8 minute read

Hérnia inguinal - Quando diferir a cirurgia?

Hérnia inguinal - quando não operar?

Inguinal hernia - when not to operate?

Advertisement

Duarte Carapinha1, Carolina Tavares1, João Melo2, António Rivero2

1. Interno Formação Geral - Centro Hospitalar Universitário do Algarve ². Serviço de Cirurgia II - Centro Hospitalar Universitário do Algarve

antonio.rivero@chalgarve.min-saude.pt

Resumo

A patologia herniária por todo o mundo é uma das maiores causas para cirurgia. No caso das hérnias estranguladas a indicação cirúrgica é indiscutível. No caso da hérnia não complicada permanece a não existência de uma atitude comum relativamente ao momento da cirurgia bem como da sua abordagem. Esta é determinada tanto pela sua localização e características, bem como a experiência do cirurgião. A escolha entre as opções de cirurgia electiva versos acompanhamento de uma hérnia não sintomática, não tem estabelecido um consenso entre cirurgiões. Correntemente, na hérnia inguinal não há uma abordagem estandardizada, no entanto esta questão vem merecendo a maior atenção. É sabido que cerca de um terço dos doentes com hérnia inguinal são assintomáticos e são conhecidos alguns resultados que derivam da aplicação de uma estratégia de espera vigilante para homens assintomáticos ou minimamente sintomáticos. Os autores analisam neste trabalho alguns dados seguindo uma estratégia de espera vigilante e discutem estas observações no contexto da prática actual.

Abstract

Hernia, worldwide, is a major cause of surgery. In the case of strangulated hernias, surgical indication is indisputable. In the case of uncomplicated hernia, there is still no common attitude towards the time of surgery as well as its approach. This is determined both by its location and characteristics, as well as the experience of the surgeon. The choice between the options of elective surgery versus the accompaniment of non-symptomatic hernia has not established as a broad consensus among surgeons. Currently, inguinal hernia does not have a standardized approach, however this issue has been deserving more attention. It is known that about one third of patients with inguinal hernia are asymptomatic and some results have been published that derive from the application of a vigilant waiting strategy for asymptomatic or minimally symptomatic men. The authors analyze in this paper some data following this strategy of vigilant waiting and discuss the observations in the context of current practice.

Palavras Chave:

Hérnia inguinal; cirurgia programada; vigilância activa

Keywords:

Groin hernia; elective repair; watchful waiting

“Homem de 67 anos apresenta protrusão na virilha direita, que notou recentemente no banho. Consegue reduzi-la completamente, mas reaparece intermitentemente. Nega dor e não causou alteração dos níveis de atividade. O exame objetivo confirma a presença de hérnia inguinal.”1

A partir deste ponto que fazer?

Introdução

A hérnia ocorre quando um órgão normalmente contido numa cavidade faz protrusão dos através da sua parede2 .

Na virilha, as hérnias podem ser inguinais diretas (protusão medial aos vasos epigástricos inferiores), inguinais indiretas (lateral aos vasos) ou femorais (inferior ao ligamento inguinal e medial aos vasos femorais)3 . Têm 3 componentes: colo (abertura na parede abdominal), saco (protrusão de peritoneu pela abertura) e conteúdo (tecido/órgão que atravessa o colo no saco herniário)1,2 .

Nas inguinais, a passagem ocorre pelo orifício miopectíneo de Fruchaud (delimitado superiormente pelo arco de fibras aponevróticas do músculo transverso abdominal; medialmente pelo reto abdominal; lateralmente pelo iliopsoas; inferiormente pelo ramo púbico superior, com o ligamento de Cooper) por falência da fáscia transversalis4 .

Neste artigo os autores fazem uma revisão com enfase no trabalho de Reistrup e al.5 que integra o tempo cirúrgico numa estratégia de vigilância ativa.

Epidemiologia e Fatores de Risco

As hérnias inguinais têm uma prevalência de 27% em homens e 3% em mulheres, sendo mais comuns à direita; as indiretas são 2 vezes mais comuns que as diretas. Os fatores de risco incluem história familiar (aumenta risco em 8 vezes), condições que aumentem a pressão intrabdominal (ex: doença pulmonar obstrutiva crónica) ou que enfraqueçam a parede abdominal (ex: doenças do tecido conjuntivo, apendicectomia por via aberta)1 .

As hérnias femorais representam menos de 5% das hérnias na virilha, mas 35-40% só são diagnosticadas quando há complicações e é necessária cirurgia urgente, tendo mortalidade superior. São mais comuns em mulheres, mas continuam a representar uma baixa percentagem1 .

Diagnóstico

O diagnóstico é clínico: peso, queimadura, dor ou desconforto desencadeado por esforços abdominais como tosse ou micção. A clínica agrava ao fim do dia e alivia com decúbito dorsal ou com redução manual da hérnia. Caso haja dor grave e abrupta, devemos suspeitar de estrangulamento6-8 .

Ao exame físico, apresenta uma massa visível ou facilmente palpável com o dedo no anel inguinal externo ao realizar manobras de aumento da pressão intrabdominal7. Cerca de 33% têm exame objetivo normal (hérnia oculta) e requerem exame imagiológico para diagnóstico6 .

Figura 1. A natureza da Cirurgia existe um continuum para a procura do melhor gesto cirúrgico para a patologia em questão e simultaneamente permanece um tempo onde só a prática constante e o aperfeiçoamento das técnicas resultarão num cirurgião competente e seguro. No caso da hérnia inguinal, nesta busca permanente do melhor gesto, verificamos que , à data, este continuum integra a verificação do melhor momento para a cirurgia programada.

Abordagem

As hérnias estranguladas, não passiveis de redução requerem cirurgia urgente pelo risco de isquémia intestinal. As encarceradas redutiveis mas não coersíveis poderão ser ponderadas para cirurgia eletiva, exceto se houver oclusão intestinal, caso em que é uma urgência9,10 .

Vamos abordar principalmente o tratamento de assintomáticos ou minimamente sintomáticos através da análise de uma revisão sistemática5 . Nesta foi efetuada uma pesquisa de artigos no PubMed, EMBASE e Cochrane Library a 14/5/2020 que continham os termos “hernia + inguinal + asymptomatic” ou “watchful waiting” e se incluiu todos os homens com idade igual ou superior aos 18 anos, com hérnia inguinal assintomática ou minimamente sintomática, que adotassem a estratégia de vigilância ativa (VA). Apenas foram incluídos estudos com dados originais, com amostra de pelo menos 5 participantes, com rácio homem/ mulher de, pelo menos, 50% e escritos em inglês, alemão, dinamarquês, sueco ou norueguês. Apenas foram incluídos estudos com baixo risco de viés (até 4 em 9 estrelas na escala de NewcastleOttawa), classificados por uma equipa independente.

A pesquisa identificou 3586 estudos, mas, após análise, apenas se incluíram 9: 3 ensaios clínicos randomizados (RCT), 3 estudos prospetivos de coorte e 3 retrospetivos de coorte, sendo que 2 eram observacionais em idosos com comorbilidades.

O outcome primário era a taxa de crossover do braço de vigilância ativa para o de correção cirúrgica; nos RCT, 29-38% passaram de VA para cirurgia em 1,5-3 anos, aumentando ao longo do tempo: 72% de crossover em 7,5 anos e 68% após 10 anos. A taxa de crossover foi 79% em doentes com idade superior a 65 anos e 62% nos com idade inferior a 65 anos.

Os estudos observacionais prospetivos reportaram crossover de 7% em 15 doentes com comorbilidades e idade superior a 75 anos em 6 meses.

Um estudo retrospetivo detetou uma taxa de crossover de 54% em 137 doentes com comorbilidades e mais de 80 anos, após 15 meses.

Foram analisados também os outcomes secundários: tempo para crossover, motivos, taxa de operações emergentes, mortalidade, complicações, dor e desconforto.

Dor foi o principal motivo para crossover, com mediana de 79%. Ambos os braços apresentaram o mesmo nível de dor e desconforto após 5 anos de follow-up em 3 estudos; o 4º estudo reportou menor dor no grupo da cirurgia após 2 anos.

Outro motivo para crossover foram as complicações agudas. Os RCT mostraram uma baixa taxa de cirurgia urgente (2-3%), com mortalidade idêntica em ambos. Nos estudos observacionais, objetivou-se até 19% de cirurgia urgente e 5% de mortalidade pós-operatória por insuficiência cardíaca.

As taxas de complicações eram idênticas sem ou com crossover (imediato ou tardio), exceto se for por cirurgia emergente.

Quatro estudos reportaram o tempo médio para crossover: 9 meses, 2 anos e 5 anos. Um estudo identificou diferenças conforme a idade: 4 anos se superior a 65 anos e 8 anos se inferior a 65 anos5 .

Discussão

O artigo inclui 9 estudos, com um total de 858 doentes que fizeram VA. Aproximadamente 33% cruzou para o braço cirúrgico após 3 anos, chegando aos 70% em 10 anos, principalmente por dor. A estratégia de VA não aumentou a mortalidade, cirurgia urgente, complicações pós-operatórias ou dor/ desconforto5 .

Tem como pontos fortes: estratégia de pesquisa, independência na avaliação de vieses, contacto dos autores dos artigos quando os dados não eram claros. As limitações são o viés linguístico e heterogeneidade dos estudos e das variáveis analisadas5 .

Conclusão

Esta revisão sistemática concluiu que os outcomes da vigilância ativa e reparação cirurgica inicial são idênticos e que o crossover parece ser seguro5 .

Como 15% das reparações cirúrgicas complicam com dor crónica, optar por VA é um augumento para evitar essa dor, prolongando a qualidade de vida por alguns anos9. Como a dor crónica é mais comum em jovens comparado com idosos1,5,9 , é aceitável adiar cirurgia em homens jovens. Contudo, como a maioria fez crossover, o plano deve ser decidido caso a caso com o doente.

No caso com que iniciamos, homem de 67 anos, é de ponderar propor uma estratégia VA, face à constatação de que 80% dos casos vão necessitar de cirurgia, como acontece aos maiores de 65 anos11.

Referências:

1. Fitzgibbons RJ, Force RA. Groin Hernias in Adults. N Engl J Med 2015; 372:756-763. 2. Malangoni MA, Rosen MJ. Hernias. In Sabiston textbook of surgery. Ed. M. Townsend et al (2014). 18th Edition. Elsevier. 3. Amboss. Acesso a 2020 Sep 15. Disponível em https://www.amboss.com/us/ knowledge/ Inguinal_hernia. 4. Wagner JP, Brunicardi FC, Amid PK, Chen DC. Inguinal Hernias. Schwartz Principles of Surgery 10th Edition. Ed. F. Charles Brunicardi (2014). McGraw-Hill. 5. Reistrup H, Fonnes S, Rosenberg J. Watchful waiting vs repair for asymptomatic or minimally symptomatic inguinal hernia in men: a systematic review. Hernia. 2020 Sep 10. Epub ahead of print. 6. Brooks DC, Hawn M,Classification, clinical features, and diagnosis of inguinal and femoral hernias in adults. UpToDate. Acesso a 2020 Sep 15. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/ classification-clinical-features-and-diagnosis-of-inguinal-and-femoral-hernias-in-adults. 7. Cameron, J. et al (2020). Inguinal Hernia. Current Surgical Therapy 11th Edition. Elsevier.

8. Rather AA. Abdominal Hernias. Acedido 12 Set. 2020. Disponivel em http://emedicine. medscape.com/article/189563. 9. Brooks DC. Overview of complications of inguinal and femoral hernia repair. UpToDate. Acesso a 2020 Sep 16. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/ overview-of-complications-of-inguinal-and-femoral-hernia-repair. 10. Brooks DC. Overview of treatment for inguinal and femoral hernia in adults. Acesso a 2020 Sep 16. Disponível em https://www.uptodate.com/contents/ overview-of-treatment-for-inguinal-and-femoral-hernia-in-adults.

This article is from: