CFMV 54

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ISSN 1517-6959

R e v i s t a

Ano 17/2011 – N° 54 – R$ 7,00

CFMV

SET/OUT/NOV/DEZ

Conselho Federal de Medicina Veterinária

9912287428 - DR/BSB CFMV


CFMV A Revista CFMV é editada quadrimestralmente pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária e destina-se à divulgação de trabalhos técnico-científicos (revisões, artigos de educação continuada, artigos originais) e matérias de interesse da Medicina Veterinária e da Zootecnia. A distribuição é gratuita aos inscritos no Sistema CFMV/CRMVs e aos órgãos públicos. Correspondência e solicitações de números avulsos devem ser enviadas ao Conselho Federal de Medicina Veterinária no seguinte endereço:

SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília–DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 – Fax: (61) 2106-0444 Site: www.cfmv.gov.br – E-mail: cfmv@cfmv.gov.br

A Revista Cfmv é indexada na base de dados Agrobase. Revista CFMV. – v.17, n.54 (2011) Brasília: Conselho Federal de Medicina Veterinária, 2011 Quadrimestral ISSN 1517 – 6959 1. Medicina Veterinária – Brasil – Periódicos. I. Conselho Federal de Medicina Veterinária. AGRIS L70 CDU619(81)(05)


Sumário 4

Editorial

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Entrevista

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

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Destaques

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Jean-François Christiam Chary

Clinica Médica Nanotecnologia

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Suplemento Científico

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Sustentabilidade

70

Educação Veterinária

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Medicina Preventiva

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Publicações

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Relação dos Consultores

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Agenda

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Opinião

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Rafael Herrera Alvarez – Bem-estar de animais de produção


e d i t or i a l

Ano Mundial da Medicina Veterinária O ano de 2011 foi considerado o Ano Mundial da Medicina Veterinária, e foram comemorados os 250 anos da profissão no mundo. Essas datas remetem à criação da primeira instituição de ensino veterinário do mundo, na cidade de Lyon, região sul da França, no ano de 1761. Varias instituições veterinárias do mundo realizaram atos comemorativos que contribuíram para a promoção da Medicina Veterinária. O CFMV esteve presente na cerimônia de abertura do ano mundial, na Conferência Mundial sobre o Ensino Veterinário e na cerimônia internacional de encerramento na Cidade do Cabo. Além da promoção de eventos que comemoraram a data, recebemos o Dr. Chary, organizador do VET2011, que é nosso entrevistado. Baseada no eixo de discussões estabelecido no VET 2011, “Veterinário para a saúde, Veterinário para

o alimento e Veterinário para o planeta” a Revista CFMV procurou ouvir as Comissões instituídas no CFMV e apresenta suas considerações sobre o passado, o presente e o futuro da profissão. Estamos em júbilo, mas devemos evidenciar, a cada oportunidade, que os Médicos Veterinários são agentes atuantes não apenas para a saúde e o bem-estar dos animais, mas, também, são imprescindíveis na saúde pública por sua responsabilidade na promoção da segurança alimentar, controle de zoonoses, pesquisas biomédicas e proteção ao meio ambiente e à biodiversidade. Mais um ano se finda e agradecemos aos que contribuíram com matérias, com as boas críticas, com os nossos relatores de artigos e a toda a equipe. Feliz Natal e que Deus continue nos abençoando no próximo ano.

E X P E D IE N TE CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília–DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 Fax: (61) 2106-0444 www.cfmv.gov.br cfmv@cfmv.gov.br Tiragem: 90.000 exemplares DIRETORIA EXECUTIVA Presidente

Benedito Fortes de Arruda CRMV-GO nº 0272 Vice-Presidente

Eduardo Luiz Silva Costa CRMV-SE nº 0037 Secretário-Geral

Célio Macedo da Fonseca CRMV-RR nº 0004

José Saraiva Neves CRMV-PB nº 0237

Roberto Rachid Bacha CRMV-MS nº 0477

Antônio Felipe Paulino Figueiredo Wouk CRMV-PR nº 0850

CONSELHEIROS SUPLENTES Geovane Pacífico Vieira CRMV-AL nº 0250

Josiane Veloso da Silva CRMV-MA nº 0030/Z

Joaquim Lair

Luiz Carlos Januário da Silva

Amilson Pereira Said

Nivaldo de Azevêdo Costa

CRMV-GO nº 0242 Tesoureiro

CRMV-ES nº 0093

CRMV-AC nº 0001/Z

CRMV-PE nº 1051

CONSELHEIROS EFETIVOS Adeilton Ricardo da Silva

Raimundo Nonato C. Camargo Júnior

CRMV-RO nº 0002/Z

CRMV-PA nº 1504

Oriana Bezerra Lima

Ricardo de Magalhães Luz

CRMV-PI nº 0431

CONSELHO EDITORIAL Presidente

Eduardo Luiz Silva Costa CRMV-SE nº 0037

Joaquim Lair

CRMV-GO nº 0242

Amilson Pereira Said CRMV-ES nº 0093

Editor Ricardo Junqueira Del Carlo

CRMV-MG nº 1759

Jornalista Responsável Flávia Tonin MTB nº 039263/SP Colaboração Flávia Lobo MTB nº 4.821/DF Projeto e Diagramação Duo Design Comunicação Impressão Gráfica Editora Pallotti

CRMV-DF nº 0166/Z

OS ARTIGOS ASSINADOS SÃO DE INTEIRA RESPONSABILIDADE DOS AUTORES, NÃO REPRESENTANDO, NECESSARIAMENTE, A OPINIÃO DO CFMV.


En t r e v i s ta

Jean-François Christiam Chary É Médico Veterinário Inspetor-Geral do Ministério da Agricultura da França. Em 1977, tornou-se Doutor em Medicina Veterinária pela Faculdade de Medicina de Créteil; em 1979, foi livre docente em Cirurgia Veterinária e, em 1981, tornou-se Professor Titular em Cirurgia Veterinária. De 1970 a 1976 atuou na Clínica privada mista na cidade de Chartres. De 1976 a 1986, foi docente de Patologia e Técnica Cirúrgica na Escola Nacional de Veterinária de Maisons-Alfort. De 1984 a 1988, foi Presidente da Federação Francesa de Equitação. Atuou, de 1987 a 1988, como Chefe da Missão Francesa nos Jogos Olímpicos de Seul. De 1988 a 1993 foi o Fundador do Grupo Equitas, escritório de consultoria e expertise veterinários. De 1993 a 1997, foi docente-pesquisador da Escola de Veterinária de Lyon e seu diretor, de 1997 a 2004. De 2002 a 2004, foi o primeiro Vice-Presidente da Associação Europeia de Estabelecimentos de Ensino Veterinário. Em 2007, foi Presidente do Comitê e Coordenador do VET 2011 e, em 2010, foi o Presidente fundador do Comitê Bourgelat.

1. Bourgelat foi o primeiro cientista a sugerir que o estudo da biologia e patologia animal poderia melhorar a compreensão sobre a biologia e patologia humanas. Este paradigma ainda persiste? Efetivamente, Bourgelat, além de ter criado a primeira escola de veterinária do mundo, antes disso foi o primeiro a afirmar a similitude entre a “máquina animal” e a “máquina humana”. Mais tarde, ele propôs àqueles que eram responsáveis Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

pela medicina dos homens a estudar as doenças dos animais, a fim de melhor compreender seus pacientes. Bourgelat também incitou os médicos a testarem antes nos animais os remédios que pretendiam utilizar no homem. Esse conceito de biopatologia comparada estará para sempre arraigado em nossa cultura científica veterinária e particularmente na de nossos colegas que trabalham em pesquisa biomédica.

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En t r e v i s ta 2. As organizações que representam a Medicina Veterinária mundial se reuniram em Paris, no dia 23 de janeiro, e propuseram que, em 2011, fosse celebrado o ano da Medicina Veterinária no Mundo (VET 2011). Como estão ocorrendo e quais as repercussões dessas ações que estão acontecendo pelo mundo? De fato, os mais importantes representantes da nossa profissão estiveram reunidos em Versailles no começo deste ano, inclusive o Presidente do CFMV Benedito Fortes de Arruda, no mesmo local onde, em 1761, Bourgelat convenceu o Rei da França Luís XV a lhe proporcionar os meios para criar a primeira Escola de Veterinária “para aprender a curar as doenças dos animais”. O evento de Versailles foi o do lançamento do Ano Mundial Veterinário, no qual a OIE se envolveu imediatamente e que hoje conta com 1.400 membros correspondentes em 126 países. Um ano durante o qual, em 75 países, entre eles o Brasil, ocorrerá mais de

4. Atualmente, existe o conceito de que os Médicos Veterinários modernos são somente médicos de animais e defensores do bem-estar animal. A que se deve essa caracterização? O grande público está em contato direto com o Médico Veterinário que trata do seu cão, da sua vaca, do seu cavalo, o que o faz logicamente pensar prioritariamente nessa forma de exercício da nossa profissão, na saúde animal. Cabe a todos nós difundirmos o trabalho dos Médicos Veterinários em prol da saúde do homem. 5. O que tem de informação sobre a Medicina Veterinária brasileira? No momento, eu sei que numerosos colegas se dedicam à sanidade de um rebanho bovino muito importante. Sei também que o Brasil conta com mais de 140 escolas ou faculdades de Veterinária. Esse fato me inquieta muito porque duvido que com um número tão grande de estabelecimentos

“Cabe a todos nós difundirmos o trabalho dos Médicos Veterinários em prol da saúde do homem”

350 eventos a fim de promover a nossa bela profissão. Este Ano Mundial Veterinário acontece com o patrocínio conjunto da Unesco, da OMS e da FAO. 3. Os representantes dos 58 países propuseram ações que possuem o mesmo objetivo, ou seja, o de mostrar a importância do Médico Veterinário para a saúde, alimentação e sustentabilidade do planeta. Todos ressaltaram a importância do conceito único de saúde, no qual cada vez mais o Médico Veterinário tem participação na prevenção de problemas à saúde humana. Essa área de atuação deve ser enfatizada na formação do Médico Veterinário ? As bases da biopatologia comparada e da saúde pública veterinária devem ser ensinadas aos nossos estudantes durante o ciclo básico de formação. Posteriormente, devem ser proporcionadas as formações especializadas complementares nas diferentes modalidades de exercício da nossa profissão.

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de ensino consiga-se uma formação suficiente e de qualidade em todos eles. 6. E sobre o futuro da profissão Médico-Veterinária? Eu sou muito otimista; por um lado, porque muitos jovens se sentem motivados a seguir nossa profissão. Eu deveria dizer nosso “métiers”, tantas e tão diversas são as formas de exercer nossa profissão. Por outro lado, o aumento da população humana em nosso planeta e a consequente demanda por alimentos, assegura cada vez mais o emprego de nossos futuros colegas.

Versão para o português pelo Médico Veterinário, Prof. Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk, Conselheiro Efetivo do CFMV e Membro Correspondente do VET 2011.

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

BOURGELAT E A MEDICINA VETERINÁRIA Em 2011, a Medicina Veterinária, por intermédio de diferentes organizações em diversos países do mundo, celebra o ano da Medicina Veterinária, o VET 2011, que comemora os 250 anos das Ciências Veterinárias com eventos capitaneados pela Organização Mundial de Saúde Animal. Mais do que celebrar essa data marcante, pretende-se evidenciar a importância de Claude Bourgelat para a profissão e que os Médicos Veterinários são agentes atuantes não apenas na saúde e bem-estar dos animais, mas, também, são imprescindíveis na saúde pública por sua responsabilidade na promoção da segurança alimentar, controle de zoonoses, pesquisas biomédicas e proteção ao meio ambiente e à biodiversidade. A Medicina Veterinária moderna, organizada a partir de critérios científicos, começou a desenvolverse com o surgimento da primeira Escola de Medicina Veterinária do mundo, graças ao caráter visionário e grande poder de persuasão de Claude Bourgelat junto à realeza

francesa. Em 4 de agosto de 1761, um decreto do Rei Luís XV autorizou Bourgelat a criar a primeira Escola. Ele usou como argumentos a disseminação da peste bovina nos campos da Europa que arruinava a economia rural, sendo a garantia da saúde equina considerada cru2011 o ano cial para a manutenção mund ial ve terin do poder do exército. ário A Escola de Veterinária de Lyon iniciou o seu funcionamento apenas em 19 de fevereiro de 1762, com oito estudantes, sendo considerado o primeiro Curso Formal do Ensino de Graduação Superior em Medicina Veterinária. Em 1766, também na França, foi criado o segundo curso de Veterinária, idealizado e organizado por Claude Bourgelat na Escola de Alfort, em Paris.

Veterinário para a saúde

Veterinário para o alimento Veterinário para o planeta

Imagens: Arqu

ivo do autor

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2 “... abrir uma Escola que se ensina publicamente os princípios e métodos para curar as enfermidades dos animais.” Luís XV, 1761. 1. Decreto de criação da escola de Lyon 2. Escola de Lyon em 1762

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária Claude Bourgelat nutria grande paixão pelos equinos e, antes da criação da Escola de Veterinária de Lyon, já havia recebido o título de Oficial Equestre do Rei Luís XV e Diretor da Academia de Equitação de Lyon, em 29 de julho de 1740, distinção que manteve até o ano de 1765. A identificação de Claude Bourgelat com os cavalos levou-o a publicar, em 1744, o livro intitulado Lê Nouveau Newcastle – um tratado que descrevia o manejo dos equinos sob uma nova abordagem da arte equestre. Seu livro corrigiu descrições prévias acerca da biomecânica equina, fato que ele atribuiu ao limitado conhecimento anatômico daquela época. Na busca por corrigir tais distorções, valeu-se da assistência de médicos cirurgiões do Hospital Hotel-Dieu e de docentes do Colégio de Cirurgia de Lyon. Com base nessa colaboração com os médicos, Borgelat fez emergir três realizações no que tange a: 1) diferença entre abordagem empírica e racionalidade científica; 2) similaridade entre a ”máquina humana” e a “máquina animal”, e 3) oportunidade de criar a profissão de Médico Veterinário. Imagens: Arqu

ivo do autor

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Bourgelat Promotor da Biopatologia Comparada “one healt”

“A analgia do mecanismo do corpo do homem e do animal, ... é verdadeiramente constante. Se afastar da rota que conduz à cura de um e pesquisar novas vias para a cura do outro, é se expor a distanciamentos criminosos.” Bourgelat, C. Enciclopédia, 1756.

Voltaire, em 1771, tece as seguintes palavras a respeito de Bourgelat: “admiro, sobretudo sua ilustrada modéstia... quanto mais você sabe, Claude Bourgelat menos afirma. Em nada se assemelha a 1712-1779 esses médicos que se colocam no lugar de Deus e criam um mundo com suas palavras. Com sua experiência, você criou uma profissão nova, tem prestado verdadeiro serviço à sociedade: essa é a medicina boa”

Graças a Claude Bourgelat os princípios fundadores de nossa profissão são: • •

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O Método científico

A preocupação Econômica •

A Dimensão Comparativa •

A Ética profissional

Dados dos Autor

Ricardo Junqueira Del Carlo 3.Capa do livro “Tratado de Cavalaria”, 1744 4. Exemplo de ilustrações do livro “Tratado de Cavalaria”, 1744

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Médico Veterinário, CRMV-MG nº 1759 Editor da Revista CFMV

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

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BIODIVERSIDADE, SAÚDE AMBIENTAL E O MÉDICO VETERINÁRIO Introdução Em toda a história da humanidade nunca foi tão fácil o acesso à informação em tempo real como na atualidade. Informações sobre eventos ambientais afetando diretamente a saúde e o bem-estar de populações humanas e de animais, os processos produtivos e o equilíbrio do meio ambiente são destaque e foco das atenções mundiais. Dentro desse contexto o enfoque da tríade Veterinário para a Saúde, para o Alimento e para o Planeta nunca esteve tão em voga. O termo biodiversidade ou diversidade biológica, utilizado amplamente desde os anos 1980, constituise uma das grandes questões globais. Para as Nações Unidas, biodiversidade significa a variabilidade de organismos vivos de todas as origens, compreendendo, dentre outros, os ecossistemas terrestres, marinhos e outros ecossistemas aquáticos e os complexos ecológicos dos quais eles fazem parte; compreendendo ainda a diversidade dentro das espécies, entre espécies e de ecossistemas. Para o Global Biodiversity Strategy (CDB, 1992), biodiversidade é definida como a totalidade de genes, espécies e ecossistemas de uma região.

A compreensão da importância da manutenção da biodiversidade e sua relação com a Saúde Ambiental estão diretamente ligadas a dimensões biológicas, geográficas, econômicas, tecnológicas, políticas, sociais e éticas, sendo, portanto, vital para a saúde do nosso planeta.

O passado recente O interesse maior pela biodiversidade, sua preservação e conservação, e de forma ainda indireta pela Saúde Ambiental mostrou-se evidente em 1972, quando a Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento das Nações Unidas (ONU) patrocinou, em Estocolmo, a Conferência sobre Meio Ambiente Humano, que deu origem ao Centro “Nosso Futuro Comum”. Esse centro tinha como objetivo promover o desenvolvimento sustentável, por meio da erradicação da pobreza e da preservação do Meio Ambiente. Em 1983, foi criada pela ONU uma Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, com o objetivo de realizar um reexame das principais

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

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questões ambientais e de desenvolvimento no planeta, propondo medidas que instrumentalizassem a conservação ambiental. Em 1985 e em 1986 foi elaborada a proposta de se criar um amplo programa de cooperação internacional de pesquisas sobre diversidade biológica enfatizando seu papel nos ecossistemas, que preparou o caminho para a resolução adotada pela Assembleia de Camberra, em 1988, de desenvolver um estudo das possibilidades para o lançamento desse programa. Em 1987, foi publicado o relatório “Nosso Futuro Comum” (Rio de Janeiro, Fundação Getúlio Vargas, 1991, 430p.) contendo preocupações, desafios e esforços para o desenvolvimento sustentável. Em 1989, a Assembleia Geral do Centro “Nosso Futuro Comum” decidiu realizar a Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e Desenvolvimento (Cnumad ou Unced, em inglês), sendo definido, em 1990, que a cidade do Rio de Janeiro iria sediála, quando então passou a ser conhecida como a “Conferência de Cúpula da Terra” ou “Eco-92”,

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posteriormente denominada apenas por “RIO-92”. Durante a “RIO-92” foi elaborado o Documento do Rio ou Carta da Terra, assinado pelos chefes de Estados presentes à Agenda 21 (plano de ações para mudança do modelo de desenvolvimento e recuperação ambiental do Planeta). A partir da RIO-92 , a Saúde do Meio Ambiente ganhou vulto internacional, sendo reconhecida como base para a manutenção da saúde e equilíbrio natural do planeta, firmando-se como a grande questão global da atualidade.

O presente A origem dos atuais eventos ambientais naturais potencializados e da perda da diversidade biológica associados à falta de sustentabilidade de processos produtivos indicam a necessidade de se planejar e implantar ações e políticas públicas ambientais voltadas para a manutenção da saúde dos ecossistemas. Nesse cenário, observa-se a necessidade de se encontrar soluções para os problemas de Saúde Ambiental de forma ampla, com intervenção de técnicos de diferentes formações profissionais, capacitados a transpor os limites clássicos de seus conhecimentos acadêmicos, a procura de soluções eficientes para minimizar e corrigir impactos ambientais ou para prevenir aspectos ambientais significativos Entre as categorias profissionais existentes, a Medicina Veterinária destaca-se como uma classe de técnicos que desenvolve atividades e trabalhos com estreita ligação com a Saúde do Meio Ambiente. Por esse motivo é imprescindível melhorar a percepção do Médico Veterinário em relação aos impactos ambientais inerentes às suas atividades profissionais, à conscientização quanto a responsabilidades e conhecimentos a serem adquiridos, como também a mudança no “olhar de ver” a profissão no contexto ambiental, tanto na academia quanto para profissionais atuantes. Consciente dessa realidade, o CFMV criou, em 31 de maio de 2010, a Comissão Nacional de Saúde Ambiental (CNSA) com o objetivo de sensibilizar a classe Médica Veterinária e a população, quanto à importância da Medicina Veterinária na Saúde Ambiental. A CNSA realizou, em 2010 e 2011, o “Ciclo de Palestras sobre Saúde Ambiental” em vários estados brasileiros, obRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

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jetivando fornecer novo enfoque e conhecimentos sobre a Saúde do Meio Ambiente, como também obter informações sobre as demandas existentes no País. Esse Ciclo de Palestras está servindo como base de dados para nortear as ações futuras da CNSA em consonância com as expectativas da classe em todas as regiões brasileiras.

O futuro próximo Cada vez mais se torna relevante o avanço de conhecimentos sobre o equilíbrio dos ecossiste-

Referências Bibliográficas Brasil.1998. Primeiro relatório nacional para a Conservação sobre Diversidade Biológica. Brasil. Brasília: Ministério do Meio Ambiente, dos Recursos Hídricos e da Amazônia Legal. 283p. RATTNER, H. 1995. Globalização em direção a um mundo só? In: Resumos Expandidos, Simpósio internacional “O Desafio do Desenvolvimento Sustentável e a Geografia Política”. Rio de Janeiro: LAGET (UFRJ),IGU/UGI. p. 33-48.

mas e a diversidade biológica, bem como sobre os diferentes encaminhamentos para sua apropriação, conservação, preservação e utilização no contexto das relações homem e natureza. Diante desse quadro, a contribuição dos médicos veterinários para a Saúde Ambiental (base para o desenvolvimento de atividades agrícolas, pecuárias, pesqueiras e florestais) deverá ser efetiva, uma vez que suas atividades profissionais estão diretamente associadas a duas grandes questões: o desenvolvimento sustentável e a globalização. A próxima Conferência de Cúpula da Terra, a RIO + 20 a ser realizada em junho de 2012 na cidade do Rio de Janeiro, certamente será mais um marco mundial relacionado a questões ambientais. Em paralelo, deverá ocorrer o Fórum Global 2012, o qual deverá manter uma linha de ações independentes sendo, portanto, importante a participação de nossa classe nas discussões, sugestões e deliberações que possam ser estabelecidas. O CFMV, por intermédio da CNSA, participará desses eventos representando a classe Médica Veterinária.

Dados dos Autores

Maria do Rosário Lira Castro

Médica Veterinária CRMV-RJ nº 2092 – Membro da Comissão de Saúde Ambiental do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNSA/CFMV).

Endereço pra correspondência: Rua Papa Pio XII nº 315, Jardim Cascata – Teresópolis/RJ – CEP: 25.964-330 E-mail: lcastro1102@globo.com

Maria Auxiliadora Gorga Luna

Médica Veterinária CRMV-DF nº 0370 – Membro da CNSA/CFMV E-mail: doragluna@gmail.com

Maria Izabel Merino de Medeiros

Médica Veterinária CRMV-SP nº 13293 – Membro da CNSA/CFMV E-mail: belvt@uol.com.br

Luciano Menezes Ferreira

Médico Veterinário CRMV-SP nº 14908 – Membro da CNSA/CFMV E-mail: ferreira_lm@yahoo.com.br

Claudia Scholten

Médica Veterinária CRMV-SP nº 2045 – Presidente da CNSA/CFMV E-mail: clau_scholten@yahoo.com.br

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

O PAPEL DO MÉDICO VETERINÁRIO NO BEM-ESTAR ANIMAL ciência do bem-estar animal

Na opinião de Broom (2011), mudanças têm sido registradas nas atitudes humanas em relação aos animais, em razão de esses últimos terem sido incorporados na categoria de agentes a merecer algum tipo de consideração moral, fato que o autor atribuiu a um melhor entendimento acerca da motivação, cognição e complexidade do comportamento social dos animais. Em outras palavras, houve uma evolução desde as tentativas iniciais de se definir bem-estar como uma harmonia entre os indivíduos com a natureza, para se incorporar sentimentos e saúde como parte dessas tentativas de o animal se ajustar ao ambiente. Além disso, novas abordagens vêm priorizando o atendimento das necessidades dos animais, entre as quais aquelas relacionadas com a exibição de certos comportamentos. Tais evidências reforçam também a necessidade de reconhecer o estado de senciência em muitas espécies animais, em especial nos vertebrados. Segundo Souza (2008), o reconhecimento de que os animais são seres sencientes implica a

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Desde que a ativista britânica Ruth Harrison publicou seu livro Máquinas Animais, em 1964, denunciando os métodos de produção animal no Reino Unido, e que resultou na indicação do Médico Veterinário Rogers Brambell para investigar a veracidade dos maus-tratos aos animais nos sistemas de produção, houve um despertar da sociedade para as questões voltadas para o bem-estar animal. A publicação do Relatório Brambell tornou-se um importante marco teórico por colocar na agenda da Medicina Veterinária a desafiadora questão do Bem-Estar Animal. O foco eram os animais de interesse zootécnico, razão pela qual o Comitê de Bem-Estar de Animais de Produção tornou-se internacionalmente conhecido por estabelecer as denominadas Cinco Liberdades: 1. Livres de fome, sede e desnutrição; 2. Livres de desconforto; 3. Livres de dor, injúria e doença; 4. Livres para expressar comportamento normal e 5. Livres de medo e estresse, que tem servido de base para a formulação de legislações específicas em vários países.

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necessidade de reflexões éticas no que tange à destinação que lhes impingem os humanos. Sobre essa questão, a autora recomendou que os Médicos Veterinários valham-se das ferramentas disponibilizadas pela Bioética e pela ciência do Bem-Estar Animal para auxiliá-los na sua atuação profissional. No XXX Congresso Mundial de Veterinária realizado em Cape Town na África do Sul, em outubro de 2011, cabe destacar a relevante posição assumida pela Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), a partir da decisão histórica dos 167 Países-Membros que apoiaram por unanimidade, em 2002, a ampliação do mandato da OIE no sentido de assumir papel de referência internacional na temática relacionada ao bem-estar animal. Os reflexos dessa nova ordem político-econômica podem ser vistos em várias ações desenvolvidas pela OIE, tais como a realização de conferências regionais e globais e a elaboração de diretrizes sobre bem-estar animal aprovadas em sua Sessão Geral de 2005, relacionadas com o abate de animais para consumo humano, transporte marítimo e terrestre de animais e sacrifício humanitário de animais para fins de controle sanitário, além da publicação de livros, periódicos, manuais e vídeos sobre a temática, com participação decisiva de médicos veterinários de todos os continentes em seus quadros diretivos. Finalmente, em 2011, as resoluções emanadas da II Conferência Global sobre Educação Veterinária endossou que o Bem-Estar Animal é uma competência mínima requerida pelo Médico Veterinário, de acordo com os padrões da OIE para a qualidade dos Serviços Veterinários.

o Médico Veterinário e o bem-estar animal Na atualidade, existe uma ampla aceitação pela sociedade de que os Médicos Veterinários são profissionais indispensáveis na proteção do bem-estar animal, uma vez que exercem um papel de intermediação entre animais, seus proprietários, a sociedade Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

e o ambiente. Contudo, para assumir essa posição de liderança, é preciso aceitar o bem-estar animal como uma disciplina de formação profissional e participar das discussões sobre se os animais estão sendo adequadamente utilizados, manejados e protegidos (Golab e Turner, 2010). Segundo Christiansen e Forkman (2007), o conceito de bem-estar animal, na Medicina Veterinária, está sempre balizado pelo status de saúde, porém é importante distinguir entre o sucesso do tratamento propriamente dito , e o sucesso em termos mais globais, em como está o bem-estar geral do animal durante e após o tratamento, o que pressupõe que uma avaliação do bem-estar animal no contexto veterinário necessita de contribuição da área de etologia aplicada, no sentido de beneficiar a Medicina Veterinária, os animais e seus proprietários. Um outro artigo intitulado “Quem é responsável pelo bem-estar animal? A resposta da Veterinária”, Bo Algers (2008), enfatizou que muitos Médicos Veterinários concordam que doenças causadas por micro-organismos ou injúrias resultam num bem-estar pobre. Por outro lado, o componente mental do bem-estar é sempre visto como menos relevante por estes profissionais. O autor atribuiu este fato a quase ausência de conteúdos de Etologia no currículo das Escolas de Veterinária. Em conexão com isso, o Professor Donald Broom registrou que a diversidade da ciência do bem-estar animal está sendo expandida e mostrouse confiante com a decisão da Associação Americana de Medicina Veterinária de promover o ensino dessa matéria nas Escolas dos Estados Unidos da América. Por sua vez, Fraser (2010) destacou que o foco ampliado sobre o bem-estar animal e a emergência da ciência do bem-estar animal têm criado grandes oportunidades para os Médicos Veterinários obterem novos papéis científicos, técnicos e de liderança social, bem como educacionais na melhoria da vida dos animais. Anteriormente, tal posição havia sido compartilhada por Bain et al. (2004), quando destacaram que

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária shutterstock

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os Médicos Veterinários exercem um papel central na pesquisa biomédica (incluindo a Medicina Veterinária), animais silvestres e de produção. Segundo esses autores, na Austrália, os Médicos Veterinários de instituições científicas são divididos em duas categorias principais: profissionais envolvidos na produção, medicina e cirurgia de animais usados com fins científicos, e aqueles que participam dos Comitês Institucionais de Ética Animal, muitos deles envolvidos em ambas as atividades. Opinaram que o Médico Veterinário tem um relevante papel na minimização da dor e do estresse, dessa forma, contribuindo significativamente para o bem-estar e o refinamento do processo de investigação. No cenário da medicina de animais de laboratório vislumbra-se um cenário favorável à atuação do Médico Veterinário, mediante o reconhecimento de instituições tradicionais, tais como a Federação das Associações Europeias de Ciência de Animais de Laboratório (Felasa), Colégio Europeu de Medicina de Animais de Laboratório (Eclam) e a Sociedade Europeia de Veterinários de Animais de Laboratório (Eslav), que (Voipio et al., 2008) as responsabilidades do Médico Veterinário na promoção do bem-estar de animais de laboratório, durante o transporte, monitoramento da saúde, manejo de colônias, enriquecimento ambiental, cirurgia, anestesia, analgesia e eutanásia. Com uma formação especializada, esse profissional ocupa uma posição de destaque no processo e deverá participar da revisão e aprovação de todos os procedimentos e uso de animais em programa institucional, além da implementação do Princípio dos 3 Rs (substituição de animais por métodos alternativos, redução

do número de animais usados na experimentação e refinamento das técnicas para minimizar o sofrimento e aumentar o bem-estar animal). Médicos Veterinários bem treinados e competentes são peças-chave no refinamento dos procedimentos envolvendo animais de laboratório (Clark, 2007). Não representa exagero nem corporativismo perguntar: Como o Médico Veterinário tem contribuído na cura de doenças que no passado e no presente ceifaram milhões de seres humanos? A resposta pode ser respondida por meio de sua participação na pesquisa biomédica, nos programas estratégicos de proteção à saúde animal e à saúde pública e na formulação e execução de políticas zoosanitárias, que têm permitido erradicar e ou controlar enfermidades infectocontagiosas em todo o mundo. E os desafios continuarão no sentido de eliminar novas doenças “globais”, tais como a Febre do Nilo e a Influenza Aviária. Pode-se indagar também: qual tem sido a contribuição do Médico Veterinário na produção de alimentos? Aqui podemos assegurar que o papel desse profissional tem sido decisivo, uma vez que garante a saúde e o bem-estar dos rebanhos, o incremento no efetivo e na produtividade dos plantéis, por meio de técnicas avançadas de manejo e da biotecnologia da reprodução, e das políticas de biossegurança alimentar, que têm contribuído para aumentar a oferta e a qualidade dos alimentos de origem animal. Por fim, pode-se perguntar: qual a contribuição da Ciência Veterinária para o planeta? Bem, quando ocorrem mudanças nos diversos ecossistemas planetários, os primeiros efeitos negativos são observados nos animais, sejam eles domésticos ou silvestres, visto que

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a poluição do ar e da água compromete a disponibilidade de alimentos – plantas, frutos e outras fontes nutricionais – provocando doenças respiratórias, carenciais e metabólicas nos animais. Por essa razão, o Médico Veterinário tem um papel preponderante

no monitoramento das mudanças ocorridas no meio ambiente mediante a observação de alterações na saúde e no comportamento da vida selvagem, o que pode lhe conferir a liderança na emergente área de saúde ambiental.

Referências Bibliográficas ALGERS, B. Who is responsible for animal welfare? The veterinary answer. Acta Veterinaria Scandinavica, v. 50 (Suppl. 1), S1 - SII, 2008. BAIN, S.; MAASTRICHT, S.; BATE, M. et al. The role of veterinarians in the care and use of animals in research and teaching. ANZCCART, v. 17, n. 1, p. 1-3, 2004. BROOM, D.M. A history of animal welfare science. Acta Biother, v. 59, p. 121-137, 2011. CHARY, J-F. Bourgelat: father of veterinary science and comparative pathobiology. Bulletin OIE, n. 1, p. 3-5, 2011. CHRISTIANSEN, S.B.; FORKMAN, B. Assessment of animal welfare in a veterinary

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Dados dos Autores

Alberto Neves Costa

Médico Veterinário CRMV-RN nº 0549 – Presidente da Comissão de Ética e Bem-Estar Animal do Conselho Federal de Medicina Veterinária (Cebea/CFMV).

Endereço para correspondência: Estrada do Arraial nº 2968, apto. 102, Tamarineira-Recife-PE – CEP: 52.051-380 E-mail: albertoncosta@uol.com.br

Rita Leal Paixão

Médica Veterinária CRMV-RJ nº 3937 – Membro da Cebea/CFMV. E-mail: rpaixao@vm.uff.br

Marcelo Weinstein Teixeira

Médico Veterinário CRMV-PE nº 1874 – Membro da Cebea/CFMV. E-mail: marcvet21@terra.com.br

Maria das Dores Correia Palha

Médica Veterinária CRMV-PA nº 0917 – Membro da Cebea/CFMV E-mail: faunaufra@gmail.com

Luis Fernando Batista Pinto

Zootecnista CRMV-BA nº 0235Z – Membro da Cebea/CFMV E-mail: luisfbp@gmail.com

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

Panorama sobre a educação veterinária brasileira Legalmente, a Medicina Veterinária brasileira está embasada na Lei nº 5.517/1968 e na Resolução CNE/CES nº 1, de 18 de fevereiro de 2003, que institui as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCN) dos Cursos de Graduação em Medicina Veterinária. Em ambos os dispositivos legais, o perfil do profissional estabelecido, baseia-se na tríade “Veterinário para a saúde, Veterinário para o alimento e Veterinário para o planeta”, pois considera um profissional com competência para atuar nessas três vertentes. Ressalta-se que o perfil do egresso, ou seja, a descrição das competências que um Médico Veterinário deve possuir, e que está descrito nas DCN brasileiras é completo e coerente com a realidade contemporânea. Prova disso é que foi adotado pelos países do Mercosul dento do acordo para Acreditação de Cursos de Medicina Veterinária (ARCU-SUR). Atualmente, é preocupação das instituições transnacionais que discutem educação veterinária [Conselho Panamericano de Educação Veterinária (Copevet); Organização Mundial de Saúde Animal (OIE); Associação Mundial de Veterinária (WVA)] a publicação de um perfil mundial do Médico Veterinário recém-formado, sendo o perfil brasileiro bem aceito nesses fóruns. Esse fato demonstra que as bases legais da Medicina Veterinária brasileira estão de acordo com os padrões mundiais para a profissão. Apesar desse embasamento, tanto no Brasil como no mundo, de maneira geral, os cursos de graduação em Medicina Veterinária atuam de forma mais enfática em áreas técnicas da profissão, como a clínica e a cirurgia, com maior ênfase em animais de companhia. Apesar de os Seminários Nacionais de Ensino reiteradas vezes abordarem essa temática, alguns cursos de Medicina Veterinária ainda não dão a devida atenção para determinadas áreas estratégicas e de importância capital para a profissão e para o País, dentre elas: (1) as atividades gerais com animais de produção, incluindo o agronegócio, manejo, nutrição etc; (2) a defesa sanitária animal, tema de importância sine qua non para o País, que motivou uma parceria entre o CFMV e o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, visando fomentar sua

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abordagem nos cursos, bem como o treinamento de docentes na área; (3) a saúde pública, incluindo-se higiene e inspeção de produtos de origem animal, zoonoses etc.; (4) a tecnologia de alimentos dita que, a partir da pouca importância dada à essa área nos cursos permitiu o surgimento de novas profissões que atuam nessa atividade; (5) sistemas de produção de animais aquáticos, incluindo nutrição, manejo, clínica, patologia etc.; (6) a sustentabilidade dos sistemas de produção e os impactos ambientais das diferentes atividades exercidas pelos Médicos Veterinários, ou seja, a saúde ambiental; (7) o bem-estar animal, tema que muitas vezes é abordado, porém com falta de conhecimento técnico-científico, sendo norteado principalmente por ideologias. Além dessas elencadas, específicas da profissão, a formação profissional plena, humanista, ética, crítica e reflexiva do Médico Veterinário, está ainda mais distante da realidade do ensino brasileiro. Nas décadas de 1990 e 2000, até os dias atuais, a educação superior brasileira apresentou um crescimento expressivo, tanto em número de cursos, quanto na oferta de vagas. Inicialmente, essa expansão foi quase que exclusivamente em instituições privadas de ensino, porém, nos últimos anos atingiu também o ensino público, principalmente na esfera federal. Segundo dados do Censo da Educação superior do MEC entre os anos de 1991 e 2009 houve um incremento de 2.300% no número de cursos de Biomedicina, passando de sete cursos para 168 ao final dessas duas décadas. O curso que apresentou menor incremento foi o de Medicina, que passou de 80, em 1991, para 185, em 2009, com crescimento de 131,25%. Já a Medicina Veterinária possuía 33 cursos em 1991 e 162 cursos em 2009, com incremento de 390,91%. Dentro do panorama mundial, certamente um país necessita de profissionais de nível superior para que promovam mudanças na sociedade pela sua capacidade crítica e de atuação nos paradigmas sociais. Porém, apenas a expansão quantitativa não supre essa demanda social, que deve ser concomitante com incremento na qualidade. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


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Na Medicina Veterinária é possível observar um grande incremento na oferta de cursos nas regiões mais populosas, como Sul e Sudeste, e baixo número de cursos em outras regiões do País, provocando um excesso de oferta de profissionais no mercado de trabalho, principalmente nos grandes conglomerados urbanos. Historicamente, o Brasil possuía uma demanda reprimida por vagas na educação superior, porém, conforme pode ser observado na Figura 1, entre os anos de 2006 e 2008 houve uma estagnação no número de ingressantes nos cursos de Medicina Veterinária no País, culminando com uma queda tanto na oferta de vagas quanto de ingressantes no ano de 2009. Esse fenômeno gera um custo operacional, sobretudo para instituições privadas, pois o percentual de vagas ocupadas decresceu entre 2001, onde 84,11% das vagas ofertadas eram ocupadas e 2009, onde apenas 59,76% das vagas ofertadas foram ocupadas.

Análises mostram um panorama desfavorável à profissão devido ao crescente número de profissionais disponíveis no mercado, muitas vezes pouco capacitados devido à grande expansão do número de cursos sem a devida preocupação com a qualidade na formação profissional. Esse excesso de profissionais colabora para a desvalorização da profissão, principalmente em termos de remuneração, bem como da imagem social devido à dificuldade de inserção profissional dos recém-formados. Colabora também para o agravamento dessa situação o fato de os cursos de Medicina Veterinária, de forma geral, não estarem preparados para mostrar para seu corpo discente as perspectivas profissionais fora das áreas de atuação mais tradicionais da profissão; por exemplo, raramente são mostrados dados da OIE onde é citado que 60% dos patógenos humanos são zoonóticos, 75% das doenças emergentes são zoonoses e 80% dos agentes com potencial para bioterrorismo 10500 17500 são patógenos zoonóticos. Os estudantes também não são 16500 10000 induzidos a pensar em seu 15500 papel social tanto observan14500 do sua responsabilidade na 9500 prevenção da disseminação 13500 dessas doenças, via terres9000 12500 tre, marinha ou aérea, bem 11500 como no apoio a comunida8500 des mais carentes na área de 10500 saneamento básico, cuidados 8000 9500 básicos da saúde, incluindo a 2001 2002 2003 2004 2005 2006 2007 2008 2009 Vagas 9662 11261 11734 12284 13311 13984 15615 17366 16642 higiene alimentar. Ingressantes 8127 8676 8834 8653 9787 10253 10206 10270 9945 Estudos realizados por empresas na área de recursos Figura1. Número de vagas ofertadas e ingressantes nos cursos de Medicina Veterinária do humanos avaliam que caracBrasil entre os anos de 2001 e 2009. Fonte: Sinopses da Educação Superior – inpep/MEC. terísticas como autocontrole

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária emocional, equilíbrio entre razão e emoção, capacidade de autopercepção, empatia, adaptabilidade ao ambiente de atuação e expressão adequada de ideias, são habilidades diretamente valorizadas no dia a dia do mercado de trabalho. Além dessas, outras habilidades e competências gerais que estão presentes nos profissionais de sucesso são o conhecimento de pelo menos uma língua estrangeira, redação segura e coerente em língua portuguesa, conhecimentos de informática, atualidades e capacidade de raciocínio lógico. Conforme se pode observar, apesar de as DCNs descreverem essas características como sendo desejáveis no egresso dos cursos de Medicina Veterinária, as instituições de ensino, não só no Brasil, não encontraram ainda uma maneira de desenvolvê-las no decorrer do processo de formação. Outro aspecto a ser considerado no contexto da educação médico-veterinária brasileira é a disponibilidade de recursos humanos. Estão cadastrados no MEC 191 cursos de Medicina Veterinária. Para o bom funcionamento desses cursos, seriam necessários entre 5 e 6 mil docentes, devido a alguns fatores já citados, principalmente relacionados à qualidade de formação dos profissionais, torna-se complexo termos essa quantidade de indivíduos com preparo suficiente para ser realmente um professor. Embora exista grande quantidade de indivíduos titulados em cursos de pós-graduação stricto sensu, essa titulação, por si só, não é sinônimo de capacitação. Assim, temos muitos profissionais com títulos de mestrado e/ou doutorado, sem a capacitação necessária para ser bom docente. O ingresso imediato dos recém-graduados nos programas de mestrado, muitas vezes por falta de outras opções no mercado de trabalho e a atual política de pós-graduação brasileira, mais preocupada com o quantitativo das publicações científicas, sem uma preocupação mais pontual com a qualidade (número de citações dos artigos produzidos), resulta em um grande número de estudantes de pós-graduação sem experiência profissional. Assim, o docente é titulado, porém não capacitado, pois não tem experiência profissional. Conforme pode ser observado, a situação da educação médico-veterinária brasileira e mundial requer bastante trabalho e atenção visando à quebra de diversos paradigmas, pois, conforme dito por Albert Einstein: “A definição de insanidade é fazer a mesma coisa sempre, esperando resultados diferentes”. Diante da realidade exposta, fica patente a necessidade de compromisso e engajamento dos responsáveis pela educação, como dirigentes e professores, em produzir as mudanças que o consenso mundial clama.

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Dados dos Autores

Rafael Gianella Mondadori

Médico Veterinário CRMV-RS nº 5672 Presidente da Comissão Nacional de Ensino da Medicina Veterinária do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CNEMV/CFMV).

Endereço para correspondência: Rua Leonardo da Vinci, 79, Mondrian Residencial, Sinop-MT, CEP: 78.550-000 E-mail: mondadori@ufmt.br

Antônio Felipe Paulino de Figueiredo Wouk

Médico Veterinário CRMV-PR nº 0850 Membro da CNEMV/CFMV. E-mail: fwouk@ufpr.br

Irineu Machado Benevides Filho

Médico Veterinário CRMV-RJ nº 1757 Membro da CNEMV/CFMV. E-mail: irineu_benevides@hotmail.com

João Garcia Caramori Júnior

Médico Veterinário CRMV-MT nº 1999 Membro da CNEMV/CFMV. E-mail: caramori@ufmt.br

Carlos Humberto Almeida Ribeiro Filho

Médico Veterinário CRMV-BA nº 0454 Membro da CNEMV/CFMV. E-mail: charf_@hotmail.com

Paulo César Maiorka

Médico Veterinário CRMV-SP nº 6928 Membro da CNEMV/CFMV. E-mail: maiorka@usp.br

João Carlos Pereira da Silva

Médico Veterinário CRMV-MG nº 123 Membro da CNEMV/CFMV. E-mail: jcpsilva@ufv.br

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária

A Saúde Pública e a Veterinária

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de uma ou outra profissão. A saúde, de fato, necessita dos saberes de muitas profissões, tanto as do campo das ciências biológicas, como fora dela. Materializar tal entendimento passou a ser tarefa de um conjunto de profissões atuantes no segmento saúde, e, entre elas, a Medicina Veterinária. Série histórica da Saúde Pública Veterinária: 99 Nos Estados Unidos da América, em 1925, foi criado um programa de Medicina Veterinária de saúde pública. 99 No Japão, em 1938, foram oferecidos os primeiros cursos de saúde pública aos Médicos Veterinários. 99 As distintas iniciativas mundiais de buscar o envolvimento e comprometimento da Medicina Veterinária com a saúde pública ganharam novas formas a partir do término da II Guerra Mundial. 99 Em 1944, a Organização Panamericana de Saúde começou a contratar Médicos Veterinários como consultores. Em 1946, a conferência de estruturação da Organização Mundial de Saúde recomendou a criação de uma seção de saúde veterinária, que foi estabelecida em 1949. 99 Em 1949, a Organização Mundial da Saúde (OMS) criou a Seção de Medicina Veterinária de Saúde Pública da OMS. k

A primeira atividade da saúde pública dentro da Medicina Veterinária é a higiene de alimentos, com Médicos Veterinários assumindo posições administrativas nos programas de saúde pública de vários países, no final do século XIX e início do século XX. A participação do Médico Veterinário no trabalho de saúde pública vinculada a essa área de atuação durou até a Segunda Guerra Mundial. O segundo período da Medicina Veterinária na saúde pública teve seu início após a Segunda Guerra e se caracterizou pelo trabalho voltado para a população com o uso da epidemiologia no desenvolvimento de programas de controle de zoonoses. Como consequência da interação com profissionais da medicina humana, os Médicos Veterinários começaram a ocupar várias posições nas áreas técnicas e administrativas da saúde pública. A partir das descobertas de Louis Pasteur, relativas à origem microbiana de algumas doenças, tornaram-se evidentes os avanços dos conhecimentos científicos que deram base ao nascimento e crescimento da “medicina científica”. São inquestionáveis as repercussões positivas sobre a Medicina Veterinária de Saúde Pública no final do século XIX, cabendo citar: incremento na produção de alimentos, desenvolvimento da higiene pessoal, ambiental e dos ambientes de trabalho. Essas ações, quando somadas à promoção da saúde e à consciência da determinação social das doenças – herança da Medicina Social – criaram um terreno fértil para outros entendimentos referentes às questões sanitárias. A multicausalidade das doenças abriu caminho fértil a muitos saberes. O termo saúde ganhou maior complexidade conceitual, principalmente no século XX. Assim, ficou relativamente claro que exercer a promoção da saúde, a prevenção de doenças e agravos, intervir em reservatórios de doenças etc. Transcende competências

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A SAÚDE PÚBLICA VETERINÁRIA

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária 99 Em 1955, um grupo de peritos da OMS da Europa reuniu-se para definir as atribuições do Médico Veterinário na saúde pública. 99 Em 1956, na cidade de Buenos Aires, foi criado o Centro Pan-americano de Zoonoses da Organização Pan-americana de Saúde (OPAS). Em 1975, ocorreu uma reunião conjunta entre a OMS e a Food and Agriculture Organization (FAO). Nessa oportunidade, foram definidas as atribuições do Médico Veterinário como profissional da área da saúde e, definitivamente, tornou-se pública sua responsabilidade na construção da qualidade de vida e saúde das pessoas (Opas, 2003). O termo Saúde Pública Veterinária foi utilizado oficialmente pela primeira vez em 1946, durante um encontro que incumbia a OMS de fornecer uma estrutura conceitual e programática para aquelas atividades de saúde pública que envolvem a aplicação do conhecimento em Medicina Veterinária direcionado para a proteção e promoção da saúde humana. Na primeira reunião da OMS/FAO, o termo foi assim definido: “A saúde pública veterinária compreende todos os esforços da comunidade que influenciam e são influenciados pela arte e ciência médica veterinária, aplicados à prevenção da doença, proteção da vida, e promoção do bem-estar e eficiência do ser humano”.

ATUAÇÃO DO MÉDICO VETERINÁRIO NA SAÚDE PÚBLICA Segundo a OMS, “A Saúde Pública Veterinária (SPV) é um componente das atividades de saúde pública devotado à aplicação das habilidades, conhecimentos e recursos da profissão veterinária para a proteção e melhora da saúde humana”, sendo esse o seu principal campo de atuação. A SPV desempenha diversas funções que obedecem à vasta comunhão de interesses existentes entre a Medicina Veterinária e a Medicina humana e oferecem a oportunidade de uma proveitosa interação. Como profissão cruzada, a SPV apresenta natureza

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interdisciplinar, voltando-se simultaneamente para ambas as direções: os seres humanos e os animais (PFUETZENREITER et al, 2004). O Médico Veterinário se incorpora muito facilmente ao grupo de profissionais de saúde por estar habituado a proteger a população contra as enfermidades coletivas. O tipo de formação recebida pelo Médico Veterinário está em harmonia com o conceito de saúde pública, que considera todos os fatores que determinam a saúde coletiva, sem limitar-se às necessidades do indivíduo. Os Médicos Veterinários podem desempenhar dois tipos de função dentro da saúde pública. O primeiro tipo estabelece as atividades para as quais o Veterinário tem uma qualificação única. O outro abrange as atividades que podem ser desempenhadas igualmente pelos Médicos Veterinários e pelos demais profissionais do setor (WORLD HEALTH ORGANIZATION, 1975; PFUETZENREITER et al.,2004). São inúmeras as contribuições da Medicina Veterinária para a saúde humana. Dentre as funções básicas do Médico Veterinário estão: diagnóstico, controle e vigilância em zoonoses; estudos comparativos da epidemiologia de enfermidades infecciosas dos animais em relação aos seres humanos; intercâmbio de informações entre a pesquisa médica veterinária e a pesquisa médica humana com vistas à aplicação dessa para as necessidades da saúde humana; estudo sobre substâncias tóxicas e venenos provenientes dos animais; inspeção de alimentos de origem animal em todas as suas fases de processamento; vigilância sanitária; estudo de problemas de saúde relacionados às indústrias animais, incluindo o destino adequado de dejetos; supervisão da criação de animais de experimentação; estabelecimento de interligação e cooperação entre as organizações de saúde pública e veterinária com outras unidades relacionadas com animais; avaliação de impacto ambiental de grandes empreendimentos; consulta técnica sobre assuntos de saúde humana relativos aos animais. A ampla formação do Médico Veterinário nas ciências biomédicas o qualifica para desempenhar

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muitos papéis adicionais na saúde pública, que são comuns à equipe multiprofissional de saúde, como: a epidemiologia em geral; atuação nos laboratório de saúde pública; produção e controle de produtos biológicos; proteção dos alimentos; avaliação e controle de medicamentos; saneamento ambiental; pesquisa e ensino na saúde pública; administração, o planejamento e a coordenação de programas de saúde pública, saúde do trabalhador etc.

“Um Mundo, Uma Saúde” Atualmente, trabalha-se sob a estratégia inovadora chamada “Um Mundo, Uma Saúde”, que foi elaborada por quatro organismos internacionais responsáveis pelo tema: Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO), Organização Mundial de Saúde Animal (OIE), Organização Mundial de Saúde (OMS) e Fundação das Nações Unidas para a Infância (Unicef ). Essa estratégia gira em torno da prevenção e controle das enfermidades infecciosas emergentes e reemergentes, na interface existente entre o homem, os animais e os ecossistemas. Seu objetivo é a promoção de saúde e prevenção das doenças, visando à resolução dos problemas de saúde nas populações mais suscetíveis, reforçando a capacidade de resposta às emergências mundias de saúde. A iniciativa Saúde Única é um movimento que busca a união entre Médicos, Médicos Veterinários, Odontólogos, Enfermeiros e outros profissionais de saúde, com o conceito de que para as doenças, não há separação entre o homem, os animais e o meio ambiente.

Formação do MéDICo VETERINÁRIo PARA A SAÚDE PÚBLICA O desafio está na formação que destaca a saúde pública e na qual o profissional de Medicina Veterinária tenha um nível de competência consistente com as demandas da sociedade (CNSPV/CFMV, 2010). Muito embora a definição de SPV implique uma abordagem multidisciplinar, esse escopo mais am-

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plo é contemplado em poucas escolas, denotando a carência de um ensino direcionado para atender às necessidades da população (PFUETZENREITER e ZYLBERSZTAJN, 2008). É sabido que a Medicina Veterinária tem um papel fundamental a desempenhar no campo da saúde pública, havendo necessidade de profissionais especializados na área (CNSPV/CFMV, 2010). Essa lacuna dificulta a preparação do profissional para atuar em equipes multidisciplinares de saúde, no desenvolvimento de tarefas que extrapolem o âmbito da saúde animal e envolvam também a saúde humana (PFUETZENREITER e ZYLBERSZTAJN, 2004). Isso é importante porque a SPV pode contribuir para o bem-estar físico, mental e social dos seres humanos mediante a compreensão e a aplicação dos conhecimentos da Medicina Veterinária com o propósito de proteger e promover a saúde humana, estabelecendo vínculos com a agricultura, a alimentação, a saúde animal, o meio ambiente e a educação (CNSPV/CFMV, 2010). O contraditório é que, apesar do reconhecimento da importância da área de saúde pública, essa área não é muito privilegiada durante o curso, mesmo com as mudanças ocorridas na profissão e no mercado de trabalho (MENEZES, 2005; PFUETZENREITER e ZYLBERSZTAJN, 2008). Outro aspecto importante a ser mencionado é o fato de que a maioria dos cursos de Medicina Veterinária brasileiros não possui uma estrutura favorável ao desenvolvimento de atividades práticas relativas à saúde pública, o que dificulta a ocupação de novos espaços nessa área de atuação. Muitos desafios surgem a cada dia para esse profissional e torna-se

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Especial: Vet 2011 – 250 anos da Medicina Veterinária cada vez mais necessária a consolidação das posições conquistadas pelo Médico Veterinário na saúde pública (CNSPV/CFMV, 2010). Os cursos de Medicina Veterinária necessitam aprimorar o conteúdo teórico das disciplinas de saúde pública, bem como proporcionar oportunidades para a realização de atividades práticas, com o intuito de preparar melhor o profissional para esse mercado de trabalho emergente (MENEZES, 2005). Nesse contexto, a proteção dos alimentos e o controle e a erradicação de zoonoses permanecem as funções de maior interesse nas áreas de atuação do Médico Veterinário. Também ganham destaque outros três enfoques: os modelos biomédicos (pesquisas em animais para estudar os problemas de saúde dos seres humanos), o desenvolvimento dos serviços de saúde pública veterinária, e o ensino e a formação em saúde pública. Em relação ao último tópico, recomenda-se a mudança de abordagem dos currículos – com concentração excessiva na clínica – para fornecer uma educação mais voltada para os aspectos de saúde pública (ARÁMBULO, 1991). Uma atividade importante do Médico Veterinário dentro da saúde pública é a educação em saúde, que permite a atuação na difusão de informações e na conscientização das pessoas sobre os temas ligados à saúde. A participação é fundamental nos programas de educação em saúde para a proteção e promoção da saúde humana, em comunidades, dentro dos princípios do desenvolvimento sustentável, levando sempre em consideração o seu território de atuação. Nielsen (1997) declara que o profissional de Medicina Veterinária deve ter um nível de compe-

tência consistente com as demandas da sociedade. O reconhecimento da importância da profissão para a sociedade está na dependência de sua relevância social. Dentre as questões de maior relevância social apontadas para a profissão para este século estão: produção de alimentos com utilização de métodos sustentáveis; proteção do meio ambiente à degradação e perda da biodiversidade, e a profilaxia e enfrentamento de novas e re-emergentes zoonoses.

Saúde da Família. uma nova atuação O Médico Veterinário insere-se em diferentes atividades de saúde pública que podem contemplar a gestão, o planejamento e a avaliação em saúde, a pesquisa, o ensino, e, mais tradicionalmente, a vigilância epidemiológica, sanitária, ambiental e educação em saúde. O reconhecimento do Médico Veterinário como profissional de nível superior da área da saúde, se deu por meio da Resolução nº 38, de 12/11/1993, do Conselho Nacional de Saúde (CNS). A partir de 1993, a Medicina Veterinária passa a participar de todos os Fóruns Multidisciplinares da área da Saúde, além de conquistar por vários mandatos uma Representação como Conselheiro, no Conselho Nacional de Saúde do Ministério da Saúde. Como a Atenção Primária à Saúde é complexa e demanda uma intervenção interdisciplinar para que se possa ter efeito positivo sobre a qualidade de vida da população, o Ministério da Saúde publicou em 2008, a Portaria nº 154 que viabiliza a criação e desenvolvimento dos Núcleos de Apoio à Saúde da Família, conhecidos como Nasf, que devem ser constituídos

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ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. A competency-based curriculum for veterinary public health and preventive medicine. Washington : Paho/WHO, 1975. 115p. (Publicación Científica 313). ORGANIZACIÓN PANAMERICANA DE LA SALUD. Tendencias Futuras de la Salud Pública Veterinaria. Paho/WHO,2003.103p. ( Publicación Científica y Técnica nº. 593). PFUETZENREITER, M.R.; Zylbersztajn, A.; Avila-Pires, F. D. Evolução histórica da Medicina Veterinária preventiva e saúde pública. Ciência Rural, Santa Maria, v.34, n.5, p. 1661-1668, set-out, 2004. PFUETZENREITER, M.R.; ZYLBERSZTAJN, A. O ensino de saúde e os currículos dos

cursos de Medicina Veterinária: um estudo de caso. Interface – Comunicação, Saúde, Educação. v.8, n.15, p. 349-60, 2004. PFUETZENREITER, M.R.; ZYLBERSZTAJN, A. Percepções de estudantes de Medicina Veterinária sobre a atuação na área da saúde: um estudo baseado na ideia de “estilo de pensamento” de Ludwik Fleck. Ciência & Saúde Coletiva. v.13, suppl.2, p. 2105-2114, 2008. SCHWABE, C.W. Veterinary medicine and human health. 3.ed. Baltimore : Williams & Wilkins, 1984. 680p. WORLD HEALTH ORGANIZATION. The veterinary contribution to public health practice. Report of a Joint FAO/ WHO Expert Committee on Veterinary Public Health. Geneva, 1975. 79p. (Technical Report Series n. 573).

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por equipes compostas por profissionais de diferentes áreas de conhecimento, para atuarem em conjunto com os profissionais já existentes na Estratégia em Saúde da Família, na ótica do zoneamento, sendo referenciados a um determinado número de imóveis ou residências, criando vínculo com a população. Em 2011, o Ministério da Saúde, avaliando as reivindicações da Medicina Veterinária (CNSPV/CFMV), por meio da Portaria nº 2.488, de 21/10/2011, publicada no Diário Oficial da União de 24/10/2011, que aprova a política Nacional de Atenção Básica (PADILHA, 2011), estabelecendo uma revisão de diretrizes e normas para a Estratégia da Saúde da Família, inclui o Médico Veterinário como um dos profissionais

habilitados a compor as equipes do Nasf 1 e Nasf 2, entendendo que esse profissional tem muito a contribuir com seus conhecimentos nas diferentes realidades epidemiológicas dos territórios brasileiros, na promoção da saúde, prevenção, vigilância e controle de doenças. Dessa forma, a confirmação da inclusão da Medicina Veterinária no Nasf representa a materialização da colaboração dessa profissão à atenção básica de saúde das famílias em nosso país, consolidando o Sistema Único de Saúde e seguindo o conceito mundial de que o custo e o impacto social das doenças nos seres humanos só podem ser minimizados com a prevenção e a promoção da saúde.

Dados dos Autores

Paulo César Augusto de Souza

Médico Veterinário CRMV-RJ nº 1645 – Presidente da Comissão Nacional de Saúde Pública Veterinária – (CNSPV/CFMV).

Endereço para correspondência: Rua Olinda Ellis, 9 casa 5-101, Bairro Campo Grande – Rio de Janeiro-RJ, CEP: 23.045-160 E-mail: pcesaraugusto@uol.com.br

Sthenia Santos Albano Amóra

Médica Veterinária CRMV-RN nº 0710 – Membro da CNSPV/CFMV. E-mail: stheniasantos@yahoo.com.br

Roberto Francisco Lucena

Médico Veterinário CRMV-RS nº 4716 – Membro da CNSPV/CFMV. E-mail: lucenaroberto@bol.com.br

Aurélio Belém de Figueiredo Neto

Médico Veterinário CRMV-SE nº 0036 – Membro da CNSPV/CFMV. E-mail: aureliobelem@gmail.com

Marcelo Jostmeier Valandro

Médico Veterinário CRMV-RS nº 7715 – Membro da CNSPV/CFMV. E-mail: mvallandro@hotmail.com

Celso Bittencourt dos Anjos

Médico Veterinário CRMV-RS nº 1664 – Membro da CNSPV/CFMV. E-mail: celsoanj@terra.com.br

Lúcia Regina Montebelo Pereira

Médica Veterinária CRMV-PI nº 0199 – Membro da CNSPV/CFMV. E-mail: luciamontebello@gmail.com

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D e s ta qu e s GRANDE CONQUISTA PARA OS PROFISSIONAIS Após várias ações, o Médico Veterinário é inserido no Nasf Arquivo cfmv

A portaria que autoriza a inclusão do Médico Veterinário no Nasf foi publicada, em 24 de outubro, no Diário Oficial da União, pelo Ministério da Saúde. Essa é uma vitória da classe Médico-Veterinária capitaneada incansavelmente pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) junto ao Governo Federal em diversas esferas. “Com essa nova determinação, qualquer Secretário de Saúde municipal poderá incluir o Médico Veterinário em seus quadros de atuação para saúde da família”, comemora o Presidente do CFMV, Benedito Fortes de Arruda. A inclusão do Médico Veterinário no – Núcleo de Apoio à Saúde da Família (Nasf ). Também contou com o apoio da então Senadora Gleisi Hoffmann, que agora ocupa o cargo de Ministra-Chefe da Casa Civil, entre outros profissionais, parlamentares e organizações. O CFMV também agradece ao Ministro da Saúde, Alexandre Rocha Santos Padilha, que, no primeiro semestre, recebeu este Conselho para tratar do tema.

CÂMARA NACIONAL DE PRESIDENTES: TROCA DE EXPERIÊNCIAS ENTRE CONSELHOS Arquivo cfmv

Com a finalidade de incentivar a troca de experiências entre os Conselhos Regionais de Medicina Veterinária (CRMVs) e de colocar em discussão temas importantes que envolvem a área, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) realizou mais uma edição da Câmara Nacional de Presidentes do Sistema Conselho Federal e Regionais de Medicina Veterinária Câmara Nacional de Presidentes (CFMV/CRMVs). O evento ocorreu em 1º e 2 de setembro no Hotel Beach Class Suítes, em Recife-PE. Especialistas nacionais e internacionais da área deram suas contribuições ao encontro. O evento foi uma oportunidade de incitar reflexões

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nos participantes como cidadãos e como representantes de seus estados. “Estamos reunidos aqui para conviver, aprender, ensinar, trocar ideias e transformar”, disse o Presidente do CFMV Benedito Fortes de Arruda.

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SESSÃO ESPECIAL NO SENADO CELEBRA O ANO MUNDIAL DA MEDICINA VETERINÁRIA Arquivo cfmv

Em 17 de outubro, o Senado Federal promoveu Sessão Especial para celebrar 2011 como Ano Mundial da Medicina Veterinária. A homenagem foi realizada a pedido da Senadora Ana Amélia (PP-RS), motivada pela comemoração, neste ano, dos 250 anos da profissão. Ana Amélia comparou os Médicos Veterinários a um exército que tem o conhecimento e instrumentos tecnológicos como armas para enfrentar o desafio de conciliar a defesa da sanidade animal com a segurança alimentar. O Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária, Benedito Fortes de Arruda, convidado para compor a mesa da cerimônia, agradeceu à Senadora e aos demais senadores pela oportunidade de mostrar ao País a importância do papel da Medicina Veterinária à população.

Presidente do CFMV com a Senadora Ana Amélia

PRESIDENTE E COORDENADOR DO VET 2011, FRANÇOIS CHARY, PARTICIPA DA CÂMARA NACIONAL DE PRESIDENTES DO SISTEMA CRMV/CFMV A convite do Presidente do Conselho Federal Medicina Veterinária do CFMV (CNEMV). Eles disde Medicina Veterinária (CFMV), Benedito Fortes cutiram sobre o ensino no Brasil e em outros países, de Arruda, o francês François Chary, Presidente do e Charry deu sua opinião: ”A competência começa Comitê e coordenador do Vet 2011, participou da com a educação. É importante verificar a qualidade Câmara Nacional de Presidentes do Sistema CFMV/ de ensino das instituições brasileiras e fazer exaCRMVs, dias 1º e 2 de setembro, em Recife (PE). mes periódicos com profissionais para que essa Em retribuição ao trabalho do CFMV e de seu qualidade possa ser mantida”. Presidente, Benedito Fortes de Arquivo cfmv Arruda, no Vet 2011, o Conselho foi convidado a ser um dos cinco membros mundiais fundadores do Comitê Bourgelat, junto com Estados Unidos, México, Canadá e França. “Com a criação do Comitê, vamos capitalizar o que está sendo realizado em 2011 e fazer uma melhor comunicação para a Medicina Veterinária”, comenta Chary. Três dias depois, em Brasília, François Chary visitou a sede do CFMV e participou da reunião da Comissão Nacional de Ensino da Presidente do CFMV, Francois Charry e Felipe Wouk

Médicos Veterinários e Zootecnistas Cadastrem-se em www.cfmv.gov.br e recebam semanalmente, em seu endereço eletrônico, notícias do CFMV.

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D e s ta qu e s FRANKLIN RIET-CORREA AMARAL RECEBE O PRÊMIO PROFESSOR PAULO DACORSO FILHO Arquivo cfmv

Amaral e Benedito Dias

O Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) entregou, em 26 de setembro, na abertura da XV Enapave 2011, em Goiânia (GO), o Prêmio Professor Paulo Dacorso Filho 2010. O reconhecimento é considerado, pelos profissionais da área, uma das grandes honrarias da Medicina Veterinária no Brasil. Franklin Riet-Correa Amaral recebeu a medalha, o bóton e a placa das mãos do Presidente do Conselho Regional de Medicina Veterinária de Goiás (CRMV-GO) e membro da Comissão Nacional de Residência da Medicina Veterinária do CFMV, Benedito Dias de Oliveira Filho, que representou o presidente do CFMV na cerimônia. Emocionado, o agraciado agradeceu a todos que contribuíram para sua vitória. “Para mim, é um reconhecimento de anos de trabalho. Obrigado, CFMV pela oportunidade” disse.

SEMINÁRIO NACIONAL DE ENSINO MOSTRA POR QUE É UM DOS EVENTOS MAIS IMPORTANTES DA ÁREA Arquivo cfmv

Palestrante Miguez, Presidente do CFMV e Mondadori

Dos dias 14 a 16 de setembro, o auditório General Uchôa da União Pioneira de Integração Social (Upis), na capital federal, foi palco de discussões sobre o ensino da Medicina Veterinária no Brasil. O evento foi transmitido, ao vivo, aos internautas, que enviaram perguntas aos palestrantes. Os questionamentos vieram de vários países como Estados Unidos, Inglaterra, Alemanha, Japão, França, Portugal, Canadá, além do Brasil.

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Na abertura do Seminário, o Presidente do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), Benedito Fortes de Arruda, demonstrou sua preocupação com a qualidade dos cursos. Rafael Mondadori, Presidente da Comissão Nacional de Ensino da Medicina Veterinária do CFMV (CNEMV), agradeceu o apoio do Conselho e enfatizou a questão da visão holística da profissão.

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CFMV E TCU JUNTOS NA CONQUISTA DE UM MODELO DE GESTÃO EFICAZ Arquivo cfmv

A pedido do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV), diretores, auditores e chefes de departamento do Tribunal de Contas da União (TCU), receberam os membros da Coordenadoria do Projeto de Implantação do Modelo de Gestão do Conselho (CPIMG) na sede do TCU, em Brasília (DF), em 13 de julho. Os objetivos da visita foram trocar experiências e discutir sobre a excelência nos procedimentos do M odelo de Gestão implantado no CFMV.

Equipe CFMV com representantes do TCU

MÉDICA VETERINÁRIA MARIA JOSÉ DE SENA É ELEITA PRIMEIRA REITORA DA UFRPE Arquivo cfmv

A Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE) elegeu, em 20 de setembro, Maria José de Sena reitora, a primeira mulher a ocupar o cargo em uma universidade pública no Estado. Ela é graduada em Medicina Veterinária e Licenciatura em Ciências Agrícolas pela UFRPE, além de Licenciatura em Ciências Biológicas pela Unicap. Tem doutorados na área de Medicina Veterinária Preventiva e Epidemiologia pela UFMG. O Plano de Gestão de Maria José de Sena e Marcelo Brito Carneiro Leão (vice-reitor), durante o quadriênio 2012-2016, prevê linhas de ação, projetos e políticas focados principalmente no fortalecimento do ensino, da pesquisa e da extensão da UFRPE.

Dra. Maria José Sena

Receba via Twitter e Facebook notícias e informações de importância da Medicina Veterinária e da Zootecnia. Também é realizada a transmissão, em tempo real, de eventos organizados por esse Conselho no site do CFMV. Para seguir o CFMV, procure, no Twitter, por CFMV_oficial e, no Facebook, por Portal cfmv

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C l í n i c a méd i c a

“MAL DAS CACIMBAS” NO VALE DO ARAGUAIA INTRODUÇÃO Em Goiás, há algumas décadas, praticamente não se tinha conhecimento da ocorrência do botulismo. No entanto, com a substituição gradual da vegetação nativa por pastagem cultivada e com a introdução de bovinos selecionados, criaram-se fatores predisponentes para o surgimento da doença. As extensas áreas de pastagens cultivadas nas regiões Centro-Oeste e Sudeste do Brasil proporcionaram razoável fonte protéica e energética para os animais geneticamente selecionados. No entanto, a principal característica dessas áreas é a deficiência de fósforo na pastagem que se manifesta, mais acentuadamente, nas fêmeas em gestação e nas paridas em lactação. É justamente nessa ocasião que se acentua a deficiência de fósforo, a tal ponto que o animal tenta supri-la por outras fontes, principalmente na osteofagia. Em tais condições, a carcaça de qualquer espécie animal presente na pastagem (Figura 1), pode ser objeto da alotrofagia. Portanto, a partir de esporos de Clostridium botulinum presentes no tubo digestivo dos cadáveres, pode-se desenvolver a denominada “carcaça tóxica”. As condições predisponentes ocorrem mais acentuadamente na estação da chuva, no auge do período vegetativo das gramíneas. Nessa época do ano, os teores de proteína e energia são mais elevados e os níveis de fósforo são insuficientes. O desconhecimento da importância da correta suplementação mineral dos animais, particularmente nas criações extensivas, leva a falhas que induzem à osteofagia. Por outro lado, a não observação das práticas corretas de eliArquivo do autor minação de carcaças criou condições favoráveis à intensificação da disseminação do Clostridium botulinum. Dessa forma, explicase a cadeia epidemiológica do botulismo bovino no Brasil e, em particular no Estado Figura 1. Cadáver de bovino com solo de Goiás. sem vegetação. Fazenda Três PodeEntre as condições res, Município de Montes Claros, Vale propícias à ocorrência do Araguaia, Estado de Goiás – 1999.

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de surtos da doença, outros fatores também estão presentes, destacando-se a inadequada suplementação mineral, a não eliminação correta de cadáveres e a negligência na vacinação sistemática. Merecem também ser destacadas a desinformação dos produtores e a inexistência de um programa zoosanitário específico para o controle do botulismo. Na região do Vale do Araguaia, a pecuária de corte é a principal atividade econômica. Devido à existência de poucos mananciais hídricos, foi necessária a construção de cacimbas, com objetivo de fornecer água aos animais (Figuras 2 e 3). Em determinadas circunstâncias ocorre o acúmulo de matéria orgânica nas cacimbas, constituída principalmente pelas fezes de bovinos. Nos últimos anos, Arquivo do autor vem ocorrendo, nessa região, uma doença denominada vulgarmente de “Mal das Cacimbas” (Figura 4). As características epidemiológicas, clínico-patológicas e Figura2. Cacimba construída na forma laboratoriais reve- circular. Fazenda Piratininga, Município de São Miguel do Araguaia, Vale do Araguaia, laram tratar-se de Estado de Goiás – 1999. intoxicação botulínica, causada pelas toxinas C e D, provenientes das águas das cacimbas. O estudo foi conduzido com o objetivo de avaliar a ocorrência de Clostridium botulinum, tipos C e D, em 300 cacimbas de 130 criatórios (propriedades rurais) de bovinos, localizados em 12 municípios no Vale do Araguaia; foram colhidas e analisadas amostras de sedimentos de cada cacimba, utilizando-se, na colheita, uma draga “Petersen Grab”. As amostras foram analisadas no Laboratório do Departamento de Medicina Veterinária da Escola de Veterinária/UFG. A detecção de Clostridium botulinum foi realizada por meio de bioensaio e pela soroneutralização em camundongos da raça Swiss, linhagem Webster. Das 300 amostras de sedimentos analisadas, pelo método indireto, 30 (10,00%) foram positivas, sendo seis Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Arquivo do autor

pertencentes ao tipo C; 8 ao tipo D, e 16 ao complexo CD. Pelo método direto, 6 (2,00%) foram positivas, sendo 1 pertencente ao tipo Figura 3. Cacimba construída na forma C; 1 ao tipo D e 4 ao retangular. Fazenda Loanda e Arco-Íris, complexo CD. ResMunicípio de Britânia, Vale do Araguaia, salta-se que as caEstado de Goiás –1999. cimbas viabilizam a criação de bovinos no Vale do Araguaia; entretanto, os resultados obtidos indicaram que elas criam condições favoráveis à disseminação do botulismo hídrico, pois a presença de carcaças e outros materiais de origem orgânica no interior das cacimbas no final da estação seca são agravantes que favorecem a ocorrência dessa enfermidade. Tal condição ocorre quando os bovinos, ao pastarem em áreas contaminadas pelo Clostridium botulinum, ingerem esporos que são disseminados pelas fezes. Ao defecarem no interior ou nas proximidades das cacimbas, os animais veiculam ou criam condições para o carreamento de esporos e matéria orgânica vegetal e animal para o interior da água de dessedentação. As condições Arquivo do autor das cacimbas, com a presença de matéria orgânica, inclusive fezes de bovinos, e a sua dinâmica em termos de variação dos níveis d’água, associadas à ocorrência de Clostridium Figura 4. Bovinos nelore apresentando um botulinum, são imquadro clássico de botulismo. Fazenda Três portantes compoPoderes, Município de Montes Claros, Vale nentes da cadeia do Araguaia, Estado de Goiás - 1999. epidemiológica do botulismo bovino associado às cacimbas. Trabalhos relatam que resíduos provenientes de animais são frequentemente responsáveis pela poluição das águas. Como resultado das chuvas, os eventuais resíduos chegam às águas em função do arraste de material rico em matéria orgânica e micro-organismos. A detecção das toxinas botulínicas C e D, ou caracterizadas como pertencentes ao complexo CD, revela o risco da formação de toxinas nas cacimbas do Vale do Araguaia. É recomendável que os pecuaristas tomem providências tais como vacinar o gado contra o botulismo, impedir o carreamento de resíduos Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

(fezes e carcaças) para o interior das cacimbas, ou modificar o sistema de bebedouro dos animais, uma vez que a tendência é o aumento da incidência da intoxicação botulínica e da letalidade.

Referências Bibliográficas SOUZA, A.M. Distribuição de esporos de Clostridium botulinium no solo em torno de cadáveres decompostos de bovinos vítimas de botulismo em pastagens no sul de Goiás, Ano de Obtenção: 1985 – Tese Mestrado. SOUZA, A. M. Esporos e toxinas de Clostridium botulinum tipos C e D em cacimbas no Vale do Araguaia, Goiás. Pesquisa Veterinária Brasileira. Rio de Janeiro, v.26, n.3, 2006. SOUZA, A.M. Ocorrência de esporos e toxinas de Clostridium tipos C e D em cacimbas utilizadas como bebedouros de bovinos em pastagens no Vale do Araguaia, Estado de Goiás, Brasil, Ano de Obtenção: 2001 – Tese Doutorado. SOUZA, A.M.; LANGENEGGER, S. Distribuição de Clostridium botulinum no solo em torno de cadáveres de compostos de bovinos vítimas de botulismo em pastagens no sul de Goiás. Pesquisa Veterinária Brasileira. Rio de Janeiro, v.7, n.1, p. 17-22, 1987. SOUZA, A. M; MARQUES, D. F; DÖBEREINER, J & DUTRA I. S. Esporos e toxinas de Clostridium botulinum tipos C e D em cacimbas no Vale do Araguaia, Goiás. Pesquisa Veterinária Brasileira. Rio de Janeiro, v.26, n.3, 2006.

Dados dos Autores

Aires Manoel de Souza

Médico Veterinário, Mestre, Doutor – CRMV-GO nº 0430; Professor Associado de Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Goiás.

Endereço de correspondência: Rua 55, nº 626, Aptº 1201, Jardim Goiás, Goiânia - GO, CEP 74810 230. E-mail: airesvet@gmail.com

Iveraldo dos Santos Dutra

Médico Veterinário CRMV-SP nº 4699; Professor Titular do Departamento de Apoio, Produção e Saúde Animal da Faculdade de Medicina Veterinária da Unesp, Araçatuba-SP.

Dercino Francisco Marques

Médico Veterinário CRMV-GO nº 0464; Fiscal Estadual Agropecuário da Agência Goiana de Defesa Agropecuária-GO (Agrodefesa).

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N a no t e cnolog i a

PRODUÇÃO IN VITRO DE EMBRIÃO: INOVAÇÃO TECNOLÓGICA NA PECUÁRIA PARAENSE A Produção in vitro de Embrião (pive) é uma inovação tecnológica na área de Reprodução Animal, na qual associam-se as técnicas de ultra-sonografia para a realização da aspiração folicular (ovum pick up) e a fertilização in vitro. Essa é mais uma técnica alternativa, além da Transferência de Embrião (TE), cujo objetivo é potencializar a capacidade de multiplicação do material genético da fêmea, tendo em vista que a colheita de ovócito pode ser realizada semanalmente e por um longo período, podendo esta ser utilizada inclusive em animais gestantes até o terceiro mês (SAUVÉ, 1998), enquanto a técnica de

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arquivo cfmv

TE convencional pode ser repetida em média quatro/cinco vezes por ano. O emprego da pive em nível comercial, apesar de ser relativamente recente, já é aplicada comercialmente, com resultados bons em bovinos, quer do ponto de vista técnico (BOLS, 1997), quer do ponto de vista econômico (PALMA & BREM, 1993; HASLER, 1996; SAUVÉ, 1998; DAYAN, 2003). Essa aplicação comercial foi viabilizada em função dos aperfeiçoamentos metodológicos e a simplificação na técnica de fertilização in vitro (FIV), o que tem proporcionado um aumento significativo Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Arquivo do autor

na taxa de blastocistos, não só do ponto de vista quantitativo, mas, principalmente, qualitativo, melhorando, assim, a taxa de gestação quando empregada. No Brasil, a aplicação dessa técnica em nível comercial está em franca expansão, com inúmeros laboratórios implantados em diversos estados brasileiros com o objetivo específico de produção in vitro de embrião, bem como em Centrais de Inseminação Artificial e mesmo em fazendas, colocando o Brasil em posição de destaque mundial em relação à aplicação comercial dessa biotécnica, em que cada dois bezerros nascidos pelo processo Figura 2. Blastocistos originários de fecundação in vitro. de pive no mundo, um ocorre no Brasil Nessa parceria, a UFPA, por meio do Labora(DAYAN, 2003). tório de Fertilização in vitro do Centro de Ciências Uma das vantagens dessa técnica é a posBiológicas, disponibilizou o conhecimento cientísibilidade de obtenção de embriões de fêmea fico/tecnológico sobre o processo de fertilização in bovina mesmo antes da puberdade, diminuindo vitro e a Central Genética Campo de Boi, viabilizou o intervalo entre gerações, bem como poder ser os animais e a infraestrutura necessária. aplicada em vacas com infertilidade adquirida, Foram disponibilizadas para essa fase de implanque não mais se reproduzem pelos métodos contação do programa seis vacas, todas de alto padrão vencionais (monta natural, inseminação artificial zootécnico, mas com infertilidade adquirida (cisto e transferência de embrião), permitindo o retorno folicular, mucometra e metrite) e que não mais se dos referidos animais à atividade reprodutiva e reproduziam pelos métodos convencionais. produtiva da fazenda. Para a realização da colheita dos ovócitos, os animais foram submetidos à anestesia peridural O Programa de com xilocaína a 2% e a punção folicular realizada PIVE no Pará com auxílio de equipamento de ultrassom. Os Esse programa está sendo desenvolvido a partir ovócitos colhidos foram selecionados e colocados de um convênio de cooperação técnico-científico em meio de cultivo (meio TCM-199) por 24 horas entre a Universidade Federal do Pará e a Central Gepara o processo de maturação e, posteriormente, nética Campo de Boi (Figura 1), localizada no municíforam submetidos ao processo de fertilização pio de Ipixuna (PA), iniciado em julho de 2002. com sêmen de touros de alto padrão zootécnico, previamente submetido Arquivo do autor ao processo de capacitação espermática. Após 24 horas da fer tilização, os supostos zigotos foram colocados em meio de cultivo (meio CR2), durante 7 a 8 dias, para o desenvolvimento embrionário até o estágio de blastocisto (Figura 2), quando então foram transferidos para as vacas receptoras. Todos esses processos foram realizados em conFigura 1. Central Genética Campo de Boi - Ipixuna-PA dições de assepsia total, Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

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N a no t e cnolog i a especialmente os relacionados à manipulação e ao cultivo do ovócito/embrião, portanto, em capela de fluxo laminar. Os processos de cultivo dos ovócitos e embriões foram realizados em incubadoras especiais com 5% de CO2 a 38,5oC e com alta umidade. Na fase inicial do programa foi obtida uma taxa de gestação de 33%, o que está dentro da média mundial que varia de 30-35%. Em 10 de junho deste ano (Figura 3), nasceu o primeiro bezerro produzido integralmente no Pará pela técnica de pive. Arquivo do autor

do-se para competir com outros centros mais avançados, não só em termos quantitativos e qualitativos do seu rebanho, mas, também, na aplicação de biotécnicas que potencializam o aproveitamento do material genético. Um programa semelhante de pive também está sendo desenvolvido em bubalino, em uma parceria da UFPA com as Fazendas Santa Izabel (Moju-PA) e Ditosa (Ipixuna-PA), e com o apoio do Basa. Nesse programa já foram transferidos vários embriões para búfalas receptoras, mas ainda não foi obtida nenhuma gestação. Esse fato demonstra que na referida espécie, a técnica de pive ainda precisa de aperfeiçoamentos técnicocientíficos, especialmente os relacionados aos meios de cultivos dos ovócitos/embriões. Outro fato de destaque é a parceria entre a iniciativa privada e os Grupos de Pesquisa das universidades, diminuindo o tempo entre obtenção do conhecimento e sua aplicação junto ao setor produtivo, promovendo, dessa forma, o desenvolvimento da região.

Figura 3. Primeiro bezerro nascido no Pará pela técninca de pive.

Esse fato, apesar de singelo, representa um marco para a Medicina Veterinária e para a pecuária paraense, demonstrando eficiência profissional e maturidade do setor pecuário do Pará, preparan-

Dados dos Autores

Otávio Mitio Ohashi

Médico Veterinário; CRMV-PA nº 0298, Professor Associado da Universidade Federal do Pará (UFPA)

Referências Bibliográficas BOLS, P. Transvaginal Ovum Pick-up in the cow: Technical and Biological Modifications. Universiteit Gent. 1997. 228p. (Tese Doutorado). DAYAN, A. Brasil assume liderança na FIV. Revista DBO, V22, nº 227. p.138-140. p.138-140, 2003 HASLER, J.F. Commercial Application of in vitro fertilization in Cattle. Food Animal, Vol 16(8):1062-1073, 1994.

José Silva de Sousa

PALMA, G. A. & BREM, G. Transferência de Embriones y Biotecnologia de la Reproduccion en la especie bovina. Editorial Hemisferio Sur. 1993. 503p.

Médico Veterinário; CRMV-PA nº 0353, Professor Associado da Universidade Federal do Pará (UFPA) E-mail: jss@ufpa.br

SAUVÉ, ROGER. Ultrasound Guided Follicular Aspiration in vitro Fertilization. Arq. Fac. Vet. UFRGS, Porto Alegre. 26(1) supl.. p. 141-159, 1998.

Marcos Amarante

ZICARELLI, L. First successful pregnancies from in vitro developed buffalo embryos. Bubalus bubalis, Anno IX. p. 23-24, 2003.

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Endereço para correspondência: Av. Ceará, 678, Bairro de Canudos, Belém-PA, CEP: 66070-080 E-mail: ohashi@ufpa.br

Médico Veterinário; CRMV-MG nº 5729 E-mail: marcosamarante@globo.com

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


SuplementoCientífico Clínica de Répteis: Estudo Retrospectivo realizado no Setor de Animais Silvestres e Exóticos da Faculdade de Veterinária da uff no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 Sávio Freire Bruno / Ana Luiza Gonçalves Dias Mello Beatriz Rodrigues Sturm / Tassia Cristina Bello de Vasconcelos

Ressecção bilateral de glândulas salivares no tratamento da sialocele cervical em cão. Relato de caso Eveline Caetano de Andrade / Rodrigo Viana Sepúlveda Simone Rezende Galvão / Ricardo Junqueira Del Carlo

Redução do número de casos de abortamentos por Leptospira Hardjo em rebanhos bovinos leiteiros através de vacinação sistemática e antibioticoterapia Luciano Bastos Lopes / Rômulo Cerqueira Leite João Paulo Amaral Haddad / Marcos Bryan Heinemann / Rogério Oliveira Rodrigues

Análise econômica de estratégias nutricionais para aumento da rentabilidade da pecuária bovina de corte Rafahel Carvalho de Souza / Fabiano Alvim Barbosa Décio Souza Graça / Venício José de Andrade

REVISTA DO CFMV - Brasília - DF - Ano XVII - N° 54 - 2011 CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA VETERINÁRIA SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília-DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 Fax: (61) 2106-0444 www.cfmv.gov.br cfmv@cfmv.gov.br DIRETORIA EXECUTIVA Presidente

Tesoureiro

Amilson Pereira Said Editor da Revista CFMV

Ricardo Junqueira Del Carlo CRMV-MG nº 1759

Conselho Editorial da Revista CFMV

Presidente

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CRMV-SE nº 0037

Vice-Presidente

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Secretário-Geral

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Luis Augusto Nero

Benedito Fortes de Arruda Eduardo Luiz Silva Costa

Comitê Científico da Revista CFMV

CRMV-GO nº 0242

Amilson Pereira Said CRMV-ES nº 0093

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CRMV-PR nº 4261

Flávio Marcos Junqueira Costa CRMV-MG nº 5779

Antônio Messias Costa CRMV-PA nº 0722

Celso da Costa Carrer CRMV-SP nº 0494Z

Luiz Fernando Teixeira Albino CRMV-MG nº 0018Z

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suplemento científico

Clínica de Répteis: Estudo Retrospectivo realizado no Setor de Animais Silvestres e Exóticos da Faculdade de Veterinária da uff no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 Assisted reptiles in wilD animals sector of uff veterinary scholl from january 1999 to december 2009 Resumo Foi realizado um levantamento dos principais diagnósticos e suspeitas clínicas apresentados pelos répteis atendidos no Setor de Animais Silvestres e Exóticos da Faculdade de Veterinária da Universidade Federal Fluminense, durante janeiro de 1999 a dezembro de 2009. O gênero mais frequente foi Chelonoidis sp., comumente mantido como animal de companhia, especialmente pela ampla oferta no comércio ilegal e pela falta de informação sobre a legislação, somada à crença de que são animais que não exigem muitos cuidados. A maior parte dos distúrbios apresentados por répteis criados em ambiente domiciliar tem relação com erros de manejo, especialmente dieta e ambientação inadequada. Ao Médico Veterinário cabe conhecer a biologia de cada espécie e esclarecer o proprietário sobre aspectos ligados à posse e desestimular a aquisição ilegal de animais, destacando o papel do tráfico na destruição dos ecossistemas. Palavras-chave: répteis, casuística, manejo, posse ilegal

Abstract This work was a survey of the main diagnostic and clinical suspicion presented in reptiles at the Wild Animals Sector of the Veterinary School, Federal Fluminense University, during the period from January 1999 to December 2009. The most frequent genus in routine care was Chelonoidis sp., commonly kept as a pet, especially by the ample supply in the illegal trade and the lack of information on legislation, coupled with the belief that they are animals that do not require much care. Most of the disturbances produced by reptiles bred in the home environment is related to errors in handling, especially inappropriate diet and ambiance. It is essential to understand the biology of each species to minimize the problems caused by setting off the natural habitat. Furthermore, it’s do to the veterinarian to make clear to the owner the issues related to ownership and discourage the illegal acquisition of animals, highlighting the role of trafficking in the destruction of ecosystems. Keywords:reptiles, casuistry, handling, illegal possession

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Introdução

baseados na falta de informação e temor ao seu aspecto e/ou peçonha. Este trabalho pretende servir como guia a Médicos Veterinários para sua atuação, e destacar a importância da orientação aos detentores de répteis quanto aos aspectos relacionados à posse e ao manejo.

Apesar de representarem a menor parcela de animais selvagens atendidos nas clínicas e hospitais veterinários, quando comparados às aves e aos mamíferos, os répteis também se fazem presentes. No quadro de atendimentos dos últimos dez anos na Faculdade de Veterinária na Universidade Federal Fluminense, os répteis corresponderam a 16,1% (187), os mamíferos a 31,6% (367) e as aves a 52,2% (606). Segundo Salvador (2008), a criação de répteis como animais de companhia é uma prática relativamente recente, mas que vem crescendo de maneira vertiginosa, já sendo considerado o terceiro segmento do mercado de animais nos EUA e na Europa, perdendo em popularidade somente para os cães e gatos, tendo superado inclusive as aves ornamentais e a aquariofilia. No Brasil, apesar de muito recente, o mercado de répteis vem seguindo essa tendência mundial e está crescendo rapidamente. O Médico Veterinário deve estar atento à Resolução do CFMV nº 829, de 25 de abril de 2006 e à Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998. Cabe ao profissional desenvolver técnicas e discursos em educação ambiental, de acordo com o perfil de cada cliente, esclarecendo aspectos da posse e desestimulando a aquisição de animais provenientes do comércio ilegal, enfatizando questões ligadas ao tráfico e aos ecossistemas. A maioria das enfermidades apresentadas pelos répteis criados como animais de companhia são decorrentes de erros de manejo. Sabe-se que a saúde de um réptil cativo está diretamente relacionada com o modo como ele é criado (Mader, 2006). Recintos impróprios são considerados a segunda causa mais comum de doenças e problemas encontrados nesses animais, sendo a primeira, a dieta inadequada (Messonier, 1999). Entretanto, quando em seu hábitat natural, os répteis não costumam apresentar problemas de desnutrição, a não ser que limitações físicas e/ou ambiente extremamente degradado dificultem a obtenção de alimentos. Historicamente, no entanto, répteis de vida livre, e em especial as serpentes, estão expostos a maus-tratos e perseguições,

Metodologia Realizou-se uma pesquisa retrospectiva em arquivos, confeccionando-se um levantamento dos répteis atendidos no período de 10 anos (de janeiro de 1999 a dezembro de 2009), que foi apresentado em percentagens. Os indivíduos atendidos chegavam ao Setor por meio de proprietários, com exceção daqueles que provêm de Instituições ou de resgate da vida silvestre. O arquivo apresenta um livro de registro, no qual podem ser verificadas a espécie e a suspeita clínica, fichas propedêuticas individuais de pacientes e um acervo digital contendo fotos dos casos, organizado em pastas também individuais, por meio da utilização do sistema operacional Windows.

Resultados Durante os dez anos de atendimento foram avaliados 187 répteis, correspondendo a 16,1% do total de atendimentos de animais selvagens. Nesse grupo, observou-se a presença das ordens Chelonia e Squamata, sendo essa última representada por duas subordens, Sauria e Serpentes. Elas são apresentadas juntamente com sua distribuição percentual em relação ao total de atendimentos no Quadro 1. A ordem Chelonia representou o maior número de animais atendidos (170), correspondendo a 90,9% do total de atendimentos. No Quadro 2 estão apresentadas as listagens de gênero e/ou espécies atendidas, por ordem, durante o período do levantamento realizado. O gênero Chelonoidis sp. foi o mais presente, totalizando 154 animais atendidos, o que corresponde a 90,6% do total de atendimentos de quelônios, e 82,3% do total de répteis atendidos.

Quadro 1. Distribuição percentual total do atendimento a répteis realizado pelo Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense, de janeiro de 1999 a dezembro de 2009, de acordo com a ordem atendida ORDEM/SUBORDEM

NÚMERO DE ANIMAIS ATENDIDOS

PERCENTAGEM (%)

Chelonia

170

90,9%

Squamata/Serpentes

14

7,5%

Squamata/Sauria

3

1,6%

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suplemento científico Quadro 2. Lista de Gêneros e/ou Espécies de Répteis e número de indivíduos atendidos no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 no Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense ORDEM

NÚMERO DEANIMAIS ATENDIDOS

GÊNERO E/OU ESPÉCIE Chelonoidis sp. (Jabuti)

Chelonia

Squamata/ Ophidia

Squamata/Sauria

Acantochelys sp. (Cágado)

7

Chelonia mydas (Tartaruga-verde)

2

Trachemis scripta (Tartaruga-de-orelha-vermelha)

6

Trachemys dorbigni (Tigre d’água)

1

Liophis miliaris (Cobra d’água)

1

Crotalus durissus (Cascavel)

2

Lachesis muta (Surucucu)

1

Bothrops sp. (Jararacussu)

1

Spilotes pullatus (Cobra tigre)

1

Boa constrictor (Jiboia)

7

Python sp. (Piton)

1

Tupinambis teguixim (Teiú)

2

Iguana iguana (Iguana)

1

No Quadro 3 é apresentada a distribuição das suspeitas clínicas, com relação ao sistema comprometido, divididas por gênero e/ou espécie, acompanhado de sua ordem. O número de suspeitas clínicas pode não ser compatível com o número de indivíduos atendidos, já que alguns animais apresentavam mais de uma suspeita clínica principal e outros não apresentavam qualquer distúrbio aparente. Foram classificados como “Outros” os casos em que a suspeita clínica não envolvia nenhum sistema fisiológico específico. Nessa categoria estão queimaduras, ferimentos, lesões por mordedura de rato, afogamentos, má formação genética, anorexia e apatia sem causa aparente. A deficiência nutricional/hipovitaminose, apesar de não atingir um sistema propriamente dito, foi destacada pela sua alta frequência. Ela foi constatada como principal distúrbio em 39 jabutis (Chelonoidis sp.), um cágado (Acantochelys sp.), uma tartarugade-orelha-vermelha (Trachemis scripta) e uma iguana (Iguana iguana). No entanto, os animais que apresentavam comprometimento em outro sistema fisiológico foram classificados de acordo com tal sistema. Dessa forma, apesar de o número de casos de desnutrição/hipovitaminose apresentado nesse estudo ter sido alto, ele representa apenas uma parcela dos animais encontrados nessas condições. O sistema que apresentou o maior número de diagnósticos/suspeitas clínicas (45) foi o reprodu-

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154

tivo; 40 casos ocorreram em indivíduos do gênero Geochelone sp., o que corresponde a 26 % dos atendimentos desse gênero. Durante os 10 anos de atendimento relatados nesse estudo foram realizadas ainda 4 cirurgias para retirada de ovos (Figura 1) e histerectomia e 5 penectomias, por conta de necrose peniana após prolapso. No Quadro 4 é apresentada a distribuição dos diagnósticos afetando o sistema reprodutivo dos répteis. O diagnóstico foi feito por meio do exame clínico, nos casos de prolapso, ou com auxílio de exame radiográfico, nos casos de distocia e gestação. Entre as alterações envolvendo o sistema esquelético dos répteis, 27 foram diagnosticadas em quelônios, duas em jibóias e uma em surucucu; dos 30 casos atendidos, 15 são relacionados à osteoporose nutricional e 13 a fraturas. Os atendimentos foram classificados de acordo com a principal suspeita clínica; dessa forma, o número de indivíduos com osteoporose nutricional se refere aos que apresentavam esse como principal distúrbio. Assim, diversos indivíduos com sequelas de osteoporose nutricional foram classificados em outras categorias por terem outro sistema comprometido. Os principais meios diagnósticos utilizados foram o exame clínico, na observação das sequelas de osteoporose nutricional, e o exame radiográfico, no caso das fraturas. As suspeitas clínicas afetando o sistema esquelético são descriminadas no Quadro 5. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Quadro 3. Distribuição das suspeitas clínicas levantadas nos répteis, divididas por gênero e/ou espécie acompanhados por sua ordem, no Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 ORDEM

GÊNERO E/OU ESPÉCIE

Chelonoidis sp. (Jabuti)

Acantochelys sp. (Cágado) Chelonia Chelonia mydas (Tartaruga-verde)

Trachemis scripta (Tartaruga-de-orelhavermelha)

Trachemys dorbigni (Tigre d’água) Liophis miliaris (Cobra d’água) Crotalus durissus (Cascavel)

Squamata/ Serpentes

Lachesis muta (Surucucu) Bothrops sp. (Jararacuçu) Spilotes pullatus (Cobra-tigre) Boa constrictor (Jiboia) Boa constrictor (Jiboia)

Squamata/ Sauria

SISTEMA COMPROMETIDO Reprodutivo Esquelético Respiratório Gastrointestinal Dermatológico Oftalmológico Deficiência Nutricional Outros Esquelético Oftalmológico Deficiência Nutricional Outros

NÚMERO DE ANIMAIS 40 22 19 14 8 2 39 25 4 1 1 4

PERCENTAGEM NO GÊNERO (%) 23,7% 13,0% 11,2% 8,3% 4,7% 1,2% 23,0% 14,8% 40,0% 10,0% 10,0% 40,0%

Dermatológico

1

50,0%

Outros

1

50,0%

Reprodutivo

1

10,0%

Esquelético Respiratório Dermatológico Deficiência Nutricional Outros

1 1 4 2 1

10,0% 10,0% 40,0% 20,0% 10,0%

Outros

1

100,0%

Reprodutivo

1

100,0%

Reprodutivo

1

50,0%

Outros

1

50,0%

Esquelético

1

100,0%

Trato Gastrointestinal

1

100,0%

Reprodutivo

1

100,0%

Esquelético Trato Gastrointestinal Dermatológico

2 1 2

28,6% 14,3% 28,6%

Outros

2

28,6%

Python sp. (Piton) Tupinambis teguixim (Teiú)

Outros

1

100,0%

Reprodutivo Dermatológico

1 1

50,0% 50,0%

Iguana iguana (Iguana)

Deficiência Nutricional

1

100,0%

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suplemento científico Quadro 4. Distribuição das suspeitas clínicas afetando o sistema reprodutivo dos répteis, levantadas no Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 GÊNERO

DIAGNÓSTICO/SUSPEITA CLÍNICA

NÚMERO DE ANIMAIS

Distocia

26

Prolapso de Oviduto/Cloaca

8

Prolapso de Pênis/Cloaca

7

Trachemys scripta (Tartaruga-de-Orelha-Vermelha)

Prolapso de Oviduto

1

Liophis miliaris (Cobra d’Água)

Distocia

1

Crotalus durissus (Cascavel)

Gestação

1

Spilotes pullatus (Cobra Tigre)

Presença de Ovos

1

Tupinambis teguixim (Teiú)

Prolapso de Hemipenis

1

Chelonoidis sp. (Jabuti)

O terceiro sistema mais comprometido nos quelônios foi o respiratório. Foram atendidos 19 jabutis (Chelonoidis sp.) e uma tartaruga-de-orelha-vermelha (Trachemis scripta) com pneumonia, evidenciada por meio de exames radiográficos. Foi observado que na maioria dos casos o animal também apresentava desnutrição/ hipovitaminose e/ou desidratação, anúria e anorexia. Os casos envolvendo o trato gastrointestinal dos répteis (16) estão descriminados no Quadro 6. O mais comum foi a presença de corpo estranho, constatado em exames radiográficos. O sistema dermatológico apresentou 10 casos, cujo os diagnósticos estão relacionados no Quadro 7. O sistema fisiológico com menor número de suspeitas clínicas foi o oftalmológico, com 3 casos,

sendo dois de blefarite, um deles em Chelonoidis sp. e outro em Acantochelys sp. (Cágado), e um caso de conjuntivite em Chelonoidis sp.

Discussão O gênero mais frequente na rotina de atendimentos foi Chelonoidis sp., comumente mantido como animal de companhia, especialmente pela crença de que não exige muitos cuidados na criação e pela facilidade de obtenção no comércio ilegal. Muitas vezes, entretanto, em função de sua longevidade, esses animais passam por gerações na família, que assumem um compromisso ético de manter a qualidade de vida de um animal que foi adquirido

Quadro 5. Distribuição das suspeitas clínicas afetando o sistema ortopédico dos répteis atendidos no Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 GÊNERO

DIAGNÓSTICO/SUSPEITA CLÍNICA

NÚMERO DE ANIMAIS

Osteoporose Nutricional

12

Traumatismo/Fratura

10

Deambulação Incorreta

1

Fratura

1

Osteoporose Nutricional

2

Trachemys scripta (Tartaruga-de-Orelha-Vermelha)

Osteoporose Nutricional

1

Lachesis muta (Surucucu)

Fratura

1

Boa constrictor (Jiboia)

Fratura

1

Osteomielite

1

Chelonoidis sp. (Jabuti)

Acantochelys sp. (Cágado)

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Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Quadro 6. Distribuição das suspeitas clínicas afetando o trato gastro-intestinal dos répteis atendidos no Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 GÊNERO

DIAGNÓSTICO / SUSPEITA CLÍNICA

NÚMERO DE ANIMAIS

Presença de Corpo Estranho

7

Parasitose

1

Impactação

2

Diarreia

1

Bothrops sp. (Jararacuçu)

Coccidiose

1

Boa constrictor (Jiboia)

Parasitose

1

Chelonoidis sp. (Jabuti)

em uma época de pouca consciência ecológica. No Brasil, o Jabutipiranga (Chelonoidis carbonaria) é, provavelmente, o quelônio que mais tem sido mantido em cativeiro como animal de estimação, devido a fatores culturais e amplo comércio ilegal (Pinheiro e Matias, 2004). Segundo Messonier (1999), a causa mais comum de doenças ou problemas nos répteis cativos é a dieta imprópria e, a segunda, os recintos inadequados. A maior parte dos répteis, especialmente os quelônios, atendidos no período relatado apresentava desnutrição e/ou sequelas de osteoporose nutricional, por terem recebido alimentação inadequada por longos períodos. Dentre as carências nutricionais, a hipovitaminose A foi frequentemente constatada. É comum que esse distúrbio esteja associado à pneumonia, à infecção do canal auditivo e à retenção de ovo(s). A hipovitaminose A causa metaplasia escamosa e hiperqueratose dos epitélios, principalmente respiratório e ocular, e menos frequentemente nos epitélios

endócrino, gastrointestinal e geniturinário. (Francisco, 1997; Messonier, 1999; Mader, 1996). Até os seis meses de idade, os quelônios podem absorver a vitamina A do saco vitelínico remanescente, porém, uma vez esgotadas as reservas, os sinais clínicos se expressarão com rapidez e severidade (Francisco, 1997; Mader, 1996). Outra carência observada nos atendimentos foi a hipoproteinemia. Na maioria dos casos, o animal recebia uma dieta (variada ou não) baseada em vegetais e nenhuma fonte de proteína animal. A deficiência de proteínas pode estar associada à caquexia, à anorexia, ao desinteresse pelo alimento, ao ataque severo de diarreia e a infecções recorrentes (Paranzini et al., 2008). Outros fatores também podem influenciar distúrbios nutricionais nos répteis, como a temperatura e a luminosidade. Por serem exotérmicos, temperaturas muito baixas inibem a atividade de enzimas gástricas, pancreáticas e hepáticas e, sob tais circunstâncias, mesmo os mais adaptados ao cativeiro, poderão sofrer alterações no apetite, na digestão e na assimi-

Quadro 7. Distribuição das suspeitas clínicas afetando o sistema dermatológico dos répteis atendidos no Setor de Animais Selvagens da Universidade Federal Fluminense, no período de janeiro de 1999 a dezembro de 2009 GÊNERO

DIAGNÓSTICO/SUSPEITA CLÍNICA

NÚMERO DE ANIMAIS

Infecção Micótica

3

Infecção nas Placas Córneas

2

Dermatite

1

Despigmentação do Casco

2

Chelonia mydas (Tartaruga-verde)

Fibropapilomatose

1

Trachemys scripta (Tartaruga-de-Orelha-Vermelha)

Infecção Micótica

1

Estomatite

3

Dermatite

1

Estomatite

1

Estomatite

1

Chelonoidis sp. (Jabuti)

Boa constrictor (Jiboia) Tupinambis teguixim (Teiú) Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

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suplemento científico Arquivo do autor

lação da dieta (Scott, 1992). Acrescenta-se que, sob iluminação inadequada, répteis podem tornar-se anoréticos, mesmo se a temperatura ambiental e outros fatores estiverem satisfatórios (Flosi et al., 2001). Segundo Matias et al. (2006), enfermidades associadas ao sistema reprodutor de jabutis, dentre elas a distocia ou retenção de ovos, são um dos principais problemas em cativeiro. A desnutrição, as sequelas de osteoporose nutricional e/ou a falta de ambientação adequada para postura foram fatores que normalmente estavam associados aos casos de retenção de ovos nos quelônios atendidos. Ovos grandes ou deformados, trauma, infecção bacteriana, distúrbios endócrinos, atonia muscular, fotoperíodo anormal, além de influências ambientais desfavoráveis, como a falta de local adequado para confecção do ninho e temperatura inadequada são causas potenciais para a retenção de ovos (Figura 1) em répteis (Bruno et al., 1997; Matias et al., 2006). Outras causas incluem ovos de casca quebrada, bolos fecais, pedras no cólon ou no reto que obstruem o canal pélvico, litíase vesical, neoplasias ou lesões granulomatosas no aparelho reprodutor, assim como estreitamento de pelve devido a fraturas ou a doença osteometabólica (Bruno et al., 1997). Quadros de desnutrição e desidratação podem contribuir para retenção de ovos (Mader, 2006). Para animais que não respondem ao tratamento clínico, ou que não apresentem condições de passagem para ovos, é indicada a retirada dos ovos e a panhisterectomia por meio da celiotomia (Figura 2). O prolapso de oviduto (Figura 3) pode ocorrer secundariamente à retenção de ovos além de outras condições que levem ao tenesmo, como a litíase vesical, infecções parasitárias, infecções bacterianas ou

Figura 2. Retirada de ovo por celiotomia em Chelonoidis sp. Arquivo do autor

Figura 3. Prolapso de oviduto em Chelonoidis sp. Arquivo do autor

Arquivo do autor

Figura 4. Prolapso de hemipenis em Tupinambis teguixim (Teiú).

Figura 1. Radiografia simples de Chelonoidis sp. na posição dorso-ventral evidenciando retenção de pelo menos 5 ovos.

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fúngicas no tecido superficial da cloaca, constipação ou, até mesmo, defeitos neurogênicos nos músculos do esfíncter cloacal (Mader, 2006). As causas pré-disponentes dos prolapsos de pênis (Figura 4) são os traumas, separação forçada durante a Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


cópula, infecção, deficiência muscular ou neurológica no músculo retrator do pênis ou no esficter cloacal, impactação da cloaca por uratos e tenesmo (Cubas e Baptistotte, 2007). Quando não há retração, ocorrem traumatismos, lesões e edemas que podem evoluir para isquemia, necrose e toxemia. Nos estágios iniciais, é possível a redução do edema e a reposição para dentro da cloaca, em estágios mais avançados; quando o órgão já apresenta áreas de necrose, a amputação é necessária (Francisco, 1997). A pneumonia é uma afecção frequente em répteis de cativeiro, sendo, na maior parte dos casos, relacionada a erros de manejo, que comprometem a higiene e a nutrição (Mader, 2006). Fatores predisponentes são a queda da resistência imunológica por condições inadequadas de cativeiro, superpopulação, ambientes contaminados, condições psicológicas estressantes (como briga e perseguição), temperatura e umidade ambiente inadequadas, hipovitaminose A e dieta deficiente em nutrientes essenciais (Cubas e Baptistotte, 2007). A osteoporose nutricional trata-se de um quadro clínico comum na clínica de quelônios criados em cativeiro, podendo predispor o paciente à retenção de ovos, distúrbios respiratórios e digestivos. Liesegang et al. (2007) afirmam que o cálcio e o fósforo são de grande importância na nutrição dos répteis, principalmente para o crescimento desejável e saudável do esqueleto e para enrigecimento da carapaça e plastrão. O distúrbio é decorrente da carência de cálcio na alimentação, insuficiência de radiação ultravioleta, relação Ca/P desequilibrada, doenças primárias nos rins, no fígado, nas glândulas ultimobraquiais ou paratireóide, inflamações e neoplasia (Goulart, 2004). Os sinais clínicos dependem se o desenvolvimento ocorreu antes ou depois do início da perda de massa óssea. Se o animal ainda está em crescimento, a osteoporose resulta em anormali-

dades da carapaça e plastrão, como crescimento piramidal (Figura 5). A carapaça comprometida pode ficar pequena em relação ao tamanho do animal (Paranzini et al., 2008). Nos répteis, as fraturas (Figura 6) tiveram ligação com traumatismos provocados por mordida de cão, quedas e outros acidentes domésticos. Arquivo do autor

Figura 6.Fratura de plastrão em Chelonoidis sp. provocada por queda.

A presença de corpo estranho (Figura 7) foi a principal causa de distúrbios gastrointestinais nos quelônios, causada por pequenos objetos deixados ao alcance desses animais e o risco de ingestão (Blum et al., 2001). Arquivo do autor

Arquivo do autor

Figura 7. Radiografia de Chelonoidis sp. na posição dorso-ventral evidenciando a presença de corpo estranho (dois alfinetes) e distocia.

Figura 5. Crescimento em formato piramidal da carapaça de Chelonoidis sp.

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A parasitose foi confirmada em jabutis (Chelonoidis sp.), uma jararacuçu (Bothrops sp.) e uma jiboia (Boa contrictor). Segundo Fowler (1986), os quelônios podem apresentar infestações por endoparasitos, como membros da família Spirorchidae e Ascarídeos. Ampla variedade de parasitas internos e externos

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suplemento científico como protozoários, esporozoários, trematódeos, cestódeos, nematódeos, acarídeos artrópodes e anelídeos são achados comuns na clínica desses animais (Goulart, 2004). Entre as afecções dermatológicas, estomatites são muito comuns em répteis e caracterizam-se por inflamação da mucosa, e pode incluir gengivite, glossite, palatite e queilite. Infecções bacterianas, fúngicas e virais são conhecidas por causar estomatite (Anderson e Wack, 2003; Mader, 2006). Astomatite, em geral, não é afecção primária, estando relacionada a erros de manejo, no tocante à temperatura à e alimentação (Mader, 2006). As infecções fúngicas são, em sua maioria, secundárias a outras infecções bacterianas ou a fatores como estresse, manejo inadequado em cativeiro, má nutrição e uso prolongado de antimicrobianos (Kolesnikovas et al., 2007). Umidade elevada e baixa temperatura, desnutrição, superpopulação e falta de higiene do recinto contribuem para o desenvolvimento de infecções fúngicas (Jacobson, 1994). Nos quelônios podem ocorrer laminites nas placas dérmicas, em consequência de infecções por agentes fúngicos. Uma variedade de bactérias gramnegativas e grampositivas pode invadir a carapaça e causar doença; a maior parte são patógenos oportunistas, usualmente habitantes da pele, do trato digestivo ou do solo, que podem causar infecções, caso circunstâncias como lesões, falta de higiene e alimentação deficiente favoreçam. Nos quelônios, as lesões dermatológicas podem ser focais e evoluir para todas as áreas do casco. É comum a descoloração e desprendimento das placas córneas (Cubas e Baptistotte, 2006). Na oftalmologia, foram atendidos três casos, incluindo um Acantochelys spixii (cágado) que, além de blefarite, apresentava osteoporose nutricional, e dois Chelonoidis carbonaria (Jabutipiranga), um com blefarite e outro com conjuntivite. O diagnóstico diferencial para conjuntivite inclui trauma, corpo estranho, helmintose, infecções virais, bacterianas e/ ou fúngicas, sendo necessária a análise citológica do exsudato ou da conjuntiva (Messonier, 1999). A Lei Federal nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, caracteriza como crime contra a fauna o ato de matar, perseguir, caçar, apanhar, utilizar espécimes da fauna silvestre, nativos ou em rota migratória, sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente, ou em desacordo com a obtida, estando o infrator sujeito à pena de detenção de 6 meses a 1 ano, e multa. Incorre nas mesmas

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penas quem vende, expõe à venda, exporta ou adquire, guarda, tem em cativeiro ou depósito, utiliza ou transporta ovos, larvas ou espécimes da fauna silvestre, nativa ou em rota migratória, bem como produtos e objetos dela oriundos, provenientes de criadouros não autorizados ou sem a devida permissão, licença ou autorização da autoridade competente (Brasil, 2001). Apesar de assuntos pertinentes às práticas nocivas à fauna serem tratados, a exemplo, na Lei nº 5.197, de 3/1/967, a supracitada Lei de Crimes Ambientais de 1998, assim conhecida, reordena a legislação brasileira no que se refere a infrações e punições e consolida assuntos antes fragmentados e pouco definidos. A Resolução do CFMV nº 829, de 25 de abril de 2006, afirma que todos os animais silvestres devem receber atendimento médico-veterinário independentemente de sua origem, posse e espécie, e que é dever do Médico Veterinário informar ao detentor a proibição de manutenção em cativeiro dos animais constantes da lista Oficial Brasileira da Fauna Silvestre Ameaçada de Extinção ou dos anexos I e II da Convenção sobre o Comércio Internacional das Espécies da Flora e Fauna Selvagens em Perigo de Extinção, quando esse, não possuir autorização do órgão competente.

Conclusões Os indivíduos do gênero Chelonoidis sp. foram os répteis mais atendidos, no período relatado. A oferta de jabutis pelo comércio ilegal, somada à crença de que não exigem muitos cuidados e a falta de atenção aos aspectos legais, favorecem a aquisição e os tornam vulneráveis à falta de informações a respeito de suas necessidades. A maioria dos distúrbios apresentados por répteis criados em ambiente domiciliar esteve relacionada a deficiências nutricionais e/ou recinto inadequado. É de importância conhecer a biologia de cada espécie para o correto exercício clínico, visando minimizar os problemas gerados pela criação fora do hábitat natural. O Médico Veterinário, ao atender um réptil criado como animal de companhia, deve estar atento ao cumprimento da legislação pertinente. É fundamental uma abordagem educativa, quanto aos aspectos relacionados à posse e ao desestímulo à aquisição de animais ilegais. Deve-se enfatizar as consequências da retirada de animais selvagens de seus ecossistemas. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


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Dados dos Autores

Sávio Freire Bruno

Médico Veterinário, Msc e Dsc, Professor da Faculdade de Veterinária, da Universidade Federal Fluminense (UFF), CRMV-RJ nº 3312

Endereço para correspondência: Rua Vital Brazil Filho, 64, Niterói-RJ, CEP: 24.230-340 E-mail: saviofreirebruno@hotmail.com

Ana Luiza Gonçalves Dias Mello

Médica Veterinária, pós-graduanda em Práticas em Clínica de Animais Selvagens – Proex/UFF, CRMV-RJ nº 10098

Beatriz Rodrigues Sturm

Médica Veterinária, pós-graduanda em Práticas em Clínica de Animais Selvagens – Proex/UFF, CRMV-RJ nº 9409 E-mail: beatrizsturm@yahoo.com.br

Tassia Cristina Bello de Vasconcelos

Médica Veterinária, pós-graduanda em Práticas em Clínica de Animais Selvagens – Proex/UFF, CRMV-RJ nº 10080 E-mail: tassia.vasconcelos@gmail.com

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suplemento científico

Ressecção bilateral de glândulas salivares no tratamento da sialocele cervical em cão. Relato de caso Bilateral salivary gland resection in treatment of cervical sialocele in dog. A case report Resumo Sialocele ou mucocele salivar ocorre quando uma coleção de saliva acumula no tecido subcutâneo adjacente ao ducto de uma glândula salivar ou à própria glândula. Um cão da raça poodle, com 4 anos de idade e pesando 4,5 kg foi atendido no Hospital Veterinário da Universidade Federal de Viçosa, apresentando um aumento de volume na linha média ventral de mandíbula e pescoço, pouco invasivo, delimitado, flutuante e indolor. A punção diagnóstica revelou presença de líquido amarelado, espesso, viscoso, com aspecto de saliva e de baixa celularidade. Como não foi possível estabelecer um lado acometido, optou-se pela ressecção bilateral das glândulas salivares mandibular e sublingual e, posteriormente, pela drenagem do cisto salivar. Drenos em contra-incisão foram colocados e a região foi protegida por uma bandagem compressiva com atadura de crepom. A ressecção bilateral das glândulas mandibular e sublingual foi eficaz na cura da mucocele salivar quando não há diagnóstico do lado acometido e o prejuízo na produção de saliva não interfere na alimentação. Palavras-chave: sialocele, cisto salivar, mucocele

Abstract Sialocele or salivary mucocele occurs when a collection of saliva accumulate in subcutaneous tissue adjacent to the duct or salivary gland. A dog breed poodle, with 4 years of age and weighing 4.5 Kg was attended in Veterinary Hospital at the Federal University of Viçosa, showing an increase of volume in the ventral midline of the jaw and neck, little invasive, delimited, floating and painless. The diagnostic puncture revealed the presence of thick, yellowish, viscous, with saliva aspect and lower cellularity. As it was not possible to establish one side acometed, bilateral resection of mandibular and sublingual salivary glands and later drainage of the cyst salivate was performed. Drains were placed and the region was protected by a compressive bandage. The bilateral mandibular and sublingual resection glands was effective in curing of salivary mucocele when there is no diagnosis of affected side. Keywords: sialocele, salivary cyst, mucocele

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INTRODUÇÃO

exame radiográfico simples, indicando a presença Sialocele ou mucocele salivar ocorre quando de sialólitos, neoplasias ou um corpo estranho e pela uma coleção de saliva acumula no tecido subcutâsialografia, que determinará a glândula acometida neo adjacente ao ducto de uma glândula salivar ou à (Pignone et al., 2009). Os principais diagnósticos própria glândula. No cão, as glândulas mais frequendiferenciais incluem abscessos, neoplasias e cistos temente afetadas são a sublingual, mandibular ou de outra natureza (Ettinger, 1997). seus respectivos ductos (Dunning, 2002; Fossum O tratamento de eleição consiste na remoção das et al., 2008; Ryan et al., 2008). A saliva pode ser dreglândulas afetadas e seus ductos (Pignone et al., nada para o tecido subcutâneo cervical sendo deno2009), sendo o prognóstico, na maioria das vezes, favominada mucocele cervical, para o espaço sublingual rável (Nelson e Couto, 2006; Fossum et al., 2008). sendo chamada de rânula, para o tecido adjacente à faringe constituindo a mucocele faríngea; mucocele RELATO DO CASO zigomática é quando a saliva é drenada para a região Um cão da raça poodle, com 4 anos de idade e ventral ao globo ocular e mucocele complexa, quanpesando 4,5 kg foi atendido no Hospital Veterinário do envolve mais de dois tipos (Rahal et al., 2007; da Universidade Federal de Viçosa. O proprietário reFossum et al., 2008). latou a presença de um aumento de volume progresA mucocele é causada por trauma ou infecção do sivo na região cervical ventral há aproximadamente parênquima glandular e seus ductos, por sialólitos ou dois meses e que o animal já havia passado por um pode ter causa idiopática (Ettinger, 1997; Nelson procedimento cirúrgico anterior, com drenagem de e Couto, 2006; Rahal et al., 2007; Pignone et al., aumento de volume na área cervical e irrigação com 2009). Em humanos, pode estar relacionada à infecção tintura de iodo, que recidivou em sete dias. Ao exame pelo HIV (Sybele et al., 2010) e ao contrário do que físico foi observado um aumento de volume na linha ocorre no cão, a sialolitíase é a principal causa (Mcmédia ventral de mandíbula e pescoço (Figura 1), Gurk et al., 2005), sendo descritos ainda, alguns fatopouco invasivo, delimitado, flutuante e indolor. res predisponentes, tais como: trauma na região facial e cirurgia (Brown, 1989; Dunning, 2002). Arquivo do autor A enfermidade é mais comum em cães do que em gatos (Fossum et al., 2008) sendo poodle, pastor alemão, yorkshire e dachshund as raças mais predispostas (Pignone et al., 2009). Os sinais clínicos variam conforme a glândula afetada, mas de forma geral apresentam aumento de volume flutuante que, na maioria das vezes, é indolor (Ettinger, 1997; Nelson e Couto, 2006; Pignone et al., 2009). Outros sinais que podem estar presentes envolvem disfagia, hiporexia, anorexia, hemorragias ou hematomas e enoftalmia, dependendo da provável causa e da glândula salivar afetada (Ettinger, 1997; Nelson e Couto, 2006; Fossum et al., 2008). O diagnóstico da mucocele salivar é feito após anamnese, constatando relato de aumento de volume progressivo e ocorrência de trauma ou cirurgia no local e exame físico da região. Exames complementares Figura 1. Aumento de volume na linha média ventral de mandíbula e cervical superior de cão. podem ser realizados por meio de punção A punção diagnóstica revelou presença de lícom agulha de grosso calibre, revelando conteúdo quido amarelado, espesso, viscoso, com aspecto de líquido, espesso, de coloração amarelada a sansaliva e de baixa celularidade. Outras alterações não guinolenta e baixa celularidade (Ettinger, 1997; foram constatadas e, durante a anamnese, o proprieNelson e Couto, 2006; Fossum et al., 2008) , pelo Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

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suplemento científico tário não soube esclarecer se o aumento de volume ducto, justaposto à glândula e ducto sublingual, fohavia começado em um dos lados do pescoço. ram dissecados conjuntamente em direção à boca. O Devido ao histórico e ao resultado dos exames reconjunto glândula/ducto mandibular e sublingual foi alizados confirmou-se a presença de sialocele cervical pinçado profundamente, ligado com categute 2-0 e e indicou-se a ressecção das glândulas mandibular e seccionado próximo à mandíbula (Figura 2 B). sublingual e a drenagem do cisto salivar. BRUNnA FONSECA Como conduta pré-operatória foram solicitados hemograma, leucograma, contagem de plaquetas, bioquímica sérica (alanina aminotransferase, aspartato aminotransferase, fosfatase alcalina, uréia sanguínea, creatinina e glicose), tempo de coagulação e tempo de sangramento. Como todos os exames apresentaram valores dentro da normalidade, o animal foi encaminhado para cirurgia. A B Após a medicação pré-anestésica com diazepan (0,2 mg/kg/IV), e antibioticote- Figura 2. Imagem de região lateral de pescoço de cão identificando em [A] a junção da veia rapia profilática (enrofloxacina, 2,5mg/kg/ jugular externa (J) em veias linguofacial (LF) e maxilar (M). Local da incisão de pele (linha pontilhada) ventral ao conduto auditivo externo e em [B] o conjunto glândula/ducto mandiIV), as regiões laterais e ventral do pescoço bular e sublingual após dissecação e pinçamento para ligadura. foram preparadas para cirurgia. A indução anestésica foi realizada com propofol (6 mg/kg/ IV), seguida de intubação orotraqueal e da Um dreno de penrose foi colocado profundamanutenção anestésica com isofluorano diluído em mente por meio de incisão contralateral e o espaço 100% de oxigênio. Nesse momento, na tentativa de morto foi reduzido com pontos Sultan na cápsula e identificar o lado acometido, o animal foi colocado tecido profundo, os músculos superficiais e o tecido em decúbito dorsal, mas a mucocele não se deslocou subcutâneo foram apostos, ambos com fio categute para um dos lados. Quando foi realizada a palpação 2-0. A pele foi suturada com náilon cirúrgico 2-0, em do aumento de volume, com o animal de boca aberpontos simples separados. O dreno foi removido ta, não foi observada protrusão de tecido lingual em após 48 horas e a incisão contralateral cicatrizou por nenhum dos lados. Dessa forma, por não ter sido segunda intenção. possível estabelecer um lado acometido, optou-se Após a ressecção das glândulas salivares de ambos pela ressecção bilateral das glândulas salivares manos lados, a mucocele cervical foi drenada por meio de dibular e sublingual. uma incisão na sua porção mais ventral, compressão Com o animal contido em decúbito lateral Arquivo do autor direito optou-se, inicialmente, pela remoção das glândulas localizadas nesse antímero e posteriormente, as do lado esquerdo. Um apoio foi colocado sob o pescoço, uma compressão digital foi aplicada sobre a veia jugular externa, permitindo identificar sua junção em veias linguofacial e maxilar. Essa bifurcação (Figura 2A) foi utilizada com referência para a incisão de pele ventral ao conduto auditivo externo, uma vez que a glândula salivar mandibular se localiza nesse ponto. Após a dissecação do tecido subcutâneo, abertura do músculo platisma no sentido de suas fibras, a cápsula fibrosa da glândula mandibular foi observada e incisada. A glândula, de coloração amarelada Figura 3. Incisão contralateral à incisão primária para ressecção das glândulas salivares e aspecto multilobular, foi dissecada caudal- evidenciando o dreno de penrose (seta vazia) e líquido de aspecto viscoso sendo drenado mente, tracionada para fora da cápsula e seu do cisto salivar (seta cheia).

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digital e colocação de um dreno de penrose (Figura 3). Posteriormente, a região foi protegida por uma bandagem compressiva com atadura de crepom. No pós-operatório foi prescrito analgésico dipirona (25 mg/kg, via oral, a cada 8 horas, em três administrações). A bandagem foi trocada duas vezes, a cada 24 horas e, no segundo dia, o dreno também foi removido, pois a secreção era mínima, e a pele cicatrizou por segunda intenção. Ao animal foi permitido se alimentar normalmente já no pós-operatório imediato e nenhum sinal compatível com xerostomia foi observado.

DISCUSSÃO O aumento de volume observado no tecido subcutâneo cervical ventral é um sinal característico da patologia denominada mucocele cervical e, apesar de não ter sido possível determinar a sua origem pode-se eliminar a possibilidade de infecção do parênquima glandular e seus ductos e a presença de sialólitos, ficando a possibilidade de ter se originado em traumas na região facial, que é a causa mais freqüente (Brown, 1989; Dunning, 2002) e que pode, também, estar relacionada à fragilidade e superficialidade dos ductos nessa raça. Apesar de as doenças envolvendo as glândulas salivares em cães serem incomuns e apresentarem uma incidência baixa, de aproximadamente 0,3% (Spangler e Gulbertson, 1992; McGill et al., 2009; Clark e L’Eplattenier, 2010), em um estudo retrospectivo de 60 casos de mucocele salivar (Bellenger e Simpson, 1992), a raça poodle foi representativa, assim como o dachshund e o terrier australiano. A possibilidade de trauma na face e o extravasamento de saliva para o tecido subcutâneo deve ser considerada como a possível causa para o desenvolvimento de sialocele nesse cão. A obstrução do ducto deve ser seguida da sua ruptura e, trabalhos que buscam a formação experimental de sialocele mandibular demonstraram que a ligadura de um ducto induz à atrofia da glândula relacionada; que a transecção do ducto induz fibrose e atrofia da glândula, e que somente a incisão no ducto não induz a nenhuma alteração na glândula, uma vez que a incisão cicatriza rapidamente (Hulland e Archibald, 1964; Harrison e Garrett, 1975, De Young et al., 1978). Os sinais clínicos apresentados e a punção diagnóstica da região flutuante poderiam ter auxiliado no diagnóstico inicial e evitado o procedimento de drenagem realizado, que se mostrou infrutífero, com recidiva do acúmulo de líquido. Esses aspectos Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

confirmam a funcionalidade da glândula, com normalidade de produção e a lesão no ducto, com extravasamento de saliva. Também, a irrigação da cavidade formada após drenagem do cisto salivar, com tintura de iodo, mostrou-se inadequada e foi responsável pela formação de tecido fibroso que, inclusive, interferiu negativamente na estética da região. Os resultados da punção diagnóstica realizada revelaram a presença de líquido amarelado, espesso, viscoso, com aspecto de saliva e de baixa celularidade que, associados aos dados da anamnese e ao exame físico confirmaram a presença de sialocele cervical. Também, Nelson e Couto (2006) e Fossum et al. (2008) recomendaram a realização de punção com agulha de grosso calibre para o diagnóstico da patologia. A colocação de um apoio sob o pescoço, a compressão digital sobre a veia jugular externa e a identificação de sua junção em veias linguofacial e maxilar indicaram com exatidão o local da abordagem cirúrgica e evitaram a remoção equivocada do linfonodo mandibular, que se situa rostral e ventralmente à glândula, e da parótida, que se localiza dorsalmente. A cirurgia em dois tempos, constando de ressecção das glândulas e, posteriormente, drenagem do cisto, foi uma medida que favoreceu o procedimento uma vez que o conteúdo salivar não fluiu sobre o campo operatório durante a dissecação das glândulas e, posteriormente, o cisto foi efetivamente drenado pelo dreno de penrose. Na região de ressecção das glândulas forma-se uma cavidade que pode favorecer a formação de seromas e, como restos de conteúdo permanecem entremeados ao tecido muscular subcutâneo após drenagem do cisto salivar, torna-se indispensável a colocação de drenos em incisões contralaterais e a bandagem compressiva. A ausência de xerostomia e a observação de apetite, apreensão, mastigação e deglutição normais, desde o pós-operatório imediato, permitem afirmar que a ressecção bilateral das glândulas mandibular e sublingual não afeta negativamente a ingestão de alimentos, pois não causa diminuição clinicamente relevante na produção de saliva.

CONCLUSÕES A ressecção bilateral das glândulas mandibular e sublingual é eficaz na cura da mucocele salivar quando não há diagnóstico do lado acometido, e o prejuízo na produção de saliva não interfere na alimentação.

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Dados dos Autores

Eveline Caetano de Andrade

Graduanda de Medicina Veterinária, bolsistas IC/CNPq

Endereço para correspondência: Departamento de Veterinária (DVT), Universidade Federal de Viçosa (UFV) 36570-000 – Viçosa-MG E-mail: eveline.andrade@ufv.br

Rodrigo Viana Sepúlveda

Médico Veterinário CRMV MG nº11873 Residente, DVT, UFV. E-mail: rodrigo.sepulveda@ufv.br

Simone Rezende Galvão

Médica Veterinária CRMV MG nº 4738, MSc, Doutoranda, DVT, UFV. E-mail: simone.galvao@ufv.br

Ricardo Junqueira Del Carlo

Médico Veterinário CRMV MG nº 1759, MSc, DSc, Bolsista CNPq, DVT, UFV. E-mail: ricarlo@ufv.br

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REDUÇÃO DO NÚMERO DE CASOS DE ABORTAMENTOS POR LEPTOSPIRA HARDJO EM REBANHOS BOVINOS LEITEIROS por meio DE VACINAÇÃO SISTEMÁTICA E ANTIBIOTICOTERAPIA Vaccination and treatment protcol to reduce leptospira hardjO abortion in dairy cows. Resumo A leptospirose frequentemente tem sido identificada tanto em fazendas leiteiras como de corte desencadeando surtos de abortamentos e consequentemente o aumento no intervalo entre partos. O objetivo desse relato de caso é discutir estratégias de vacinação assim como a viabilidade do tratamento com diidroestreptomicina e a prevalência dos sorovares nas duas fazendas analisadas. De acordo com os resultados encontrados, a prevalência média nos dois rebanhos foi de 57%, sendo a Leptospira Hardjo bovis a mais prevalente. O protocolo de vacinação e tratamento adotados reduziram para próximo de zero o número de casos de abortamentos. Palavras-chave: bovinos, vacina, leptospira

Abstract Leptospirosis often has been identified in dairy as well as beef farms triggering abortions outbreaks and increasing of calving interval as consequence. The aim of this case report is discuss vaccine strategies as well as treatment viability using dihydrostreptomycin and prevalence of serovars in the two farms analyzed. According to the results, average prevalence in the two herds was 57%, being Leptospira Hardjo bovis the most prevalent. The vaccination and treatment protocol adopted reduced to near zero the number of abortion cases. Keywords: cattle, vaccine, leptospira

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suplemento científico Introdução

microscópica com antígenos vivos. As provas foram realizadas conforme descrito por Cole et al. (1973), modificada por Hermann (2002). Foram consideradas positivas as amostras que apresentaram 50% de Leptospiras aglutinadas por campo microscópico com titulação igual ou superior a 100. As amostras foram testadas para as seguintes sorovariedades: pomona, wolfii, bratislava, hedomadis, sejroc e hardjo (hardjo amostra norma, hardjo amostra bovis e hardjo amostra OMS). Com base no resultado dos exames sorológicos e informações disponíveis na literatura, foram propostas algumas alterações no calendário sanitário, incluindo o número de vacinações durante o ano, época de aplicação da vacina e substituição da vacina polivalente por outra vacina monovalente de L. hardjo. Os rebanhos eram vacinados utilizando-se vacinas polivalentes disponíveis no mercado com intervalos de 6 meses entre doses. Apesar da vacinação sistemática utilizando essas vacinas comerciais, o número de casos de abortamento em ambas as propriedades girava em torno de 30%. Bacterinas polivalentes apresentam resposta sorológica de curta duração o que exige no mínimo revacinações a cada 4 meses (Rodrigues et al., 2011). A partir de então, em cada propriedade foi adotada a vacinação quadrimestral do rebanho. Paralelamente, foi adotado um protocolo padrão de tratamento de todos animais em reprodução utilizando dose única de Diidroestreptomicina (40 mg/kg/peso vivo) no dia da inseminação. Com base nos dados, foram realizadas algumas análises da distribuição da frequência dos abortamentos por meio do programa de computador Stata®, avaliando a ocorrência dos casos com relação ao número de partos, número de dias de gestação em que o abortamento ocorreu e por fim, a frequência de abortamentos recorrentes no rebanho, representados pelos diagramas das Figuras 1, 2 e 3 respectivamente. A partir das análises gráficas iniciais, a inclusão de um segundo tratamento no protocolo inicial foi

A eficiência reprodutiva pode ser influenciada por diversos fatores, dentre esses as doenças infecciosas são potencialmente capazes de afetar a reprodução dos bovinos (Corrêa et al., 2000; Royal et al., 2000) e, a leptospirose bovina tem sido frequentemente associada à queda no desempenho reprodutivo (Bharti et al., 2003; Mineiro et al., 2007). Usualmente, as espécies de Leptospira causam aborto no terço final de gestação, repetição de cio e consequentemente aumento do período de intervalo de partos (Ellis, 1984; Elder et al., 1985; Prescott et al., 1988; Dhaliwal et al., 1996). Nos casos onde os animais são infectados pelo sorovar Hardjo os abortos podem ocorrer em qualquer fase da gestação além do aumento na ocorrência de perdas embrionárias e, consequentemente, a um aumento do número de doses de sêmen utilizadas por prenhêz (Faine, 1982; Ellis, 1984; Ellis et al., 1985). Além da infertilidade causada nos bovinos, a infecção pelos diversos sorovares pode influenciar a ocorrência de nascimento de bezerros fracos, debilitados e mais leves que a média dos outros recém nascidos (Ellis et al., 1986; Dhaliwal et al., 1996). O presente estudo tem o objetivo de relatar a redução do número de casos de abortamentos por Leptospira hardjo em rebanhos bovinos leiteiros por meio de vacinação sistemática e antibioticoterapia e levantar a prevalência de aglutininas antileptospira nos dois rebanhos analisados.

MATERIAL E MÉTODOS Foram analisados os dados de duas propriedades leiteiras localizadas nos municípios de Dores do Indaiá e Bom Despacho, ambos localizados na região Centro-Oeste de Minas Gerais. Ao todo, foram coletadas 45 amostras de sangue para exame sorológico em busca de aglutininas antileptospira pelo laboratório de microbiologia aplicada da Escola de Veterinária da UFMG. Para a realização dos testes sorológicos, foi utilizada a soroaglutinação

Tabela 1. Frequência de leptospiras e prevalência nass propriedades A e B.

50

Propriedade

Total de animais testados

A

Total de animais positivos Prevalência

Hardjo Bovis

Hardjo C.T.G.

Hardjo O.M.S.

Wolffi

31

19

13

13

0

61%

B

17

9

1

9

8

53%

A+B

48

28

14

22

8

Média 57%

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


15

2

10 Frequência

Frequência

1,5 1

0,5 0

0

2

4 Nº de Partos

6

8

5

0

10

0

2

4 Nº de Partos

6

8

10

Figura 1. Abortamentos segundo o número de partos nas fazendas A e B.

proposta para o período de gestação. Na fazenda A, essa segunda dose de diidroestreptomicina foi aplicada entre o quarto e quinto mês de gestação, na fazenda B o tratamento foi realizado no fim do terceiro mês de gestação. Paralelamente, o deslocamento da época de vacinação, com a vacina monovalente, para outubro possibilitou a administração de uma dose no início do período das águas, sendo as outras duas doses anuais administradas no início do mês de março e fim de julho.

RESULTADOS e discussão De acordo com os resultados encontrados, a prevalência média nos dois rebanhos foi de 57% considerando o animal positivo para pelo menos um dos sorovares testados, sendo a Leptospira hardjo bovis a mais prevalente entre os sorovares encontrados (Tabela 1). A sorovariedade hardjo

8

tem sido encontrada sorologicamente com maior frequência e causando maior impacto na eficiência reprodutiva de rebanhos bovinos (Vasconcelos et al., 1997; Langoni et al., 1999). Estudos têm demonstrado a falta de uma proteção completa com a sorovariedade hardjo e entre sorovariedades do sorogrupo borgpetersenii (Bolin et al., 1989). Devido às vacinas usualmente consistirem de células inteiras quimicamente inativadas, pouco se conhece sobre os componentes imunogênicos responsáveis em provocar a resposta imune protetora (Nunes-Edwards et al., 1985). O fato de a resposta imune ser baixa e específica para cada sorovariedade, faz do uso das bacterinas comerciais uma medida profilática muitas vezes ineficiente (Hanson, 1997; Faine et al., 1999), e aumenta a probabilidade de os animais vacinados se tornarem portadores destes micro-organismos (Srivastava, 2006).

15

10 Frequência

Frequência

6 4 2 0

50

100

150 Nº de Dias

200

5

250

50

100

150 Nº de Dias

200

250

Figura 2. Abortamentos segundo o número de dias de gestação nas fazendas A e B.

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suplemento científico Com a adoção das medidas no mês de julho de 2009, os casos de abortamento cessaram na propriedade A até o mês de janeiro de 2010, não tendo ocorrido mais nenhum caso durante esse período. As alterações foram propostas para a propriedade B no mês de janeiro de 2010, tendo sido implantadas em abril do mesmo ano. Como ocorrido no rebanho da fazenda A, os casos de abortamento apresentaram uma queda substancial, tendo ocorrido apenas um caso entre os meses de março e julho de 2010. O controle da leptospirose nos animais domésticos depende de correto diagnóstico, de tratamento apropriado e da implantação de medidas de manejo (HUHN et al., 1993). Em bovinos, a vacinação desempenha importante papel no controle da lep-

tospirose e deve ser associada a outras medidas de manejo, podendo, com isso, reduzir sensivelmente a prevalência de animais reagentes no rebanho (Gerritsen et al., 1994). A vacinação como medida isolada muitas vezes não elimina o estado de portador. Com base nos histogramas da Figura 2, pode-se observar que os abortamentos ocorreram com maior frequência no segundo terço de gestação. Essa informação foi a base para tomada de decisão envolvendo uma segunda dose de diidroestreptomicina durante o período de gestação. A estreptomicina foi um dos primeiros antibióticos a ser utilizado para a terapia da leptospirose e é considerada, até hoje, uma das melhores opções, embora outros antibióticos (oxitetraciclina, tilmicosin e ceftiofur)

Referências Bibliográficas ALT, D. P.; ZUERNER, R. L.; BOLIN, C. A. Evaluation of antibiotics for treatment of cattle infected with Leptospira borgpetersenii serovar hardjo. Journal of the American Veterinary Medical Association, v.219, p.636-639, 2001. BHARTI A.R; NALLY J.E; RICALDI J.N. et al. Leptospirosis: a zoonotic disease of global importance. Lancet Infect Dis, v.4, p.757 - 771, 2003. BOLIN, C.A.; ZUERNER, R.L.; TRUEBA, G. Effect of vaccination with a pentavalent leptospiral vaccine on Leptospira interrogans serovar Hardjo type Hardjobovis infection of cattle. Am. J. Vet. Res., v.50, p. 2004 - 2008, 1989. COLE, J. R.; SULZER, C. R.; PURSELL, A. R. Improved microtecnique for the leptospiral microscopic agglutination test. Journal of Applied Microbiology, v.25, p.976 – 980, 1973. CORRÊA, S. R.; ANDRADE, P.; EUCLIDES FILHO, K.; ALVES, R. G. O. Avaliação de um sistema de produção de gado de corte 1: desempenho reprodutivo. Revista Brasileira de Zootecnia., v.29, p.2209 - 2215, 2000. DHALIWAL, G. S.; MURRARY, R. D.; DOBSON, H. Reduced conception rates in dairy cattle associated with serological evidence of Leptospira interrogans serovar harjo infection. Veterinary Record, v.3, p.110 - 114, 1996. ELLIS, W. A. Bovine leptospirosis in the tropics: Prevalence, pathogenesis and control. Preventive Veterinary Medicine, vol.2, p. 411 -421, 1984. ELLIS, W. A., O’BRIEN, J. J., CASSELLS, J. A., et al. Excretion of L. interrogans serovar hardjo following calving or abortion. Research in Veterinary Science, v.39, p.296-298, 1985. ELLIS, W. A., O´BRIEN, J. J., NEILL, S. D., BRYSON, D. G. Bovine leptospirosis: experimen-

52

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Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


1,5

1

30 Frequência

Frequência

40

20

0,5 10 0

1

2

Total de Abortos

3

4

0

1

2 3 Total de Abortos

4

Figura 3. Casos de abortamentos recorrentes nas fazendas A e B.

também apresentem bons resultados (Alt et al., 2001). O custo e o período de carência precisam ser avaliados para adoção do antibiótico. Como demonstrado na representação gráfica da Figura 1, os casos de abortamentos se concentraram entre as vacas multíparas, segundo e sexto partos na fazenda A e segundo e quarto partos na fazenda B. A concentração de casos nos animais de segunda cria pode estar relacionada com a entrada das vacas primíparas no sistema, sendo, dessa forma, mais sujeitas ao desafio e contaminação ambiental. A presença destes animais em lotes de vacas multíparas contaminadas cronicamente pode ser determinante para sua infecção por leptospiras. Os abortamentos podem se concentrar nessa categoria devido à menor resposta imunológica desses animais recém-introduzidos no sistema. Os histogramas da Figura 3 demonstram que a maior parte dos animais aborta apenas uma única vez, sendo infrequentes os casos recorrentes nos rebanhos estudados, provavelmente devido à adequação do sistema imune dos animais.

Conclusões Os protocolos sanitários devem ser dinâmicos e adequados de acordo com a necessidade de cada fazenda devido às características singulares encontradas em cada caso. O controle da leptospirose em rebanhos bovinos deve basear-se nas informações disponíveis no banco de dados das propriedades, permitindo que haja, dessa forma, uma orientação das melhores medidas a serem adotadas. Em surtos de leptospirose, a antibioticoterapia não deve ser descartada, uma vez que a adoção de um protocolo de vacinação como medida única muitas vezes não é capaz de controlar os quadros de abortamentos nos rebanhos bovinos. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

Dados dos Autores

Luciano Bastos Lopes

Médico Veterinário CRMV-MG nº 5907.Pesquisador da Embrapa Agrossilvipastoril – Epidemiologia e controle de zoonoses.

Endereço para correspondência: Av. Itaúbas, 3257, Setor Comercial – Sinop/ MT. CEP: 78.550-194. E-mail: luciano.lopes@embrapa.br

Rômulo Cerqueira Leite

Médico Veterinário CRMV-MG nº 1615, Professor Titular no Departamento de Medicina Veterinária Preventiva da Escola de Veterinária da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: romulo@vet.ufmg.br

João Paulo Amaral Haddad

Médico Veterinário CRMV-MG nº 4537, professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: jphaddad@globo.com

Marcos Bryan Heinemann

Médico Veterinário CRMV-MG nº 8451, Professor Adjunto da Universidade Federal de Minas Gerais. E-mail: mbryan@vet.ufmg.com.br

Rogério Oliveira Rodrigues Médico Veterinário CRMV-MG nº 6458 E-mail: rogerrodriguesvet@gmail.com

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suplemento científico

Análise econômica de estratégias nutricionais para aumento da rentabilidade da pecuária bovina de corte Technical planning and financial analysis in bovine livestock Resumo O planejamento técnico aliado ao financeiro é um processo imprescindível para verificar a viabilidade operacional e econômica das estratégias nutricionais assumidas dentro do sistema e fornecer com maior precisão as informações necessárias para a tomada de decisão na bovinocultura de corte. O creep-feeding, a suplementação protéica-energética-mineral, o confinamento, adubação e/ou a irrigação das pastagens são estratégias que podem ser adotadas para aumentar a produtividade da pecuária bovina brasileira. É necessário mensurar e avaliar economicamente o impacto do uso das diversas tecnologias nutricionais disponíveis para o aumento da produtividade nas diversas fases do sistema de produção de bovinos de maneira global e não isoladamente, sendo a viabilidade econômica da atividade dependente de diversos fatores: local da produção, valor da arroba bovina (compra e venda), preços dos insumos, escala e nível de intensificação, entre outros. Palavras-chave: custo, sistema de produção, viabilidade econômica

Abstract The technical planning coupled with the financial analysis is an essential tool to assess operational and economical viability of the nutritional strategies undertaken within the system and provide more accurate information necessary for decision making in bovine livestock. The creep-feeding system, supplemental protein energy and mineral, the concentrated animal feeding operations, fertilization and the irrigation of pastures are strategies that can be adopted to increase the productivity of cattle in Brazil. It is necessary to measure and evaluate the economic impact of the use of several nutritional technologies available to increase productivity in various stages of the production system of cattle in a global way and not separately, and the economic viability of the activity will be dependent on several factors: site of production, beef prices (buying and selling), inputs costs, scale and level of intensification, among others. Keywords: cos, production system, economic viability

1. A EMPRESA RURAL A empresa rural “é o organismo econômico e social que, reunindo terra, capital, trabalho e direção se propõe a produzir bens ou serviços na expectativa de lucros” (Souza et al., 1995). A empresa rural exige do empresário decisões sobre aspectos internos (uso de tecnologias, recursos

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financeiros etc.) e externos (mercado) da empresa, que influenciam diretamente sua implantação e controle. Sendo assim, é de suma importância que o empresário ou o administrador da empresa tenha amplo conhecimento desses fatores, assessorado por técnicos que possam auxiliá-lo na tomada de decisões. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


1.1 Gestão e Planejamento na Empresa Rural

1.1.3 Planejamento Operacional

Segundo Souza et al. (1995), o planejamento estratégico é um instrumento elaborado para que o empresário possa visualizar sua atuação futura, sendo assim, normalmente, é projetado para longo prazo, com uma abordagem global, definindo o que produzir e o quanto produzir nos anos seguintes.

O planejamento operacional é voltado para a empresa em si, sendo normalmente de curto e médio prazo, e está ligado a como conduzir cada exploração (estratégia) escolhida por meio do planejamento estratégico, isto é, o que, como e quem executará. Esse planejamento relaciona-se com método (como fazer), dinheiro (quais recursos financeiros serão usados), tempo (quando fazer) e a ação (quem fazer) (Souza et al., 1995).

1.1.2 Planejamento Gerencial

2. PLANEJAMENTO NUTRICIONAL

O planejamento gerencial está localizado entre os níveis estratégico e operacional e tem a responsabilidade de fazer a captação e alocação de recursos, bem como a distribuição dos produtos ao mercado. Nesse nível, são tomadas as decisões visando adequar os objetivos estabelecidos no nível estratégico (Souza et al., 1995).

O primeiro passo para iniciar o planejamento nutricional de um novo projeto é levantar os recursos físicos da propriedade (benfeitorias, tipos de solos, espécies forrageiras, recursos hídricos, tamanho da área, topografia) e as características climáticas da região. É de fundamental importância ter a planta planialtimétrica

1.1.1 Planejamento Estratégico

Tabela 1. Orçamento de caixa de uma empresa rural durante 11 anos INVESTIMENTO (1)

1.054.269,17

463.045,42

391.690,42

FLUXO DE CAIXA

Ano 0

Ano 1

Ano 5

Ano 10

Saldo Inicial

-

(1.054.269,17)

1.262.106,75

4.887.504,47

5.537.092,50

Receitas

76.300,00

3.061.585,33

3.061.585,33

3.061.585,33

19.617.190,52

Despesas

-

(2.460.182,28)

(2.460.182,28)

(2.460.182,28)

(2.460.182,28)

Investimentos

(1.054.269,17)

-

(463.045,42)

(391.690,42)

-

-

-

-

-

-

Ano 11

SALDO PARCIAL 1

(1.054.269,17)

(452.866,12)

1.400.464,37

5.097.217,10

22.694.100,74

Aplicação

-

(1.054.269,17)

1.262.106,75

4.887.504,47

5.537.092,50

Empréstimo / Aplicação

-

(94.884,23)

113.589,61

439.875,40

498.338,33

SALDO FINAL ACUMULADO

(1.054.269,17)

(547.750,35)

1.514.053,98

5.537.092,50

23.192.439,07

Saldo VPL

(1.054.269,17)

(547.750,35)

601.403,05

601.403,05

17.157.008,24

14,06%

28,29%

TIR VPL

(R$ 124.947,28) R$ 1.647.332,31

111,61% R$ 22.021.885,32

Valores entre parênteses são negativos Fonte: Arquivo pessoal.

Esse método gerencial é importante para saber o fluxo de receita, despesas e investimentos da empresa em um certo período – pelo menos anual –, podendo antecipar a necessidade de algum aporte de capital, caso o fluxo de caixa fique negativo. Avalia também a capacidade de pagamento bem como outros índices econômicos como a taxa interna de retorno (TIR) e o valor presente líquido (VPL) do projeto. Esse orçamento auxilia também a avaliação e a viabilidade da introdução de uma tecnologia e seus impactos econômicos no sistema de produção (Tabela 1), levando-se em conta o aumento ou diminuição das receitas e despesas (Souza et al., 1995). Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

(mapa) para os levantamentos do inventário, de índices de produção de matéria seca (MS) das forrageiras por área, para recomendações de correções e adubações de solos, planejamento de novas espécies forrageiras, divisão de áreas, entre outros (Barbosa, 2004a). O planejamento forrageiro deverá proporcionar quantidade anual adequada de forragem à demanda dos animais no sistema, seja por pastagens extensivas ou em sistemas mais intensificados, por meio de rotação, adubação e irrigação de pastagens, ou ainda, suplementação volumosa no cocho. A falta de informações sobre a distribuição do crescimento das forragens ao longo do ano é, atualmente,

55


suplemento científico a principal limitação para o planejamento de sistemas pastoris. Essas informações podem ser conseguidas por meio de: (1) dados de literatura (2) modelos matemáticos de crescimento de pastagens, (3) dados locais de monitoramento da massa de forragem ou das taxas de lotação e desempenho animal (Barioni et al., 2003). Um ponto importante a ser considerado no planejamento nutricional, que está intimamente ligado à demanda e ao planejamento forrageiro, é a exigência nutricional do animal ao longo do ano. Essa exigência nutricional varia em função da idade, sexo, raça, estádio fisiológico e ganho de peso projetado. Analisando a exigência nutricional e a quantidade e qualidade da forragem ao longo do ano defini-se qual a demanda de forragem e a necessidade de suplementação protéica, energética, mineral e vitamínica para atender aos objetivos de ganho de peso e/ou reprodução (Barbosa, 2004). Devido ao crescimento das pastagens e sua qualidade na estação seca do ano ser bem menor em relação à época das águas, torna-se necessário assumir estratégias caso não ocorra nenhuma venda de animais no final da estação das águas, como: 99 Utilizar pastagem diferida, isto é, vedar parte dos pastos na época das águas para sua utilização na seca; 99 Suplementações volumosas com silagens, capineiras ou cana de açúcar; 99 Suplementações com proteinados e/ou rações concentradas.

concentrada e, em algumas situações, irrigação de pastagens e/ou culturas. A escolha de quais estratégias utilizar no planejamento nutricional é dependente do planejamento financeiro, isto é, deve-se analisar qual a necessidade de investimento, fluxo de caixa, a rentabilidade e o retorno do capital investido de cada estratégia dentro do sistema de produção (Barbosa, 2004).

2.1 Suplementação nutricional estratégica 2.1.1 Creep feeding A maioria dos trabalhos com creep feending apresentam ganhos adicionais que variam de 8 a 42 kg por bezerro com consumos médios de concentrado de 0,3 a 3,4 kg/cab/dia. As suplementações com consumo mais elevado proporcionam maiores ganhos de peso, mas com custo de ganho mais elevado. Trabalhos americanos (consumo mais elevado) mostram custos de suplementação de US$ 37 a 74,00 por cabeça por período e o ganho adicional em arrobas de US$ 25 a 30,00; tornando inviável economicamente na sua maioria (Arthington, 2004). Trabalhos no Brasil mostram resultados econômicos similares aos americanos. O consumo elevado de concentrado pelos animais leva ao efeito de substituição da pastagem sendo o ganho de peso não compensado economicamente. Quando o consumo é menor (entre 0,4 a 0,7 kg/dia), utilizando

Estratégia de Suplementação Nutricional Jan

• • •

Fev

Mar

Abr

Mai

Jun

Jul

Ago

Set

Out

Nov

Dez

Observações

Bezerros (as)

Creep-feeding

Recria

SM 60g de P / SP30 / SP35

Nov. Primíparas

SM 60g de P / SP50

Engorda

SM 45g de P / SP30 / SP35

Matrizes

SM 80g de P / SM Uréia 20%

SM: Suplemento mineral com mínimo de fósforo (P) em grama (g) /kg de produto; SP30: Suplemento Proteico 30% PB - 0,25% pv; SP35: Suplemento Proteico 35% PB - 0,25% pv;

• •

SP50: Suplemente Proteico 50% PB - 0,1% pv; Creep-feeding – para matrizes zebuínas e primíparas ou bezerros superprecoces.

Figura 1 – Exemplo de um calendário nutricional.

No planejamento nutricional de sistemas mais intensivos com taxas de lotações acima de 2,0 UA por hectare deve-se considerar a necessidade de utilização de tecnologias como rotação e adubação de pastagens, suplementação volumosa, suplementação

56

cerca de 7% a 10% de sal branco como regulador da mistura concentrada, essa suplementação passa a ter efeito aditivo complementando as deficiências nutricionais que podem ocorrer nas pastagens e no leite ingerido. Dessa maneira, a viabilidade econôRevista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


mica pode ser positiva. Esse cenário pode mudar em função do preço da ração concentrada e do preço da arroba (Carvalho et al., 2003). Exemplos: 1. Custo da suplementação Consumo médio de 500 gramas de concentrado/ dia x 140 dias x R$ 0,30 (preço por kg do concentrado – 18% PB) = R$ 21,00 / cabeça / período. 2. Custo inicial da instalação = R$ 1.000,00 (para 50 bezerros) Calculando a depreciação de 10 anos e 20% de valor residual temos = R$ 80,00/ ano/ 50 bezerros = R$ 1,60 por bezerro/ano 3. Ganho para pagar a tecnologia Considerando o preço de arroba do bezerro de R$ 55,00, temos: Custo = R$ 21,00 + 1,60 = R$ 22,60 / 55,00 = 0,41 arrobas. Portanto, os bezerros têm que ser desmamados, em média, 0,41 arrobas ou 12,33 kg de peso vivo para pagar a suplementação e a depreciação da instalação. Dentro de um sistema de cria, essa tecnologia pode ser utilizada quando for viável economicamente (receita em ganho de peso maior que a despesa) e os bezerros forem vendidos no peso e não por cabeça. E, ainda, no sistema que busca precocidade à idade de reprodução das matrizes (14 a 18 meses) pelo maior peso a desmama e maiores chances de aumentar a taxa de prenhez futura. No sistema completo, essa tecnologia pode ser utilizada buscando a precocidade reprodutiva da fêmea e a redução da idade de abate dos animais. Em quaisquer dos sistemas, os animais que foram suplementados devem continuar recebendo suplementação proteico-mineral (consumo acima de 0,2% do peso vivo) para evitar parada do seu crescimento.

2.1.2 Recria e engorda para abate 2.1.2.1 Suplementação a pasto Ao avaliar a suplementação concentrada e/ou volumosa no contexto do sistema de produção com a redução da idade ao abate, com maior taxa de desfrute e aumento da produtivdade (@/ha/ano), normalmente, ocorrem aumentos da rentabilidade dentro do sistema. Esse aumento da produtividade é devido à melhor eficiência alimentar dos animais, com menor necessidade total (durante toda a vida do animal) de MS e proteína com aumento do ganho de peso. Um resumo de vários trabalhos publicados até 2003 mostra que o ganho em peso adicional convertido em R$ (reais) da suplementação, em relação ao tratamento sem a suplementação, variam de R$ 3,44 Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

a 44,39/animal/ período, durante a época da seca, e de R$ 2,31 a 56,00/animal/período, durante a época das águas. As variações ocorrem devido às diferenças de raças de animais, tempo de suplementação, pastagens, quantidade e valor nutricional do suplemento e valor da arroba (Carvalho et al., 2003). O uso de suplementos alimentares no sistema de produção de bovinos ocasiona maior desembolso de capital no início do trabalho. Para que essa técnica seja difundida é necessário que seja economicamente viável. O ganho em peso do animal tem de pagar o investimento com a suplementação e os outros custos de produção. Além disso, deve ser levado em consideração que o animal que recebeu suplemento poderá sair mais rápido da pastagem, reduzindo o custo de permanência e permitindo a entrada de nova categoria animal, com aumento de giro de capital (Barbosa et al., 2008). Moraes et al. (2006) verificaram redução dos dias de suplementação necessários para o abate de bovinos quando forneceram suplemento com 24% de PB, em pastagens de Panicum maximum cv. Mombaça, na época de transição seca-água. A viabilidade econômica da suplementação proteico-energética do pasto, durante a época de transição água-seca, encontrada por Moraes et al. (2006) está de acordo com Euclides et al. (1998), Tomich et al. (2002) e Barbosa et al. (2008), que também verificaram melhor resultado econômico com a suplementação proteico-energética do pasto quando comparada ao tratamento controle, que era pasto mais suplemento mineral (Tabela 2).

2.1.2.2 Confinamento O confinamento é uma atividade que envolve um risco mais elevado devido ao volume de desembolso financeiro e sua rentabilidade ser totalmente dependente do preço de venda dos bovinos. Em um estudo de dois confinamentos em Minas Gerais, no ano de 2006, Barbosa et al. (2007) mostraram que as fazendas apresentram lucro total (LT) indicando que o confinamento foi uma atividade que conseguiu viabilizar-se e pagar todos os custos totais (Tabela 3). O custo da arroba produzida no confinamento foi maior que o valor da venda da arroba nos dois sistemas de produção. Portanto, a viabilidade econômica da atividade foi dependente da variação do preço de compra e venda da arroba bovina (Tabela 3). É importante ressaltar que, nesse estudo, não foram considerados, para o sistema de produção, outros benefícios decorrentes da adoção de confinamento tais como: a antecipação das receitas e os custos de permanência desses animais por mais tempo na fazenda. Esses resultados indicam que o confinamento pode ser considerado

57


suplemento científico Tabela 2. Avaliação econômica de acordo com as suplementações (R$ /cabeça/período) SM

SUP 1

SUP 2

Custos Variáveis (CV) (R$ / cabeça/ período*)

18,94

42,96

56,54

Suplementação

2,28

26,30

39,88

Medicamentos e vacinas

2,06

2,06

2,06

Mão de obra

10,40

10,40

10,40

Despesas Gerais e Manutenção

4,20

4,20

4,20

Custos Fixos (CF) (R$ / cabeça/ período)

23,44

23,44

23,44

Benfeitorias e equipamentos

4,35

4,35

4,35

Pastagens

16,92

16,92

16,92

Cercas

2,17

2,17

2,17

Fixos + Variáveis (R$ / cabeça/ período)

42,38

66,40

79,98

Juros sobre CF + CV (R$ / cabeça/ período)

0,57

0,77

0,91

Juros sobre Patrimônio** (R$ / cabeça/ período)

11,25

11,25

11,25

Custo Total (R$ / cabeça/ período)

54,20

78,42

92,14

Receita Bruta (R$ / cabeça/ período)

109,05

133,52

152,06

Margem Bruta (R$ / cabeça/ período)

90,11

90,56

95,52

Lucro Operacional (R$ / cabeça/ período)

66,67

67,12

72,08

Resíduo p/ remuneração (R$ / cabeça/ período)

54,85

55,10

59,92

* Período = 105 dias. ** Patrimônio = Terras, benfeitorias, equipamentos e rebanho. Fonte: Barbosa et al., 2008.

uma opção de investimento, no entanto, quando se considera o confinamento como uma estratégia para o sistema como um todo é que se entende a sua função estratégica. Os preços de venda e de compra,

isto é, a variação do preço da arroba exerce grande influência nos resultados econômicos. O custo da arroba produzida varia em função do ganho de peso do animal, o preço dos insumos,

Tabela 3. Análise econômica e de custos de dois confinamentos em Minas Gerais no ano de 2006 Sistema 1

Sistema 2

Custos Operacionais Variáveis – COV

TOTAL - R$

COT - %

TOTAL - R$

COT - %

Dieta

277.727,95

20,9

90.154,66

17,0

Máquinas

5.617,92

0,4

6.107,50

1,2

Mão de obra

17.768,40

1,3

13.702,50

2,6

Vacinas e Outros

9.365,40

0,7

3.350,00

0,6

Compra de bovinos

992.110,51

74,6

401.552,00

75,9

Subtotal

1.302.590,18

97,9

514.866,66

97,3

Custos Operacionais Fixos – COF

TOTAL - R$

COT - %

TOTAL - R$

COT - %

Máquinas / Equip.

19.540,00

1,5

9.162,00

1,7 1,0

Instalações

7.986,34

0,6

5.095,80

Subtotal

27.526,34

2,1

14.257,80

2,7

Custo Operacional Total – COT

TOTAL - R$

COT - %

TOTAL - R$

COT - %

Subtotal

1.330.116,52

100,0

529.124,46

100,0

Receitas Totais – RT

TOTAL - R$

R$/@

TOTAL - R$

R$/@

Vendas Bois

1.468.800,82

48,89

572.254,90

Custo arroba produzida (R$) Lucro Operacional (LOp) = RT – COT

62,57

56,25 116,83

138.684,30

43.130,44

Custo Oportunidade (COC)

37.992,21

15.016,94

Lucro Total (LOp - COC)

100.692,08

28.113,50

Fonte: Barbosa et al., 2007

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Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


infraestrutura e região onde é realizado o confinamento. Como demonstrado na Figura 2, o custo da arroba produzida foi de R$ 47,00, ficando mais baixa que nas fazendas acima (Tabela 3). Portanto, o planejamento bem feito assegura a tomada de decisão de fazer o investimento.

suplementação de ração no primeiro período seco e foram confinados no segundo. A suplementação alimentar, durante o período seco, combinada ou não com o confinamento, mostrou-se uma atividade economicamente viável. O tratamento que apresentou maior valor presente líquido (VPL) foi aquele

Peso vivo médio inicial dos bois confinados: 360 kg Número de dias do confinamento: 100 dias Ganho de peso médio diário: 1,250 kg/cab/dia Peso médio final dos bois confinados: 485 kg Custo diária Custo ganho % do (R$ / BxD) (R$ /@) desembolso Alimentos 1,990 38,741 86,77 Produtos veterinários 0,032 0,623 1,40 Mão de obra 0,025 0,487 1,09 Custo operacional máquinas 0,199 3,874 8,68 Manutenção de instalações 0,021 0,405 0,91 Energia elétrica (fábrica rações) 0,027 0,519 1,16 SUBTOTAL 2,293 44,649 100,00 Depreciação benfeitorias 0,081 1,580 Juros – alimentos (2% ao mês) 0,040 0,775 TOTAL 2,4141 47,004

% do Total 82,42 1,33 1,04 8,24 0,86 1,10 94,99 3,36 1,65 100,00

Fonte: Burgi, 2006. Figura 2. Custo de produção de um confinamento em 2005.

Euclides et al. (1998) avaliaram a eficiência de sistemas de alimentação, durante os períodos críticos, como alternativa de redução da idade de abate de Nelores recriados em pastagens de Brachiaria decumbens, e a viabilidade econômica deles. Foram feitos os seguintes tratamentos: a) os animais não receberam suplementação; b) os animais receberam suplementação de ração somente no primeiro período seco; c) os animais receberam suplementação de ração no segundo período seco; d) os animais receberam suplementação de ração nos dois períodos secos, e e) os animais receberam

em que os animais foram suplementados a pasto nas duas estações secas (D), e o menor VPL pelos animais que não receberam qualquer suplementação (A). A suplementação alimentar proporcionou aumento da taxa de suporte da fazenda de 0,73 para 0,87 UA/ha na seca, redução da idade ao abate de novilhos Nelore de 5 a 13 meses de acordo com a suplementação (Tabela 4). O ganho compensatório que ocorreu nos animais sem suplementação foi parcial, não conseguindo atingir nenhum dos animais que foram suplementados pelo menos uma vez durante o ciclo (1ª ou 2ª seca).

Tabela 4. Meses de abate, coeficientes de valor atual (CVA), rendas brutas corrigidas (RB) e valores presentes líquidos (VPL), de acordo com os tratamentos Tratamento

Mês de Abate

CVA*

RB

VPL**

VPL***

Sem supl.

10/93

0,764

233,30

- 5,71

- 5,71

Supl. 1 Seca

5/93

0,803

251,00

13,64

27,29

Supl. 2 Seca

3/93

0,820

259,20

14,25

33,54

Supl. 1 e 2 Secas

1/93

0,836

269,90

16,73

41,80

Supl. 1 e Conf. 2 Secas

10/92

0,861

264,70

4,52

38,45

* 12% ao ano ** Sem considerar o benefício da liberação das pastagens *** Considerando o benefício da liberação das pastagens. Fonte: Euclides et al., 1998.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

59


suplemento científico 2.1.3 Antecipação da puberdade da matriz A redução da idade ao primeiro parto promove aumento da produção de bezerros (kg/ano), diminuição do intervalo de gerações (maior pressão de seleção nas fêmeas), diminuição da categoria improdutiva no rebanho (retirada das novilhas de 2 ou 3 anos em crescimento) (Tabela 5).

Ao comparar a eficiência econômica encontraram diferenças nas margens brutas de cada sistema: R$ 160.424,00, 164.641,00, 163.640,00, para SRA, SSP e SSM, respectivamente. A diferença é pequena em relação aos sistemas, além disso, a taxa de natalidade média usada na simulação foi de 70%. Ao aumentar essas taxas de natalidade e redução no preço por kg da dieta suplementar, o

Tabela 5. Análises produtivas com diferentes idades ao abate e primeiro parto em uma propriedade com 2.500 hectares Super Precoce

Precoce Cruzamento

Zebuíno

14 meses

14 meses

26 meses

Idade abate

14 a 16 meses

18 a 22 meses

22 a 26 meses

Suplementação

Idade reprodução

Confinamento

Pasto

Pasto

Total vacas

1.195

1.005

910

Total bezerros

1.016

854

774

Total UA

2.250

2.250

2.250

0,9

0,9

0,9

UA/ha

Trabalho conduzido no sul da Bahia com novilhas de cruzamento que receberam suplementação a pasto (500g/cab/dia – 40% PB) em pastos braquiária foram inseminadas aos 14/15 meses de idade com uma taxa

sistema (SRA) pode ser economicamente mais atrativo. Cabe ainda salientar que ao reduzir a idade ao parto existem os ganhos genéticos diretos e indiretos relatados anteriormente.

Tabela 6. Desempenho biológico de acordo com o sistema alimentar Indicadores

Sistema SRA

Sistema SSP

Sistema SSM

Vacas descartes – cab.

60

61

62

Novilhas descartes – cab.

150

145

139

6

5

5

214

209

204

Peso vivo/ha/ano (kg)

145,34

142,19

139,42

Equivalente carcaça/ha/ano – abate kg

64,45

63,15

62,13

Produtos vendidos

Touros descartes – cab. Bois gordos – cab.

Fonte: Auriemo et al., 2006.

de prenhez média de 83% (Graça et al. 1998). Já os resultados em precocidade com Nelore, aos 15 meses, recebendo ração concentrada (1% do peso vivo) foram de 44% de taxa de prenhez, no Mato Grosso do Sul (Auriemo et al., 2005). Foi feita uma simulação para o sistema de 15 meses para o Nelore com os dados alcançados no Mato Grosso do Sul (Auriemo et al., 2005). Para o sistema considerouse uma área de 1.056 hectares de pastagem cultivada em um sistema completo. O custo total por cabeça para a ração concentrada (SRA) foi de R$ 195,30, para o suplemento múltiplo (SSP) de R$ 55,28 e do suplemento mineral (SSM) de R$ 10,44. O sistema SRA obteve maior número de novilhas, touros e bois gordos descartados, com uma produção de 145,34 kg/ha/ano (Tabela 6).

60

2.1.4 Adubação de pastagens Foi feita uma análise econômica da adubação (Barbosa et al., 2003) considerando como variáveis os insumos para formação de pastagem e adubação, compra de animais e arroba, com os preços de mercado (data-base dez/2002). Os demais custos foram avaliados segundo sistema de recria/engorda extensiva com 1.808 hectares de pastagens e uma taxa de lotação de 0,83 UA/ha. Foi considerada a depreciação da pastagem por 10 anos, uma taxa de juros anual de 8% e 53% de rendimento de carcaça. O valor da arroba foi de R$ 57,70 e o preço de compra do novilho de 200 kg de peso vivo de R$ 430,00 (Tabela 7). Os tratamentos foram divividos da seguinte maneira: T1 – sem adubação, T2 – 20 kg de P2O5 e 20 kg de K2O por hectare /ano Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


e T3 - 40 kg de P2O5 e 40 kg de K2O por hectare/ano. A produtividade (arrobas por hectare) foi influenciada pela adubação, onde no T1 verificou-se resultado decrescente com 17,63 e 3,8 @/ha/ano para o ano 1 e 9, respectivamente. O T2 manteve-se estável com 21,44 e 21,12 @/ha/ano para o ano 1 e 9, respectivamente. Já o T3 obteve um resultado crescente ao longo dos anos com 23,44 e 34,14 @/ha/ano para o ano 1 e 9, respectivamente (Tabela 12). Devido à diminuição da produtividade ao longo dos nove anos, o custo da arroba produzida aumentou para o T1 de R$ 37,32 para 84,29, no ano 1 e 9, respectivamente. Para o T2 o custo

da arroba teve pouca variação com R$ 40,46 e 42,19, no ano 1 e 9, respectivamente, visto que a produtividade manteve-se também estável. Já no T3 o custo da arroba diminuiu R$ 44,06 e 38,87 para o ano 1 e 9, respectivamente, pois a produtividade aumentou diluindo os custos totais (Tabela 10). O T3 apresentou melhores resultados econômicos do que os outros tratamentos mostrando a viablidade econômica (lucro operacional, retorno do investimento, VPL e TIR) da adubação de manutenção. O T1, sem adubação, não obteve retorno do investimento inicial, acarretando prejuízo econômico ao sistema.

Tabela 7. Análise econômica da adubação de manutenção com diferentes níveis de fósforo e potássio em pastagens de Pannicum maximum Jacq, (cv Makueni) com Stylosanthes guianensis e Glycine wightii, em pecuária bovina de corte

DESEMBOLSOS (1) Compra gado Salários + Encargos sociais Insumos (mineral, vacinas, medicam etc.) Pastagens – adubação Cercas / Benfeitorias – manutenção Tratores / Veículos (comb., peças etc.) Administrativo Outros DEPRECIAÇÃO (2) Pastagens Cercas / Benfeitorias Tratores / Veículos JUROS (8% a.a.) (3) Patrimônio Desembolsos RECEITA BRUTA (4) Receita 1 – bezerro7@ x Tx. Lotação Receita 2 – ganho peso no sistema Kg peso vivo/ha/ano Preço arroba Taxa lotação (UA/ha) Produtividade (@/ha/ano) Custo da @ produzida RENDA LÍQUIDA (5) (4-1) LUCRO OPERACIONAL (6) (5-2) RESÍDUO (7) (6-3) INVESTIMENTO INICIAL Retorno do Investimento Inicial Valor Presente Líquido (VPL) Taxa Interna de Retorno (TIR)

ANO 1 (R$/ha/ano) T1 (0) T2 (20) T3 (40) 520,62 721,89 892,94 434,30 516,00 623,50 24,52 24,52 24,52

ANO 9 (R$/ha/ano) T1 (0) T2 (20) T3 (40) 195,56 744,47 1.163,83 124,70 537,50 881,50 24,52 24,52 24,52

21,69

25,77

31,14

6,23

26,85

44,03

2,05 24,13 6,65 7,28 113,25 99,57 5,73 7,95 137,48 116,65 20,82 1.017,52 407,94 609,58 299 57,70 1,01 17,63 37,32 496,90 383,65 246,17 1.653,80

115,49 2,05 24,13 6,65 7,28 113,25 99,57 5,73 7,95 145,53 116,65 28,88 1.236,97 484,68 752,29 369 57,70 1,2 21,44 40,46 515,08 401,83 256,30 1.863,12

173,67 2,05 24,13 6,65 7,28 113,25 99,57 5,73 7,95 152,37 116,65 35,72 1.352,22 585,66 766,56 376 57,70 1,45 23,44 44,60 459,27 346,02 193,66 2.041,01

2,05 24,13 6,65 7,28 113,25 99,57 5,73 7,95 124,47 116,65 7,82 219,07 117,13 101,94 50 57,70 0,29 3,80 84,29 23,51 -89,74 -214,21

115,49 2,05 24,13 6,65 7,28 113,25 99,57 5,73 7,95 146,43 116,65 29,78 1.218,43 504,87 713,56 350 57,70 1,25 21,12 42,19 473,96 360,71 214,28

173,67 2,05 24,13 6,65 7,28 113,25 99,57 5,73 7,95 163,20 116,65 46,55 1.969,69 828,00 1.141,69 560 57,70 2,05 34,14 38,87 805,85 692,60 529,40

Não teve -8.126,65 -

Ano 7 - 2.699,87 -11%

Ano 6 - 678,90 +5%

Fonte: Barbosa et al., 2003.

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

61


suplemento científico 2.1.5 Irrigação de pastagens

3. CONSIDERAÇÕES FINAIS

A irrigação de pastagens irá proporcionar crescimento da forragem quando a limitação for o déficit hídrico, e as condições de solo, temperatura (máxima e mínima), luminosodade (qualidade e quantidade), nível de adubação e correção estiverem adequadas. A espécie forrageira a ser implantada tem que ter alta resposta de crescimento (produção) quando adubada, ter boa capacidade de rebrota, bom valor nutritivo e consumo, alta produção por área durante o ano. As espécies mais utlizadas são os Panicuns sp. (Tanzânia e Mombaça), Brachiaria sp.(Marandu e Xaraés ou Vitória), Cynodon sp. (tifton e coast cross) e Pennisetums sp. (elefante). Todas essas espécies possuem suas vantagens e desvantagens associadas e devem ser escolhidas em função do tamanho da área a ser formada, tipo de solo, nível de adubação, localidade geográfica (latitude), produtividade, custo de implantação etc. Um estudo (Balsalobre et al., 2003) sobre viabilidade econômica da irrigação por simulações

O planejamento técnico aliado ao financeiro é uma ferramenta imprescindível para verificar a viabilidade operacional e econômica das estratégias nutricionais assumidas dentro do sistema e fornecer com maior precisão as informações necessárias para a tomada de decisão. É necessário mensurar e avaliar economicamente o impacto do uso das tecnologias disponíveis para o aumento dos índices zootécnicos e produtivos nas diversas fases do ciclo de produção de bovinos, de acordo com cada sistema em particular, para que possa ser indicadas técnica e economicamente as tecnologias. O nível de intensificação deverá ser ditado pelos índices zootécnicos levantados inicialmente, isto é, com baixos índices produtivos, as medidas de manejo, de investimento menor, proporcionam retornos rápidos. Com o aumento gradativo dos índices produtivos devem ser introduzidas tecnologias de investimento mais ele-

Tabela 8. Custo por arroba, lucro líquido e taxa interna de retorno (TIR) para diversas regiões estudadas. Região

Custo por @ (R$)*

Lucro Líquido (R$)

TIR (%)

Piracicaba – SP

45,10

454,29

7,9

Uberaba – MG

44,52

809,44

15,0

Montes Calros – MG

41,26

786,41

14,9

São Mateus – ES

40,73

763,98

14,9

Três Lagoas – MS

41,51

704,32

13,6

Coxim – MS

40,87

687,52

13,2

Aragarças – GO

40,46

385,58

6,4

Posse – GO

39,28

528,60

9,2

Cuiabá – MT

42,06

62,97

- 1,2

Barreiras – BA

40,42

812,31

15,1

Imperatirz – MA

39,70

-179,35

-7,0

Porto Nacional – TO

39,44

- 169,14

-6,8

Conceição do Araguaia – PA

40,29

-213,46

-9,1

Marabá – PA

38,91

- 135,03

-5,9

* custo incluído aquisição de animais. Fonte: Balsalobre et al., 2003.

mostrou diferentes taxas de retorno em função de cada região, para um ganho médio de 0,541 kg/ cabeça/dia (Tabela 8). Os resultados negativos das regiões apresentadas estão em função do preço de compra elevado da recria e o diferencial de venda baixo ao abate, pois o maior % do custo dos sistemas de recria e engorda é a aquisição dos animais de reposição.

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vado. A intensificação também está em função do capital disponível de investimento, o risco e a taxa de retorno de cada situação. O uso das tecnologias no sistema de produção tem que ser gradativo e coerente com os objetivos de produção, com coletas precisas dos dados para gerar as informações necessárias, buscando o aprendizado mútuo e contínuo de todos no sistema. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Referências Bibliográficas ARTHINGTON, J.D. Suplementação pré-desmama para bezerros de corte. In: NOVOS ENFOQUES NA PRODUÇÃO E REPRODUÇÃO DE BOVINOS, 2004, Anais... Uberlândia: Conapec Jr., 2004, p. 179-183. AURIEMO, A.J.B., AMARAL, T.B., TORRES JÚNIOR, R.A.A. et al. Idade, peso e condição corporal ao primeiro cio de novilhas nelore submetidas a três níveis nutricionais da desmama aos dezoito meses de idade. In.: Reunião Anual da Soc. Bras. Zoot., 42, 2005, Goiânia. Anais... Goiânia: SBZ, 2005. CD-ROM BALSALOBRE, M.A.A., SANTOS, P.M., MAYA, F.L.A. et al. Pastagens irrigadas. In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO DA PASTAGEM., 20,2003, Anais... Piracicaba: ESALQ, 2003, p. 265-296. BARBOSA, F.A., VILELA, H, MAFFEI, W.E. Avaliação econômica da adubação de manutenção de pastagens com Panicum maximum e leguminosas em pecuária bovina de corte. In: REUNIÃO ANUAL DA SBZ, 40, 2003, Santa Maria. Anais... Santa Maria: SBZ, 2003, CD-ROM. BARBOSA, F.A. Planejamento e estratégias nutricionais como ferramentas para aumento na rentabilidade da pecuária de corte. In: SIMPÓSIO NACIONAL SOBRE PRODUÇÃO E GERENCIAMENTO DA PECUÁRIA DE CORTE, 3, Belo Horizonte. Anais... Belo Horizonte: Escola de Veterinária, 2004, CD-ROM.

BARBOSA, F.A., GRAÇA, D.S., ANDRADE, V.J. CEZAR, I.M., GUIMARÃES, P.H.S., SOUZA, R.C. Análise da viabilidade econômica da terminação de bovinos de corte em confinamento: uma comparação de três sistemas. In: REUNIÃO ANUAL DA SOC. BRASILEIRA DE ZOOTECNIA, 44, Jaboticabal. Anais... Jaboticabal: SBZ, 2007, CD-ROM. BARBOSA, F.A.; SOUZA, R.C. Administração de fazendas de bovinos – leite e corte. Viçosa: Aprenda Fácil, 2007. 342p. BARBOSA, F.A., GRAÇA, D.S., GUIMARÃES, P.H.S., SILVA JÚNIOR, F.V. Análise econômica da suplementação proteico-energética de novilhos durante o período de transição entre água-seca. Arq. Bras. Med. Vet. Zootec., v.60, n.40, p. 911-916, 2008. BARIONI, L.G.; MARTHA JÚNIOR, G.B.; RAMOS, A. K. B. et al. Planejamento e gestão do uso de recursos forrageiros na produção de bovinos em pastejo. In: SIMPÓSIO SOBRE MANEJO DA PASTAGEM, 20, FEALQ, p. 105-153. Anais... Piracicaba, 2003. BURGI, R. Confinamento: conceitos atualizados. In: CONGRESSO LATINO-AMERICANO DE NUTRIÇÃO ANIMAL, 2, São Paulo. Anais... São Paulo: CBNA-AMENA, 2006. CD-ROM. CARVALHO, F.A.N.; BARBOSA, F.A.; McDOWELL, L.R. Nutrição de bovinos a pasto. Belo Horizonte: Papelform, 2003. 438p.

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Dados dos Autores

Rafahel Carvalho de Souza

Médico Veterinário CRMV-MG nº 8059, MSc e DSc, Professor Adjunto I da Universidade Presidente Antônio Carlos e da Fundação Fead Minas. Endereço para correspondência: Rua Rio Doce, 385/703, Bairro São Lucas, Belo Horizonte-MG, CEP: 30240-220 E-mail: rsouza.vet@gmail.com

Fabiano Alvim Barbosa

Médico Veterinário CRMV-MG nº 5318, MSc e DSc, Professor Adjunto da Escola de Veterinária da UFMG. E-mail: fabianoalvimvet@hotmail.com

Décio Souza Graça

Médico Veterinário CRMV-MG nº 4833, MSc e PhD, Professor Adjunto IV da UFMG. E-mail: decio@vet.ufmg.br

Venício José de Andrade

Médico Veterinário CRMV-MG nº 0321, Mestre em Zootecnia, MSc e PhD, Professor Titular do Departamento de Zootecnia da Escola de Veterinária da UFMG. E-mail: venicio@ufmg.vet.br

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suplemento científico suplemento científico

Normas para apresentação de Artigos Informações Gerais O Suplemento Científico da Revista do Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) tem como objetivo principal a publicação de artigos de investigação científica, de revisão e de educação continuada, básica, e profissionalizante, que contribuam para o desenvolvimento da ciência nas áreas de Medicina Veterinária e de Zootecnia. Os artigos, cujos conteúdos serão de inteira responsabilidade dos autores, devem ser originais e previamente submetidos à apreciação do editor e/ou do Conselho Editorial da Revista CFMV, bem como de assessores ad hoc de reconhecido saber na especialidade. A publicação do artigo dependerá da sua apresentação dentro das Normas Editoriais e de pareceres favoráveis. Os pareceres terão caráter sigiloso e imparcial. A periodicidade da publicação será quadrimestral. Os artigos devem ser encaminhados para:

E-mail: artigos@cfmv.gov.br

E correspondências podem ser encaminhadas para: Revista CFMV Conselho Editorial SIA – Trecho 6 – Lotes 130 e 140 Brasília–DF – CEP: 71205-060 Fone: (61) 2106-0400 Fax: (61) 2106-0444

Normas Editoriais Os textos de revisão, de educação continuada e científicos devem ser de primeira submissão, escritos segundo as normas ortográficas oficiais da língua portuguesa e com abreviaturas consagradas, exceto o Abstract e Keywords, que serão apresentados em inglês. Assim como uma versão do título.

Artigos de Revisão e de Educação Continuada Os artigos de revisão e de educação continuada devem ser estruturados para conter Resumo, Abstract, Palavras-chave, Keywords, Referências Bibliográficas e Agradecimentos (quando houver). A divisão e subtítulos do texto principal ficarão a cargo do(s) autor(es).

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Artigos Científicos Os artigos científicos deverão conter dados conclusivos de uma pesquisa e conter Resumo, Abstract, Palavras-chave, Keywords, Introdução, Material e Métodos, Resultados, Discussão, Conclusão(ões), Referências Bibliográficas e, quando houver, Agradecimentos, Tabela(s), Quadro(s) e Figura(s). A critério do(s) autor(es), os itens Resultados e Discussão poderão ser apresentados como uma única seção. Quando a pesquisa envolver a utilização de animais, os princípios éticos de experimentação animal preconizados pelo Conselho Brasileiro de Experimentação Animal (Cobea) e aqueles contidos no Decreto nº 24.645, de 10 de julho de 1934, e na Lei nº 6.638, de 8 de maio de 1979, devem ser observados. Também deve ser observado o disposto na Resolução CFMV nº 879, de fevereiro de 2008.

Apresentação Os manuscritos encaminhados deverão estar digitados com o uso do editor de textos Microsoft Word for Windows (versão 6.0 ou superior), no formato A4 (21,0 x 29,7), com espaço simples, em uma só face do papel, com margens laterais de 3,0cm e margens superior e inferior de 2,5cm, na fonte Times New Roman de 16 cpi para o título, 12 cpi para o texto e 9 cpi para rodapé e informações de tabelas, quadros e figuras. As páginas e as linhas de cada página devem ser numeradas.

Título O título do artigo, com 25 palavras no máximo, deverá ser escrito em negrito e centralizado na página, sem utilizar abreviaturas. A versão na língua inglesa deverá anteceder o Abstract.

Resumo e Abstract O Resumo e sua tradução para o inglês, o Abstract, não podem ultrapassar 250 palavras, com informações que permitam a adequada caracterização do artigo como um todo. No caso de artigos científicos, o Resumo deve informar o objetivo, a metodologia aplicada, os resultados principais e as conclusões.

Palavras-chaves e Keywords No máximo cinco palavras serão representadas em seguida ao Resumo e Abstract. As palavras serão escolhidas do texto e não necessariamente do título.

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Texto Principal O número-limite de páginas será de 15, em espaço simples, fonte Times New Roman 12. Poderão ser utilizadas abreviaturas consagradas pelo Sistema Métrico Internacional, por exemplo, kg, g, cm, ml, EM etc. Quando for o caso, abreviaturas não usuais serão apresentadas como nota de rodapé. Exemplo, GH = hormônio do crescimento. As citações bibliográficas do texto devem ser pelo sobrenome do(s) autor(es) seguido do ano. Quando houver mais de dois autores, somente o sobrenome do primeiro será citado, seguido da expressão et al. Exemplos: Rodrigues (1999), (Rodrigues, 1999), Silva e Santos (2000), (Silva e Santos, 2000), Gonçalves et al. (1998), (Gonçalves et al., 1998).

Referências Bibliográficas A lista de referências bibliográficas será apresentada em ordem alfabética por sobrenome de autores, de acordo com a norma ABNT/NBR-6023 da Associação Brasileira de Normas Técnicas. Inicia-se a referência com o último sobrenome do(s) autor(es) seguido da(s) letra(s) inicial(is) do(s) prenome(s), exceto nos nomes de origem espanhola ou de dupla entrada, os quais devem ser registrados pelos dois últimos sobrenomes. Todos os autores devem ser citados. Obras anônimas têm sua entrada pelo título do artigo ou pela entidade responsável por sua publicação. A referência deve ser alinhada pela esquerda e a segunda linha iniciada abaixo do primeiro caractere da primeira linha. Os títulos de periódicos da referência podem ser abreviados, segundo a notação do BIOSES *BIOSIS. Serial sources for the BIOSIS previews database. Philadelphia, 1996, 486p. Abaixo são apresentados alguns exemplos de referências bibliográficas.

Artigo de periódico EUCLIDES FILHO, K.; V.P.B.; FIGUEIREDO, M.P. Avaliação de animais nelore e seus mestiços com charolês, fleckvieh e chianina, em três dietas 1. Ganho de peso e conversão alimentar. Revista Brasileira de Zootecnia, v.26, n.1, p.66-72, 1997.

Livros MACARI, M.; FURLAN, R.L.; GONZALES, E. Fisiologia aviária aplicada a frangos de corte. Jaboticabal: Funep, 1994. 296p. Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

Capítulos de livro WEEKES, T.E.C Insulin and growyh. In: Buttery, P.J.; LINDSAY, D.B.; HAYNES, N.B. (ed). Control and manipulation of animal growth. Londres: Butterworths, 1986. p.187-206.

Teses (doutorado) ou dissertações (mestrado) MARTINEZ, F. Ação de desinfetantes sobre salmonella na presença de matéria orgânica. Jaboticabal, 1998. 53p. Dissertação (mestrado) – Faculdade de Ciências Agrárias e Veterinárias. Universidade Estadual Paulista.

Artigos apresentados em congressos, reuniões e seminários RAHAL, S.S.; W.H.; TEIXEIRA, E.M.S. Uso de fluoresceina na identificação dos vasos linfáticos superficiais das glândulas mamárias em cadelas. In. CONGRESSO BRASILEIRO DE MEDICINA VETERINÁRIA, 23 Recife, 1994. Anais... Recife, SPEMVE, 1994. p.19.

Tabelas, Quadros e Ilustrações As tabelas, quadros e ilustrações (gráficos, fotografias, desenhos etc.) podem ser apresentados no corpo do artigo. Uma em cada página. Serão numerados consecutivamente com números arábicos. A tabela deve ter sua estrutura construída segundo as normas de Apresentação Tabular do Conselho Nacional de Estatística (Rev. Bras. Est. v. 24, p. 42-60, 1963).

Fotografias As fotografias deverão estar em boa resolução (nítida, colorido sem saturação, sem estouro de luz ou sombras excessivas), com resolução mínima de 300 dpi, com a foto em tamanho grande (centímetros), formato TIF e as cores em CMYK. Se possível, também devem ser enviadas em arquivos separados (JPG).

Avaliações/Revisões Os artigos sofrerão as seguintes avaliações/revisões antes da publicação: 1) avaliação inicial pelo editor; 2) revisão técnica por consultor ad hoc; 3) avaliação do editor e/ou Comitê Editorial.

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Su s t e n ta b i l i d a d e

Desempenho Sustentável e Saúde Ambiental no Brasil: como entender, medir e relatar! O convívio do homem em harmonia com a natureza é fundamental tanto para o desenvolvimento social quanto para a melhoria da qualidade de vida e deve ser evidenciado, principalmente, pelos profissionais envolvidos nas ciências agrárias e da saúde. No entanto, desde o início da colonização do Brasil os nossos recursos naturais têm sido explorados de forma predatória. Os nossos colonizadores-usuários desfrutavam da natureza com postura descuidada e a deixavam totalmente destruída. Assim se perpetuou pelos séculos passados, pela revolução industrial, da expansão biotecnológica para a produção da agricultura, e se consolidou em problemas ambientais diversificados. A existência desses problemas, em todas as regiões produtoras do País, requer o desenshutterstock vo l v i m e n t o e a implan-

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tação de programas educacionais ambientais, importantes na tentativa de reverter ou minimizar esse quadro, para tornar-se uma questão ímpar e impregnar a consciência do ecologicamente correto em todos os níveis da nossa sociedade. A Medicina Veterinária na década de 1980 foi classificada como uma das ciências agrárias, e desde então, vinha sendo simplificada nos seus princípios mais elementares, que podiam expressar a atividade médica com a intervenção na clínica, na saúde dos animais e humana. Da mesma forma, os estudos referentes à ecologia e ao meio ambiente, que em seu conjunto conformam uma biosfera única, indivisível e impossível de ser compreendida em pedaços, também foram subestimados. Essa ausência de um olhar sistêmico e holístico levou à formação de profissionais mais direcionados à produção de alimentos de origem animal e seus derivados, para atender ao acelerado processo de industrialização dos países ocidentais e aos ditames de um mercado consumidor desmedido, que prioriza o imediatismo, em detrimento dos ecossistemas que servem de base para as criações. Algo foi rompido, sistemas complexos de produção, adaptação social, cultural e ambiental foram desestruturados antes de serem analisados quanto à sua eficiência sustentável, e nos muitos casos em que o progresso trouxe a miséria, não sabíamos mais como reverter e nem somos capazes de engendrar algo que o substitua. Essa é a verdadeira complexidade! Assistimos a uma sequência de acontecimentos que fogem à nossa capacidade cognitiva, sobre os quais nos devemos debruçar e entender o que já fizemos e o que ainda poderemos fazer para não Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


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agravarmos mais as distorções geradas pela nossa ignorância, imediatismo ou descompromisso com a natureza e o futuro de todos nós. Compromissos internacionais e nacionais assumidos desde 1992 na Conferência das Nações Unidas sobre o Meio Ambiente e o Desenvolvimento (Eco-92), no Rio de Janeiro, já demonstravam que a conservação ambiental e a manutenção da saúde deveriam caminhar juntas ao modelo de desenvolvimento a ser exercitado, a partir de então, para gerar prosperidade. Há de se priorizar a educação e a saúde, com a criação de políticas públicas de direitos humanos e animais para o desenvolvimento sustentável. São desafios aplicáveis a uma sociedade, que deve atuar em temas como manejo das águas e saneamento, avaliação das mudanças climáticas, geração de renda, erradicação da pobreza e justiça socioambiental. A construção da Agenda 21 Brasileira, pela Comissão de Políticas de Desenvolvimento Sustentável e Agenda 21 Nacional (CPDS) teve como objetivo introduzir no País o conceito de sustentabilidade, para qualificar as potencialidades e as vulnerabilidades do Brasil no quadro internacional. A Agenda 21 Brasileira foi lançada em 16 de julho de 2002, e no site (http://www. mma.gov.br/sitio/index.php?ido=conteudo.mon ta&idEstrutura=18&idConteudo=908) que remete ao seu conteúdo é possível perceber a natureza do processo de planejamento estratégico e participativo, para ser executado em etapas. Uma abordagem multissetorial para um produto de consenso entre os diversos setores da sociedade brasileira. No lançamento, seis eixos temáticos foram contemplados e nomeados de: Agricultura Sustentável, Cidades Sustentáveis, Infraestrutura e Integração Regional, Gestão dos Recursos Naturais, Redução das Desigualdades Sociais e Ciência e Tecnologia para o Desenvolvimento Sustentável. Todo esse material está publicado em dois documentos fruto das discussões Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

realizadas em todas as partes do território nacional, a saber: o Resultado da consulta nacional (http:// www.mma.gov.br/estruturas/agenda21/ arquivos/ consulta2edicao. zip) e as Ações prioritárias (http:// www.mma.gov.br/estruturas/ agenda21/_arquivos/ acoes2 edicao.zip). Nesse contexto, surge a necessidade da reflexão sobre o papel do Médico Veterinário, principalmente aquele que lida com a formação de novos profissionais e que tem, muitas vezes, assumido uma prática dissociada da pesquisa e do aprendizado continuado. O veterinário que exerce um trabalho educacional adquire seu potencial político na medida em que promove a tecnificação, valoriza a informação científica e envolve os estudantes e produtores no processo de desenvolvimento profissional; deve gerar um espaço para a discussão, em busca de soluções para os problemas e as situações limitantes, com mudança de paradigma para o sustentável. É importante considerar que os grupos de interesse têm formas particulares de compreender a realidade, de interpretar as alternativas e de comprometer-se com as propostas, mas devem participar das decisões sobre o que colocar em prática para o melhor envolvimento e desenvolvimento da profissão: formar cérebros é mais rentável e significativo a longo prazo do que vender terras, lógica que inverte o fluxo atual de uso das tecnologias desenvolvidas no exterior e promove o País para exportar propriedade intelectual. As universidades e os centros ou institutos de pesquisa brasileiros são fundamentais para o desenvolvimento de tecnologias, inovação, controle de qualidade e gestão ambiental, e também para a busca de alternativas que beneficiem as populações de forma geral. São muito importantes, nesse contexto, os projetos de extensão para atuar na interface produtor/produção, entreposto/processamento e distribuição/ desenvolvimento social. A extensão ensina e orienta a população na implantação dos projetos de desen-

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Su s t e n ta b i l i d a d e volvimento, sendo ela um canal para se levar a tecnologia envolvida na cadeia produtiva àqueles que estão fora dos núcleos de pesquisa. As perspectivas e diretrizes para o desenvolvimento sustentável dirigem-se à implementação de medidas que integrem a sociedade com essas instituições; que difundam, também, os resultados de trabalhos realizados na obtenção de informações sobre a situação econômica, social e ambiental da área e que promovam as intervenções necessárias, tanto pela assistência técnica quanto pelas decisões políticas inerentes à promoção do desenvolvimento, com base na gestão da inovação tecnológica sustentável. O objetivo 12 da Agenda 21 Brasileira lida com a promoção da agricultura sustentável. Revela o desejo da sociedade em usufruir de produtos mais saudáveis, com altos níveis de segurança alimentar, ambiental, e envolve as inovações tecnológicas do setor produtivo, que propiciam novos métodos aplicáveis à agropecuária. No entanto, as soluções consideradas “sustentáveis” muitas vezes são específicas dos ecossistemas e exigem conhecimento agroecológico, o que em larga escala demanda, inicialmente, um trabalho de educação e conscientização para preservar os recursos naturais e obter um desempenho sustentável. Existe, no entanto, uma situação que não se altera tão rapidamente na população sem conhecimentos básicos de saúde ambiental e o que prevalece é apenas o ritmo das inovações. Tanto a força das tendências inovadoras quanto os diferentes tipos de inovação no setor geram conflitos entre a produção de alimentos e a preservação dos ecossistemas. Tornam-se, então, decisivas as modalidades de regulação desses conflitos para que haja paz no setor produtivo alimentar rural e urbano. Pensamos que o Médico Veterinário tem um papel fundamental na conscientização e regulação desse espaço e nesse setor que envolve, inclusive, o agronegócio. No novo século espera-se dos profissionais educadores, da saúde e das ciências agrárias um conhecimento pleno de todos os meandros que envolvem o trabalho realizado mundialmente com a Agenda 21, seja Global, Brasileira, seja Estadual ou Municipal, mas que caracterize a construção de um mundo mais saudável no presente e que se estenda no futuro, cada vez melhor para homens e animais. O desempenho sustentável em Medicina Vete-

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rinária compreende um processo participativo que pode: a) propiciar a conscientização dos Médicos Veterinários envolvidos, com mudanças de atitudes na busca pela integração entre os diversos setores da sociedade, em sintonia com os preceitos da sustentabilidade, para a consolidação de uma cultura profissional de desenvolvimento e inovação biotecnológica; b) assegurar junto aos estudantes, clientes e demais membros da comunidade próxima o exercício pleno da responsabilidade social, de acordo com a sua competência profissional; c) contribuir para melhorar as relações humanas entre si, com os participantes da sociedade e com os animais, ao exercitar a ética, o bem–estar e seus hábitos em saúde, para a higiene pessoal e alimentar; d) promover práticas interativas e discutir valores, com colegas, estudantes, clientes e público participante, para ensinar as novas formas e oportunidades de inserção em um mercado de qualidade, com a adoção de tecnologias apropriadas à gestão ambiental, seja no agronegócio como um todo, seja nas demais atividades rurais ou urbanas; e) gerar dinheiro novo em posições qualificadas e bem remuneradas, por meio das consultorias e dos serviços especializados executados por Médicos Veterinários envolvidos com a gestão de negócios sustentáveis. Uma nova proposta metodológica

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com o desenvolvimento da percepção de saúde dependente do meio ambiente íntegro pode ser um instrumento fundamental para a conscientização e a mudança de valores e atitudes nos meios rurais e urbanos. Um trabalho efetivamente educacional voltado para o ser humano, mas que atinge os animais, o meio ambiente e atende à demanda de processos para uma Veterinária do novo milênio, no qual o exercício da profissão e a produção de alimentos tornam-se uma premissa de sustentabilidade. Os Médicos Veterinários podem, dessa forma, contribuir para a construção de uma sociedade sustentável, trabalhar na formação de agentes multiplicadores nos diversos setores das comunidades em que atuam e desenvolver a percepção do aprendizado coletivo e do conhecimento da realidade ambiental de cada um dos seus ecossistemas. Exercitar a conscientização da sociedade sobre a importância do meio ambiente para a saúde, para a produção de alimentos seguros e para um futuro sustentável deve obedecer a esta metodologia: um processo educacional de massa, exercitado inclusive pelos Médicos Veterinários em sua lida diária com a captação de agentes multiplicadores nos diferentes setores das suas comunidades, nos serviços públicos, privados e na sociedade civil. O método proposto deve resultar no comprometimento de cada cidadão para realizar atividades simples e de interesse coletivo em torno da melhoria da qualidade do ambiente e da alimentação. Pode envolver a orientação e práticas que estimulem as capacidades cognitivas, afetivas e psicomotoras de leitura sobre a diversidade e complexidade da paisagem. A segurança ambiental pode atender à questão da agropecuária com a análise dos impactos causados ao meio ambiente e ressaltar sua importância para a existência humana no meio rural, inclusive para a população urbana, com ênfase na reflexão sobre as questões do fortalecimento da agricultura familiar

e da agroecologia. A avaliação da educação para a saúde deve auxiliar na melhoria contínua do ensino Médico Veterinário, na saúde da população relacionada ao cardápio cultural e nos processos de inovação biotecnológica, com o estabelecimento de condições para a continuidade e a permanência de populações sustentáveis em consequência das melhorias da qualidade ambiental. A percepção dos elementos do ambiente será facilitada na medida em que possamos nos inserir como parte da natureza, interagir com ela como indivíduos e também nos grupos sociais; não há necessidade de reestruturar, mas de inovar na metodologia, de modo a atender a demandas por um processo efetivamente educacional, com chamadas contemporâneas como a “Veterinária Sustentável”, para estimular as parcerias e concretizar projetos. Novas técnicas de diagnóstico, avaliação de impactos e gestão ambiental não apenas viabilizam uma temática para o agronegócio, mas podem fomentar a execução de experimentos simples que auxiliam o estudo de questões básicas e significativas, como, por exemplo, a posse responsável de animais de estimação em ambiente urbano ou rural, e riscos de impactos por agrotóxicos em organismos aquáticos. Em cada ser vivente existe a vontade de ter uma vida melhor, de riqueza e contribuição, ser feliz e fazer a diferença. Podemos até duvidar da nossa capacidade de realizar algo grandioso e não importa que seja o mais simples, mas é certo que todos podemos fazer. Esse potencial está em cada cidadão, basta decidir conscientemente por tal opção e nas mais diversas circunstâncias, seja em casa, no trabalho, seja na sociedade em que vive. Todos temos poder para decidir viver bem, ter não apenas um bom dia, mas vários grandes dias e sempre existe a chance de mudar as nossas atitudes e o nosso mundo para melhor. Sempre! Nunca será tarde demais, e que tal começar agora a ser um veterinário sustentável?

Dado do Autor

Márcio R. Costa dos Santos

Médico Veterinário CRMV-RJ nº 0801, Professor Doutor do Departamento de Patologia e Clínica Veterinária da Universidade Federal Fluminense, aposentado.

Endereço para correspondência: Rua Miguel de Frias nº 245/503, Bairro: Icaraí, Rio de Janeiro-RJ; CEP: 24220-005 E-mail: marcio@ica-nit.org.br

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Educ a ç ão V e t e r i nár i a

PANORAMA DOS PROGRAMAS DE RESIDÊNCIA RECONHECIDOS PELO CFMV O ensino da Medicina Veterinária vem cada vez mais buscando novos métodos para seu aperfeiçoamento, iniciando-se na graduação, porém com ampla ramificação na pós-graduação, e nesse sentido, incluem-se os programas de residência. O mercado nacional exige do profissional Médico Veterinário habilidades específicas, que muitas vezes são contempladas de forma pontual pelas instituições de ensino durante a graduação, até mesmo pela visão generalista que essas seguem, levando o profissional a se especializar por meio de cursos oferecidos no País (Oliveira Filho et al., 2009; Oliveira Filho et al., 2010). No entanto, quando-se fala em treinamento em serviço, os programas de residência são os que mais representam esse caráter prático e, buscando normatizalos e padronizá-los, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) criou a Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária (CNRMV) que tem, Arquivo CFMV

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justamente, o objetivo de reconhecê-los em âmbito nacional, sugerir modificações ou suspendê-los, além de assessorar as instituições para o estabelecimento deles (Brasil, 2007). Posteriormente, instituiu-se a Resolução nº 824, de 31 de março de 2006 (Brasil, 2006), que reconhece e regulamenta a residência em Medicina Veterinária como uma modalidade diferenciada de ensino de pós-graduação lato sensu e a Resolução nº 895, de 10 de dezembro de 2008 (Brasil, 2008), que dispõe sobre as diretrizes nacionais reguladoras dos padrões de qualidade dos programas. Sendo assim, e visando apresentar o panorama atual dos programas de residência, devidamente reconhecidos pelo CFMV, pesquisou-se junto aos 160 cursos de Medicina Veterinária reconhecidos no País, aqueles que possuem essa modalidade de pósgraduação e sua caracterização. Pode-se observar que os Cursos de Medicina Veterinária encontram-se presentes em todas as Regiões do Brasil, sendo 8 na Norte, 17 na Nordeste, 17 na Centro-Oeste, 42 na Sul, e 76 na Sudeste. Desse total, verificou-se que 60 (37,5%) apresentam programas de residência distribuídos da seguinte forma: 1 na Região Norte, 7 na Nordeste, 8 na Centro-Oeste, 14 na Sul, e 30 na Sudeste, sendo 55% desses de caráter privado, 33,4% federal e 11,6% estadual. Destaca-se, porém, que apenas 21 (35%) encontram-se reconhecidos pelo CFMV, representados principalmente pelas instituições privadas (52%), seguidas pelas federais (28,5%) e estaduais (19,5%), apresentados na Tabela 1. Observou-se também a distribuição do número de vagas ofertadas nos respectivos programas oficiais, que totalizam 370 vagas, distribuídas em 18 na Região Nordeste, 24 na Centro-Oeste, 130 na Sul, e 198 na Sudeste. Quando se avalia as subáreas em que essas vagas são apresentadas (Gráfico 1), observa-se que a maioria ocorre em clínica médica de animais Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Tabela 1. Apresentação Regional dos Programas de Residência reconhecidos pelo Conselho Federal de Medicina Veterinária com sua respectiva data de reconhecimento REGIÃO SUDESTE

REGIÃO SUL

REGIÃO NORDESTE

IES

REC

IES

REC

IES

REC

UFMG

2004

PUC/PR

2004

UFPI

2005

UNIMAR

2004

UPF

2004

UNIME

2009

UVV

2004

UEL

2006

UNESP/BOTUCATU

2005

UFPEL

2006

UNOESTE

2005

UFRGS

2007

UNIDERP

2005

UNIFEOB

2006

ULBRA

2008

UPIS

2006

USP

2006

UFSM

2009

UFMS

2011

UNIUBE

2007

UNESP/JABOTICABAL

2008

de companhia (23,9%), seguida pela clínica cirúrgica de animais de companhia (18,1%), clínica médica de animais de produção (9,3%), anestesiologia veterinária (7,7%), saúde animal e saúde pública (7,7%), patologia clínica (7,7%), clínica cirúrgica de animais de produção (7,4%), patologia veterinária (7,4%), reprodução animal (4,4%), imagenologia (4,1%) inspeção de produtos de origem animal (2,2%). Na Figura 1, pode-se observar a distribuição do número de vagas por região no País.

Gráfico 1. Distribuição do percentual de vagas em programas de residência em Medicina Veterinária reconhecidos, de acordo com as subáreas

4,1%

7,4%

4,4%

REGIÃO CENTRO-OESTE

IES: Instituição de Ensino Superior REC: Ano de Reconhecimento

Levantamento apontado pela CNRMV/CFMV no ano de 2004 revelou que dos 108 cursos de Medicina Veterinária na época, 26 ofereciam programas de residência, porém apenas seis reconhecidos (Brasil, 2004). Quatro anos depois, durante o I Seminário Nacional de Residência em Medicina Veterinária, ocorrido no município de São Paulo/SP, observou-se que de 125 cursos, 32 apresentavam programas de residência (Birgel et al., 2008). Já em 2011, o número de cursos de graduação em Medicina Veterinária chega a 160, sendo que desses, 61 com programas de residência, o que representa um incremento de 28% no número de

2,2% 7,7%

O

7,7% 18,1%

9,3%

118

7,4%

24 7,7%

23,9%

198

Cirurgia Companhia

Imagenologia

Clínica Companhia

Patologia Veterinária

Anestesiologia Veterinária

Reprodução Animal

Cirurgia Produção

Inspeção POA

Clínica Produção

Saúde Animal

Patologia Clínica

e Saúde Pública

Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

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Figura 1. Distribuição do número de vagas em programas de residência em Medicina Veterinária reconhecidos, de acordo com a região do País.

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Educ a ç ão V e t e r i nár i a cursos e 90% em programas de residência oferecidos no País, num espaço de dois anos. Quanto ao número de programas reconhecidos, houve um aumento de 16, em 2008, para 21 em 2011, equivalente a 30% e, consequentemente, também um aumento na oferta no número de vagas, saltando de 261 para 370, representando um percentual de 42%. Enfim, observa-se uma evolução acentuada no número de programas de residência em Medicina

Veterinária ofertados no País, porém com apenas 35% desses reconhecidos pelo CFMV, tendo nas instituições privadas o maior índice de ofertas. O número total de vagas ofertadas pelos reconhecidos ainda é insipiente, o que atende provavelmente a 1% do total de formandos no país. Há de se destacar também a concentração nas subáreas de Clínica e Cirurgia de Animais de Companhia que, juntas, representam 42% do total.

Referências Bibliográficas BIRGEL, E.H.; WOUK, A.F.P.F. O CFMV e a regulamentação da residência MédicaVeterinária no Brasil. In: Seminário Brasileiro de Residência em Medicina Veterinária, 1, São Paulo, 2008. Anais... São Paulo, Conselho Federal de Medicina Veterinária, 2008. p. 12-30. BRASIL. Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária. O estado d´ar te dos programas de residência médico-veterinária no Brasil. Conselho Federal de Medicina Veterinária, n.33, p. 61-2, 2004.

BRASIL. Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária. Residência Médico-Veterinária no Brasil. Conselho Federal de Medicina Veterinária, n.40, p. 14-7, 2007. BRASIL. Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução n. 824, 31 de março de 2006. Reconhece e regulamenta a Residência Médico-Veterinária e dá outras providências. BRASIL. Conselho Federal de Medicina Veterinária. Resolução n.895, de 10 de dezembro de 2008. Dispõe sobre as Diretrizes

Nacionais para a Residência em Medicina Veterinária e dá outras providências. OLIVEIRA FILHO, B.D.; SANTOS, F.L.; MONDADORI, R.G. O ensino da Medicina Veterinária: realidade atual e perspectivas. Conselho Federal de Medicina Veterinária, n.45, p. 69-72, 2009. OLIVEIRA FILHO, B.D.; SANTOS, F.L.; MONDADORI, R.G. Panorama sobre a situação atual e o futuro do ensino da Medicina Veterinária no Brasil. Conselho Federal de Medicina Veterinária, n.50, p. 65-73, 2010.

Dado do Autor

Fábio Fernando Ribeiro Manhoso

Médico Veterinário; CRMV-SP 6983 – Membro da Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária/CFMV e Docente do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília/Unimar – Marília/SP.

Endereço para correspondência: Universidade de Marília – Curso de Medicina Veterinária. Av. Hygino Muzzi Filho, 1001 – Campus Universitário, Marília/SP. CEP: 17525-902 E-mail: fabiomanhoso.cnrmv@cfmv.gov.br

Renan Médico da Silva

Médico Veterinário; CRMV-SP 26658 – Residente em Clínica Médica de Pequenos Animais da Universidade de Marília/Unimar – Marília/SP E-mail: renanmedico@hotmail.com

Renan Schleetz Rangel

Acadêmico do Curso de Medicina Veterinária da Universidade de Marília/Unimar– Marília/SP E-mail: renanrangel_vet@hotmail.com

Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária

Comissão Nacional de Residência em Medicina Veterinária/CFMV – Brasília/DF E-mail: comissões@cfmv.gov.br

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M e d i c i n a P r e v e n t i va

VÍRUS RÁBICO EM MORCEGOS NAS ALDEIAS DA ETNIA APINAJÉ A Aldeia, o meio ambiente e a transmissão de doenças A Etnia Apinajés, localizada no norte do Tocantins (Mapa 1) conta com uma população de aproximadamente 2.500 integrantes, que vivem em quinze Aldeias, distribuídas em dois postos indígenas da Funai. No Posto Indígena (PI) São José, incluem-se as Aldeias São José, Prata, Patizal, Palmeiras, Cocalinho, Buriti Comprido, Serrinha, Cocal Grande, Bacaba e Boi Morto. Já no PI Mariazinha, as Aldeias de Mariazinha, Riachinho, Bonito, Botica e Brejão. Analisando as transformações ambientais da região, o principal problema detectado para o ecossistema amazônico é o desmatamento. Aponta-se, dentre as principais causas da derrubada da floresta, a formação de pastagens para a criação de gado, para a formação de núcleos humanos, como áreas de assentamento ou agrovilas e para a exploração de madeira e de minérios. Obviamente, tais modificações ambientais implicam alterações na fauna silvestre, incluindo a quiropterofauna local. O desmatamento, seguido

da introdução de gado bovino, foi apontado como a principal causa no aumento das populações de Desmodus. rotundus. Os animais de criação têm sido citados como as principais fontes de alimentos das três espécies de morcegos hematófagos: Diaemus youngi, Diphylla ecaudata e Desmodus rotundus. Além dos mamíferos de criação, os seres humanos têm sido também frequentemente mencionados como fonte alternativa de alimento para Desmodus rotundus. Assim, a rapidez e a forma com que as alterações ambientais, vinculadas à ocupação humana, têm-se processado, vem gerando consequências que ameaçam seriamente o equilíbrio de diferentes ecossistemas. Como os quirópteros vêm apresentando grande adaptação aos ambientes modificados, encontrando, como já registrado anteriormente, condições adequadas de abrigo (Figura 1) e alimentação, em muitas ocasiões mais adequadas do que as existentes nas suas condições originais, os riscos de agressões a seres humanos (Figura 2) de potencial transmissão de enfermidades vêm aumentando.

A metodologia de estudo

Mapa 1. Etnia Apinajé localizada no norte de Tocantins

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Com o objetivo de elucidar alguns aspectos epidemiológicos da ocorrência das agressões de morcegos e da transmissão da raiva humana na Etnia Apinajé, tendo em vista a confirmação de dois casos fatais de Raiva Humana na Aldeia Patizal no ano de 1998, foram realizadas capturas de morcegos em 21 abrigos, nas quinze Aldeias, durante o mês de setembro de 2005. O método utilizado para o inventariamento de morcegos foi a captura com redes de neblina (mist nets) em locais identificados como abrigos diurnos das espécies, georeferenciados por GPS. Esse método consiste em armar as redes em possíveis rotas de voos dos morcegos ou próximas aos abrigos. Em alguns abrigos, provocou-se a perturbação dos morcegos para forçar as saídas e interceptá-los com as redes. Fo-

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M e d i c i n a P r e v e n t i va Arquivo do autor

foi efetuada no Laboratório Veterinário (Labvet) da Agrodefesa da Secretaria da Agricultura e Abastecimento do Estado de Goiás, onde foram realizadas as técnicas-padrão de diagnóstico, inoculação intracerebral em camundongos e imunofluorescência direta, como recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Por fim, os morcegos foram fixados em formol a 10% e conservados em álcool 70%. Exemplares testemunhos encontram-se depositados no Laboratório de Quirópteros da Escola de Veterinária/UFG.

Espécies identificadas e a continuidade do trabalho Figura 1. Abrigo artificial ( bueiro) na rodovia Transamazônica. Aldeia Patizal, Etnia Apinajé, Estado do Tocantins – 2005.

ram armadas em médias três redes por abrigo. Em algumas situações, foram utilizadas redes manuais (tipo entomológica) para as capturas. Os morcegos capturados foram retirados das redes e transferidos para gaiolas e levados para a sede das aldeias. Os animais foram mortos em câmara mortuária por inalação de éter. Logo após, cada morcego foi etiquetado e congelado, relacionando cada amostra a sua respectiva aldeia, que foram remetidas ao Laboratório de Zoologia da UFG/Campus em Jataí, onde foram aferidas as características biométricas e procedidas a identificação e a catalogação de todos os indivíduos. A extração do cérebro dos morcegos para o isolamento e identificação do vírus rábico

Duzentos e trinta indivíduos de 11 espécies foram coletados, todas da família Phyllostomidae. As espécies mais comuns foram Glossophaga soricina e Carollia perspicillata com 109 e 80 indivíduos, respectivamente. A maioria das espécies apresenArquivo do autor

Figura 2.Mão de indivíduo agredido por morcego na Aldeia Mariazinha. Etnia Apinajé, Estado do Tocantins – 2005.

Referências Bibliográficas SOUZA, A. M; JAYME, V. S; ITO, F; H; CAMPOS, R. M. S; KOTAIT, I; GENER, M. E. S; GALVÃO, S. R; NEVES, P. J; R; ZORTÉA, M; TOMAZ, L. A. G; SOUZA, A. C. G; RESENDE, R. M; SANTOS, M. F. C; FARIAS, D. J. M. & SOUZA, J. A. Aspectos epidemiológicos da raiva humana transmitida por morcegos nas aldeias da Etnia Apinajé no norte do Tocantins, Brasil, (pesquisa do vírus rábico circulante em morcegos; identificação de morcegos e dos principais fatores de risco envolvidos). In: 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, Brasília, 2006. SOUZA, A. M; JAYME, V. S; ITO, F; H; CAMPOS, R. M. S; KOTAIT, I; GENER, M. E. S; GALVÃO, S. R; NEVES, P. J; R; ZORTÉA, M; TOMAZ, L. A. G; SOUZA, A. C. G; RESENDE, R. M; SANTOS, M. F. C; FARIAS, D. J. M. & SOUZA, J. A. Aspectos epidemiológicos da raiva humana transmitida por morcegos nas aldeias da Etnia Apinajé no

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norte do Tocantins, Brasil. (pesquisa do vírus rábico circulante em morcegos; identificação de morcegos e dos principais fatores de risco envolvidos). In: 1ª Mostra Nacional de Saúde Indígena, Brasília, 2006. Resumo.

SOUZA, A. M; JAYME, V. S; TOMAZ, L. A.G; JUAREZ, P; GALVÃO, S. R; ZORTÉA, M; SANTOS, M. F. C. Identificação de fatores de risco na transmissão da raiva humana por morcegos em Aldeias da Etnia Apinajé, Tocantins, Brasil. Anais do II Congresso Nacional de Saúde Pública, Fortaleza, 2007.

SOUZA, A. M; JAYME, V. S; TOMAZ, L. A.G; JUAREZ, P; GALVÃO, S. R; ZORTÉA, M; SANTOS,M. F. C. Aspectos epidemiológicos da raiva humana transmitida por morcegos nas Aldeias da Etnia Apinajé, norte do Tocantins, Brasil. Anais do II Congresso Nacional de Saúde Pública, Fortaleza, 2007.

SOUZA, A.M. Aspectos epidemiológicos da raiva humana transmitida por morcegos nas Aldeias da Etnia Apinajé-TO, norte do Tocantins, Brasil. V Encontro Brasileiro para o Estudo de Quirópteros, realizado em Búzios-RJ, no período de 6 a 9/4/2010.

SOUZA, A. M; JAYME, V. S; TOMAZ, L. A.G; JUAREZ, P; GALVÃO, S. R; ZORTÉA, M; SANTOS, M. F. C. Morcegos hematófagos e não hematófagos. Proporção de captura e implicações no controle populacional. Anais do II Congresso Nacional de Saúde Pública, Fortaleza, 2007.

TOMAZ, L. A.G; SOUZA, A. M; JAYME, V. S; ZORTÉA, M; SANTOS, M. F. C; RIOS, E. R. Implicações na sexagem no controle populacional de morcegos hematófagos Desmodus rotundus. Anais do II Congresso Nacional de Saúde Pública, Fortaleza, 2007.

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Arquivo do autor

Figura 3. Equipe técnica do Projeto na coleta de morcegos em abrigos diurnos. Aldeia Mariazinha, Etnia Apinajé, Estado do Tocantins l –2005.

tou um baixo índice de capturas como Artibeus cinereus 13, Rhinophylla pumilio 6, Artibeus lituratus, Phyllostomus hastatus e Phyllostomus elongatus 2 cada, e as espécies Phyllostomus discolor, Sturnira

lilium e Trachops cirrhosus com um exemplar cada. A única espécie hematófaga, Desmodus rotundus, foi coletada com baixa frequência, apenas 11 exemplares coletados no mesmo abrigo na Aldeia Mariazinha (Figuras 7 e 8). Essa espécie não foi coletada nas outras aldeias. Todos os exames laboratoriais deram negativo para o vírus rábico. O número médio de espécies de morcegos encontrado por aldeia foi de 2,6, variando de uma espécie apenas (Aldeia Prata, Riachinho e Serrinha), até seis espécies (Aldeia Patizal). Os resultados obtidos indicaram diversidade considerável de espécies na área, embora se postule que o número de espécies existentes seja maior do que o amostrado. A não observação do vírus rábico circulante nessas populações no período estudado indica que os estudos devem prosseguir a fim de se localizar novas populações e checar a origem dos focos de raiva regionais.

Dados dos Autores

Aires Manoel de Souza

Médico Veterinário, Mestre e Doutor – CRMV-GO 0430; Professor Associado de Doenças Infecciosas do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Goiás.

Marlon Zortéa

Biólogo; CRB-GO nº 15848-4D, Professor Associado de Ecologia e Zoologia do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade Federal de Goiás – Campus Jataí.

Rosely Mendes de Resende

Endereço de correspondência: Rua 55, nº 626, Aptº 1201, Jardim Goiás, GoiâniaGO, CEP 74810 230. E-mail: airesvet@gmail.com

Médica Veterinária; CRMV-GO nº 0710, Fiscal Estadual Agropecuário da Agência Goiana de Defesa Agropecuária de Goiás-GO (Agrodefesa).

Valéria de Sá Jayme

Leonardo Aparecido Guimarães Tomaz

Médica Veterinária CRMV-GO nº 1445; Professora Adjunta de Epidemiologia Animal (Áreas de Saúde Pública e Zoonoses) do Departamento de Medicina Veterinária da Universidade Federal de Goiás.

Paulo Juarez Rodrigues Neves

Médico Veterinário; CRMV-GO nº 3489, Fiscal Estadual Agropecuário da Agência Goiana de Defesa Agropecuária de Goiás-GO (Agrodefesa).

Ana Carolina Guimarães de Souza

Engenheiro Agrônomo; CREA-GO nº 2434, Pesquisador da Fundação de Medicina Tropical do Tocantins.

Enfermeira da Secretaria de Saúde do Distrito Federal – Coren nº 170418.

Samara Rocha Galvão

Médico Veterinário; CRMV-TO nº 383, Fiscal Estadual Agropecuário da Agência de Defesa Agropecuária de Tocantins-TO (Adapec).

Médica Veterinária; CRMV-TO nº 308, Pesquisadora da Fundação de Medicina Tropical do Tocantins.

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Domingos José Morais Farias

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publicações

Editora Ministério da Saúde Coordenação de Gestão Editorial SIA, Trecho 4, lotes 540/610 CEP 71200-040 Brasília-DF E-mail: editora.ms@saude.gov.br

MARCO LEGAL BRASILEIRO SOBRE ORGANISMOS GENeTICAMENTE MODIFICADOS Ao compilar este compêndio, o Ministério da Saúde, por meio da Secretaria de Ciência, Tecnologia e Insumos Estratégicos e a Comissão de Biossegurança em Saúde (CBS) visam proporcionar aos profissionais, gestores, membros de comissões de biossegurança, conselheiros e usuários em geral, textos completos da legislação de biossegurança, reunidos em uma única fonte, de modo a facilitar a sua localização e visualização. É importante ressaltar que se trata da legislação compilada de forma a facilitar a leitura e o acesso ao texto legal vigente não substituindo, no entanto, o publicado no Diário Oficial da União nas datas referentes, logo abaixo da epígrafe de cada norma. Neste primeiro volume foi reunido o marco legal de âmbito federal, relacionado às atividades que envolvam organismos geneticamente modificados e seus derivados. Tendo em vista a complexidade do tema, não foi intenção ser exaustivo, mas sim reunir e destacar a legislação sobre os organismos geneticamente modificados e seus derivados de maior relevância para os usuários

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Editora Kelps Rua 19, numero 100 – St. Marechal Rondon CEP 74560-460 – Goiania-GO E-mail: kelps@kelps.com.br

ASPECTOS MORFOFUNCIONAIS, CLíNICOS E CIRÚRGICOS DO PÊNIS, PREPÚCIO E TESTÍCULOS DE TOUROS Rogério Elias Rabelo Olízio Claudino da Silva

O livro apresenta características peculiares, com fundamentação técnica e didática consistente. Nele, estão descritas as afecções mais comuns observadas nos órgãos genitais de touros e os procedimentos empregados no tratamento e as complicações observadas, aduzindo à literatura especializada e a informações pessoais relevantes, em virtude da experiência vivenciada e consolidada, pelos autores, no exercício profissional. Os temas abordados são pertinentes, sendo apresentados em sequência didática e com objetividade. As ilustrações são de boa qualidade, complementando as descrições das lesões ou das intervenções cirúrgicas e de suas complicações. Os procedimentos cirúrgicos, sejam os de conveniência ou os terapêuticos, encontram-se descritos detalhadamente.

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Editora Manole Av. Ceará 672 – Tamboré CEP 06460-120 Barueri-SP Tradução: Carla Forte Maiolino Molento E-mail: info@manole.com.br

Editora Helianthus Avenida Ministro Fernando Costa 580 Seropedica - CEP 23890-000 Rio de Janeiro E-mail: tokarnia@terra.com.br Tel.: (21) 2682 1081

COMPORTAMENTO E BEM-ESTAR DE ANIMAIS DOMÉSTICOS D.M. BROOM A.F. FRASER

Esta obra sintetiza o esforço de centenas de pesquisadores em mais de mil trabalhos que analisam como os animais se comportam em relação ao que fazemos com eles e como podemos melhorar a sua qualidade de vida. Este livro é um guia abrangente sobre comportamento de animais domésticos, que provê informações práticas para aqueles envolvidos com produção animal, animais de companhia e prática veterinária. Apresenta ainda, informações científicas disponíveis com relação à avaliação do bem-estar animal e dos efeitos da seleção genética e de diferentes métodos de manejo e condições de alojamento sobre os animais. Essa avaliação envolve mensurações de fisiologia, estado de doenças e índices produtivos, assim como de comportamento. Esta quarta edição foi expandida e, desta forma, todos os principais animais de produção e companhia são considerados. Além de contar com várias ilustrações e muitas fotografias, esta obra inclui uma ampla bibliografia e um glossário.

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DEFICIÊNCIAS MINERAIS EM ANIMAIS DE PRODUÇÃO Carlos Hubinger Tokarnia Paulo Vargas Peixoto José Diomedes Barbosa Marilene de Farias Brito Jurgen Dobereiner

Este livro é o resultado de atividades de diagnóstico e pesquisa realizadas ao longo de mais de cinco décadas. Nele, está explicado como deve ser encarado o problema das deficiências minerais em animais de produção, principalmente bovinos e búfalos, sob os aspectos científicos e econômicos, isto é, por meio de uma correta orientação profissional em relação ao diagnostico e à profilaxia das diferentes deficiências. Estão estabelecidos conhecimentos básicos sobre as deficiências minerais comuns em animais de produção, dados sobre as funções dos minerais no organismo, a susceptibilidade dos animais, as medidas corretivas e profiláticas e as bases sobre a composição das misturas minerais. Também, foi incorporado um capítulo que trata dos princípios da suplementação mineral em ruminantes e em pequenos ruminantes.

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relação de consultores da revista cfmv durante o ano de 2011. Méd. Vet. Alessandra Scofield Amaral Méd. Vet. Antônio Messias Costa Méd. Vet. Betânia Souza Monteiro Méd. Vet. Brunna Patrícia Almeida da Fonseca Méd. Vet. Danielle Maria Machado Ribeiro Azevêdo Méd. Vet. Ernani Paulino do Lago Méd. Vet. Fernando Leandro dos Santos Méd. Vet. Flora Helena de Freitas D’Angelis Méd. Vet. Gilson Hélio Toniollo Méd. Vet. João Carlos Pinheiro Ferreira Méd. Vet. José Antônio Viana Méd. Vet. Luís Cláudio Lopes Correia da Silva zoot. Luiz Fernando Teixeira Albino Méd. Vet. Marcus Alexandre Vaillant Beltrame Méd. Vet. Nivaldo de Azevêdo Costa Méd. Vet. Paulo Sérgio de Arruda Pinto Méd. Vet. Rita Leal Paixão Méd. Vet. Terezinha Domiciano Dantas Martins Méd. Vet. Tomoe Noda Saukas

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agenda

Junho

Janeiro Simpósio de Nefro-Urologia em Animais de Companhia

Data: 23 a 25/03/2012 – Local: Londrina – PR Maiores Informações: info@peteventos.com.br

III Vet Pratices in Sounth Africa

Data: 8 a 21/1/2012 Local: Módulo I - São Paulo – 5 e 6 de janeiro de 2012 Módulo II – Eastern Cape South Africa – 8 a 20 de janeiro de 2012 Maiores Informações: (11) 3149-8199 cursos@animalia.vet.br

Abril

Março

XXVII Congresso Mundial de Buiatria

Data: 3 a 8/6/2012 Local: Lisboa-Portugal Maiores Informações: http://wbc-2012.com/ index.php/pt_PT/ contacts

Agosto 33º Congresso Brasileiro da ANCLIVEPA

Data: 27 a 30/4/2012 Local: Expo Unimed Curitiba-PR Maiores Informações: secretaria@ anclivepa2012.com.br (51) 3276-9371 www.anclivepa2012. com.br/

II Feira Internacional de Animais e Produtos Pet

Data: 22 a 25/3/2012 Local: São Paulo -SP Maiores Informações: www.feirapetshow.com. br/petshow

XXIV Congresso Mundial de Avicultura (WPC 2012) Data: 5 a 09/8/2012 Local: Centro de Convenções – Salvador -BA Maiores Informações: www.wpc2012.com

VEJA MAIS EVENTOS EM www.cfmv.gov.br Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

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opinião

BEM-ESTAR DE ANIMAIS DE PRODUÇÃO Rafael Herrera Alvarez

Médico Veterinário e Zootecnista, Msc, Dsc CRMV-SP nº 04824. Pesquisador Cientifico da Agência Paulista de Tecnologia do Agronegócio–Piracicaba-SP

Por serem politicamente corretos, os termos bemestar animal“ e “sustentabilidade“ tornaram-se quase unanimidade global nos últimos anos. O primeiro define que os animais sob nossos cuidados e responsabilidade, devem ser criados livres de situações de desconforto, dor e outras experiências negativas que possam inibir sua capacidade de vivenciar e expressar comportamentos naturais da espécie, enquanto o segundo pode ser definido como o uso dos recursos naturais para a satisfação de necessidades presentes sem comprometer a satisfação das necessidades das gerações futuras. Arquivo do autor

Figura 1. Coleta de sêmem em touro

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Recentemente, fui solicitado a fazer a revisão de um artigo científico na área de bem-estar animal. Declinei do convite uma vez que, por ser distante da minha linha de atuação (reprodução animal), a análise correria o risco de ser limitada e superficial. Não obstante, dada minha formação, o pedido despertou-me o interesse em aprofundar-me um pouco mais no assunto, pois, não raro, resultados pouco conclusivos sobre o tema são divulgados na mídia e contribuem para influenciar o consumidor a se posicionar a favor ou contra determinadas práticas de criação de animais. A complexidade do tema gera conflitos, inclusive entre pesquisadores que atuam na área de produção animal, pois enquanto uns defendem a produção intensiva (mesmo causando algum desconforto aos animais), em nome de economia e ganhos de produção, outros criticam essa posição e estabelecem limites aos sistemas de produção em defesa do bem-estar dos animais (mesmo que isso leve ao aumento dos custos de produção e preço final ao consumidor). O grande problema é que a avaliação do nível de conforto dos animais envolvidos em produção animal muitas vezes é determinada utilizando experimentos parcialmente adequados que, em regra, levam a resultados pouco consistentes. Por exemplo, baseados no estudo de variáveis, como vocalização, atitude postural e facial e alterações hormonais (cortisol), alguns pesquisadores concluíram que a ejaculação Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011


Arquivo do autor

provocada pelo estímulo elétrico da próstata e vesículas seminais provoca desconforto e dor nos animais. O que fazer com essa informação? Se verdadeira, a prática de avaliação andrológica dos reprodutores, utilizando essa técnica, seria incompatível com a ética veterinária. Felizmente, para os profissionais que trabalham nessa área, as conclusões desses estudos podem ser questionadas, uma vez que outros experimentos demonstraram que a simples excitação sexual, via massagem transrretal das glândulas sexuais acessórias, também provoca desconforto e aumento da secreção de cortisol, igualmente ao observado com o emprego da estimulação elétrica. Por outro lado, é conhecido que a sensibilidade individual face a determinado estímulo estressante é muito variável entre animais. Assim, mesmo utilizando boas práticas de manejo, o grau de resposta ao estímulo provocado, seja pela simples contenção ou pela aplicação de uma injeção, depende da índole do animal, que é uma característica genética nem sempre considerada nos programas de seleção. Dessa forma, o grau de sofrimento constitui um conceito de grande peso, porém, de difícil quantificação. Existe um consenso universal sobre a importância de tratar com cuidado e respeito os animais destinados (ou não) à produção animal, inclusive porque “a grandeza de uma nação e seu progresso moral pode ser julgado pela forma com que seus animais são tratados” (Mahatma Gandhi). Para a Dra. Emmy Koeleman, especialista holandesa em conforto animal e assessora da revista Pig Progress, ainda existe a discussão se o bem-estar animal deve ser considerado uma ciência capaz de ser avaliada objetivamente, ou apenas uma combinação de valores, emoções e interpretações. As características dos animais, incluindo o comportamento, têm sido desenvolvidas em um ambiente natural. Por sua vez, os seres humanos selecionaram certas características desejáveis nos animais criados em condições diferentes da natureza. As discussões sobre o comportamento natural em condições controladas de criação são, portanto, muito complexas. Deve-se ter por meta deixar os animais expressar seu comportamento natural ou é preciso estabelecer novos padrões para o comportamento com base nas condições de produção? Segundo a professora Frauke Ohl, do Laboratório de Bem-estar Animal da Faculdade de Veterinária da Universidade de Utrecht, na Holanda, o bem-estar animal não é um conceito científico, mas a reação de um sistema de valores sociais que as pessoas desenvolvem para expressar suas preocupações sobre como os animais são tratados. Os Revista CFMV - Brasília/DF - Ano XVII - nº 54 - 2011

Figura 2. Touro contido para permitir coleta de sêmen.

debates sobre o bem-estar animal, portanto, têm sempre dois elementos de análise: a biologia do animal e os valores dos seres humanos. Mas nem sempre esses dois elementos estão amarrados. As condições biológicas dos animais são filtradas pelos seres humanos de acordo com sua percepção do que é bom ou ruim. Mas, o que determina os limites? As percepções sobre o bem-estar animal são dependentes do contexto cultural, do tempo e do lugar, mesmo porque a mesma pessoa pode lidar com diferentes pontos de vista sobre os animais em diferentes contextos. Portanto, não há valores - padrão. Em contraponto, o Dr. David Fraser, da Universidade de British Columbia, Canadá, tenta explicar a sua definição de bem-estar animal. Segundo ele, o bem-estar animal tem três elementos: 1) os estados afetivos, que são o prazer, a dor, o sofrimento e a felicidade; 2) a vida natural, o que implica que os animais deveriam ter uma vida que atenda às adaptações naturais, e 3) os cuidados básicos de saúde, incluindo a proteção contra doenças, alimentação adequada e água. Diferente do Professor Ohl, o Dr. Fraser diz que os animais devem ser capazes de expressar seu comportamento natural, mesmo que eles não estejam em seu ambiente natural. Em síntese, incluir o aspecto ético da criação de animais é complicado e precisa de mais investigação. Por esse motivo, o bem-estar animal, assim como qualquer outra disciplina, merece um lugar de destaque na abordagem científica da produção animal. A dificuldade de medir, objetivamente, fatores emocionais, culturais e interpretações pessoais nos estudos de comportamento e bem-estar animal torna os resultados polêmicos. Finalmente, mas não menos importante, fica a pergunta que requer uma resposta clara sobre o direito dos animais no contexto normativo, jurídico e legal que marca a relação dos animais em cada cultura, inclusive a brasileira, no intuito de sinalar o que é melhor para o animal, para o produtor e para o consumidor.

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Conselho Regional de Medicina Veterinária do Estado de Alagoas – CRMV-AL Endereço: Rua 26 de Abril, 299 - Bairro Poço - Maceió/AL CEP: 57025-570 Telefone: (82) 3221-2086 – Fax: (82) 3336-2976 E-mail: crmvalagoas@ig.com.br Diretoria Executiva

Méd. Vet. Celso Walter Costa Barros CRMV-AL nº 00383

Presidente - Méd. Vet. José Heriberto Teixeira Albuquerque

Méd. Vet. Annelise Castanha B. T. Nunes

CRMV-AL nº 0146

CRMV-AL nº 00373

Vice-Presidente - Méd. Vet. William Araújo CRMV-AL nº 0013

Conselheiros Suplentes

Secretária-Geral - Méd. Vet. Adriana Guimarães de M. Pacheco CRMV-AL nº 0309

Méd. Vet. Adovaldo Albuquerque Alves Júnior

Tesoureiro - Méd. Vet. Thiago Augusto Pereira de Moraes

CRMV-AL nº 00475

CRMV-AL nº 0395

Méd. Vet. Patrícia Karla de Luna Magalhães CRMV-AL nº 00338

Conselheiros Efetivos

Méd. Vet. Carla Tereza Damasceno da Silva CRMV-AL nº 00336

Méd. Vet. Giuliano Aires Anderlini

Méd. Vet. Ana Thaisa da Silva Santos Procópio

CRMV-AL nº 00358

CRMV-AL nº 00557

Méd. Vet. José Vieira Bezerra

Méd. Vet. Felipe José Feitoza Bastos

CRMV-AL nº 00193

CRMV-AL nº 00451

Méd. Vet. Maria de Fátima Ferreira de Carvalho

Zoot. João Carlos Gomes Cavalcanti

CRMV-AL nº 00332

CRMV-AL nº 00098

Zoot. Sérgio Murilo da Silva Pinheiro CRMV-AL nº 00027

Mandato: 28/12/2010 a 27/12/2013


2011 - ANO MUNDIAL DA MEDICINA VETERINÁRIA

VETERINÁRIO PARA A SAÚDE, VETERINÁRIO PARA O ALIMENTO, VETERINÁRIO PARA O PLANETA. 1761-2011 250 anos da Medicina Veterinária


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