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Saúde e reabilitação oral em doentes

Saúde e reabilitação oral em doentes seniores

Esmeralda Martins Médica Dentista e responsável pela Medicina Dentária na Clínica Milenio

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Oaumento da esperança média de vida – situada nos 78/80 anos, segundo os dados do Instituto Nacional de Estatística (INE) – e a diminuição da taxa da natalidade traduz-se, como é do conhecimento comum, no envelhecimento da população. E quando passamos a ser idosos? Pasme-se quem julgava que já tinha pensado nisso: em países em desenvolvimento o idoso é classificado como o indivíduo que tem 60 anos de idade ou mais e, nos desenvolvidos, a partir dos 65 anos. Uma década depois da maturidade sábia e serena dos 50, entramos, pois, nos cuidados geriátricos.

Um estudo recente do INE revela-nos que quase metade da população portuguesa terá mais de 65 anos dentro dos próximos 60 anos. Num momento em que Portugal foi classificado pela Organização Mundial de Saúde como estando na cauda da Europa no que toca ao tratamento dos seus idosos, urge valorizar e investir particular atenção na Geriatria, a especialidade na medicina que analisa e providencia o tratamento das doenças do envelhecimento.

A medicina dentária, no seu sentido mais geral, é coloquialmente associada – e muitas vezes mesmo mais orientada – para tratamentos da saúde oral de crianças e jovens. Vemos enraizados os hábitos dos pais levarem as crianças aos dentistas (os primeiros dentes, as cáries na infância…), dos adolescentes corrigirem a dentição com aparelhos ortodônticos e cada vez mais dos jovens e adultos manterem essa vigilância e cuidados, mas constatamos que, a dada altura, as visitas ao dentista começam a espaçar mais e mais. Tornou-se normal um idoso ter a dentição comprometida, não ter dentes de todo e usar próteses pouco estéticas e pouco funcionais.

No entanto, o envelhecimento populacional de que tomamos consciência é uma realidade que se vai já traduzindo na amostra dos pacientes que assistimos na prática clínica, e obriga-nos a entender a necessidade de dar cada vez mais atenção a uma população “menos jovem” de modo a proporcionar uma melhoria – que creio muito significativa – na sua qualidade de vida.

Hoje, o paciente de 60 anos é, na sua maioria, um paciente com muita falta dentes, com dentes arrancados e com problemas de maxilar. A sua saúde oral é bastante pobre, com uma elevada prevalência de cáries coronais e radiculares e de patologia periodontal, reabilitação protética inadequada e presença abundante de placa bacteriana, seja nos dentes naturais ou nas próteses.

Ora o processo de envelhecimento do indivíduo é acompanhado por diversas transformações que afetam o sistema mastigatório

“Delimitaria os 60 anos como o marco ideal para iniciar os cuidados de saúde oral geriátricos abrindo assim uma janela de várias décadas de qualidade de vida e saúde.”

e que podem incluir os músculos, a articulação temporomandibular, as glândulas salivares, as mucosas e os próprios dentes e respetivos tecidos de suporte. A face mais visível é a perda dos dentes naturais, com a consequente diminuição da capacidade mastigatória, mas não é a única tribulação.

A medicamentação, doenças sistémicas como a diabetes, a síndrome de Sjorgen (doença crónica inflamatória na qual o sistema imunitário ataca e danifica órgãos e estruturas do próprio organismo, atingindo frequentemente as glândulas exócrinas [como as glândulas salivares, lacrimais e as glândulas da pele]) e os tratamentos oncológicos, nomeadamente a radioterapia à cabeça e pescoço contribuem, por exemplo, para um baixo nível de saliva no idoso, sendo a Xerostomia, ou “boca seca”, promotora e potenciadora de cáries, gengitives, risco de candidíase oral e outras sequelas na saúde oral. O tabagismo, o consumo excessivo de café e o stress também geram a hipofunção das glândulas salivares. A xerostomia pode ainda afetar o prazer na ingestão de alimentos, pela dificuldade na

mastigação e deglutição e diminui a retenção das próteses removíveis podendo comprometer a dieta alimentar e fazer perder a vontade de ingerir alimentos.

Uma higiene bucal rigorosa, o uso de dentífricos e tratamentos bocais adequados, a ingestão de muita água e uma dieta adequada pode ajudar a minorar estes sintomas. Os efeitos colaterais da idade e a falta de cuidados e vigilância fazem desta uma população de risco debilitada na sua saúde oral mas também, é importante ressalvar, mais informada hoje em dia e que reconhece e começa a valorizar o investimento na saúde oral.

Revestem-se, pois, de particular importância as reabilitações, que devem ser cuidadosamente planeadas e tidas em conta essas alterações próprias da faixa etária, e também com o facto dos doentes apresentarem, na maioria dos casos, outras patologias e serem polimedicados.

Qualquer que seja o tipo de reabilitação a ser operada, deverá ser escolhida tendo também presentes os aspetos psicológicos e a fragilidade emocional associados aos problemas do envelhecimento, doenças associadas e incrementados pela perda ou comprometimento avançado da dentição (fraca autoestima, isolamento, depressão). Há ainda a considerar o menor poder de adaptação das estruturas articulares tendo as próteses, sejam elas fixas ou removíveis, de ser elaboradas de maneira a estarem em harmonia com o funcionamento da articulação temporomandibular.

Delimitaria os 60 anos como o marco ideal para iniciar os cuidados de saúde oral geriátricos abrindo assim uma janela de várias décadas de qualidade de vida e saúde. Quando iniciei a minha prática, as pessoas de 60 anos partiam de uma postura de que “já não valia a pena”, agora, os 60, e também os 70, já começam a ser encarados pelos pacientes como uma idade razoável e cada vez mais pertinente para se cuidar do sorriso e da saúde da boca e dos dentes, valorizando também, com crescente importância, a sua parte estética. Cabe ao profissional informar e divulgar os modernos tipos de reabilitação disponíveis para esta população, com tratamentos hoje em dia mais acessíveis, menos invasivos, menos demorados e praticamente indolores.

Adaptando a célebre frase de Victor Hugo - “40 anos é velhice para a juventude, e 50 anos é juventude para a velhice” - diria que os 60 anos podem ser velhice para a juventude, mas são atualmente juventude para os tratamentos de saúde oral. Aponto, em seguida, alguns dos casos mais comuns que surgem na prática clínica na população idosa e o tipo de intervenção realizada, tendo em conta todos os fatores anteriormente enunciados.

Os tratamentos contra o cancro têm evoluído bastante ao longo do tempo, com melhorias muito significativas para o doente em termos de eficácia e de qualidade de vida, mas têm efeitos a longo prazo que necessitam de acompanhamento e cuidado. Entre as várias eventuais sequelas, esses pacientes podem apresentar problemas a nível dos dentes e das gengivas que não devem ser descurados. A quimioterapia, por exemplo, pode afetar o esmalte dos dentes e aumentar o risco de problemas dentários e altas doses de radioterapia na região da cabeça e pescoço podem alterar o desenvolvimento dos dentes, causar doenças da gengiva e diminuir a produção de saliva (xerostomia), provocando boca seca.

Antes e depois

através da colocação de 4 a 6 implantes na região anterior dos maxilares, onde a densidade óssea é maior, permitindo a colocação de uma prótese fixa de 12 a 14 dentes, imediatamente, no próprio dia da cirurgia. Quando se tem todos os dentes em falta ou quando os dentes já não são viáveis, este é o método utilizado para devolver os dentes e consequentemente a harmonia e a juventude ao sorriso do paciente.

Antes e depois

Figuras 3 e 4. Doente com falta de dentes e muitos estragos, mobilidade dentária e problemas periodontais.

O natural envelhecimento reflete-se nos dentes amarelados, mais curtos (bruxismo e desgaste natural) com espaçamentos e apinhamentos causados por problemas gengivais e mobilidade dentária.

Antes e depois

Figuras 1 e 2. Doente oncológico - dentição comprometida pelos tratamentos de radioterapia às cordas vocais.

Esta impressionante reabilitação foi efetuada num paciente que passou por um processo de radioterapia nas cordas vocais para combater um tumor, que se consistiu numa curetagem subgengival seguida de destartarização, vital para assegurar a boa saúde das gengivas e reabilitação no maxilar superior com a colocação de facetas feldspáticas.

É comum o paciente idoso apresentar falta dentes e muitos estragos, muita mobilidade dentária e problemas periodontais. A reabilitação indicada poderá passar por retirar os poucos dentes e colocar implantes de carga imediata. A técnica com o mínimo de 4 implantes é um procedimento cirúrgico e protético que consiste na reabilitação da maxila e da mandibula, com prótese fixa,

Figuras 5 e 6. Makeover dentário em doente de 60 anos com dentes envelhecidos e estética comprometida.

Na foto do depois, podemos ver o resultado, após curetagem subgengival seguida de destartarização, com a aplicação de três facetas resistentes e muito estéticas no maxilar superior e uma apenas no maxilar inferior.

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