Choro Carioca
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EXPEDIENTE Realização
INSTITUTO CULTURA BRASILEIRA www.culturabrasileira.org.br Coprodução
WIDEBRASIL COMUNICAÇÃO INTEGRADA www.widebrasil.com
LUNETA COMUNICAÇÃO E EDITORA www.editoraluneta.com.br Editor Ricardo Da Fonseca, MTb 36583/RJ Jornalista Responsável Felipe Lucena Conselho Editorial Abdallah Harati, Afonso Machado, Aurélie Tyszblat, Barão do Pandeiro, Carlos Almada, Felipe Lucena, Joel Nascimento, Jorge Cardoso, Marcílio Lopes, Pedro Aragão e Ricardo Da Fonseca. Redação Alex Campos, Felipe Lucena, Miro Lopes e Ricardo Da Fonseca Projeto Gráfico R. Gatto Recorte de Imagens Adriane Lima Agradecimentos Escola Portátil de Música, Isaías do Bandolim, Hamilton de Holanda, Marcos Portinari, Mônica Salmaso, Carla Assis, Paulo Senise, Mika Kaurismäki, José de Almeida do Amaral Junior, Luperce Miranda Filho (in memoriam), Quequê Medeiros (in memoriam). Revisão de Texto Leonardo Legey Fotografia Ale Kali, Felipe Lucena, Grégory Massat, Humberto Souza, Marcos Portinari, Yesser Oliveira e YKO Photo. A revista Choro Carioca, é uma publicação do Instituto Cultura Brasileira, coproduzido pela WideBrasil Comunicação Integrada Ltda e pela Luneta Comunicação e Editora Ltda. As opiniões emitidas nas entrevistas concedidas e os textos assinados são de responsabilidade de seus autores, não refletindo, necessariamente, a posição da revista Choro Carioca, dos seus editores e anunciantes. É permitida a reprodução parcial ou total das matérias, desde que citada a fonte. Agosto de 2015 - Edição exclusivamente eletrônica
Momento de satisfação Estamos apresentando a todos vocês, a edição de lançamento da revista Choro Carioca. Para todos nós, que estamos envolvidos em sua produção, esse é um momento de muita satisfação porque ultrapassamos uma etapa essencial da produção jornalística: a sua finalização e disponibilização ao leitor - esse, o principal elemento de todo processo editorial e de comunicação. Nosso objetivo ao produzir essa publicação, voltada exclusivamente para o choro, é oferecer informações leves e palatáveis a todas as pessoas, especialmente às que queiram conhecer melhor parte desse universo. Não é uma revista feita somente para quem gosta desse gênero musical. Ao contrário, nosso foco principal são todos que gostam de música: os que já conhecem e apreciam o gênero, os que não tiveram oportunidades de conhecê-lo e os que, por terem ideias préconcebidas a respeito dele, não tiveram interesse em conhecê-lo melhor. Vamos mostrar, ao longo das edições, e na voz de pessoas honradas e de credibilidade, que o choro não é uma música para intelectuais ou experts em teoria e prática musical. Talvez a sua execução exija um pouco mais de conhecimento e habilidade do que alguns outros gêneros, mas para o ouvinte, música deve ser classificada por “gosto ou não gosto”, “quero ouvir agora ou não”. Imputar à arte valores nos parece inadequado. A arte é a externalização de uma mensagem dada por artistas. Só isso. Ou tudo isso! Mas não podemos desconsiderar que a próprio forma das pessoas se relacionaram com a arte mudou bastante. Hoje, mais do que nunca, a prática artística não é um privilégio de “escolhidos”. Todos podem tocar algum intrumento ou cantar - externalizando “o que tem a dizer” através da arte. O que pretendemos, então, com essa publicação e seus canais de suporte - Youtube, Twitter, Facebook e website - é oferecer mais um elemento de descobertas agradáveis. Quem se beneficiar e tiver interesse em gradativamente mergulhar nesse universo, encontrará nos nossos canais de apoio bastante material para se divertir, como sugestões de CDs e DVDs para audição, entrevistas com figuras agradáveis, agenda de apresentações, além de partituras com tablaturas, aulas em vídeo, sugestões de livros, entre outras coisas. Assim, queremos acreditar, que sob a perspectiva da comunicação, cumprimos o importante papel de divulgar e promover o choro, contribuindo na formação de plateia e de futuros praticantes - profissionais ou não. Nossa torcida é para que vocês apreciem o resultado de nosso trabalho, que foi materializado nessa edição de lançamento. Sejam bem vindos e boa leitura. Choro Carioca
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MONICA SALMASO RICARDO DA FONSECA
Focada, também, na realização e promoção do choro cantado, a revista Choro Carioca foi até São Paulo para entrevistar Mônica Salmaso, uma das grandes intérpretes da atual música produzida no Brasil. Mônica, que iniciou a carreira em 1989, já gravou, entre parcerias e carreira solo, 16 discos e conquistou diversos prêmios de relevante importância. O último deles foi pelo disco “O Corpo de Baile”, lançado no ano passado e vencedor do concurso “Governador do Estado de São Paulo Para a Cultura”, na categoria música, pelo voto popular. Salmaso falou à Choro Carioca sobre sua vida, carreira, ideias e outros assuntos que você confere na entrevista abaixo.
Choro Carioca – Vivemos em uma cultura de criação de ídolos e personalidades e a arte é principal fonte desses ídolos. Como intérprete e musicista, como analisa essa questão da idolatria aos artistas? Você tem ídolos? Monica Salmaso – Sim, Eu tenho ídolos. Me emociono com pessoas que fazem as coisas com paixão. Meus ídolos são assim. Meus heróis não são necessariamente ligados às artes, porque entendo que ser um herói tem menos a ver com o que você faz e mais a ver com a maneira como você faz. A vida faz mais sentido se você fizer as coisas com entrega. Estar inteiro onde estiver. Isso me emociona. Isso caracteriza meus ídolos ou heróis, como queira chamar. É muito legal – e muito emocionante – ver pessoas fazendo o que se propõem a fazer com alma, por inteiro. E você não precisa ser artista para ser pleno. A minha utopia é que todo mundo, independentemente do que faça, viva assim, com amor pelo que faz. Gosto de lembrar o filme dinamarquês “A festa de Babette”, que retrata de uma forma bem poética a entrega de um ser humano ao que faz e as consequências positivas disso. É mágico o envolvimento de Babette durante os preparativos para o jantar que se propôs a fazer em comemoração aos 100 anos do pai das suas patroas. A forma como ela prepara a cerimônia... Babette está plena. Está fazendo as coisas de uma forma tão intensa que aquele jantar modifica as pessoas que lá estavam tornando-as plenas naquele momento. É isso que faz alguém se tornar herói. Ser pleno. O problema dessa cultura de criação de ídolos nas artes é que as pessoas estão construindo dentro de si uma certeza, equivocada, de que suas profissões não são importantes. O ci22 Choro Choro Carioca Carioca
dadão vai trabalhar tendo a certeza (falsa) de que o que faz não tem o menor valor, que importante mesmo é o que os artistas fazem, o que as pessoas que aparecem na TV fazem – isso sim é importante. Não deve ser assim. Cada um de nós deveria enxergar no seu trabalho o local onde deve realizar seu ofício com honra e plenitude. Por inteiro, buscando ser útil e fazer a diferença naquele ambiente. E nós, quando olhamos cada profissional que realiza seu trabalho com honra e plenitude, devemos ver um indivíduo digno de admiração – um ídolo. Choro Carioca – Qual a sua relação com o choro? Acredita que o choro precisa ser popularizado? Monica Salmaso – Eu nunca refleti muito sobre isso. Eu não sou uma profunda conhecedora do choro, mas, claro, como artista, convivo com o gênero. Tenho pessoas próximas a mim que são de fato entendedoras do choro. Têm pessoas do Rio de Janeiro, das quais me aproximei para me aprofundar mais, conhecer o que eles estavam fazendo, como o pessoal da gravadora Acari, da Escola Portátil de Música – que desenvolve uma iniciativa cultural genial. Não sei em que momento o choro se colocou ou foi colocado como elitista. O choro, assim como o jazz, tem uma coisa do virtuosismo, do improviso. E esse aspecto, talvez, atraia mais quem é do meio musical. O cara que pratica passa a admirar aquele músico, composição ou forma de tocar, porque é algo que ele compreende e que ele tem afinidade, muitas vezes porque faz ou almeja fazer aquilo. Acho que tem esse lado do choro que é meio isso: não dá para ser plenamente degustado por quem não tem conhecimento técnico musical. Todo choro pode despertar o interesse em qualquer um, inclusive o leigo. E isso
é ótimo, verdadeiro. Mas essa mesma música traz significados e desperta interesses mais profundos para esses caras que conhecem música. Não sei dizer, em termos de cultura local, o que aconteceu aqui no Brasil para que o choro perdesse o espaço de uma música popular. Talvez, em algum momento, tenha sido rotulado pela indústria fonográfica brasileira como um gênero sem características para ser popular. Ou talvez as pessoas tenham relegado o choro a uma prateleira de música intelectualizada... É muito difícil enfrentar os rótulos e os preconceitos das pessoas. Meu trabalho, para alguns, é considerado elitista. Mas meu trabalho não é elitista. Ele tem qualidade. Em nosso trabalho, todos nos doamos por inteiro: produtores, arranjadores, músicos, equipe técnica, eu... E o resultado disso não é uma música elitista. É uma música de qualidade. Mas pessoas e críticos podem me rotular como uma artista elitista. O que não sou. Canto para todo mundo. Meu show é aberto a todos, de todas as classes e culturas, e o preço dos CDs e dos ingressos são compatíveis com a realidade brasileira. Para você ter uma ideia, o ingresso no show que realizei no Sesc São Caetano custou R$ 30,00 o ingresso e R$ 15,00 meia entrada. O Show de lançamento do meu novo projeto, o “Corpo de baile”, que foi realizado nos dias 27 e 28 de abril no Tearo Alfa, tem os ingressos a R$ 40,00 e R$ 20,00 (meia entrada). Isso é ser elitista? Em relação ao choro, penso que ele também enfrenta esses rótulos que segregam. Mas tem, também, a história do espaço da música instrumental no Brasil. Nossa cultura ainda resiste à música totalmente instrumental. É uma característica do nosso país. Nosso gosto musical está muito associado a vozes, letras, cantores... Isso, certamente, também interfere na hora de se conquistar espaços novos. Basta observar que muitos dos choros que são bem aceitos – e muito bem aceitos – pelo público, são aqueles cantados. A letra no choro seria um facilitador. O brasileiro é musical e gosta de canção. Historicamente, somos bons em fazer letras. Talvez esse possa ser um caminho para a popularização – que não significa vulgarização – do choro no Brasil: investir parte dos esforços no choro cantado. Por que não? É uma reflexão. Choro Carioca – Existem correntes no universo do choro que não recebem bem a ideia de uso da voz em execuções chorísticas. O que pensa dessas ideologias a respeito da forma de se tocar um gênero musical? Monica Salmaso – É verdade. Tem muita gente que não gosta de voz em choro. E isso acontece, também, na música erudita. Penso que qualquer amarração é uma bobagem – e uma amarra. E na arte, uma amarra nunca pode ser boa, mesmo quando essa exigência é feita com a melhor das intenções. Será sempre danosa, especialmente para quem as cria. Ela vai amarrando, amarrando, e chega um momento em que tudo é só uma amarra e a arte já se perdeu. É importante ficarmos atentos às armadilhas que nossas crenças podem construir para nós. A arte basta a si só e não depende de rótulos e amarras: existem grandes artistas de todos os jeitos. Quem separa e quem mistura gêneros, quem estudou e quem não estudou, quem canta e quem não canta. Defender com rigidez algum posicionamento pode acabar virando uma prisão. Choro Carioca
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Choro Carioca – O choro é um gênero musical nascido e amadurecido no Brasil, sendo hoje tocado em diversas partes do mundo. Como você vê a questão do choro na preparação de um repertório de intérpretes e músicos brasileiros? Monica Salmaso – Acho importante que intérpretes no período que estão escolhendo seus repertórios tenham a mente receptiva para as mais variadas composições, dos mais variados gêneros. Lógico que isso não se aplica aos casos em que o artista está desenvolvendo um trabalho focado em algo já bem definido, que o limitará em termos de repertório. Acho importante podermos, como artista, oferecer ao público um cardápio variado de composições. Nem que seja o repertório da sua apresentação em público, e que não será levado para o estúdio. Eu me enquadro nesse caso: em meus CDs, nunca gravei choro. Mas sempre canto alguns choros em shows, assim como sambas... O público gosta disso. Ele gosta de reconhecer músicas que trazem algum significado pessoal, histórico, mas gostam, também, de serem apresentados a composições de qualidade de gêneros que não estão habituados a ouvir. Choro Carioca – O universo musical é bastante competitivo. Não é simples nem fácil conquistar um espaço junto ao público e à mídia – de massa ou segmentada. No entanto, vez por outra, esse mesmo mercado acolhe artistas de qualidade questionável, em contraponto com alguns artistas de altíssima qualidade que ficam relegados a pequenos guetos e não conseguem deslanchar sua carreira, no sentido de não conquistarem um reconhecimento do público, não conseguirem uma agenda intensa de apresentações etc... É a injustiça da vida? Monica Salmaso – Não vejo com bons olhos as comparações. Especialmente as que tratam de comparar escolhas e caminhos. O seu caminho é seu caminho: ele é resultado das suas escolhas. E as suas escolhas não são o que você inventou, mas são decisões a partir das coisas que surgiram para você. Abrir comparações de qualquer coisa com qualquer coisa é uma máquina de infelicidade. Não há porque comparar histórias. Tudo depende do que é sua expectativa. Eu gosto de ter consciência das minhas coisas – não gosto de não entender o que aconteceu, de ficar nesse limbo de ‘ah, eu deveria ter sido tal coisa... Eu queria ter sido uma fulana de tal’. Conheci muitas pessoas que trabalham com música que pensam assim. Desenvolvem um trabalho artístico tão legal, mas não valorizam o que fazem porque queriam ser outra coisa e por isso carregam consigo uma amargura. Muitas vezes vi artistas seguindo por esse caminho e pensei: ‘Por que que essa pessoa está assim, nessa amargura com a carreira dela? Ela fez umas coisas tão bacanas’. Assistir situações como essa me davam a certeza de que não queria – e não quero – isso para mim. Eu tenho muito bem resolvida essa questão. Eu quero chegar ao futuro, olhar para trás e dizer algo do tipo: 4 Choro Carioca 4 Choro Carioca
‘fui uma cantora, que teve esse tamanho, esse tanto de reconhecimento, e que sabia que era isso mesmo que esperava, que naquele momento foi o melhor que podia ter porque nas minhas escolhas algumas coisas entraram e outras não...” Eu tenho isso muito claro. Eu não quero me ver amargurada lá na frente. E tenho, hoje, a plena consciência de que viver do que faço no Brasil de hoje é um privilégio - uma vitória. Choro Carioca – Esse “privilégio” que você diz ter, muita gente nova o está buscando – com trabalho e responsabilidade –, conquistar. Há um caminho certo a ser seguido para esses jovens que almejam construir uma carreira sólida? Monica Salmaso – Eu não posso falar, jamais, para ninguém o que é e o que não é, porque eu não sei. Não dá para dar esse tipo de conselho. Eu não sei o que virá pela frente. Eu só sei o que passou. Mas o que virá pela frente ninguém sabe. Uma coisa que eu sei, sempre soube, é que a cada escolha que a gente faz as oportunidades aparecem. A gente não fabrica oportunidades, a gente faz escolhas. Então, você se coloca em uma coisa – qualquer que seja ela – e essa coisa, com o tempo, vai começar a te colocar frente a frente com algumas oportunidades. Nós não sabemos quando as oportunidades irão pintar. Você age, plantando coisas e de acordo com as limitações que envolvem sua vida – pode ser em termos de dinheiro, tempo, etc... Nesse processo, as oportunidades irão surgir. Pequena, média ou grande, as oportunidades chegam. Caminho, cada um faz o seu. Não existe uma forma. Mas se é para defender uma teoria generalizável, eu acho que é ter a certeza de que quando você está procurando fazer um negócio
que tem a ver com você, a única coisa que você deve saber dizer a cada escolha é o que você não quer diante daquela situação. Pois o que você quer é mais flexível, você pode inventar um caminho – uma coisa que ainda não existe pode surgir... Choro Carioca – Você é um dos grandes nomes da atualidade na música cantada. Mas seu início de carreira deve ter sido permeado pelas naturais inseguranças de uma artista em um universo tão exigente, onde não se pode – ou não se deve – haver erros ou falhas, especialmente nas apresentações públicas. Você passou por esse período de insegurança? Quando sentiu que sua trajetória havia se firmado? Monica Salmaso – Sempre tive muito prazer em cantar, mas por um tempo, carregava, também, uma rigidez interna muito grande que me fazia sofrer um determinado grau de insegurança. Eu demorei muito para me sentir confortável e segura. Por muitos anos eu tinha uma sensação de que: ‘será que não era bico, e que todo mundo vai descobrir que eu sou um blefe?’. Até mesmo na época das apresentações do Afrosambas, o CD que gravei com Paulo Belinatti, fui invadida por alguns pensamentos inadequados, do tipo: ‘eu estou aqui, cantando com o Paulo Belinatti, um supermúsico, com uma carreira linda, e eu, cantando esse repertório.... Alguma hora nego vai perceber que eu sou um embuste’ (risos). Não era um pensamento bom e para ele ser substituído, eu tinha que fazer meu trabalho bem. Era quase um competitivo interno. Eu tinha que fazer por merecer. Trabalhar com Paulinho foi uma oportunidade que apareceu. Ela era boa, eu a reconheci como boa para mim, eu queria, achei que tinha a ver fazer... Mas tudo isso não era suficiente para eu achar que merecia. Mas essas coisas a gente vai trabalhando. Ninguém nasce pronto. A gente vai ficando pronto no caminho, com as escolhas e as decisões que tomamos. Um dia senti que “sentei numa cadeira que era minha”. Eu estava há um ano em um grupo chamado Orquestra Popular de Câmara, era um grupo de 14 músicos, fundamentalmente de música instrumental que tinha instrumentos de orquestra e populares e tinha voz e me chamaram para dar uma canja. Aí fui dando canja direto. Até um dia que me chamaram para entrar no grupo. Era um trabalho super gostoso: a voz tinha momentos de solo e de descanso, momentos de destaque e momentos de fazer outras pessoas se destacarem – o que é muito legal para um cantor, porque é meio como fazer parte dos músicos. Um dia acabou um show e cheguei em casa muito feliz com a sensação de ter achado o que eu queria fazer. Ali comecei a exigir menos de mim. Isso foi em 1999, eu já havia feito outros trabalhos. Foi aí que achei um lugar para chamar de meu.
Choro Carioca – Brecht foi um dos grandes defensores de uma arte politizada, e do papel da produção artística como meio de conscientização e, consequentemente, transformação da sociedade. Para você, qual o papel da sua arte? O que te motiva a ser artista? Monica Salmaso – Nem sempre nossas escolhas são inteiramente nossas. Situações, pessoas, interferências inesperadas surgem e nos direcionam para caminhos que nem sempre havíamos pensado em escolher. O fato é que sou cantora e penso que com a minha arte alcanço pessoas e transmito a elas uma mensagem. Hoje tenho claro que o que pretendo com a minha música, em termos “políticos”, é alcançar as pessoas que assistem uma apresentação minha (ou que ouvem um trabalho meu) e que elas pensem algo do tipo: ‘Nossa! Que bonito! Isso aí me emocionou. Que legal! Essa pessoa, normal, ser humano, que tem dois braços e duas pernas como eu, vai lá e canta e faz esse negócio bonito. Quando eu chegar ao meu escritório eu vou fazer um negócio bonito, também.’ Não sei se isso vai acontecer. Pode parecer presunção, mas não é. Acho que a arte e a forma como você a transmite aos outros é capaz de fazer esse convite a cada indivíduo que compõe uma plateia. Eu estou a fim de motivar as pessoas que me ouvem a crescer, mas se ela quer ou não, se ela vai se contagiar ou não com isso, não depende de mim. Faço o que penso ser o que devo fazer.
A revista Choro Carioca agradece à Monica Salmaso, pela gentileza de nos conceder essa entrevista, bem como à produtora Carla Assis, pelos esforços em nos atender da melhor maneira possível. Esta entrevista, realizada na cidade de São Paulo contou com a colaboração dos integrantes do Conselho Editorial da revista Choro Carioca na elaboração das perguntas e na sugestão da entrevistada.
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”VEM QUE O CHORO É DE QUALIDADE, FREGUESA!” ALEX CAMPOS
Cidade do Rio de Janeiro: a feira livre é uma tradição - um costume que chegou junto com os portugueses na época colonial. As primeiras feiras na cidade eram compostas por uma grande variedade de produtos que chegavam de navio e eram comercializados na Praça XV, apenas sendo regularizadas anos depois com Francisco Pereira Passos, em meados de 1904. Hoje as feiras estão democraticamente espalhadas por todos os cantos da cidade e formam um cenário de verdadeira e colorida festa popular. Vende-se de tudo: legumes, verduras, peixes, temperos moídos e ralados na hora ao gosto do cliente, frutas frescas, pastéis dos mais variados com caldo de cana, utensílios para a dona de casa, como alicates, tesouras, tampas para panela de pressão, coador de café e boa música. Isso mesmo. Boa música. Em Laranjeiras, bairro da zona sul carioca, mais precisamente na Praça General Glicério, um choro de altíssima qualidade faz parte desse cenário ímpar que as feiras compõem na cidade maravilhosa. Quem por lá passar, irá encontrar o grupo de choro Pixim Budega comandando essa paisagem há mais de três anos, todos os sábados das 12h às 14h. Engana-se, porém, quem pensa que a roda de choro na feira de Laranjeiras começou daí. Ela já até debutou. Há 15 anos a roda é um sucesso absoluto, resultado de uma grande brincadeira iniciada por uma amante da música de qualidade. 6 Choro Carioca 6 Choro Carioca
PINTANDO UMA NOVA PAISAGEM A ideia surgiu através da maranhense Ignez Perdigão, precursora das apresentações, com seu inseparável cavaquinho. Ignez já tinha estrada nessa história de tocar choro em palcos abertos. Nos anos 1970, ela integrava o grupo Éramos Felizes, que por volta de 1975, foi contratado pela Secretaria de Parques e Jardins para fazer shows às sextas-feiras em palcos montados pela Prefeitura do Rio próximos a estações de trem, próximos ao povo que vai e vem. Em abril de 2000, Ignez estava na feira de Laranjeiras, ao lado da Fiat Fiorino de Alexandre Paiva, cavaquinhista do conhecido grupo de choro Galo Preto, que vendia vegetais hidropônicos no local. Alexandre sempre levava o cavaco para o trabalho. Nesse dia, Ignez pegou o instrumento para tocar e muitas pessoas pararam para olhar e ouvir. Em especial um garoto, que ficava na feira fazendo “bicos” de carregador de sacolas. A musicista sentiu que era hora de colocar outra vez o bloco na rua: “Durante a semana seguinte lancei a semente, conversei com Tina Pereira, flautista, educadora e maestrina, com o violonista e compositor Domingos Teixeira, com quem eu já tocava havia oito anos, e no sábado seguinte, à última hora, com a pandeirista Clarice Magalhães, e lá fomos nós quatro tocar choro na praça da feira da General Glicério, numa formação instrumental clássica desse gênero musical. Logo, a presença de Tina começou a rarear, viajava muito aos fins de semana,
mas outros sopros apareceram para dar canja e ficaram. Franklin da Flauta e mais uma vez Marcelo Bernardes, que 25 anos depois do Éramos Felizes havia se firmado profissionalmente também como saxofonista. No ano seguinte Matias Correa e seu contrabaixo se juntaram ao grupo. Neste mesmo ano fomos convidados a gravar um CD de sambas instrumentais, para ilustrar sonoramente o livro do pesquisador Haroldo Costa, Na cadência do Samba. Para
os créditos do disco, batizamos o grupo com o nome de Choro na Feira, honrando nosso berço“, conta Ignez, que ao lado do conjunto ganhou o prêmio “Urbanidade” do Instituto dos Arquitetos do Brasil, pelo exemplo de ocupação de espaço público com benefício social e cultural. Conservando esse espirito de artista livre, a cavaquinista frisa que as metas do grupo em relação ao choro na feira de Laranjeiras foram atingidas: “Quisemos fazer música e ter ouvintes, sem atravessadores, produtores, bilheteiros, mediadores, cercas, portas, seguranças - e o ajuntamento de gente em busca das feiras é propício ao músico ambulante, desde antes da existência das cidades. Mas essa ideia não foi pré-elaborada, usamos a forma de músicos ambulantes como coisa existente, abríamos a caixa do cavaco para receber os valores que nos davam, e tudo ia por águas, cervejas e pastéis abaixo, para nós e para os canjeiros. Éramos músicos de classe média, com formação plural, acadêmica e prática, buscando espaços de convivência em profundidade com o respeitável público. Esse objetivo foi alcançado e transformado ao logo dos anos. Nossa música agora reunia crianças e seus pais, vizinhos conver-
savam seus muitos assuntos, os cuidadores levavam seus idosos para tomar sol e ouvir choro”, relembra com orgulho. Nesses anos fazendo som na Praça General Glicério e tendo uma feira como cenário, Ignez, dona de uma grande capacidade de enxergar sensibilidade em cenas do cotidiano, lembra de muitos momentos marcantes. Entre eles, o dia em que tirou alguém para dançar, como em um caprichado plano de cinema: “Uma senhora com Mal de Alzheimer, sempre levada à Praça pela cuidadora para tomar sol, não gostava de andar nem de falar, mas nos olhava atentamente. Naquele sábado o Franklin fez uma sessão de boleros e logo surgiu um ‘baile’ bem na nossa frente. Levantei-me e a tirei pra dançar. Ela me acompanhou suavemente por duas Grupo Pixin-Budega. músicas, e ao final da segunda, a conduzi de volta ao banco, agradeci. Virei-me para alcançar o banco dos músicos e a ouvi explicar para a cuidadora: ‘ela parou porque ficou cansada.’” Domingos Teixeira, um dos integrantes da ‘formação mãe’ do Choro na Feira conta que além dos encontros semanais em Laranjeiras, eles também comemoravam o Dia do Choro na Praça. E contavam com a ajuda de moradores vizinhos: “Nas comemorações pelo aniversário do choro no local (General Glicério), decorávamos a Praça, montávamos uma mesa e moradores da área vinham com quitutes e som rolava com estilo” disse. Assim como Ignez, Domingos também é defensor do estilo livre de tocar música, sem a burocracia e os jogos de poder e econômicos dos grandes palcos. No entanto, ele lembra com orgulho o fato de grandes nomes da música brasileira terem passado na feira para dar uma canja: “Yamandu Costa, Gabriel Grossi, Marcelo Caldi, Arismar, do Espírito Santo, Niltinho, Geraldo Azevedo, entre outros grandes nomes do choro e outros gêneros musicais do Brasil estiveram tocando conosco” afirma. Choro Carioca Choro Carioca
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Mas como na vida nada é para sempre, o grupo Choro na Feira, depois de anos de ótimas experiências compartilhadas, deixou a Praça e a Feira para seguir outros rumos: “Nosso grupo tocou na feira da rua General Glicério por dez anos ininterruptos, mas movimentos externos e pessoais nos fizeram parar. Por um lado, o ajuntamento de gente que promovemos atraiu um forte comércio oportunista, que atraiu mais gente cujo foco de interesse não era e nem se transformou na música que tocávamos, que por sua vez afastou parte de nosso público, que viu consternada desaparecer o que o Elton Medeiros chamava de ‘a melhor sala de concertos ao ar livre do Rio de Janeiro’. Isso nos desviou do propósito inicial, de tocarmos pelo prazer. Nossos amplificadores de pequena potência já não bastavam, e não queríamos aumentar o número de decibéis do ambiente. Por outro lado, é importante ressaltar que os quatro mais velhos do grupo já tinham há muitos anos um trabalho consolidado como instrumentistas, professores e arranjadores. Exatamente no ano em que começamos a tocar na feira, comecei a dirigir um coro, o Coralito, e a procura pelo canto coral popular me fez formar um segundo coro, o Coroá. Em 2009 fui chamada pelos coordenadores da Escola Portátil de Música, onde eventualmente já dava aulas de matérias teóricas como professora substituta, para organizar e dirigir o curso de canto coral. A EPM funcionava somente aos sábados. Esses movimentos não são isolados, um ajuda a definir a rota do outro. Em maio de 2010, após trocarmos nosso horário para o final da tarde com a intenção de escapar do pico da agitação, decidimos parar” esclarece Ignez.
Grupo Pixin-Budega.
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MANTENDO A CHAMA ACESA Pedro Clarineta, líder do grupo Pixin-Budega, que atualmente dita o ritmo do choro na feira de Laranjeiras, lembra que o percursionista Almir Bacana foi convidado pelos comerciantes para tocar na Praça General Glicério logo após a saída do grupo Choro na Feira. As vendas caíram quando a roda parou de ser realizada. Para resolver esse problema, Bacana reuniu o pessoal do Pixin e eles assumiram o ponto. Contudo, o começo, como normalmente acontece, não foi tão fácil: “Inicialmente não havia quase ninguém na Praça. O movimento tinha esvaziado muito. Foi um trabalho gradual de reconquista do público de choro da General. É claro que já existiram críticas sobre a qualidade do som, a altura da percussão, mas a recepção é na maioria das vezes é positiva. Muitos turistas, pessoas de outras regiões do Brasil gostam de ouvir o choro correndo livre em um espaço público” recorda Pedro que com o Pixin também toca em uma roda de choro em Olaria, Zona Norte da cidade do Rio. Como em qualquer evento público ao vivo, situações inusitadas costumam acontecer. Pedro, com bastante bom humor, recorda alguns desses casos, sem desafinar: “No início, aparecia algumas vezes um bêbado e outra vez apareceu um senhor vestido de jacaré na Praça e ficou dançando enquanto tocávamos. Uma vez, um pombo ‘cagou’ em cima de mim enquanto eu tocava. Tínhamos um técnico de som chamado Lúcio que era uma figura, já era um senhor de idade e às vezes se enrolava na montagem de som e sempre nos brindava com boas histórias. Têm também alguns integrantes da roda que fazem sucesso com a mulherada, mas geralmente as esposas estão presentes, o que os deixa em posição desconfortável diante das cantadas e investidas do público feminino. Por causa dessa sinuca de bico, mas de uma vez nós perguntaram se alguns dos nossos músicos eram gays, por não corresponderem à paquera. Como diria Luiz Ayrão: “esse camarada se androginou, a moça deu bola a ele e ele nem ligou...” sorriu Clarineta, que pretende fazer um bacharelado no instrumento, se aperfeiçoar nas linguagens erudita e popular. E sonha tocar acordeom. Outro ponto de destaque é que a roda de choro se faz com o som praticamente todo acústico, tendo apenas um pequeno amplifi-
cador para o violão. Ou seja, na frente dos músicos ficam apenas as partituras das canções e o público ouvindo o tocante repertório. O público é sempre bom, atento demais ao espetáculo feito com esmero todo sábado. O estudante de engenharia de produção, Daniel dos Santos, morador do bairro, é um assíduo frequentador da roda. Daniel fica espantando com a qualidade dos músicos, porém um pouco entristecido com a falta de espaço na grande mídia para o estilo genuinamente carioca: “Aqui é a minha parada obrigatória. É impressionante o que estes caras tocam, merecem todo o sucesso e todo o respeito do mundo. Já vi muitos gringos impressionados com a técnica do som deles. É uma pena o choro não ter o espaço que merece na mídia brasileira, triste mesmo”, declara. Não é só quem mora perto que frequenta a roda e choro de Laranjeiras. Karina Borges, 30 anos, oftalmologista, moradora do bairro da Abolição, Zona Norte do Rio, não abre mão de cruzar a cidade para prestigiar os músicos, religiosamente, todos os sábados. “Comigo é assim, se tiver música boa, estou indo. Sou amante do choro e é realmente muito difícil ver uma roda com essa qualidade. Adoro eles. Já venho nessa roda faz um tempão, já virou um vício”, destaca Karina, que também é percussionista. E a roda de choro da feira, sem que saiba, tranformou uma vida - quiçá outras que não sabemos ainda. Quem nos relata esse fato é a francesa Aurélie Tyzsblat, que na sua primeira visita ao Rio de Janeiro, em 2005, teve seu primeiro contato com o universo que decidiu integrar. “Era um sábado. Dia da roda de choro da praça General Glicério. Acho que ouvi a flauta primeiro, logo depois o pandeiro. Os meus amigos já estavam familiarizados com esse ambiente. Eu, ao contrário, descobri tudo... A luz através das folhas acompanhando cada solista, o movimento do barman fazendo caipirinhas com frutas ao ritmo do cavaquinho, os passos dos transeuntes seguindo o sete cordas. Também lembro de uma onda de alegria contagiante. Do prazer de criar música juntos, sem compromisso. Na época, eu não
Grupo Choro na Feira.
tocava nada, nem falava português direito. Mas a linguagem daquela música me tocou tanto que, sem dúvida, aquela tarde foi mais um motivo para eu mergulhar nessa cultura musical. E hoje, o meu diadia agradece muito.” Luiz Mandarino é comerciante, tem uma barraca na feira que vende CDs e DVDs de choro desde o início da roda, presenciando assim toda a evolução do evento. Mandarino garante toda a pluralidade cultural que existe no evento “O público é muito eclético, sai de casa aos sábados de todo o Rio de Janeiro para ouvir a roda de choro. A roda de choro já virou uma extensão da feira e vice-versa. A feira também é de uma variedade incrível”, explica Luiz, que já viu diversos nomes do choro dar uma canja no evento e ressalta que só existe um motivo que faz o som parar, ou nem começar: “Chovendo não tem programação, fora isto o espetáculo é garantido. Todo carioca pode vir curtir que além da qualidade do som é um evento muito legal e prazeroso. Vale muito a pena não só para o amante do choro”, garante Luiz. “Vem que está barato, freguesa” poderia dizer algum feirante. Mas ele estaria um pouco equivocado. Melhor seria se gritasse: “Vem que o choro é de qualidade, freguesa e está de graça! E não é xepa”. Choro Carioca
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Diversas formas de arte que se notabilizaram por características conceituais e estéticas próprias encontram durante seu processo de evolução o desconfortável desafio de se manter apegadas ao passado ou a um futuro que não compreendem bem. Essa dicotomia também está presente no cotidiano do choro e de seus praticantes, e a revista Choro Carioca resolveu mergulhar nesse assunto.
Choro:
Tradição ou Vanguarda? REDAÇÃO
Nascido em meados do século XIX, o choro teve uma vida deveras produtiva até os anos 1950. Depois desse largo período de ouro, o gênero passou a ficar imprensado em guetos, botecos de subúrbios e casas de antigos chorões. Para piorar, as lembranças dos tempos áureos pareciam estar indo embora com as mortes de gênios como Jacob e Pixinguinha. O passado clássico estava ficando para trás e o futuro com novidades era incerto. Entretanto, os anos 1970 chegaram como uma luz no fim do túnel. Nessa década, alguns grandes eventos foram realizados e o choro voltou a ter um local sob os holofotes da música brasileira. Destaque para o sarau que aconteceu no Teatro da Lagoa, em 1973, organizado por Paulinho da Viola e pelo jornalista, compositor e pesquisador Sergio Cabral. A partir dessa revitalizada os grandes chorões que ainda estavam em atividade (mas que por conta do pouco espaço no mercado tiveram que migrar para outros gêneros) voltaram com tudo. Além disso, esses ares trouxeram novos músicos e grupos com sede de novidade. Nesse período dos anos 70, os grandes meios de comunicação passaram a veicular em suas grades de programação festivais e programas ligados ao choro, causando assim um encontro entre a antiga e a nova produção musical do gênero. Surge então uma grande questão, que cerca o choro desde os dias de Pixinguinha até atualmente. O ideal é preservar as tradições ou arriscar e se aventurar na vanguarda? Aproveitar a visibilidade que o gênero recuperou e manter o antigo ou usar essa evidência para mostrar o novo? 10 Choro Carioca
O livro “Chorando na Garoa”, de José de Almeida, nos oferece alguns elementos a respeito dessa questão, relembrando as discussões que ocorreram quando Pixinguinha e sua turma deram toques jazzisticos às suas apresentações e isto despertou a reação de Cruz Cordeiro, um importante crítico à época. Na revista Phonoarte, Cordeiro disse “Parece que o nosso popular compositor anda muito influenciado pelo ritmo e pela melodia da música de jazz. É o que temos notado desde há muito tempo, mais de uma vez. Nesse seu choro, cuja introdução é um verdadeiro fox-trot, apresenta em seu decorrer combinações da música popular yankee. Não nos agradou.” Outras reações anti-vanguarda fizeram parte da história do choro, o musicólogo Mozart Araújo sequer aceitava discussões sobre inovações no choro. Ficaram conhecidas, também, as discussões entre dois paulistas, o pesquisador José Ramos Tinhorão e o maestro Lindolpho Gaya, nos
festivais de choro em meados dos anos 1970. Tinhorão criticava o “excesso de elementos externos/estrangeiros” envolvidos em um “choro de vanguarda”, chegando a afirmar: “Quem quiser algo diferente que crie o Festival de Choro de Vanguarda para gênios da alta classe média.”, enquanto Gaya dizia que era um perigo as posturas radicais porque poderiam condenar o choro dos jovens a uma reprodução, a cópias de Jacob ou Pixinguinha. Em alguns festivais, algumas polêmicas foram acesas. No livro “Choro – do Quintal ao Municipal”, o cavaquinhista, compositor e arranjador Henrique Cazes relata que presenciou em alguns desses festivais jovens grupos que somaram suas referencias e influencias de, por exemplo, Beatles ao choro e perderam para chorões tradicionalistas, mesmo que, de acordo com a análise do autor, as canções apresentadas pelos primeiros fossem tecnicamente melhores que as dos segundos. Cazes pontua que essas derrotas iam na contramão de uma das principais ideias do choro: a intensa criatividade. Segundo o autor: “É hora de se aproveitar o interesse dos modernos meios de comunicação e estabelecer as bases fundamentais do choro, não como uma peça estática de museu, mas como uma grande força na defesa da expressão brasileira viva. É importante lembrar que o choro traz consigo o mesmo elemento que permitiu ao jazz atingir seu grande desenvolvimento: a improvisação. Esta é sua grande força”. O cavaquinhista completa seu raciocínio dizendo que as novas gerações devem receber nossa música, que é um patrimônio, e ter o direito de enriquecer o que já foi feito. Henrique ainda lembra que no II Festival Nacional do Choro – Carinhoso, realizado em 1978 pela TV Bandeirantes, mais lenha foi jogada nessa fogueira: o evento foi vencido pelo veterano K-Ximbinho, deixando fora das finais choros novos e, de acordo com a critica da época, melhores, como “Soluçando” de Lauro Henrique Alves Pinto e “Homenagem a Pixinguinha”, composto por Moacyr Cardoso.
Mais recentemente, sobretudo nos anos 1990, que no campo da música brasileira foram marcados por misturas regionais a ritmos estrangeiros, caso do Mangue Beat, que mesclou maracatu, música eletrônica e rock, surgiram mais novidades envolvendo o choro. Entre elas está o Pagode Jazz Sardinha’s Club, grupo que nasceu em 1997, no Rio de Janeiro e joga no mesmo “balaio” choro, jazz, funk, samba, jongo e outras viagens. A POPULARIZAÇÃO E A EVOLUÇÃO DO JAZZ Muito comparado ao choro, principalmente devido a improvisação que os gêneros carregam como marca, o jazz é extremamente tocado no mundo todo. Todas as vertentes do gênero norte-americano se espalham pelo mundo. Muitos pesquisadores musicais atribuem essa popularização do jazz ao fato de o gênero ter se ramificado com mais facilidade. Com isso, se espalhou como fogo em palha seca. No entanto, esses novos estilos de jazz também sofreram represálias de tradicionalistas, principalmente o Cool e o Had Bop, inovações criadas em meados dos anos 1950. Outro ponto destacado por historiados de música é que o jazz sempre foi muito utilizado como trilha sonora de filmes estadunidenses. Como as produções cinematográficas dos Estados Unidos são vistas no mundo todo, o gênero pegou carona nesse sucesso. A influência cultural ianque sobre o resto do mundo, praticada com intensidade por muitos anos, também colabora para que o jazz seja tocado em qualquer local do planeta. O fato de ter muitos artistas populares tocando o jazz cantado também ajuda e sempre ajudou na popularização do gênero. O choro segue vivo sem se arranhar nesse debate, abraçando o tradicional e o inovador. Entretanto, o questionamento é sempre válido e a discussão constante e antiga. Considerando uma ação em prol da popularização do gênero, o que seria melhor: preservar e se manter no terreno seguro das tradições ou avançar pelos caminhos incertos da vanguarda? Sem a preocupação de darmos um ponto final à questão e buscando colocar um tempero nessa saudável discussão, a revista Choro Carioca foi ao encontro de alguns músicos ligados ao choro para ouviu a opinião deles sobre esse assunto opinião essa que compartilhamos, a seguir, com nossos leitores. Choro Carioca
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“O choro adquiriu nos tempos atuais um sentido mais amplo, de música instrumental, mas que se mistura com outros gêneros, adquire novos sotaques, Além dos sabores regionais, o choro assimilou dissonâncias, ‘modalismos’, compassos alternados, sonoridades que exprimem as sensações vividas pelo músico de hoje. O choro clássico é o fundamento, a ‘carta do velho’, como o chamamos carinhosamente, a mensagem que o velho nos ensina e que recebemos e tocamos com alegria e alguma liberdade. E essas cartas têm tanta sabedoria, tanto ensinamento, e elas mesmas tanta modernidade em relação ao tempo delas, que se você as lê em profundidade aprende também a traçar outros caminhos. Choro de vanguarda, choro que está à frente de seu tempo, acho esse rótulo um pouco confuso e pedante, sempre relativo ao conhecimento de quem o está rotulando. Fazer choro com elementos inovadores, nunca usados antes, um choro experimental, é mais plausível. Ainda assim o gênio inovador pode ser questionado por outro gênio que, trancado em seu laboratório, já usara os mesmos ingredientes em outro choro anterior.” Ignez Perdigão
“Acho que isso não tem a menor importância. O choro tem uma postura clássica, e, portanto, atemporal.” Yamandú Costa “Não vejo problemas na mistura dessas escolas (vanguarda e tradição), pelo contrário, a música instrumental brasileira só tem a ganhar com isso.” Domingos Teixeira
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“O samba é muito mais popular que o choro por ser uma música cantada. As pessoas participam. O choro, por ser instrumental, fica mais restrito. No entanto, de certa maneira o choro está presente na MPB. Tom Jobim fez canções de choro. Músicas que muita gente acha que é bossa nova. É uma grande dúvida essa coisa de o choro não ser mais disseminado. Gostaria de perguntar isso pra isso os diretores de marketing norte-americanos, eles conseguem vender uma imagem de todos os estilos do jazz. Acho que nós precisamos fazer algo para intervir e fazer isso com o choro aqui no Brasil. Quando o Estado interviu, décadas atrás, com ações através da Rádio Nacional, por exemplo, músicas como o choro tocavam nas rádios. Talvez trazendo o choro para o mercado, a coisa mude de figura. Não falo só do choro. A música brasileira mais elaborada, de modo geral, sofre com isso. Falo da cultura. Não de entretenimento. Cultura tem a ver com educação. Absorvendo mais cultura, as pessoas recebem mais conteúdo estético.” Marcello Gonçalves “Acho que o problema não é essa questão da modernização. Há uma questão maior e mais geral, me arrisco ate a dizer que é global, que faz a música instrumental ter sempre menos audiência que a música cantada nos últimos 20 anos. Acho, no entanto que qualquer estilo para se manter vivo tem que se transformar, trocar de alguma forma com seu tempo musical, incorporar novos elementos do discurso musical. Se você olhar, o Pixinguinha foi contemporâneo para sua época, ele misturou estilos vivos, populares, nacionais e internacionais em sua música. O mesmo aconteceu com Nazareth e Garoto. Na arte sempre haverão os criadores e os que querem defender uma preservação em nome de uma pureza. Essa tensão é benéfica para nossa música, pois há o movimento na direção da quebra de paradigmas e o movimento na manutenção da tradição. Essa dialética é positiva. Identidade não deve ser entendida como um conceito engessado, mas sim vivo e mutante. Para se tornar mais popular, antes de qualquer coisa, o choro tem que ser tocado nas rádios, ser exibido nos programas de TVs. Há que se dar acesso para aqueles que não conhecem. Outra cosia importante é a formação de plateias, para isso o ensino musical nas escolas será um grande passo. Um ensino que de acesso aos jovens ouvirem a diversidade da produção musical, de música erudita a música do popular instrumental ao cantado. Enfim só pode significar arte quem teve acesso e contato com ela. O trabalho da Escola Portátil é muito positivo para tal. Há também que haver gasto público colocando choro de graça nas praças. Isso antes era comum, depois do Ipojuca Pontes (ministro de cultura do governo Collor) só com patrocínio, cultura ficou associada a marketing, muito melhor se fosse associada a educação. O setor público renunciou a fazer política cultural. Tempos neoliberais.” Rodrigo Lessa
“A questão da tradição versus vanguarda é problemática quando se pretende excluir um em detrimento do outro. Os tradicionalistas, que afirmam que as vanguardas descaracterizam o choro, e prefeririam que elas não existissem, estão propondo a morte do gênero. O que hoje é tradição, um dia foi vanguarda. De outro lado, aqueles que consideram obsoletos os modos tradicionais de fazer o choro estão negando sua própria essência. Uma boa imagem para essa questão seria uma árvore: a tradição é representada pela sua base, pelos troncos mais grossos, que são duros, firmes e centrais, e as vanguardas são os galhos, quanto mais distantes do tronco, mais finos e frágeis, porém mais ousados e, quando dão flores, mais belos. Então, a inovação é arriscada, cheia de incertezas, sujeita às intempéries, ao vento, ao sol e à chuva. Mas esses riscos devem ser encarados, senão a árvore não terá folhas (não poderá respirar nem crescer), não dará flores nem frutos. Com o tempo, alguns daqueles galhinhos da vanguarda, outrora finos e frágeis, vão se firmando, tornando-se mais grossos, até que um dia serão, finalmente, parte da base da árvore. Outros galhinhos, por demais frágeis, perecerão. Ou seja, algumas vanguardas seguirão adiante, renovando o gênero, outras, não. Esse é o risco. Não faz sentido falar de uma árvore sem tronco nem raiz, ou seja, vanguardas de uma tradição inexistente. Por isso, é preciso que a tradição esteja viva e firme. De outro lado, uma árvore sem folhas e frutos também não terá vida longa. E existe uma seiva, que sai debaixo do barro do chão, e passa por todos os elementos da árvore, seguindo da tradição até a última vanguarda. Ela é, de fato, o que mantém o gênero vivo. Então, ainda que você esteja lá em cima, no topo da vanguarda, existe uma ligação vital entre você e aquela raiz lá embaixo. Ou seja, a tradição precisa estar muito viva para você estar lá no alto. Por isso, é impossível a existência de um sem o outro. Uma ação para popularizar o choro precisa da árvore inteira, com todas as suas partes vivas e conectadas.” Gabriela Tunes
“Sou a favor de experiências, uma vez que a cultura é um fenômeno vivo, que expressa a dinâmica da sociedade. Não dá para fechá-la numa redoma e cristalizá-la, tornando-a uma peça museológica. O fundamental é manter sempre, como chave, uma ‘alma brasileira’ na concepção da música. Waldir Azevedo, Paulo Moura ou Hermeto Paschoal apontam para isso, cada um a seu modo ‘verde-amarelo’. Todos foram criticados, mas contribuíram com sua arte para o choro. Todos fizeram choro em suas carreiras e, insisto, a seu modo. Severino Araújo não fez choro com a Tabajara? Para muitos é só jazz. Bobagem. “Santa Morena” de Jacob, não é choro? Ainda é possível se questionar os baiões de Waldir Azevedo numa roda de choro? O choro frevado de Jacaré? Ou as estruturas musicais de Garoto? É exatamente essa ‘liberdade com responsabilidade’ que permite a oxigenação artística. Por isso temos hoje o choro avançando com gente como o maestro Proveta, o pessoal do 4 a 0, o Yamandu ou o Hamilton de Holanda. Isso faz o choro viver e trazer consigo os temperos brasileiros, pais continental e variada cultura.” José de Almeida Amaral Jr. “Choro não é uma música mainstream, e ficará difícil o tornar mainstream, nem deveria. Mas acho que choro vai continuar conseguindo no. vos amigos e apreciadores se os jovens músicos continuam se dedicando ao gênero e se houver mais divulgação. A revista choro Carioca faz parte desse processo.” Mika Kaurismaki “A gente sempre tenta equilibrar os dois lados. Sem esse extremismo. Nesse projeto que estamos gravando (produção da Acari Records com jovens chorões) são compositores novos. Mas em outros trabalhos, a gente toca Pixinguinha. Sempre tentamos respeitar essa coisa do tradicionalismo, mas sem perder a questão da inovação.” Pedro Aragão
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Embaixador do Choro RICARDO DA FONSECA
Quando se fala em instrumentista versátil e requisitado pelos mais importantes músicos do país, o brasiliense Hamilton de Holanda é “o cara”. Tendo a felicidade de crescer em um ambiente musical, ele se seduziu pela arte da música e mergulhou fundo, dedicando-se aos estudos teóricos e à prática do instrumento que se tornou um cúmplice indispensável - o bandolim. Portador de uma técnica apurada e um swing característico, além de entreter e levar arte aos mais variados cantos do mundo, Hamilton é um dos principais promotores do choro no Brasil e no exterior.
profissional e educacional há bastante tempo, através do Clube do Choro e da Escola do Choro. O Rio de Janeiro é o berço, então sempre será um ótimo lugar, apesar da concorrência de outros gêneros. E Paris, o cara sabendo trabalhar, pode ser melhor do que as duas juntas. A França, como país, te dá mais condições sociais de trabalho e o público em geral adora música brasileira. Sabendo disso, vem as características de clima, de moradia, de outras coisas também muito importantes na vida de uma pessoa, por isso que digo que o melhor lugar é aquele que você escolher. E tem mais, a partir de escolhida a cidade, o mundo é a nossa casa, como trabalho, penso CC — Você morou na França e hoje sempre no Brasil e no mundo. vive no Brasil. Qual o melhor lugar para se viver de choro? E como CC — Você é bacharel em composiclassificaria as características e pe- ção pela UnB. Hoje, depois de toda culiaridades do Choro tocado nes- a sua vivência no mercado da música e do choro, considera de muita ses países que morou? Hamilton de Holanda — Na ver- importância que jovens músicos indade eu já morei em Brasília, em vistam seu tempo em uma prepaParis e hoje moro no Rio. Acho ração acadêmica ou dá para levar que o melhor lugar para se viver a profissão aprendendo na prática de choro é aquele que você es- do dia a dia? colher. Talvez Brasília tenha uma Hamilton de Holanda — Essa pervantagem por ter um movimento gunta é quase uma provocação, Choro Carioca — Você começou a carreira muito cedo. Desde quando o choro entrou na sua vida? Hamilton de Holanda — Desde sempre. Quando nasci, meu pai já tocava violão. Nessa época o que ele mais tocava era Bossa Nova, mas o Choro já estava por perto também. O envolvimento definitivo foi em Brasília, quando eu tinha cinco anos. Nessa época, os amigos de música de meu pai eram do Clube do Choro e, naturalmente, a partir do momento que começamos a tocar (eu com 5 anos e meu irmão Fernando César com 11), já participávamos das rodas de Sábado à tarde no Clube do Choro de Brasília.
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muito boa. É claro que o músico (ou o ser humano) que consegue ter tempo para estudar, sempre pode estar mais preparado para as situações profissionais durante a vida. Acho de extrema importância termos tempo para a preparação acadêmica e mesmo depois de terminada, continuar estudando, em busca de aperfeiçoamento musical e profissional. O autodidatismo só funciona para os grandes gênios, que mesmo assim, encontram uma maneira de estar sempre em evolução. Acho que o jeitinho brasileiro só dá certo se você também tiver uma base de estudo como sustentação, daí nossa improvisação é infalível. CC — Apesar de ter um histórico profissional semelhante a diversos outros músicos brasileiros, inclusive no que se refere à formação profissional e acadêmica, você passou a ser um artista muito valorizado e requisitado, inclusive para gravações e participação de shows de muitos músicos de grande repercussão. Você saberia pontuar em que momento você deixou de ser mais um bom (ou excelente) músico e instrumentista graduado e com formação musical “desde o berço”
para se tornar o que é hoje, em termos de repercussão e produção artística? Como isso ocorreu? Hamilton de Holanda — Eu não sei te dizer exatamente quando foi essa ‘virada’ como você afirma porque sempre tive contato com grandes músicos. Mas, com certeza, a parceria artística com meu produtor Marcos Portinari foi fundamental para essa abertura de mercado.
cional. Me sinto um embaixador da Música do Brasil e como sou nato no Choro, ele também é divulgado e degustado no exterior. CC — Sob a perspectiva de alguém com uma grande vivência profissional o que deve ser feito para que o Choro, um estilo musical brasileiríssimo, se torne mais acessível e popular ao músico e público brasilei-
ro e estrangeiro? Você vê alguma CC — Essa sua entrada no “mains- iniciativa que “transnacionalize” a tream” musical, tocando com artis- prática do choro? tas de grande popularidade (Zélia Hamilton de Holanda — Acho que Duncan, Beth Carvalho, etc.) gerou a principal é se deixar misturar. algum resultado positivo para a Não sou a favor do oba-oba despromoção do choro? Quais? medido, mas durante muito tempo Hamilton de Holanda — Um deles o gênero se isolou. O Choro tem é que a imprensa sempre quando que se comunicar mais com o Jazz, fala em mim, fala no gênero. São por exemplo. São gêneros irmãos, centenas de citações - existe uma que nasceram em países diferentes valorização do gênero. Acho tam- e, creio eu, a partir da Bossa Nova, bém que os jovens se inspiram a se distanciaram. Acrescentaria tocar um instrumento do choro, aos conjuntos regionais tradicioou mesmo músicos de outros gê- nais um baixo acústico. Acho que neros colocam em seu repertório essa mudança traria um impacto músicas de Pixinguinha, Jacob, positivo, parece pouco, mais em etc, inspirados no meu trabalho. termos de sonoridade, colocaria o Sem falar na valorização interna- Choro mais perto do público em
geral. Poderia falar mais uma porção de ações internacionais, como por exemplo o disco Mundo de Pixinguinha. Acho que não tem nada mais efetivo para a “transnacionalização” do Choro do que músicos estrangeiros curtirem e tocarem nossa música, como já fazem com Tom Jobim, por exemplo.
CC — A revista “Choro Carioca” integra outras ações que visam promover com regularidade o Choro tanto para artistas quanto para público, inclusive internacionalmente. Em 2015 lançaremos a versão em inglês e em francês do livro “A Estrutura do Choro”, de Carlos Almada. Qual a sua avaliação dessa iniciativa - de criar uma revista focada exclusivamente em choro? Hamilton de Holanda — Eu acho fantástico, vocês estão de parabéns. Espero que a Revista tenha vida longa e que possa efetivamente ajudar na divulgação do nosso Choro, para especialistas, mas, principalmente, para o público em geral e para o mundo. Choro Carioca
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Sob o comando de mestres do choro, a Escola Portátil de Música vem formando excelentes artistas desde 2000, usando como método os melhores ensinamentos que o maior gênero musical instrumental do Brasil pode passar.
Escola Portátil de Música FELIPE LUCENA
No terraço de uma típica casa de subúrbio – território onde o choro nasceu – encontra-se o estúdio da Acari Records, gravadora que trabalha com veemência a execução e divulgação de uns dos gêneros musicais mais brasileiros: o choro. No caminho para o espaço de gravações e mixagens nota-se garrafas de bebidas alcoólicas vazias, a maioria delas bem antigas. A reportagem da Choro Carioca é recebida pelo bandolinista Pedro Aragão, dos grupos Los Cuatro e Terno Carioca, e por um simpático e sincero sorriso. O brinde com água gelada para afogar o sol da zona norte da cidade do Rio de Janeiro estala o copo americano, comum nos botecos cariocas. A parede que guarda o estúdio é vestida com quadros de baluartes da nossa música, como Ernesto Nazareth e Pixinguinha. Um curso de história do choro que durou alguns minutos.
o ritmo e o “Respeitamos aprendizado de cada aluno. Temos músicos de diversos níveis nas nossas aulas.
”
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Dentro do estúdio, na sala de mixagem, está o renomado violonista Mauricio Carrilho, um dos criadores da Acari Records e da Escola Portátil de Música. De lá, ele acompanha a gravação de quatro músicos de sopro. Em meio a um agradabilíssimo embalo, Mauricio pede para parar a gravação e aponta uma nota errada. Os excelentes artistas reconhecem o toque do professor e retomam o ritmo do trabalho, desta vez de forma ainda mais correta e exuberante. Entre os quatro músicos está o trompetista Aquiles Moraes, que estudou na Escola Portátil de Música e hoje é um dos mais importantes nomes do país nesse instrumento. O jovem de aparência tranquila e concentrada - que foi um dos fundadores do grupo Os Matutos - já tocou com grandes nomes da MPB, como Maria Bethânia e Chico Buarque. A Escola Portátil de Música foi criada no ano 2000 pela dupla de respeitados chorões Mauricio Carrilho e Luciana Rabello – cavaquinhista, compositora e produtora. O projeto, que começou com cerca de 50 alunos na Sala Funarte, passou para perto de 100 na UFRJ. Logo em seguida, já trabalhando em um casarão no bairro da Glória, o número de interessados mais que triplicou. Atualmente, utilizando as dependências do campus da UniRio na Urca, são mais de 1.100 alunos. Trabalhando com uma formação musical completa - teórica e prática -, a Escola Portátil de Música dá ao aluno formado a possibilidade de atuar dentro de qualquer
gênero musical, não apenas no choro. Os cursos oferecidos são: flauta, clarinete, saxofone, trompete, trombone, tuba, bombardino, contrabaixo, violão, cavaquinho, bandolim, pandeiro, percussão, piano, acordeom e canto - além das aulas de apreciação musical, teoria musical, harmonia e prática de conjunto. Pedro Aragão, que entrou para o projeto em 2001 e é atualmente um dos coordenadores da EPM, ao lado de Carrilho e Rabello, garante que o espaço está de braços abertos para receber qualquer tipo de aluno, dando o máximo de condições possíveis para que ele ingresse e permaneça na Escola: “Cobramos uma taxa semestral, mas têm alunos que não podem pagar, então, nós oferecemos algumas bolsas. Além disso, respeitamos o ritmo e o aprendizado de cada aluno. Temos músicos de diversos níveis nas nossas aulas. Todos trabalhando e aprendendo juntos” afirma o bandolinista.
Nesses quase 15 anos trabalhando nos projetos da Escola Portátil, Pedro se perde em memórias quando questionado sobre o momento mais marcante desde então. Depois de parar e pensar um pouco, ele fala e solta: “Os festivais que fizemos fora do Rio de Janeiro e no exterior foram bem legais. Vejo uma aceitação grande em relação ao choro fora do país. Ainda que seja algo mais ‘guetificado’, na maioria dos lugares do mundo sempre tem algum público para ouvir os chorões tocar. Um aluno nosso foi morar na Holanda, organizamos um evento por lá e foi um sucesso” pontua. Como se supõe, os alunos que frequentam as aulas da Escola Portátil não seguem padrões. Há os que querem levar uma carreira profissional para o resto da vida e existem os que simplesmente desejam trazer os ensinamentos como uma diversão a mais para levar melhor o dia-dia. É o caso de Paulo Senise, diretor do Rio Convention & Visitors Bureau, cuja mú-
O aprendizado da EPM não silencia nas salas. As aulas acontecem todos os sábados de 8h30 às 12h30. Aí então começa o show do bandão: um ensaio a céu aberto, no pátio da UniRio, que conta com alunos e professores interpretando sucessos antigos e novas composições. Pedro garante que o provável maior regional do mundo já virou atração turística. “Muitas pessoas vêm para assistir essas apresentações. É muito legal, todo aquele clima de comunhão, confraternização, que tem tudo a ver com o choro. Sem contar que é uma grande forma de aperfeiçoar o que se aprende nas salas de aula. Acabando as aulas, o bandão está lá tocando e todo o tipo de pessoas assistindo”, declara.
sica está presente em sua vida desde criança, por conta do pai, que era cantor, fã de choro e seresta. Os primeiros acordes no violão foram ensinados por um compadre do pai. Anos depois, no Rio de Janeiro, longe da terra natal (interior do Paraná), através de uma amizade com João Nogueira, Senise chegou a ter aulas com Jorge Simas. E não parou mais. “As aulas alimentam esse meu hobby, me fornecem material de qualidade, acrescentam muita informação. As aulas de acompanhamento de samba com Pedro Amorim, Celsinho, Luis e outros, a apreciação musical com a Luciana Rabello são de conteúdo maraChoro Carioca
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vilhoso, nos motivam a pesquisar e tornam o nosso sábado um dia ainda mais agradável. Além de pautar a lição de casa, acrescentando tudo aquilo que a boa música proporciona”, declara sorrindo. Definitivamente, os ensinamentos da EPM não silenciam nas salas de aula: Pedro Aragão e Mauricio Carrilho estão à frente de um projeto que conta com a presença de muitos alunos da Portátil. Trata-se da gravação de diversas canções de chorões da nova geração, por isso a dupla esteve concentrada no estúdio da Acari Records para essa mais nova missão. Além do bandão, a Escola Portátil promove uma roda de choro permanente que acontece no pátio da UniRio, também aos sábados. Começa às 9h30 e segue até o final da manhã, terminando antes do bandão começar. Qualquer aluno, de qualquer instrumento, que não estiver tendo aula naquele horário, pode chegar e tocar, nem que seja uma nota por canção. Existe também o Núcleo Móvel da Escola Portátil de Música, que atualmente realiza rodas de choro mensais em comunidades carentes do Rio de Janeiro. Recentemente, Rocinha e Manguinhos foram contempladas com essa ilustre e qualificada presença. As rodas são abertas para qualquer pessoa que chegar com seu instrumento musical. A ideia é através dessa convivência livre e sem restrições promover mais aprendizado. Ou ensinamentos. Os interessados em inscrever-se nos cursos da EPM, devem acessar a URL www.escolaportatil.com.br.
Escola Portátil de Música UniRio. Avenida Pasteur, 296 Urca, Rio de Janeiro
Teoria Musical: Marcilio Lopes, Bia Paes Leme, Ignez Perdigão, Samba Novo e Mauricio Carrilho
Coordenação: Mauricio Carrilho, Pedro Aragão Acompanhamento de Samba: eLuciana Rabello Luciana Rabello, Pedro Amorim, Celsinho Silva e Luiz Flávio AlMestres-Oficineiros cofra Violão: Mauricio Carrilho, Paulo Aragão, Anna Paes, Lucas Porto, Luiz Fla- Apreciação Musical: vio Alcofra, Marlon Júlio, Glauber Luciana Rabello Seixas, João Camarero e Iuri Bittar Piano: Cristóvão Bastos e Evelyne GarCavaquinho: Luciana Rabello, Jayme Vignoli, cia Ana Rabello e Lucas Souza Contrabaixo: Jorge Oscar Bandolim: Pedro Amorim e Maycon Júlio Trombone, Tuba e Bombardino: Thiago Osório Flauta: Naomi Kumamoto, Antonio Rocha Bateria: e Maria Souto Oscar Bolão Saxofone: Percussão: Rui Alvim Marcus Thadeu e Magno Júlio Clarinete: Canto: Pedro Paes Amelia Rabello e Ilessi Souza Pandeiro: Celsinho Silva, Jorginho do Pan- Canto-Coral: Ignez Perdigão deiro e Eduardo Silva
Bandão da EPM no pátio da UniRio
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CHORO BALANÇA MAS NÃO SAI DO RUMO NA LOCOMOTIVA DO BRASIL Cidade brasileira com maior poder econômico, São Paulo, sofre com a falta de investimentos no choro. Porém, isso não é problema para que uma cena musical de muita qualidade resista na capital paulista. FELIPE LUCENA
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Conhecida como a “Locomotiva do Brasil” por ser a no começo do século XX. Tem o Armandinho Neves, cidade brasileira com maior poder econômico, São que foi um compositor extraordinário e liderou o Paulo deixa a desejar, principalmente na falta de in- regional mais importante do início do rádio em São vestimentos, quando o assunto é o gênero musical Paulo que se chamava ‘Regional do Armandinho Neurbano mais antigo do nosso país. Entretanto, com ves’. Além desses teve Laurindo de Almeida, que fez esforço e talento de algumas pessoas, o choro, ainda carreira nos Estados Unidos, tocou em Hollywood e que em baixa velocidade e com pouco carregamento, é um dos poucos músicos brasileiros citados na encisegue firme nos trilhos da maior metrópole da Amé- clopédia do jazz. Gente mais recente como Toquinho, Paulinho Nogueira. Garoto e Zezinho do Banjo são rica do Sul. O choro no estado de São Paulo começou em 1876. músicos de violão, apesar de tocarem outros instruExistem documentos que mostram que o gênero já mentos. O Garoto, que nasceu na capital paulista, é era tocado nesse período em Santos, cidade portuá- um cara fundamental para a música brasileira. De ria que recebia pessoas de muitos lugares diferentes. acordo com alguns pesquisadores, nas composições dele são encontrados os traços iniciais da bossa Devido à proximidade e os constates contatos comerciais com a cidade de São Paulo não demorou muito para que essa musicalidade chegasse a todo vapor também na capital do estado, acontecimento que sem mais delongas rendeu grandes resultados, como conta José de Almeida Amaral Júnior, autor do livro ‘Chorando na Garoa - Memórias Musicais de São Paulo’: “São Paulo tem a tradição da seresta. O choro e a seresta estão muito próximos. Essa formação clássica - flauta, cavaquinho e violão - era muito comum entre os estudantes no Largo do São Francisco, onde tem a faculdade de direto, no Roda do Izaías no Estúdio do Silvinho, com a presença de (da esquerda para a direita): Barão do Pandeiro, Getulio Ribeiro, Israel Bueno de Almeida, Izaías Bueno de Almeida, Marcos Bailão e Ailton Reiner. centro da cidade. O registro da palavra choro no nova. E o Zezinho do Banjo virou o Zé Carioca, que estado de São Paulo surgiu seis anos depois da data fez a voz do personagem da Disney. Esses músicos e simbólica do Rio de Janeiro, que é 1870. O choro se outros marcam esse fato da força do violão no choro disseminou muito facilmente na cidade. Em 1917, de São Paulo que acabou deixado esse instrumenZequinha de Abreu compôs aqui em São Paulo um to ainda mais popular e fundamental para a música dos choros mais famosos de todos os tempos: ‘Ticofeita em todo o Brasil”. Tico no Fubá’”. José de Almeida Amaral Júnior destaca também ou- Outro instrumento que deu o tom no início do chotro fator histórico para a linguagem do choro pau- ro em São Paulo foi o acordeom. A presença de múlista e de um dos instrumentos mais tocados no Bra- sicos tocando esse instrumento em rodas de choro sil: “Quando você volta no tempo percebe que há na capital paulista era constante, sobretudo pela muitos instrumentistas de violão que marcaram a influencia italiana. Entre esses artistas está José forma de fazer música no nosso país. Por exemplo, Rieli, considerado um dos pioneiros nessa prática o Canhoto, o Américo Jacomino, que era um virtu- que acabou perdendo força conforme os regionais ose que não aprendeu por música, aprendeu ouvin- mais tradicionais foram ganhando espaço nas rádo outros músicos. E ele virou um concertista, isso dios do Brasil. 24 Choro Carioca
Aos poucos, com o domínio da música com voz nas rádios do país, artistas de choro passaram a acompanhar cantores como Francisco Alves, Silvio Caldas e outros. O que enfraqueceu o gênero musical em todo o Brasil. Apesar disso muitos músicos de choro, principalmente do Rio de Janeiro, vieram para São Paulo na intenção de conseguir ganhar a vida, o que acabou, de uma certa maneira, sendo um novo elemento de influência no choro tocado em São Paulo. O tempo - que é um trem sem freio - foi passando e ainda passa. O choro perdeu força em São Paulo e no restante do país. Todavia, em meados dos anos 1970 o gênero musical voltou a ter destaque nos grandes meios de comunicação. Um dos principais nomes desse período na cena paulista foi Izaías Bueno de Almeida, o Izaías do Bandolim. Nesse período, ele, ao lado do Conjunto Atlântico que contava com seu irmão Israel Bueno de Almeida, Antonio D’Áuria e outros grandes músicos, tocou em programas de TV como “O Choro das sextas-feiras” e “Alegria do Choro”, ambos na TV Cultura, produzidos por Junior Lerner - que faleceu em 2007 e foi um fundamental nome para a cena chorona de SP. Além disso, o regional Izaías e Seus Chorões acompanhou muitos músicos famosos como Altamiro Carrilho, Paulinho da Viola e Arthur Moreira Lima. Diversas vezes essas apresentações aconteciam na televisão. Aos 77 anos de idade, sempre com o bandolim no colo e boas histórias para contar, Izaías lembra com detalhes o início da carreira: “Posso dizer que foi o bandolim que me escolheu. Tentei tocar flauta, que era o instrumento que meu pai tocava, mas apesar de ter muita musicalidade, eu não fui bem sucedido. Aí ganhei um cavaquinho e fui me encantando. Até que alguém me indicou uma afinação de bandolim, então me apaixonei por aquela sonoridade e não larguei até hoje”. Izaías, que toca bandolim há sessenta anos, tocou ao lado de gente do porte de Jacob do Bandolim, Waldir Azevedo, Pixinguinha, Garoto e outros. Hoje em dia ele é reconhecidamente um dos nomes mais importantes da velha guarda do choro de São Paulo. Ele alerta que a cena de choro na capital paulista sente falta de investimento para que não se perca no caminho: “Têm eventos de choro em São Paulo. O SESC de vez em quando promove uns shows, acontecem algumas rodas pela cidade. Alguns bares dão espaço. Tem gente boa tocando. Mas o sentimento que fica é que falta apoio do governo aqui. Se tivéssemos apoio do governo de São Paulo, nem precisava ser do governo federal, as coisas andariam melhor. Eu tenho mil ideias. Só não tem dinheiro. Se tivéssemos ajuda faríamos um núcleo, uma escola talvez, e as coisas melhorariam para os chorões aqui. Choro não é coisa de velho. Tem muita
Aos poucos, com o domínio da música com voz nas rádios do país, artistas de choro passaram a acompanhar cantores como Francisco Alves, Silvio Caldas e outros. O que enfraqueceu o gênero musical em todo o Brasil. gente nova interessada, mas falta essa organização, esse apoio para que flua melhor. Fui para Buenos Aires recentemente e fiquei impressionado como o governo de lá promove o tango. Falta esse tipo de apoio por aqui” afirma o músico que precisou trabalhar como economista boa parte da vida para poder pagar as contas enquanto tocava choro. Na contra mão dos problemas, o choro nunca deixou de apitar. Em um país continental como o Brasil as diferenças de estilo de uma região para outra são inevitáveis. Barão do Pandeiro, carioca, mas que sempre viveu nessa ponte aérea RJ/SP, explica as especificidades do gênero em São Paulo: “O choro é um gênero que nasceu no Rio de Janeiro, com os chamados grupos de pau e corda, tocando gêneros europeus, até que isso se abrasileirou. No Rio sempre se buscou muito o balanço. São Paulo foi diferente. Aqui temos uma grande influência italiana. Os músicos que começaram a tocar aqui eram operários. Aqui se buscou sempre algo mais com clima de serenata, seresta. Algo mais romântico. O choro em Pernambuco tem a influencia do frevo, por exemplo. São características de cada lugar, não cabe juízo de valor” explica Barão que emenda comentando a atual cena de choro em São Paulo: “Nós temos grandes músicos tocando aqui. O Izaías e o Israel conservam essa tradição do choro mais próximo da seresta. Não existem tantos espaços para tocar como deveria existir, mas temos rodas como a do Estúdio do Silvinho que traz alguns dos maiores nomes atuais do choro de São Paulo, como os irmãos que citei, o Getúlio Ribeiro, que é fantástico tocando cavaquinho e outros. O choro em São Paulo tem lá os seus problemas, falta apoio, como em todo o nosso país, mas contamos com excelentes músicos e isso é fundamental” garante Barão que, entre muitos outros, tocou com artistas como Nelson Cavaquinho. Barão, que se considera acima de tudo um pandeirista de regional que canta, enxerga de outro ponto de vista uma questão que para muita gente é polêmica: “Não vejo separação entre choro e samba. Tem uma Choro Carioca
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história que diz que enquanto se fazia choro na sala, do evento que acontece nas manhãs de todos os sáno quintal estava rolando um partido alto. Os músi- bados: “Nós não temos lucro com essa roda. Ela tem cos de choro acompanhavam os cantores de samba. entrada franca. Quem quiser entrar para tocar ou As pessoas transitavam. Transitam. Você pega sam- ouvir está convidado. Seguimos com essa ideia do bas antigos e nota os arranjos. Não vejo essa dicoto- meu tio por amor a música mesmo. É ótimo porque muita gente que vem comprar instrumentos aqui e mia entre os dois gêneros”. não conhece choro acaba ficando para ouvir e se Se atualmente os espaços para o choro não são su- encanta com esse gênero que merecia ter mais inficientes para o tamanho do vagão que esse gênero vestimento aqui em São Paulo”. musical tem para a música brasileira, em outras épocas isso não era problema. Barão se recorda de uma roda Outra “estação” da capital paulista que qualquer apaixonado por choro não pode deixar de conhecer é a roda realizada na cidade de São Paulo que atraia grandes que acontece no Estúdio do Silvinho, no bairro do Permúsicos de todo o Brasil: “Eu cheguei a ir algumas vezes dizes. O espaço, decorado com fotografias de artistas a uma roda lendária que acontecia na casa do Antonio dos mais diversos gêneros musicais que já gravaram D’Áuria, chefe do conjunto Atlântico, no qual o Izaías por lá, abriga, no segundo andar, Isaias do Bandolim e tocou. Para você ter ideia, o Jacob do Bandolim vinha sua trupe de músicos que chegam para tocar todas as do Rio de Janeiro para São Paulo com regularidade só noites de sexta-feira. Silvio Sampaio Garrido, o Silvipara tocar nessa roda. Era uma roda que conservava o nho, que organiza a roda ao lado de Izaías e conta com espirito clássico de uma roda de choro. As pessoas iam o auxilio do prestativo Lincoln Sobrinho, o Sorriso, (irpara escutar e tocar” lembra o músico. mão de Silvinho), diz que o encontro faz falta quando Sempre com um discurso articulado e frases marcantes por algum motivo não ocorre: “Realizamos isso desde ricas em um humor sagaz, Barão é objetivo quanto à 2007. O espaço fica com as portas abertas para que as questão de se é possível viver de choro: “Eu não tenho pessoas entrem para assistir. É de graça. Quando fazeuma grande esperança de que isso aconteça para mim, mos alguma pausa, como no recesso de fim de ano, um mas acho que com o tempo podemos ter ouvintes mais pessoal sempre cobra para voltarmos logo, afinal não são tantos lugares para se ouvir choro de qualidade na qualificados. Um projeto como o da Escola Portátil, do cidade de São Paulo”. Rio de Janeiro, é maravilhoso. Nem todo mundo que estuda lá vai seguir carreira profissional, mas a maioria Além dessas duas paradas obrigatórias existem mais vai sair de lá como melhores ouvintes. Acredito que locais de choro e integração em São Paulo, como Bar com o tempo possamos ter uma audiência mais atenta, do Alemão, o bar Ó do Borogodó, o Bar do Cidão, a roda na Praça Benedito Calixto e alguns outros. embora quando toquemos em alguns bares pareça que Apesar da falta de combustível financeiro, o choestamos fazendo trilha sonora para digestão de provo- ro da capital paulista segue sem perder o rumo, se lone a milanesa, eu creio que devamos ter com o tempo mantendo firme nos trilhos da Locomotiva do Brasil. melhores ouvintes” opina ele que porta um cordão com Em meio a essa histórica falta de apoio pela qual um pingente que tem a silhueta de João da Baiana. o gênero musical vem passando, o Clube do Choro Em alguns lugares da cidade de São Paulo, dá para de São Paulo foi idealizado pelo prefeito da capital notar ouvintes mais interessados em choro. Um desses paulista, Fernando Haddad, em janeiro deste ano de pontos é a roda da loja de instrumentos Contemporâ- 2015. Ainda em processo de organização, a iniciatinea. O estabelecimento, que fica no bairro da Repú- va, sediada no Teatro Artur Azevedo, na Moca, deve blica, existe há 75 anos. iniciar as atividades para o público, efetivamenSeu Miguel (1932te, neste mês de agosto. 2009), o primeiro dono, Existe também a posera um apaixonado por siblidade de o Clube se rodas de samba e choro tornar uma Política Púe, no local, promoveu blica, fazendo com que históricas reuniões de a proposta não possa ser sambistas e chorões. abandonada após a gesA partir de 1984, o tão de Haddad. Porém espaço ganhou a sala esse projeto de lei preciEvandro do Bandolim, sa ser votado e aprovado onde há 30 anos aconna Câmara dos Vereadotece uma roda de choro res de São Paulo. Vamos organizada por Sérgio ver onde esse “trem” vai Guariglia, sobrinho do parar e torcer para que fundador. Sérgio fala não pare antes mesmo com bastante orgulho Acompanhando a roda de choro da Loja Contemporânea o autor do livro de partir. “Chorando na Garoa”, José de Almeida Amaral Júnior.
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Heitor Villa-Lobos: um Chorão FELIPE LUCENA
Reconhecido como o maior nome da música clássica brasileira, autor de obras primas como o Prelúdio nº 3 e a Bachiana brasileira nº 5 – interpretada por grandes vozes, entre elas pela soprano Bidu Sayão e pela cantora folk Joan Baez –, Villa-Lobos tem uma história significativa no choro, que talvez tenha o influenciado na visão de brasilidade que marca a sua obra erudita.
Nascido no Rio de Janeiro, no dia 5 de março de 1887, Heitor Villa-Lobos é considerado o maior brasileiro na história da música clássica internacional. Um dia após sua morte (17 de novembro de 1959), o compositor foi homenageado no editorial do The New York Times, uma honraria alcançada por poucos filhos dessa pátria amada mãe gentil. Villa-Lobos também é muito respeitado e sua obra apreciada em diversos países do continente europeu – onde estudou e fez apresentações –, principalmente na França. O brasileiro é colocado no mesmo patamar de célebres nomes da música clássica como Igor Stravinsky e Dmitri Shostakovic (Rússia), Béla Bartok (Hungria), Manuel de Falla (Espanha), e Sergei Prokofiev (Ucrânia). Entretanto, apesar do sucesso e do reconhecimento no exterior, o compositor sempre temperou sua obra com Brasil. Inclusive com o mais brasileiro dos ritmos: o choro. Fruto do casamento entre Noêmia Monteiro e Raul Villa-Lobos, Heitor teve contato com a música logo cedo. Seu pai, funcionário da Biblioteca Nacional, era músico amador e ajudou o jovem Villa-Lobos a tocar os primeiros acordes. Raul adaptou uma viola para que Heitor iniciasse seus estudos de violoncelo. Villa-Lobos passou a tocar violoncelo em teatros, cafés e bailes cariocas. Nessa vida artística conheceu chorões e se aproximou do ritmo popular e, de certa forma, erudito. Diversificado, como o Brasil tão bem retratado na obra do maestro. Nesse período, ele chegou a se apresentar na sala de espera do cinema Odeon, na Cinelândia, Centro da Cidade, mesmo ambiente que Ernesto Nazareth desfilava talento. Influenciado por essa onda e fã declarado do conjunto Oito Batutas, posteriormente, iniciando em 1920, 28 Choro Carioca
Heitor compões a celebrada série dos 14 Choros, que para muitos especialistas é um dos trechos mais geniais da obra desse grande compositor brasileiro. Em um aclamado estudo do maestro e compositor Marlos Nobre, os 14 Choros de Villa-Lobos são chamados de uma obra “monumental” devido a sua complexidade e exigência instrumental, invenção, arrojo técnico e liberdade no tratamento orquestral. Opinião compartilhada por muitos especialistas em música. Ainda de acordo com Nobre, a série foi a maior contribuição de Heitor Villa-Lobos à música das Américas do século XX. O regente pernambucano ressaltou o processo de criação contínua adotado por Villa -Lobos, frisando a força da influencia das tradições populares e folclóricas do país. O crítico de arte e biógrafo de Villa-Lobos, Vasco Mariz, afirma que a série dos choros é a contribuição mais importante que Heitor deu para a música moderna, destacando o caráter suburbano do Rio de Janeiro, com seu lirismo irônico extravasado em surdinas e lissandos. Segundo Vasco, o “Choro nº 2” reflete diretamente os ambientes do Rio do início do século XX, enquanto o “Choro nº 4” é talvez o mais característico sob o ponto de vista da forma. No “Choro nº 5”, subtitulado “Alma Brasileira”, introduziram-se combinações rítmicas curiosas que identificam o estilo dos seresteiros. Vasco considera que o “Choro nº 6”, para orquestra, tem muito maior envergadura e, no entender do musicólogo José Maria Neves, representa “uma viagem através da alma de seu povo”. A Orquestra Sinfônica Mundial, com Lorin Mazel, gravou esta obra e o disco
vendeu mais de um milhão de exemplares no exterior. O biografo explica que o “Choro nº 8”, o choro da dança, é o choro do carnaval nos seus múltiplos aspectos e heranças. O “Choro nº 10” tem como tema central o schottisch “Yara”, de Anacleto de Medeiros, que com letra de Catulo da Paixão Cearense passou a ser conhecido com o nome de “Rasga Coração”.
Vasco Mariz encerra sua explanação pontuando que todos os choros da célebre série de Villa-Lobos têm uma peculiar importância e vida própria. A série completa desperta os mais calorosos elogios do biografo. Até em trabalhos teoricamente mais afastados do choro, o compositor carioca não deixou o gênero escapar por completo. Em sua série de bachianas brasileiras há muito do tão citado fraseado do choro. Principalmente na de número 5, conforme destacam Afonso Machado e José Roberto Martins no livro “Na Cadência do Choro”. Outra composição de Villa-Lobos onde o tal fraseado de choro se mostra ao ouvinte é o Preludio nº 2. Em um estudo que analisa os “Cinco Prelúdios” para vio-
lão solo, o compositor e professor de música Fernando Antonio Pacheco , destaca essa questão, quando diz: “no Prelúdio nº 2, Villa resolve homenagear ‘o malandro carioca’, através do choro, onde podemos observar seu projeto poético desenvolvido através do percurso de experimentação de sua experiência no contato com os chorões do Rio de Janeiro”. O pesquisador ainda completa a análise usando termos mais técnicos: “os solos virtuosistas dos chorões, com suas estruturas improvisadas e modulações surpreendentes, somados a boemia do Rio de Janeiro, aparecem em ressonância no Prelúdio nº 2. A simultaneidade dos acordes em blocos harpejados com as campanelas em pedais repetitivos da segunda e primeira cordas soltas (si - mi), correspondem ao esteticismo futurista e aparece como uma textura tônica e ritmicamente complexa, muitas vezes fortemente dissonante”. Algumas curiosidades cercam a criação dessa série. Por exemplo, o Choro nº 2 foi composto em 1924, em Paris, na França. A influência alcançada por conta da proximidade de famosos nomes da música clássica como Debussy, Stravinsky e a saudade do Brasil agiram diretamente para o início dessa construção musical. Outro ponto que vale ser mencionado é que durante o processo de composição da série, Villa-Lobos não respeitou uma ordem cronológica. Ele compunha o choro e às vezes lhe dava um número mais elevado, esperando criar algo intermediário algum tempo depois. Os choros de número 7, 8 e 10 são de 1924 e começo de 1925. Já os 4, 5 e 6 são de meados de 1925. A “Introdução aos Choros” foi escrita em 1929. Além dos 14 choros, outra composição reforça a ideia de que o choro estava sempre presente na cabeça de Villa-Lobos. Em 1928, ele compôs os “Dois Choro Carioca
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hoje é a Rua da Carioca, Centro do Rio de Janeiro. Por lá, Villa tocou com músicos como Luís de Souza e Luís Gonzaga da Hora (pistão-baixo), Anacleto de Medeiros (saxofone), Macário e Irineu de Almeida (oficleide), Zé do Cavaquinho (cavaquinho), Juca Kalú, Spíndola e Felisberto Marques (flauta). O repertório abrangia peças de Joaquim Calado, Ernesto Nazareth, Luís de Souza e Viriato. Quincas Laranjeira era o comandante dessa trupe. Nesse período, muitas vezes, Villa pulou o muro de casa para tocar escondido com os chorões nas ruas do Rio, pois sua mãe queria que ele fosse médico. Alexandre Gonçalves Pinto, em seu livro “O Choro”, de 1936, diz que conheceu Villa-Lobos no meio dos chorões, sempre acompanhado pelo poeta Catulo da Paixão Cearense, que escreveu letras para composições do maestro. No livro “Figuras e Coisas do Carnaval Carioca”, de Jota Efegê, lançado em 1982, o constante interesse de Villa-Lobos pela música popular e regional é retratado com muita ênfase. O autor conta um episódio no qual Villa-Lobos organizou um desfile de cordão, o “Sodade do Cordão”. Esse tipo de miniestação reunia muitos foliões, em sua maioria chorões e adeptos do samba. Na numerosa obra de mais de 1000 peças de diversos gêneros, Villa-Lobos aproveitou com frequência tema e ritmos populares urbanos, principalmente da região do Rio de Janeiro, onde nasceu e passou a juventude. Nesse mosaico musical, o choro sempre teve muito espaço e força. Na ânsia de conhecer melhor os ritmos regionais do Brasil, Villa-Lobos viajou por praticamente todo o país de 1905 a 1912. As condições para fazer tal aventura na época eram as mais precárias possíveis. Durante a ido ced es, gentilmente The New York Tim do l ria estada na Amazônia, por volta de 1910, Noito Ed do ca. Cópia oro Cario lística à revista Ch êmia Monteiro, mãe de Villa, mandou rezar pela empresa jorna uma missa pela alma do filho que ela já julgava morto. Em 1913 Villa-Lobos casou-se com a Choros Bis”, que se trata de um duo para violino e pianista Lucília Guimarães e fixou residência em sua violoncelo e foi batizado assim porque o processo de terra natal, o Rio de Janeiro. Nesse período, na Cicriação fora parecido ao da série. Apesar da proximi- dade Maravilhosa, o choro já estava presente no codade, Villa sempre deixou claro que essa música não tidiano do maestro. Talvez nunca tenha ido embora. faz parte da obra dos 14 choros. Além do contato com o choro, Villa-Lobos marcou Um pouco antes de se tornar um dos mais importan- época em outros períodos históricos do Brasil. Em tes maestros do Brasil e do mundo, Villa-Lobos, com 1922, ele participou da Semana da Arte Moderna, seu violão clássico, logo após ter concluído os estu- no Teatro Municipal de São Paulo. No ano seguindos básicos, no Mosteiro de São Bento, por volta de te embarcou para Europa, regressando ao Brasil em 1903 (quando tinha 16 anos), fez parte de um gru- 1924. Viajou novamente para o Velho Continente, po de chorões e seresteiros que se reuniam na loja em 1927, financiado pelo mecenas carioca Carlos de discos “O Cavaquinho de Ouro”, que ficava onde Guinle. Desta segunda viagem retornou em 1930, 30 Choro Carioca
quando muitos julgavam que ele teria esquecido seu país de origem. Ledo engano. Heitor voltou cheio de influências e conhecimentos que seriam usados em sua eterna busca por uma música brasileiríssima. Em 1931, o maestro organizou uma concentração orfeônica chamada “Exortação Cívica”, com 12 mil vozes. Após dois anos assumiu a direção da Superintendência de Educação Musical e Artística. A partir de então, a maioria de suas composições se voltou para a educação musical. Em 1942, quando o maestro Leopold Stokowski e a The American Youth Orchestra foram designados pelo presidente Roosevelt para visitar o Brasil O maestro Stokowski realizou concertos no Rio de Janeiro e solicitou a Villa-Lobos que selecionasse os melhores músicos de samba e choro, a fim de gravar a Coleção
Brazilian Native Music. Villa-Lobos reuniu Pixinguinha, Donga, João da Baiana, Cartola e outros, que sob sua batuta realizaram apresentações e gravaram a coletânea de discos, pela Columbia Records. Seu casamento com Lucília terminou em meados da década de 1930. Depois de operar-se de câncer, em 1948, casou-se com Arminda Neves d’Almeida, a Mindinha, uma ex-aluna, que depois do falecimento de Villa se encarregou da divulgação da obra do maestro. Praticamente residindo nos EUA entre 1957 e 1959, Villa-Lobos retornou ao Brasil para as comemorações do aniversário do Teatro Municipal do Rio de Janeiro, um dos palcos mais importantes da cultura nacional. Com a saúde abalada, Villa foi internado para tratamento e faleceu em novembro de 1959. O choro ficou.
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O filme “Brasileirinho – Grandes Encontros do Choro” consegue juntar em pouco menos de uma hora e meia mais de trinta países, diversas gerações de músicos e tantos mundos em uma só obra musical e cinematográfica
Brasileirinho Grandes Encontros do Choro MIRO LOPES
O documentário “Brasileirinho – Grandes Encontros do Choro Contemporâneo” (conhecido no exterior como “Brasileirinho”), lançado em 2005, dirigido pelo cineasta finlandês Mika Kaurismäki e idealizado pelo suíço Marco Forster e pelo brasileiro Marcello Gonçalves, do Trio Madeira Brasil, mostra em uma de suas últimas cenas um trecho de um show no qual a canção “Barracão de Zinco”, de Jair do Cavaquinho, é tocada. A apresentação conta com a presença de novos e já renomados nomes do choro, como Zé Paulo Becker, do mesmo Trio Madeira Brasil e a participação de aclamados músicos do naipe de Ronaldo do Bandolim (também do Trio Madeira), Zé da Velha, Paulo Moura, Teresa Cristina, Yamandú Costa e a cantora Zezé Gonzaga, entre outros. Assim é o choro: um barracão de zinco capaz de abrigar, acolher e reunir gente dos mais variados estilos, conservando tradições sem se perder no espaço ou no tempo. O documentário é uma coprodução brasileira, finlandesa e suíça, e alcançou destaque e repercussão positiva em mais de 30 países, entre eles França, Alemanha, Espanha, Itália, Bélgica, Inglaterra, Japão, Austrália, EUA e Canadá. A ideia de realizar essa produção surgiu quando o Trio Madeira Brasil foi tocar na França. Em uma das conversas de Marcello Gonçalves com Marco Forster, ele perguntou se na Suíça havia espaço para o Trio Madeira fazer um show. Marco respondeu dias depois, em uma ligação, sugerindo que eles fizessem um filme sobre o choro, para que suíços e outras pessoas de outros países pudessem conhecer mais a produção atual e histórica do gênero musical. Como já havia feito um filme sobre música brasileira, Mika Kaurismäki foi chamado e logo topou. Os trabalhos começaram. 32 Choro Carioca
Marcello assumiu a função de diretor musical e teve como preocupação inicial encaixar no filme a ideia de que o choro tem vários estilos. Em seguida escolheu artistas para que essa mentalidade fosse materializada no vídeo: “os americanos conseguem fazer com que o jazz em todas as suas vertentes seja facilmente assimilado. Aqui a gente fala choro e todo mundo associa a um estilo mais tradicional o regional clássico. Então a ideia foi chamar gente de vários estilos: tem o tradicional, mas tem choro cantado, choro pra dançar, choro de Tom Jobim e tantos outros. Então eu convidei esse pessoal que poderia e pôde me ajudar com isso. E também escolhi artistas que além de serem importantes pra o gênero, sabem se expressar bem.” revelou Marcello. Ele lembra que fazer a seleção de músicos foi uma tarefa árdua, mas um resultado positivo foi alcançado: “tudo foi feito de acordo com os rumos que a equipe queria dar ao documentário. Foram diversos artistas chamados. Não foi fácil fazer todos os contatos, mas eles sempre recebiam o convite com alegria. Óbvio que sempre fica gente boa de fora. Não dá para chamar todo mundo. Escolhemos apoiados em alguns critérios. O resultado foi o que esperávamos. Muito bom”, finalizou. Em bom português, o diretor Mika Kaurismäki faz questão de frisar que o documentário não é necessariamente uma biografia do choro. O diretor pontua que é muito mais um relato atual, mas que busca conservar e lembrar as tradições. “Brasileirinho não conta a historia do ‘chorinho’, está mais voltado para o choro de hoje, que é uma coisa mais ampla. O choro está vivendo um
momento muito forte e muitos músicos jovens estão descobrindo e tocando esse gênero. Não é mais necessário ser um chorão para tocar choro. E samba e choro não são rivais, são amigos. Andam lado a lado. O mundo está em transformação perpétua e acho normal que choro também esteja - respeitando o passado e raízes do gênero, é claro” afirmou. Além de “Brasileirinho – Grandes Encontros do Choro Contemporâneo”, o finlandês Mika Kaurismäki, que disse ter conhecido o choro através de canções como “Brasileirinho” e “Tico-tico no Fubá”, que tocaram nas rádios finlandesas quando ele ainda era uma criança, dirigiu Moro no Brasil (2002), que também fala da produção musical tupiniquim, abordando gêneros como frevo, maracatu, embolada, forró e outros. Para o cineasta não há nada de estranho em um estrangeiro falar da produção fonográfica brasileira. Segundo ele isso pode trazer grandes resultados. “Como sou finlandês, nunca imaginei que iria fazer filmes sobre música brasileira. Mas as coisas foram acontecendo. Eu fui convidado para fazer meu primeiro filme sobre música brasileira, Moro no Brasil para o canal ARTE, da França. Acetei logo. Achei uma proposta interessante. Depois que o filme foi recebido muito bem, fui convidado para fazer o Brasileirinho e como ele também foi muito bem recebido, fiz o Sonic Mirror (2007), que também fala de música – não só brasileira - e foi filmado parcialmente em Salvador, com o bloco afro Malê Debalê. A cultura da música brasileira é muito rica, e acho que, às vezes, um estrangeiro tem um olhar mais claro para certas coisas, porque tem mais distância e sabe apreciar coisas que para os brasileiros podem parecer óbvias. Sempre gostei muito da musica brasileira, até tanto que em 2000 abri uma casa de show, Mika’s Bar, em Ipanema, Zona Sul do Rio de Janeiro. Foi uma experiência muito boa. Lá conheci muitos músicos brasileiros de Samba, MPB, Jazz e choro. Mas tive que parar, porque acabou ficando muito trabalhoso fazer cinema e ser empresário ao mesmo tempo” ressaltou. Produzir um trabalho para cinema não é uma tarefa fácil. Apesar da experiência de quem trabalhou em mais de 20 filmes – dos mais diversos gêneros Mika encontrou algumas dificuldades no caminho. Entretanto, isso não atrasou seus passos. “O primeiro desafio sempre é o financiamento. Não foi fácil conseguir o dinheiro para o filme. Em outros países, o choro, essencialmente, não é tão conhecido, mas mesmo assim conseguimos algum financiamento estrangeiro, e felizmente aqui no Brasil também tivemos pessoas que gostaram do projeto e quiseram participar. O segundo problema foi a escolha dos
músicos e músicas. No meu bar, eu já tinha conhecido muitos músicos de choro, alguns deles participam do filme, como Trio Madeira Brasil e Yamandú (Costa), mas a escolha definitiva foi feita junto com o diretor musical do filme, Marcello Gonçalves. Foi difícil, porque têm muitos ótimos músicos no Brasil, mas não dava para incluir todo mundo em um só filme. A gente tentou fazer uma seleção representativa da cena de choro hoje. Introduzimos algumas musicas e instrumentos fundamentais para o choro. Com isso conseguimos também mostrar como choro evoluiu ao longo dos tempos” contou. Sempre com o violão no colo e vazando talento, o gaúcho Yamandú Costa, virtuoso músico de diversos gêneros e estilos também dedilha sua técnica no choro. Por conta disso foi convidado por Marcello Gonçalves para participar das gravações. Yamandú reforça que, além do clima de alegria e festa que ditava o ritmo das gravações, o filme é uma iniciativa grandiosa para reforçar raízes culturais brasileiras, muitas vezes pouco valorizadas ou postas de lado. “Os últimos anos andou melhorando muito o interesse pela nossa cultura popular. Sempre é bom ter ações que têm a intenção de mostrar essa linguagem tão rica e peculiar que é o nosso choro. Ações como a feita no filme assim ajudam muito. A linguagem do choro ficou muito mais difundida fora do Brasil de uns tempos para cá, devido a certos trabalhos. Hoje você chega em qualquer parte do mundo e encontra uma roda de choro” refletiu. O choro é um gênero musical brasileirismo. Com harmonias densas e encantadoras destaca um dos pontos que para muitos é um dos mais positivos do país: a arte. Todo o esforço possível para que ele seja tocado, ouvido, assistido e sentido é válido. Seja em um barracão de zinco de um bairro suburbano ou em um aparamento de luxo fixado em uma área nobre de qualquer lugar do mundo.
Mika Kaurismäki
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Franรงa Segredos que a cidade luz esconde AURร LIE TYSZBLAT E RICARDO DA FONSECA
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A França é o destino turístico mais visitado do mundo – em 2013, quase 85 milhões de pessoas desfrutaram dos seus atrativos, de acordo com dados obtidos na Organização Mundial do Turismo, agência das Nações Unidas especializada nesse segmento de mercado. Essa fixação global pela terra de Vitor Hugo, Debussy e Sarte tem uma sólida explicação: não importam as preferências – os turistas sempre encontrarão, em alguma das regiões da França, magníficos atrativos relacionados à arte, cultura, arquitetura, culinária e beleza natural: sejam nos Pirineus, nos Alpes, na Côte d’Azur, na Normandia ou em qualquer outra parte do país. Sem falar das margens do Sena, onde o turista encontra a mais importante capital cultural do planeta: Paris - com seus atrativos únicos. É na cidade luz que podem ser vistas monumentais obras-primas construídas pelo homem, como a Torre Eiffel, o Arco do Triunfo, o Palácio de Versalhes, o Museu do Louvre e a Catedral de Notre Dame, obras que impactam não apenas pela belíssima arquitetura de suas construções, mas pelo acervo que abrigam em seu interior. É em Paris, que importantes realizações artísticas marcaram época, como o cinema de Truffaut e Brigitte Bardot, a arte de Monet e a música de Serge Gainsbourg, que fizeram da região um dos mais efervescentes destinos culturais do planeta, e que permanecem vitalizados, nos dias de hoje, pela constante presença de artistas plásticos, músicos, escritores e pintores em busca de inspiração, visibilidade e novas experiências. Essa vocação para a grandiosidade criativa e para as artes tem mantido Paris como um importante celeiro de expressões cosmopolitas, que se misturam, se adequam, e já fazem parte do cenário da cidade, revelando ao turista atrativos que os surpreendem – pelo que de inesperado encontram na região. Mas Paris, e a França, escondem outros segredos.
PARIS
Saindo da estação do Metro de Ménilmontant e seguindo pela rua de mesmo nome, por alguns minutos, nos aproximamos da esquina com rua Sorbier, onde avistamos o L’Entrepot’s, um simpático Café-Restaurante localizado fora dos locais de aglomeração turística mas situado dentro de um centro cultural moderno e muito dinâmico. Em um ambiente agradável e arejado, com uma refrescante área externa, é possível apreciar um fabuloso ravióli e uma inesquecível costela de carne, além de uma excelente lista de vinhos e coquetéis, prazeres que podem tornar o dia bem agradável. Sem 36 Choro Carioca
falar nos simpáticos garçons que, bem educados contrariando a regra de que em Paris eles são mal -educados –, nos atendem com atenção e paciência. É nesse ambiente que os integrantes do coletivo Braséine (Collectif Braséine), entre eles Cléa Thomasset, Jean Brogat-Motte e Yesser Oliveira, resolveram, no início de 2013, organizar uma roda de choro que ficou conhecida como a Roda do Entrepot’s. Toda terça-feira à noite, no aconchegante porão do bar-restaurante, com um público cada vez maior, juntam-se músicos profissionais e amadores, chorões iniciantes ou experimentados, franceses, brasileiros, colombianos, italianos, guineenses, unidos pelo amor do choro e à música instrumental brasileira. Enquanto a noite parisiense vai avançando, a roda de choro vai se tornando mais e mais envolvente e os que chegam vão se sentindo cada vez mais à vontade, tornando o porão do L’Entrepot’s não só um importante ponto de encontro entre músicos e amigos, mas parada obrigatória de músicos brasileiros de passagem por Paris que aqui marcam presença e dão uma canja. Mas a cidade Luz oferece outra importante roda de choro, realizada, também, na região de Ménilmontant. Seguindo a rua des Couronnes até o número 98, bem na esquina da rua Henri-Chavreau, vamos encontrar outro simpático bar restaurante - o Les Lauriers -, abrigando uma roda de choro. Fundada em 2010, a roda é o resultado da iniciativa do músico e professor do Clube do Choro de Paris, Thierry Moncheny, dono de uma longa trajetória como músico profissional a mais de trinta anos. Na década de 90, Thierry teve contato com o choro e, após se apaixonar pelo gênero musical, começou a estudá-lo com afinco, através da audição de discos e da realização de muita pesquisa musical de partituras, chegando a trabalhar com músicos brasileiros na Roda de mestre Duduta (Campina Grande/PB), na roda do Isaías Bueno (São Paulo/SP) e na Esquina do Peixe em Brás de Pina (Rio de Janeiro/RJ). A roda organizada por Thierry é realizada, então, todas as quintasfeiras do mês no Bar e Restaurante Les Lauriers, 98 rue des Couronnes, e além dos músicos que se reúnem para promover o choro, há a presença constante e fiel de um público de dezenas de pessoas, que já tiveram a honra de presenciar na roda a performance de músicos brasileiros de alto cacife. Além dessas duas importantes rodas semanais de choro, a cidade de Paris é o cenário para a realização de outras rodas ocasionais, como a que acontece próximo ao lindo mercado Aligre (Marché d’Aligre), no Café La Grille (4 Place d’Aligre), no novo bar brasileiro de Ménilmontant e no restaurante especializado em culinária portuguesa, L’Estoril (112 Avenue de la Division Leclerc, Antony).
RENNES
Quem teve a sorte de conhecer Rennes, localizada na região da Bretanha, se apaixona pela região, palco de uma variedade de atrativos naturais, religiosos e culturais, como o colorido e deslumbrante Parque Thabor, a espiritualizante Catedral Saint-Pierre e o La Criée Centre d’Art Contemporain, um Centro Cultu-
um novo tipo música: “O difícil não foi chamar músicos, porque todos eles queriam conhecer e entender melhor esse gênero musical brasileiro. O difícil foi passar a linguagem e a forma de tocar do choro para eles, porque queriam tocar da mesma maneira com que tocavam as músicas dos outros gêneros que já tocavam”.
ral, que oferece uma programação de alto nível e grande diversidade. Mas RenPresentes às rodas de choro Entrepot’s.: Marcos Frederico (Bandolim), Caroline Faber (Voz), Cléa Thomasset nes oferece muito mais: (Flauta), Humberto Junqueira (violão 7 cordas), Allan Abbadia (Trombone) e Wesley Vasconcelos (Violão 7 apresentações no Teatro cordas) - esses dois, integrantes do grupo Dois Por Quatro. Nacional da Bretanha, Óperas, exposições no Museu de Belas-Artes e o Segundo a musicista, desde setembro de 2014 a maravilhoso festival Tombées de la nuit, dedicado roda acontece duas vezes por mês – toda primeira à arte de rua, e realizado nas ruas, praças e parques e terceira terça-feira do mês – no bar “La cour des de Rennes. miracles“, que fica na 18 Rue de Penhoët. “A roda E Rennes oferece mais ainda. Oferece a arte brasi- atrai um público bem eclético, com uma média 50 leira. Sim, aqui também, o choro vem fincando suas pessoas, inclusive brasileiros que descobrem aqui o choro pela primeira vez”, revela. raízes. E quem promove essa iniciativa é a musicista francesa Karine Huet, que no dia 10 de abril de 2007 fundou a primeira roda de choro de Rennes: “Eu BORDEAUX digo sempre que contraí o vírus da música brasileira e não vou querer me curar nunca. Por tocar Bordeux foi classificada pela UNESCO como Patriacordeão, meus primeiros contatos com a música mónio Mundial da Humanidade, em reconhecimento brasileira como instrumentista foram através do ao seu excepcional conjunto arquitetônico. Diverforró. Mas no Brasil, fui levada a conhecer as rodas sos são os seus atrativos, entre eles, cruzando o Rio de choro e me interessei por esse gênero musical”, Garonne, a Pont de Pierre, construída a pedido (ou por ordem) de Napoleão Bonaparte, a monumental declara Karine. E foi envolvida por essa novidade musical, que des- e surpreendente basílica de São Michel, repleta de perta no instrumentista uma secura para tocar a histórias e um dos principais templos de culto catoda hora, que Karine chegou à conclusão de que era tólico da região, o teatro de Bordeaux e a place de preciso instalar uma roda de choro na sua cidade. A la Bourse. ideia foi bem aceita pelos músicos do seu relacio- É aqui, também, que encontramos uma das princinamento, seduzidos que estavam pela descoberta de pais vinícolas do mundo, com uma produção de mais Choro Carioca
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de 700 milhões de garrafas/ano, entre eles, os mais caros e prestigiados vinhos do mundo. É inegável a vocação de Bordeaux para o vinho, cuja região abriga o maior número de vinhos de alta qualidade. E em uma região de tanto requinte e bom gosto, nada mais natural que o choro tenha tocado a alma sensível de alguns de seus moradores, mais especificamente da francesinha Veronica Baird-Smith, que fundou em Bordeaux a primeira roda de choro da cidade. “A roda de
Bordeaux foi criada por mim em abril 2013, quando regressei do Rio de Janeiro após participar de uma oficina com o Trio Madeira, organizada pela associação francesa ‘Samba Jacaré’. Estava muito empolgada com a beleza desse gênero musical brasileiro e procurei meus amigos Karine Huet (Rennes) e Olivier Lob (Toulouse) para que me dessem conselhos sobre a criação de uma roda de choro. A partir de nossas conversas, comecei a procurar um lugar para instalar a roda”, relembra Veronica. Foi assim que, com o apoio do restaurante brasileiro “Central do Brasil“, localizado na 6 Rue du Port e do Bar “L’avant scène“, na 42 Cours de l’Yser, Veronica fundou as rodas de choro em Bordeaux, que ocorrem duas vezes por mês alternadamente nesses dois lugares, às quarta feiras. Os resultados têm sido espetaculares, com a presença constante de mais de dez músicos contagiando o ambiente formado por um crescente público amante da boa música instrumental. “Nossa roda de choro se apresentou na Guinguette Alriq e foi um grande sucesso, conquistando o público presente”, revela a francesinha. Veronica explica que grande parte desses resultados são frutos do seu empenho em organizar os encontros da melhor maneira e isso inclui o estudo e preparação de um repertório condizente com a proposta e uma divulgação intensa nas redes sociais. 38 Choro Carioca
Roda de Rennes
Mathieu Joron (Flauta), Claude Montis (Clarinete) e CaLaurent YIN (Cavaquinho) na Roda Entrepot’s.
STRASBOURG
Cidade fronteiriça à Alemanha, Estrasburgo tem como particularidade essa característica bi cultural, com um patrimônio arquitetural riquíssimo e que fez com que a Unesco lhe desse o título de patrimônio mundial da humanidade, sendo uma região que retrata bem as cidades medievais. Além de sua arquitetura, ou por causa dela, andar pelas suas vielas e observar as construções ao som dos artistas de rua é uma experiência inenarrável. Talvez por isso, encontrar em Estrasburgo uma roda de choro é algo que soa, para muitos, como uma inesperada e agradável novidade. E já se vão por volta de três anos desde que, em 2012, uma turma tri cultural – franco-brasileirocolombiana –, resolveu plantar as raízes do choro na cidade. Com a dedicação e empenho dos músicos Alexandre Savordelli, Damien Groleau, Benjamin Velle, Erica Sá, Bruno Luna Kisic, Leonardo Davin Rojas e Pablo Canales todas as primeiras quartas-feiras do mês acontece a roda de choro de Estrasburgo. Realizada no bar “Les Savons d’hélène“, 6 Rue Sainte-Hé-
lène, a roda recebe músicos amadores e profisionais, que a cada encontro aprimoram seus repertórios, especialmente após o grupo fundador resolver publicar as partituras na internet para facilitar a aprendizagem e qualificar, gradualmente, as rodas de choro de Estrasburgo. O empenho e dedicação em abrir mais esse novo ponto da arte do choro, vem despertando cada vez mais o interesse dos franceses e dos estrangeiros residentes na cidade pelo choro. Graças a todo esse esforço, dois grupos musicais nasceram dessa paixão comum pelo gênero carioca: o grupo “quero quero“ e “nota de choro“.
MONTPELLIER
Montpellier é uma agradável cidade localizada ao sul da França, e que pode se vangloriar de ser uma cidade de alma jovem, já que mais de 50% da população ainda não chegou aos 40 anos. Talvez por isso, Montpellier seja uma das cidades mais modernas da França. Como está a apenas 3 horas de trem da capital francesa, a cidade recebe verdadeiras hordas de jovens parisienses nos fins de semana e intercambistas de todo o mundo, ao longo do ano, que buscam os cursos de francês para estrangeiros que Montpellier oferece, já que a cidade se especializou
nessa atividade econômica, transformando-se em uma das três regiões do país com o maior número de cursos de idiomas e alunos estrangeiros. É nesse clima jovial e desafiador que a violonista erudita Verioca Lherm encontrou o ambiente propício para plantar a semente do choro na região, tornando-se a grande promotora do gênero brasileiro em Montpellier. Nascida na região central da França – Auvérnia -, Verioca desde jovem dedicou-se ao violão erudito e à música brasileira, chegando em Montpellier em 1990. Dez anos após, fundou o grupo “choro sorrindo“, no qual tocavam, também, Sandrine Ros (sax soprano), André Ruiz (cavaquinho) e Caroline Jeannet (pandeiro). A partir da formação do grupo, foi possível implantar uma roda de choro qualificada, que durante três anos marcou presença em diversos bares de da cidade. No inicio de 2014, como resultado de idas e vindas na vida a artista, foi criado o grupo “Choro de lá“ onde além de Verioca e Sandrine, participam Gabi Lares (cavaquinho), Vladimir Derevitsky ou Roberto Sapo (pandeiro) e uma convidada especial: a violinista Paula Pi. O “Choro de lá” vem há alguns meses realizando uma roda de choro às segundas-feiras no Bar “Le dôme“, 2 Avenue Georges Clemenceau, e no Little Red Café, 15 Rue des Sœurs Noires.
MARSEILLE
A menos de duas horas de Montpellier, na cidade de Marseille, vamos encontrar outra importante roda de choro, fundada e organizada pela pianista erudita Claire Luzi (que canta e toca bandolim) e pelo violonista de 7 cordas, Cristiano Nascimento. A roda de Marseille é o resultado de uma importante iniciativa dos dois jovens músicos, a partir da fundação em 2007 da associação “La Roda“, criada para divulgar o choro na região. Em 2014, eles fundaram a priCléa Thomasset (Flauta) na Roda Entrepot’s.
Claude Montis (clarinete), Jean Brogat-Motte e Tran Quang Minh (violão de 7) na Roda des Lauriers.
Choro Carioca
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meira roda de choro em Marseille, no Equitable Café, 54 cours Julien. A roda, que acontece uma vez por mês na última quinta feira de cada mês, tem em sua abertura uma apresentação do grupo musical “5 à table“ fundado por Claire Luzi, Cristiano Nascimento em conjunto com Michael Almeida (flauta), Wim Welker (cavaquinho) e Olivier Boyer (pandeiro). Além da roda no Equitable Café, o grupo “5 à table“ realiza apresentações públicas em praças das regiões de Marselha e Aix en Provence (Ais de Provença), levando ao público em geral, o que há de melhor em termos de choro.
Roda de Bordeaux
TOULOUSE
Olivier Lob é um músico de origem alemã, radicado em Toulouse. Lá ele realiza um importante trabalho de divulgação do choro como instrumentista (7 cordas e cavaquinho), professor e organizador do segundo maior festival de choro da França - o des Rencontres de choro de Toulouse. Desde 2008, esse encontro reúne em abril, músicos da Europa inteira e até do Brasil para passar três dias tocando e ouvindo choro. Além do Festival, uma vez por mês, às quintas-feiras, é realizado um importante encontro entre chorões no restaurante africano l’Afro, 2 Ter Av Jean Rieux. A cidade abriga, ainda, o grupo de choro de Toulouse, formado por Masako Ishimura (flauta), Aldo Guinart (sax e flauta), Daniel Portalès (bandolim), Mathieu Cayla (7 cordas), Olivier Lob (cavaquinho), Dito Pereira e Rémi Dombre (percussão).
Festival de Choro de Toulouse
SEGREDOS REVELADOS
Se alguém questiona a eficácia do ditado popular que diz que “é pelas beiradas que se come”, que fique atento ao que essa turma de privilegiados, estrategicamente distribuída pela França, vem realizando em favor do choro, fincando em terreno estrangeiro o que há de melhor na cultura brasileira.
CLUBE DO CHORO DE PARIS
Roda de Strasbourg
Radicada na França desde 1988, Maria Inês Guimarães fundou em 1996 o Cebramusik (Centro euro -brasileiro de Música). Ela preside o clube do choro de Paris, hospedado na Maison du Brésil da Cité Universitaire de Paris, onde são ministradas, todas as segundas-feiras à noite, aulas de instrumentos (violão de 6 e 7, cavaquinho, percussão, regional e bandão). Um dos fundadores do Clube do Choro de Paris, o paulistano radicado na França, Fernando Cavaco, ministra aulas de cavaquinho e dirige o bandão. O Clube do Choro realiza dois importantes eventos durante o ano: Dois dias de Portas abertas em setembro e o Festival do Clube do Choro, realizado desde 2005 no mês de abril durante 3 dias, que já contou com a participação de muitos convidados especiais tal como Paulo Moura, o Trio Madeira Brasil, Mauricio Carrilho e Paulo Aragão, além de chorões franceses que cuidam do gênero com muito carinho e respeito, como Thierry Moncheny, o Duo Luzi-Nascimento e Aurélie e Verioca. 40 Choro Carioca
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