Jornal Público, 11 de janeiro de 2022

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Cultura Exposição na Galeria Municipal do Porto

Neste mundo “tudo está feito para falhar” mas “temos de ser excelentes” Erro 417: Expectativa Falhada, uma colectiva que lida com as pressões que levam ao medo do fracasso e ao desejo de sucesso que tende a surgir como antídoto. Patente até 13 de Fevereiro

Daniel Dias Texto Adriano Miranda Fotografia Marta Espiridião tinha apenas cinco anos quando se deu a Expo-98, mas lembra-se bem do evento que comemorou os 500 anos dos Descobrimentos e, através de um investimento considerável na construção de infra-estruturas, reabilitou o agora designado Parque das Nações. A jovem curadora, que cresceu em Benavente, vila pertencente ao distrito de Santarém, deslocou-se a Lisboa quase uma dezena de vezes para assistir a vários dos seus eventos, entre exposições e espectáculos de rua. “A experiência marcou-me imenso: uma menina do campo dentro da Expo é outra coisa”, recorda ao PÚBLICO. Foi no âmbito do projecto concursal Expo-98 no Porto que Espiridião obteve o apoio necessário para desenvolver a exposição que inaugurou há cerca de um mês na Galeria Municipal do Porto. Erro 417: Expectativa Falhada, que está patente até 13 de Fevereiro, parte da forma como a jovem começou a olhar para a Expo quando se mudou para a capital, no início da década passada. Foi nessa

altura, salienta, que começou a “perceber que a agitação cultural que havia reanimado o Parque das Nações nunca se prolongou no tempo”. “Comecei a ver na Expo um projecto falhado”, frisa. Quando pensa no Parque das Nações em termos de actividade turístico-cultural, Marta identi ca apenas o Altice Arena, que alberga “concertos maciços”, e o Oceanário de Lisboa, “o espaço cultural que anualmente mais lucra com visitantes” em Portugal. Não é capaz de encontrar a oferta artística abrangente com que se deparou quando visitou a Expo, que, aproveita para lembrar a curadora nascida em 1993, “foi construída sobre um sítio onde eram despejados resíduos químicos” — o que, comenta, é “irónico”, tendo em conta que o tema do evento tinha que ver com a preservação dos oceanos. “A Expo98, enquanto projecto cultural, ambiental, social e habitacional, revelou-se um dos maiores falhanços do início do milénio”, escreveu Espiridião em Setembro do ano passado, num texto em que tentava resumir o conceito da sua exposição (e que partilhou com o PÚBLICO).

Erro 417, que reúne trabalhos de 12 artistas (Alice dos Reis, Aliza Shvarts, Ana Hipólito, Carlota Bóia Neto, Catarina Real, Daniela Ângelo, Elisa Azevedo, Gisela Casimiro, Hilda de Paulo, Jota Mombaça, Odete e Xavier Paes), 11 dos quais criaram obras novas especi camente para a mostra — apenas Shvarts não o fez —, esmiuça o falhanço de uma ideia para estudar o “medo de errar”, que, argumenta a curadora, “é muito alimentado por esta procura constante do sucesso” que o “sistema capitalista” promove. “Esta ideia de que temos de chegar ao sítio ‘x’, fazer ‘y’ ou ascender ao cargo ‘z’, esta sede incessante de realização pessoal e validação”, assinala, “está muito ligada ao sistema capitalista, que objecti ca os nossos corpos”, reduzindo-os a conceitos como “e ciência” ou “produtividade”. Espiridião alega que almejamos a perfeição num mundo em que “tudo está feito para falhar”. “Os transportes públicos atrasam-se, as tecnologias têm a sua obsolescência programada [isto é, são estrategicamente fabricadas para durarem menos tempo do que deveriam, obrigando os consumidores a adquirirem novos


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pressão, porque nem todos têm de superar os mesmos obstáculos. As “noções de falhanço e sucesso”, pode ler-se na folha de sala, “nunca estão livres de prerrogativas, uma vez que estão intrinsecamente ligadas a diversas condicionantes estruturais cumulativas — a cor da pele, o género e a orientação sexual, entre outras — e, acima de tudo, ao cumprimento dos expectáveis papéis dentro destas categorias”. A obra de Gisela Casimiro (n. 1984), por exemplo, debruça-se sobre isso mesmo. A escritora e artista nascida na GuinéBissau colocou uma série de maçanetas numa das paredes da sala-mãe de Erro 417. Mas todas estão a uma altura que as torna intocáveis — e a ausência de chaves também torna as portas metafóricas intransponíveis. Este projecto é uma re exão sobre os mecanismos sociais e políticos que, nos mais diversos contextos, marginalizam corpos negros.

Falhanço é ferramenta

As três frases da artista brasileira Hilda de Paulo e a promessa de futuro nas “raspadinhas” de Xavier Paes (à esq.). Em cima, obras de Alice dos Reis e Odete

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artistas estão representados na colectiva Erro 417, 11 dos quais criaram obras novas especificamente para a mostra na Galeria Municipal do Porto

produtos com regularidade], mas nós não podemos car aquém das expectativas. Nós temos de ser excelentes, a toda a hora. É isso que nos impingem desde que somos crianças”, refere. Diz acreditar que esta pressão, que mantém hierarquias, determinando vencedores e vencidos, tem vindo a crescer nos últimos anos. O facto de cada vez mais jovens acusarem problemas relacionados com ansiedade e depressão “quer dizer alguma coisa”, assevera a curadora: “É sinal de que estamos a crescer num ambiente nocivo para o nosso bem-estar psicológico.” A exposição reconhece que nem todos se encontram sujeitos à mesma

Xavier Paes (n. 1994), por sua vez, conceptualizou o falhanço opondo riqueza monetária a precariedade. O artista transdisciplinar inspirou-se naquilo que tende a observar nas escadas da Igreja de Santo Ildefonso, no Porto, onde está radicado. É lá que os jogadores de “raspadinha” costumam ver se as cartelas adquiridas no quiosque ao lado do espaço litúrgico são o seu bilhete para uma vida de maior capacidade nanceira. Quando a sorte não lhes pisca o olho, enterram os boletins por entre as fendas das pedras que fazem as escadas, quase como se essas formassem, nas palavras de Paes, “um muro das lamentações”. Fake, Fiction, Fraud, Addiction (é esse o nome da sua obra) é uma instalação composta por raspadinhas sem prémio, espalhadas pelo chão. Erro 417 encara o falhanço como “uma ferramenta de resistência contra-hegemónica”, inspirando-se, admite Espiridião, na tese defendida por Jack (ou Judith) Halberstam em The Queer Art of Failure, livro que, sintetiza a curadora, reconhece no erro — isto é, naquilo que é não normativo ou entendido como desviante — “um lugar que permite a diferença, um lugar onde outros discursos” surgem. Os discursos que, por exemplo, Hilda de Paulo (n. 1987) traz à mostra são discursos pós-colonialistas e antitransfóbicos. São da autoria desta artista, pesquisadora e curadora brasileira duas obras: o texto-manifesto Eu Gisberta — em que conta tanto a história da mulher trans brasileira que foi violentamente assassinada no Porto, há quase 16 anos, como a da sua própria adolescência, passada a tentar corresponder a padrões heteronormativos com os quais nunca se identi cou — e um mural in situ, composto por três frases: “Eu estou na casa do colonizador. Então, mexer nos móveis dessa casa é um pouco difícil. Mas eu vou mexer.”

Filipa Ramos, nova directora do Departamento de Arte Contemporânea do Município do Porto Curadora esteve na Art Basel e na Bienal de Xangai. Assume a direcção da galeria e fonoteca

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Departamento de Arte Contemporânea do Município do Porto tem, desde a semana passada, uma nova directora. A escritora, conferencista e curadora Filipa Ramos, que nos últimos anos foi compondo um intenso e extenso currículo internacional, substitui Guilherme Blanc, que desde o início de 2021 assumiu a pasta do Cinema Batalha — espaço emblemático que, após um processo de requalificação, deverá reabrir nos primeiros meses deste ano, enquanto Batalha Centro de Cinema. Nascida em Lisboa, Filipa Ramos — que terá a seu cargo não apenas a Galeria Municipal mas também a Pláka (plataforma municipal que “reúne projectos (...) de apoio à prática artística contemporânea”, como as iniciativas Aquisição, Anuário, Criatório, Shuttle e InResidence), a Fonoteca Municipal do Porto e outros projectos ainda em desenvolvimento — estudou na Universidade de Kingston, em Londres. Doutoranda em Filosofia, a sua investigação centra-se fundamentalmente nas relações entre cultura e ecologia. Curadora do departamento de cinema da Art Basel, a feira de arte mais importante do calendário internacional anual, a portuguesa co-fundou, em 2013, a sala online Vdrome, que dá palco a cineastas e criadores interdisciplinares cujo trabalho se movimenta entre o cinema e as artes visuais. Fez ainda parte da equipa curatorial da 13.ª Bienal de Xangai, que decorreu no ano passado, e é também uma das curadoras da oitava Bienal Gherdëina, que terá lugar este ano, em Val Gardena, no

coração da cadeia montanhosa dos Dolomitas, no Norte de Itália. Com uma carreira académica que inclui ligações a diversas instituições europeias, é autora de vários livros, o próximo dos quais, The Artist as Ecologist, será publicado pela editora londrina Lund Humphries em 2023. Ao PÚBLICO diz que o regresso a Portugal, país onde já não vivia a tempo inteiro há duas décadas, “não fazia parte dos planos”. Tinha uma posição “muito confortável” na Universidade de Ciências Aplicadas do Noroeste da Suíça, onde dirigia um mestrado, mas acabou por aceitar o desafio que lhe foi feito pela Câmara do Porto, em parte porque pretende ver “como Portugal mudou em 20 anos”. “Será interessante confrontar-me com uma realidade que, para todos os efeitos, não é a minha.” Filipa Ramos, que no passado já colaborou com o departamento do qual é agora directora — foi uma das curadoras da exposição Pés de Barro, que ocupou a Galeria Municipal entre Junho e Agosto do ano passado, e co-comissária das edições de 2019 e 2021 do Fórum do Futuro —, afirma que a sua grande missão é “fazer uma ponte” entre a arte contemporânea produzida a nível nacional e “o que se passa no estrangeiro”. Para esse efeito, proporá projectos de diferentes formatos (desde exposições a residências artísticas) a artistas internacionais com um percurso reconhecido — que, espera, virão “dinamizar uma cena local FOTÓGRAFO que já é bastante activa” e que “tem conhecido uma vida muito interessante” nos últimos anos. Daniel Dias


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