Jornal O Cidadão 68

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RIO DE JANEIRO – JUNHO/AGOSTO 2016 – nº 68

Transportes na Maré ENTRE A QUALIDADE E A QUANTIDADE

5 Associação Esportiva Piscinão de Ramos

6 Maré Vive

12

16

Espetáculo

Arquivo

Infantil na

Dona Orosina

Lona Cultural

Vieira


Foto: Fernando Frazão / Agência Brasil

Redução da maioridade penal não é solução 4 Artigo

8

5 Perfil

12 Cidadania

6 Entrevista

13 Rascunho

Jornal O Cidadão 2

Capa

04 16

15 O Cidadão Ilustrado 16 Memória


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EXPEDIENTE Direção do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré - CEASM Antonio Carlos Pinto Vieira, Ana Cristina Moura Marinho, Lourenço Cezar da Silva, Luís Antonio de Oliveira, Aryane Paiva e Vanuza Maria da Silva Borba Edição e Revisão: Carolina Vaz Reportagem: Thaís Cavalcante, Tati Alvarenga,Valdirene Militão e Carolina Vaz Colaboraram nesta edição: Gustavo Barreto e Mariana Rio Charges: Jhenri Projeto Gráfico: Artur Romeu e Evlen Lauer Diagramação: José Henrique Foto de capa: Valdirene Militão Impressão: Edigráfica Tiragem: 10 mil exemplares O Cidadão na Internet: E-mail: ocidadaodamare@gmail.com Site: http://jornalocidadao.net/ Facebook: http//bit.ly/1WnnHBx Twitter:@jornaldamare Contato: (21) 2561- 4604 Endereço Praça dos Caetés, nº 7, Morro do Timbau, Maré, Rio de Janeiro-RJ. CEP:21042-050

Editorial N

esta edição, destacamos a questão do transporte para as/os mareenses. Enquanto em muitas partes das cidades as pessoas pegam ônibus ou metrô para chegar em casa, sem ter que andar muito, por aqui não é assim. Não temos várias linhas de ônibus circulando dentro do bairro e os ônibus e BRT nos deixam na Avenida Brasil. Por isso, usamos muito o transporte “informal”: van e mototaxi. Assim, também, ajudamos os “nossos” e não os grandes empresários. A edição 68 do O Cidadão também traz esporte: a Dona Zélia, conhecida como Vovó Zélia no Piscinão, conta como se vira para não deixar morrer a Associação Esportiva Piscinão de Ramos. Também lembramos um fato que ficou na memória de várias crianças da Maré: a peça infantil Pedro Malazarte e a Arara Gigante, na Lona Cultural. E, em tempos de operações policiais que colocam em risco as vidas das faveladas e favelados, existe um modo fácil e confiável de saber onde está havendo tiroteio, escolas que vão funcionar, etc. É a página Maré Vive, no Facebook, onde os colaboradores informam sobre esses e outros assuntos e as pessoas interagem, alertando-se mutuamente. Os responsáveis pelo Maré Vive estão na nossa editoria Entrevista. Também temos contribuições. Gustavo Barreto discute violência e acesso a direitos na editoria Artigo. E, em Memória, Antonio Carlos Pinto e Marcelo Pinto apresentam o Arquivo Dona Orosina Vieira, material disponível no Museu da Maré que concentra a história do nosso conjunto de favelas..

Quer mandar sua opinião, enviar sugestões ou escrever artigos? Fale conosco no facebook (fb.com/jornalocidadao.comcom) ou por e-mail:ocidadaodamare@gmail.com E, enquanto o próximo jornal não sai, continue a nos acompanhar no site: www.jornalocidadao.net

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Eles leem

Luana de Moraes, 23 anos / Tijuca

Tom Rael, 20 anos / Ramos


Artigo

Mais cadeias ou mais escolas? Com mais educação menos jovens seriam vítimas da violência Por Gustavo Barreto Gustavo Barreto é jornalista, assessor de comunicação e Doutor em Comunicação e Cultura pela UFRJ (@gustavobarreto_)

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Foto : Bira Carvalho

iscute-se muito na política e na sociedade brasileira a redução da maioridade penal de 18 para 16 anos de idade. O tema merece máxima atenção, sobretudo para aqueles que moram nos lugares mais violentos (e violentados) do Brasil, país marcado pelas desigualdades. Segundo o Sistema de Informações de Mortalidade do Ministério da Saúde, têm ocorrido nos últimos anos cerca de 140 homicídios diários no Brasil. É mais do que um massacre do Carandiru por dia. Falta de direitos, encarceramento e a equivocada “guerra às drogas”

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Três principais fatores movem este ciclo de violência no Brasil. O primeiro e mais significativo, talvez, é a constante violação dos direitos de pessoas marginalizadas pelo sistema capitalista. Falta acesso a educação, saúde, moradia, trabalho decente, entre outros. Isso porque, historicamente, o retorno do dinheiro pago em impostos não chega aos que mais precisam. Sem acesso a direitos, cada vez mais pessoas se envolvem com o crime. Este é o segundo fato do ciclo de violência: para parte da sociedade (como líderes políticos), a cadeia parece ser a única solução. Resultado:

em apenas sete anos, de 2005 a 2012, a população carcerária do Brasil cresceu 74%, chegando a mais de meio milhão de pessoas presas. Além disso, é por homicídio mais morrem jovens de 15 a 29 anos no Brasil, especialmente negros do sexo masculino e moradores das periferias e centros urbanos. Em 2012, foram assassinadas 56 mil pessoas no Brasil. A maioria jovem, 77% eram negros (pretos e pardos) e 93% homens. O terceiro aspecto do aumento da violência está relacionado ao fracassado modelo de “guerra às drogas” adotado no Brasil. Historicamente, as drogas nunca provocaram mortes em grande escala. O que começou a provocar esta associação foi a repressão às drogas como único método de combate a seus danos, em vez de debater as drogas como uma questão de saúde pública, com ações pontuais na área de segurança. Finalmente, é essencial pensar o papel da mídia comercial nesse processo. Em vez organizar informações relevantes sobre o tema, a regra é quase sempre criminalizar o jovem autor de crimes. Ignorar que este mesmo jovem é a principal vítima não só dos homicídios, mas de uma série de violações de direitos. A mensagem da mídia, em termos gerais, é clara: o médico e o arquiteto valem mais que o jovem da periferia.


Perfil

Dona Zélia e sua Associação Esportiva Piscinão de Ramos Inspirada pelos filhos e neto, ela treina crianças e adolescentes no futebol Por Valdirene Militão

Foto : Valdirene Militão

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ona Zélia Vieira da Silva, moradora do Piscinão de Ramos, mãe e avó, é incansável: aos 67 anos, é técnica de futebol. A vida nem sempre foi fácil para Dona Zélia - ou Vovó Zélia, como os meninos a chamam. Já passou por várias lutas, entre elas ter perdido o filho ainda muito novo, e passado pelo câncer, quando teve que sofrer uma intervenção cirúrgica e acabou tendo que tirar o seio. Em vez de ficar deprimida, ela pegou toda essa energia e canalizou em motivação, começando um novo projeto de vida. Seu amor pelo futebol começou ainda cedo quando seu filho Eduardo foi treinar no Clube do Olaria, aos seis anos. O filho Bruno e o neto Hugo também mostraram talento para a bola. Assim, ela criou a Associação Esportiva Piscinão de Ramos, há seis anos. “Para suprir a necessidade de treinar várias crianças que ficavam ociosas pela comunidade. Aqui onde moramos tem poucos atrativos para as crianças e adolescentes e nós precisamos ocupar a mente dessa garotada”, explica. Dona Zélia conta as dificuldades: “Temos pouco recurso para investir e a forma que descobrimos de arrecadar um dinheirinho é juntando óleo usado e vendendo. Com esse dinheiro compramos meião, caneleira e pagamos

Inspirada pela criação dos filhos e netos, ela treina jovens atletas de futebol

passagem para os meninos que não têm”. Com o apoio da advogada e amiga Drª Maria José Alencar, veio um jogo de uniforme. Não é fácil manter as meninas e meninos no esporte, segundo Dona Zélia: “Já trabalhamos com sub-20, mas por conta da idade muitos tiveram que parar de jogar bola para trabalhar. Montamos um time de meninas de 16 a 20 anos, que eram muito boas. Durou quatro anos, mas muitas casaram, outras engravidaram e o time acabou. Hoje estou com os menores, sub-15, nossos treinos são a noite porque eles estudam

em horários diferentes.” Outra dificuldade da associação é ter um lugar fixo para jogar e poder competir em outras cidades. Eles esperam ter vaga em algum campo ou quadra da favela, mas, quando não conseguem, o aquecimento é dar volta no Piscinão. A falta de recursos se resolve na amizade, como conversando com motoristas conhecidos para todos poderem participar dos campeonatos. Dona Zélia faz questão de ressaltar que ela não trabalha sozinha. Seu amigo Cesar, morador de Guadalupe, ajuda a treinar os meninos (e a menina, Alana, de 9 anos) e é seu “braço direito”. Jornal O Cidadão 5


Entrevista

Maré Vive: a página que informa e valoriza a favela

Ilustração: Jhenri ( arte sobre a reprodução da página do Facebook do Maré Vive)

Página de Facebook sobre o bairro é mantida por moradores de várias favelas

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uem é internauta na Maré já conhece: a página Maré Vive, no Facebook, é atualizada diariamente trazendo informações e opiniões sobre o que acontece no bairro. Colaborativa, é mantida por moradores de diversas favelas. Eles relatam onde há tiroteio, manifestam-se contra ações violentas na favela, trazem a verdade sobre o que a grande mídia fala e também resgatam a memória da Maré. Compartilham informações e vídeos diretamente de moradores e divulgam eventos interessantes para a população. Jornal O Cidadão 6

O Cidadão: Desde quando a página existe?

Maré Vive trabalha com o desejo de valorizar as favelas e a cultura local, na contramão de outros veículos de imprensa que seguem desvalorizando a periferia. Por isso, costumam também compartilhar informações de outras favelas, não somente da Maré. Em pouco tempo, conquistaram a confiança dos moradores e de outras mídias. Já têm quase 60 mil curtidas. Toda semana, mais 200 pessoas curtem, aproximadamente. Confira a entrevista que realizamos via Facebook com administradores da página:

Maré Vive: Desde o primeiro dia da invasão militar. A proposta inicial era a de observar a ação dos militares de forma colaborativa e independente, mas depois de um tempo a dinâmica foi mudando até o que somos hoje, uma espécie de revista eletrônica da favela. O.C.: De onde vêm as denúncias das postagens? Os moradores mandam por mensagem? M.V.: Depende da ocasião. As pessoas colaboram, mas a gente também vai atrás da notícia. Somos moradores da comunidade, temos uma rede muito grande. Daí o que vale é a sensibilidade de cada um. “Denúncias” é uma palavra muito forte e não é isso


Entrevista que buscamos na página. A gente trabalha com informação. A gente circula pela favela, estamos vivendo o dia a dia, as angústias, aflições, alegrias… O.C.: Vocês mesmos filmam? M.V.: As pessoas estão aprendendo a colaborar. Com o tempo estamos amadurecendo a relação e a página é realmente de todos. Vamos atrás das informa-

Acreditamos e incentivamos cada vez mais que as pessoas construam o seu proprio veiculo de comunicação

ções que nos passam. O.C.: Qual você diria que é o principal objetivo da página hoje? M.V.: Dar voz à comunidade, ao povo da favela. E mostrar uma comunidade que pensa, produz conteúdo, sabe valorizar a arte e a cultura local, vai atrás da memória da favela. Fazemos tudo isso por ideologia. Não queremos créditos ou dinheiro. Queremos um mundo melhor e que a comunicação seja realmente democratizada.

Por que um tiro em Copacabana é mais grave para a mídia comercial do que meses de guerra em Costa Barros?

O.C. Como o coletivo vê a questão da regulação da mídia/ democratização da comunicação? M.V.: Acreditamos e incentivamos cada vez mais que as pessoas construam o seu próprio veículo de comunicação. Seja a mídia que você quer ver no mundo. Esse é um dos nossos lema. A comunicação hoje no Brasil é comandada por cerca de 10 famílias. Rádios, jornais, canais de televisão, cinema... tudo! Como pode? Temos que lutar por esse espaço. Qual é a representação hoje da favela na mídia comercial? Sempre somos vistos pelo olhar da caridade, da pena, da falta, nunca pelo lado da potência, do que temos de bom. Já dizia o poeta: a dor do pobre não sai no jornal. Por que será? Queremos uma participação efetivamente popular na mídia comercial, por isso defendemos a regulação. Que haja espaço pro nordestino, pro índio, pro negro, pro povo da favela!

dos como super-traficantes, têm nome e cara estampada nesses jornais enquanto um helicóptero com meia tonelada de pasta-base de cocaína, que foi apreendido dentro da fazenda de um senador, em MG é ignorado? Chamamos isso de crimininalização da pobreza. A gente dá noticia de dentro da favela, em tempo real, com colaboração dos moradores e geralmente propomos uma reflexão ou um contraponto do que está posto na mídia comercial. Nós chegamos antes e estamos pautando a velha mídia.

A gente dá noticia de dentro da favela, em tempo real

O.C.: Para vocês, qual é a diferença entre a violência mostrada na televisão e a violência que vocês noticiam?

O.C.: Vocês já foram procurados pela mídia empresarial para falar da Maré?

M.V.: Programas diários como Cidade Alerta, Balanço Geral, Brasil Urgente, SBT Rio e similares são um desserviço à população da periferia. A violência que eles noticiam é para entreter, não tem um compromisso social e reflexivo com a periferia. Por que um tiro em Copacabana é mais grave para a mídia comercial do que meses de guerra em Costa Barros? Por que jovens quando são pegos dentro da favela com algumas trouxinhas de qualquer droga são trata-

M.V.: Sim, eles aparecem quando acontece alguma coisa muito grave na comunidade. Fora isso, dificilmente somos procurados pela mídia comercial. Não damos entrevistas e nem indicamos pessoas para contribuir com matérias que criminalizam a pobreza. Como nunca nos procuraram para falar de qualquer outra coisa que não seja violência, nunca conseguimos indicar ninguém para falar com eles. Contribuímos mesmo com a mídia alternativa, independente e sem rabo preso. Jornal O Cidadão 7


Transportes na Maré: entre a quantidade

Enquanto ônibus, BRT e ciclovias não atendem mareenses com qualidade, vans e mototáxis sofrem perseguição Por Carolina Vaz, Mariana Rio, Thaís Cavalcante

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oramos numa cidade com muitas opções de transporte: ônibus, metrô, barca, trem... mas e nas favelas? Esses meios de transporte também estão presentes e acessíveis? A precarização do transporte alternativo e sua pouca legalização não impede kombis, vans e moto-taxis de circular pelos centros urbanos e principalmente periferias. Essas são as conduções mais usadas pelos moradores dentro das favelas para ir ao trabalho, por exemplo, além de facilitar o deslocamento para lugares de difícil acesso. Mas garantir a quantidade e qualidade desses serviços não é muito fácil em nosso território.

Vans: a fiscalização é grande, as opções são poucas

P Foto : Valdirene Miitão

ara regularizar e fiscalizar mais rigorosamente a circulação de vans em todo o município, a Prefeitura criou o Sistema de Transporte Publico Local (STPL). Ele autoriza o funcionamento e fiscaliza a ação de vans pela cidade. Para isso, a Secretaria Municipal de Transportes (SMTR) estabeleceu linhas e quantidades específicas de per-

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missões para atuar em cada região. Todos os motoristas de vans que costumavam trabalhar por conta própria e deixam de atuar por causa da fiscalização não encontram uma segunda opção se não lutar. Segundo a Coordenadoria de Transporte Complementar, da SMTR, na Maré ficou ajustado que três linhas com 64


es

formais e informais,

e qualidade

permissões são suficientes para atender a toda a população. A utilização do Bilhete Único nesse novo sistema faz com que o passageiro consiga se integrar com outros meios. Eles afirmam dialogar com a categoria dos motoristas: “A coordenadoria sempre foi aberta ao diálogo com as representações de vans e diversas reuniões já foram realizadas com o propósito de se fazerem reajustes”, afirma a assessoria. Desde abril deste ano, as três linhas permitidas são: Maré-Bonsucesso, Vila dos Pinheiros-Bonsucesso e Vila do João-Bonsucesso. Mas a verdade é que não há meios públicos de transporte que sejam suficientes para o grande número de passageiros. Só em toda a Maré, moram cerca de 140 mil pessoas. Iury de Carvalho, de 22 anos, morador da Nova Holanda, diz que se a regulamentação servir para melhoria da condição das vans, é ótimo. Mas se for para proibição, é péssimo. “No pedaço onde eu moro, o único transporte para determinada região da cidade é a van 818. Não existe ônibus, não existe nenhum outro meio de você chegar no local onde essa van deixa. Que serve, inclusive, para as pessoas pegarem o metrô e, no caos que é, facilita muito para quem trabalha aqui dentro”, diz o jovem. E completa: “Essa situação parece bem mais uma limitação de circulação de moradores da Zona Norte”. Para ele, é como transformar a cidade numa cidade partida.

Foto : Valdirene Miitão

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Mototaxistas: finalmente reconhecidos Outra questão que sempre levanta polêmica é a regulamentação do trabalho de mototaxistas. Como se sabe, a moto é um dos transportes mais utilizados nas favelas, por ser mais barata e passar por ruas menores e becos. Táxis são raros em bairros como a Maré, e muita gente usa o serviço de mototáxi. Até pouco tempo atrás, esses trabalhadores não eram nem reconhecidos pela Prefeitura do Rio, como se não existissem. Somente em junho deste ano se regulamentou esse serviço. Agora, a autorização para esse trabalho será emitida para pessoas físicas vinculadas a associações ou cooperativas. Os mototaxistas pre-

cisam ter mais de 21 anos e ser habilitados (para dirigir moto) há pelo menos dois anos. Também é obrigatório usar equipamentos como capacete e coletes luminosos e oferecer um capacete ao passageiro. Há também exigências a respeito das motos. Conversamos com alguns mototaxistas antes da regulamentação, como o Wilson da Silva, de 39 anos, que conta da frequente abordagem da polícia, mesmo quando a prefeitura ignorava a existência dos mototáxis: “A polícia vinha direto, levava as motos. Agora parou. Alguns não tinham habilitação, aí de uns dois anos para cá teve que tirar a habilitação para trabalhar” Jornal O Cidadão 9


Capa BRT TransBrasil e TransCarioca

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MARÉ X ALVORADA

Jhenri

conjunto Nova Maré faz críticas ao BRT: “O projeto BRT é uma ótima ideia, mas ele tem que vir para complementar as linhas de ônibus e não para ser o principal meio de transporte como vem sendo. Porque não vai dar vazão e se tornará um caos como já estamos vendo em outros pontos da cidade”, diz. Quanto à ciclovia, para ele, é uma piada: “Fiquei sabendo que foram gastos cerca de 7 milhões para fazer essa ciclo-

via que é só uma pintura no chão que ninguém sabe onde começa e onde termina. Rio de Janeiro é assim, você é bem tratado pelo governo, dependendo de onde você mora...”

Internet

Com a intenção de melhorar o deslocamento de passageiros por meio de estradas, rodovias e ciclovias, a cidade se prepara com atraso para as Olimpíadas de 2016. O Transporte Rápido por Ônibus, conhecido como BRT, articula a união de 27 bairros da cidade, com dois corredores na zona oeste e dois na zona norte. Os corredores são faixas exclusivas para os veículos BRT, sem competir espaço com outros automotivos. Assim, a integração das áreas da cidade acontecerá evitando o costumeiro trânsito. Em junho de 2014 foi inaugurada a estação Maré, da TransCarioca. Nela, passam as linhas Parador Madureira – Fundão e Parador Fundão-Alvorada. Em seu trajeto total, a TransCarioca foi planejada para ligar a Barra da Tijuca ao Aeroporto Internacional (Galeão). Já a Transbrasil vai seguir pela Avenida Brasil, mas as obras ainda não começaram. Seus prazo de conclusão é no final de 2016, e está prevista uma estação na Vila do João. Além da TransBrasil (que faz o trajeto de Deodoro ao centro) e da TransCarioca (Barra-Galeão), os outros dois sistemas de BRT são o TransOlímpica (Barra-Deodoro) e TransOeste (Barra-Santa Cruz). Atualmente só existem os sistemas TransOeste (desde 2012) e TransCarioca (desde 2014), com 320 ônibus. Juntos, transportam cerca de 380 mil pessoas por dia. Diogo Santos, montador de móveis de 32 anos, acredita que a Maré está bem localizada e é mais fácil chegar a outras partes da cidade do que circular por dentro da favela. O morador do


Foto: Internet

Capa

Primeira ciclovia na favela O programa Rio Capital da Bicicleta, que incentiva o ciclismo na cidade, chegou pela primeira vez a um conjunto de favelas: a Maré. Em parceria com a Associação de Moradores do Parque Maré, a prefeitura garantiu a implantação de uma ciclovia de 22 km com faixa compartilhada. A obra faz parte de um conjunto de promessas pré-olímpicas. Responsável pela execução do projeto, a Secretaria Municipal do Meio Ambiente (SMAC) afirma que na Maré já foram realizados 18 km de ciclofaixas e faixas compartilhadas e instaladas 620 vagas em bicicletários. As obras restantes estão paralisadas des-

de janeiro de 2016. Questionada sobre os erros na execução, como falta de pintura, placas quebradas e pista esburacada, a assessoria de imprensa da SMAC afirmou por e-mail que todas as falhas serão corrigidas, e que o custo total da obra foi reduzido para cerca de R$ 5 milhões, de um orçamento inicial de 7 milhões. As obras começaram em março de 2015, com o objetivo da integrar toda as comunidades da Maré às estações de BRT, centro da cidade, Alemão, Fundão e Bonsucesso. A implantação dos primeiros trechos de rota cicloviária foi um desafio. Motos, car-

ros e até pequenos caminhões invadem a pista compartilhada com ciclistas, e ainda há – como sempre houve – vendedores ambulantes instalados nas calçadas e na lateral da pista. Há meses a pintura não é mais visível em partes do asfalto, pois está gasta ou coberta de cimento por conta de obras das Escolas do Amanhã. O morador Uesley dos Santos, de 23 anos, opinou: “O projeto está mal arquitetado. Por exemplo, na favela Nova Holanda, a ciclovia passa pela rua mais movimentada da comunidade que é a Teixeira Ribeiro, uma rua de grande fluxo de veículos e pedestres, a rua do comércio e da feira”, reclama. Não há prazo para a retomada das obras e as empresas envolvidas não são contratadas da Prefeitura do Rio, e sim de outra empresa que não foi divulgada. Assim que ocorrer a vistoria final do projeto, as obras têm garantia de cinco anos. A inauguração oficial da via estava prevista para o primeiro semestre deste ano.

Você Sabia? Antes mesmo do amanhecer, moradores esperam ônibus na calçada de algumas ruas. As linhas da empresa Real Auto Onibus, que fica na Nova Holanda, são 955 Mare x Alvorada e 957 Mare x Alvorada Circular. Seu funcionamento dentro da favela é pouco conhecido, mas ajuda de forma eficiente aqueles que não precisam ir até uma via expressa e pegar ônibus lotado para ir ao seu destino! Jornal O Cidadão 11


Cidadania

Espetáculo infantil Pedro Malazarte e a Arara Gigante Divertimento garantido até para adultos Por Tati Alvarenga

A

Fotos : Arquivo Cobrebecos

peça Pedro Malazarte e a Arara Gigante encantou a plateia de crianças e adultos que assistiram ao espetáculo na Lona Cultural da Maré em 15 de abril de 2015. Concorrendo a vários prêmios da categoria infantil, o texto é do escritor Jorge Furtado e o espetáculo foi dirigido por Débora Lamm. As trapalhadas, coreografias e músicas encantaram as crianças de tal modo que muitas assistiram ao espetáculo como se estivessem em casa, diante da TV. Hipnotizadas com as cores e interpretações dos personagens durante os 60 minutos da apresentação, em muitos instantes não havia som audível, por parte dos atentos espectadores. Mas

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estes momentos eram interrompidos por gargalhadas coletivas. “Estou com vontade de ser atriz após assistir esta peça” conta Ester de 11 anos, moradora da Baixa do Sapateiro. A maioria das crianças presentes faz parte das atividades do Projeto Uerê, específico em promover arte e educação social e ambiental envolvendo crianças. Desde a militarização na Maré as crianças convivem em seu cotidiano com tanques de guerra transitando pelas ruas, como se em outra parte da cidade isto fosse corriqueiro, ou seja, normal. Espetáculos como este fazem com que a rotina de violência e descaso seja esquecida através da mágica do teatro. “Faz bem

pra gente se distrair, alivia o estresse do nosso dia a dia”, desabafa Priscila, de 12 anos. “O maior fruto foi a questão pedagógica envolvendo a história. As crianças aprenderam em tom de brincadeira que não se deve enrolar os amiguinhos para obter benefício próprio como Pedro Malazarte, o protagonista da história, fez. A sensação é ótima porque é como se elas estivessem no palco com a gente. E o melhor é esta questão pedagógica que o teatro infantil tem de causar reflexão na criança em forma de risos”, conta o ator André Dali, que interpretou o personagem principal. Nossa equipe procurou atores do elenco principal, mas até o fechamento desta edição não tivemos retorno.


Ceasm

Caminhada por Memória, Cultura e Direitos nas ruas da Maré em 09/07/16 a rte n té a e 6a cia Ciên 7/06/1 “ a i rár De 1 mpo Maré. e T ão eu da /16 osiç Exp no Mus 7/08 1 é” Mar

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Debate (In)segurança Pública e Olimpíadas no Museu da Maré em 14/07/16 Jornal O Cidadão 13


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Memória

Foto : Arquivo Museu da Maré

Arquivo Dona Orosina Vieira

O

Arquivo Dona Orosina Vieira (ADOV) formou-se a partir do Projeto Rede Memória do Centro de Estudos e Ações Solidárias da Maré (CEASM) há cerca de doze anos. Tomei conhecimento deste arquivo pela indicação do amigo Alexandre Dias e me impressionei com o protagonismo, na comunidade, de organizar uma memória a partir de documentos coletados e produzidos ali mesmo. Na grande maioria dos casos, são os poderes públicos que se responsabilizam por reter esta informação e por produzir histórias oficiais dos povos, das culturas, e dos seus processos históricos. Talvez esteja exatamente aí demarcado o diferencial ou a força deste Arquivo: os atores responsáveis por agregar esta informação são os próprios moradores do bairro, que são os atores mesmos das ações, das narrações e das memorações guardadas nos documentos que temos hoje à

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disposição para escrever novas histórias da Maré. O Arquivo ADOV possui um acervo muito rico de fotografias, por exemplo. São imagens coletadas em campanhas na comunidade, do cotidiano dos próprios moradores e das manifestações culturais como os blocos de carnaval, as casas de umbanda em desaparição, os jogos de futebol. Além de fotografias realizadas por fotógrafos profissionais como João Roberto Ripper. Contém documentos de mobilizações sociais das comunidades (como atas de associações de moradores, jornais informativos), cartas pessoais de moradores antigos e recentes, relatos transcritos de histórias, mitos e lendas do bairro (publicados na forma de um livro de contos), depoimentos de moradores antigos em vídeo, artigos, monografias e teses acadêmicas cujo foco de pesquisa e ação é

a Maré, livros publicados, filmes realizados, e uma hemeroteca que não para nunca de ser atualizada com notícias agrupadas num índice taxonômico infinito. Inclusive anotei alguns: “bandidos, carnaval, cultura, complexo da Maré, desigualdade, favela, funk, governo, invasão, Nova Holanda, paisagem, Timbau, traficantes”, entre muitos outros. Para operar todo este manancial está Marli Damascena, que carinhosamente nos introduz ao arquivo e relata como boa arquivista um tanto de coisas invisíveis num primeiro olhar e que vão desafiando a percepção sensível dos acontecimentos, “ativando” este arquivo interno (por ser também subjetivo) e externo (na sua materialidade visível e intercambiável), com o qual passamos a nos relacionar. De alguma maneira o arquivo ADOV emerge como mais uma das práticas de produção da memória longe da nostalgia do passado. Ali posso apontar pistas de iniciativas anteriores que apresentam o uso de tecnologias de imagem nesta operação da memória. Impressionante é a história da TV Maré, um projeto de criação de matérias com linguagem televisiva realizado com câmera VHS em 1989, 1990.

Pesquisa realizada por Antonio Carlos Pinto e Marcelo Pinto


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