de mão-de-obra terceirizada realizava atividade incompatível à condição de OSCIP, e manifestou-se pela ilicitude do contrato firmado, recomendando a formal declaração de nulidade dos atos referentes a contratação, sendo inconcebível a devolução de valores retidos por parte do DNOCS referentes a PIS, IR, Cofins e CSLL. Entendeu aquela procuradoria que uma Oscip só pode desenvolver atividades de interesse social, em especial as arroladas no art. 3º da lei, e não outras com intuitos econômico-comerciais, sendo evidente não poder se valer de sua condição de Oscip, de que decorrem imunidades, para
170
L. 9.790/99: Art. 3o “A qualificação instituída por esta Lei, observado em qualquer caso, o princípio da universalização dos serviços, no respectivo âmbito de atuação das Organizações, somente será conferida às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, cujos objetivos sociais tenham pelo menos uma das seguintes finalidades (...)”
224
atividade estranha a esse tipo de sociedade civil, uma vez que a atividade contratada, por outro lado, era própria de empresas comerciais que se dedicam à atividade econômica com fins de 171 lucro .
Enfrentando caso análogo, a Assessoria Jurídica do Tribunal de Contas do Estado do Ceará, através do Parecer n° 601/2006, adotou a posição de que a qualificação como Oscip tem em vista o objetivo definido de “celebrar, com poderes e órgãos públicos, termos de parceria para a 172 execução de planos, programas, projetos e atividades de utilidade e interesse público” . Assim,
segundo a Assessoria do TCE-CE, os termos de parceria que venham a ser subscritos por qualquer OSCIP, deveriam se limitar às atividades sociais previstas taxativamente nos incisos do artigo 3º da Lei 9.790, de 1999, e por isso, não encontra amparo legal para a inserção no estatuto de organização da sociedade civil de interesse público – Oscip, de cláusulas que estabelecem a possibilidade de terceirização de mão-de-obra para órgãos públicos, mesmo que as titulando como atividades complementares para a obtenção de recursos para o auto-sustento da entidade. Isto é, não há autorização legal para que Oscip exerça atividades desvinculadas das previstas no artigo 3º da Lei 9.790, de 1999, mesmo que tenha a finalidade de obtenção de recursos para a sua subsistência, pois permitir que uma Oscip preste serviços de terceirização de mão-de-obra é, na realidade, contribuir para a burla ao inciso I do artigo 2º da Lei 9.790, de 1999, segundo o qual não são passíveis de qualificação como organização da sociedade civil de interesse público as sociedades comerciais. Entende que sendo o objeto social de uma Oscip exclusivamente a colaboração com o Poder Público, aproxima-se o termo de parceria de um convênio, já que as partes devem ter interesses comuns e visar à mútua cooperação. Assim, a relação jurídica que
171
Em apoio a seu entendimento, colacionaram lição do Prof. Marçal Justen Filho em comentário ao art. 28 da lei 8.666/93: ‘No tocante à sociedade, quanto a atividade objeto de contratação caracterizar exercício de comércio, somente poderão ser admitidas sociedades comerciais. Assim uma sociedade civil não deteria direito de licitar quando a execução do contrato caracterizasse exercício da mercancia. Isso porque a sociedade civil, ao dedicar-se a mercancia, estaria atuando irregularmente (...) uma sociedade civil não pode exercer atividades mercantis e vice-versa. O motivo é que, ao dedicar-se a atividades de outra natureza, estará sujeita a regime jurídico diverso, inclusive no tocante à formalização de sua inscrição. Uma associação (sociedade civil sem fins lucrativos) não pode dedicar-se a atividade especulativa’.
172
Conforme art. 9º da Lei 9.790/99, citado na nota 7, acima.
225
venha a ser firmada entre Poder Público e Oscip não pode jamais caracterizar um contrato. Em outros termos, não poderia uma Oscip fornecer serviço que deveria ser adquirido mediante contrato. Contudo, como foi visto acima, uma associação ou uma fundação poderia desenvolver atividades econômicas, desde que estas atividades fossem diretamente vinculadas às suas finalidades sociais e fossem sem fins lucrativos. Então, por que este entendimento não poderia ser estendido também as Oscips, de modo a autorizar que elas possam desenvolver atividades econômicas, desde que diretamente vinculada as suas finalidades legais? A Lei 4.657, de 1942, conhecida como Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) possui um 173 artigo que ajuda a esclarecer a questão . O art. 4º estabelece que nos casos em que a lei for
omissa, o intérprete decidirá o caso de acordo com a analogia. Então, em razão da matéria em tela tratar de entidade de interesse coletivo, se poderia aplicar às finalidades estabelecidas pela lei às Oscips um tratamento análogo ao dado pelo ordenamento jurídico às finalidades que são estabelecidas para uma fundação, devido às semelhanças existentes. 174
Segundo o magistério de SABO PAES
fundação em nosso ordenamento jurídico é uma
instituição de fins determinados pelo instituidor, especificados em escritura pública ou testamento. As fundações procuram beneficiar a coletividade por meio de finalidades eminentemente sociais. A vontade dos instituidores deverá sempre estar ligadas a um interesse geral, uma vez que os destinatários dos benefícios que uma fundação pode prestar são, de uma maneira geral, a própria sociedade ou comunidade em que ela insere. Como se pode notar, então, é perfeitamente possível a transposição do paradigma das fundações para as Oscips, conforme o preceito latino Ubi eadem 175 ratio idem jus . Por conseguinte, tem-se que através do art. 3º, caput, da Lei 9.790, de 1999, o
legislador instituiu os fins para esse tipo de entidade, do mesmo modo que o instituidor de uma
173
LICC – “Art. 4o Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito”. 174
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 289/290.
175
Onde for a mesma razão, deve o direito ser o mesmo.
226
fundação faz numa escritura ou num testamento. Tem se que as finalidades de uma fundação são verdadeiras cláusulas pétreas e decorre do princípio da especialidade dos fins. Esse foi o entendimento do legislador civilista ao estabelecer, no at. 67, inciso II 176, de que os estatutos de uma fundação não podem ser alterados, contrariando ou desvirtuando os fins da entidade. A alteração que visa modificar a finalidade fundacional – incluindo novas, excluindo, redefinindo ou explicitando finalidades fixadas pelo instituidor, importa, na verdade, na criação de uma nova entidade, uma nova fundação, diversa daquela idealizada pela vontade do instituidor. Os fins devem ser imutáveis em sua essência e qualquer alteração não deve e não pode ser contrária aos fins originalmente estabelecidos na escritura. Os fins ditados pelo instituidor não podem ser desvirtuados e entregues ao arbítrio dos administradores, uma vez que em sede fundacional não existe a liberalidade de modificações ou alterações dos próprios fins, mesmo implicitamente, sob pena de caracterizar o denominado desvio de finalidade. Não são admissíveis, portanto, alterações estatutárias dos fins da fundação distanciadas ou contrárias aos propósitos do(s) fundador(es). Tais alterações podem ser qualificadas como nocivas à própria fundação, sendo causa, até, para sua extinção. A fundação que se distanciar do cumprimento de suas finalidades, relegando-as ou substituindo-as por outras, dará ensejo à intervenção do órgão do Ministério Público, que poderá, dentro de sua missão legal de velamento, determinar o imediato retorno das atividades do ente aos fins estatutários ou até propor a extinção da fundação. Logo, utilizando se de analogia para dar às Oscips o mesmo tratamento que a lei deu às fundações, e uma vez que as finalidades das Oscips terem sido instituídas pelo legislador, através do artigo 3º, caput, da Lei 9.790, de 1999, de modo comparável ao que o instituidor faz ao estabelecer as finalidades de uma fundação - que não podem ser alteradas, sob pena de se constituir um novo ente através do desvio das finalidades originais - é forçoso concluir que as finalidades dos objetivos sociais que a Lei 9.790, de 1999, instituiu não podem ser acrescidas, sob pena de desvirtuar a intenção da qualificação. Logo, o que importa para a solução do problema em que entidades de interesse social
176
C.C.B Art. 67. “Para que se possa alterar o estatuto da fundação é mister que a reforma: (...) II - não contrarie ou desvirtue o fim desta”.
227
realizam atividades econômicas, é separarmos de um lado as suas atividades e de outro as suas finalidades, de modo que as atividades sejam meios para se alcançar o fim proposto. Segundo o 177 magistério de SABO PAES , as atividades da fundação devem ater-se apenas à consecução dos
fins especificados na escritura e no estatuto e podem inclusive ser enumeradas, logo após as finalidades, no corpo do estatuto, sendo as atividades passíveis de serem alteradas, como forma ou meios de consecução das finalidades, enquanto estas últimas não estão sujeitas a alteração. Logo, as atividades desenvolvidas pelas Oscips para alcançar as finalidades estabelecidas 178 pela lei também podem ter caráter econômico , e são passíveis de modificação, e nesse sentido recomenda-se que sejam descritas no estatuto, logo após as suas finalidades, que são inalteráveis e conforme o artigo 3º, caput, da lei. Todavia, esse tipo de atividade deve ter ser sempre uma natureza suplementar para contribuir no alcance das finalidades de interesse público delineadas na lei, sob pena da entidade não fazer jus ao reconhecimento oficial de que promove o interesse 179 publico e, por conseguinte, ter sua qualificação como Oscip cancelada pelo Ministério da Justiça . Esse entendimento não invalida a exegese, a contraiu sensu, do art. 11 da LICC, que estabeleceu que as sociedades e fundações são exemplos de organizações destinadas a fins de 180 interesse coletivo , indicando, nas palavras de SABO PAES, a impossibilidade da constituição
177
Ibidem. 5ª ed, 2004, p. 300 a 303.
178
Oportuno trazer a colação artigo 22 da moderna lei espanhola que estabelece critérios básicos sobre atividades mercantis e industriais das fundações, apud PAES, José Eduardo Sabo op. cit. 5ª ed, 2004, p. 305: Art 22. 1. La fundácion podrá realizar, por si misma, actividades mercantiles o industriales cuando éstas tengan relación com los fines fundacionales o estén al servicio de los mesmos. 2. Em todos los demás supuestos deberá realizar dichas actividades através de sociedades, incluídas las de economia social, que tengen limitada la responsabilidad de sus sócios. 3. Las actividades comprendidas em este artículo deberán ser puestas em conocimiento del protectorado. 179
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 249/251 ensina que quando uma associação sem fins lucrativos ou uma fundação se desvia de seus objetivos ou finalidade sociais e parte para a mercancia, ela está sujeita a desconsideração de sua personalidade jurídica, que é uma doutrina que visa não considerar os efeitos da personificação para atingir os sócios, caso estes tenham agido com abuso de direito por meios da pessoa jurídica de que fazem parte. Afirma, tendo como parâmetro a Lei das Sociedades Anônimas, que é objetiva ou sem culpa a responsabilidade do administrador que violar a lei ou o estatuto (art. 158, II, da Lei nº 6.404/76). Ou melhor, o administrador responderá por excesso ou abuso de poder, sendo indispensável a prova da sua culpa, que se presume em face da natureza da infração.
180
LICC: Art. 11 “As organizações destinadas a fins de interesse coletivo como as sociedades e fundações obedecem a lei do estado em que se constituírem”. A terminologia ‘sociedade’ neste texto legal estava de acordo com o Código Civil de 1916 e não com o de 2002.
228
destes entes objetivando o atendimento de interesses estritamente particulares 181. Pois, o que é inconcebível é o estabelecimento de finalidades privadas no estatuto de uma Oscip, e de qualquer 182 outra entidade de interesse social , mas não o exercício de atividades privadas como meio de se
alcançarem os fins sociais 183. Nesse sentido, já existe entendimento firmado no Supremo Tribunal Federal que é possível e legal a realização de atividade econômica na medida em que seu resultado seja destinado exclusivamente à finalidade essencial da entidade. Portanto, embora o fornecimento de mão-de-obra terceirizada a órgãos públicos
184
por uma
181
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 295/296.
182
O Procurador de Justiça de Fundações de Minas Gerais Tomáz de Aquino Resende apud PAES, José Eduardo Sabo op. cit. 5ª ed, 2004, p. 296, em texto disponível no site: www.mp.pr.gov.br/cidadania/fundações, faz o seguinte comentário a respeito do tema: “Ao acrescentar o parágrafo único ao artigo 62 do código civil, buscou o legislador, pensamos, tornar mais claro ainda que no direito pátrio, como tradição secular, não se admite a figura de pessoa patrimonial a administrar interesses exclusivamente privados, como acontece em outros países, onde são criadas fundações para administrar fortunas em favor de alguns poucos herdeiros. Como já tivemos oportunidade de asseverar em outros trabalhos, este desejo da sociedade, expressado através dos legisladores, em não admitir nascimento de fundação para administrar interesses particulares, vem muito claro no artigo 11 do Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942 (Lei de Introdução ao Código Civil) que nos leva, aí sim, numa interpretação literal, à conclusão irrefutável de que, obrigatoriamente, só poderão existir sociedades sem fins lucrativos (hoje associações) e fundações, se objetivarem as mesmas, em seus especificados fins, a questões de interesse coletivo ”.
183
No RE nº 164162-2, recorrente: Estado de São Paulo; recorrida: Fundação de Assistência Social Sinhá Junqueira. Rel.: Ministro Ilmar Galvão, julg. em 14.5.96, publicado no DJ de 13.3.96, o STF estabeleceu que a imunidade constitucional abrange o patrimônio, a renda e os serviços relacionados as finalidades mencionadas no estatuto da fundação.
184
No direito positivo a questão foi preliminarmente tratada, no âmbito da Administração Pública, pelo Decreto Lei 200/67, mas apenas de forma programática, estabelecendo, em seu art. 10, §7°, que “a Administração procurará desobrigar-se da realização material de tarefas executivas, recorrendo, sempre que possível, à execução indireta, mediante contrato”. De forma geral foi a Lei 6.019/74 que inovou no âmbito do direito substantivo do trabalho, com a figura do trabalho temporário, flexibilizando o direito laboral e permitindo a terceirização, mas apenas para “atender à necessidade transitória de substituição de seu pessoal regular e permanente ou a acréscimo extraordinário de serviços”. Posteriormente a Lei 7.102/83 autorizou a terceirização para os serviços de vigilância armada, por se tratar de mão de obra muito especializada, com preparação específica para situações limite, com o uso de armas de fogo, o que justificaria a contratação por terceiros. Em 1986, o Tribunal Superior do Trabalho editou o Enunciado 256, ressalvando os casos contemplados pelas Leis 6.019/74 e 7.102/83 e considerando, em todo os demais casos, ilegal a contratação de trabalhadores por empresa interposta e formado o vínculo empregatício diretamente com o tomador dos serviços. Em 1993, no entanto, o TST editou o Enunciado 331, revogando o Enunciado 256 e admitindo a terceirização em “atividades meio”, imputando a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto às obrigações trabalhistas: (Enunciado 331, III) "não forma vínculo de emprego com o tomador a contratação de serviços de
229
Oscip, não seja uma das finalidades expressas pelo artigo 3º, caput, da Lei 9.790, de 1999, não haveria, a princípio, nenhum óbice ao seu desenvolvimento, pois ela poderia ser enquadrada como uma atividade-meio
185
destinada a conseguir recursos para a auto-sustentação da entidade aplicar
em suas atividades-fim. No entanto, existe uma ressalva quando a intermediação de serviços de mão-de-obra é para os órgãos públicos que atuam em áreas relacionadas às finalidades públicas já estabelecidas naquela lei, pois o parágrafo único do artigo 3º da lei, autoriza as Oscips prestarem serviços intermediários de apoio a órgãos do setor público que atuem em áreas afins
186
. Deste
modo, o instrumento para realizar este tipo de avença deveria ser o termo de parceria e não o 187
contrato . Porém, o fornecimento de mão-de-obra terceirizada para órgãos públicos que atuam em áreas diversas, deveria ser firmado por contrato, pois não visa fomentar as finalidades de interesse público arroladas na Lei 9.790, de 1999, mas simplesmente a captação de recursos para a autosustentabilidade da entidade. Neste ponto é importante fazer as seguintes considerações: não
vigilância (Lei 7.103/83), de conservação de limpeza, bem como a de serviços especializados ligados à atividade-meio do tomador, desde que inexista a pessoalidade e a subordinação direta". Por fim, em 2000, o TST publicou a Resolução 96, alterando o item IV do Enunciado 331, estendendo a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços, em caso de terceirização de mão de obra, também aos órgãos da Administração Direta, às Autarquias, às Fundações e Empresas Públicas, bem como às Sociedades de Economia Mista. 185
O Decreto nº 2.27,1 de 7 de julho de 199, que dispôs sobre a contratação de serviços pela Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional, estabeleceu no seu artigo 1º que no âmbito da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares aos assuntos que constituem área de competência legal do órgão ou entidade; que as atividades de conservação, limpeza, segurança, vigilância, transportes, informática, copeirage m, recepção, reprografia, telecomunicações e manutenção de prédios, equipame ntos e instalações serão, de preferência, objeto de execução indireta (§ 1º); que não poderão ser objeto de execução indireta as atividades inerentes às categorias funcionais abrangidas pelo plano de cargos do órgão ou entidade, salvo expressa disposição legal em contrário ou quando se tratar de cargo extinto, total ou parcialmente, no âmbito do quadro geral de pessoal (§ 2º) (grifo nosso).
186
Lei 9.790/99. Art. 3º (...) Parágrafo único. Para os fins deste artigo, a dedicação às atividades nele previstas configura-se mediante a execução direta de projetos, programas, planos de ações correlatas, por meio da doação de recursos físicos, humanos e financeiros, ou ainda pela prestação de serviços intermediários de apoio a outras organizações sem fins lucrativos e a órgãos do setor público que atuem em áreas afins.
187
Ver nota 6, acima
230
se mostra razoável que uma pessoa jurídica (associação) que receba benefícios fiscais do Estado (imunidades/isenções) - portanto que possui uma posição privilegiada na formação de seus custos , possa concorrer nas mesmas condições e receber o mesmo tratamento jurídico que outras 188 pessoas jurídicas (empresas), que não recebem do Estado os mesmos benefícios .
É necessário lembrar que o artigo 173 da Constituição de 1988 impõe ao Estado, quando desenvolve atividades de natureza econômica, que ele se dispa de suas prerrogativas constitucionais, que lhe outorgariam uma posição de dominação de mercados e de eliminação da 189 concorrência . Neste rumo de idéias, mostra-se razoável e justificado, por força do princípio da
188
PAES, José Eduardo Sabo. op. cit. 5ª ed, 2004, p. 348 leciona que no âmbito das fundações e inclusive das associações, já foi identificado a utilização da imunidade tributária por essas entidades para a importação de produtos sem qualquer pertinência com os fins da entidade ou simplesmente para revender o equipamento importado no mercado interno ou repassá-lo para uso por algum empresário ligado a entidade, com a finalidade de este utilizar-se pessoalmente ou profissionalmente (comercialmente) dos equipamentos ou mercadorias importados sem o pagamento do Imposto de Importação. Para ele, se o dirigente de fundação utiliza a pessoa jurídica como capa para a realização de importações, além de sonegação fiscal, perpetra abuso de direito. Assevera que não se trata de elisão fiscal, mas de artifício mediante desvio da função da pessoa jurídica, o que caracteriza o abuso de direito por meio de pessoa jurídica. Não importa no caso se a pessoa jurídica está registrada como fundação ou associação civil sem fins lucrativos, possuindo inclusive o título de utilidade pública, se chega a desviar-se de sua finalidade social e econômica para proporcionar lucro aos dirigentes ou para interpostos, e utiliza-se da capa da pessoa jurídica sem fins lucrativos para atuar como fornecedor, aplica-se, no caso, o Código de Defesa do Consumidor, inclusive o artigo pertinente à desconsideração da personalidade jurídica, Se a pessoa jurídica vier a agir como se sociedade comercial ou civil com fins lucrativos fosse, a presunção advinda do registro civil das instituições cede à prova de suas reais atividades, pois da mesma forma que se analisam os atos perpetrados por uma sociedade para se verificar se na realidade trata-se de sociedade civil ou comercial, faz-se o mesmo para estudar a natureza da pessoa jurídica de direito privado, seja ela qual for. Alguns tribunais já vêm decidindo, como o TJSP, em votação unânime de sua 10ª Câmara civil, que “Quando a pessoa jurídica é utilizada para a prática de ato ilícito ou para encobrir fraude, legitima-se a responsabilidade direta do sóciogerente que participa do ato, solidariamente com a sociedade” (acórdão de 21.12.82, publicado na RT 575/136 – Rel. Dês. Prado Rossi).
189
“Art. 173 “(...) § 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (...) II - a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários; (...) § 2º - As empresas públicas e as sociedades de economia mista não poderão gozar de privilégios fiscais não extensivos às do setor privado. § 3º - A lei regulamentará as relações da empresa pública com o Estado e a sociedade. § 4º - A lei reprimirá o abuso do poder econômico que vise à dominação dos mercados, à eliminação da concorrência e ao aumento arbitrário dos lucros.”
231
isonomia insculpido no texto constitucional em seu artigo 5º, que no termo de referência e no edital de licitação, exista norma tutelando a igualdade entre os participantes, estabelecendo as categorias de pessoas jurídicas aptas a participar do certame, de acordo com a sua natureza jurídica ou qualificação. Em recente pronunciamento, o Tribunal de Contas da União (TCU) manifestou posição no Acórdão nº 1021/2007 – TCU – PLENÁRIO que reconhece a participação de Oscips em licitações, desde que seu estatuto tenha objetivo social que atenda ao objeto do certame, e que na licitação a entidade participe em igualdade de condições com outros possíveis interessados, sem, contudo, fazer a distinção e a interelação apontada neste texto entre as atividades e as finalidades 190 das entidades .
190
O Ministro-Relator Marcos Vinícios Vilaça teceu as seguintes
considerações sobre a participação de entidades sem fins lucrativos em licitações públicas: Relatório “Adoto como Relatório parte da instrução de fls. 262/271, elaborada pela ACE Luiza Ferreira Furtado: ‘(...) 7. Analisados os documentos e informações enviados pelo BNDES e pelo IBDCON, em atendimento às oitivas e diligências realizadas pelo Tribunal, em ambos os processos de representação, a Instrução de fls. 219/233 do Vol. 1 concluiu pela licitude da participação de entidades sem fins lucrativos em licitações públicas, desde que o objeto a ser contratado seja compatível com seus objetivos sociais (...) 10. Em despacho de fls. 235/240 do Vol. 1, o Relator entendeu apropriadas as considerações feitas pela Instrução sobre a viabilidade de entidades sem fins lucrativos beneficiárias de privilégios tributários exercerem atividade econômica em igualdade de condições com empresas, situações em que o ‘princípio da isonomia estaria, numa primeira aproximação, violado, ante a disparidade de encargos suportados’. 11. Entende o Relator que essas vantagens tributárias não impedem a participação de concorrentes em licitações públicas. No seu entendimento, a participação de entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (Oscips) em licitação com a finalidade de prestar serviços à Administração Pública desvirtua os objetivos traçados pelo ordenamento jurídico para esse tipo de entidade. É
232
que a atuação de uma Oscip deveria ser voltada para o atendimento do interesse público, mediante o desempenho de serviços não exclusivos do Estado (...) 29. Além disso, o fato de essas entidades desempenharem atividades de interesse público, por meio de termo de parceria com o Estado, não as impede de também serem contratadas pela Administração Pública para prestação de serviços e fornecimento de bens, desde que a atividade a ser contratada esteja prevista no estatuto e mediante a participação da Oscip em licitação, em igualdade de condições com outros possíveis interessados (...) 40. No âmbito do Tribunal, em algumas oportunidades já foi analisada a participação de entidades sem fins lucrativos em licitações, sem, contudo, chegar-se a um entendimento pacífico acerca da necessidade ou não de equalização de suas propostas ante as imunidades/isenções que lhes são conferidas. Há situações em que a questão da equalização é tratada no sentido apenas de que as propostas devem ser apresentadas com a correta incidência das alíquotas de tributos conforme suas prerrogativas legais, havendo, ainda, casos em que o entendimento é de que é incabível exigir dessas entidades a total incidência nas propostas por elas apresentadas dos tributos, uma vez que estaria restringindo prerrogativas legais a elas conferidas, a exemplo dos TC-019.037/2002-1, TC-015.042/2004-0 e TC-011.968/1996-6. 41. Entendemos que para o deslinde dessa questão necessário se faz o exame das situações e dos requisitos a que se condicionam as entidades para a obtenção de tais benefícios fiscais, de modo a avaliar se o exercício de atividade econômica implica a perda das imunidades e das isenções a que têm direito. 42. Considerando que cada entidade tem suas peculiaridades definidas em razão da finalidade a que se destina, e considerando, ainda, a polêmica que envolve a questão, entendemos que essas particularidades devam ser examinadas em cada situação em concreto quando da efetiva participação da entidade em determinada licitação (...) 47. Além disso, é unânime o entendimento de que essas entidades podem participar de licitações públicas, desde que o objeto licitado se inclua dentre os objetivos institucionais dessas entidades. Contudo, é polêmica a questão da inclusão ou não nas propostas dessas entidades sem fins lucrativos dos valores dos tributos, haja vista as imunidades/isenções a elas constitucionalmente e legalmente asseguradas, em contraposição ao princípio da isonomia, assegurado pela Constituição Federal.(...)’ Voto (...) “6. A atuação de
233
5. CONCLUSÕES
uma Oscip volta-se, portanto, para o atendimento do interesse público, mediante serviços de cunho social, e não para o fornecimento de bens e serviços para a Administração Pública. Sua área de atuação é incompatível, no meu entendimento, com os serviços de que nos fala os arts. 6º, II, e 13 da Lei n.º 8.666/93(...) 9. No entanto, reconheço que a questão não é pacífica. Parece haver, inclusive, certa tendência a se aceitar que elas possam participar de licitações na Administração Pública, desde que a atividade a ser contratada esteja prevista no Estatuto:“Não é que elas não possam ser contratadas. Eventualmente elas podem, se a prestação de serviços e o fornecimento de bens estiver prevista dentre seus objetivos institucionais. Só que, em se tratando de contrato, está sujeito à licitação. Se a Administração Pública aceita contratar Oscip para fornecimento de bens e serviços, tem que haver licitação em que a entidade participe em igualdade de condições com outros possíveis interessados. (Maria Sylvia Zanella Di Pietro, Palestra ‘As Organizações Sociais e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Publico (Leis 9.637/98 e 9.790/99)’, proferida no seminário ‘O Ministério Público e a Fiscalização das Entidades Não Governamentais de Interesse Público’, retirada do site do Ministério Público do Estado de São Paulo).” (...) 12. Devo reconhecer que a Analista examinou a matéria com precisão nos parágrafos 32 a 38 da instrução, me poupando de tecer comentários adicionais. Acolho as considerações da 5ª Secex e as incorporo às minhas razões de decidir.” (ênfases acrescidas).
234
As entidades de interesse social, sem fins lucrativos, podem desenvolver atividades econômicas, desde que elas sejam vinculadas as suas finalidades. A qualificação como Oscip é concedia para associações e fundações que tem como finalidade de seus objetivos sociais àquelas de interesse público, descritas no art. 3º, caput, da Lei 9.790, de 1999, que são taxativas. As Oscips podem desenvolver atividades suplementares, de ‘natureza econômica’, visando sua autosustentabilidade, isto é, como um meio para atingir seus fins, que são as finalidades de interesse público, o seu escopo principal. Se as atividades suplementares se transformam num fim em si mesmo, a qualificação como Oscip deve ser cancelada. A Lei de Oscips autoriza a prestação de serviço intermediário para órgãos públicos que atuam em áreas afins dos interesses públicos nela estabelecidos, através do termo de parceria, como por exemplo, o fornecimento de mão-deobra terceirizada. Os órgãos públicos que atuam em áreas diversas devem ter o cuidado de estabelecer normas tutelando a igualdade entre os participantes, estabelecendo no termo de referência, no edital de licitação, as categorias de pessoas jurídicas aptas a participar do certame, de acordo com a sua natureza jurídica e qualificações, a fim de evitar fraudes e para garantir o princípio constitucional da isonomia.
6. BIBLIOGRAFIA CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE. Manual de procedimentos contábeis para fundações e entidades de interesse social. Brasília: CFC, 2003. PAES, José Eduardo Sabo. Fundações e entidades de interesse social. 2. ed, Brasília Jurídica, 2000. ______. Fundações e entidades de interesse social. 5. ed, Brasília Jurídica, 2004.
235
______________________________________________________ Alfredo Sant´Anna Júnior - Fátima F. Araújo Maria do Carmo M. T. Cruz - Vera Martins da Silva Pesquisa Novas Formas Organizacionais nos Município Paulistas Estudo sobre Novas Formas Organizacionais nos Municípios - 2006
236
Pesquisa Novas Formas Organizacionais nos Município Paulistas Slide 1
___________________________________ Pesquisa Novas Formas Organizacionais nos Municípios Paulistas
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 2
___________________________________ Novas Formas Organizacionais • Pesquisa Secretaria de Economia e Planejamento/Cepam. • Reforma do Estado (1995): Impacto nos municípios. Objetivo:
___________________________________
Conhecer: • ações e os serviços públicos em parcerias com entidades; • novas formas organizacionais das políticas públicas municipais/regionais nos municípios paulistas; • mecanismos e instrumentos de pactuação; e
___________________________________
• mecanismos e instrumentos de gestão utilizados.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
237
Slide 3
___________________________________ Novas Formas Organizacionais Metodologia: •
Pesquisa bibliográfica e dos marcos legais;
•
Conceituação dos modelos organizacionais (OSCIP, Organização Social - OS, Agência, Sociedade de Propósito Específico, etc.);
•
Pesquisa Exploratória das Novas Formas Organizacionais nas políticas públicas dos municípios paulistas: questionário;
•
Estudo de 6 casos: 3 OSs, 2 OSCIPs e 1 Agência (não tratado nesse seminário); e
•
Linhas de atuação e propostas para o aprimoramento das políticas públicas dos governos locais.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 4
___________________________________ Pesquisa Exploratória Questionário: •
dados cadastrais;
•
identificação dos tipos de organizações com as quais as áreas da prefeitura mantêm parceria para a execução de serviços públicos;
•
identificação de ajustes/instrumentos de formalização de parcerias (contrato, termo de parceria, contrato de gestão, convênio, etc.); e
•
existência de legislação municipal.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
238
Slide 5
___________________________________ Pesquisa Exploratória Cód. Porte
Porte
Faixa Populacional
Estado
Âmbito da Pesquisa
%
de 818 a 5.000 hab.
169
21
12,43
1
Muito Pequeno
2
Pequeno
de 5.001 a 17.000 hab.
213
30
14,08
3
Médio
de 17.001 a 60.000 hab.
156
36
23,08
4
Grande
de 60.001 a 220.000 hab.
78
14
17,95
5
Muito Grande
de 220.001 a 1.218.862 hab.
28
6
21,43
6
São Paulo Capital
10.838.581
1
1
100,00
645
108
16,90
Total
___________________________________ ___________________________________
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 6
___________________________________ Pesquisa Exploratória Formas organizacionais e porte populacional Porte
OS
OSCIP
ONG
Ag.Desenv.
Consórcio
Outras
1
-
3
21
-
15
14
Total 53
2
4
14
49
3
25
32
127
3
2
13
44
-
31
36
126
4
1
12
37
3
9
30
92
5
2
5
23
3
3
19
55
6
1
3
4
-
-
-
8
Total
10
50
178
9
83
131
461
___________________________________ ___________________________________
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
239
Slide 7
___________________________________ Pesquisa Exploratória Distribuição das Novas Formas Organizacionais dos Serviços Municipais, segundo tipo de organização e setor da prefeitura municipal Setores Saúde Assistência Social Educação Trabalho Meio Ambiente Cultura Limpeza Pública Infra-estrutura Esporte Cidadania Economia Agricultura Transportes Habitação Outros Órgãos
OS 6 1 1 1 1
-
-
OSCIP 20 4 4 1 3 1 1 1 4 3 2 5 1
ONG 43 51 28 5 6 14 1 1 8 14 3 1 1 1 1
Ag.Des
-
1
-
-
-
6 1 1 -
Consórcio 17 1 2 1 12 4 7 11 1 4 7 13
-
3
Outras 6 4 13 39 5 5 13 9 8 2 4 8 2 6 7
Total 92 61 48 46 26 25 22 22 21 20 20 17 16 13 12
___________________________________ ___________________________________
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam Novas Formas Organizacionais, 2006.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 8
___________________________________ Pesquisa Exploratória Instrumentos de Parceria - OSCIP Porte 1 2 3 4 5 6 Total
Contrato T. Parceria 1 1 2 3 1 8 3 1 1 17 4
-
Contr.Gestão
-
Convênio Subvenção 1 2 1 1 3 2 2 1 9 4
Contr.Concessão -
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
Outros
--
Total 3 8 10 8 3 2 34
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
240
Slide 9
___________________________________ Pesquisa Exploratória Instrumentos de Parceria - OS Porte 1 2 3 4 5 6 Total
Contrato T. Parceria Contr.Gestão 1 2 1 3 1 2 1 3 8
-
Convênio Subvenção
-
-1
-
----0 1 1
-
-3
1
Contr.Concessão -
Outros -
--
-
1 1 3
-
-
-
Total 1 3 5 3 4 1 17
___________________________________ ___________________________________
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 10
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
241
Slide 11
___________________________________ Estudos de Caso Avaliar: • Motivação da administração municipal para a publicização dos serviços; • o processo de criação da parceria; • processo de qualificação da entidade; • instrumento de pactuação; • controles internos, externos e sociais; • organização e funcionamento da organização; • relação com o Poder Público; e • resultados.
___________________________________ ___________________________________
Metodologia: Entrevistas, coleta de dados primários e secundários.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 12
___________________________________ Estudo de Caso: OSCIP No Estado de SP (2006) : 1118 OSCIPs em 163 Municípios (25%). 40 municípios: Saúde (PSF), habitação, educação, esportes, assistência social, cidadania/direitos humanos, meio ambiente,entre outras. Critérios para estudo de caso: • Tempo de funcionamento (mais de 1 ano): 16; • Termo de parceria: 10; • Regulação do Poder Local (lei/decreto); e • Modelos diferenciados.
___________________________________ ___________________________________
Seleção: 2 municípios.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
242
Slide 13
___________________________________ Estudos de Caso – Resultados (1/2) •
Motivação: complementariedade/ especialidade, ampliação do atendimento, Recursos Humanos e compra;
•
Utilizam a qualificação federal de OSCIP (lei municipal ou não?);
•
Termos de Parceria aprovados pelos conselhos;
•
Sem análise de custo-benefício e concursos de projetos;
•
Contratação: maioria CLT (RPA, cessão de servidores) sem protocolo de seleção, capacitação e de atribuições;
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 14
___________________________________ Estudos de Caso – Resultados (2/2) •
Regulamento de compras;
•
Monitoramento pelo Poder Público e Comissão de Avaliação;
•
Início de um processo: resultados positivos e muitos desafios;
•
Cultura de parceria em construção;
•
Parceria proporcionando parcerias.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
243
Slide 15
___________________________________ OSCIP - Questões para reflexão (1/2) •
Regulação do Poder Local (estruturação do marco legal municipal);
•
Previsão dos programas/ações/projetos no PPA, na LDO e na LOA;
•
Seleção da OSCIP: licitação X concurso de projetos;
•
Análise de custo-benefício;
•
Acompanhamento sistemático da parceria;
•
Continuidade na prestação de serviços;
•
Papel, instrumentalização e apoio aos Conselhos Setoriais;
•
Qual o limite de atuação da OSCIP? Parceria X terceirização;
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 16
___________________________________ OSCIP - Questões para reflexão (2/2) •
Processo de compras no Poder Publico e OSCIP;
•
Contratação de recursos humanos;
•
Independência política;
•
Compromisso de repasses regulares;
•
Controle social; e
•
Preparo do Poder Público às novas funções.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
244
Slide 17
___________________________________ Estudos de Caso: Organização Social - OS 17 Organizações Sociais. Critérios para estudo de caso: • Tempo de funcionamento (mais de 1 ano); • Contrato de Gestão; • Regulação do Poder Local (lei/decreto); e • Modelos diferenciados. Seleção: 3 municípios. Modelos: • •
Criação de organização sem fins econômicos/lucrativos especificamente para assumir as atividades a serem publicizadas; e Qualificação de entidades civis sem fins econômicos/lucrativos (já existentes).
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 18
___________________________________ Estudos de Caso: Organização Social - OS 1.
• •
Criação de organização sem fins econômicos/lucrativos especificamente para assumir as atividades a serem publicizadas: . participação no órgão diretivo (Conselho de Administração); recursos financeiros e materiais: orçamentos públicos;
•
instrumento de pactuação: Contrato de Gestão;
• • •
gestão do contrato: órgão gestor; Comissão de Avaliação; Estado: criação e gestão com presença constante (Conselho de Administração, indicação de gestores e orçamento).
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
245
Slide 19
___________________________________ Estudos de Caso: Organização Social - OS 2.
Qualificação de entidades civis sem fins econômicos/lucrativos (já existentes):
•
sem participação no órgão diretivo (contrato de 3º);
•
OS pode ter outra atividade (áreas de atuação e municípios);
•
Gestão do contrato: Órgão Gestor;
•
Comissão de avaliação;
•
Estado: gestão do contrato e avaliação de resultados.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 20
___________________________________ OS - Questões para reflexão (1/3) 1.
Modelo preconizado pelo Governo Federal:
•
Participação do Poder Público: acompanhamento constante X participação da sociedade (fragilização dos mecanismos de controle social);
•
Flexibilidade para contratação e demissão de pessoal e na aquisição de bens e serviços. Desafio: administradores menos comprometidos com a gestão pública;
•
Dispensa de licitação para seleção mas rigor para a aquisição de bens e serviços.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
246
Slide 21
___________________________________ OS - Questões para reflexão (2/3) 2.
Qualificação de entidades civis sem fins econômicos/lucrativos (já existentes):
•
Processo de Qualificação, seleção e convocação de entidades;
•
Participação do Poder Público no Conselho de Administração e na gestão da entidade;
•
Poder Público: acompanhamento e avaliação
•
Valor do contrato: global e necessidade de controle de procedimentos e preços.
___________________________________
Profissionais;
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 22
___________________________________ OS - Questões para reflexão (3/3) Desafios: •
Consolidação da qualidade de prestação de serviços;
•
Vontade política: recursos e continuidade;
•
Comissão de avaliação: permanente e com usuários;
•
Saúde: prestação de serviços para convênios privado X SUS;
•
participação no Conselho de Administração.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
247
Slide 23
___________________________________ Considerações Finais •
Melhoria da gestão.
•
Gestão dos recursos humanos: Política de recursos humanos?
•
Processo de compras: pregão, ata de registro de compras?
•
Questionamentos técnico-jurídicos.
•
Controle social.
•
Processo de convocação pública.
•
Avanços e inúmeros desafios.
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
248
ESTUDO SOBRE NOVAS FORMAS ORGANIZACIONAIS NOS MUNICÍPIOS - 2006 APRESENTAÇÃO Este trabalho é uma síntese da pesquisa1 realizada em 2006 pela Fundação Prefeito Faria Lima – Cepam - Centro de Estudos e Pesquisas de Administração Municipal, em parceria com a Secretaria de Economia e Planejamento (SEP) do Estado de São Paulo, e aborda as novas formas organizacionais com os respectivos instrumentos de pactuação utilizados na gestão de políticas públicas pelos municípios paulistas. Os objetos de estudo são as Organizações Sociais (OS)2; as Organizações da
Sociedade
Civil
de
Interesse
Público
(Oscips)3;
as
Agências
Executivas,
Reguladoras e de Desenvolvimento; os Consórcios Intermunicipais/Públicos; e a Sociedade de Propósito Específico (SPE), no âmbito das Parcerias Público-Privadas (PPPs). A pesquisa contou, inicialmente, com a análise/reflexão sobre conceitos e modalidades organizacionais, a partir de pesquisa bibliográfica e levantamento da legislação vigente.
Com base nesse conjunto de informações, foi feita a pesquisa
empírica, por meio de um questionário, distribuído em todos os municípios paulistas,
1
A equipe técnica da pesquisa é composta por Alfredo Sant´Anna Júnior, Áquilas Nogueira Mendes, Carlos Correia Leite, Fátima F. Araújo, Isabete G. Silva, Luciana Antonini (tabulação), Maria do Carmo M. T. Cruz e Vera Martins da Silva e apoio administrativo de Marli Aguiar. 2 Entidades civis sem fins lucrativos/econômicos, qualificadas por lei como OS, com o objetivo de prestar serviços públicos não exclusivos, mas de interesse do Estado, por meio da celebração de Contrato de Gestão com o Poder Público. 3 É uma qualificação, dada pelo Ministério da Justiça, às pessoas jurídicas de direito privado, sem fins econômicos/lucrativos, cujos objetivos sociais e normas estatutárias atendam aos requisitos instituídos pela Lei Federal 9.790/99 e Decreto Federal 3.100/99. A qualificação permite celebrar um ajuste, denominado Termo de Parceria, com o Poder Público, para desenvolver projetos ou atividades complementares às que originalmente são de responsabilidade daquele Poder.
249
O objetivo foi conhecer as ações e serviços públicos realizados em parcerias, os modelos organizacionais aplicados às políticas públicas municipais/regionais e os mecanismos e instrumentos de gestão utilizados. A existência das novas formas/modelos organizacionais de prestação de serviços públicos está inserida no arcabouço do Plano da Reforma do Estado, elaborado pelo Governo federal, em 1995, e que tem sido referência para os governos estaduais e municipais. Nessa nova concepção, o Estado deixa de ser o responsável direto pelo desenvolvimento econômico e social, pela via da produção de bens e serviços, para ser fortalecido na função de promotor e regulador desse processo. Dessa forma, o papel de executor, ou prestador direto de serviços, do Estado, é minimizado, e fortalecido seu papel como regulador, provedor e promotor, sobretudo dos serviços sociais, como educação e saúde. O Estado, como promotor desses serviços, continuará a subsidiá-los, buscando, ao mesmo tempo, o controle social direto e a participação da sociedade. Uma estratégia é
publicizar as atividades
classificadas como não-exclusivas da esfera estatal, facilitando sua absorção pelo setor público não estatal. Após 11 anos da aprovação do Plano da Reforma do Estado, é fundamental a reflexão/conhecimento sobre a abrangência da adoção dessas novas formas/modelos organizacionais pelos municípios paulistas.
1. METODOLOGIA DA PESQUISA O trabalho, desenvolvido em 2006, abrangeu quatro fases: • Estudo de conceitos, modalidades e legislação de novas formas/modelos organizacionais; • Elaboração de questionário, aplicação nas Administrações Municipais e análise das informações coletadas; • Estudos de caso realizados por pesquisa, in loco; e 250
• Discussão/reflexão sobre as informações e formulação de questões a partir dos procedimentos. Os objetivos do estudo e os poucos trabalhos voltados à esfera municipal de governo conduziram à opção pela pesquisa exploratória, por proporcionar uma visão geral sobre o tema, constituindo subsídios para ampliar a investigação. Como instrumento de pesquisa, foi elaborado um questionário para levantamento das informações4 nos municípios, que teve como escopo: • O registro de dados cadastrais do informante (nome, município, etc.); • A identificação dos tipos de organizações com as quais as diversas áreas da prefeitura mantêm parceria para a execução dos serviços públicos (OS, Oscip, ONG/Entidades sociais, Agência de Desenvolvimento, Agência Reguladora, Agência Executiva, Consórcio Intermunicipal/Público, Sociedade de Propósito Específico no âmbito da Parceria Público-Privada - PPP, Serviços Sociais Autônomos, Cooperativas de Inclusão Social e de Prestação de Serviços Públicos, Entidades de Crédito Comunitário, entre outros); • A verificação de ajustes/instrumentos de formalização de vínculos peculiares da relação entre os vários tipos de organização e a Administração Municipal, como: contrato, termo de parceria, contrato de gestão, convênio, auxílio, subvenção, contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada e administrativa, outros; e • A existência de legislação municipal (lei, decreto, portaria) com regulamentação da relação/pactuação do Poder Público com as diversas organizações. Retornaram 108 questionários (16,7% dos municípios paulistas). Para esse conjunto, buscou-se, por contato telefônico, eliminar discrepâncias para melhorar a qualidade das informações. Os resultados obtidos estão contidos no Quadro 1.
4
Todas as informações referem-se à existência de vínculos do Poder Público municipal com as organizações em funcionamento, no ano de 2006. 251
Quadro 1: Distribuição dos municípios pesquisados por faixa populacional no Estado de São Paulo e no âmbito da pesquisa, 2006 Cód. Porte
Porte
1
Faixa Populacional (hab.)
Estado
Âmbito da Pesquisa
%
Muito pequeno
de 818 a 5.000
169
21
12,43
2
Pequeno
de 5.001 a 17.000
213
30
14,08
3
Médio
de 17.001 a 60.000
156
36
23,08
4
Grande
de 60.001 a 220.000
78
14
17,95
5
Muito grande
de 220.001 a 1.218.862
28
6
21,43
6
São Paulo - Cap.
10.838.581
1
1
100,00
Total
645
108
16,90
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
Na análise de incongruências, foram identificados os seguintes fatores causadores das distorções: • Tendo como foco o setor/área governamental, os resultados da pesquisa demonstram que uma mesma forma organizacional atende a demandas de mais de uma área municipal, ocasionando uma quantidade maior do que as realmente existentes;
252
• Algumas formas de organização apontadas pelos informantes, não se encontram formalizadas por qualquer instrumento de pactuação; • Detectou-se dificuldade na compreensão de alguns conceitos, embora um glossário tenha sido enviado aos informantes. Esse é um dos aspectos que se tentou solucionar por contato telefônico5. 2. RESULTADOS DO LEVANTAMENTO Síntese dos tipos de novas formas organizacionais A análise das informações dos 108 questionários respondidos revela parcerias em dez áreas/setores municipais com OSs; em 50, com Oscips; em 178, com Organizações Nãogovernamentais (ONGs); e, em 83, com Consórcios Intermunicipais/Públicos (Tabela 1). Pela análise da distribuição nos municípios paulistas, 306 organizações (47%) encontram-se em municípios de porte médio. Tabela 1: Distribuição das formas de organização dos serviços municipais por tipo de porte populacional nos 108 municípios pesquisados do Estado de São Paulo
Agência de Porte
OS
Oscip
ONG
Desenvolvimento
Consórcio
Outras
Total
1
-
3
21
-
15
14
53
2
4
14
49
3
25
32
127
3
2
13
44
-
31
36
126
4
1
12
37
3
9
30
92
5
Observações importantes de serem apontadas, para que, no futuro, numa nova pesquisa, esses aspectos sejam mais bem explicitados. 253
5
2
5
23
3
3
19
55
6
1
3
4
-
-
-
8
Total
10
50
178
9
83
131
461
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
A pesquisa focou basicamente cinco formas: OS, Oscips, ONGs, Agências de Desenvolvimento e Consórcios Intermunicipais/Públicos; além das relações das OS e Oscips e os municípios paulistas. Todas as demais formas de organização apontadas pelos municípios foram tratadas no conjunto Outras Formas, por terem ocorrência nula ou quase nula (como as sociedades de propósito específico, no âmbito das PPPs, Agências Executivas, Agências de Regulamentação, Serviços Sociais Autônomos) ou por serem objeto de estudos, como as Entidades de Crédito Comunitário e as Cooperativas de Inclusão Social6. As informações referentes aos novos modelos organizacionais de serviços municipais, classificadas por setor da prefeitura, demonstram que o maior número de parceiros é encontrado em saúde (92), assistência social (61) e educação (48), respectivamente (Tabela 2). Ou seja, nos setores que integram o núcleo central da política social nos municípios, e são responsáveis por mais de 40% do orçamento. Tabela 2: Distribuição das novas formas organizacionais dos serviços municipais, segundo tipo de organização e setor da prefeitura nos 108 municípios pesquisados do Estado de São Paulo
6
A maioria das cooperativas de inclusão social identificadas na pesquisa está correlacionada à coleta seletiva de lixo e à geração de renda. 254
Setores Saúde Assistência Social Educação Trabalho Meio Ambiente Cultura Limpeza Pública Infra-estrutura Esporte Cidadania Economia Agricultura Transportes Habitação Outros Órgãos
OS 6 1 1 1 1
-
-
Oscip 20 4 4 1 3 1 1 1 4 3 2 5 1
ONG 43 51 28 5 6 14 1 1 8 14 3 1 1 1 1
Ag.Des
-
1
-
-
6 1 1 -
Consórcio 17 1 2 1 12 4 7 11 1 4 7 13
-
3
Outras 6 4 13 39 5 5 13 9 8 2 4 8 2 6 7
Total 92 61 48 46 26 25 22 22 21 20 20 17 16 13 12
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam Novas Formas Organizacionais, 2006.
A inovação nas novas formas organizacionais está centrada no setor da saúde. A Tabela 2 representa essa realidade, sobretudo em relação às parcerias com OSs e Oscips. No que se refere às associações sem fins lucrativos/econômicos/ONGs, a área de Assistência Social apresenta o número mais significativo (51), destacando-se que, a histórica participação do Terceiro Setor na Assistência, não é exatamente nova, no que se refere a esse tipo de parceria. A análise da participação de novas formas organizacionais na área da saúde, principalmente OS e Oscips (Tabela 3), não revela concentração significativa em municípios de determinado porte. As parcerias com as ONGs, entretanto, aparecem em 43% dos municípios paulistas. Tabela 3: Distribuição das novas formas organizacionais dos serviços municipais de saúde, segundo tipo de organização e porte populacional nos 108 municípios pesquisados do Estado de São Paulo
255
Porte 1 2 3 4 5 6 Total
OS ---0 1 2 1 1 1 6
OSCIP 1 2 7 6 3 1 20
ONG 7 13 13 5 4 1 43
Ag. Des 0 0 0 0 0 0 0
Consórcio 5 8 4 0 0 0 17
Outras 1 0 1 3 1 0 6
Total 14 24 27 15 9 3 92
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
Ajustes/Instrumentos de Formalização de Parcerias Com a finalidade de conhecer os instrumentos utilizados nas parcerias entre o Poder Público municipal e as novas formas organizacionais, a pesquisa levantou informações sobre: contrato, termo de parceria, contrato de gestão, convênio, auxílio, subvenção social, contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada e administrativa, e outros. No questionário, foram apresentados conceitos dos instrumentos de pactuação7.
7
Contrato - todo e qualquer ajuste entre órgãos e entidades da Administração Pública e particulares em que haja um acordo de vontades para formular vínculos e estipular obrigações recíprocas, seja qual for a denominação utilizada. Termo de Parceria - acordo firmado entre o Poder Público e a Oscip para executar um projeto ou programa de trabalho de interesse do Poder Público e de acordo com o objeto social da entidade; estabelece direitos, responsabilidades e obrigações das partes. Contrato de Gestão - instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada como OS para fomento e execução de atividades; define metas e prazos de execução, critérios de avaliação de produtividade, mediante indicadores de qualidade e produtividade. Convênio - acordo firmado com entidades públicas de qualquer espécie, ou entre estas e organizações particulares, para realizar objetivos de interesse comum dos partícipes. Auxílio - transferências, previstas em lei, destinadas a cobrir despesas de capital de entidades privadas sem fins lucrativos. Subvenção social - transferências, previstas em lei, destinadas a cobrir despesas de custeio operacional de entidades públicas ou privadas sem fins lucrativos de caráter assistencial ou cultural. Contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada e administrativa - concessão patrocinada é a concessão de serviços públicos ou obras públicas de que trata a lei federal 8.987, quando houver, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público. Concessão administrativa é o contrato de prestação de serviços de que a Administração Pública seja a usuária direta ou indireta, ainda que envolva obra ou fornecimento e instalações de bens. 256
Sobre esses instrumentos, os 108 municípios informaram que convênio (136), subvenção (59), contrato (41), termo de parceria (30), e contrato de gestão (10), respectivamente, são os mais utilizados. Enquanto os três primeiros instrumentos são os mais conhecidos, a pesquisa identificou também termos de parceria e contratos de gestão como reguladores da relação entre o Poder Público e as Oscips e OSs, respectivamente. A Tabela 4 mostra que metade das Oscips, conforme informado pelos municípios (17), utiliza o termo de parceria como instrumento de regulação. A maior parte delas (8) está nos municípios de médio porte. Salienta-se que nove municípios utilizam o convênio como forma de pactuação com as OSCIPs. Tabela 4: Distribuição dos instrumentos de parceria nas Oscips, segundo o porte populacional nos 108 municípios pesquisados do Estado de São Paulo Porte 1 2 3 4 5 6 Total
Contrato 1 2 1
4
T. Parceria 1 3 8 3 1 1 17
Contr.Gestão
-
Convênio 2 1 3 2 1 9
Subvenção 1 1 2 4
Contr.Concessão -
Outros
--
Total 3 8 10 8 3 2 34
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
Quanto às OS identificadas, constata-se também que metade delas (8) utiliza o contrato de gestão como instrumento firmado entre o Poder Público e a entidade qualificada nessa forma organizacional (Tabela 5). Três delas estão localizadas em municípios de médio porte e duas em municípios pequenos. Tabela 5: Distribuição dos instrumentos de parceria nas OS, segundo o porte populacional nos 108 municípios pesquisados do Estado de São Paulo
257
Porte 1 2 3 4 5 6 Total
Contrato -
-
1 2
-
3
T. Parceria
---
-
Contr.Gestão 1 2 3 1 1 8
Convênio
Subvenção
1
1
----0 1 1
-
3
1 1 3
Contr.Concessão -
-
-
Outros -
---
Total 1 3 5 3 4 1 17
Fonte: Pesquisa SEP/Cepam, Novas Formas Organizacionais, 2006.
O contrato de gestão é poderoso instrumento de regulação da Administração Municipal, porque o controle da entidade qualificada como OS não se restringe aos recursos financeiros repassados, mas também às metas, aos prazos de execução, à qualidade e à produtividade. Destacase que, na área da saúde - aquela que evidenciou o maior número de OSs – o contrato de gestão deve seguir os princípios do Sistema Único de Saúde (SUS) e, portanto, do sistema municipal de gestão. 3. OS ESTUDOS DE CASO Os estudos de caso sobre as novas formas organizacionais foram realizados em seis municípios, os quais mantém vínculos de cooperação com duas Oscips; três OS; e uma Agência Reguladora. Neste texto, serão abordadas questões referentes às OSs e Oscips8. Nas visitas de campo, buscou-se identificar a motivação da Administração Municipal para publicizar os serviços; o processo de criação da parceria; o processo de qualificação da entidade; o instrumento de pactuação; os controles internos, externos e sociais; a organização e o funcionamento da organização e sua relação com o Poder Público; e os resultados.
3.1. Oscips
8
Os municípios não serão identificados, de forma a preservar as informações obtidas e os desafios a serem enfrentados. 258
A pesquisa identificou 40 municípios que mantêm parceria com Oscips9. Para a seleção dos estudos de caso, o Cepam recorreu à pesquisa exploratória e a informações do Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, além de fontes secundárias. Foram critérios para a escolha: o funcionamento há mais de um ano; a existência do instrumento termo de parceria, que se constitui no ajuste legal mais adequado à utilização da Oscip; a existência de regulamentação legal pelo Poder Público
(lei/decreto);
e
a
diversidade
de
iniciativas/setores
de
atuação
da
Administração Municipal. Um roteiro de entrevista para a visita de campo10 envolveu todos os informantes-chave: prefeitos, dirigentes da área responsável pelo termo de parceria, presidentes e dirigentes das Oscips, representantes dos conselhos municipais, membros do Legislativo, usuários dos serviços, equipes técnicas da prefeitura, entre outros. Das 40 Oscips identificadas, 16 funcionam há mais de um ano e, destas, dez utilizam o termo de parceria como instrumento de ajuste. O terceiro critério indicou a diversidade de setores (assistência social, educação) e a escolha por uma Oscip que atuasse na gestão de uma política pública. Um caso de parceria trata de uma Oscip que desenvolve ações de assistência social, de educação e cultura com jovens e suas famílias. Em outro estudo de caso, a parceria é com uma Oscip que atua na gestão da rede básica, a compra de medicamentos, outros materiais e insumos; realização de obras e manutenção de prédios e veículos, serviços de terceiros e transportes e outros insumos e também no Programa da Saúde da Família (PSF).
Os municípios visitados utilizam a sistemática de qualificação federal, realizada pelo Ministério da Justiça, bem como a legislação federal (Lei Federal 9.790/99 e Decreto Federal
9
Segundo o Ministério da Justiça havia, em 2006, 1.118 Oscips, em 163 municípios paulistas (25% dos municípios). Também foram coletados dados de fontes primárias e secundárias, e documentos. 259
10
3.100/99). Alguns municípios regulamentam a parceria, por meio de lei municipal, autorizando o Poder Executivo a firmar o termo de parceria. A análise custo-benefício não é realizada antes do acordo entre o Poder Público e a Oscip; e a escolha da instituição parceira não tem sido realizada por concurso de projetos ou chamamento público. Os termos de parceria, entretanto, foram aprovados pelos conselhos municipais das áreas vinculadas. Neles, estão incorporados os respectivos planos de trabalho estabelecendo as ações a serem desenvolvidas. Os termos de parceria prevêem ajustes, que podem ser feitos de comum acordo entre as partes, por um Termo de Aditamento ou por registro em simples apostila. Questões para reflexão referentes às Oscips •
Aprofundamento da discussão técnico-jurídica sobre a necessidade de o município criar uma lei municipal para regulamentar as parcerias e/ou realizar um plano municipal de publicização. Alguns municípios paulistas não têm lei municipal própria e assumem a qualificação federal, estabelecida na Lei federal 9.790/99 e no Decreto federal 3.100/99. O Cepam sugere lei municipal para regulamentar a parceria. Nessa lei, o município pode estabelecer alguns requisitos como: tempo de existência da Oscip; sua experiência na área de atuação da parceria; entre outros.
•
Partindo do pressuposto de que a qualificação federal vale para os demais entes federados, é importante que os projetos - objeto do termo de parceria estejam contemplados no PPA, na LDO e na LOA.
•
É necessário regulamentar a escolha da Oscip. A Lei 9.790/99 estabelece que a escolha do parceiro poderá ser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos, pelo órgão estatal parceiro, para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultorias, cooperação técnica e assessoria. Há posicionamentos jurídicos distintos exigindo realização de licitação ou chamamento público. É necessário, também, realizar concurso 260
de projetos para organizar e implementar programa já normatizado, como o Programa da Saúde da Família. •
A formalização da parceria exige análise do custo-benefício dos diversos projetos passíveis de atuação conjunta. Conhecer os custos estimados é importante para que os gestores analisem os benefícios das propostas dos planos e seus respectivos custos. Apesar da dificuldade desse procedimento, é um passo inicial importante para racionalizar a ação pública.
•
O acompanhamento sistemático da parceria deve ser uma prática, nos municípios que optaram por trabalhar com instituições parceiras. O Poder Público e a comissão de avaliação, formada pelo Executivo, pela Oscip e pelos conselhos municipais das áreas envolvidas, devem acompanhar periodicamente as ações propostas e os resultados obtidos.
•
Quanto ao sistema de compras, nem todas as Oscips têm regulamento para esse procedimento e algumas realizam subcontratação de empresas. Deve-se refletir se instrumentos como o pregão eletrônico e a ata de registro de preços seriam alternativas adequadas para os municípios.
•
São necessários estudos aprofundados sobre a relação entre o Poder Público e as Oscips, por se tratar de temática muito nova, além de complexa. Um desafio a ser enfrentado, por exemplo, é o limite de atuação de uma Oscip nas políticas públicas para que os gestores tenham parâmetros de utilização desse novo arranjo organizacional. A atuação do Poder Público deve ser pró-ativa no acompanhamento, supervisão e fiscalização das atividades.
•
Nos
termos
de
parceria
analisados,
constatou-se
que
as
Oscips
são
responsáveis pela contratação e pagamento do pessoal necessário, inclusive pelos encargos sociais e obrigações trabalhistas decorrentes. Para isso, a Oscip deve fazer uma reserva financeira para prevenir, ao final da parceria, o risco de inadimplência. Não se pode, entretanto, esquecer a questão jurídico-trabalhista referente aos funcionários contratados pela Oscip já que há, em alguns casos, 261
uma relação de subordinação entre eles e a prefeitura. •
É necessário planejar a continuidade da prestação de serviços públicos no longo prazo. Apesar de ser possível prorrogar o termo de parceria e, portanto, a continuidade dos serviços envolvidos, pode haver uma interrupção, seja pela não-prorrogação do ajuste ou mesmo pela vontade de uma das partes em suspender a parceria. Essa interrupção pode causar transtornos, principalmente em áreas estratégicas da Administração Pública. Além disso, o trabalho significa aprendizagem e treinamento no próprio processo e a dissolução de uma parceria pode impedir a adequada incorporação de conhecimentos técnicos e gerenciais.
•
Os conselhos setoriais devem analisar, aprovar e acompanhar as parcerias. Essa atuação tem se restringido mais aos procedimentos formais do que aos resultados. É necessário capacitar os conselheiros para essa função.
•
As parcerias exigem preparação, por parte do Poder Público, necessitando formar profissionais para planejar, acompanhar e avaliar os processos.
3.2. ORGANIZAÇÕES SOCIAIS (OSs) Na pesquisa e informações adicionais prestadas pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo, o Cepam identificou 17 OSs. Foram selecionadas três experiências, na área de saúde, para estudos de caso. A escolha dessas OSs foi motivada pela aparente diferença entre os modelos de gestão. São pressupostos do Plano de Publicização Nacional que as entidades qualificadas como OSs não podem ter fins econômicos/lucrativos; seu resultado financeiro deve ser reinvestido em suas finalidades; devem propiciar ampla participação na sociedade no seu órgão máximo de deliberação; devem ter um instrumento
de
pactuação
de
parceria
que
permita
avaliar
qualitativa
e
quantitativamente os serviços prestados e os resultados avaliados por uma comissão 262
técnica do órgão de fomento. Para os estudos de casos, foram utilizadas as entrevistas com informanteschave e a coleta de dados de fonte primária e fontes secundárias. A escolha dos informantes-chave seguiu o critério de importância no processo de criação e gestão das OSs. Procurou-se entrevistar os atuais prefeitos; os dirigentes da área responsável pelo contrato de gestão; os presidentes dos Conselhos Administrativos e os dirigentes executivos das OSs; os membros da comissão de avaliação dos contratos de gestão; os representantes dos usuários nos Conselhos Municipais de Saúde; os membros do Legislativo de oposição aos governos locais; além de usuários do sistema de saúde e das comunidades locais. Os estudos identificaram, basicamente, dois modelos de OSs nos municípios paulistas. O primeiro modelo é caracterizado por reproduzir o modelo adotado pelo governo federal, ou seja, o Estado estimula a criação de uma organização sem fins econômicos/lucrativos, publicizadas,
prevendo
especificamente a
sua
para
participação
assumir no
as
órgão
atividades diretivo
a
serem
(Conselho
de
Administração). Essas instituições qualificadas como OS, por lei local, passam a existir para prestar os serviços que foram publicizados e os recursos financeiros e materiais são, quase na totalidade, oriundos dos orçamentos públicos.
O instrumento de pactuação é o contrato de gestão, que prevê metas qualitativas e quantitativas para os serviços prestados. A gestão do contrato é feita pelo órgão gestor da atividade publicizada, que institui uma comissão composta por representantes do Poder Público e, em alguns casos, por representantes da população, para avaliar o cumprimento do contrato de gestão. Observa-se, nesse modelo, a presença constante do Estado na gestão da OS, quer seja através da sua participação no Conselho de Administração, ou na indicação dos gestores que atuam de forma muito integrada à Administração Municipal. O segundo modelo segue outra lógica, pela qual o Estado cria uma lei para qualificar as 263
entidades civis sem fins econômicos/lucrativos (já existentes) para a prestação de serviços a serem publicizados. Nesse, o Estado não tem participação no órgão diretivo da Entidade. É, basicamente, um contrato com um terceiro, embora mantenha as demais características do contrato de gestão. A entidade qualificada como OS pode ter outras atividades, inclusive em outras áreas de atuação e em outros municípios. A gestão do contrato é feita pelo órgão gestor da atividade publicizada, que também institui uma comissão composta por representantes do Poder Público e, em alguns casos, por representantes da população para avaliar o cumprimento do contrato de gestão.
Questões para reflexão sobre as OSs Quanto às OSs que seguem o modelo preconizado pelo Governo , deve ser observado: • Esse modelo de constituição de OS permite estreita participação do Poder Público na gestão da entidade, que passa a funcionar nos moldes da administração indireta, anterior à Constituição Federal de 1988. Se, por um lado, essa participação propicia, ao Poder Público, o acompanhamento pari passu de todas as operações da OS, por outra, minimiza a participação da sociedade, fragilizando os mecanismos de controle social preconizados pela Lei. • Os maiores benefícios nesse tipo de organização estão na flexibilidade para contratar e demitir pessoal e na aquisição de bens e serviços. Se utilizada por administradores menos comprometidos com a gestão pública, pode ser uma ferramenta inadequada. • Nesse modelo, com a participação do Poder Público na criação e gestão da OS, torna-se realmente desnecessária a licitação para a escolha da entidade a ser qualificada. Entretanto, não deveria prescindir do rigor previsto para a aquisição de bens e serviços na Administração Pública, visto que hoje existe uma ferramenta de gestão bastante eficiente nesta área: o pregão eletrônico.
264
Com relação ao segundo modelo de OS, destaca-se: • O Poder Público não tem grande influência na gestão da Entidade, que geralmente já tem uma estrutura, organização e gestão próprias. A parceria vai funcionar praticamente
como
uma
terceirização
de
serviços,
apenas
com
alguns
instrumentos a mais de controle, como a comissão de avaliação. • O Poder Público não participa do conselho de administração dessas OSs. Entretanto, talvez seja inviável essa participação, uma vez que é pouco provável que uma Entidade de referência estadual/nacional, em uma determinada área de atuação, permita a participação majoritária (ou até minoritária) de uma prefeitura em sua gestão, conforme preconiza a lei federal; ou uma entidade, que presta serviços a várias prefeituras, incluir todos os participantes, nas proporções indicadas. • A maior influência do Poder Público, neste caso, está no acompanhamento e avaliação do desempenho e cumprimento do contrato de gestão pela Comissão de Avaliação da prefeitura que, se bem estruturada, e com atuação em períodos mais curtos do que só no final do contrato, pode representar ganhos na gestão da prestação de serviços. É importante que os profissionais, membros da Comissão de Avaliação sejam qualificados para as funções a serem desempenhadas. • Nessa forma de organização, não há controle, por parte do Poder Público, dos procedimentos e preços das aquisições de bens e serviços, uma vez que o valor do contrato de gestão prevê a prestação de serviços de forma global, incluindo os recursos humanos e materiais, indispensáveis à realização dos serviços. Nas duas formas de implantação de gestão dos serviços por meio de OSs fica evidente que o modelo só tem sucesso se houver vontade política do Poder Executivo local, que, além de respaldar as decisões da área responsável pela publicização, deve garantir recursos para o pagamento das parcelas previstas no contrato de gestão. Se não for consolidada a qualidade da prestação de serviços e a apropriação pela população, desse direito, pode ocorrer, em uma mudança de governo, a falência 265
do modelo, com conseqüências desastrosas para a saúde da população. Uma ferramenta adequada no auxílio à gestão das parcerias são as Comissões de Avaliação. Sua atuação tem extrapolado a função de avaliar o cumprimento do contrato ao seu término, substituindo-o por um processo de avaliação continuada, o que permite a adequação das metas às necessidades do momento. Uma inovação interessante, introduzida por alguns municípios, é a participação de usuários dos serviços e representantes da comunidade nas Comissões de Avaliação. Na área de saúde analisada, alguns equipamentos públicos destinados à atuação das OSs estão disponíveis para a prestação de serviços também para o setor privado, sob a alegação de que os recursos oriundos de empresas de convênios ou particulares auxiliam o financiamento da prestação de serviços aos usuários do SUS. É necessário um estudo aprofundado sobre essa permissão para verificar a adequação e os resultados. Entretanto, se for necessária esta atuação, deve-se discutir os critérios de atendimento do particular/convênio e do SUS, tais como: porta única, não diferenciação de tratamento ou equipamento, fila de espera, etc. Outro aspecto a ser analisado é a participação de vários setores da sociedade nos conselhos de administração da entidade para garantir idoneidade, transparência e controle social da gestão. Nos casos estudados, verificou-se que a atuação dos conselheiros é formal e burocrática, e está mais voltada à aprovação de contas e encaminhamentos do que à participação de fato da vida executiva das organizações.
CONSIDERAÇÕES FINAIS Os principais motivos alegados pelos gestores municipais para a publicização dos serviços são as dificuldades com a gestão dos recursos humanos da Administração Direta e a morosidade no processo de compras. Com relação às compras, alguns municípios afirmam que os problemas já foram minimizados pela utilização do pregão eletrônico, não sendo necessário repassar essa atribuição às OSs ou Oscips. No tocante aos recursos humanos, todos os gestores afirmam haver muita dificuldade 266
para punir e substituir o pessoal que se tornou inadequado para o exercício da função (principalmente pela falta de compromisso profissional) e para contratar pessoal para desempenhar funções com características especiais, para as quais o concurso público não traz solução (por exemplo, agente comunitário que deveria ser ou morar no bairro de atuação). A flexibilidade para contratar e demitir pessoal pelas OSs e/ou Oscips pode solucionar o problema num primeiro momento mas, no médio prazo, pode surgir a mesma dificuldade de ter pessoal comprometido com a prestação dos serviços públicos, pois o problema reside na falta de constância dos gestores e de uma Política de Recursos Humanos que valorize o profissional por meio de aprimoramento e de remuneração compatível com a qualificação e desempenho da função. Nesse sentido, é necessário pensar mecanismos que permitam agilidade e flexibilidade na gestão dos recursos humanos, como condição para que as Administrações não utilizem a figura OS com o objetivo específico de resolver esse problema. É importante ressaltar que muitos questionamentos técnico-jurídicos têm sido feitos a esses novos modelos organizacionais. Apenas para exemplificar, há uma ação direta de inconstitucionalidade com relação às OSs. Entretanto, esta pesquisa não teve como foco analisar a questão jurídica e, sim, conhecer a realidade paulista e como os municípios têm feito a gestão dessas parcerias. Iniciativas com bons resultados dependem de uma boa gestão. No trabalho, foram identificados avanços e inúmeros desafios a serem enfrentados pelo Poder Público municipal. Este estudo é uma contribuição para a reflexão sobre esses novos modelos organizacionais e a sua relação com o Executivo municipal. Análises posteriores são fundamentais para avaliação dos resultados e impactos dessas novas formas de oferta de serviços públicos descentralizados.
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______________________________________________________
Humberto Falcão Martins A Organização Social no Contexto Governamental
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A Organização Social no Contexto Governamental Slide 1
___________________________________ A Organização Social no Contexto Governamental Humberto Falcão Martins hfmartins@unb.br
___________________________________ ___________________________________
São Paulo, Junho de 2007
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ Slide 2
___________________________________ Roteiro |O
contexto da governança social contemporânea | O contexto da arquitetura/organização governamental contemporânea | Considerações finais sobre as OS
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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A Governança social: o reordenamento institucional da sociedade contemporânea
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
Slide 4
As vantagens e desvantagens comparativas das esferas Estado, Mercado e Terceiro Setor, Segundo Offe ESTADO
VANTAGEM
• Equidade • Estatismo dirigista
RISCO DA • Autoritarismo EXACERBAÇÃO
MERCADO
TERCEIRO SETOR
• Eficiência
• Causa
• Liberalismo radical
• Fundamentalismo comunitarista
• Capitalismo selvagem
• Informalidade • Paroquialismo
RISCO DA DEBILIDADE
• Ingovernabilidade
• Baixa competitividade
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
• Perda da identidade
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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___________________________________ Um Estado-Rede |
... “compartilhamento da autoridade (a capacidade institucional de impor uma decisão) no âmbito de uma rede de instituições. Uma rede, por definição, não possui centro, senão nós, de diferentes dimenções e com relações inter-nodais que são frequentemente assimétricas. Mas, em termos finais, todos os nós são necessários para a existencia da rede. Asim, o estadonação se articula cotidianamente na tomada de decisões com instituições supra-nacionais de distintos tipos e em distintos âmbitos […]. Mas, também funcionam nessa mesma rede instituições regionais e locais [e....], cada vez mais, organizações não governamentais (ou neo-governamentais, porque fundamentalmente trabalhan com e a partir dos governos) se conectam com esta rede inter-institucional, feita tanto de negociação como de decisão, de compromisso quanto de autoridade, de informação quanto de estratégia. Este tipo de estado parece ser o mais adequado para processar a complexidade crescente de relações entre o global, o nacional e o local, a economia, a sociedade e a política, na era da informação.” (Manuel Castells, Hacia el estado red, Barcelona, 1998)
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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O movimento em direção ao terceiro setor |
|
Do Estado para o terceiro setor: governança baseada na autoridade vs governança baseada no contrato z Desestatização: substituição da ação estatal e menor envolvimento dos governos para menor custo, maior qualidade, competição (privatização, devolução, terceirização, cupons, bolsas, arrendamentos e conceções, franquia, delegação, “publicização” etc. z Cooperação: suplementação da ação estatal e maior envolvimento dos governos para melhor resultado, atuação sistêmica em rede, cooperação (participação, interlocução, estado-rede) z Formas de Parcerização: convênios, acordos de cooperação e instrumentos contratuais específicos (modelos específicos tais como OS, OSCIP e derivados etc.) Da iniciativa privada para o terceiro setor: responsabilidade social corporativa, filantropia empresarial, substancialização
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Principais Modalidades de ação parceirizada | | | | |
| |
Controle social Defesa de direitos Participação deliberativa na gestão de políticas Interlocução auscultativa: ouvidorias, consultas, audiências públicas Prestação de serviços de relevância social z Saúde, educação, cultura, C&T, meio ambiente etc. Apoio à funções estatais específicas: vigilância, fiscalização etc. Terceirização de atividades z Apoio técnico e administrativo, atendimento e integração, polícia administrativa etc.
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Vantagens estruturais da parceirização com o terceiro setor | | | |
Sentido de missão e comprometimento valorativo com o público Flexibilidade operativa: rapidez, agilidade e redirecionamentos Eficiência operacional: menores custos de transação, inclusive tributários Proximidade com o beneficiário
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Limitações estruturais da parceirização com o terceiro setor | | |
Imperfeições da oferta (poucos provedores e baixa competitividade) Imperfeições da demanda (Estado como contratante único) Mensuração de resultados
___________________________________
Eficiência: insumos intangíveis, custos e custos unitários de difícil mensuração Eficácia: produtos intangíveis Efetividade: temporalidade e causas rivais
___________________________________
z z z
|
___________________________________
Gestão em rede com outros provedores envolvidos
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Limitações estruturais da parceirização com o terceiro setor (cont.) |
Incapacidades do parceiro público: z z z z
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definição de resultados provimento de meios Incentivos monitoramento
Desalinhamento de objetivos entidadeEstado Deslocamento de missão
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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As visões da teoria da agência e do paradigma do empreendedorismo social |
Teoria da agência: desconfiança z z z
|
___________________________________
Paradigma do empreendedorismo social: confiança z z z z
|
Divergência de interesses Riscos de comportamento oportunístico Relação contratual: resultados, meios, controles e incentivos
___________________________________
Reputação motivação coletiva recompensas intrínsecas envolvimento
___________________________________
A literatura sobre experiências de parceirização sugere: z z
a confiança se constrói à base da desconfiança modelos contratuais são instrumentos de construção de confiança
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O contexto da organização governamental contemporânea Ideal Cúpula
Base (Núcleo Operacional)
•
Mais estável, com domínios institucionais das políticas públicas bem demarcados
•
Baixa rotatividade de altos dirigentes
•
Alta flexibilidade (autonomia decisória e operacional) para incorporar rapidamente novas demandas e tecnologias
•
Regionalização e descentralização
•
Alta permeabilidade e transparência perante o beneficiário e instituições de controle
•
Alta capacidade relacional para formação de parcerias e integração de redes mais ou menos instáveis
Factual •
Mais instável (reorganizações políticas e fiscais)
•
Alta rotatividade de altos dirigentes
•
Rigidez estrutural (padronização, concentração e centralização)
•
Opacidade e insulamento perante beneficiários, exceto avanços no atendimento e TI
•
Baixa capacidade relacional, modelos de parcerias instáveis ou burocratizados (muitos modelos e pouca implementação e redes insipentes)
___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________ ___________________________________
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Slide 13
___________________________________ Considerações Finais |
|
|
|
Relevância do modelo z processo de reordenamento institucional z funcionalidade das estruturas z Resultados positivos (SP e MCT) Efeito balizador do Governo federal x dinâmica autônoma dos Estados z Integridade x elasticidade z Restrições e riscos jurídicos z O vácuo regulamentar e o ocaso da gestão dos modelos Os órgãos de controle z Resistências x regulamentação z O direito administrativo A maturação da sociedade civil
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___________________________________ Humberto Falcão Martins, 42, é Doutor em Administração e Mestre em Administração Pública com especialização em políticas públicas e gestão governamental. Já ocupou posições executivas em empresas privadas e na administração pública, tendo sido Secretário de Gestão do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão, delegado do Brasil no Comitê de Gestão Pública da OCDE e Presidente da Rede de Gestão Pública e Transparência do BID. É autor de inúmeras publicações sobre gestão pública, professor da Universidade de Brasília, professor-colaborador da Fundação Getulio Vargas e da Fundação Dom Cabral e de diversas escolas de governo no Brasil e no exterior. Atualmente, é associado honorário do Instituto Publix, atuando em projetos de consultoria em gestão para resultados para governos e organismos internacionais.
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Contatos: hfmartins@unb.br http://hfmartins.sites.uol.com.br 061 8118-7004 (cel)
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ciclo de seminรกrios NOVOS MODELOS ORGANIZACIONAIS